Vedovello Camila de Lima Prendam no Prendam no Revista Espaco Academico
Descrição do Produto
12/10/2015
Prendamno! Prendamno! Notas sobre o encarceramento no Estado de São Paulo
Prendamno! Prendamno! Notas sobre o encarceramento no Estado de São Paulo CAMILA DE LIMA VEDOVELLO Mestranda em Ciências Sociais na Universidade Estadual Paulista – Unesp, FFC Faculdade de Filosofia e Ciências, Campus de Marília
por Camila de Lima Vedovello Quando, um dia, o guarda me disse que eu estava preso havia cinco meses, acreditei, mas não compreendi. Para mim era sempre o mesmo dia, que caía na minha cela [...] (Albert Camus O Estrangeiro) Esse artigo busca desvelar como a política de mais encarceramento vem paulatinamente se dando no Estado de São Paulo. Não pretendemos esgotar o assunto, mas sim refletir sobre o que há por trás do aumento do número de estabelecimentos prisionais no Estado de São Paulo. Relacionamos esse crescimento do número de prisões com uma política maior, de mais encarceramento no Brasil, e em várias outras partes do globo, tendo como propósito um controle sobre a população pobre. Nos últimos anos, um tipo de edificação vem se tornando cada vez mais presente na paisagem urbana e rural no Estado de São Paulo. Essa construção é a prisão. Há algum tempo o governo está construindo mais e mais prisões pelo Estado, aumentando o número de instituições de encarceramento existentes. Esse aumento no número de presídios revela um crescimento proporcional do número de crimes? Para Foucault (1979: 132133) o nascimento das prisões enquanto ponto principal da punição esteve ligado desde a sua origem a uma política de proteção da riqueza dos donos do capital por um lado e, por outro a extração de maiores lucros dos trabalhadores por meio de uma moral que se estabeleceu a partir do século XIX. Já que a sociedade industrial exige que a riqueza esteja diretamente nas mãos não daqueles que a possuem mas daqueles que permitem a extração do lucro fazendoa trabalhar, como proteger esta riqueza? Evidentemente por uma moral rigorosa: daí esta formidável ofensiva de moralização que incidiu sobre a população do século XIX. [...]. Foi absolutamente necessário constituir o povo como um sujeito moral, portanto separandoo da delinqüência, portanto separando nitidamente o grupo de delinqüentes, mostrandoos como perigosos não apenas para os ricos, mas também para os pobres, mostrandoos carregados de todos os vícios e responsáveis pelos maiores perigos. Portanto, para Foucault (1979), essa moral que se estabeleceu a partir do século XIX, foi necessária para que se pudesse extrair maiores lucros dos trabalhadores que trabalhavam cada vez mais para diferenciarse do sujeito delinqüente. Foucault ainda relata que quando o criminoso adentrava a prisão, logo começava a carregar um estigma de delinqüente que levaria consigo mesmo quando liberto. A prisão, nesse sentido, faz o delinqüente e não recupera o sujeito transformandoo em cidadão ressocializado e, além da mãodeobra barata, a delinqüência também legitima o uso da força e a vigilância pelo Estado. É através do discurso da proteção contra a violência que a sociedade permite a circulação de policiais entre os cidadãos, controlando e vigiando a todos[1]. Em seu livro “As Prisões da Miséria”, Wacquant (2001: 9697) traça um panorama das políticas de encarceramento nos Estados Unidos e na Europa, relacionando o
http://www.espacoacademico.com.br/080/80vedovello.htm
1/5
12/10/2015
Prendamno! Prendamno! Notas sobre o encarceramento no Estado de São Paulo
crescimento vertiginoso de encarceramentos nesses locais, com a diminuição do chamado Estado Previdência. Essa política de mais encarceramento velaria de um lado o desemprego em massa existente e garantiria por outro uma grande oferta de mãodeobra barata, através do trabalho carcerário. Em primeiro lugar, o sistema penal contribui diretamente para regular os segmentos inferiores do mercado de trabalho. [...] ele comprime artificialmente o nível de desemprego ao subtrair à força milhões de homens da “população em busca de um emprego” e, secundariamente, ao produzir um aumento do emprego no setor de bens e serviços carcerários, setor fortemente caracterizado por postos de trabalho precários [...] O controle ostensivo do crime, inclusive com a política da “tolerância zero”[2] legitimada através do