Ver para Crer - Imagem e Persuasão nos manuscritos da Légende dorée (Jean de Vignay, séculos XIV-XV)

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Descrição do Produto

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

TEREZA RENATA SILVA ROCHA

VER PARA CRER – IMAGEM E PERSUASÃO NOS MANUSCRITOS DA LÉGENDE DORÉE (JEAN DE VIGNAY, SÉCS. XIV-XV)

Orientadora: Profª. Drª. VÂNIA LEITE FRÓES

Niterói 2015

TEREZA RENATA SILVA ROCHA

VER PARA CRER – IMAGEM E PERSUASÃO NOS MANUSCRITOS DA LÉGENDE DORÉE (JEAN DE VIGNAY, SÉCS. XIV-XV)

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Doutor em História Social. Setor Temático: História Medieval

Orientadora: Profª. Drª. VÂNIA LEITE FRÓES

Niterói 2015

TEREZA RENATA SILVA ROCHA

VER PARA CRER – IMAGEM E PERSUASÃO NOS MANUSCRITOS DA LÉGENDE DORÉE (JEAN DE VIGNAY, SÉCS. XIV-XV) Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Doutor em História Social. Setor Temático: História Medieval Aprovada em 27 de março de 2015.

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________________________ Profª. Drª. Vânia Leite Fróes (Orientadora) Universidade Federal Fluminense _______________________________________________________________________ Prof. Dr. Sínval Carlos Mello Gonçalves Universidade Federal do Amazonas _______________________________________________________________________ Profª. Drª. Néri de Barros Almeida Universidade Estadual de Campinas ________________________________________________________________________ Prof. Dr. Ronaldo Vainfas Universidade Federal Fluminense ________________________________________________________________________ Prof. Dr. Edmar Checon de Freitas Universidade Federal Fluminense

Niterói 2015

Em memória de minha mãe, Margareth.

AGRADECIMENTOS À CAPES, que proveu os recursos necessários para o desenvolvimento desta pesquisa através da bolsa de Doutorado. Além disto, por ter me concedido a bolsa CAPES/COFECUB de Doutorado Sanduíche, possibilitando desse modo a realização da pesquisa em Paris, período imprescindível de estudo e amadurecimento para que este trabalho pudesse ser desenvolvido plenamente. À Profª. Drª. Vânia Leite Fróes por ser minha guia nesses mares turbulentos da pesquisa, pelo carinho, apoio, incentivo, amizade, paciência e pelo pulso firme nos momentos certos. Seu exemplo de dedicação ao magistério é uma inspiração. Ao Prof. Dr. Jean-Claude Schmitt pela orientação e auxílio durante o estágio de Doutorado Sanduíche em Paris e pela participação no meu Exame de Qualificação. À Profª. Drª. Marie Anne Polo de Beaulieu pelas indicações de bibliografia e sugestões bastante pertinentes para o desenvolvimento deste trabalho. Ao Prof. Dr. Sínval Carlos Mello Gonçalves pela participação no meu Exame de Qualificação. Sua leitura atenta do material muito contribuiu para a pesquisa. Aos membros integrantes da banca de defesa, que cordialmente aceitaram ler este trabalho. Ao Programa de Pós-Graduação em História da UFF e seus funcionários. À Bibliothèque nationale de France (BNF), por ter me permitido consultar códices da Légende dorée indisponíveis para consulta. Ao Institut de recherche et d’histoire des textes (IRHT), pela disponibilização de seu acervo precioso de microfichas. Ao Groupe d'Anthropologie Historique de l'Occident Médiéval (GAHOM), por colocar sua estrutura à disposição, principalmente seu banco de dados de imagens. Ao Scriptorium – Laboratório de Estudos Medievais e Ibéricos, por proporcionar o contato com pesquisadores de alto nível e pelos debates engrandecedores. Aos “scriptorianos” Ieda Avenia, Jonathan Mendes, Viviane Azevedo e Katiuscia Barbosa, por compartilharem comigo as angústias, expectativas, dores e delícias da pesquisa acadêmica. Vocês fizeram este caminho ser menos tortuoso e solitário. Ao também “scriptoriano” Leonardo Fontes, por sua amizade sincera, pelo apoio incondicional, pelas críticas pertinentes e afagos providenciais. À Nathália Peixoto, Roberta Marsili, Michelle Possapp e Rafaela Sartori pela amizade, carinho, compreensão e preocupação durante esta trajetória. Ao meu pai, Cesar, por ser o meu maior incentivador, pelo carinho e pela palavra certa nos momentos de incerteza. Aos meus irmãos, Maria e Junior, por me darem a força necessária para seguir em frente. À Denise, Rosângela, Antonio e Thalita pelo apoio e carinho.

RESUMO

Análise do processo e lugar de produção, além dos mecanismos de veiculação e propagação, da iconografia do confronto entre santos e demônios presente nos manuscritos ilustrados da Legenda Áurea (c.1260-c.1298) compilada pelo dominicano Jacopo de Varazze e traduzida por Jean de Vignay (c.1333). Esta tradução teve grande influência e foi a mais popular das sete traduções do texto para o francês durante a Baixa Idade Média, restando cerca de 28 manuscritos ilustrados conservados, produzidos nos séculos XIV e XV. A tradução da Legenda em francês implica efetivamente a emergência de um novo público e então de uma nova forma de leitura, em que as ilustrações possuem um papel deveras importante. Observa-se nessas imagens que há uma retórica específica destinada ao convencimento do espectador. As representações do confronto entre o bem e o mal adquirem um caráter teatralizado, com o objetivo de provocar no espectador uma emoção que se relaciona com a reafirmação de sua fé. Palavras-chave: imagem; persuasão; hagiografia; diabo; Legenda Áurea

ABSTRACT Analysis of the process and production place, besides the delivery and dissemination approaches, of the iconography of the confrontation between saints and demons present in the illustrated manuscripts of the Golden Legend (c.1260-c.1298) compiled by the Dominican Jacobus de Voragine and translated by Jean de Vignay (c.1333). This translation had great influence and it was the most popular of the seven translations of the text for French during the Low Medium Age, remaining about 28 conserved illustrated manuscripts, produced in the 14th and 15th. The translation of the Legend in French implicates in the rising of a new public indeed and then in a new way of reading, in which the illustrations have a really important role. It is observed in those images that there is a specific rhetoric destined to convince the spectator. This consists of the dramatization of the direct confrontations between good and evil, with the purpose of nourishing the faith in God's power to defeat the Evil.

Key words: image; persuasion; hagiography; devil; Golden Legend

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Bible Historiale, London, BL, Royal MS 17 E VII vol 1, fol. 7r ..............................................123 Figura 2- Santo Antão, B.N.F., ms. fr. 414, f. 50v. ................................................................................146 Figura 3- Sainte Agnès, fol.47v., Bibliothèque Municipale de Rennes, ms. 266 ...................................147 Figura 4 - La Légende dorée, Paris, BnF, ms. fr. 242, fol. 168v, De saint Cyriaque .............................148 Figura 5 - Paris, BNF, ms. fr.241 - s. Sébastien et parents éplorés, f. 43 .............................................149 Figura 6- Paris, BNF, ms. fr. 241 - martyre de s. julienne , f. 69v .........................................................150 Figura 7 - Paris, BNF, ms. fr. 242 - s. julienne liant le diable, f. 59v......................................................150 Figura 8 - De saint Nicolas, fol. 10v, Paris, BNF, ms. fr. 241. ...............................................................151 Figura 9 - De saint Donat, fol.282v, Munique, Bayerische Staatsbibliothek, ms. Gall. 3 .......................152 Figura 10- De saint Etienne, fol.26, Londres, British Library, ms. Royal 19.B.XVII ...............................153 Figura 11- BNF, MS, Français 242, fol. 32v, Miracle de saint Hilaire ....................................................153 Figura 12 - Arras, BM, ms. 83, c.1400, fol. 65v, De sainte Julienne (detalhe) ......................................157 Figura 13 - Paris, BnF, ms. fr. 242, c.1402, fol.146, De saint Jacques le Majeur (detalhe) ...................157 Figura 14 - Paris, BnF, ms. fr. 244, fol. 9, De saint André (detalhe) ......................................................158 Figura 15 - Chantilly, MC, ms. 735, c.1365, fol.74, De saint Blaise (detalhe) .......................................159 Figura 16 - Paris, BnF, ms, fr. 241, fol.158, De sainte Théodore (detalhe) ...........................................159 Figura 17 - New York, PML, ms. 672, fol.88v, De saint Antoine (detalhe) ............................................160 Figura 18 - Rennes, BM, ms.266, c.1400, fol.266v, De sainte Justine vierge (detalhe) .......................161 Figura 19 - Paris, BnF., ms. fr. 242, fol.137, De sainte Théodore (detalhe) ..........................................161 Figura 20 - Paris, BNF, ms. fr. 6448, c. 1480, fol. 78, De sainte Julienne (detalhe) ..............................162 Figura 21 - Paris, BnF, ms. fr. 245, c.1480, fol.104, De saint Mathieu ..................................................163 Figura 22 - Arras, BM, ms.83, c.1400, fol.64v, De saint Amand (detalhe) ............................................165 Figura 23 - Paris, BnF, ms. fr. 184, c.1402, fol.128, De saint Philippe apôtre (detalhe) ........................165 Figura 24- Paris, BnF, ms. fr. 242, c.1402, fol. 154, De sainte Marthe (detalhe) ..................................166 Figura 25 - Paris, BnF, ms. fr. 414, c.1404, fol. 199v, De sainte Marguerite .........................................166 Figura 26 - Paris, BnF, ms. fr. 2424, c.1402, fol. 58v, De saint Vaast ...................................................167 Figura 27 - Paris, BnF, ms. fr. 241, 1348, fol. 41, De saint Antoine (detalhe) .......................................168 Figura 28 - Paris, BnF, ms. fr. 6448, c.1480, fol. 45v, De saint Antoine (detalhe leão) .........................168 Figura 29 - Paris, BnF, ms. fr. 6448, c.1480, fol. 45v, De saint Antoine (detalhe unicórnio) .................169 Figura 30 - Paris, BnF, ms. fr. 6448, c.1480, fol. 68, De saint Ignace ...................................................169 Figura 31 - Paris, BnF, ms. fr. 241, c.1348, fol. 114v, De saint Philippe apôtre ....................................170

Figura 32 - Londres, BL, ms. Royal 19.B.XVII, 1382, fol.122, De saint Philippe apôtre ........................171 Figura 33 - Paris, BnF, ms. fr. 184, c.1402, fol. 128, De saint Philippe apôtre ......................................171 Figura 34 - Paris, BnF, ms. fr. 184, c.1402, fol. 17v, De saint Thomas apôtre ......................................172 Figura 35 - Paris, BnF, ms. fr. 241, 1348, fol. 39v, De saint Macaire ....................................................173 Figura 36 - Paris, BnF, ms. fr. 414, c.1404, fol. 49, De saint Macaire ...................................................173 Figura 37 - Munique, BS, ms, Gall 3, c.1430, fol. 28, De saint Macaire ................................................174 Figura 38 - New York, PML, ms. 672, c.1465, fol. 85v, De saint Macaire .............................................174 Figura 39 - New York, PML, ms. 672, c.1465, fol. 5, Jugement dernier ................................................176 Figura 40 - Bruxelles, BR, ms. 9228, c.1405, fol. 7, De l’Avènement de Notre-Seigneur (detalhe) ......177 Figura 41 - Paris, BnF, ms. fr. 244, c. 1480, fol. 118, Du temps de déviation (detalhe) ........................179 Figura 42 - Paris, BnF, ms. fr. 244, c.1480, fol.104v, De saint Patrice ..................................................180 Figura 43 - Cambridge, FM, ms. 22, fol. 91, De Sixième Commandement ...........................................181 Figura 44 - Cambridge, FM, ms. 22, fol. 91, De Septème Commandement .........................................182 Figura 45 - Rennes, Bibliothèque Municipale, ms. 266, f.269v, De Saint Fursy ....................................186 Figura 46 - Paris, B.N.F., ms. fr. 242, f.218v, De Saint Fursy ...............................................................187 Figura 47 - Paris, B.N.F., ms. fr. 242, f.218v, De Saint Fursy (detalhe) ................................................188 Figura 48 - Chantilly, MC, ms.735, c.1365, fol. 74, De saint Blaise ......................................................189 Figura 49 - New York, PML, ms. 672, c.1460, fol.103, De saint Blaise .................................................190 Figura 50 - New York, Pierpont Morg. Lib., ms. M 675, f.105, De Saint Fursy ......................................192 Figura 51 - New York, Pierpont Morg. Lib., ms. M 675, f.105, De Saint Fursy (detalhe) .......................192 Figura 52 – De civitate Dei, BnF, ms. Français 27, fol. 4, Chute des anges déchus ............................194 Figura 53 - Munique, Bayerische Staatsbibliothek, ms. Gall. 3, f.190, De Saint Fursy .........................195 Figura 54 - Paris, BnF, ms. fr. 241, fol. 41, Saint Antoine .....................................................................198 Figura 55 - New York, P. Morgan Lib., M672, fol.88v, Saint Antoine ....................................................199 Figura 56 - Paris, BnF, ms. fr. 242, fol. 34v, Saint Antoine ...................................................................200 Figura 57 - Paris, BnF. ms. fr. 244, c. 1480, fol.47v , Saint Antoine ......................................................200 Figura 58 - Paris, BnF. ms. fr. 6448, c. 1480, fol. 45v, Saint Antoine ....................................................201 Figura 59 - Pèlerinage de l'âme, BnF, ms.fr. 376, fol. 106, Saint Michel pesant le sort de Guillaume de Digulleville .............................................................................................................................................203 Figura 60 – Heures de jeanne de navarre, BnF, Nouvelle acquisition latine 3145, fol. 184, Saint Michel pesant les ames ....................................................................................................................................204 Figura 61 - Paris, BnF, ms. fr. 242, c. 1402, fol.219v, Saint Michel ......................................................205 Figura 62 - Jena, Uni., ms. Gall fº86, c. 1420, fol.227, Saint Michel .....................................................206

Figura 63 - Bruxelas, Bibl. Royale, ms. 9282-5, c.1460-85, fol. 241v, Saint Michel ..............................207 Figura 64 - Français 242, fol. 88, Saint Georges terrassant le dragon ..................................................210 Figura 65 - Saint Georges. Rennes, BM, ms. 266, f. 109 .....................................................................211 Figura 66 - New york, Pierp. Mog. Lib, M 672-5, fol.227, Saint Georges ..............................................212 Figura 67 - Paris, Bibliothèque Mazarine, ms.1729, c.1370, Sainte Marguerite, f.157 ..........................213 Figura 68 - Paris, BnF, ms. fr. 242, c.1402, Sainte Marguerite, f.138v ................................................213 Figura 69 - Paris, BnF, ms. fr. 6448, c.1480, Sainte Marguerite, f. 179 ................................................214 Figura 70 - Munique, Bayerische Staatsbibliothek, ms. gall 3, c.1430, Sainte Marthe, f.133 ................215 Figura 71 - Londres, British Library, ms. Royal 19 B XVII, 1382, Sainte Marthe, f.186 .........................215 Figura 72 - Arras, Bibliothèque Municipale, ms.83, c.1400, Sainte Marthe, f.172 .................................216 Figura 73 - Chantilly, MC, ms.735, c.1365, fol.116, De saint Georges .................................................217 Figura 74 - Chantilly, MC, ms.735, c.1365, fol.182v, De sainte Marguerite ..........................................217 Figura 75 - La Légende dorée, Munique, Bayerische Staatsbibliothek, MS. gall. 3, c.1430, De sainte Marine, fol.103v ....................................................................................................................................219 Figura 76 - Paris, B.N.F., ms. fr. 242 - c. 1402, De saint Cyriaque, fol. 168v ........................................221 Figura 77 - Munique, Bayerische Staatsbibliothek, ms. Gall. 3 - c. 1430, De saint Mathurin, fol. 279v .222 Figura 78- La Légende dorée, Arras, Bibliothèque Municipale, ms. 83 - c. 1400, fol. 158, Saint Apollinaire (detalhe) ..............................................................................................................................225 Figura 79 - La Légende dorée, Paris, BnF, ms. fr. 184, f. 239, De saint Barthélémy apôtre (detalhe) ..225 Figura 80 - Paris, BnF, ms. fr. 242, fol. 309v, De saint Mathurin (detalhe)............................................226 Figura 81 – New York, Pierpont Morgan Library, MS. 674, fol.383v, De saint Donat (detalhe) .............226 Figura 82 - Paris, BnF, ms. fr. 242, fol. 168v, De saint Cyriaque (detalhe) ...........................................227 Figura 83 - Bruxelles, Bibliothèque Royale, ms. 9228, fol.368v, De saint Donat (detalhe) ...................227 Figura 84 – La Légende dorée, Munique, Bayerische Staatsbibliothek, ms. Gall. 3, fol. 279v, De saint Maturin (detalhe) ...................................................................................................................................228 Figura 85 - La Légende dorée, Munique, Bayerische Staatsbibliothek, MS. gall. 3, c.1430, De sainte Marine, fol.103v (detalhe) .....................................................................................................................228 Figura 86 - New York, Pierpont Morgan Library, MS. 674, fol.383v, De saint Donat (detalhe) .............229 Figura 87 - La Légende dorée, Paris, BnF, ms. fr. 184, f. 239, De saint Barthélémy apôtre (detalhe) ..229 Figura 88 - Arras, Bibliothèque Municipale, ms. 83, c.1404, f. 215, De saint Barthélémy apôtre (detalhe) ..............................................................................................................................................................230 Figura 89 - Paris, BnF, ms. fr. 242, fol. 309v, De saint Mathurin (detalhe)............................................230 Figura 90 - New York, Pierpont Morgan Library, MS. 674, fol.383v, De saint Donat (detalhe) .............231

Figura 91 - Munique, Bayerische Staatsbibliothek, ms. Gall. 3, fol. 279v, De saint Maturin (detalhe) ..232 Figura 92 - Paris, BnF, ms. fr. 242, fol. 168v, De saint Cyriaque (detalhe das mãos) ...........................233 Figura 93 - Paris, BnF, ms. fr. 242, fol. 309v, De saint Mathurin (detalhe das mãos) ...........................233 Figura 94 - Arras, Bibliothèque Municipale, ms. 83, fol. 158, Saint. Apollinaire (detalhe das mãos).....233 Figura 95 - Arras, Bibliothèque Municipale, ms. 83, fol. 158, Saint. Apollinaire (detalhe das mãos do acompanhante) .....................................................................................................................................234 Figura 96 - Munique, Bayerische Staatsbibliothek, ms. Gall. 3, f. 279v, Saint Mathurin (detalhe da mão do acompanhante) ................................................................................................................................234 Figura 97 - Paris, Bibliothèque Nationale MS fr. 184, f.239, Saint Barthélémy apôtre (detalhe das mãos do rei)....................................................................................................................................................235 Figura 98 - Paris, BnF, ms. fr. 244, La Légende dorée, séc. XV, De Saint André, fol.9 ........................236 Figura 99 - La Légende dorée, Paris, BnF, ms. fr. 244 (detalhe) ..........................................................237 Figura 100- Frontispício, fol.1, Paris, Bibliothèque Mazarine., ms. 1729, c. 1370 .................................283 Figura 101 - As armas de Bedford, fol.1, Londres, British Library, ms. Royal 19.B.XVII, 1382 .............286 Figura 102- Brasão do reino de França (BNF, MS, Fr. 414, fol. 1) .......................................................297 Figura 103- Verso do fólio, que mostra o vestígio das cruzes sautor do outro brasão que foi encoberto. (BNF, MS, Fr.414, fol. 1v) .....................................................................................................................298 Figura 104- Brasão de Engelbert II de Nassau, fol.1v., Jena, ThULB, Ms. El. f. 86 ..............................302 Figura 105- Brasão de Jean Du Mas, fol 1, B.N.F. MS. Fr. 6448. .........................................................308

LISTA DE TABELAS

Tabela 1- Atuação do Diabo em cada espaço do convento ....................................................................85 Tabela 2 - Manuscritos da tradução francesa de Jean de Vignay da Legenda Áurea ..........................117 Tabela 3 - Divisão dos manuscritos analisados de acordo com a datação ...........................................121 Tabela 4 - Divisão dos manuscritos analisados de acordo com os ilustradores ...................................122

SUMÁRIO

Introdução .............................................................................................................................................16 1ª PARTE - VELHAS CRENÇAS E NOVOS CAMINHOS Capítulo 1 – A Igreja reformada e as novas perspectivas da Cristandade na Baixa Idade Média .24 1.1. A reforma gregoriana ...................................................................................................................24 1.2. A “Ameaça Herética” ...................................................................................................................25 1.3. O IV Concílio de Latrão (1215) ....................................................................................................29 1.4. As Ordens Mendicantes ..............................................................................................................36 1.5. A Ordem Dominicana ..................................................................................................................38 1.6. Novas formulações doutrinárias e práticas religiosas ..................................................................45 2ª PARTE - PERSUADIR PARA FAZER CRER Capítulo 2 – Jacopo de Varazze e a Legenda Áurea ..........................................................................58 2.1. A produção da Legenda Áurea ....................................................................................................58 2.2. A Legenda Áurea como um instrumento didático-pedadógico ....................................................68 Capítulo 3 – A atuação do Diabo na Legenda Áurea .........................................................................75 3.1. Nomenclatura e “especialização” dos demônios .........................................................................75 3.2. Os disfarces demoníacos ............................................................................................................77 3.3. Os espaços e tempos do maligno ...............................................................................................83 Capítulo 4 – Confronto e persuasão ...................................................................................................88 4.1. Os santos como alvo preferencial ...............................................................................................88 4.2. As armas .....................................................................................................................................89 4.3. Uma grande rival: a Virgem Maria ...............................................................................................92 4.4. A persuasão diabólica .................................................................................................................96 4.5. Os casos de possessão e exorcismo ..........................................................................................99

3ª PARTE - VER PARA CRER Capítulo 5 – O fazer crer: as imagens nos manuscritos da Legende dorée ..................................108 5.1. Jean de Vignay e a Légende dorée ...........................................................................................108 5.2. As Festes Nouvelles de Jean Golein .........................................................................................114 5.3. Os manuscritos da Légende dorée de Jean de Vignay .............................................................117 5.4. Circulação de códices e práticas de leitura ...............................................................................123 5.5. As imagens e o “fazer crer” .......................................................................................................129 5.6. A análise iconográfica................................................................................................................138 5.7. A relação entre as imagens e o texto da Légende dorée ..........................................................143 Capítulo 6 – As representações dos demônios na Legende dorée ................................................156 6.1. As formas dos demônios ...........................................................................................................156 6.2. As aparições do Maligno ...........................................................................................................170 Capítulo 7 – O confronto e persuasão na Légende dorée ...............................................................183 7.1. A luta pela alma .........................................................................................................................183 7.2. A violência demoníaca – os casos de agressão ........................................................................195 7.3. A ação guerreira cavaleiresca ...................................................................................................202 7.4. Os exorcismos ...........................................................................................................................218 Conclusão ...........................................................................................................................................239 Bibliografia ..........................................................................................................................................243 - Fontes Primárias ............................................................................................................................243 - Manuscritas................................................................................................................................243 - Impressas ..................................................................................................................................245 - Catálogos de manuscritos ..............................................................................................................247 - Obras gerais ...................................................................................................................................248 Anexos .................................................................................................................................................265 Anexo 1 – Prólogo de Jean de Vignay da Légende dorée................................................................266 Anexo 2 - Os manuscritos ilustrados de Jean de Vignay..................................................................267

Anexo 3 – Fichas de identificação dos manuscritos que compõem o corpus documental ...............276 Anexo 4 – Os casos de possessão e exorcismo na Legenda Áurea ................................................312 Anexo 5 – As imagens de demônios nos manuscritos da Légende Dorée .......................................321

16

INTRODUÇÃO

Os séculos que compõem a chamada Baixa Idade Média constituem, juntamente com a segunda metade do século XIII, um período de intensas mudanças em todas as esferas da Cristandade. De importância essencial para a análise dos problemas propostos nesta Tese é a questão das modificações na Igreja que consolidam e aprofundam a Reforma Gregoriana - que ganha este nome devido à importância do pontificado de Gregório VII (1073-1085), mas que se prolonga para além deste período. Este movimento de ampla duração – que teve sua fase aguda nos anos 1049-1122 – visava a uma reestruturação da sociedade cristã como um todo, sob a condução firme da instituição clerical. Os seus eixos principais foram a reforma da hierarquia secular sob a autoridade centralizadora do papado e o reforço da separação hierárquica entre clérigos e leigos. Trata-se da reafirmação e consolidação da posição dominante da Igreja na sociedade medieval. Os propósitos políticos de uma hegemonia do papado são contestados ao longo dos anos, quer nos níveis eruditos da universidade, quer ainda nas camadas urbanas e nas comunidades rurais. A Igreja havia se organizado internamente, mas sua intromissão em assuntos seculares deu margem às críticas que redundaram no crescimento dos movimentos laicos de contestação herética. Além disto, existiam os movimentos de espiritualidade leiga que não professavam nenhuma doutrina herética, mas não eram bem vistos pelo clero. O período também é marcado não só por contestações políticas entre o papado e o Sacro Império, como também entre o primeiro e as monarquias cristãs ascendentes. Neste sentido, se por um lado a Igreja adota medidas repressivas como a Inquisição, por outro, a Cristandade latina irá assistir a grandes adaptações e iniciativas que se moldam a uma Europa urbanizada e plural em relação ao entendimento da fé e do poder. As medidas que decorrem do IV Concílio de Latrão (1215) impõem a confissão auricular individual e o exame de consciência, que pressionam o cristão com ameaças aterrorizantes com as quais ele deve se defrontar dentro de si mesmo, numa verdadeira “pedagogia do medo1” cada vez mais institucionalizada. Neste aspecto, assume uma imensa importância a pregação pastoral integrada à Igreja em que se destacam as ações dos dominicanos e dos franciscanos. Os pregadores baseiam sua

Cf. DELUMEAU, Jean, História do medo no ocidente 1300-1800: uma cidade sitiada, São Paulo: Companhia de Bolso, 2009. 1

17 missionação numa retórica nova, ágil, capaz de fazer frente àquelas heréticas, como a heresia cátara, por exemplo. Um público novo, heterogêneo, urbano, mais atento aos acontecimentos é o grande ouvinte dessas pregações. Embora não se exclua a importância destas para o mundo rural, é na cidade que a nova retórica dos exempla irá se desenvolver com mais vigor. O exemplum é uma narrativa breve, que articula os pilares das autoridades e dos argumentos. Trata-se de uma história contada oralmente dentro do sermão dada como verdadeira, que tem como objetivo a persuasão dos ouvintes. É importante destacar a função pedagógica dos exempla: eles têm a finalidade de enfatizar os modelos a serem seguidos tendo em vista a salvação eterna dos homens, transmitem uma lição.2 Na Europa latina, encontramos inúmeros códices hagiográficos, filosóficos, romanceados, etc. que adotam essa verdadeira novidade linguística. Os dominicanos são, neste particular, grandes oradores que envolvem com suas “historietas” um público verdadeiramente apaixonado. Convém aqui lembrar o caráter da pregação e mesmo da leitura dramatizada e performática feita para este público. Lê-se em boa parte com os ouvidos, sendo o leitor quase sempre um pouco ator, que participa vivamente da performance enunciada. Constitui-se, neste sentido, numa espécie de coautor de cada texto. A cidade, ou mesmo as pequenas vilas e aldeias, onde são “encenadas” as histórias e pregações é verdadeiramente o grande palco onde pequenos espetáculos hieráticos ou grotescos têm lugar. Ela é também o berço da universidade e, como quer Jacques Le Goff 3, do aparecimento do intelectual, o que é um fato de grande relevância. Numa cidade em que o homem inaugura elementos novos de gestão política, onde surgem novos ofícios, também são repensados muitos dos parâmetros da própria religião. Jérôme Baschet4 refere-se à humanização do divino, que se organiza num princípio cristocêntrico, afirmando fortemente a relação entre Deus e o homem feito a sua imagem. Neste sentido, multiplicam-se os bestiários e as enciclopédias que, hierarquizando a obra divina, fazem apologia da criação do homem e sua superioridade em relação ao animal. Dentro desta tensão escolástica organiza-se o discurso eclesiástico e toma vulto a figura do Diabo, cujas características animalescas são cada vez mais ressaltadas. Assim, o Diabo surge em confronto direto BREMOND, Claude; LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude. L’exemplum. Typologie des sources du Moyen Âge occidental, Belgique: Institut d’Études Médiévales, 1996. pp.36-37. 3 Cf. LE GOFF, Jacques, Os intelectuais na Idade Média, São Paulo: Brasiliense, 1989. 4 Cf. BASCHET, Jérôme, A civilização feudal: do ano mil à colonização da América, São Paulo: Globo, 2006. 2

18 com o homem, exacerbando a sua animalidade, mas também confiscando do homem alguns de seus atributos como a inteligência, a perfídia, a capacidade de enganar e transformar-se a todo o momento. Ao contrário do homem que pode, pela confissão, contrição e perdão, alcançar a salvação eterna, o Diabo, expulso do reino celeste, encontra-se excluído de forma definitiva. Por sua inveja dos homens, o Diabo confronta-se com eles através principalmente da tentação e do engodo. A pregação dominicana usa fartamente essa tensão e contradição homem/Diabo presentes a todo o momento em todos os espaços e ações do cotidiano do cristão. Os textos de sua hagiografia expressam de forma eficaz e quase teatralizada estes confrontos. Esta grande coletânea cristã de textos hagiográficos intitulada Legenda Áurea5, atribuída a Jacopo de Varazze (c.1228-1298), um frade dominicano, e iniciada por volta de 1260, contém, além da própria retórica dos exempla, uma forte dose do maravilhoso em que o Diabo se apresenta. Convém ressaltar o aspecto performático da narrativa mencionado anteriormente, que envolvem um público diverso, clerical e laico, sobre o qual se quer exercer controle. A estes aspectos citados acrescenta-se outro de grande importância para a ação da Igreja e para a expansão do cristianismo nos seguimentos mais letrados e nobres: trata-se da emergência de uma verdadeira cultura visual. Novos padrões de visualidade surgem na Europa dos últimos séculos medievais, principalmente no uso das cores, das imagens, da figuração, da composição das cenas, do ritmo e dos espaços. Estes culminam, já nas últimas décadas do século XV, com a composição cênica da perspectiva cavaleira, em que o espectador e a cena aparecem separados. A esta cultura visual inauguram-se formas novas de produção de manuscritos com alta especialização dos trabalhos e com a multiplicação dos exemplares produzidos. Tomando tudo isso em conta, eis aqui um ponto fundamental: para crer é também necessário ver. Os manuscritos ilustrados da Legenda Áurea oferecem um rico filão para este trabalho, que toma por um lado, a tensão do confronto do Diabo com o homem, os santos ou os anjos, elemento por si só dramático e, por outro lado, a imagem figurativa deste embate nos manuscritos da coletânea. As muitas versões da Legenda Áurea começaram a circular ainda no século XIII. Por volta de 1333, surge a mais conhecida tradução da obra para o francês, realizada por Jean de Vignay (c.1283O termo Legenda Áurea aqui é utilizado para denominar a edição latina da obra do frei de Varazze. Já o título Légende dorée é empregado para nomear a tradução francesa de Jean de Vignay. 5

19 c.1340), um clérigo especializado em traduções para a família real da Borgonha. Desta tradução restam cerca de 34 manuscritos conservados6, produzidos entre os séculos XIV e XV. Destes 34 manuscritos, 28 são ilustrados e 23 contêm imagens de demônios, que integram o corpus documental desta Tese. Assim, tendo em vista todas as questões já expostas, este trabalho divide-se em três partes: 1ª - Velhas crenças e novos caminhos, 2ª - Persuadir para fazer crer e, 3ª - Ver para Crer. A primeira parte, composta pelo capítulo 1, A Igreja reformada e as novas perspectivas da Cristandade na Baixa Idade Média, trata da Cristandade latina pós-Reforma e das medidas tomadas pela Igreja através dos cânones do IV Concílio de Latrão, que estabelece não somente uma nova forma de lidar com o pecado, mas também procura definir a figura diabólica. Além disto, é abordado o surgimento, neste contexto, das ordens mendicantes, que se notabilizam pela reformulação da pregação e por sua inserção nas cidades. Os dominicanos, conhecidos como Frades Pregadores, se destacam na criação de uma nova retórica para a pregação, principalmente pelo uso dos exempla em seu discurso. Além disto, também se sobressaem pela produção de escritos nas mais diversas áreas do conhecimento, sobretudo textos hagiográficos, destacando-se o gênero das legendae novae, compilações preparadas entre os séculos XIII e XIV, com a dupla intenção de pôr à disposição dos clérigos um material para pregação e, ao mesmo tempo, edificante. A segunda parte, Persuadir para fazer crer, dedica-se à persuasão presente no texto da Legenda Áurea, enfatizando o uso retórico de elementos do maravilhoso – principalmente da atuação do Diabo e dos demônios - no texto com o intuito de convencer os leitores/ouvintes. Trata-se de uma pedagogia sobre o mal que chega aos laicos através da pregação, já que o texto da Legenda é um instrumento utilizado pelos pregadores. Cabe lembrar, neste sentido, o caráter oralizado da obra. Assim, o capítulo 2, Jacopo de Varazze e a Legenda Áurea, aborda as circunstâncias da redação da coletânea e as informações sobre seu autor, não perdendo de vista que a obra se insere num empreendimento de se conservar por escrito e ordenar a memória cristã. Esta empreitada é assumida principalmente pelos dominicanos, que enfocam além da pregação, a necessidade do

Cf. MADDOCKS, Hilary. “Pictures for Aristocrats: The Manuscripts of the Légende dorée.” In: MANION, MUIR. Medieval Texts and Images: Studies of Manuscripts from the Middle Ages, Sydney: Craftsman House, 1994. HAMER, Richard; RUSSELL, Vida, A critical edition of four chapters from the Legende doree, Mediaeval studies, v. 51, n. 1, p. 130–204, 1989; MADDOCKS, Hilary Elizabeth, The Illuminated Manuscripts of the“ Légende Dorée: Jean de Vignay’s Translation of Jacobus de Voragine’s” Legenda Aurea", Tese de Doutorado, University of Melbourne, Melborne, 1990. 6

20 investimento na formação dos prelados. Não menos importante é tratar da recepção da obra entre o público religioso e laico. O capítulo 3, A atuação do Diabo na Legenda Áurea, é composto pela análise das formas e ações assumidas pelo Diabo e seu séquito no texto da Legenda. Tratam-se, então, das maneiras de atuar e os locais e tempos em que os seres do mal costumam aparecer. Os demônios podem assumir formas diversas e agem através da tentação e da sua capacidade de convencimento. No capítulo 4, Confronto e persuasão, destacam-se os enfrentamentos entre santos – ou anjos - e demônios ainda no texto da Legenda Áurea, levando em conta a forma teatralizada como estes embates são descritos. Vê-se que os demônios possuem uma importância no texto não pela sua periculosidade – são derrotados facilmente, na maioria das vezes -, mas por reforçar a crença no poder de Deus e dos santos no combate ao mal. Eles também possuem uma função importante lhes concedida pela Divina Providência: punem aqueles que cometeram alguma falta. Neste sentido, é importante ressaltar que a atuação demoníaca é permitida por Deus, o que é exposto claramente no texto deste legendário. A terceira parte, Ver para Crer, mostra como as imagens dos confrontos entre o bem e o mal nos manuscritos da Légende dorée são construídas de forma a alimentar a fé cristã. A análise das representações desses conflitos revela uma retórica da imagem que é empregada com o objetivo de persuadir o espectador. O uso das formas, da gestualidade, do posicionamento das figuras, a teatralização das cenas e sua dramaticidade, são recursos utilizados para causar um impacto, uma emoção no espectador, não deve se manter indiferente a estas representações. No capítulo 5, O fazer crer: as imagens nos manuscritos da Légende dorée, oferece-se um panorama sobre essa cultura visual que surge na Baixa Idade Média, fundando-se em novos padrões de visualidade. As imagens da Légende dorée estão dentro desse contexto, oferecendo-nos, de forma geral, um rico repertório visual sobre os santos. Apresenta-se neste capítulo o conjunto de códices selecionados para estudo e a metodologia de sua composição, além da forma como se dispõem as imagens em relação ao texto: os temas mais frequentes, representações que fogem ou são inspiradas no próprio texto, posição das ilustrações no fólio dentre outros. Questões metodológicas sobre a análise de imagens também são abordadas. O Capítulo 6, A representação dos demônios na Legende dorée, trata dos recursos retóricos utilizados para oferecer ao espectador uma “presentificação” das figuras demoníacas. Neste capítulo

21 faz-se a análise dos temas, espaços e interações em que os demônios se fazem presentes. As formas físicas que tomam também são alvo de estudo. Assim pode-se supor que essas figuras cumprem o objetivo de se contraporem aos santos, reforçando uma perspectiva dualista. Além disto, os demônios identificam-se com o animalesco, com o monstruoso – o que se pode constatar através da mistura de categorias que domina suas formas. O capítulo 7, Confronto e persuasão na Légende dorée, aborda a retórica persuasiva nas representações do confronto entre santos ou anjos e demônios na obra, traçando uma espécie de tipologia destes embates. São tratados os confrontos pela alma, a violência demoníaca, os embates cavaleirescos e os rituais de exorcismo. A representação destes confrontos entre o bem o mal cumprem um papel importante na operação de convencimento empreendida pela iconografia, apresentando um drama, de certa forma teatralizado, que emociona o espectador e alimenta a sua crença. Estes conflitos também possuem uma grande carga simbólica, que relembra o espectador do seu lugar dentro da dualidade bem e mal. A conclusão aponta para o fato de que, nas representações da Légende dorée, o ilustrador, laico, reproduz o efeito das imagens religiosas produzidas no âmbito da Igreja com o objetivo de provocar no espectador reações conhecidas. Ele recorre a uma retórica para exercitar as faculdades de persuasão. Essa iconografia do confronto é um reflexo, então, da religiosidade dos devotos. Os elementos são dispostos em cena com o objetivo de provocar no espectador uma emoção relacionada com a reafirmação de sua fé. Por isso não há grande variação nos motivos iconográficos em relação a cada tema. Esta persuasão se relaciona com o programa religioso da Igreja, extremamente convencional, apesar da liberdade de criação do ilustrador e da sua não vinculação ao clero. As imagens dos confrontos entre o bem e o mal lembram o espectador da vitória de Cristo sobre o demônio. Elas também cumprem o papel de nutrir o imaginário sobre o pecado e a ação do mal sobre os homens. As imagens de confronto manifestam uma batalha que se encontra no âmago da sociedade medieval, simbolizando as tensões entre os cristãos e a ameaça do pecado, que os aflige todo o tempo. O santo aparece nesse contexto como uma figura excepcional que está habilitada para acabar com a ameaça representada pelo Diabo. A Tese inclui ainda um conjunto de anexos que são compostos pelo prólogo de Jean de Vignay da sua tradução da Legenda Áurea, uma tabela com informações gerais sobre os manuscritos ilustrados da Légende dorée de Jean de Vignay; fichas de identificação com dados codicológicos dos

22 exemplares selecionados para a análise; uma grade de coleta de dados dos episódios de possessão e exorcismo na Legenda Áurea e; um banco de dados de informações sobre as ilustrações analisadas.

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1ª PARTE: VELHAS CRENÇAS E NOVOS CAMINHOS

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CAPÍTULO 1 – A IGREJA REFORMADA E AS NOVAS PERSPECTIVAS DA CRISTANDADE NA BAIXA IDADE MÉDIA

A origem dos frades mendicantes, em geral, e dos dominicanos, em particular, é inseparável da conjuntura de desenvolvimento que o Ocidente vive desde o século XI. Um de seus frutos mais transcendentes foi o enorme impulso experimentado pela vida urbana, sobretudo a partir do século XII. As cidades nesse momento constituem-se em aglomerações de pessoas não muito numerosas ainda, mas muito heterogêneas, que suscitam uma nova mentalidade, distinta daquela do homem do campo ou da aldeia. O sentimento de pertencimento que sente todo indivíduo se apresenta na cidade de uma maneira muito diferente. O campo oferecia uma rígida estrutura territorial e familiar como marcos de enquadramento. Na cidade se acrescentam possibilidades: existem mais horizontes e uma variedade de agrupações profissionais e religiosas. O indivíduo que antes se sentia pertencente à cristandade – que era uma ideia vaga para ele -, agora se sente verdadeiramente pertencente ao lugar de onde ele tira a sua subsistência, ele se sente cidadão. Além disto, o estatuto de cidadão traz uma nova realidade para esses homens que se percebem de forma distinta. A mentalidade do habitante da cidade se faz mais reflexiva, mais atenta ao cotidiano, o que o levava a desenvolver sistemas de valores que refletiam sua atitude ante o tempo, as coisas e o comportamento social.

1.1. A reforma gregoriana

Diante desta sociedade nova, e inserida nesta, o que faz a Igreja? De certo modo, ela foi a primeira a se transformar. A Reforma Gregoriana7 não foi apenas a libertação do mundo eclesiástico das amarras que o submetiam aos senhores feudais leigos. Jérôme Baschet8 afirma que nos séculos XI e XII vê-se um processo de “sacralização clerical”, iniciado pela Reforma Gregoriana. Este

O conjunto dos movimentos reformadores, apesar de compósitos e diversos, recebeu dos historiadores o nome de “Reforma Gregoriana”. 8 BASCHET, op. cit. 2006. p.195. 7

25 movimento de ampla duração – teve sua fase aguda nos anos 1049-1122 – visava a uma reestruturação da sociedade cristã como um todo, sob a condução da instituição clerical. A independência da Santa Sé em face do poder imperial, os progressos da liberdade de eleição dos bispos e dos abades em relação aos leigos poderosos são fenômenos significativos. De 1049, com Leão IX, até meados do século XII, os reformadores condenaram estes dois males principais: a simonia, definida como a aquisição ilícita de coisas sagradas, por meio de bens materiais, e o nicolaísmo, que caracteriza os clérigos casados ou que vivem em concubinato. Proibindo o casamento e o concubinato aos clérigos, a Igreja separa fundamentalmente estes dos leigos pela fronteira da sexualidade. Quanto ao celibato, insistindo na renúncia à sexualidade pelos clérigos, a reforma empenha-se em sacralizá-los, “o que segundo a etimologia deste termo [sacralizar] quer dizer colocá-los à parte, distingui-los radicalmente dos laicos, no mesmo momento em que a Igreja estabelece, para estes últimos, um modelo cristão de casamento”.9 Para André Vauchez10, os resultados da Reforma Gregoriana foram contraditórios: dessacralizando o poder temporal e exaltando o sacerdócio, ela teve como consequência aumentar a distância entre clérigos e leigos. De acordo com Jacques Le Goff, a Reforma Gregoriana traz uma separação mais estrita entre clérigos e leigos, que se tornam “cristãos de segunda classe”. Entretanto, ela também lhes dá uma dignidade nova: “Eles se tornam cristãos totais cujos deveres e responsabilidades vão crescendo, como interlocutores claramente definidos diante dos clérigos” 11. Esta reforma da Igreja é um esforço de adaptação às mudanças que surgem fora dela. Tratase, em primeiro lugar, de uma resposta institucional. A Reforma Gregoriana também representa ao mesmo tempo a aspiração a uma volta às origens – Ecclesia primitivae forma – e à realização da verdadeira vida apostólica – Vita vere apostolica. É, diante da tomada de consciência quanto aos vícios da sociedade cristã, a retomada do processo de cristianização. É também uma forma de comunicação com o conjunto da sociedade.

1.2. A “Ameaça Herética”

Ibid. p.192 VAUCHEZ, André, A espiritualidade na Idade Média ocidental:(séculos VIII a XIII), Rio de Janeiro: Zahar, 1995.p.63. 11 LE GOFF, Jacques, Uma longa idade média, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. p.75. 9

10

26 Decorrentes de uma revitalização urbana e comercial no século XII e consequente impulso cultural e espiritual, as crenças e práticas religiosas que condiziam com uma nova situação social de tendência comunitária e agrupante das cidades, mas fugiam da ortodoxia, foram taxadas pela instituição eclesiástica como heréticas. Os hereges pareciam, aos olhos da Igreja Católica, os mais perigosos de todos, já que a palavra heresia (do grego hairesis, hairein, que significa escolher) para os escritores eclesiásticos designava uma doutrina contrária aos princípios da fé oficialmente declarada. Entre os anos 1000 e 1300, o Ocidente conheceu dois momentos de vigor herético. O primeiro, durante a primeira metade do século XI, e o segundo - o mais grave – desde meados do século seguinte.12 As heresias dos primórdios da Igreja (antes do século VIII) geralmente eram de natureza teológica, mas as heresias medievais eram normalmente éticas por natureza, determinando, por exemplo, quando o leigo deveria orar ou a conduta dos bispos. As primeiras heresias distinguem-se das que ocorreram nos séculos XII e XIII pelo seu caráter puramente filosófico e teológico que fazia especulação racional em torno dos princípios ou dogmas cristãos, em geral planos do pensamento que tratavam da Trindade, da natureza divina e humana de Cristo e da própria relação existente entre ambas, bem como de questões ligadas à essência da divindade. Porém, o que caracteriza as heresias posteriores, isto é, as da Baixa Idade Média, é o seu cunho popular assentado sobre uma nova visão ética da instituição eclesiástica e do cristianismo como religião vigente na sociedade ocidental.13

A grande variedade e a multiplicação de movimentos ou grupos heréticos nos séculos XII e XIII levam a perguntar e a inquirir sobre as causas que levaram a concentrar uma oposição tão forte, e mesmo violenta, contra o corpo eclesiástico e contra as verdades tradicionais da Igreja Romana. Na verdade, pode-se observar na crítica herética, ou em parte desta crítica, uma tentativa de apontar os erros e os desvios da instituição eclesiástica, da sua intervenção no poder secular à custa de sua missão espiritual; enfim, uma tentativa de alertar a sociedade cristã de que os seus representantes desvirtuaram a verdadeira imagem da religião fundada por Cristo. Se Nachman Falbel14 nos diz que “os séculos XII e XIII poderiam ser chamados de séculos heréticos, caso pudéssemos olhar a história de uma época ou período sob um único prisma, ou seja, o da história da Igreja Ocidental”, Monique Zerner mostra que o contexto herético assumiu uma dimensão

MITRE, Emilio; GRANDA, Cristina. Las grandes herejías de la Europa cristiana. Madrid: Istmo, 1999.p.113. FALBEL, Nachman. Heresias Medievais. São Paulo: Perspectiva, 1977. p.16. 14 Ibid. p.13. 12 13

27 que não condiz com a realidade da época15, lançando dúvidas sobre a ameaça herética16. Os indícios levantados por Zerner sustentam a ideia que os séculos heréticos realmente respondem a um único prisma, respondem ao fato que “a heresia existe onde a Igreja quer que ela exista”17 e “todo ponto de vista sobre a heresia é falseado pelo fato de que os enunciados vêm, salvo raríssimas exceções, da Igreja, ao mesmo tempo árbitro e litigante, ela mesma arrebatada pelo movimento geral da história.”18 Assim, a heresia é definida pela Igreja de acordo com momento e seu interesse. Esta multiplicação de movimentos heréticos neste momento trouxe um grande efeito para a teologia. Os teólogos modificaram e sofisticaram a doutrina pelo diálogo com os hereges e pela vontade de refutar suas ideias. A revivificação do dualismo pelos hereges Cátaros influenciou o pensamento sobre o mal e suas criaturas profundamente. A heresia cátara ou albigense foi a que reuniu maior número de adeptos na Baixa Idade Média e a que teve maior repercussão naquela época. Para Nachman Falbel, na primeira metade do século XI, apareceram grupos isolados de heréticos, mas pouco se sabe de seus costumes. Estes grupos eram anticlericais, puritanos e talvez houvesse entre eles alguns dualistas. Apareceram na Alemanha Ocidental, Flandres, França e Norte da Itália, e um pouco mais tarde não se ouvem falar mais neles. Entretanto, no século XII, reapareceram nos mesmos lugares, disseminando-se entre a população.19 O período mais rápido de crescimento localiza-se nos trinta anos seguintes a 1140. Falbel defende que a Reforma Gregoriana, acompanhada no início por entusiasmo popular, não conseguiu que a Igreja canalizasse esse entusiasmo em seu favor. O desenvolvimento da educação clerical e a elevada ênfase dada à importância dos sacramentos fizeram do clero mais uma classe à parte e deixaram os leigos com pouca possibilidade de desenvolver sua própria iniciativa nos assuntos da Igreja. Foi entre os cavaleiros pobres, mercadores e artesãos que a heresia se tornou mais popular no

Os cátaros não eram numerosos (Raynier Sacconi contabiliza 4000, principalmente na Itália), mas constituíam-se em belo alvo para os inquisidores que podiam ao mesmo tempo invocar os Pais da Igreja e aproveitar-se de seu domínio das novas técnicas escolares. Pode-se pensar que eles próprios recorreram largamente ao dualismo para demonizar a heresia e insuflar o debate aproveitando um questionamento sobre o mal presente no cristianismo. O novo dualismo não teve tempo de elaborar sabiamente sua doutrina. Ele desmoronou. ZERNER, Monique. “Heresia” In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude. (Coord.). Dicionário Temático do Ocidente Medieval. São Paulo: EDUSC/Imprensa Oficial do Estado, 2002. v. 1, p. 503-522.p. 519. 16 Inocêncio III empreendeu a ofensiva contra a heresia de três maneiras: acabou por definir juridicamente a criminalização da heresia, lançou a Cruzada no Midi e preferiu a tolerância em toda a parte onde as novas formas de religiosidade e até então rejeitadas podiam ser integradas. Estratégia hábil e possível, porque a Igreja romana tornou-se muito poderosa, e o desafio herético , se de fato existiu, não foi revelado mas sufocado. Ibid. p.513. 17 Ibid. p.517. 18 Ibid. p.519. 19 FALBEL, Nachman, Heresias Medievais, [s.l.]: Perspectiva, 2005. p.38. 15

28 século XII. Assim, o movimento herético foi um aspecto do renascimento religioso da época e, em parte, um subproduto das mudanças culturais, sociais e econômicas dos séculos XI e XII. 20 Uma heresia que representava um grande problema para a Igreja devido a sua popularidade foi a heresia cátara. De acordo com Falbel, por volta de 1149, o primeiro bispo cátaro estabeleceu-se no Norte da França; anos mais tarde, outros se estabeleceram em Albi e na Lombardia. A autoridade destes bispos não estava bem definida. Nos anos seguintes, mais bispos foram se instalando na Itália, e no fim do século já havia onze bispados no total: um no Norte da França, quatro no Sul (Albi, Toulouse, Carcassonne, Val d’Aran), outros dois foram acrescentados mais tarde, e seis na Itália (Concorezzo, perto de Milão, Desenzano, Bagnolo, Vicenza, Florença e Spoleto).21 A resposta da Igreja ao catarismo começou sob o papado do beneditino Urbano II (10881099). Em 1098, foram organizadas as primeiras missões com propostas de persuasão e de convencimento, comandadas por Bernardo de Claraval. Em 1206, Domingos de Gusmão as assume, exercendo um papel ativo nas conversões. Inocêncio III (1198–1216) foi, contudo, o primeiro papa a sistematizar um programa de luta contra os movimentos heréticos. Em 1208, o papa, junto com o Simão de Montfort, de Toulouse, conclamou a Cruzada Albigense que objetivava, entre outras coisas, erradicá-los da Gália, se estendendo até 1230. Os encarregados de organizar esse movimento foram Domingos de Gusmão e Pedro de Castelneau. Liderada pelo legado papal, Arnaldo Amauri, a cruzada objetivava a completa derrota dos hereges que se encontravam nas cidades e fortalezas situadas no Viscondado de Béziers e Carcassonne e no condado de Toulouse. A cruzada albigense possuía as mesmas características das que foram organizadas contra os mulçumanos e pagãos. Nesse sentido, o poder militar aparece como um modo de restauração da fé e do acordo comunitário, abalados com o catarismo. Para Christopher Tyerman, as cruzadas albigenses fracassaram em seu objetivo de erradicar a heresia, ao mesmo tempo, abriram o caminho para a introdução da Inquisição. Ainda, “a novidade da cruzada albigense está no recrutamento pela Igreja de uma força internacional, em vez de contar com o poder secular local de soberanos cristãos para combater a heresia”.22

Ibid. p.38. Ibid. pp.38-39. 22 TYERMAN, Christopher. A guerra de Deus: uma nova história das Cruzadas. Vol. II. Rio de Janeiro: Imago, 2010. p.703. 20 21

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1.3. O IV Concílio de Latrão (1215)

O papa Inocêncio III fixou como meta prioritária de seu programa, além da cruzada, a reforma da Igreja. A cruzada por ele organizada foi um desastre, mas seu programa de reforma foi implantado com o IV Concílio de Latrão. O resultado dessa grande mutação da Igreja é a organização deste grande concílio ecumênico. Ele representa além da conclusão da Reforma Gregoriana, o esforço de adaptação e reestruturação da Igreja diante de um século de grandes mudanças. Entretanto, seu significado é ambíguo. Tanto quando a adaptação ao novo, este concílio representa o controle e o represamento da nova sociedade. Em 1º de novembro de 1215 iniciou-se o IV Concílio de Latrão com a presença de cerca de 1200 pessoas, representando mais de 80 províncias eclesiásticas, não só do Ocidente, mas também da Europa Central e Oriental. Esta assembleia contou ainda com a presença de autoridades laicas da Sicília, Constantinopla, França, Inglaterra, Hungria, Jerusalém, Chipre e Aragão. Segundo Brenda Bolton, o IV Concílio de Latrão foi o maior dos concílios ecumênicos medievais23. Ao convocar o concílio, o papado visava fazer frente aos problemas internos da Igreja, através de um novo projeto de organização jurídico-canônico, além de restabelecer a sua hegemonia frente aos leigos, legislando sobre questões civis e elaborando novas formas de controle social. O papado, ao longo do século XIII, continua a sua luta contra a intromissão secular em questões eclesiásticas, principalmente no tocante às rendas e à justiça eclesiástica. Brenda Bolton24 defende que o papa Inocêncio III tinha como objetivo atrair para dentro da Igreja todos os grupos possíveis, flexibilizando ao máximo alguns pontos da ortodoxia como forma de impedir que alguns grupos, como as ordens mendicantes, fossem considerados heréticos. Entretanto, houve resistências dentro da própria Cúria Papal, onde alguns cardeais fizeram o possível para estreitar ao máximo o conceito de ortodoxia, o que resultou na exclusão e perseguição de alguns movimentos religiosos, na limitação ao surgimento de novas ordens religiosas e a imposição de regras canônicas e formas de vida aos novos grupos aceitos.