discurso científico do Manhattan Institute, escamoteiam a verdadeira razão dessas políticas, que não seria a diminuição da violência mas a perseguição aos pobres. Para Wacquant (2001: 50): “[...] a “tolerância zero” é o complemento policial indispensável do encarceramento em massa, [...]” e, ainda sobre as singularidades da contenção em massa nos Estados Unidos, revela: [...] De fato, em 1998, a quantidade de condenados por contenciosos nãoviolentos reclusos nas casas de detenção e nos estabelecimentos penais dos Estados Unidos rompeu sozinha a cifra simbólica do milhão. Nas prisões dos condados, seis penitenciários em cada 10 são negros ou latinos; menos da metade tinha emprego em tempo integral no momento de ser posta atrás das grades e dois terços provinham de famílias dispondo de uma renda inferior à metade do “limite da pobreza” (p 83)
A partir desses dados empíricos, Wacquant demonstra como a expansão das prisões e, conseqüentemente, dos sujeitos reclusos, desvela uma política de controle da pobreza[3]. Wacquant (2001: 11), relata que as prisões no Brasil encontramse entre as piores do mundo em relação às condições de encarceramento e que em relação ao imenso número de presídios encontrase no nível das prisões do Primeiro Mundo. [...] O sistema penitenciário brasileiro acumula com efeito as taras das piores jaulas do Terceiro Mundo, mas levadas a uma escala digna do Primeiro Mundo, por sua dimensão e pela indiferença estudada dos políticos e do público: entupimento estarrecedor dos estabelecimentos [...]; negação de acesso à assistência jurídica e aos cuidados elementares de saúde, [...]; violência pandêmica entre detentos, sob forma de maustratos, extorsões, sovas, estupros e assassinatos, em razão da superlotação superacentuada, da ausência de separação entre as diversas categorias de criminosos, da inatividade forçada [...] e das carências de supervisão. Ao dizer que no Brasil as prisões têm uma escala digna de primeiro mundo, Wacquant está remetendose ao crescimento vertiginoso de estabelecimentos prisionais no país, fenômeno que também ocorre na Europa, tendo como modelo a expansão carcerária dos Estados Unidos. Macaulay (2006: 16), revela números sobre a expansão carcerária no Brasil: Entre 1995 e 2005, a população prisional no Brasil cresceu abruptamente de 148.760 para 361.420, mais que o dobro em uma década. Isso foi acompanhado de um acentuado crescimento da taxa encarceramento, de 95.5 para 190 por 100.000 habitantes. [...] Focando nosso olhar para o Sistema Penitenciário do Estado de São Paulo, observamos que desde o ano de 2001, foram criados diversos presídios no Estado. Atualmente existem cerca de 144 presídios, sendo que essas instituições diferenciamse pelo “público alvo”, ou seja, foram construídos desde os Regimes
http://www.espacoacademico.com.br/080/80vedovello.htm
2/5
12/10/2015
Prendamno! Prendamno! Notas sobre o encarceramento no Estado de São Paulo
Disciplinares Diferenciados (RDD) para detentos de alta periculosidade, até os Centros de Ressocialização (CR) para detentos de baixa periculosidade. O crescimento do sistema penitenciário paulista não começa exatamente no ano de 2001, esse processo já estava ocorrendo há algum tempo e, a partir de 2001 acelerouse. Assim, o número de pessoas encarceradas passou de 33.777 no ano de 1996, para 125.523 em 2006[4], ou seja, o número de encarceramentos no Estado de São Paulo quase quadruplicou em dez anos, demonstrando uma clara política de mais encarceramento. Esse aumento do encarceramento no Estado de São Paulo está no bojo da política de segurança existente nos Estados Unidos e em outras partes do globo, é através do encarceramento massivo que se vela a pobreza e o desemprego existentes. Macaulay, (2006: 16) relata que: Esse aumento da população prisional, tanto em termos absolutos quanto em termos relativos, é menos o reflexo do crescimento das taxas criminais per se e mais o resultado de políticas de sentenças judiciais ou provimentos legais que aprisionam suspeitos e criminosos de forma rotineira. Essas são moldadas por ma ideologia prevalente de que a “prisão funciona” pela falta de alternativas. [...] Assim, a partir das observações de Macaulay, podemos inferir que o crescimento do número de prisões não tem relação direta com o crescimento do número de crimes no Estado de São