23 BOLTON, 24 Ibid.

Brenda. A Reforma na Idade Média. Lisboa: Edições 70, 1983. p.126. p.127

30 A luta contra a heresia, a afirmação de uma identidade cristã frente a muçulmanos e judeus, a busca por uma disciplina rigorosa e universal no seio da Igreja e em meio à sociedade são as diversas faces de um projeto que visava fundamentar a unidade da fé cristã e assegurar o espaço da Igreja no conflito de poderes que marcaram a história da Europa durante a Baixa Idade Média. Como afirma Henri Leclercq, do IV Concílio de Latrão não temos acesso a mais que 70 cânones e um decreto pela retomada da Terra Santa. Esses cânones chegaram até nós através de manuscritos contemporâneos, em particular do Codex Mazarinus, utilizado pelos compiladores de concílios. Como muitos prelados gregos assistiram o concílio e as decisões da assembleia eram também destinadas aos cristãos do Oriente, existe uma tradução grega que, alvo algumas lacunas, chegou até nós.25 Os cânones dogmáticos foram acompanhados da repetição de decretos contra os hereges. Os três primeiros cânones tratam da heresia. No primeiro cânone, após uma exposição dos pontos básicos da fé católica, os hereges são apresentados como os que devem ser combatidos, pois suas doutrinas são insensatas, fruto de uma cegueira provocada pelo pai da mentira. O primeiro cânone trata dos preceitos ortodoxos, defendidos pela Igreja com a afirmação da existência de apenas uma Igreja Universal. Neste, temos alguns elementos doutrinais reafirmados, como a Santa Trindade e os sacramentos do batismo e do altar, contudo com a preocupação de afirmar que os ritos deveriam seguir conforme o estabelecido pela ortodoxia. Deus é declarado o único princípio de todas as coisas, criador do Universo, dos corpos e dos espíritos, dos anjos e dos homens. O Diabo e os demônios foram igualmente criados por Deus; mas no momento de sua criação, eles não eram maus: tornaram-se assim por sua própria falta e, depois disso, ocuparam-se em tentar os homens. A segunda parte do primeiro cânone versa sobre a encarnação do Filho, de suas duas naturezas, do sacrifício da morte, de sua ressurreição, de sua ascensão e de seu retorno no fim do mundo, da ressurreição de todos os homens e do julgamento final. Enfim, a terceira parte trata da Igreja e dos sacramentos. Lá se encontra pela primeira vez a palavra transsubstantiatio. Afirma a importância dos sacramentos, a fim de opô-los ao “falso” espiritualismo dos cátaros; o cânone declara

LECLERCQ, Henri. Histoire des conciles d'après les documents originaux. Vol. V. Paris: Letouzey et Ané, 1913. p.1323. 25

31 em último lugar que só os padres possuem o poder de administrar os sacramentos 26. Por fim, o Concílio afirma neste cânone que os fiéis casados podem alcançar a salvação, o que os cátaros haviam negado27. O segundo cânone concerne a Joaquim, abade de Fiore e condena seu livro contra Pedro Lombardo intitulado: De unitate seu essentia Trinitatis. Joaquim declarava herética a proposição sobre a unidade ou a essência da Trindade. O Concílio defende Pedro Lombardo e declara herética a opinião de Joaquim de uma “Quaternidade”: três pessoas – Pai, Filho e Espírito Santo - e uma essência comum, que seria a quarta. O terceiro cânone trata da questão da heresia. De acordo com o Concílio, toda a heresia está dirigida contra a fé santa, católica e ortodoxa, sendo um perigo para a unidade da fé da cristandade. Os diversos grupos hereges são vistos como um bloco único e coeso. O determinante para algum discurso ou prática ser ou não herético é o distanciamento do que fora estabelecido no primeiro cânone: Nós excomungamos e anatematizamos cada heresia que surge contra a fé santa, ortodoxa e católica que temos explicado acima, condenando todos os hereges sob quaisquer nomes que possam ser conhecidos, por enquanto eles têm faces diferentes, no entanto, são ligados uns aos outros por suas caudas, uma vez que em todos eles a vaidade é um elemento comum.28

A seguir, o cânone passa a determinar as penalidades aplicadas aos que fossem suspeitos de opiniões heréticas e não conseguissem provar a inocência, aos condenados como hereges e aos que não tomassem as medidas apropriadas em relação a eles29. Os que recebiam, ajudavam e defendiam hereges, ainda que clérigos, seriam excomungados. Assim, a heterodoxia religiosa se traduzia em uma exclusão social. Como estes, não poderiam exercer cargos públicos, receber os sacramentos, “There is one Universal Church of the faithful, outside of which there is absolutely no salvation. In which there is the same priest and sacrifice, Jesus Christ, whose body and blood are truly contained in the sacrament of the altar under the forms of bread and wine; the bread being changed (transsubstantiatio) by divine power into the body, and the wine into the blood, so that to realize the mystery of unity we may receive of Him what He has received of us. And this sacrament no one can effect except the priest who has been duly ordained in accordance with the keys of the Church, which Jesus Christ Himself gave to the Apostles and their successors”. Twelfth Ecumenical Council: Lateran IV 1215, Medieval Sourceboo , disponível em: .fordham.edu halsall basis lateran4.html>, acesso em: 20 ago. 2013. 27 “Not only virgins and those practicing chastity, but also those united in marriage, through the right faith and through works pleasing to God, can merit eternal salvation”. Ibid. 28 “We excommunicate and anathematize every heresy that raises against the holy, orthodox and Catholic faith which we have above explained; condemning all heretics under whatever names they may be known, for while they have different faces they are nevertheless bound to each other by their tails, since in all of them vanity is a common element.” Tradução minha. Ibid. 29 “We decree that those who give credence to the teachings of the heretics, as well as those who receive, defend, and patronize them, are excommunicated; and we firmly declare that after any one of them has been branded with excommunication, if he has deliberately failed to make satisfaction within a year, let him incur ipso jure the stigma of infamy and let him not be admitted to public offices or deliberations, and let him not take part in the election of others to such offices or use his right to give testimony in a court of law.” Ibid. 26

32 sepultura cristã ou heranças. Suas esmolas e ofertas seriam rechaçadas30. Segundo as resoluções do concílio, cabia às autoridades eclesiásticas zelar pelo não desenvolvimento da heresia em suas províncias, visitando-as, investigando, buscando e condenando hereges31. Falbel aponta que, com o passar do tempo, a Igreja lançou a excomunhão como meio de induzir o poder secular a participar da perseguição e do combate à heresia. 32 Nesse sentido, o Concílio de Verona de 1148 estabeleceu que os soberanos deveriam empenhar-se, ao lado da lei civil e canônica, para o extermínio das heresias, sob ameaça de excomunhão. 33 O IV Concílio de Latrão confirmou este movimento: Mas se uma autoridade temporal, depois de ter sido solicitada e admoestada pela Igreja, negligenciar a limpar seu território desta sujeira herética, deve ser excomungada pelo prelado metropolitano e outros bispos da província.34

Os abusos cometidos na perseguição aos heréticos, bem como as pressões exercidas sobre eles, forçaram a institucionalização das formas de repressão. O Concílio decretou medidas contra os senhores seculares que protegessem heresias em seus territórios, ameaçando-os até com a perda dos domínios. Já antes do Concílio e como consequência deste, como ressalta Falbel, as autoridades laicas decretaram a pena de morte para evitar a disseminação de heresias em seus territórios.35 Gregório IX organiza o tribunal inquisitorial e, em 1229, no Concílio de Toulouse, foi criado oficialmente o Tribunal do Santo Ofício. Os dominicanos logo se puseram à disposição da nova instituição, cabendo-lhes a tarefa de legislar e condenar os heréticos. Além disto, Gregório IX, a fim de evitar que a Inquisição tivesse outras finalidades que não o combate à heresia, ligou-a diretamente à Igreja e ao papado. Os direitos tradicionais dos bispos de “Clerics shall not give the sacraments of the Church to such pestilential people, nor shall they presume to give them Christian burial, or to receive their alms or offerings; otherwise they shall be deprived of their office, to which they may not be restored without a special indult of the Apostolic See.” Ibid. 31 “We wish, therefore, and in virtue of obedience strictly command, that to carry out these instructions effectively the bishops exercise throughout their dioceses a scrupulous vigilance if they wish to escape canonical punishment. If from sufficient evidence it is apparent that a bishop is negligent or remiss in cleansing his diocese of the ferment of heretical wickedness, let him be deposed from the episcopal office and let another, who will and can confound heretical depravity, be substituted.” Ibid. 32FALBEL, op.cit.. p.15. 33 Ibid. pp.15-16. 34 “But if a temporal ruler, after having been requested and admonished by the Church, should neglect to cleanse his territory of this heretical foulness, let him be excommunicated by the metropolitan and the other bishops of the province”. Twelfth Ecumenical Council: Lateran IV 1215. canon 3. 35 FALBEL, op.cit. p.17. 30

33 julgarem a heresia em suas próprias dioceses não eliminaram a obrigação de apoiarem os inquisidores papais e de porem à sua disposição os meios necessários para exercerem suas funções. No Concílio, a vida do clero foi regulamentada por uma série de decretos, o que demonstra a preocupação por parte da Igreja de prepará-lo para melhor instruir seus fiéis, alvos dos grupos heréticos. A simonia e o nicolaísmo são novamente condenados, bem como para clérigos, embriaguez, jogos, festas e participar de duelos. Recorda que as contribuições dos fiéis são voluntárias e insiste em sua decência exigida: interdição dos hábitos de luxo, a obrigação de assistir aos ofícios, de guardar os lugares de culto próprios e adequados. Foi regulamentada a administração dos sacramentos. A jurisprudência eclesiástica foi reformada. As eleições episcopais deviam ser canônicas e livres. A formação e a seleção do clero, bem como as regras relativas aos benefícios foram revistas. A pregação foi declarada obrigatória e deve ser de responsabilidade de “pessoas capacitadas, ricas em obras e palavras”36. O nono cânone é interessante, pois mostra a preocupação dos bispos do Concílio com a transmissão da mensagem divina para as pessoas em geral. Ele estabelece que nas dioceses e localidades onde se encontrem pessoas de diferentes línguas, o bispo deve fornecer sacerdotes adequados para ministrar a elas. Se for necessário, deixá-lo nomear um vigário, que será responsável pela tarefa. Não pode, contudo, haver dois bispos na mesma diocese. Como em muitos lugares dentro da mesma cidade e diocese existem pessoas de diferentes línguas tendo uma fé, mas vários ritos e costumes, estamos rigorosamente ordenando que os bispos dessas cidades e dioceses forneçam homens aptos que irão, de acordo com os diferentes ritos e línguas, celebrar os ofícios divinos para eles, administrar os sacramentos da Igreja e instruí-los pela palavra e pelo exemplo.37

O décimo terceiro cânone proibiu formalmente a fundação de novas ordens38 e o cânone 10 previa a atividade dos frades em conjunto com os bispos auxiliares “não apenas para assegurar a pregação, mas para ouvir confissões, distribuir penitências e para todas as outras coisas referentes à “Wherefore we decree that bishops provide suitable men, powerful in work and word, to exercise with fruitful result the office of preaching; who in place of the bishops, since these cannot do it, diligently visiting the people committed to them, may instruct them by word and example.” Twelfth Ecumenical Council: Lateran IV 1215. 37 “Since in many places within the same city and diocese there are people of different languages having one faith but various rites and customs, we strictly command that the bishops of these cities and dioceses provide suitable men who will, according to the different rites and languages, celebrate the divine offices for them, administer the sacraments of the Church and instruct them by word and example”. Ibid. 38 “Lest too great a diversity of religious orders lead to grave confusion in the Church of God, we strictly forbid anyone in the future to found a new order, but whoever should wish to enter an order, let him choose one already approved.” Ibid. 36

34 salvação das almas”39. Esse papel de ajudante estreitamente subordinado à hierarquia evidentemente contrariava as intenções de Domingos, o fundador da Ordem Dominicana. Assim, ele procurou desvencilhar-se destas ameaças. Em 1216, Domingos, adotando a Regra de Santo Agostinho para seus pregadores organizados em confrarias de cônegos regulares, conseguiu fundar sua Ordem sob a ficção da simples continuação de uma tradição existente. Para Mandonnet40, o ano de 1215, em que o IV Concílio de Latrão ocorreu, é a linha mais conveniente de divisão entre a idade dos monges e a idade dos frades. E um dos fenômenos mais notáveis na história das ordens religiosas, é a participação ativa de o papado na formação das ordens mendicantes. Nos séculos anteriores, os papas tinham concedido favores, isenções, imunidades às ordens privilegiadas, como o cluniasenses e os cistercienses, mas no o século XIII, o papado desempenhou um papel ativo e decisivo nas origens de tais instituições. Uma questão importante tratada no vigésimo primeiro cânone é a da confissão. Todo fiel deverá confessar suas faltas ao padre de sua freguesia uma vez por ano e cumprir a penitência que lhe for imposta41. Também deve receber a Eucaristia pelo menos na Páscoa. O padre deve ser discreto e cauteloso, investigar as circunstâncias do pecador e o pecado, para pode compreender que tipo de conselho pode dar e que penitência aplicar. Um padre que revela um pecado que lhe fora confiado em confissão deve ser deposto e relegado a um mosteiro para o resto de sua vida. Jacques Le Goff lembra que os mendicantes tornam-se grandes especialistas na confissão auricular, uma nova forma de confissão imposta a todos os cristãos pelo Concílio. “Essa nova confissão é uma revolução espiritual e psicológica que cria um diálogo insólito entre os padres e os leigos, desenvolve o exame de consciência, sofistica a casuística moral.”42 Para que a confissão fosse completa, se fez necessário criterioso exame de consciência por parte do penitente e, em contrapartida, a ação efetiva do confessor para guiar o pecador no ato. Dessa forma, os padres confessores - chamados ainda de “curas” e “médicos”, por curar os pecadores de “Wherefore we command that in cathedral churches as well as in conventual churches suitable men be appointed whom the bishops may use as coadjutors and assistants, not only in the office of preaching but also in hearing confessions, imposing penances, and in other matters that pertain to the salvation of souls”. Ibid. 40 MANDONNET, Pierre. Saint Dominique: L'idée, I'homme, et l'oeuvre. Tome I. Paris: Desclee de Brouwer et Cie.,1937. pp. 280-331. 41 “All the faithful of both sexes shall after they have reached the age of discretion faithfully confess all their sins at least once a year to their own (parish) priest and perform to the best of their ability the penance imposed, receiving reverently at least at Easter the sacrament of the Eucharist, unless perchance at the advice of their own priest they may for a good reason abstain for a time from its reception; otherwise they shall be cut off from the Church (excommunicated) during life and deprived of Christian burial in death.” Twelfth Ecumenical Council: Lateran IV 1215. 42 LE GOFF, Jacques. Uma longa Idade Média. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. p.185. 39

35 suas faltas, e “juízes”, por escolher as penitências conforme as faltas – passam a contar com suportes escritos por anônimos, teólogos e monges, que explicitam a forma de proceder na confissão, concedendo a eles a incumbência de analisar os pecados confessados e aplicar a penitência necessária. Esses escritos, compostos em sua maioria entre os séculos XII-XVI, foram agrupados em diferentes categorias de textos documentais conhecidos como “Sumas de Confessores” e “Manuais de Confissão”. A legislação relativa ao matrimônio foi reforçada e racionalizada. No cânone 50, o impedimento de casamento por consanguinidade e afinidade é restringido aos quatro primeiros graus. [...] uma vez que, a proibição contra o casamento no segundo e terceiro graus de afinidades e a (proibição) contra a união da descendência do segundo casamento com a concernente ao primeiro marido, frequentemente constituem uma fonte de dificuldade e às vezes são a causa de perigo para as almas, [...], nós, com a aprovação do santo concílio, revogando ordenações prévias sobre este assunto, decretamos no presente estatuto que tais pessoas possam no futuro contrair casamentos sem obstáculos.43

De acordo com o cânone 51, os casamentos clandestinos são proibidos, assim como um padre testemunhá-los. Casamentos a serem contraídos devem ser publicados nas igrejas pelos sacerdotes para que, se existem impedimentos legítimos, possam ser conhecidos44. É interessante esta proibição, pois ela é um indício de que as uniões conjugais ilícitas estavam ocorrendo e preocupavam a Igreja. Como se apresentou anteriormente, o matrimônio nas cidades ocorria mais tardiamente e, na maioria das vezes, não era formalizado. Quanto ao governo eclesiástico, há inúmeros cânones que abordam desde os problemas da Igreja grega à questão da influência laica. A organização e centralização de todo o corpo eclesiástico

“Since, therefore, the prohibition against the contracting of marriage in secundo et tertio genere affinitatis and that against the union of the offspring from second marriages to a relative of the first husband, frequently constitute a source of difficulty and sometimes are a cause of danger to souls, that by a cessation of the proibition the effect may cease also, we, with the approval of the holy council, revoking previous enactments in this matter, decree in the resent statute that such persons may in the future contract marriage without hindrance. The prohibition also is not in the future to affect marriages beyond the fourth degree of consanguinity and affinity; since in degrees beyond the fourth a prohibition of this kind cannot be generally observed without grave inconvenience.” Tradução minha. Twelfth Ecumenical Council: Lateran IV 1215. 44 “Since the prohibition of the conjugal union in the three last degrees has been revoked, we wish that it be strictly observed in the other degrees. Whence, following in the footsteps of our predecessors, we absolutely forbid clandestine marriages; and we forbid also that a priest presume to witness such. Wherefore, extending to other localities generally the particular custom that prevails in some, we decree that when marriages are to be contracted they must be announced publicly in the churches by the priests during a suitable and fixed time, so that if legitimate impediments exist, they may be made known. Let the priests nevertheless investigate hether any impediments exist”. Ibid. 43

36 tendo como ponto central ao Papa como portador da plenitude do poder45, tema central destes cânones, visava o fortalecimento e a independência da Igreja. A hierarquia eclesiástica deveria ser preservada.46 O cânone 71 deu finalmente um conjunto de regras para organizar uma nova cruzada. Os benefícios espirituais seriam estendidos não só para os cruzados, mas também a todos os cristãos que cooperassem economicamente na preparação da empresa. De acordo com o concílio, judeus e muçulmanos devem vestir roupas especiais que lhes permitam distinguir dos cristãos. Ainda, os príncipes cristãos devem tomar medidas para impedir blasfêmias contra Jesus Cristo. Portanto, é possível perceber que os grupos associados ao Diabo eram rejeitados e excluídos socialmente, usando símbolos que mostravam a sua condição diferenciada.

1.4. As Ordens Mendicantes

A criação das ordens mendicantes vem para tentar solucionar o conflito mencionado anteriormente entre uma vida inserida no “século” e uma vida apostólica. Na visão de André Vauchez47, tentou-se encontrar uma fórmula que permitisse a cada cristão viver de acordo com o Evangelho e inserido no mundo ao mesmo tempo.48 Elaborar e difundir esta fórmula em todos os níveis da sociedade – especialmente nos meios urbanos – foi a missão das ordens mendicantes. Para Brenda Bolton, o ideal das ordens mendicantes era: “uma vida que combinasse pobreza evangélica, amor caritativo e proselitismo itinerante no mundo”. Representavam uma evolução na espiritualidade, pois com elas “o ideal de imitação dos apóstolos foi substituído pelo ideal de imitação do próprio Cristo”. 49

Exemplo: Quinto cânone: Proclamação do primado papal reconhecido por toda a antiguidade. Depois do papa, a primazia é atribuída aos patriarcas, na seguinte ordem: Constantinopla, Alexandria, Antioquia, Jerusalém. 46 Exemplos: cânones 6,9,12,13,57,58,60. 47 VAUCHEZ, op.cit. 1995. pp.125-126. 48 Intenção esta que se traduz na arte arquitetônica do período, neste momento há o surgimento da arte gótica em contraponto à arte românica. “Se o românico era uma arte do muro, o gótico é uma arte da linha e da luz, sinal indubitável de uma relação com o mundo mais aberta, menos inquieta com o contato com as realidades mundanas, tão presentes nas próprias portas das catedrais.” BASCHET, op. cit. 2006. p. 203. 49 BOLTON, Brenda. A Reforma na Idade Média. pp.77-78. 45

37 O ideal de pobreza, associado à humildade e a penitência, é a principal característica destas ordens. Destacam-se três linhas de atuação dos frades mendicantes: sua intervenção contra a heresia, seu trabalho intelectual e sua influência junto ao laicado através da pregação. Assim, segundo Franco Jr.: Uma das melhores expressões desse novo quadro global tinha sido exatamente o surgimento das Ordens Mendicantes, cuja prática despojada (não possuíam bens materiais), humilde (viviam de esmolas), de apego à natureza (especialmente os franciscanos), de intensa pregação e repressão aos hereges (sobretudo os dominicanos), atendia melhor que as velhas ordens monásticas as novas necessidades espirituais e sociais. 50

Ainda mais do que através da mendicância a que devem o seu nome, as ordens mendicantes definiram-se, sobretudo, pela sua atitude apostólica, isto é, seu desejo de dedicar-se à salvação das almas em perigo, sejam eles simples fiéis, hereges ou pagãos. Assim, ao contrário das ordens religiosas anteriores, elas revelaram-se extremamente íntimas do mundo que se propuseram a converter. Apesar de viverem em comunidades fechadas, elas não permaneceram no abrigo dos claustros, mas aventuraram-se quantas vezes fosse necessário para manter os relacionamentos com as pessoas. Ao contrário dos monges, os seguidores de S. Francisco e S. Domingos só renunciaram à vida profana a fim de melhor se voltar para aqueles que viviam à sua volta, para lhes falar de Deus. Por esta razão, os mendicantes foram caracterizados, ao contrário, pela sua grande mobilidade. Movimento era constante de uma casa para outra, e os frades estavam frequentemente envolvidos em viagens. O século XII já havia visto uma aproximação entre regulares e seculares, mas os mendicantes dão um passo além, instalando-se no coração das cidades.51 Colocando-se próximos às populações urbanas, os frades pretendiam atuar sobre a conduta dos citadinos. Estas ordens contribuem de forma decisiva com a Igreja, empreendendo uma atividade pastoral adaptada aos meios urbanos. Agindo assim, intervêm em um terreno que é, normalmente, do clero secular. De acordo com Baschet: Em todas as cidades da Europa, sua implantação se faz segundo uma mesma lógica: tendo necessidade de um amplo terreno, os conventos mendicantes se estabelecem nos limites da zona construída e, considerando a concorrência existente entre eles, o mais longe possível uns dos outros, segundo uma geometria bastante regular. Se uma cidade abriga dois conventos mendicantes, o meio da linha que os liga é ocupado pelos edifícios principais da cidade; se eles são três, o centro urbano ocupa aproximadamente o ponto central do

FRANCO JR., Hilário .”Introdução”. In: JACOPO DE VARAZZE. Legenda Áurea: vida de santos. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. p.13. 51 Baschet lembra que estes são chamados de frades, não monges, apesar de serem regulares. BASCHET, op. cit. 2006. p.197. 50

38 triângulo formado por eles.52

Para Brenda Bolton, por mais que franciscanos e dominicanos fossem diferentes entre si, as duas foram de grande utilidade para a Igreja de seu tempo, na identificação desta com a mensagem apostólica e foram utilizadas por ela trabalhando na comunidade e mantendo uma linha direta de comunicação com o próprio papa.53 As ordens mendicantes também se impuseram como as melhores especialistas na perseguição à heresia, por meio da sua participação na inquisição. A Ordem Dominicana também se sobrepõe por sua insistência na pregação como método de conversão dos que fogem à ortodoxia religiosa.

1.5. A Ordem Dominicana

O momento de estabilização da Ordem dos Pregadores ou Ordem Dominicana aconteceu em uma Europa que assistia às transformações das estruturas feudais e ao desenvolvimento dos centros urbanos. Sua criação se liga a uma circunstância conjuntural muito concreta: a heresia albigense e a cruzada lançada contra ela pelo papa Inocêncio III. Esta congregação de pregadores foi aprovada por Inocêncio III, após a reunião do IV Concílio de Latrão, do qual Domingos participou, sob o título de Ordo Praedicatorum. No entanto, uma vez que o Concílio tinha proibido a criação de novas ordens religiosas, o papa ordenou-lhes que escolhessem uma regra já existente e estes optaram pela Regra de Santo Agostinho, que foi considerada adequada para regular os clérigos. O novo estabelecimento não teria, contudo, assumido a sua forma definitiva até ter recebido a aprovação final em 1217, e especialmente em 1220/1, quando Domingos, com as suas Constituições54, definiu suas características, destacando em especial a pobreza dos Frades Pregadores e sua recusa em possuir bens materiais, individualmente ou como uma comunidade, além do que era absolutamente essencial para a sua habitação.

Ibid. p.213. BOLTON. A Reforma na Idade Média. p.91. 54 ORDER OF PREACHERS, The Primitive Constitutions of the Order of Preachers, disponível em: , acesso em: 19 jun. 2014. 52 53

39 A austeridade do seu modo de vida, bem como o seu ardente zelo apostólico, não deixou de impressionar as pessoas no meio intelectual do qual eles recrutaram muitos membros valiosos. Com o apoio do papado, a Ordem, assim, adquiriu uma dimensão universal e, com a morte de seu fundador em 1221, já havia várias centenas de Frades, 25 casas e cinco províncias. Algumas comunidades do sexo feminino tinham se juntaram a eles, em Roma, assim como em Bolonha, e os dominicanos também tiveram grande sucesso no mundo germânico pouco depois. Beneficiando-se da confiança do papado, os pregadores foram encarregados da execução da Inquisição entre 1231 e 1233, que foi leválos, embora não exclusivamente, para a perseguição e repressão das heresias. O sucesso da Ordem foi incontestável até o fim do século XIII. Nessa época, quase todas as cidades importantes da comunidade latina tinham um convento de dominicanos. A Ordem Dominicana era constituída essencialmente por clérigos assistidos, nas tarefas materiais, por irmãos leigos. Nesse sentido, ocorreu uma proximidade entre a Ordem e a cúria romana. Os dominicanos haviam se colocado sob obediência papal, assumindo o papel de integrar a Igreja Ocidental sob um sistema legal e administrativo centralizado. Lawrence afirma que Gregório IX55 (1227-1241) e seus sucessores elegeram dominicanos e franciscanos para o serviço de penitenciários menores, para atuarem no exercício do sacramento da confissão devido ao conhecimento teológico que eles possuíam.56 Além disso, eles obtiveram papel de destaque junto às cruzadas, no combate aos hereges, na Inquisição e na defesa do poder papal em relação a elementos laicos. Os dominicanos foram evangelizadores, missionários, penitenciários, titulares de dioceses, inquisidores, alcançando um reconhecimento da cúria romana que os convocava, frequentemente, para atuarem seja no incentivo às cruzadas contra os infiéis na qualidade de missionários, seja no combate aos movimentos heréticos. Domingos tinha entendido a importância fundamental da palavra falada na transmissão da fé. Esta aposta no valor de erudição foi muito importante: em um mundo onde o conhecimento teórico gozava de grande prestígio, onde as universidades foram rapidamente tornando-se terreno fértil que atraía líderes do cristianismo, houve certamente lugar privilegiado para a Ordem, cuja pregação era baseada no estudo da teologia e da filosofia. Através das universidades, a Ordem começou a ocupar um lugar importante na vida intelectual da cristandade e a tomar posição nas disputas que afetavam as

Gregório IX, sucessor de Honório III, também encarregou os dominicanos de estabelecerem o ensino teológico na Universidade de Toulouse, que se tornou uma célula de combate aos movimentos considerados heréticos e defesa da verdade postulada pela Igreja. 56 LAWRENCE, Clifford Hugh, The friars: the impact of the early mendicant movement on western society, London: Longman, 1994. p.72. 55

40 questões de fé. Nestes centros, a Ordem se encontrou com os grandes problemas que afetavam a sociedade cristã. A universidade também foi palco de grandes conflitos entre os mendicantes e os mestres seculares. Dominicanos e franciscanos haviam se instalado em Paris desde antes de 1220 e haviam imediatamente começado a frequentar a universidade. Por volta de 1230 ou pouco depois, eles obtiveram suas primeiras cátedras. Seus progressos constantes, sua popularidade junto aos estudantes, sua falta de empenho em associarem-se às greves pela defesa dos privilégios universitários os tornaram pouco a pouco insuportáveis ao menos para uma parte de seus colegas seculares. O conflito entre mendicantes e seculares na Universidade de Paris atingiu seu auge nos anos 1254-56.57 Domingos estruturou a vida da Ordem e desenvolveu muitas inovações tendo em conta a pregação. Ele introduziu um tipo e uma qualidade da educação que preparava os homens para a missão, abandonou o trabalho manual, concedeu amplo poder de dispensar os frades de seu trabalho aos superiores, juntou contemplação e ministério, e insistiu sobre a pobreza mendicante, a fim de colocar ao serviço da Igreja um corpo de pregadores treinados. Segundo Pierre Mandonnet, Domingos defendera um equilíbrio necessário entre o conhecimento dos preceitos cristãos e a prédica, ou seja, entre contemplação e ação. Assim combateriam os heréticos através da palavra e da pobreza evangélica, em conformidade com o lema da Ordem, Contemplata aliis tradere.58 A fim de pregar bem, os membros da Ordem tinham que ser bem treinados. Uma pregação eficaz do Evangelho repousava no conhecimento bíblico que era completa e constantemente reavaliado. Assim, os frades precisavam de uma forte base de conhecimento das escrituras que os seguiu da sala de aula para o púlpito. A Ordem previu, para isto, um sistema comunal de educação dirigido especificamente à formação dos pregadores. A ideia de uma formação comum dos pregadores foi sem precedentes na Igreja naquela época, assim a legislação relativa à educação de Domingos foi original. De acordo com as normas da Ordem Dominicana, para ser um pregador completo, um homem deveria não só estar apto a pregar, mas ser maduro, discreto, bem posicionado mental, moral e Ibid. pp.280-282. Marie-Humbert. Freres Precheurs. Dictionnaire de Spiritualité . Acesso em: 23 de novembro de 2009. 57

58VICAIRE,

Disponível

em:

41 socialmente. Segundo Richardson, essa preparação especial objetivava facilitar o contato com homens em variadas circunstâncias e evitar agir como muitos, de forma rude e indiscreta.59 Além do mais, o pregador, quando requisitado por padres das paróquias locais e/ ou por bispos, deveria ser atencioso o suficiente para não causar nenhum atrito com o clero local. A pregação era uma função que tinha uma regulação muito estrita na doutrina jurídica da Igreja. Considerada uma função específica dos bispos e logo também dos párocos, se converterá entre os séculos XI e XII em uma das atividades dos mendicantes. Os privilégios concedidos no IV Concílio de Latrão a respeito podiam supor uma interferência nos direitos de párocos e bispos. O conflito – que incluía não somente a pregação, mas também a confissão e outras atividades pastorais – foi aumentando ao longo do século XIII e pediu a intervenção de vários pontífices, e não chegou a solucionar-se até o pontificado de Bonifácio VIII.60 Durante as últimas décadas do século XIII, pode-se dizer que a Ordem Dominicana estava profundamente enraizada nas cidades e a influenciou muito. Sua política de pregação em áreas urbanas teve os seus frutos, e ligações muito próximas entre ela e os poderes municipais foram estabelecidas, os quais não nutriam desconfiança dos frades, dos quais consideraram que não tinham nada a temer no plano político.61 Le Goff destaca que com os dominicanos: “A pregação conhece um impulso extraordinário e uma profunda metamorfose. Não cai mais do alto sobre o povo dos fiéis. Ao contrário, é endereçada verdadeiramente a ele.”

62

Então, o sermão é reelaborado, passa a incluir historietas divertidas e

didáticas: os exempla. Os dominicanos esforçavam-se para falar dos problemas específicos dos citadinos e distinguiam os auditórios segundo seus ofícios, assim se observavam sermões para intelectuais, universitários, artesãos, camponeses, etc. Recorriam aos exempla para lhes dar exemplos da vida cotidiana.63 A pregação passou para as praças, para os púlpitos externos provisórios ou permanentes.