Paulo, mas sim com uma política de acobertar os números reais de desemprego de um lado e obter mãodeobra barata de outro. O trabalho é considerado nas prisões como um caminho que leva o encarcerado a ressocialização. Assim, instalamse fábricas nas prisões utilizando os homens e mulheres reclusos como mãodeobra. No Estado de São Paulo, as fábricas são instadas a instalaremse nas prisões por intermédio da FUNAP (Fundação de Amparo ao Preso)[5]. Para isso, as empresas contratantes de mãodeobra carcerária são isentas de estabelecerem vínculo empregatício com os presos, além de não terem que pagar os encargos sociais. Os presos não trabalham em regime CLT (Consolidação das Leis de Trabalho), pois o vínculo entre o empregado e o empregador é estabelecido através da LEP (Lei de Execuções Penais), não gozam de direitos trabalhistas, recebem como base de pagamento um salário mínimo quando o contrato não for por produção, o que pode reduzir esse salário. Outra vantagem para as fábricas é que os presos não fazem greves para reivindicar melhores condições de trabalho e melhores salários, ou seja, não atravancam a produção para conseguirem trabalhar recebendo mais e em melhores condições. Um importante dado da própria FUNAP expõe que o número de presos que trabalham dentro das prisões do Estado de São Paulo é de 39.000, representando cerca de 51,30% do total de presos condenados. A produção só é parada quando ocorrem motins e rebeliões, que geralmente têm como reivindicação um tratamento mais humano, quando não são realizadas para demonstrar força de determinadas facções criminosas como ocorre com o Primeiro Comando da Capital PCC. Desse modo, os detentos não fazem greves para buscarem melhores salários e melhores condições de trabalho e sim rebeliões e motins para garantir um melhor tratamento do Estado, porque esses sujeitos não se reconhecem enquanto trabalhadores, e sim enquanto presos[6]. Temos que ressaltar também que muitas das rebeliões como as orquestradas no anos de 2001 e 2006, foram realizadas pelo PCC, de maneira a demonstrar e disputar forças com o Estado[7].
Clique e cadastrese para receber os informes mensais da
Percebemos, portanto, a existência de uma política de encarceramento que teve sua gênese nos Estados Unidos, expandindose pela Europa e que vem se expandindo no Brasil e no Estado de São Paulo, com conseqüente aumento do número de prisões e de pessoas presas, de forma a transformar esses locais em Estados policialescos.
http://www.espacoacademico.com.br/080/80vedovello.htm
3/5
12/10/2015
Prendamno! Prendamno! Notas sobre o encarceramento no Estado de São Paulo
Revista Espaço Acadêmico
Diferentemente de seus discursos, a prisão historicamente mostrouse enquanto uma instituição que não pretende ressocializar aqueles que cometem crimes, pois quando olhamos com maior atenção para as políticas prisionais e de segurança pública, percebemos como elas trabalham a partir de interesses de determinadas classes sociais, para manutenção da ordem social que se pretende vigente. Prendese cada vez mais pessoas, diminuindo a taxa de desemprego e permitindo que as fábricas consigam extrair maior lucro da mãodeobra encarcerada. Assim, a política de mais encarceramento que vem sendo instalada no Estado de São Paulo, permite de um lado um controle social da pobreza e do desemprego, e de outro, maiores lucros para as fábricas através da exploração do trabalho daqueles que encontramse atrás das grades. Referências Bibliográficas CAMUS, A. O Estrangeiro. In: CAMUS, A. Estado de Sítio; O Estrangeiro. São Paulo: Abril Cultural, 1982. FOUCAULT, M. Vigiar e Punir. Petrópolis/ Rio de Janeiro: Vozes, 1979. MACAULAY, F. Prisões e Política Carcerária. In: Lima, R.S. Paula, L. (orgs). Segurança Pública e Violência. São Paulo: Editora Contexto, 2006. POPULAÇÃO CARCERÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO DE 1994 A 2006. Disponível em: http://www.sap.sp.gov.br/common/dti/estatisticas/populacao.htm. Acesso em: 12/11/2006. RAMALHO, J.R. O Mundo do Crime – A Ordem pelo Avesso. São Paulo: IBCCRIM, 2002. SALLA, F. As rebeliões nas prisões: novos significados a partir da experiência brasileira. Sociologias. Porto Alegre, ano 8, n° 16, jul/dez 2006, pg. 247307. THOMPSON, E.P., A Formação da Classe Operária Inglesa III – A força dos trabalhadores. São Paulo: Paz e Terra, s/d.