RICHARDSON, Ernest Cushing, Materials for a Life of Jacopo Da Varagine, New York: Wilson Company, 1935. p.25. Contudo, o autor não especifica nem se estes muitos seriam clérigos. 60 MARTÍN, Bonifacio Palacios, Los dominicos y las órdenes mendicantes en el siglo XIII, VI Semana de Estudios Medievales, n. Nájera, p. 29–42, 1995. pp.37-38. 61 LE GOFF, op.cit. 2008b. p.253. 62 Ibid. p.183. 63 LE GOFF, Jacques, O apogeu da cidade medieval, São Paulo: Matins Fontes, 1992. p.183. 59

42 De acordo com Le Goff: “o sermão assumirá ares de meeting com os pregadores populares em voga, verdadeiros ‘ídolos’ da multidão.”64 Qual seria então o público visado pelos Pregadores? Os discursos sobre os santos e as festas eram direcionados a todos os fiéis, enquanto que os outros estavam explicitamente destinados aos públicos especializados, aos agricultores, aos artesãos, aos mercadores, às mulheres, etc. Estes sermões ad status, endereçados aos diferentes grupos da sociedade, conheceram uma grande voga no século XIII. Os clérigos desta época descobriram a diversidade das condições sociais e empreenderam uma adaptação de seu discurso, sem deixar de cultivar os estereótipos. Eles celebravam o trabalho dos camponeses e dos artesãos, considerados como criadores de riquezas, tanto quanto suspeitavam das atividades dos mercadores, sempre tidos como aqueles que tinham amor ao ganho. Cada um estava preso aos vícios e virtudes de seu grupo.65 Em geral, através da leitura de Vauchez pode-se dizer que o estabelecimento maciço das ordens mendicantes na sociedade urbana no final do século XIII deve seu sucesso ao fato de que levavam aos fieis algo que o clero secular há muito tempo foi incapaz de oferecer: o exemplo de uma forma de vida moralmente correta e a melhor maneira de apresentar e transmitir a mensagem cristã através da pregação.66 A sua estreita ligação com leigos lhes permitira compreender seus problemas muito bem, em especial aqueles relativos à vida econômica dos mercadores ou banqueiros. Por isso, afirma Vauchez, "Não foi apenas acaso que os colocou na vanguarda do pensamento teológico e canônico nesta área."67 Ou seja, os mendicantes se colocaram junto aos citadinos, tentando entender seus dilemas morais e procurando auxiliá-los espiritualmente. Esta postura é tida pelo autor como algo inédito até então, uma atitude que a Igreja não havia experimentado realizar. Para Vauchez, as ordens mendicantes constituíram um novo movimento para a evangelização e a conquista cristã da sociedade

Ibid. MARTIN, Hervé, La chaire, la prédication et la construction du public des croyants à la fin du Moyen Âge, Politix, v. 7, n. 26, p. 42–50, 1994. p.46. 66 VAUCHEZ, André. op cit. 1999. p.253. 67 “it as not merely chance hich placed them at the forefront of theological and canonical thought in this area.” Tradução minha. Ibid. 64 65

43 urbana.68 Le Goff chega à conclusão de que os mendicantes fornecem as justificações religiosas de que a sociedade urbana tem necessidade.69 Os primeiros dominicanos, por exigência de sua missão doutrinal, consagraram-se desde cedo à escrita. A missão de pregação fez com que obras doutrinárias fossem escritas nos mais diversos campos do conhecimento. Estavam eles interessados principalmente em estudos bíblicos e teológicos. No século XIII, obras em teologia, a Escritura e a filosofia eram as mais numerosas. Muitos frades comentaram os livros da Bíblia. Alberto Magno escreveu um livro de animais, vegetais minerais, botânica, um comentário enciclopédico sobre a filosofia de Aristóteles, e trabalhos em teologia e as Escrituras.70 Na teologia pastoral, história, e outros campos, escritores dominicanos compilaram livros de referência, sumas, epitomes e manuais. Nesse momento também foram compostos numerosos sermões, entendidos como veículos da sabedoria de Deus. Estes não deveriam ser somente exegéticos e conduzir apenas a fins penitenciais, mas deveriam, sim, constituir-se em ajuda válida para todos, qualquer que fosse o nível social de quem escutasse. A partir de 1240, aproximadamente, foram tomadas iniciativas tendo em vista o ordenamento e a organização dos discursos coletivos no seio da Ordem. As admonitiones, de acordo com Markus Schürer, foram decisões tomadas sobre aspectos da vida interna dos dominicanos. Tratavam-se, por um lado, de uma regulamentação geral dada à comunicação interna e externa e, por outro, de uma regulação da circulação de diferentes saberes no seio da comunidade. Visava-se particularmente a transmissão de conhecimento sobre a legislação da Ordem e, além disto, procurava-se regulamentar a utilização dos saberes teológicos e filosóficos. Assim, se encontram numerosas decisões que deveriam auxiliar a organização do discurso histórico e memorial dominicano.71 Uma série de admonitiones foi sobre a coleta de material para a escrita da história da Ordem: ela tem a função de dar início à produção de textos historiográficos ou hagiográficos ou, ainda, a atualização do corpus textual existente. Assim, uma admonitio do Capítulo Geral de 1245 (em Colônia) ordenou a reunião de material hagiográfico sobre o fundador da Ordem, dever-se-ia informar seus Ibid. p.255. LE GOFF, op.cit. 1992. p.185. 70 HINNEBUSCH, William A., The Dominicans, [s.l.]: Dominican Publications, 1985. 71 SCHÜRER, Mar us, Mémoire et histoire dans l’Ordre des Prêcheurs vers le milieu du XIIIe siècle, in: BOUTER, Nicole (Org.), Ecrire son histoire: les communautés religieuses régulières face à leur passé : actes du 5e colloque international du CERCOR, Saint-Etienne, 6-8 novembre 2002, Saint-Etienne: Université de Saint-Etienne, 2005, p. 147– 169. p.148. 68 69

44 milagres através de testemunhas confiáveis. O mesmo foi pedido em relação ao segundo Mestre Geral, Jordão da Saxônia.72 Assim tem-se a origem da coletânea hagiográfica da primeira geração de frades da Ordem chamada Vitae Fratrum. Os anos 1250 foram marcados pela querela das ordens mendicantes com o clero secular – que reivindicava seus direitos pastorais – e pela discussão acerca da legitimidade da existência dos dominicanos (e dos franciscanos).73 Entretanto, no seu prólogo das Vitae Fratrum, Humbert de Romans – Mestre Geral da Ordem na época - afirma que não foram somente as crises externas, mas também, e mais importante, os problemas internos na transmissão das normas e os valores da Ordem na mudança de gerações, que deram o impulso para a redação deste texto, problemas aos quais se juntaram as dificuldades de formar e impor uma identidade coletiva coerente. 74 A maneira como Humbert sublinha o papel da escrita como forma de fixação do saber histórico e hagiográfico é digna de atenção. Inspirados pelo Espírito Santo, diz ele, os dominicanos iniciaram a tarefa de conservar por escrito os atos e as palavras edificantes e dignas de louvores, pois a memória dos servidores de Deus seria mais bem perpetuada por escrito e possibilitaria a salvação dos frades que viriam pelo exemplo da primeira geração.75 Muito utilizada como auxílio à composição dos sermões e bastante difundida durante toda a Idade Média foi a hagiografia. Suas coletâneas foram produzidas com frequência pelos dominicanos e o seu maior exemplo foi a Legenda Áurea, que, assim como as Vitae Fratrum, faz parte deste projeto dominicano de conservar por escrito a sabedoria que precisava ser transmitida para as futuras gerações. Este saber, no caso, era sobre os exemplos dos santos, cujo culto se encontrava na essência do cristianismo. Como forma de linguagem, o gênero das Vitae possui um desenvolvimento narrativo centrado em torno dos atos supostamente reais atribuídos aos santos, com a finalidade pedagógica de fornecer aos ouvintes ou leitores modelos de virtude. Os santos, nesse sentido, deveriam ser tomados como modelos imitáveis, sendo-lhes atribuídas virtudes necessárias para a realização da salvação. É importante ressaltar aqui a dificuldade de penetração do discurso clerical sobre os leigos e a necessidade eminente de modificar a forma como esse discurso era divulgado. Os Pregadores Ibid. pp.148-149. Ibid. p.152. 74 Ibid. p.153. 75 Ibid. pp.153-154. 72 73

45 reformulam as estratégias discursivas que existiam até então para tornar sua mensagem mais clara e facilmente compreensível para o público leigo. Nesse sentido, caso o pregador achasse necessário, poderia reanimar o auditório contando-lhe histórias engraçadas ou exemplos alegres para, logo depois, reinserir em seu discurso palavras sérias, elevadas das sagradas Escrituras. Era legítimo também inserir casos exemplares ao argumento desenvolvido. Para isso, os dominicanos desenvolveram a arte do sermão, além da produção dos textos utilizados como inspiração para estes sermões, incluindo-se as coletâneas hagiográficas e de exempla. Nesse sentido, Jacques Le Goff destaca o movimento da Igreja no século XIII de fixar a sua memória por escrito. Neste momento, ele afirma, há uma “sacralização da escrita”76. O autor explica quea escrita do texto em língua latina, além de se garantir a sua preservação ao longo dos tempos, o coloca no terreno do sagrado, pois o latim é a língua da Igreja, uma instituição sagrada. A memória tem uma função particularmente importante no século XIII. Neste período, as teorias e as técnicas de memorização se multiplicavam e se reforçavam. Os frades mendicantes participavam desta evolução intelectual. A vida cristã é mais particularmente definida como memória. A lembrança ativa do Cristo tornase um motor essencial da visa espiritual. Para Le Goff, o exame de consciência promovido pela confissão e pregação é uma espécie de rememoração.77 Assim, para os dominicanos, escrever a memória do cristianismo, das vidas dos santos, era uma forma de garantir a salvação das almas, através da preservação do conhecimento cristão.

1.6. Novas formulações doutrinárias e práticas religiosas

Nesse momento, a Igreja se esforça para dar novas formulações doutrinais, novas práticas religiosas. A evolução mais importante se refere, sem dúvida, à doutrina do pecado e dos sacramentos. O Diabo também ganha mais destaque, torna-se mais bem definido. Os homens do século XIII lançam um novo olhar sobre Cristo, que é menos o Cristo glorioso da Ressurreição do que o Cristo sofredor da Paixão. Por outro lado, o culto mariano tornou-se objeto de LE GOFF, Jacques. “Préface”. In: BOUREAU, Alain. La Legende dorée. Le système narratif de Jacques de Voragine (+1298). Paris: 1984. p.II. 77 “A confissão e a pregação põem em primeiro plano o exame de consciência que é um primeiro lugar rememoração”. LE GOFF, Jacques, São Francisco de Assis, Rio de Janeiro: Editora Record, 2007, p. 196. 76

46 um fervor excepcional. Francis Rapp conta que a devoção ao Cristo sofredor não data somente do final da Idade Média. Ela toma emprestados alguns de seus elementos da tradição patrística.78 Largamente difundida nas massas do século XIII, “a contemplação de Jesus crucificado não tinha por único objetivo a complacência mórbida no espetáculo da dor. Ela se alimentava da reflexão sobre o significado profundo da Encarnação.”79 Além disto, o tempo presente é promovido mediante a transformação da eucaristia, a partir do duplo ponto de vista da teologia e da prática: a promulgação, nos séculos XI e XII, da doutrina da transubstanciação, que impõe a crença na presença real de Jesus Cristo na Eucaristia, substitui um sacrifício de memória por um sacramento de presença, de presente. Deste modo, a importância de se viver o presente e a vida na Terra ganha adeptos. Assim, desde o século XII, em numerosas comunidades se faz referência àquelas passagens do Evangelho suscetíveis de oferecer regras de vida, em particular as que evocam a pobreza de Cristo e a de seus discípulos. Nesse sentido, os defensores desta espiritualidade renovada estimavam que o amor de Deus caracterizava-se pela imitação o mais fiel possível da vida do Senhor. Assim, as exigências e as preocupações fundamentais dos novos movimentos espirituais do século XII foram especialmente duas: seguir Cristo e evangelizar os pobres. Em consequência, esta volta às origens trazia uma transformação da vida religiosa. Entre os mestres espirituais levados em conta no fim da Idade Média – São Bernardo e São Boaventura em particular -, o sacrifício de Cristo não foi somente a reparação da falta cometida por Adão. Ele devia igualmente dar aos homens uma lição de generosidade. O Senhor esperava que suas criaturas respondessem à abnegação da qual seu filho tinha dado a prova através do reconhecimento. A compaixão com o sofrimento de Cristo era um sentimento esperado da parte do fiel. Jacques Le Goff enfatiza que, o século XIII, vê crescer o culto dos relicários supostamente contendo gotas do sangue de Cristo. Nesse momento, Urbano IV promulgou o dogma da presença real do corpo de Cristo na Eucaristia, que seria solenemente festejado no dia de Corpus Christi.80 O cristianismo, para o autor, se esforça para tornar presente a encarnação de Deus em Cristo através da Eucaristia: “cada missa, cada dia, em todo lugar, põe Deus entre os homens hic et nunc, RAPP, Francis, L’Eglise et la vie religieuse en Occident à la fin du Moyen Age, Paris: Presses universitaires de France, 1971. p.146. 79 « La contemplation de Jésus crucifié n’avait pas pour unique origine la complaisance de la réflexion sur le sens profond de l’Incarnation. » Ibid. p.147. 80 LE GOFF, op.cit. 2008b. p.53. 78

47 aqui e agora”.81 Receber o corpo de Cristo simbolizado na hóstia significava participar do grande corpo de cristãos. Esta Eucaristia, para Le Goff, só encontra sua expressão ‘definitiva’ no século XIII, com a instauração do dia de Corpus Christi. Defende que: “Antes do Corpus Christi, só os que comungavam freqüentemente viam o corpo de Cristo. Agora esse corpo passa a ser mostrado a todos de maneira suntuosa e gloriosa. É uma das consequências do famoso Concílio de Latrão IV: generalização da confissão, importância destacada da comunhão”.82 Além disso, os séculos XII e XIII ofereciam magníficas representações de Jesus, cujo corpo sofredor se tornava aos olhos dos fiéis num corpo glorioso. Como defende Rapp, a contemplação do Salvador sofredor não tinha como único fim o estímulo à emoção. Ela deveria também reforçar na mente dos fiéis o artigo fundamental da sua fé: através de seu sacrifício, Cristo redimiu os homens. A segurança mais forte contra o mal e o Inferno, os cristãos encontravam, sobretudo, no triunfo de Jesus, do qual a visão do crucifixo lembrava–os necessariamente.83 Assim como se enfatiza a humanidade de Cristo e seu sofrimento na cruz, o seu opositor, o Diabo, ganha contornos mais nítidos. A partir do século XIII vê-se um Diabo mais bem definido, principalmente através das contribuições trazidas pela escolástica. Há um aumento de poder de Lúcifer, que não é consequência unicamente de mutações religiosas. Como defende Robert Muchembled84, esse aumento traduz um movimento de conjunto da Cristandade ocidental, uma nova identidade coletiva. A Europa dota-se lentamente de outros fatores de unificação, além do próprio cristianismo. Trata-se de modelos novos de relações entre os homens. A mutação de uma imagem do Diabo inscreve-se, portanto, neste campo dinâmico de ação. Com o avanço dos séculos XIV a XVII, a Cristandade latina se julga assediada por múltiplos inimigos - turcos, judeus, heréticos, bruxas, etc. Essa sociedade sofre uma culpabilização maciça, com a promoção sem precedentes da interiorização e da consciência moral. Jean Delumeau85 defende que nasce no século XIV uma "doença do escrúpulo", que se amplifica a partir desse momento. Surge, desta forma, um novo medo: o medo de si mesmo. Reforça-se a ideia de que Satã está em toda parte, até no coração de cada um. Assim, como o demônio está dentro de cada um de nós, devemos sempre manter vigilância sobre nossas ações. LE GOFF, Jacques, Em busca da Idade Média, Rio de Janeiro: Editora Record, 2008. p.129. Ibid. p.130. 83 RAPP, Francis. op.cit. p.149. 84 MUCHEMBLED, Robert, Uma história do diabo: séculos XII-XX, Rio de Janeiro: Bom Texto, 2002, p. 32. 85 DELUMEAU, Jean, O pecado e o medo: a culpabilização no ocidente (Séculos 13-18), Bauru: Edusc, 2003, p. 9. 81 82

48 Para Muchembled86, o discurso sobre Satã muda de dimensão no mesmo momento em que se esboçam teorias novas sobre a soberania política centralizada, diante das quais o universo das relações feudais e vassálicas cede lentamente. O Inferno e o Diabo, a partir de então, nada têm de metafórico. A arte produz um discurso bastante preciso, muito figurativo sobre este reino demoníaco, colocando detalhadamente a noção de pecado, por exemplo, a fim de melhor induzir o cristão à confissão. A encenação satânica e a pastoral que a ela se reporta desenvolvem a obediência religiosa, mas igualmente o reconhecimento do poder da Igreja e do Estado, cimentando a ordem social com o recurso a uma moral religiosa.87

O discurso demonológico atinge cada vez mais pessoas, chega à corte régia e aos laicos ricos que descobrem o Inferno em seus livros de horas, breviários, saltérios, etc. A lição comum que todos podem tirar daí não é unicamente religiosa, pois as imagens mentais consagradas ao Inferno e ao Diabo tratam igualmente da lei e do governo dos homens. Muchembled 88 defende que a detalhada evocação dos suplícios infernais, a partir do século XIV, dá o exemplo da justiça desejada por Deus, sempre implacável. Ela habitua as pessoas a pensar que a marca de um bom governo reside em seu poder de punir justamente. A ameaça do Inferno e do diabo aterrador serve como instrumento de controle social e de vigilância das consciências, incitando às transformações das condutas individuais. É o que Jean Delumeau chama de “pedagogia do medo”89. Insistindo na ideia de que os pecadores e os criminosos não conseguem escapar de um castigo merecido, a Igreja contribui para modelar as características que definem a identidade de uma Europa ligada à inculpação individual. O homem reconhece um poder – a Igreja – e se subordina a este, cumprindo sua ética específica, determinada por este poder. Caso não siga esses preceitos éticos, o indivíduo sabe que poderá ser punido. O Estado, que se liga ao poder da Igreja, também acaba sendo reconhecido como poder, liderança seguida e obedecida, justamente por se associar e exigir os mesmos preceitos éticos cobrados pela Igreja. O caso francês é emblemático: na França, a monarquia se dota de uma supersacralidade que se remete ao Império Romano. Não se trata mais da simples superioridade de um indivíduo sobre o

MUCHEMBLED, op.cit., p. 33–34. Ibid., p. 35. 88 Ibid., p. 36. 89 DELUMEAU, op.cit. 2009. 86 87

49 grupo, mas de um conceito novo, contribuindo, a partir de 1200, para um progresso marcante do poderio régio, apesar de contestações existirem. Muchembled nos lembra de que as imagens diabólicas e as que servem como ilustrações da soberania régia eram produzidas pelos mesmos artistas. Eles adornavam Satã com as marcas emblemáticas do poder terrestre, acrescentando-lhe um simbolismo negativo, para desvalorizar o poder do Demônio. A majestade do Diabo é associada, então, com o mau governo, com uma ameaça que o bom governo deveria se sobrepor. Satã também sofre modificações em sua aparência, tornando-se mais bestializado, monstruoso, provocando terror e repulsa. É dada uma ênfase na sua não humanidade e, além disso, sugere-se que ele pode invadir corpos pecadores para transformá-los à sua vontade. Deste modo, a Igreja insiste no medo de pecar e na danação do pecador. Cada indivíduo deve manter vigilância constante sobre suas ações, a preocupação em não cair em pecado é real. Com isso reforça-se a importância da figura do confessor, aquele que ouve os pecados, aplica as devidas punições ao pecador e o absolve. Ao determinar a confissão auricular e uma vez ao ano, a Igreja tem em vista alguns objetivos pastorais. Ela deseja não somente desenvolver a prática do exame de consciência, mas também permitir ao confessor julgar os conhecimentos religiosos dos fiéis e dar-lhe a oportunidade de doutrinar estes últimos durante o processo de interrogatório. Em contrapartida, a obrigação da confissão anual fornecia ao clero um meio de pressão considerável sobre as almas. O cânon XXI do IV Concílio de Latrão também provoca o desenvolvimento de uma literatura relativa ao pecado. Os confessores precisam de livros para guiá-los e esclarecê-los na tarefa de interrogar e julgar suas ovelhas. Dessa necessidade nascem as “Sumas de Confessores” e “Manuais de Confissão”. As obras relativas aos pecados se dividem em duas categorias. Umas, constituídas em grandes volumes, são tratados de moral jurisprudencial que devem permitir um julgamento exato sobre os atos relatados em confissão e, consequentemente, prescrever a punição e os remédios que evitarão sua repetição. Outras, mais concisas, dão aos padres apenas as instruções básicas para uma boa confissão 90. Cabe destacar que muitas dessas obras foram escritas por dominicanos e franciscanos. Não é de surpreender o lugar ocupado por esses religiosos nesse domínio. Eles têm um reconhecido protagonismo como confessores e inquisidores. Como afirma Delumeau: 90

DELUMEAU, op.cit. 2003, p. 376.

50 Pregadores ou inquisidores, ou as duas coisas ao mesmo tempo, e logo autorizados a confessar a despeito do privilégio concedido aos vigários de paróquia, eles basearam toda a sua pastoral de cristianização sobre a culpabilização. Assim, podemos com toda razão situar no início do século XIII uma cesura capital na história da cristandade, já que nos seis anos 1210-1215 coincidiram a criação dos franciscanos, a dos dominicanos e o IV Concílio de Latrão.91

Esse modelo de confissão, privada e auricular, mediada por essa literatura expressamente didática, deu um novo sentido ao perdão e à penitência. Se antes a penitência era pública e o perdão incerto, a partir da institucionalização da prática confessional e penitencial individual a contrição vai assumindo importante espaço nessa pastoral. Para além dos aspectos de controle moral e social exercido pela Igreja através da confissão obrigatória, Jean Delumeau atenta para a possibilidade de ver nesse procedimento inquisitorial um importante elemento para que os homens tivessem conhecimento de sua própria vida, de seus atos, de sua alma. O autor afirma que apesar de exigir do fiel a confissão explícita, a Igreja concede a ele o perdão que o conforta e mantém suas pretensões de salvação. Fundamentado em extensa documentação referente aos manuais de confissão e escritos teológicos, Delumeau considera ainda que a confissão ampliou um discurso produtor de medo, culpabilizador e coercitivo, que, todavia, propunha uma contrapartida: o perdão. Entretanto, o pesquisador alerta para o fato de que não devemos reduzir a história da culpabilização a uma história do poder clerical. Este sentimento de culpa acompanhou a ascensão do individualismo e do senso de responsabilidade. Assim, ela anda em conjunto com o processo de emergência do indivíduo.92 Contrariando outros pesquisadores, como Robert Muchembled, Alain Boureau defende que uma demonologia surge já no século XIV e não posteriormente, no século XV. Para Boureau93, é o papa João XXII (1316-1334) que funda as bases de uma nova percepção de heresia e abre o caminho para o desenvolvimento de uma ciência do demônio. A bula Super illius specula (1326 ou 1327) enuncia pela primeira vez que as invocações de demônios são heresias. As relações com os diabos entram no campo dos fatos reais e não são mais tidas como ilusões diabólicas, o que traz como consequência a necessidade de punição.

Ibid., p. 376–377. Ibid., p. 14. 93 BOUREAU, Alain, Satan hérétique: Histoire de la démonologie (1280-1330), Paris: Odile Jacob, 2004. 91 92

51 A partir do século XIV, há uma nova percepção da ação diabólica neste mundo, ligada diretamente com a luta contra as heresias. Duas das principais regiões atingidas por uma explosão herética, e depois pela feitiçaria, foram os Alpes e uma parte dos Países Baixos borgonheses. Os discípulos de Pierre Valdo, no século XII, já haviam em seguida se espalhado pelo atual norte da Itália, sudeste da França, e mesmo Artois ou Flandres. No início de 1234, Gregório IX recomendou vigilância aos prelados, aconselhando-os de se servir dos dominicanos todas as vezes que se necessitasse de uma ação mais vigorosa, seus frades eram particularmente hábeis na refutação da heresia. Foi a Ordem dos Pregadores encarregada de fornecer os “zeladores” que protegeriam a fé cristã contra a heresia94. As numerosas heresias do século XV forneceram a matriz demonológica da futura feitiçaria satânica. Discípulos de Jean Hus e Wyclif e valdenses foram condenados em Tournai, no início do século XV, em Douai em 1420, ou em Lille, com o nome de “turlupins”, por volta da mesma época. Os inquisidores e os homens da Igreja que se confrontam com esses grupos produzem uma reflexão cada vez mais preocupada a esse respeito. O final do Grande Cisma, em 1417, abre o caminho a uma necessidade de reorganização interna da Cristandade e um melhor esclarecimento sobre a ortodoxia. O mito do sabbat passa a ter lugar a partir dos anos 1428-1430, sob o duplo impacto de uma onda de processos de feitiçaria e a floração de uma literatura inspirada por eles. Iniciou-se assim uma fase transitória entre a heresia propriamente dita e a definição do conceito de feitiçaria nos manuais especializados. O sabbat foi ganhando o sentido de reunião noturna das feiticeiras, conjuntamente com epidemias de caça às feiticeiras em quase toda a atual Suíça de língua francesa.95 Num contexto de turbulências na Igreja até 1449, a concentração num inimigo simbólico talvez tenha contribuído, defende Robert Muchembled96, ao mesmo tempo, para relaxar a pressão interna geral e para expressar a legitimidade e a ortodoxia dos grupos de influência envolvidos, particularmente eclesiásticos, que cercavam o antipapa Félix V. Cabe lembrar que de 1431 a 1449 se dá o Concílio da Basileia, que começa em Basileia e é transferido para Ferrara em 1438. A postura inicial é antipapal, proclamando a superioridade do concílio sobre o Papa e prescrevendo uma profissão de fé do sumo pontífice, um juramento que deveria ser

LEA, Henry Charles, L’histoire de l’Inquisition au Moyen Âge, Paris: Robert Laffont, 2005, p. 140–141. MUCHEMBLED, op.cit., p. 53–54. 96 Ibid., p. 55–56. 94 95

52 feito por todos os Papas em sua eleição. Os bispos e abades presentes elegem Amadeu VIII de Savoia como o Antipapa Félix V em 1439. Então, há uma coincidência entre o clima religioso e político na região de Savoia-Piemonte, durante o segundo quarto do século XV, e a invenção de um novo tipo de feitiçaria demoníaca. Os atuais Países Baixos, no final do reinado de Filipe, o Bom (falecido em 1467), parecem ter servido de canais de transmissão da formulação sobre feitiçaria esboçada na região de Savoia. Arras foi em 14591461 palco de um enorme processo inquisitorial. A novidade reside na definição geral de feitiçaria estabelecida pelos inquisidores do tribunal: o pacto com Satã e as relações sexuais com demônios. De 1435 a 1487, são recenseados 28 tratados dedicados à feitiçaria, contra 13 de 1320 a 1420. No ano de 1480 o número de processos de feitiçaria tem um primeiro pico, ainda muito aquém das perseguições da época moderna. A doutrina demonológica encontra apoio explícito da autoridade pontifical. Inocêncio VIII lança em 1484 a bula Summis desiderantes affectibus pela qual exortava os prelados da região hoje conhecida como Alemanha a reforçarem a caça às feiticeiras, acrescidas em número naquela região. A importância histórica desta bula é que através dela a Igreja reconhece a existência das bruxas e da bruxaria e deste modo autoriza as perseguições que se seguem, não só na atual Alemanha, mas em todos os outros países em que tem influência. Dois inquisidores dominicanos, Heinrich Kramer e James Sprenger, conduzem uma grande investigação sobre a feitiçaria e sua relação com os demônios. Depois, redigem o primeiro grande tratado de caça às feiticeiras, o Malleus Maleficarum97, publicado em 1487. Invocando a bula pontifícia de Inocêncio VIII, os autores examinaram 78 questões para esclarecer a origem e o desenvolvimento do que eles chamavam de “a Heresia das Feiticeiras”, a fim de oferecer, na terceira parte, o remédio para exterminar a heresia. Logo em sua primeira questão, o Malleus Maleficarum já deixa clara a confirmação da existência de bruxas, feiticeiras e demônios. Assim como confirma a crença nos poderes diabólicos para aqueles que ainda poderiam duvidar da força das criaturas do mal. "As Sagradas Escrituras, na Sua autoridade, dizem que os demônios têm poderes sobre o corpo e sobre a mente dos homens, quando Deus lhes permite exercê-los, ao que se faz alusão explícita em muitas passagens. Enganam-se portanto os que afirmam não existirem coisas como bruxaria ou feitiçaria, ou os que professam tais coisas serem imaginárias ou existirem demônios só na imaginação de ignorantes e de populares, e também os que

KRAMER, Heinrich; SPRENGER, James, O Martelo das feiticeiras: malleus maleficarum, [s.l.]: Rosa dos Tempos, 2002. 97

53 declaram ser equívoco atribuir a demônios certos fenômenos naturais que acontecem aos homens."98

Claramente há uma confirmação do que já fora expresso anteriormente no IV Concílio de Latrão, no cânone I: Os demônios são bons por natureza, mas escolheram o caminho da maldade. O texto do Malleus esclarece que a "fé verdadeira" afirma que alguns anjos foram lançados do Céu e hoje são demônios. Dada sua própria natureza, estes seriam capazes de realizar proezas que estão acima da capacidade humana.99 As pessoas que induziriam as outras a realizarem prodígios perversos são chamadas bruxas. Estas últimas são caracterizadas também como hereges, pois seriam infiéis à fé cristã. Magos e bruxas, através dos poderes do Diabo, conseguem feitos extraordinários, e Deus permite que assim seja. Para isso, as bruxas realizam um pacto com o Diabo,em que se tornam suas servas e devotas. É importante destacar que no Malleus Maleficarum defende-se o argumento de que os anjos do mal só conseguem realizar seus malfeitos porque possuem a permissão divina. "Assim, os anjos do mal podem realizar, e de fato realizam, a vontade de Deus."100 Através da bruxaria os demônios podem produzir efeitos maléficos, que não conseguiriam sem o auxílio de algum agente. O Malleus Maleficarum distingue os adoradores dos demônios dos idólatras. A idolatria seria a primeira de todas as "supertições", sendo a segunda a adivinhação e a terceira, a observação do tempo e das estações. A bruxaria se incluiria no segundo tipo de supertição: na adivinhação - porque nela se invoca o Diabo, expressamente 101. A bruxaria é definida como uma heresia, entretanto não se trata de uma heresia qualquer, e sim seria a mais grave de todas. Isso porque nela não se faz somente um pacto como Diabo, mas trata-se de um acordo definido e explícito como objetivo de ultrajar Deus e atingir suas criaturas. A bruxaria seria a mais vil das artes maléficas: "seu nome latino, maleficium, significa exatamente praticar o mal e blasfemar contra a fé verdadeira."102

Ibid., p. 51. Ibid. 100 Ibid., p. 59. 101 Ibid., p. 69. 102 Ibid., p. 77. 98 99

54 Os demônios realizam seus atos de forma consciente e voluntária, destacando-se pela sua inteligência principalmente em três pontos: Na sutileza de seu caráter, na sua experiência secular e na revelação dos espíritos superiores. Também aprendem, através da influência dos astros, a dominar as características dos homens, descobrindo que alguns têm mais propensão à prática da bruxaria do que outros.103

Sobre as proezas dos demônios, os autores destacam que estes são capazes de realizar a metamorfose de corpos, podem mover corpos, alterar sentimentos internos e externos, têm a capacidade de mudar o intelecto, dentre outros. Sobre a natureza dos demônios, afirmam - se apoiando em Dionísio - que estes são inimigos da raça humana, pois possuem uma "insanidade natural", uma "imaginação devassa" e são ávidos por praticar o mal e confundir os homens. Eles causam doenças, disfarçam-se de anjos, atormentam os homens durante o sono. São estas algumas de suas proezas, procurando de todas as formas a destruição dos homens. O demônio é capaz de despertar as paixões do homem, interferindo no interior da mente humana. Entretanto, não se pode dizer que está nele a causa de todo pecado. "Pois nem todos os pecados são cometidos por instigação do demônio: alguns o são por nossa própria opção" 104. O demônio pode instigar o homem a pecar, mas não tem controle sobre o livre-arbítrio. O Diabo provoca o homem de duas formas: de forma visível e invisível. Ele pode aparecer visivelmente para o indivíduo, provocando-o, como fez como Jesus no deserto. Mas também pode instigar o pecado na invisibilidade, de duas formas: ora por persuasão, ora por disposição. Por persuasão instiga o pecado revelando ao entendimento humano alguma coisa como boa ou benévola. E faz isso de três formas: revelando-a ao intelecto, ou às percepções (ou sentidos) interiores, ou às percepções exteriores.105

Por disposição, o demônio desperta nos homens suas paixões, seus instintos, penetrando em sua mente. O Diabo possui também a faculdade de penetrar no corpo dos indivíduos. Neste caso, ele não consegue chegar à essência interior, somente atinge a matéria corpórea. A alma se mantém Ibid., p. 81. Ibid., p.124. 105 Ibid., p.125. 103 104

55 intacta a ação demoníaca, mas no corpo o diabo pode se instalar, provocando impressões. Estas podem influenciar as vontades do indivíduo, direcionando-o para uma ação equivocada.106 Como a faculdade da fantasia ou da imaginação é corpórea - vinculada a um órgão físico também se acha subordinada à vontade dos demônios, que são assim capazes de transmutá-la: provocam o aparecimento de várias fantasias, pelo fluxo de pensamentos e de percepções ligados à imagem original, antes recebida.107 Para os autores do Malleus Maleficarum, a alma residiria no coração e lá o demônio não poderia penetrar. O coração, ainda, seria o órgão que se comunicaria com os outros, como se fosse o centro de uma teia. "A alma atua sobre o corpo, dá-lhe a sua forma e o enche de vida. Logo, habita não só um determinado local, mas se estende ao corpo inteiro."108 A possessão diabólica de um homem pode se dar de duas formas; ora com relação à alma, ora com relação ao corpo. Entretanto, na alma o Diabo não pode penetrar. Assim, o Diabo não é a causa do pecado que o Espírito Santo permite que a alma cometa. Quanto ao corpo, o Diabo é capaz de possuir o homem de dois modos, na medida em que existem duas classes de homens: os que se encontram no pecado e os que se encontram na graça. O homem que está em pecado já se encontra a serviço do demônio, este já o possui. Além disso, o Diabo é capaz de possuir o homem na sua essência corpórea, como no caso dos loucos. Mas nesse caso a possessão se relaciona mais com um castigo do que com o pecado propriamente. Esses castigos corpóreos nem sempre se configuram como uma consequência do pecado. Podem atingir pecadores e inocentes. Os demônios podem possuir os homens de cinco formas distintas elencadas pelo Malleus Maleficarum: "pelos seus próprios corpos; pelos seus corpos e suas faculdades interiores; por tentação interior e exterior tão-somente; por privar-lhes do uso da razão; por metamorfose, tranformando-os em bestas irracionais."109 Os homens podem ser possuídos por várias razões: por causa de algum pecado cometido por eles ou por outros homens, principalmente, mas também podem ser possuídos em seu próprio interesse. Os possuídos podem ser livrados do mal pelas intercessões e orações dos santos, como é mostrado nas Legendas. Do mesmo modo, as orações piedosas dos viajantes, não raramente, Ibid., p.132. Ibid., p.149. 108 Ibid., p.260. 109 Ibid., p.266. 106 107

56 conseguem livrar os possuídos do mal. A comunhão não deve ser negada a um possesso, trata-se de uma forma de reconciliá-lo110. Como pudemos observar até aqui, a luta contra o mal se estabelece através de três grandes personagens no final da Idade Média: o pregador, o confessor e o inquisidor. Estes possuem um ministério em comum que é a palavra. Todos a utilizam para lutar contra todas as formas de desvios. Se o pregador ensina as escrituras e traz uma lição para os fiéis, ele luta de sua forma contra certo tipo de ignorância, o pecado e implicitamente o diabo que lhe está associado. O confessor, juiz do pecado, mas também médico da alma, retira dos espíritos traços do demônio através da confissão e penitência. O inquisidor é um combatente da heresia, que enfrenta o mal de forma direta. A Ordem Dominicana, como dito anteriormente, possui um papel central nesse combate. Pregadores, confessores e inquisidores, os dominicanos assumem o papel de alertar, ensinar, combater os demônios e punir os desvios. A Legenda Áurea, como uma obra composta no interior da Ordem, oferece a seus leitores/ouvintes uma pedagogia sobre a ação do Diabo e dos demônios.

110

Ibid., p.342.

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2ª PARTE: PERSUADIR PARA FAZER CRER

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CAPÍTULO 2 – JACOPO DE VARAZZE E A LEGENDA ÁUREA

2.1. A produção da Legenda Áurea

A Legenda Áurea era lida pelos clérigos e, em seguida, utilizada no contexto da pregação. A sua forma e tamanho, por um lado, facilitavam o tranporte, por outro lado, ela portava valores considerados caros aos propósitos da Igreja. Para Barbara Fleith, a obra de Jacopo de Varazze é um produto dominicano para os dominicanos, um “matériel didactique destiné aux responsables de la formation des futurs prédicateurs”111. Jacopo de Varazze (c.1228–1298) nasceu em Gênova, mas sua família era originária de Varazze, na região da Lugúria, na Itália. Em 1244, entrou para a Ordem. Em 1267, o capítulo geral de Bolonha o elevou ao cargo de prior da província da Lombardia. Era um posto de grande importância, dada a riqueza e o prestígio desta província. Ocupou este posto durante dez anos, até 1277. Foi de novo nomeado para a mesma função pelo Capítulo Provincial de Bolonha em 1281 e o ocupou até 1286. De 1283 a 1285, ele exerceu como substituto temporário o cargo de mestre geral da Ordem Dominicana. Foi arcebispo de Gênova entre 1292 e 1298. Jacopo de Varazze tomou uma parte muito ativa nas lutas políticas intensas em Gênova no fim do século XIII. Esta ação se desenvolveu também no meio eclesiástico, em que ele procedeu à reorganização legislativa do clero, e no meio laico, em que se esforçou para ser um mediador entre os rivais guelfos e gibelinos. A ligação de Jacopo com a Ordem Dominicana é marcada pela influência particular que os autores dominicanos exerceram em sua atividade literária, e em particular sobre a Legenda Áurea. No início do século XIII que, notadamente para o público urbano, marca uma renovação da pregação, um tipo inédito de legendários se desenvolve, chamados “legendários novos” ou “legendários condensados”, por que uma de suas características é a redução da narração das vidas de santos para evitar um eventual cansaço do auditório.

FLEITH, Barbara, Legenda aurea: destination, utilisateurs, propagation. L’histoire de la diffusion du légendier au XIIIe et au début du XIVe siècle, in: GAJANO, Sofia B. (Ed.), Raccolte di vite di Santi dal XIII al XVIII secolo: strutture, messaggi, fruizioni, [s.l.]: Schena Editore, 1990. p.41. 111

59 Importante por seu papel dentro da Ordem dos Pregadores e suas ações como arcebispo de Gênova, Jacopo de Varazze é mais conhecido por suas obras que listamos na ordem em que ele próprio cita no último capítulo da Chronica civitatis Ianuensis: a Legenda Sanctorum (Legenda Áurea), três coleções de modelos de sermões, Sermones de omnibus sanctis, os Sermones omnibus Evangeliis dominicalibus, os Sermones de omnibus Evangeliis que in singulis feriis in Quadragesima leguntur, o Liber Marialis e a Chronica civitatis Ianuensis. Estão excluídos desta lista alguns opúsculos de caráter hagiográfico tidos como autênticos pela crítica: a Legenda seu vita sancti Syri episcopi Ianuensis, a Historia translationis reliquiarum Sancti Iohannis Baptistae Ianuam, a Historia reliquiarum que sunt in monasterio sororum SS. Philippi et Iacobi de Ianua, o Tractatus miraculorum reliquiarum Sancti Florentii, a Historia translationis reliquiarum eiusdem, a Passio Sancti Cassiani. É incerta, em contraste, a atribuição à Jacopo do Tractatus de libris a Beato Augustino editis que lhe foi atribuída em alguns manuscritos dos séculos XIV e XV. Trabalho de maior sucesso, sem dúvida, de Varazze, em termos de número de cópias de manuscritos e edições produzidas, foi a Legenda Áurea112, que foi elaborada entre 1260 e 1298. Quando Jean de Vignay traduziu a obra para o francês por volta de 1333, o original latino era o mais popular legendário condensado na Europa. Mais de 1.000 cópias manuscritas existem, em comparação com apenas 20 cópias cada um dos rivais medievais mais próximos da Legenda Áurea, o Abbreviatio in gestis miraculis sanctorum de Jean de Mailly e o Epilogus in gesta sanctorum de Bartolomeu de Trento.113 A Legenda Áurea é um exemplo de legendário universal, ou seja, uma compilação de textos hagiográficos e de narrativas ligadas às grandes celebrações do calendário litúrgico reagrupadas segundo a ordem das festas do ano. É universal na medida em que concerne às narrativas ligadas aos cultos que se observam no conjunto da cristandade. Não tem função diretamente litúrgica, mas serve de auxiliar para a pregação, seja por seu uso direto pelo pregador itinerante, seja pelo uso dos mestres dos studia dominicanos que formavam os pregadores.114 Diferencia-se das coletâneas de “paixões” – que reúnem as histórias dos mártires -, porque no legendário veem-se diversas categorias de santos. Como informa Carla Casagrande, o título de Legenda Aurea não aparece nos manuscritos mais antigos, que mencionam o título de Legende Sanctorum. Este mesmo título é mencionado por Jacopo em uma passagem da Chronica Civitatis Ianuensis. Os outros títulos pelos quais a obra é designada são: Liber Passionalis, Vitae ou Flores ou Speculum Sanctorum, Historia Lombardica ou Lomgobardica. CASAGRANDE, Carla, La vie et les oeuvres de Jacques de Voragine, o.p., Sermones.net, disponível em: , acesso em: 20 ago. 2013. 113 REAMES, Sherry L., The Legenda aurea: a reexamination of its paradoxical history, [s.l.]: Univ of Wisconsin Press, 1985. p.3. 114 ВOUREAU, Alain, L’événement sans fin. Récit et christianisme au Moyen Age, Paris: Belles Lettres, 1993. p.55. 112

60 No singular, “legenda” significa uma história consagrada a um santo em particular. Delehaye diz que a legenda é, primeiramente, “l'histoire qu'il faut lire le jour de la fête du saint”. 115 Entretanto a palavra muitas vezes serviu como sinônimo de “legendário” – como no caso da Legenda Áurea. Legenda quer dizer “o que é lido”. Delehaye defende que o conto e a legenda não podem ser postos na categoria de criações artificiais116. Eles se apresentam como produtos da imaginação popular – de forma direta ou indireta. A legenda, ao contrário do conto, tem necessariamente uma ligação histórica ou topográfica. Ela é considerada como uma narrativa contínua e, em contraste com o mito e o conto, envolve um fato histórico que é o tema ou pretexto – este é o primeiro elemento essencial do gênero, de acordo com o autor. Este fato histórico é adornado ou desfigurado pela imaginação popular. Boureau aponta que os historiadores da literatura reconhecem que a legenda religiosa constitui um gênero fundamental das literaturas populares. Ela estaria, então, no mesmo plano que a saga, o conto e o mito.117 Os legendários dominicanos do século XIII, que chamamos de Legendae Novae ou legendários condensados, são um canal de transmissão cultural que tem como destinatário último o público dos pregadores, que não sabiam ler e não compreendiam o latim. Esses oradores, destinatários imediatos, encontravam todo material necessário para sua tarefa nesses códices118. O nascimento e o apogeu deste modelo de transmissão são um pouco particulares. A primeira redação da Abbreviatio de Jean de Mailly, obra que funda verdadeiramente este gênero literário, foi compilada fora da Ordem Dominicana para os parochiales prebiteros, os padres das paróquias da diocese de Auxerre, e em definitivo, para os seus paroquianos. Jacopo de Varazze escreveu, por sua vez, quando era arcebispo de Gênova aquela que é considerada como o apogeu das Legendae novae, a saber, a última redação da Legenda Áurea (1276-1298), que é destinada ao mesmo tempo aos leitores interessados não somente pela narrativa edificante, mas também pela narração nela mesma. 119

DELEHAYE, Hippolyte, Les légendes hagiographiques, Bruxelles: Bureaux de la Société des Bollandistes, 1906. p.12. « Le mythe, le conte, la légende, le roman appartiennent tous à la classe des récits d'imagination. Mais ceux-ci peuvent se diviser en deux catégories, suivant qu'ils se présentent comme le produit spontané ou impersonnel du génie populaire, ou qu'il faut y voir des créations artificielles et réfléchies. » Ibid., p.4. 117 BOUREAU, Alain, La Légende Dorée. Le système narratif de Jacques de Voragine (+1298), Paris: Editions du Cerf, 1984. p.9. 118 MAGGIONI, Giovanni Paolo, La littérature apocryphe dans la Légende dorée et dans ses sources immédiates. Interprétation d’une chaîne de transmission culturelle, Apocrypha, v. 19, n. 1, p. 146–181, 2008. p.148 119 MAGGIONI, op.cit. 2008., pp.148-149. 115 116

61 Alain Boureau120 toma a Legenda Áurea como uma compilação. Entretanto, ele adverte que o compilador, na Idade Média, é também um autor. Isso ocorre a partir do momento que o compilador modifica o texto, escolhe as passagens, ordena os trechos e adéqua-os de acordo com a sua conveniência. Estudiosos como Jean Bolland, Jacques Echard e Jacques Quétif 121 afirmavam que Jacopo de Varazze não era o “autor” da Legenda Áurea, mas somente seu compilador, ou seja, ele nada mais teria feito do que coletar e editar fontes anteriores. No entanto, estes trabalhavam com uma concepção de autoria que não considerava o autor medieval, ou seja, aquele que, segundo Néri de Almeida Souza: (...) lê, sintetiza mas também reinterpreta com enorme liberdade o material que organiza para a sua redação, somando a ele o ouvido e o vivido, procurando conscientemente agradar a um público o mais amplo possível.122

A Legenda Áurea foi muitas vezes revisada até a morte de seu autor. A maior parte do período em que ela é revisada e modificada, o que acontece com outros legendários, é quando seu autor está no seio da Ordem dos pregadores e seus textos passam de um autor a outro. Assim, o verdadeiro autor da Legenda, para Maggioni, é a Ordem Dominicana, desejosa de melhorar os instrumentos necessários para a pregação. A questão da originalidade não se coloca: cada texto percorre o circuito de comunicação, da fonte original ao destinatário final, integrando as modificações introduzidas por cada autor segundo sua sensibilidade. E, sobretudo para os últimos exemplares deste circuito, é às vezes muito difícil distinguir as fontes primárias e secundárias que podiam se misturar. Um bom exemplo é fornecido pelo capítulo De assumptione Virginis da Legenda Áurea e suas fontes.123 Também por causa de sua extraordinária difusão, a Legenda foi uma obra em continuada transformação. O texto foi adaptado de acordo com as diversas práticas cultuais locais e de acordo com o uso que foi feito dele ao longo do tempo nas esferas da pregação e da devoção. A Legenda Áurea é um longo trabalho de proporções quase enciclopédicas. Ela é dividida em cerca de 182 capítulos, a maior parte dos quais descreve a vida e os milagres dos santos. Importantes BOUREAU, op.cit. 1984. Jean Bolland (Praefatio generalis in vitas SS. In: Acta Sanctorum), Jacques Echard e Jacques Quétif (Scriptores Ordinis Praedicatorum recensiti, notique historicis et criticis). 122 SOUZA, Néri de Almeida, Palavra de púlpito e erudição no século XIII. A Legenda áurea de Jacopo de Varazze, Revista Brasileira de História, v. 22, n. 43, p. 67–84, 2002. p.73 123 MAGGIONI, op.cit. 2008. p.150. 120 121

62 festas do calendário dominicano também estão incluídas, e as entradas são organizadas de acordo com a ordem do ano litúrgico, começando com o Advento do Senhor. Varazze prefaciou seu trabalho discutindo as cinco divisões do ano litúrgico, chamando a atenção para os escritos que deveriam ser lidos nas principais festas. O texto da vida de cada santo é inciado por uma etimologia do nome deste, explicitando uma clara inspiração nas Etimologias de Isidoro de Sevilha. Os santos que aparecem na Legenda Áurea são, em sua maioria, dos primeiros séculos do cristianismo, à exceção de seis santos contemporâneos ao autor, dois do século XII – Bernardo de Claraval e Tomás Beckett -, quatro do século XIII – Domingos, Francisco, Pedro Mártir e Isabel da Hungria. Em relação a esta última, Alain Boureau afirma que sua vida parece “estrangeira” no texto do dominicano: La vie d’Élisabeth de Hongrie paraît également étrangère au texto de Voragine; là encore, Le style narratif du dominicain ne se reconnaît guère. Le chapitre, par son ampleur, ne respecte pas les príncipes hiérarchiques de notre auteur [...].124

Muitas das narrativas da Legenda Áurea são bem breves. Os fundamentos de cada vida são narrados com um mínimo de detalhe descritivo, mas em conformidade com a forma narrativa da passio ou da vita que se desenvolveram nos primeiros séculos do cristianismo. Além dessas narrativas hagiográficas, o texto inclui vários outros capítulos mais longos, incluindo aqueles sobre a Assunção da Virgem Maria, São Gregório e a Comemoração de Todas as Almas. Grande parte do material nestes capítulos oferece uma análise de questões teológicas complexas, como a assunção corpórea da Virgem, em que Varazze normalmente avalia o valor relativo das fontes, como São Jerônimo e São Bernardo. Jacques Le Goff defende que apesar da Legenda ser um conjunto de vidas de santos, ela tem em seu interior uma exposição da liturgia. « La Légende dorée dépasse largement le caractère très limité d’un simple recuel de vies de saints applé ‘légendier’ ».125 Varazze em vários momentos de sua obra discorre sobre questões teológicas, o que enfatiza o caráter pedagógico da Legenda. Alain Boureau chama a atenção para a construção narrativa da Legenda Áurea em capítulos distintos, que oferecem geralmente uma sucessão de episódios autônomos delimitados por uma

BOUREAU, op.cit. 1984. p.28. LE GOFF, Jacques, A la recherche du temps sacré: Jacques de Voragine et la Légende dorée, Paris: Perrin, 2011, p. 11. 124 125

63 demarcação temporal ou espacial, uma mudança de problema ou de personagens. No domínio hagiográfico, a necessidade de enquadramento narrativo parece menor, pois a narrativa se lê como uma descrição da santidade, como uma lista de méritos, que justifica a devoção e a canonização; os termos da sequência geralmente são a graça e o mérito que gratificam o santo através de uma revelação ou de uma capacidade taumatúrgica.126 A Legenda Áurea se distingue das outras narrativas, de acordo com Boureau, como livro de leitura contínua. Por suas variações narrativas sobre os temas religiosos, a obra constitui uma história e um programa de salvação cristão. Vê-se claramente que uma das razões do sucesso da Legenda se encontra em seu aspecto de compendio dogmático e narrativo.127 As fontes de Jacopo ainda não foram identificadas e investigadas com profundidade. Abade Roze128 identifica cerca de 130 fontes referenciadas da Legenda Áurea, agrupando-as por séculos que vão desde o século I até o XIII. A lista inclui os patriarcas da Igreja grega e latina e muitos autores foram escolhidos por Jacopo por serem os mais confiáveis, de acordo com o seu julgamento. Algumas das fontes do frade de Varazze são apócrifas, mas ele não hesitou em reproduzir suas histórias. Além disto, Jacopo considera que todas as suas fontes devem ser “confiáveis”, vindas de pessoas renomadas. Certamente ele parece ter recolhido o material de dezenas de textos, que geralmente cita no corpo da Legenda Áurea, como a Summa de divinis officiis de Jean Belet, Santo Agostinho, Cassiodoro, os Diálogos de São Gregório, Sulpício Severo, São Jerônimo, o Martirológio de Usuardus e o Speculum Historiale de Vincent de Beauvais. Embora Varazze comentasse criticamente algumas de suas fontes, ele evidentemente conscientemente tomou emprestado muito desse material na íntegra. Pode-se supor qual seria o público final deste legendário, pois se sabe que o texto foi utilizado como um instrumento pelos pregadores para a composição de seus sermões. Como nos informa Carla Casagrande: Dans la première redáction prévaut la volonté de Jacques de préparer un instrument utile à la prédication; ensuite, l’insertion de quelques récits montre de la part de Jacques la volonté de

DUNN-LARDEAU, Brenda (Org.), “ Legenda aurea”, sept siècles de diffusion: actes du colloque international sur la“ Legenda aurea”, texte latin et branches vernaculaires, [s.l.]: Éditions Bellarmin, 1986. pp.58-59 127 Ibid., p. 65. 128 ROZE, J.-B.M. “Introduction”. In: VORAGINE, Jacques de. La Légende Dorée. Introduction, notices, notes et recherches sur les sources par Abbé J.– B. M. Roze. Paris: Éditeur Édouard Rouveyre, 1902. 2v. pp. XIV-XV. 126

64 tenir compte des exigences d’un public de lecteurs certes dévôts mais aussi cultivé et intéressé.129

Assim, os primeiros leitores pretendidos por Jacopo eram os dominicanos. Para Boureau: “Jacques de Voragine semble supposer chez son lecteur une certaine habitude de la parole prédicante”.130 Portanto, seu leitor pretendido não somente seria um clérigo, mas especificamente deveria ser um pregador. A Legenda Áurea, então, foi concebida como uma obra de referência, na qual os clérigos pudessem encontrar um vasto material útil para os seus sermões. Como afirma Hilário Franco Jr.: O objetivo imediato de Jacopo de Varazze era fornecer aos seus colegas de hábito, os dominicanos ou frades pregadores, material para a elaboração de seus sermões. Material teologicamente correto, isento de qualquer contágio herético, mas também compreensível e agradável aos leigos que ouviam a pregação.131

No entanto, Néri Souza nos lembra de que “a despeito da erudição e da orientação ortodoxa de Jacopo de Varazze, seu texto surpreende pela singeleza de formas e de idéias.”132 Há uma “vulgarização da doutrina” na Legenda: o autor privilegia uma narrativa permeada de elementos maravilhosos. Além disso, Jacopo recorre ao exemplum133, instrumento de persuasão, como principal elemento da estrutura narrativa de sua obra. Então, seria impossível acreditar que seu público alvo fosse somente os dominicanos. Para Alain Boureau, a Legenda está no cruzamento entre as tradições populares e a cultura clerical: “la Légende dorée, dans son orientation et par l’accueil qu’elle reçut, peut être considérée comme un lieu de rencontre du populaire et du clérical”. 134 Portanto, Jacopo pretendia dirigir-se a um público eclesiástico e leigo das mais diversas formações culturais. Os clérigos eram os consumidores imediatos da obra, leriam ou ouviriam a compilação e a utilizariam, remodelando-a a partir de suas

CASAGRANDE, op.cit. BOUREAU, op.cit. 1984. p.23. 131 FRANCO JÚNIOR, Hilário. Apresentação. In: JACOPO DE VARAZZE, Legenda áurea: vidas de santos, São Paulo: Companhia das Letras, 2003. p.11. 132 SOUZA, op.cit. p.74. 133 O exemplum é uma narrativa breve, que articula os pilares das autoridades e dos argumentos. Trata-se de uma história contada oralmente dentro do sermão dada como verdadeira, que tem como objetivo a persuasão dos ouvintes. É importante destacar a função pedagógica dos exempla: eles têm a finalidade de enfatizar os modelos a serem seguidos tendo em vista a salvação eterna dos homens, transmitem uma lição. 134 BOUREAU, op.cit. 1984. p.11. 129 130

65 próprias prerrogativas, para compor os seus sermões. Os leigos ouviriam os sermões compostos pelo material compilado e adaptado pelo frade dominicano. A Legenda se inscreve no contexto da Ordem Dominicana de inserir o apostolado cristão na prática dos fiéis. Para Boureau135, trata-se de um condensado de contribuições intelectuais dominicanas à atividade pastoral cristã. Os fiéis encontravam na compilação uma soma que representava sistematicamente as vias da salvação, se colocando num equilíbrio entre a exposição doutrinal e a narrativa oral, entre a narrativa dos gestos de Deus e o anúncio profético dos Tempos Novos. A diversidade das condutas santas mostra claramente que a Legenda não dá lições diretas; ela possibilita enxergar, na ambivalência, a absoluta imprevisibilidade da santidade e da graça. A conduta divina dos eventos parece obscura aos homens. A diversidade dos resultados do pecado refere-se mais à arbitrariedade providencial que a uma gradação das faltas humanas: o pior carrasco podia escapar do castigo por uma miraculosa conversão, assim como uma falta venial, em certos casos, danava irremediavelmente seu autor.136 Nesse sentido, para Maggioni, Jacopo de Varazze tendeu a dar a seu público a maior possibilidade de escolha entre os itinerários possíveis no domínio hagiográfico. Na Legenda Áurea, os pregadores podiam sempre encontrar o melhor itinerário para seus ouvintes, procedendo a uma escolha apropriada entre o grande número de narrações hagiográficas e o grande número de exempla.137 Na Itália do último quarto do século XIII, a pregação não era o único meio de comunicação. A circulação de códices era importante e a Legenda Áurea, inserida na lista de livros difundidos pelos stationarii desde 1276, foi, sabemos, um verdadeiro best-seller. A cultura, mesmo a cultura hagiográfica, passava mais e mais para os códices. A partir do final do século XII, a Igreja impõe pouco a pouco o recurso à investigação para determinar a santidade e a heresia. Estas investigações são o exemplo do controle da Igreja sobre a santidade, seguidas dos processos de canonização. Nesse momento, a instituição eclesiástica impõe também os mecanismos de inquisição. Assim, uma obra como a Legenda Áurea cumpre o objetivo de enquadrar os santos dentro desta perspectiva, ela determina aqueles que merecem ser cultuados. DUNN-LARDEAU (Org.), op.cit., p. 76. Ibid., p. 67–68. 137 Ibid., p. 172. 135 136