ZALUAR, A. Para não dizer que não falei de samba: os enigmas da violência no Brasil. In: Schwarcz, L. M. (org.). História da Vida Privada no Brasil – 4 – Contrastes da Intimidade Contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. WACQUANT, L. As Prisões da Miséria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001. Sites http://www.sap.sp.gov.br/common/dti/estatisticas/presos%20x%20funcionarios.htm Acessado em: 21/11/2006. http://www.funap.sp.gov.br/ . Acessado em: 21/11/2006.
[1] Acerca da vigilância realizada pelo Estado, Ramalho (2002: 20) expõe como essa vigilância é maior entre as classes mais pobres: “[...] a pretexto de vigiar o crime dentro e fora da cadeia, se exerce a repressão sobre os mais pobres, colocados sempre sob suspeição. A ação da polícia, por exemplo, deixa isto bem claro. Sua atividade está voltada acima de tudo para repressão dos grupos sociais mais pobres, e ver neles características da delinqüência lhes dá o “direito” a essa vigilância constante”. O autor expõe, dessa forma, como a vigilância é mais intensa com as camadas mais pobres da população, embora não possamos negar que a vigilância e o controle policial atingem todos os setores da sociedade. [2] Explicitando o que seria a política de “tolerância zero”, Wacquant (2001: 51) coloca em seu trabalho um discurso do primeiro ministro britânico sobre essa política: “[...] para evitar qualquer equívoco sobre o alvo visado por essas medidas, o primeiroministro britânico sustentava seu apoio à “tolerância zero” nos seguintes termos, que não podem ser mais claros: “É importante dizer que não toleramos mais as infrações menores. O princípio de base aqui é dizer que, sim, é justo ser intolerante para com os semteto na rua.”. [...]” [3] A correlação direta entre pobreza e criminalidade há muito é refutada dentro das Ciências Sociais, pois essas análises acabam por criminalizar a pobreza, mostrando se como uma teoria perversa que, faz por recair sobre os setores mais pauperizados da população um estigma que legitima uma maior vigilância e repressão sobre eles. Acerca dessa questão, Zaluar (1998: 252) relata: “[...] Nos anos 90, a generalização de imagens da cidade como um ambiente violento e os sentimentos de medo e insegurança dela decorrentes passaram a fazer parte do cotidiano dos seus moradores, mas atingiram particularmente os que vivem nas favelas e bairros pobres. Essas ameaças à segurança quebram o equilíbrio das tensões em que se monta a paz social, vindo a alimentar os círculos viciosos da violência cotidiana em que os pobres tornamse os mais temidos e os mais acusados, justificando a violenta e injusta repressão que sofrem.” Podemos perceber, porém, que a pobreza é criminalizada pelas políticas de segurança afim de contelos.
http://www.espacoacademico.com.br/080/80vedovello.htm
4/5
12/10/2015
Prendamno! Prendamno! Notas sobre o encarceramento no Estado de São Paulo [4] Dados obtidos em: http://www.sap.sp.gov.br/common/dti/estatisticas/presos%20x%20funcionarios.htm Acessado em: 21/11/2006. [5] Dados obtidos em: http://www.funap.sp.gov.br/ . Acessado em: 21/11/2006.
[6] Relatando acerca de como os trabalhadores ingleses reconheceramse enquanto uma classe, a classe operária, Thompson (s/d: .304), afirma que: “[...] a partir de sua experiência própria e com o recurso à sua instrução errante e arduamente obtida, os trabalhadores formaram um quadro fundamentalmente político da organização da sociedade. Aprenderam a ver suas vidas como parte de uma história geral de conflitos [...].”. Os trabalhadores reconhecemse portanto enquanto classe a partir das experiências vividas enquanto trabalhadores, os encarcerados, por encontrarem se nessa situação dividem suas experiências a partir da criminalidade, que foi o que os levou a prisão, não conseguindo reconhecerse e portanto, articularse enquanto trabalhadores.
[7] Salla (2006), tratou da questão das rebeliões em presídios no Brasil em artigo, onde defende a idéia de que o Estado não tem mais controle sobre as prisões, não conseguindo gerilas nem estabelecer uma paz interna sem que negocie com as organizações criminosas. http://www.espacoacademico.com.br © Copyleft 20012008 É livre a reprodução para fins não comerciais, desde que o autor e a fonte sejam citados e esta nota seja incluída
http://www.espacoacademico.com.br/080/80vedovello.htm
5/5
Lihat lebih banyak...
Comentários