66 Ela também fazia parte de um estratagema político-religioso dominicano. Através da obra, procurava-se defender os Pregadores dos ataques dos seculares e de outros grupos clericais, assim como legitimar a reforma promovida pelos mendicantes. A Legenda também serviu de instrumento para a ação dominicana nas cidades. O século XIII foi de codificação intensa das festas e dos tempos litúrgicos; a Igreja fixou um calendário, nesse contexto reformista em que se insere no IV Concílio de Latrão. E a Legenda representa uma das primeiras vulgarizações sistemáticas, para Alain Boureau, do calendário litúrgico: “les fêtes liturgiques et les fêtes de dévotion à un saint sont intégrées dans le cycle sacré, qui prend une signification ellégorique à la fois typologique, tropologique et anagogique”. 138 A compilação também foi uma fonte inesgotável de citações e de referências intertextuais nos gêneros os mais diversos (crônicas, sermões, compilações de exempla, etc.) Ela também serviu de modelo narrativo nas múltiplas empreitadas posteriores de vulgarização hagiográfica, litúrgica e historiográfica.139 O sucesso desta obra também vem do fato que ela se produz e é colocada em circulação num momento essencial da história da escrita em que as línguas vernáculas começam a concorrer com o latim, em que um número crescente de laicos se tornam capazes de ler e em que, colocando fim à leitura em voz alta que havia sido praticada desde a Alta Idade Média, começa a se impor a leitura silenciosa que permite, a partir da segunda metade do século XIII, a leitura individual. 140 As muitas versões da Legenda Áurea começaram a circular ainda no século XIII, quando a compilação foi traduzida para o catalão e alemão. Com o advento da imprensa na segunda metade do século XV, a popularidade da Legenda aumenta um pouco. A obra foi um dos principais livros nas casas de impressão de grande parte da Europa ocidental. Entre os anos de 1470 e 1500 foram publicadas pelo menos 156 edições da Legenda.141 Depois de conquistar o meio do livro manuscrito, é natural que ela tenha conquistado o livro impresso. O primeiro livro impresso em francês em Lyon em 1476 por Barthélemy Buyer é a Legenda Áurea. A revolução tipográfica levou a uma rápida disseminação da obra nos países da Europa Ocidental. Em BOUREAU, op.cit. 1984, p. 222. FLEITH, Barbara; MORENZONI, Franco, De la sainteté a l’hagiographie: genèse et usage de la“ Légende dorée”:[colloque], [s.l.]: Librairie Droz, 2001, p. 12. 140 LE GOFF, op.cit. 2011, p. 7–8. 141 Segundo Franco Jr: 87 latinas, 25 em alemão, dezessete em francês, dez em italiano, dez em holandês, quatro em inglês e três em boêmio. JACOPO DE VARAZZE, op.cit., p. 21. 138 139

67 1500, circularam oitenta e oito edições latinas, cinco edições em inglês, incluindo a de William Caxton, dezoito francesas, treze flamengas, oito italianas, quatro em baixo alemão e três em tcheco.142 Entre 1500 e 1530 são encontradas menos edições: 21 em latim e 28 em vernáculo. Após este período, o declínio é maior: de 1531 a 1560 podem ser encontradas apenas 13 edições; sete em latim, quatro em francês e duas em italiano. Livro de história ou livro devocional, a Legenda Áurea em todos os casos foi um sucesso sem precedentes, até o início do século XVI. Nos quarenta e cinco anos seguintes, somente cinco, todas em italiano e impressas em Veneza. Com a edição de 1613, a história da publicação da Legenda para. Nos 230 anos seguintes, uma única edição fora publicada.143 A Legenda Áurea não encontrou nesse período a ressonância intelectual que tinha antes. Visto de uma perspectiva histórica, desagradou por sua falta de precisão. Do ponto de vista do contexto religioso, apenas refletiu aquilo do que os intelectuais humanistas acusavam a Igreja do final da Idade Média, uma instituição corrupta, que substituiu a sua missão evangélica por um comportamento mercantil. A Legenda Áurea era vista como um dos múltiplos meios utilizados pela hierarquia católica para manter os fiéis numa fé próxima da superstição, tingida de medo e credulidade. Rejeitada por estudiosos, ela cai, então, em desgraça com o público em geral e não será publicada até 1843. A edição em latim organizada por Theodor Graesse em 1845, de acordo com Pierce Butler, contém, ao todo, 243 capítulos, dos quais 182 foram escritos por Jacopo e o restante por vários escritores anônimos144. Este exemplar é baseado em uma das primeiras edições impressas da Legenda, a de Dresse 1472.145 Em seu prefácio, Graesse nos conta que receou que o trabalho ficasse muito volumoso com suas notas, então ele as omitiu. Além disto, o autor também excluiu indicações das fontes que utilizou146. Existem outras duas traduções francesas, a saber, a de Theodor Wyzewa 147 e a de J.-B. Roze. As duas são consideradas as piores edições da Legenda.148 Na do abade Roze, a disposição dos capítulos, bem como a separação das vidas de acordo com os quatro tempos do calendário litúrgico é BLEDNIAK, Sonia, “L'hagiographie imprimée: oeuvres en français, 1476-1550”, In: Hagiographies, histoire internationale de la littérature hagiographique latine et vernaculaire en occident des origines à 1550, Guy Philippart (dir.), Turnhout, Brepols, 1994, v. 1, p. 363. 143 Segundo Reames, no ano de 1688, em Madri. REAMES, op.cit., p. 19. 144 BUTLER, Pierce, Legenda aurea-Légende dorée-Golden legend: A study of Caxton’s Golden legend with special reference to its relations to the earlier English prose translation..., Baltimore: John Murphy Company, 1899, p. 18. 145 CASAGRANDE, op.cit. 146 BUTLER, op.cit. 147 JACQUES DE VORAGINE, La légende dorée, Paris: Librairie académique Perrin et Cie., 1910. 148 BOUREAU, op.cit. 1984, p. 15–16. 142

68 negligenciada. Além disso, não há sequer a apresentação do prólogo, escrito por Jacopo, no qual ele estabelece a relação entre os tempos do calendário e os livros bíblicos. Na tradução de Wyzewa, segundo Alain Boureau, além de erros de tradução, não há referência aos manuscritos que originaram o texto.149 A tradução apresenta 179 capítulos. Em 1997, Brenda Dunn-Lardeau produziu uma edição crítica da Legenda Áurea que havia sido editada por Jean Batallier em 1476.150 A edição crítica italiana de Maggioni (1998) apresenta um texto em latim da Legenda. A tradução está em dois volumes e o texto latino em CD-ROM. É baseada em dois manuscritos italianos: um de 1272-1276 (elaborado em Bolonha) e o outro de 1292-1299 (feito em Gênova). De acordo com Carla Casagrande, esta edição apresenta a última redação de Jacopo de Varazze e é baseada em dois manuscritos identificados entre os 70 manuscritos mais antigos como testemunhos da última redação realizada por Jacques sobre o texto.151 Esta tradução apresenta 178 capítulos. Em 2004 foi publicada uma edição crítica francesa, organizada por Alain Boureau 152, trata-se da edição mais recente e apresenta 178 capítulos. A edição brasileira de 2003 da Legenda Áurea é organizada por Hilário Franco Jr., com 175 capítulos153. Sua base está na edição crítica de T. Graesse154, por sua vez, baseada em outras versões, a saber: a francesa do abade J.B. Roze155 de 1967, e a inglesa de G. Ryan e H. Ripperger, de 1941. Esta edição contém um estudo crítico da obra realizado por Hilário Franco Jr.

2.2. A Legenda Áurea como um instrumento didático-pedadógico

A Legenda alcançou um grande sucesso por sua utilização pela Ordem Dominicana na composição dos sermões. Alain Boureau defende que o uso da obra na pregação é latente e a prova disto esta nos sermões compostos pelo próprio Jacopo de Varazze: “Tous les récits de miracles ou les exempla [...] du chapitre de la Légende dorée [sobre São Bernardo] sont utilisés dans les sermons, à

Ibid., p. 16. JACQUES DE VORAGINE. La Légende Dorée, par Brenda Dunn-Lardeau. Paris: Honoré Champion, 1997. 151 CASAGRANDE, op.cit. 152 JACQUES DE VORAGINE, La légende dorée, Paris: Gallimard, 2004. Paris: Gallimard, 2004. 153 JACOPO DE VARAZZE, op.cit. 154 Edição impressa em 1845, reimpressa em 1890 e em 1969 sob o título Legenda Aurea, vulgo historia lombardica dicta. 155 VORAGINE, Jacques de. La Légende Dorée. Introduction, notices, notes et recherches sur les sources par Abbé J.– B. M. Roze. Paris: Éditeur Édouard Rouveyre, 1902. 2v. 149 150

69 l’exception d’un seul exemplum de statut incertain.”156 E, ainda, Boureau afirma que o texto era uma fonte de consulta preciosa, que foi classificada entre os instrumentos para a pregação no inventário das peciae, dos manuscritos que deveriam ser copiados na lista parisiense de 1304157. Os dominicanos em sua pregação esforçavam-se para falar dos problemas específicos dos citadinos e distinguiam os auditórios segundo seus ofícios, assim se observavam sermões para intelectuais, universitários, artesãos, camponeses, etc. Recorriam aos exempla para lhes dar exemplos da vida cotidiana. Estes sermões ad status, endereçados aos diferentes grupos da sociedade, conheceram uma grande voga no século XIII158. O exemplum se desenvolve essencialmente no contexto da grande renovação da pregação no fim do século XII e do início do século XIII. Sua natureza e utilização podem ser mensuradas na análise do sermão. De acordo com Bremond, Le Goff e Schmitt, ele testemunha alguns aspectos da empreitada eclesiástica de “domesticação” da cultura folclórica, em que elementos da tradição popular são ressignificados dentro do simbolismo cristão.159 Thomas Crane distingue dois sentidos do exemplum na Idade Média e particularmente nos seus três últimos séculos. O primeiro sentido é de “exemplo”, o segundo é de história ilustrativa. O estudo de Bremond, Le Goff e Schmitt é consagrado ao estudo do exemplum em seu segundo sentido: “história ilustrativa”. Isto porque o exemplum assim compreendido aparece como um fenômeno literário ligado às estruturas culturais, mentais e sociais – um fenômeno historicamente definido entre os séculos XII e XV.160 O exemplum antigo, que influenciou pouco o exemplum medieval, era, sobretudo, ordenado em torno de heróis, grandes homens ou personagens de referência. O exemplum cristão dos primeiros séculos teve uma forte tendência a transferir este papel para os modelos humanos cristãos, os mártires, os santos, sobretudo, para Cristo. Entretanto, o exemplum medieval não designa jamais um homem, mas uma narrativa, uma história a ser tomada como um instrumento de ensinamento e/ou de edificação.161

BOUREAU, Alain. Introduction. In: JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004. p.XXX. Ibid. p. XXXI. 158 LE GOFF, op.cit. 1992, p. 183. 159 BREMOND, Claude; LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude, L’Exemplum: Typologie des sources du moyen âge occidental, Turnhout: Brepols, 1982, p. 13. 160 Ibid., p. 27. 161 Ibid., p. 27–28. 156 157

70 O exemplum não é uma simples exemplificação, uma ilustração de um enunciado abstrato de uma verdade ou de uma lição religiosa ou moral, mas é, ele mesmo, um ato, um argumento retórico da mesma forma que outros enunciados. Ele não é um simples ornamento de um texto, ele é um elemento deste.162 Bremond, Le Goff e Schmitt lembram que, no seu Catholicon, grande dicionário do século XIII, Jean de Balbi faz um eco das definições antigas em três eixos: a relação entre exemplar e exemplum; a finalidade de salvação e o exemplum como argumento. A lição do exemplum medieval tem como objetivo todo cristão ou, quando se instaura uma especialização do sermão (e dos exempla) endereçado a cada grupo social (prelados, monges, mercadores, jovens, etc.), todo cristão fazendo parte desta categoria. O horizonte do exemplum medieval é universal.163 Os autores ainda destacam que no Prologo do Tractatus de diversis materiis praedicabilibus do dominicano Étienne de Bourbon há uma classificação dos argumentos dos sermões. Ela distingue as auctoritates (tiradas da Bíblia, dos comentários bíblicos e da hagiografia), as raciones e os exempla. Estes últimos possuem quatro qualidades: eles fazem mais rapidamente capturar, mais facilmente compreender, mais fortemente ter na memória e mais eficazmente colocar em prática.164 Essa classificação é retomada nas artes praedicandi. Jacques Le Goff define o exemplum como a expressão de um compromisso entre o presente habitual e uma espécie de presente eterno. Este é um instrumento de conversão que tem a função de ligar a realidade histórica a uma aventura escatológica. O tempo do exemplum representa uma dialética entre o tempo da história e o tempo da salvação que constitui uma das maiores tensões da Idade Média central (séculos XII – XIII).165 O autor continua sua argumentação lembrando que a concepção de tempo que está implícita no exemplum ilumina-se no contexto dos sermões, cuja argumentação se articula em três espécies de provas: as auctoritates, as rationes e os exempla. As auctoritates são essencialmente citações das Escrituras. As rationes, por sua vez, estão no presente didático. Já o exemplum insinua um segmento de tempo narrativo, histórico, linear e divisível. “Encontramos no exemplum os três tempos da enunciação histórica segundo Émile Benveniste: o aoristo (passado simples ou passado definido), o

Ibid., p. 28. Ibid., p. 30. 164 Ibid. 165 LE GOFF, Jacques, O imaginário medieval, Lisboa: Estampa, 1994. 162 163

71 imperfeito e o mais-que-perfeito”.166 Ao contrário do prestígio do passado – e da eternidade -, que caracteriza o tempo das autoridades e das razões, o tempo do exemplum busca uma das suas forças de persuasão no seu caráter recente. “Não foi por acaso que os frades mendicantes foram os grandes difusores tanto deste tipo de história [história-testemunho] como dos exempla. Eram especialistas do tempo próximo”.167 O exemplum é, antes de tudo, um discurso oral, sustentado pela voz e pelo gesto. Entretanto, apesar de profundamente arraigado na oralidade, este discurso só é conhecido hoje através de sua forma escrita. A ele recorrem, ao longo da Idade Média e de forma especialmente recorrente a partir do século XIII, professores, oradores, moralistas, místicos e pregadores, para exemplificar e adornar suas exposições ilustrando-as mediante todo tipo de fábulas, anedotas, bestiários, relatos históricos, legendas, etc. Trata-se de uma ficção narrativa concebida para servir de demonstração, é ao mesmo tempo um método didático e um gênero literário. A introdução crescente no sermão de pequenas narrativas destinadas a ilustrar aspectos diversos da doutrina para elevar o nível cultural dos fiéis será, precisamente, uma das chaves da reformulação do gênero ao longo do século XIII. Neste século, as conclusões do IV Concílio de Latrão, que recomendam aos prelados uma maior atenção à instrução das pessoas, impulsionaram a renovação dos sermões. Deste fato, são indícios as compilações de exempla e os tratados sobre sua utilização que floresceram desde o começo deste século. O exemplário medieval fornece ao orador um arsenal argumentativo pré-fabricado repleto de argumentos programados e de contos prontos para usar. O pregador só tinha que eleger aqueles relatos que melhor cumpriam com o seu propósito, seguindo a isto, uma calculada estratégia oratória que atendia a todos os parâmetros do ato pedagógico, ato de comunicação por excelência: desde o tipo de público para quem era dirigido o sermão até a capacidade de concentração do ouvinte. O exemplum não serve somente para transmitir um saber, mas também para captar um auditório, para despertar seu interesse, seduzi-lo, conquistá-lo e, finalmente, persuadi-lo. Nesse sentido, o exemplum é um recurso que o orador utiliza no processo de persuasão, de “fazer crer”. A noção de persuasão integra a ideia da vulgarização, da performatividade da palavra, da imagem, das metáforas, do gesto, dos mecanismos não verbais. A persuasão se inscreve num processo triangular ligando em todos os sentidos comunicação, circulação e recepção. Trata-se de 166 167

Ibid., p. 124. Ibid., p. 125.

72 convencer o receptor acerca de algo. Quem persuade leva o outro à aceitação de uma dada ideia, como já foi mencionado aqui, “faz crer”. É possível que o persuasor não esteja trabalhando com uma verdade, mas somente com algo que se aproxime de certa verossimilhança. Entretanto, a ideia defendida deve ter o estatuto de verdade. Adilson Citelli esclarece essa questão da verossimilhança para a eficácia da persuasão: Verossímil é, pois, aquilo que se constitui em verdade a partir de sua própria lógica. Daí a necessidade, para se construir o “efeito de verdade”, da existência de argumentos, provas, perorações, exórdios, conforme certas proposições já formuladas por Aristóteles na Arte retórica.168

Persuadir, portanto, é o resultado de certa organização do discurso que o constitui como verdadeiro para o receptor. Para isto, o orador utiliza os argumentos, as autoridades e as provas, que, no caso dos sermões, são os exemplos. O exemplum tem valor de prova, mas por si não contém prova de nada. Dito de outra maneira, quem dá um exemplo não apresenta uma prova, mas a inventa e a confere um caráter probatório que de modo algum possui. No entanto, o exemplum medieval oferece ao orador um campo de experimentação retórica e argumentativa inesgotável. Para Aristóteles, na sua Retórica, os meios de persuasão se dividem em três grupos169: ethos, o caráter pessoal do orador; pathos, a emoção do auditório; e logos, a argumentação. O ethos seria a impressão causada pelo orador através do seu discurso, sua figura precisa ser confiável. Quanto ao pathos, a emoção causada pelo orador em seus ouvintes é fundamental para o convencimento. Por último, o logos constitui o discurso argumentativo, em que se aplicam as técnicas de persuasão. E os recursos argumentativos são fundamentalmente dois: o entinema e o exemplo170. O entinema é um tipo de dedução próprio da oratória. Suas premissas não precisam ser verdadeiras, como já foi dito aqui, apenas devem ser verossímeis. De acordo com Aristóteles: Na retórica, os meios de demonstração real ou demonstração aparente são, tal como na dialética, a indução, o silogismo [a dedução] e o silogismo aparente. O exemplo é uma indução, o entinema é um silogismo e o entinema aparente é um silogismo aparente, na medida em que chamo um silogismo retórico de entinema, e uma indução retórica de

CITELLI, Adilson, Linguagem e persuasão, São Paulo: Editora Atica, 1985, p. 14. ARISTÓTELES, Retórica, São Paulo: EDIPRO, 2013, p. 45. (Livro I, 2) 170 Ibid., p. 175. (Livro II, 20) 168 169

73 exemplo. Todos os que produzem persuasão através da demonstração empregam realmente entinemas ou exemplos, não havendo outro meio além destes.171

Quanto ao exemplo, ele é um tipo de indução e consiste em citar oportunamente um caso particular para persuadir o auditório. São duas espécies de exemplos: a primeira consiste em relatar fatos reais passados, já a segunda consiste na própria invenção do orador. O exemplo, para Aristóteles, não é um caso particular que explica o geral, mas sim um caso conhecido que serve de prova demonstrativa: Ora, o exemplo não se acha na relação da parte com o todo, nem do todo com a parte, nem do todo com o todo, mas na relação da parte com a parte, do semelhante com o semelhante. Quando duas proposições estão compreendidas no mesmo gênero, sendo uma mais conhecida do que a outra, a primeira é um exemplo.172

Um bom orador deve influenciar o estado de ânimo de seus ouvintes, provocando-lhes as emoções ou as paixões que mais convenham à causa, pois este despertar de paixões (pathos) adequadas no auditório é um dos mais importantes recursos de persuasão. Assim, se faz patente a dimensão pragmática do exemplum, que não só pretende deleitar o público, mas também mover os ânimos dos ouvintes, fazendo-os atuar. A manipulação que supõe a utilização de um exemplo, qualquer que seja, começa pela escolha – nunca inocente – do caso que se decide tomar, entre todos os possíveis, como modelo para representar uma categoria ou um conjunto supostamente universal. O exemplum está programado a partir de um desenlace premeditado e toda a ação se desenvolve em função do objetivo didático e argumentativo fixado pelo orador e que, em geral, mostra-se para o leitor desde o começo.173 Cada acontecimento narrado no exemplum é, por sua vez, um episódio da ação e um momento da argumentação: tudo o que se conta, se faz com vistas a um desenlace nem sempre previsível, mas sempre calculado de antemão. O final do exemplum não é, de um ponto de vista estrutural, nada além do que seu ponto de partida, de modo que quanto mais o leitor se aproxima do desenlace da história, mais se aproxima, na verdade, de seu estabelecimento. A lição final nada mais é do que seu ponto de partida.

Ibid., p. 46–47. (Livro I, 2) Ibid., p. 50–51. (Livro I, 2) 173 ZUMTHOR, Paul, A letra e a voz: a“ literatura” medieval, São Paulo: Companhia das letras, 1993, p. 81. 171 172

74 Deste modo, podemos entender o exemplum como técnica de persuasão, no sentido em que facilita o entendimento da argumentação que está sendo exposta e lhe serve de prova. Além disso, desperta a emoção dos ouvintes, facilitando o seu convencimento. A Legenda Áurea, utilizada na composição de sermões, foi, portanto, produzida como um material retoricamente elaborado para a persuasão, através das vidas dos santos.

75

CAPÍTULO 3 – A ATUAÇÃO DO DIABO NA LEGENDA ÁUREA

3.1. Nomenclatura e “especialização” dos demônios

Ao analisar a representação do Diabo e dos demônios na Legenda Áurea um primeiro problema surge diante dos olhos: como diferenciar o Diabo, o Príncipe das Trevas, do resto dos demônios? Jacopo de Varazze, de forma geral, utiliza indistintamente “diabo” e “demônio”, sem adotar a conotação hierárquica que identificava o Diabo como o chefe dos demônios. Em algumas ocasiões, Jacopo assinala que é “um diabo” ou “um demônio” que atormenta a pessoa, sinalizando a existência de outros do mesmo tipo. Em outros casos, é “o diabo” ou “o demônio” que tenta a personagem, mas sem indicar se este poderia ser um diabo em especial, com uma função específica, ou o chefe dos demônios. Na maior parte das vezes, o autor utiliza o plural “os demônios” ou “os diabos” para representar a multiplicidade de seres infernais, dando a ideia de que eles são muitos. O exército demoníaco vaga pela Terra em bandos à procura de almas para atormentar. São muitos os demônios, um para cada pessoa: “A cada homem são dados dois anjos, um mau para pô-lo à prova e um bom para protegê-lo”. 174

Algumas vezes, Jacopo segue a tendência de hierarquizar os seres malignos, identificando o Diabo a alguns termos específicos como Satanás175, Belzebu176, Lúcifer177, Satã178, Príncipe das Trevas179, “inimigo do gênero humano” e “antigo inimigo”, estas duas últimas fazem alusão à natureza do Diabo, a personificação do mal. Estes termos aumentam a confusão semântica desenvolvida em torno do Diabo. Além disto, alguns demônios são identificados, como é o caso de Balcefas, da história de São Pedro Mártir. Este é um dos demônios que atormentam um homem que, depois de perder tudo

JACOPO DE VARAZZE, op.cit. p.820. “Chaque homme se voit en effet Donner deux anges, un mauvais qui le met à l’épreuve, et un bon qui veille sur lui.” JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 806. 175 JACOPO DE VARAZZE, op.cit. p.359. 176 Ibid. p.266. 177 Ibid. p.818. 178 Ibid. p.687. 179 Ibid. p.194. 174

76 no jogo, pôs-se a invocá-los: “Perguntado como se chamava, ele respondeu: ‘Balcefas’. Esconjurado em nome do bem-aventurado Pedro, ele imediatamente foi embora, antes jogando Roba ao chão”. 180 Assim, se fazem necessárias algumas explicações sobre a semântica destes nomes. Satanás, palavra de origem aramaica, significa aquele que é contra, obstrui ou age como adversário. Belzebu é uma palavra de origem hebraica que se refere ao “deus mosca”, o senhor das moscas, que já no Antigo Testamento aparece como personagem oposto a Deus. Lúcifer, o anjo da luz, é o príncipe dos Infernos, aprisionado nas profundezas da Terra. Satã tem o sentido de acusador e este termo sempre aparece na Legenda indicando aquele que acusa um indivíduo diante do tribunal de Deus. Todos estes nomes na Legenda Áurea designam a mesma entidade, mas enfatizando em cada um uma característica específica deste mesmo ser. Entretanto, em seu Sermones aurei, Jacopo de Varazze associa Lúcifer ao demônio encarregado do pecado do orgulho: “En enfer, trois démons principaux, Assur, Mosoch et Aelam (c'està-dire Mammon, Asmodé et Lucifer) sont préposés aux avares, luxurieux et orgueilleux.” 181 Ou seja, Lúcifer não seria o chefe de todos os demônios e sim estaria um pouco abaixo na hierarquia demoníaca, entretanto, acima dos demais demônios. Esta afirmação de Jacopo também faz pensar em uma espécie de “divisão do trabalho” entre os diabos, alguns deles tendo funções específicas de levar os indivíduos a cometer um tipo de pecado. Esta “especialização” de alguns demônios pode-se observar neste trecho da Legenda Áurea: “Certa vez em que, ajudado pela fé, superou o desejo de fornicação, rezou e pediu para ver o diabo que seduzia os jovens.”182 Isto quer dizer que existia um demônio “especializado” em provocar nos jovens a vontade de cometer o pecado da luxúria, provavelmente este diabo é Asmodeu – o “pai da Luxúria”183.

Ibid. p.399. “Le frère lui demanda son nom, et Il répondit: ‘Balzefas’. Mais quand il l’eut adjuré au nom de saint Pierre, le démon sortit en renversant Roba, qui fut parfaitement guéri et reçut une pénitence salutaire.” JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 349–350. 181 JACOBUS DE VORAGINE, Sermones aurei - Quadragesimales [ed. Clutius, 1760], Thesaurus Exemplorum Medii Aevi, disponível em: , acesso em: 19 jun. 2014. p.57a. 182 JACOPO DE VARAZZE, op.cit. p.171. Grifo meu. “Par ses prières, en effet, Antoine avait obtenu de voir le démon de la fornication que s’en prend aux jeunes gens.” JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 128. 183 JACOBUS DE VORAGINE, op.cit. p. 68b (7). 180

77 Em seus sermões, o frade dominicano enfatiza a especialização de alguns demônios e, com base nesta constatação, dá as formas de combatê-los. O demônio da avareza pode ser derrotado pela recusa de bens terrestres e pela caridade184. Já Belzebu pode ser vencido através da confissão185. Algumas expressões são recorrentes quando Jacopo se refere aos demônios em geral: “espíritos malignos” e “espíritos imundos”. Isto explica a sua capacidade de assumir outras formas. Os demônios são espíritos, essência pura e por isso podem se adaptar a uma multiplicidade de formas, as quais mudam conforme a finalidade que almejavam conseguir. As diversas transformações constituem uma ampla gama na Idade Média. As aparições mais comuns variavam entre formas humanas e animais. Tal é a ousadia e a maldade do demônio que, inclusive, chega a tomar a forma de um anjo para levar a frente seus pérfidos propósitos, como no caso da Santa Juliana.186 Entretanto, sua forma mais comum é a de um animal: uma serpente, um cão, um lobo, um dragão, dentre outros.

3.2. Os disfarces demoníacos

O Diabo e os demônios podem estar em qualquer coisa ou em qualquer pessoa. Portanto, tudo é suspeito e perigoso, uma vez que estes são os mestres do disfarce. Seria desastroso se aparecessem sempre aos homens como são na realidade, porque, como explica o famoso pregador franciscano Bertoldo de Regensburg: Este é em verdade o pior mal que eles podem fazer a vocês; pois, uma vez que virem apenas um diabo tal como ele é, então, seguramente, nunca cometeriam sequer um único pecado novamente.187

Assim, os diabos apareciam assumindo a forma de outros seres, compostos de ar, vapor, fumaça ou emanações de sangue fresco. Um demônio podia surgir como uma bela mulher, incitando os homens à luxúria, estratégia esta que se faz presente muitas vezes na Legenda Áurea. A história de Santo André é exemplar neste sentido: o “antigo inimigo” assume a forma de uma bela mulher e lança

Ibid. p. 69a-b. “Le démon de l'avarice est chassé par le refus des biens terrestres et par l'aumône.” Ibid. p. 69b (1). “Le démon Belzebuth (que l'on traduit par ‘ l'homme des mouches’) est chassé par l'incantation, c'est-àdire la confession.” 186 JACOPO DE VARAZZE, op.cit. pp.266-267. 187 Apud NOGUEIRA, Carlos Roberto. O Diabo no imaginário cristão. Bauru, São Paulo: EDUSC, 2002. p.60. 184 185

78 flechas envenenadas contra o coração de um bispo que tinha veneração pelo santo. Entretanto, o santo consegue impedir que o bispo ceda à tentação do Diabo.188 O Diabo também assume a figura de um religioso, como é o caso relatado na história de São Nicolau. Nesta narrativa, depois de preparar um óleo de propriedades contrárias à natureza, como queimar na água, o Diabo assume a forma de uma monja, apresentando-se a uns peregrinos que viajavam por mar para encontrar o santo e oferece o óleo para estes untarem a igreja deles. O santo conseguiu evitar que o Diabo conseguisse o seu objetivo, aparecendo para os peregrinos no mar e advertindo-lhes que a monja era, na verdade, a deusa Diana, identificada por Jacopo como o “antigo inimigo”.189 Um demônio também pode se disfarçar como um mendigo, aproveitando-se, assim, da caridade das pessoas para cumprir seus planos maléficos. Os mendigos, na sociedade medieval do século XIII, eram necessários, na medida em que davam a possibilidade de se dar provas de caridade, estavam organizados e viviam de maneira estável, respeitando as normas de convivência social. 190 Os demônios se aproveitam deste fato para agir, como se pode observar ainda na narrativa de São Nicolau: Certa vez, o pai de um rapaz preparou um banquete ao qual convidou grande número de clérigos. Ora, o diabo veio à porta, em trajes de mendigo, pedir esmola. O pai mandou imediatamente o filho dá-la ao peregrino. O rapaz apressou-se, mas não encontrou o pobre e correu em sua busca. Quando chegou a uma encruzilhada, o diabo o agarrou e o estrangulou. 191

Mas, o santo salvou o rapaz da morte e o diabo foi derrotado outra vez. O mesmo ocorre quando o demônio assume a forma de uma criança na narrativa de São Matias, aconselhando as pessoas que matassem o santo por ele destruir o culto dos deuses locais.192 O demônio também aparece muitas vezes como um menino negro, denunciando, assim, a sua verdadeira forma, já que, na JACOPO DE VARAZZE, op.cit. pp.65-67. Ibid. pp.71-72. 190 GEREMEK, Bronislaw. O marginal. In: LE GOFF, Jacques (Dir.). O Homem Medieval. Lisboa: Presença, 1989. pp. 233248. 191 JACOPO DE VARAZZE, Legenda áurea: vidas de santos, p. 75. “Un jour le père prepara un banquet por l’enfant et y invita plusieurs clercs. Or le diable vint à la porte en habit de pèlerin et demanda l’aumône. Le père ordonna aussitôt à son fils de lui faire l’aumône. L’enfant court à la porte, mais comme il ne trouve pás le pèlerin, il part à as poursuite. Parvenu à un Carrefour, l’enfant fut saisi par le diable et étranglé.” JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 35. Na tradução trancesa organizada por Alain Boureau, como se pode observar, o diabo surge num traje de peregrino, termo que também pode ser compreendido como aquele que possui uma vida errante, sem lugar de moradia definido, indivíduo marginalizado, assim como o mendigo. 192 JACOPO DE VARAZZE, op.cit. p.279. “Mais le diable, prenant l’apparence d’un enfant chenu, les persuada de tuer ce Mathias qui ruinait leur culte.” JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 227. 188 189

79 verdade, ele é negro.193 Ás vezes, o “espírito maligno” é tão atrevido que se utiliza das insígnias sacerdotais:

Conta o diácono João, que compilou a vida do beato Gregório, que enquanto se dedicava a esse trabalho sonhou que escrevia à luz de um candeeiro, quando apareceu um homem com insígnias sacerdotais e usando uma túnica tão fina que deixava perceber por debaixo dela um hábito negro.194

O demônio também pode assumir a identidade do santo, aproveitando-se da fama do “servo de Deus” para colocar em prática seus planos maléficos, tentando convencer um homem a se matar: Eis que o diabo novamente apareceu sob a forma do apóstolo [São Tiago], dissuadiu-o de peregrinar, assegurando que seu pecado não seria de modo nenhum perdoado a não ser que cortasse inteiramente seu membro genital: “Você alcançará a bem-aventurança se se matar e for mártir em meu nome.”195

Se o diabo tem a possibilidade de transformar-se em qualquer coisa, até mesmo em criança, santo ou anjo, podemos imaginar quão ardiloso ele é, usando de coisas inocentes e frágeis, para atrair os mais ingênuos. Tenta persuadir para destruir nos homens aquilo que lhe é mais caro: a liberdade. No entanto, um demônio consegue se superar e até finge ser Cristo. Um Cristo que mais parecia um rei, “ornado de púrpura, com diadema e sapatos dourados, rosto sereno e alegre”. 196 O demônio só se esquece de que Jesus jamais apareceria desta forma, que não condiz com a sua humildade. São Martinho percebe isto e não se deixa enganar pelo falso Cristo. O demônio tem como principal pecado o orgulho, assim é de se esperar que ele assuma a forma de reis, santos, anjos e do próprio Cristo. O demônio também pode assumir a forma de uma serpente, assim como fez no Gênesis para

Isto ocorre, por exemplo, na narrativa relativa a São Bento, em que um menino negro não permite que um monge fique na prece, puxando o seu hábito. JACOPO DE VARAZZE, op.cit. p.299. 194 Ibid. p.294. “Jean Diacre, qui a compilé la Vie de Grégoire, raconte que, tandis qu’il rédigeait et compilait cette nouvelle version, il lui sembla qu’un homme revêtu de ses insignes sacerdotaux venait se placer à cote de lui à un moment ou il s’était endormi en écrivant à la lumière d’une lampe. L’homme portait un vêtement de dessus três Blanc et si fin qu’il laissait transparaÌtre le noir de la tunique qu’il portait en dessous.” JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 243. 195 JACOPO DE VARAZZE, op.cit.p.567. “Mais voici que le diable, toujours sous l’apparence de l’apôtre, lui apparut et le détourna catégoriquement de ce projet, en lui affirmant que ce péché ne saurait être remis, s’il ne se coupait toutes les parties génitales; il bénéficierait d’encore plus de sainteté, s’il consentait à se tuer et à devenir ainsi martyr en son honneur.” JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 534. 196 JACOPO DE VARAZZE, op.cit. p.935. “Un jour, le diable lui apparut sous la forme empourprée et couronnée d’un roi orne de chaussures dorées, le visage serein et la mine souriante. Tous deux gardèrent longuement un profond silence. Puis l’autre dit: ‘Reconnais, Martin, celui que tu honores. Je suis le Christ qui vais descendre sur la terre, mais, auparavant, j’ai voulu me manifester à toi’.” JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 925. 193

80 tentar Eva: Certo dia, enquanto estava entregue à oração, uma enorme serpente enroscou-se nele [São Leonardo], dos pés ao peito. Ele não interrompeu sua prece e, quando terminou, falou: “Sei que desde o início da criação você inquieta os homens tanto quanto pode, mas se tem algum poder sobre mim, trata-me como mereço”. Dito isso, a serpente saiu rapidamente de seu hábito e caiu morta a seus pés.197

Outra forma muitas vezes assumida pelo Diabo é a de um dragão. Este, aliás, é o símbolo do demônio nas procissões em algumas igrejas. Jacopo de Varazze nos relata este fato:

Em algumas igrejas, especialmente nas galicanas, é costume nos dois primeiros dias da Procissão levar um dragão com uma comprida cauda cheia de palha ou material semelhante, cauda que no terceiro dia é esvaziada para significar que o diabo reinou neste mundo no primeiro dia, que representa o tempo antes da Lei, e no segundo dia, que indica o tempo da Lei, mas que no terceiro dia, tempo da graça, depois da paixão de Cristo, foi expulso do seu reino.198

A vitória do santo, sobretudo do santo-bispo, sobre o dragão remonta às fontes da tradição hagiográfica cristã. Tradicionalmente o dragão é associado ao Diabo, como afirma Jacques Le Goff:

Em resumo: se os Evangelhos ignoram o dragão, o Apocalipse dá-lhe um impulso decisivo. Neste texto, que irá oferecer à imaginação medieval o mais extraordinário arsenal de símbolos, o dragão recebe, com efeito, a interpretação que se imporá à cristandade medieval. Este dragão é a serpente da Génese, é o velho inimigo do homem, é o Diabo, é Satanás. 199

O demônio também assume a forma de um gato ou de um cão enormes, mas estes são sempre pretos, denunciando a cor dos diabos. Estes são muito associados aos lobos, cães, leões,

JACOPO DE VARAZZE, op.cit. p.870. “Tandis qu’un jour il se livrait à la prière, un enorme serpent remonta de ses pieds vers as poitrine. In n’interrompit pas sa prière pour autant. Quand il l’eut achevée, il dit: ‘Je sais que depuis le début de ta création tu trombles les hommes auntant que tu le peux; mais pour l’heure, si quelque pouvoir t’a été donné sur moi, agis a mon égard comme je l’ai mérité.’ À ces mots le serpent, sortant par le capuchon de Léonard, s’écroula mort à ses pieds.” JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 855. 198 JACOPO DE VARAZZE, op.cit. p.428. Dans certes églises, et surtout dans les églises de la Gaule, on a pour coutume de Porter derrière la croix un dragon dont la queue est longue et gonflée, car elle est remplie de paille ou d’une matière semblable, pendant les deux premiers jours; le troisième jour, on le porte derrière la croix, la queue vide. Ce qui signifie que le diable a régné sur ce monde le premier, c’est-à-dire le temps avant la loi, et le second jour, qui represente le temps sous la loi, mais que le troisième jour, qui est le temps de la Grace due à la Passion du Christ, il a été expulse de son royaume.” JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 378. 199 LE GOFF, Jacques. Para um novo conceito de Idade Média; tempo, trabalho e cultura no Ocidente. Lisboa: Editorial Estampa, 1993. p.230. 197

81 ursos, enfim, a criaturas ferozes.

200

Isto remete ao fato dos demônios estarem relacionados à

irracionalidade, eles atiçam as “paixões” do ser humano, os instintos mais primitivos do homem. Portanto, os diabos são bestas, são mais parecidos com os animais do que com os humanos. Entretanto, existe um momento em que o demônio assume o cadáver de uma defunta, que é reconhecido pelo mal cheiro exalado: Nessa nova condição, o diabo muito freqüentemente lhe surgia sob a aparência de uma mulher nua que se oferecia a ele, e quanto mais fortemente ele resistia mais impudicamente ela se lançava sobre ele. Certa vez em que ela muito o atormentou, ele colocou no pescoço a estola sacerdotal e assim o diabo partiu imediatamente, deixando um cadáver pútrido que exalava tanto fedor que ninguém duvidava que aquele fosse o corpo de uma mulher que tinha sido possuída pelo diabo.201

Portanto, os demônios podem tomar outras formas de duas maneiras: solidificando seus corpos feitos de vapor, dando-lhes a forma que quiserem ou tomando os corpos de cadáveres, que são imperfeitos, já que são frios e se desfazem facilmente – além de exalarem fedor. Uma prova de que seus corpos são feitos de vapor está quando um demônio toma a forma de Santa Justina: “No instante em Cipriano pronunciou o nome de Justina, o diabo não pôde suportar e imediatamente desvaneceu como fumaça”.202 Mas, na verdade, qual seria a verdadeira forma dos demônios? Jacopo de Varazze dá algumas pistas a este respeito. Os demônios são negros: por diversas vezes eles são descritos como sendo “negros como etíopes”. 203 Identificado com o vazio, com a noite e as trevas, assim como com o mundo subterrâneo, e em última instância com a morte, e que não obstante, se contrapõe a brancura e a luz, um dos signos mais relevantes das divindades positivas e, claramente, do próprio Deus, a cor negra de forma muito incisiva aparece como uma das características dos demônios. Além disto, o demônio possui uma aparência assustadora: ... etíope negro como fuligem, rosto anguloso, barba farta, cabelos longos até aos pés, olhos inflamados que soltavam faíscas como ferro incandescente, enquanto da boca e dos olhos Um exemplo disto está na parte em que Jacopo disserta sobre a Comemoração das Almas. JACOPO DE VARAZZE, op.cit. p.924. 201 Este relato está na narrativa sobre Santo Hipólito e seus companheiros. Ibid.p.656. “Le diable lui apparaissait três souvent sous la forme d’une femme nue, qui se jetait sur lui avec d’autant plus d’impudence que sa résistance était plus forte. Après avoit supporté de multiples assauts, il saisit son étole sacerdotale et la lui passa autour du cou: le diable se retira aussitôt et il ne resta plus qu’un cadavre en putréfaction, d’où se dégageait une telle puanteur qu’à ce spetacle personne ne doutait qu’il se soit agi du corps d’une femme que le diable avait assumé.” JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 630. 202 JACOPO DE VARAZZE, op.cit. p.791. “Dès que Cyprien eut prononcé le nom de Justine, le diable ne put le supporter et, aussitôt le mot profere, le démon s’évanouit en fumée.” JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 789. 203 Como, por exemplo, em JACOPO DE VARAZZE, op.cit.p. 218. “devant lui [saint Julien] apparut une immense foule de démons noirs comme des Éthiopiens.” JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 175. 200

82 saíam espirais de chamas sulfúreas.204

Em outra descrição: “Imediatamente, dois etíopes, negros e nus, para espanto de todos saíram das estátuas...”205 Estes seres horríveis só aparecem assim para os santos, nunca para uma pessoa comum, o que fugiria de seu objetivo. De acordo com Luther Link, a cor negra se associa ao mal, à sujeira. Já a relação da Etiópia com o Diabo parece vir da literatura apócrifa. O preto representa o mal e a poluição. Satã sentado em seu trono no Inferno é sempre preto. Quando cai do céu, é preto o mais das vezes. Talvez o negrume do Diabo tenha relação com os deuses egípcios e núbios. A Núbia sempre esteve em contato estreito com o Egito, que foi governado pelos núbios em alguns períodos. Do século II ao V, o Diabo é descrito nos livros apócrifos como um etíope negro, provavelmente de origem egípcia. Nos Atos de São Pedro (XXII), por exemplo, Pedro vê o Diabo na forma de uma mulher hedionda, toda “negra e imunda como um etíope, não como um egípcio”.206

Muitos dos deuses pagãos eram representados como negros, a exemplo de Anúbis, do Antigo Egito. A relação que o cristianismo estabelecerá com a cor preta e a malignidade se dá, em partes, pela conclusão de que tudo que era pagão provinha do Diabo. Satanás pode ter a forma de “um etíope de grande estatura”207, que possui “olhos e boca que pareciam lançar chamas”.208 Na história de Santo Antão, é representado como um gigante que captura as almas que se dirigem ao Céu209. Crisóstomo fala do Diabo como uma figura que engole os pecadores.

210

Então, a imagem que prevalece é a de um gigante negro assustador. Aparece assim

com o claro intuito de infundir medo por seu tamanho e sua força.

JACOPO DE VARAZZE, op.cit. p.699. “un Éthiopien plus noir que la suie, qui avait le visage anguleux, la barbe épaisse, les cheveux lui tombant sur les pieds, le regard embrasé crachant des étincelles comme un fer rouge que l’on bat, soufflant des flammes de soufre par la bouche et les yeux, les mains liées derrière le dos par des chaînes de feu.” JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 675. 205 JACOPO DE VARAZZE, op.cit.p.891. “Et aussitôt deux Éthiopiens noirs et nus sortirent des statues à la stupéfaction générale [...].” JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 878. 206 LINK, Luther, O Diabo: a máscara sem rosto, São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 63. 207 JACOPO DE VARAZZE, op.cit. p.421. 208 Ibid. p.300. 209 Ibid. p.174. 210 Ibid. p.522. 204

83

3.3. Os espaços e tempos do maligno

Visitas dos demônios, possessões, pactos com o Diabo não podiam ocorrer em qualquer lugar. As condições geográficas têm que ter uma série de propriedades. Satanás aparece mais facilmente em alguns espaços e num tempo determinado que lhe são propícios por afinidade. A Legenda Áurea ensina quais eram os lugares e os momentos preferidos. Em algumas zonas, Satanás e seus malignos sequazes se encontram mais a vontade. Um lugar propício para a aparição diabólica é o lugar dos demônios por excelência, o deserto. Esta é uma zona perigosa para o homem medieval, porque não é um espaço civilizado, mas selvagem. O deserto – real ou imaginário – desempenhou um importante papel nas grandes religiões monoteístas: o judaísmo, o islamismo e o cristianismo. O deserto valorizado no Antigo Testamento não é um lugar de solidão: é um local de provações e é, acima de tudo, um lugar de vida errante e desprendimento. Como lembra Jacques Le Goff, o deserto é no Antigo Testamento “tanto um lugar como uma época: uma época na história sagrada no decurso da qual Deus educou o seu povo”.211 Esta imagem do deserto modifica-se com o Novo Testamento, em que se configura num lugar perigoso, um local mais de tentações que de provações. Era a morada dos maus espíritos, o lugar onde Satanás primeiro procurou tentar Cristo. Mas foi igualmente o lugar onde Jesus se refugiou e procurou a solidão. O eremitismo procurou o deserto, tomando este espaço como um lugar de retiro espiritual, de encontro com Deus, de embate com as forças demoníacas. Ele podia ser o mar, a ilha, a montanha ou, sobretudo nas condições geográficas da Europa, a floresta.

O deserto dos monges do Egipto surge-nos como o lugar por excelência do maravilhoso; o monge encontra nele o demónio de uma maneira que podemos dizer inevitável, porque o demónio, no deserto, está em sua casa; mas também o monge encontra no deserto, de certo modo, o Deus que lá foi procurar.212

Santo Antão, como um bom eremita, também faz o seu retiro espiritual no deserto e lá é alvo das artimanhas dos demônios.

LE GOFF, Jacques. O deserto-floresta no Ocidente medieval. In:___ O imaginário medieval. Lisboa: Editorial Estampa, 1994. pp.83-99. p.85. 212 A. Guillaumont apud LE GOFF, Jacques. O deserto-floresta no Ocidente medieval. p.86. 211

84 Viajando por outro deserto, [Santo Antão] encontrou um prato de prata e pôs-se a dizer consigo: “Como este prato está aqui, onde não se vê vestígio humano? Se um viajante o tivesse derrubado não teria deixado de perceber, tão grande ele é. Isso, diabo, é um artifício da sua parte, mas você nunca poderá mudar minha vontade”. E, ao dizer isso, o prato desapareceu como fumaça.213

Outro lugar muito frequentado pelos demônios é o mosteiro, o que demonstra sua audácia. O mosteiro medieval configurava uma fraternidade de pessoas reunidas para permanente coabitação num esforço para conseguir na Terra uma vida cristã. Era um local de vida regrada, foi neste espaço que o valor prático da restrição, da ordem, da disciplina interior foi estabelecido. Portanto, um lugar que os demônios adorariam corromper. São Domingos consegue descobrir como o demônio atormenta os frades em diversos lugares do mosteiro: no dormitório, no coro, no refeitório, no locutório214 e no capítulo. No dormitório, “faço-os dormir muito, levantar-se tarde, deixando para trás o ofício divino e tendo durante este tempo pensamentos sujos”.215 No refeitório, “tento alguns frades para que comam mais do que o necessário e assim pequem, e tento outros a comer menos e assim fiquem fracos para o serviço de Deus e a observância da sua Ordem”.216 No locutório, o demônio fica entusiasmado e afirma: “Este lugar é todo meu! Quando os irmãos se reúnem para conversar, esforço-me em tentá-los a que falem confusamente, todos ao mesmo tempo e sem dar atenção uns aos outros”. 217 A tabela a seguir mostra a atuação do Diabo num convento e os pecados relacionados a cada local: Local do mosteiro

Atuação do Diabo

Pecado Relacionado

Dormitório

Faz os irmãos dormirem demais, ficarem acordados até tarde e perderem suas atividades. Coloca imagens em sua imaginação e estimula-os sexualmente. Faz muitos irmãos chegarem tarde e saírem cedo, além de distraí-los durante o serviço.

Luxúria Preguiça

Oratório

Preguiça

JACOPO DE VARAZZE, op.cit. p.172. “Alors qu’il cheminait dans un autre désert, il trouva un disque d’argent et se mit à se dire en lui-même: ‘D’où vient ce disque d’argent, dans un endroit ou on ne voit nulle trace d’homme? Si un voyageur l’avait laissé tomber, il s’en serait forcément aperçu, vu sa taille. C’est là une ruse de ta part, diable, mais jamais tu ne pourras ébranler ma volonté’, et tandis qu’il disait ces mots, le disque s’évanouit comme une fumée.” JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 129. 214 “Local do mosteiro ou do convento no qual os religiosos podem em certos momentos conversar livremente entre si ou receber visitas de fora”. FRANCO JR. In: JACOPO DE VARAZZE, op.cit. p.626. 215 Ibid. 216 Ibid. 217 Ibid. 213

85 Refeitório Locutório

Faz os irmãos comerem demais ou Gula comerem muito pouco. Faz os frades rirem das coisas, dizerem Orgulho rumores e falarem ao vento. Tabela 1- Atuação do Diabo em cada espaço do convento

Já no capítulo, o demônio não pode entrar, como ele mesmo afirma: Nunca entrarei aí, que é para mim um inferno e lugar de maldição, onde perco tudo o que ganhei nos outros lugares. Quando faço algum frade pecar por qualquer negligência, logo depois neste lugar de maldição ele purga esta negligência na presença de todos. Ele é admoestado, acusado, criticado, confessa e é absolvido, e dessa forma sofro por perder tudo que ganhei em outra parte e que me alegrava.218

Dentre as zonas em que os demônios atuam, deve-se lembrar dos templos pagãos. O paganismo, assim como todas as manifestações religiosas que fogem ao cristianismo, é considerado como algo demoníaco. Os demônios também ficam dentro dos ídolos, portanto, o templo é seu território: “Alguém entrou no templo dos ídolos e viu Satanás sentado junto de toda sua milícia”. 219 Os santos lutam para convencer as pessoas de que os ídolos contém, na verdade, demônios: “Para convencê-los de que esses ídolos estão ocupados pelos demônios, ordenamos que saiam e quebrem cada um sua estátua”. Imediatamente, dois etíopes negros e nus, para espanto de todos saíram das estátuas e depois de as terem quebrado soltaram gritos horríveis.220

Apesar de atuarem principalmente nestes locais, os demônios tinham outra morada. Pela concepção medieval, explicitada na Legenda Áurea, os demônios não habitavam nem o Céu, de onde haviam sito expulsos, nem a Terra, domínio dos seres corporais, e sim “os ares”, zona vaga e indefinida entre aqueles dois pólos geográfico-espirituais.

Não lhes foi permitido habitar o Céu ou a parte superior do ar, porque é um lugar claro e agradável, nem ficar na Terra conosco, porque nos incomodariam muito, e sim obrigados a residir no ar, entre o Céu e a Terra, a fim de que ao olhar para cima e ver a glória que perderam sintam dor, e ao olhar para baixo e ver os homens ascendendo ao Céu de onde caíram, sejam com frequencia atormentados pela inveja. No entanto, muitas vezes têm autorização divina para descer e nos submeter a tentações, daí ter sido mostrado a alguns JACOPO DE VARAZZE, op.cit. pp.626-627. “Ici, je n’entrerai jamais, car c’est pour moi un lieu de malédiction et un enfer; et ici je perds tout ce que je gagne dans les autres lieux. En effet, quand j’ai fait fauter un frère par quelque négligence, il vient aussitôt s’en purifier dans ce lieu de malédiction et il dit sa faute haut et fort devant tout le monde. Car c’est ici qu’on les conseille, ici qu’ils se confessent, ici qu’ils sont accusés, ici qu’ils sont frappés, ici qu’ils sont absous; et ainsi je souffre d’avoir perdu entièrement ce que je me réjouissais d’avoir gagné ailleurs”. JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 597. 219 JACOPO DE VARAZZE, op.cit. p.771. 220 Ibid. p.891. 218

86 santos que eles frequentemente voam em torno de nós como moscas. São incontáveis e o ar está cheio deles como desses insetos.221

Do mesmo modo que existem lugares mais propícios, também em alguns momentos determinados parece mais habitual que se apresente o maligno. E não há dificuldade para se supor qual: a noite. A escuridão, a noite, se opõe à luz, ao sol, símbolo de Deus e da vida. A falta de luz se relaciona com a morte, com o perigo. É à noite que o demônio aparece para São Domingos: “Certa vez que o homem de Deus, Domingos, estava em Bolonha pernoitando na igreja, o diabo apareceu-lhe sob a forma de um frade e, acreditando nisso, mandou que fosse descansar com os outros”. 222 São Macário também encontrou com os demônios à noite: Caminhando pela vastidão do deserto, o abade Macário entrou para dormir num monumento em que estavam sepultados corpos de pagãos, dos quais pegou um e pôs debaixo da cabeça, à guisa de travesseiro. Querendo assustá-lo, os demônios chamavam o esqueleto como se fosse uma mulher, dizendo: “Levante e venha se banhar conosco”. 223

Também há outro momento em que Lúcifer fica a espreita para esperar uma oportunidade de poder ganhar uma alma para seu reino: a morte. Primeiro incita o homem ao pecado e, quando este o comete e chega o tempo de morrer, espera ser o primeiro a levar sua alma. O demônio espera ansiosamente junto ao moribundo para conseguir algo que legalmente lhe pertence porque é uma alma em pecado – mas, injustamente, pois foi ele quem a conduziu ao pecado. A partir daí trava-se uma interessante batalha para saber se a alma vai para o Céu ou para o Inferno, ou até mesmo para o Purgatório, que já existe como um dos lugares do Além desde o século XII. 224 São Forseu sabe bem o que é ver sua alma sendo disputada por anjos e demônios: Próximo do momento de entregar o espírito teve uma visão. Viu dois anjos chegarem até ele para levar sua alma e um terceiro que caminhava na frente, armado de um escudo branco e de uma espada fulgurante. Logo ouviu demônios gritando: “Vamos na frente e lutemos para ficar com ele”. Então avançaram e lançaram contra ele flechas incendiárias, mas o anjo que ia a frente aparava-as com seu escudo e imediatamente as chamas extinguiam-se.225

Ibid.p.818. “En effet, il ne leur fut plus permis d’habiter au ciel, ni dans la partie supérieure de l’air, car c’est un endroit clair et plaisant, ni sur terre avec nous, de peur qu’ils ne nous attaquent. Ils sont dans la partir de l’air située entre ciel et terre, de sorte qu’ils souffrent en regardant en haut et en voyant la gloire qu’ils ont perdue, et qu’ils sont devores de jalousie chaque fois qu’ils regardent en bas et qu’ils voient les hommes monter au lieu d’où ils sont eux-mêmes tombes.” JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 803. 222 JACOPO DE VARAZZE, op.cit. p.626. 223 Ibid.p.165. “L’abbé Macaire se retira de Scété, et entra dormir dans un tombeau ou étaient enterres des corps de païens; il un déterra un pour le mettre sous sa tête en guise d’oreiller. Or des démons, voulant lui faire peur, firent comme s’ils appelaient une femme, en disant: ‘Lève-toi, et accompagne-nous au bain’.” JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 123. 224 Cf. LE GOFF, Jacques. O nascimento do Purgatório. Lisboa: Editorial Estampa, 1993. 225 JACOPO DE VARAZZE, op.cit. p.807. “[...] quand il toucha à sa fin et rendit son dernier soupir. Il vit deux anges venir chercher son âme, et un troisième, armé d’un bouclier d’une blancheur éclatante et d’un glaive étincelant, qui marchait 221

87

Deste modo, a noite, a morte e os lugares afastados como o deserto-floresta, além dos lugares sagrados como os mosteiros, possuem um caráter simbólico, graças ao qual se convertem em lugares propícios para a aparição de Satanás.

devant. Puis il entendit des démons crier: ‘Précédons-les, et déclenchons des combats devant lui.’ Ils passèrent devant, se retournèrent vers lui et lui jetèrent des traits enflammés; mais l’ange qui marchait le premier les recevait sur son bouclier et les éteignait aussitôt.” JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 794.

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CAPÍTULO 4 – CONFRONTO E PERSUASÃO

4.1. Os santos como alvo preferencial

O homem medieval, como já foi dito, se vê obrigado a evitar a tentação do demônio e o pecado continuamente, em todas as horas. Na Idade Média, em particular na obra de Jacopo de Varazze, este fato se configura como uma luta ativa contra o Maligno e possui matizes cavalheirescos. O demônio, que não faz mais do que atacar o gênero humano, quando não o tenta de um modo astuto (através da tentação), ou utiliza a força (através da possessão) para enganar o homem, simplesmente trata de aterrorizá-lo para que ceda ao seu poder. Satanás não atua do mesmo modo contra todos. A luta fica mais cruel quando o alvo é mais próximo do Céu: um santo. Por que o demônio tem tanto interesse em atacar os santos? Porque eles são de alguma forma alvos importantes para Satanás, conseguir tentar um religioso é um grande feito. [Um demônio disse:] “Fiquei quarenta anos no deserto, trabalhei com um monge e com dificuldade acabei por levá-lo ao pecado da carne”. Ao ouvir isso Satã levantou-se de seu trono e beijando-o tirou a coroa da própria cabeça e colocou-a na dele. Fez com que se sentasse a seu lado e disse: “Você fez uma coisa grandiosa e trabalhou mais do que os outros!”.226

Obviamente, de acordo com a natureza de Satanás, os objetos principais de sua atuação são os religiosos, uma vez que a sua perdição implicava uma ofensa infinitamente maior a Deus, já que estes eram os Seus ministros, consagrados para levar aos homens a Sua palavra. Além disto, de acordo com Jacopo de Varazze, os demônios são invejosos e não suportam a santidade de alguns homens. Os demônios também, de acordo com a sua função dada por Deus, testam a conduta daqueles que deveriam ser um exemplo para os demais fiéis. Quanto mais santo o homem é, mais testado deve ser para provar a sua santidade. Um exemplo disto é o caso de Santa Teodora: “Com inveja da santidade de Teodora, o diabo fez com que um homem rico se inflamasse de concupiscência por

JACOPO DE VARAZZE, op.cit.p.772. “Arriva un quatrième [assistant], qui dit: ‘J’ai passe quarante ans dans un désert, à m’acharner sur un moine, et je viens à grand-peine de le faire tomber dans le péché de chair’. Entendant cela, Satan se leva de son trone, l’embrassa, lui mit sur la Tetê sa propre couronne et le fit asseoir avec lui en disant: ‘Tu as fait là une grande chose, et courageuse, et tu as travaillé plus que tous les autres’. JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 758. 226

89 ela”.227 Satanás também tenta impedir a construção de um mosteiro: “Quando o muro alcançou uma certa altura, [...] o antigo inimigo derrubou o muro, cuja queda esmagou um jovem monge”. 228 A humildade que existe num santo, Satanás nunca terá, pois ele é orgulhoso e por isso foi expulso do Céu: “Quando Lúcifer quis se igualar a Deus, o arcanjo Miguel, porta-estandarte do exército celeste, apareceu e expulsou do Céu Lúcifer com todo o seu séquito”. 229 Entretanto, a humildade que Satanás tanto inveja nos santos é justamente o que pode vencê-lo: [O diabo disse:] “Macário, você me faz mal, porque não posso vencê-lo. No entanto, tudo o que você faz eu também faço, você jejua e eu não como absolutamente nada, você vela e eu não durmo nunca. Há uma só coisa em que você me supera”. O abade perguntou: “Em quê?”. O diabo respondeu: “Em humildade, pois é ela que faz com que eu nada possa contra você”.230

É interessante notar por este trecho que uma das virtudes valorizadas na Legenda Áurea, junto com a castidade, é a humildade. Ela impede os demônios fazer qualquer coisa contra o indivíduo que possui esta virtude. A história de Santo Antão mostra a importância da humildade: “Uma vez, quando estava em êxtase, viu o mundo inteiro cheio de redes enlaçadas umas nas outras e exclamou: ‘Ó, quem poderá se soltar delas?’. E ouviu uma voz dizer: ‘A humildade’.”231

4.2. As armas

As principais armas dos santos e bons cristãos são o sinal da cruz, invocar o nome de Deus, de Jesus, ou da Virgem com fervor, água benta ou inclusive a força física. Os demônios, de acordo com a Legenda Áurea, temem o sinal da cruz: Ele pôs a ler invocações aos demônios e apareceu um enorme bando deles, negros como etíopes. Ao vê-los, Juliano ficou tomado de medo, fez logo o sinal-da-cruz e toda aquela multidão de demônios desapareceu. Quando seu mestre voltou ele contou o que tinha JACOPO DE VARAZZE, op.cit.p.531. Ibid.p.301. 229 Ibid.p.818. “Comme Lucifer, en effet, revendiquait l’égalité avec Dieu, l’archange Michel, porte-enseigne de l’armée divine, vint le chasser du ciel avec ses suppôts, et les repoussa dans la zone ténébreuse de l’air jusqu’au jour du Jugement.” JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 803. 230 JACOPO DE VARAZZE, op.cit. p.165. “‘Je subis grande violence de ta part, Macaire, car je ne puis triompher de toi. Vois donc: je fais tout ce que tu fais; tu jeûnes et je me prive totalment de nourriture, tu veilles et je ne ferme pas l’oeil; il n’y a qu’une chose en quoi tu me surpasses – Laquelle?’ demanda l’abbé. ‘Ton humilité, qui m’empêche de triompher de toi.” JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 124. 231 JACOPO DE VARAZZE, op.cit. p.172. “Une fois, durant une êxtase, il vit le monde rempli de liens imbriqués les uns dans les autres. Il s’écria: ‘Oh, qui pourra nous en délivrer?’, et il entendit: ‘L’humilité’.” JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 129. 227 228

90 acontecido e aquele explicou: “Os demônios odeiam e temem muito o sinal-da-cruz”.232

É interessante notar que a heresia cátara renega a cruz e tudo aquilo que ela significa, como a paixão de Cristo. Cabe lembrar que os cátaros não acreditavam na forma humana de Deus, já que este não poderia estar ligado à matéria impura – o sofrimento de Cristo seria uma ilusão. Já na Legenda Áurea vê-se o oposto desta concepção: o sinal da cruz salva e o Filho de Deus salvou o mundo do Pecado Original. Jesus teve o importante papel de sofrer para libertar as pessoas do domínio de Satanás. Como ressalta Jacopo de Varazze: Antes da vinda do Filho de Deus na carne, éramos ignorantes e cegos a caminho da danação eterna, escravos do diabo, acorrentados ao mau hábito do pecado, envoltos nas trevas, exilados errantes expulsos da sua pátria.233

Assim, o martírio de Cristo salvou a humanidade desta forma: Se o Filho de Deus foi preso, foi para libertar o gênero humano dos grilhões do pecado. Aquele que é abençoado foi amaldiçoado a fim de que o homem amaldiçoado fosse abençoado. Ele aceitou ser iludido a fim de que o homem fosse livrado da ilusão do demônio; recebeu na cabeça uma coroa de espinhos para nos tirar da pena capital; aceitou o fel amargo para devolver ao homem o gosto doce; foi despido para cobrir a nudez de nossos primeiros pais; foi suspenso na árvore da cruz para reparar a prevaricação da árvore do pecado.234

Portanto, a insistência já comentada da Igreja em enfatizar o sofrimento do filho de Deus se justifica para demonstrar que Cristo salvou a humanidade, que não estaria mais dominada pelo mal. Enfatizar a humanidade de Jesus não significa ressaltar o poder de Lúcifer, pelo contrário, Jacopo se preocupa em enfatizar que Satanás foi derrotado e nada pode contra Deus. Ao contrário dos cátaros, que acreditam na existência de dois deuses, um bom e um mau, o cristianismo procura reforçar que Satanás foi criado por Deus e, apesar de ser seu inimigo, não é páreo para o imenso poder do Senhor. JACOPO DE VARAZZE, op.cit. pp.218-219. Grifo meu. “[...] il se mit à lire des invocations auz démons, et devant lui apparut une immense foule de démons noirs comme des Éthiopiens. Voyant cela, Julien prit peur, fit aussitôt un signe de croix, et tous les démons s’évanouirent. À son retour, il raconta à son maître ce qui s’était passe, et celui-ci lui dit: ‘Le signe de la croix est ce que les démons détestent et craignent le plus’.” JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 175. 233 JACOPO DE VARAZZE, op.cit. p.48. “Car, avant la venue du Fils de Dieu en sa chair, nous étions ignorants ou aveugles, passibles de peines éternelles, esclaves du diable, liés par la mauvaise coutume du péché, enveloppés de ténèbres et exilés de la patrie pour en avoir été chassés.” JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 6. 234 JACOPO DE VARAZZE, op.cit. p.944. “En effet, dit-elle, le Fils de Dieu fut pris, afin que le genre humain, pris par le péché, soit libere. Le Béni fut maudit pour que l’homme maudit obtienne sa bénédiction. Il supporta qu’on se joue de lui que l’homme soit affranchi du jeu des démons. Il reçut la couronne d’épines sur la tête, afin d’éloigner de notre tête la sentence capitale. Il absorba le fiel amer pour restituer à l’homme la douceur du goût. Il fut dépouillé pour voiler la nudité de nos ancêtres. Il fut suspendu sur du bois afin de supprimer le péché du bois.” JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 957– 958. 232

91 Além disso, os demônios só conseguem atuar porque Deus assim o permite. Mas todos os demônios serão castigados no Juízo Final: “Disse Cipriano: ‘Então o crucificado é maior do que você?’. O demônio: ‘Ele é maior que todos, e entregará a nós e a todos aqueles que enganamos aqui ao tormento de um fogo inextinguível’.”235 O nome de Jesus já consegue afastar os demônios: “Então Ciríaco disse ao demônio: ‘Jesus ordena que saia’. No mesmo momento o demônio saiu dizendo: ‘Ó nome terrível, que me obriga a sair!’”236 O túmulo de um santo também tem o poder de expulsar os demônios. Depois de ter tentado se livrar do demônio que a atormentava com vários exorcismos e não ter conseguido nada, uma mulher é aconselhada por Pedro Mártir a esperar, pois futuramente seria atendida: “Depois de seu martírio, aquela mulher foi visitar seu túmulo e ficou inteiramente libertada do tormento do demônio”.237 A oração é poderosa e os demônios não conseguem atacar uma pessoa que está em prece. Os santos se põem a rezar, pois a prece permite a eles receber o poder de Deus. Teodora viu o demônio na forma de seu marido, “como se pôs a rezar e imediatamente a figura desapareceu, ela entendeu que era o demônio”.238 Assim como a estola episcopal é capaz de libertar um endemoniado.239 Quando em determinada oportunidade um homem possuído por muitos demônios foi apresentado a Domingos, este pegou a estola que tinha no pescoço, cingiu com ela o pescoço do endemoniado e mandou que dali em diante não importunassem aquele homem240

JACOPO DE VARAZZE, op.cit. p.792. “Alors le Crucifié est plus grand que toi? – Assurément, il est plus grand que tout le monde, et il nous livrera au supplice du feu éternel, nous et tous ceux que nous trompons ici-bas” JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 789–790. 236 JACOPO DE VARAZZE, op.cit. p.638. “Cyriaque lui dit alors: ‘Jésus-Christ t’ordonne de sortir’. Et le démon sortit à l’instant, en disant: ‘Ô le nom redoutable, qui me contraint à sortir!’” JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 609. 237 JACOPO DE VARAZZE, op.cit.p.396. “Une dame nommée Girolda, épouse de Jacques de Vallesana, avait été, quatorze années durant, la proie d’esprits immondes ; aussi vint-elle trouver un prêtre, à qui elle dit : « Je suis possedée, et un esprit malin me tourmente. » Aussitôt le prêtre, terrifié, entra dans la sacristie, prit un livre contenant des formules d’exorcisme, dissimulé une étole sous sa chape et, en cette bonne compagnie, revint près d’elle. Dès que’elle l’aperçut, elle lui dit : « Misérable bandit, où es’tu allé ? Que caches-tu sous ta chape ? » Et comme le prêtre prononçait ses formules sans aucun succès, elle alla implorer l’aide de saint Pierre, qui vivait encore. Il lui répondit [...] : « Aie confiance, ma fille, ne désespère pas, car même si je ne peux accomplir pour l’instant ce que tu me demandes, le temps viendra où tu l’obtiendras pleinement. » Ce qui fut fait, car après sa passion la femme vint près du tombeau du saint et fut totalement liberée des attaques de ces démons. JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 347. 238 JACOPO DE VARAZZE, op.cit. p.533. 239 De acordo com Franco Junior a estola é uma insígnia sacerdotal que bispos e padres utilizam atrás do pescoço. FRANCO JR., Hilário. In: Ibid. pp.160-161. 240 Ibid.p.623. “Une fois ou on lui avait presente un homme obsédé par de nombreux démons, il prit une étole qu’il passa d’abord autour de son propre cou et dont il ceignit ensuite le cou du démoniaque, en ordonnant aux démons de ne plus maltraiter désormais cet homme.” JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 593. 235

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Um demônio confessou para Santa Juliana quando se mantém afastado dos cristãos: “Ele confessou [...] que se mantinha diante dos cristãos quando estes celebravam o mistério do corpo do Senhor, quando oravam e ouviam as pregações”.241 Os santos são, entre os homens, os mais fortes adversários de Lúcifer, que lutavam sem descanso contra ele. Só a presença do santo, em muitos casos, já é suficiente para manter os demônios afastados: Havia um endemoniado que toda vez que entrava em Milão ficava livre do demônio, sendo novamente possuído tão logo saía da cidade. Perguntaram ao demônio a causa disso, e ele respondeu que temia Ambrósio.242

4.3. Uma grande rival: a Virgem Maria

O fiel, se cumpre os mandamentos, pode sentir-se protegido por Deus até nos momentos em que se encontra mais indefeso. Sem dúvida, Satanás possui outro rival que, assim como Deus, também é invencível. Trata-se de um personagem que todo demônio teme e há de temer: a Virgem Maria. Mais próxima dos homens do que Deus, Maria intervém constantemente na luta contra Satanás, que acaba sempre por se retirar sem ousar a se levantar contra ela. A Virgem Maria é a protetora da Ordem dos Pregadores. Alguns dos primeiros escritos da Ordem atribuem sua própria existência à intercessão de Maria.243 Na Legenda Áurea, lê-se o seguinte relato: Antes da instituição da Ordem dos Pregadores, um monge vira em êxtase a beata Virgem de joelhos dobrados e mãos juntas suplicando pelo gênero humano a seu filho, que recusava o pedido da piedosa mãe: “Minha mãe, que posso e devo fazer mais? Enviei-lhes patriarcas e profetas e pouco se corrigiram. Fui até eles, depois enviei os apóstolos e mataram a mim e a eles. Enviei mártires, confessores e doutores e nem eles foram aceitos. Mas como não posso negar nada a você, darei a eles meus Pregadores, por meio dos quais se iluminarão e limparão, caso contrário irei contra eles”.244

JACOPO DE VARAZZE, op.cit. pp.266-267. “Entre autres aveux, il lui dit que les moments ou il était le plus empêche d’approcher les chrétiens étaient ceux de la célébration du mystère du corps du Christ, des prières et des prédications.” JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 215. 242 JACOPO DE VARAZZE, op.cit.p.358. “Un démoniaque fut libéré du démon quand il entra dans Milan, mais à nouveau possédé quand il en sortit. Le démon, interrogé là-dessus, dit qu’il avait craint Ambroise. ” JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 304. 243 WISEMAN, D. V. Devotion to Mary among the dominicans in the thirteenth century. Disponível em: . Acesso em 29 de maio de 2010. p.2. 244 JACOPO DE VARAZZE, op.cit., p. 617–618. 241

93 A tradição dominicana atribui um caráter mariano para a Ordem de Domingos. Constantino de Orvieto, na sua legenda (escrita entre 1246 e 1248), afirma que Domingos confiou o cuidado total da Ordem à Maria como sua patrona especial.245 O que é mais marcante nas Constituições Primitivas da Ordem dos Pregadores é a sua fórmula para a profissão de fé: A maneira de fazer profissão é o seguinte: Eu, irmão. . . faço a profissão e prometo obediência a Deus e à Maria Santíssima e a você N., Mestre da Ordem dos Pregadores, e aos seus sucessores, segundo a Regra de Santo Agostinho e do Instituto dos Irmãos da Ordem dos Pregadores que serei obediente a vocês e aos seus sucessores até a morte. Mas quando é feita a alguém que é um prior, a fórmula é: Eu, irmão. . . faço a profissão e prometo obediência a Deus e à Maria Santíssima e a você, N., Prior do lugar, a N., o Mestre da Ordem dos Pregadores, e a seus sucessores, de acordo com a Regra de Santo Agostinho e os Institutos dos Irmãos da Ordem dos Pregadores, que eu serei obediente a vocês e aos seus sucessores até a morte.246

Incluir o nome de Maria na profissão de fé mostra a importância que ela tinha para Ordem, como uma protetora que interviria em nome deles junto a Deus. Para Wiseman, Esta prática era aparentemente única, embora os premonstratenses, que nomearam suas igrejas em honra de Maria (assim como os cistercienses), ofereceram-se em votos para a Igreja da Mãe de Deus em uma denominação específica. A profissão de obediência de Maria é tão natural para o espírito dominicano que os primeiros autores a registraram sem maiores explicações.247

Na Legenda Áurea há uma justificação da importância da Virgem Maria para a humanidade. Jacopo de Varazze afirma que Maria ajudou Cristo em todas as suas obras e como geradora do Salvador do mundo, mereceu um lugar especial no Céu: Carregou-o em seu útero, colocou-o no mundo, alimentou-o, aqueceu-o, deitou-o na manjedoura, ocultou-o na fuga para o Egito, guiou seus passos na infância, seguindo-o até à cruz. Ela não podia duvidas de que ele fosse Deus, pois sabia tê-lo concebido não por sêmen viril, mas pela aspiração divina. [...] Portanto, Maria foi, por sua fé e suas obras, Ibid. p.3. "The manner of making profession is the following: I, Brother . . . make profession and promise obedience to God and to Blessed Mary and to you N., Master of the Order of Preachers, and to your successors according to the Rule of Blessed Augustine and the Institutes of the Friars of the Order of Preachers that I will be obedient to you and to your successors until death. But when it is made to someone who is a prior, the formula is: I, Brother . . . make profession and promise obedience to God, and to Blessed Mary and to you, N., Prior of this place, for N., the Master of the Order of Preachers, and for his successors, according to the rule of Blessed Augustine and the Institutes of the Friars of the Order of Preachers, that I will be obedient to you and your successors until death." Tradução minha. Capítulo XV. ORDER OF PREACHERS, op.cit. 247 “This practice was apparently unique, although the Premonstratensians, who named their churches in honor of Mary (as did the Cistercians), offered themselves in vows to the Church of the Mother of God at a specific designation. The profession of obedience to Mary is so natural to the Dominican spirit that the early authors recorded it without further explanation”. Tradução minha. WISEMAN, D.V. op.cit. p.3 245 246

94 servidora de Cristo. [...] Assim, penso que Maria, elevada às alegrias da eternidade pela bondade de Cristo, foi ali recebida com mais honras que os outros, porque Ele a honrou com sua graça mais que aos outros, e ela não teve de sofrer depois da morte o mesmo que os outros homens, podridão, vermes e pó, pois ela gerou o Salvador de si mesma e de todos os homens.248

É interessante observar a devoção que a Ordem Dominicana tem pela Virgem Maria, num momento em que as heresias negam a possibilidade de Deus ter vindo à Terra num corpo de homem, principalmente os cátaros não acreditavam na forma humana de Deus. Assim, Maria não era um personagem importante para os cátaros. No entanto, para os dominicanos, a “mãe de misericórdia” mesmo gerando uma criança se manteve incorruptível pela Graça de Deus e como servidora especial Dele era digna de especial devoção. Intrigante é o seu papel como opositora do Diabo. Por que Maria seria a principal adversária de Satanás? Pode-se chegar ao caminho de uma resposta. É preciso lembrar, com já foi visto aqui, que a natureza mais sublime criada por Deus foi a de Lúcifer. Já a Virgem se santificou com seu sacrifício e suas obras – e com a Graça de Deus – assim conseguiu ser a Criatura mais elevada (mais sublime). Deus criou Maria humilde em sua natureza, inferior aos anjos, e ela se santificou com auxílio da Graça de Deus. Enquanto Deus criou Lúcifer magnífico em sua natureza, e ele se corrompeu. Como se pode ver, há um grande paralelismo entre ambas as figuras, mas é um paralelismo inverso: uma é a criatura mais perfeita por natureza, a outra por Graça; uma se corrompe, outra se santifica, uma peca pelo orgulho e a outra se caracteriza pela humildade. Além disso, até mesmo nos nomes há outro paralelo entre Lúcifer e Maria: os dois são chamados a Estrela da Manhã ou Estrela d’Alva. A primeira estrela (Lúcifer) caiu do firmamento angélico249, a segunda estrela250 (Maria) foi elevada. A primeira estrela que era espírito caiu na terra, a segunda estrela – que era corporal – foi elevada aos Céus.

JACOPO DE VARAZZE, op.cit. p.680. ISAÍAS 14, 12-14. “Como caíste do céu, ó estrela d’alva, filho da aurora! Como foste atirado à terra, vencedor das nações! E, no entanto, dizias no teu coração: ‘Subirei até o céu, acima das estrelas de Deus colocarei meu trono, estabelecer-me-ei na montanha da Assembleia, nos confins do norte. Subirei acima das nuvens, tornar-me-ei semelhante ao Altíssimo’”. Há uma discussão sobre a relação deste trecho com a queda de Lúcifer. Alguns autores, como Luther Link, defendem que há uma confusão causada pela tradução de São Jerônimo (c.347-420) da Vulgata (c.405), que associou esta Estrela da Manhã – o rei da Babilônia - com o anjo caído. "Isaías não estava falando do Diabo. Usando imagens possivelmente retiradas de um antigo mito cananeu, Isaías referia-se aos excessos de um ambicioso rei babilônico que caiu no mundo dos mortos". LINK, Luther. O Diabo: a máscara sem rosto. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p.28. 250 Estrela cuja denominação foi dada pela liturgia. JACOPO DE VARAZZE, op.cit.p.154. Maria também é chamada de “Estrela do Mar”. O título foi usado para enfatizar o papel de Maria como um sinal de esperança e, como estrela-guia para 248 249

95 Cabe aqui oferecer uma explicação sobre a denominação “Estrela da Manhã”. Este parece ser um nome dado àqueles que são glorificados por Deus. Portanto, a Virgem e Lúcifer – antes da queda – possuem este nome, são estrelas. Além deles, Cristo também recebe este nome 251, assim como São João Batista. De acordo com a Legenda Áurea, João é chamado Estrela da Manhã porque “foi o anoitecer da ignorância e o amanhecer da luz da Graça”. 252 Aliás, também na obra de Jacopo de Varazze, a estrela que guiou os três reis magos para o recém-nascido Jesus, não foi somente material: Notemos que a estrela vista pelos magos é quíntupla, é estrela material, estrela espiritual, estrela intelectual, estrela racional e estrela supra-substancial. A primeira, material, eles viram no Oriente. A segunda, espiritual, que é a fé, eles viram em seu coração, porque se os raios dessa estrela não tivessem atingido seu coração nunca teriam conseguido ver a primeira estrela. [...] A terceira, a estrela intelectual, que é o anjo, eles viram durante o sono, quando foram avisados por ele para não voltarem para junto de Herodes. [...] A quarta estrela, racional, foi a Santa Virgem, que viram no estábulo. A quinta, supra-substancial, foi Cristo, que viram no presépio.253

Lúcifer não quis aceitar o Filho de Deus feito homem, a Virgem não apenas O aceitou como também O acolheu em seu seio. Assim, pode-se constatar que Maria e Lúcifer são opositores em sua própria natureza e, portanto, é compreensível que sejam adversários naturais. Porém, esta é uma resposta provisória, um esforço de entendimento, pois não parece explicar a questão em sua totalidade. Algumas vezes, Jacopo de Varazze relata que a Virgem duela com o demônio como se estivesse num tribunal. O frade dominicano conta que, numa noite, um monge muito devoto de Maria, mas pecador, saudou a Virgem antes de sair de sua igreja. Ao tentar atravessar um rio, ele caiu e morreu. Os demônios apoderaram-se de sua alma e os anjos foram libertá-la. Imediatamente apareceu

os cristãos. Sob esse título, a Virgem Maria é considerada como uma guia e protetora de quem viaja ou busca seu sustento no mar. Este aspecto da Virgem levou Nossa Senhora, Estrela do Mar, a ser nomeada como padroeira das missões marítimas católicas. 251 APOCALIPSE 22, 16. “Eu, Jesus enviei meu Anjo para vos atestar estas coisas a respeito das Igrejas. Eu sou o rebento da estirpe de Davi, a brilhante Estrela da manhã.” 252 JACOPO DE VARAZZE, op.cit. p.488. 253 Ibid. pp. 153-154. “Il faut noter que l’étoile que les Mages virent avait cinq qualités: elle fut matérielle, spirituelle, intellectuelle, rationnelle et suprasubstantielle. La première étoile, l’étoile naturelle, ils la virent à l’orient. La deuxième étoile, l’étoile spirituelle, qui est la foi, ils la virent dans leur coeur. Si cette étoile de la foi n’avait pas rayonné d’abord dans leurs coeur, jamais il n’auraient accédé à la vision de la première étoile. [...] La toisième étoile, l’étoile intellectuelle, c’est-à-dire l’ange, ils la virent en songe, quand ils furent avertis par l’ange de ne pas retourner auprès d’Hérode, bien que, selon la Glose, ce ne fût pas un ange, mais le Seigneur lui-même qui les avertit. La quatrième étoile, l’étoile rationelle, ce fut la sainte Vierge, qu’ils virent dans la maison. La cinquième étoile, l’étoile suprasubstantielle, ce fut le Christ, qu’ils virent dans la mangeoire.” JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 113.

96 a Virgem Maria e a discussão se iniciou. O soberano Juiz decidiu ressuscitar o monge.254 Maria, advogada defensora da bondade do defunto, ainda que pecador, sempre acaba vencendo Lúcifer. Esta imagem do tribunal em que a Virgem atua como advogada defensora de seus devotos é muito recorrente em toda a literatura da Idade Média.

4.4. A persuasão diabólica

Além de sua capacidade de transfigurarem-se em realidades vivas materiais, o Diabo e seus demônios possuem outra propriedade que a Igreja lhes havia atribuído: a inteligência. Frequentemente encontramos nos textos medievais um demônio loquaz e pérfido que mediante sua argumentação tenta levar o homem ao pecado. Neste sentido, Jacopo de Varazze mostra em algumas de suas narrativas esta característica. Na história de Santa Justina o diabo se transfigura numa virgem e diz para a santa que mantém a castidade: O que significa então o mandamento de Deus “Cresçam, multipliquem-se e encham a terra?” Temo, boa companheira, que se continuarmos na virgindade tornaremos inútil a palavra de Deus e estaremos expostas a um severo julgamento como desobedientes e desdenhosas, e que portanto em vez da recompensa que esperamos sejamos duramente castigadas.255

O “príncipe dos demônios”, neste caso, toca em um ponto delicado da doutrina cristã: como preservar a castidade se Deus disse o oposto? Por que evitar a procriação, se ela é incentivada pelo Senhor? Como ficaria a Terra se todos decidissem se manter castos? A humanidade deixaria de existir. Esta aparente contradição não é desfeita pelo autor. Satã, como um bom acusador, utiliza-se do seu poder de convencimento para conseguir provar que um indivíduo merece ir para o Inferno. Nesses julgamentos, Deus é o juiz e a Virgem Maria é a advogada de defesa. Num destes julgamentos o Diabo mostra que a alma do indivíduo é dele porque é descendente de Eva, a que comeu o fruto proibido, além disto: “Essa alma é minha, pois mesmo que

JACOPO DE VARAZZE, op.cit. p.670. Ibid. p.790. “Qu’est-ce donc que ce commandement de Deus, dit le diable: ‘Croissez et multipliez et remplissez la terre...? Ce que je crains, chère compagne, c’est qu’en restant dans la virginité nous fassions fi de cette parole, et que nous encourions un jugement sévère pour l’avoir méprisée et dédaignée, et que, par conséquent, ce qui était notre espoir de recompense s’avère l’origine de durs tourments’.” JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 788. 254 255

97 tivesse feito algum bem, suas más ações são incomparavelmente maiores que as boas”. 256 Em outro momento, os demônios utilizam uma série de argumentos para conseguir a alma de São Forseu: “Muitas vezes ele dizia palavras ociosas, por isso não deve impunemente gozar da vida eterna. [...] Ele recebeu presentes dos maus.”257 Além destes, uma lista de pecados foi exposta com a devida contraargumentação dos anjos, numa batalha que acabou sendo vencida pelos soldados de Deus. Voltando para o discurso de convencimento dos demônios, este, muitas vezes, é composto de promessas de enriquecimento: “uma mulher que perdera o marido estava desesperada por ser pobre, quando lhe apareceu o diabo dizendo que a enriqueceria se ela concordasse em fazer sua vontade”. 258 Os demônios também costumam prometer o amor de outra pessoa: Eu, que pude expulsar o homem do Paraíso, que levei Caim a matar seu irmão, que fiz os judeus matarem Cristo, que lancei a discórdia entre os homens, não poderia fazer com que você tenha uma jovem e desfrute com ela seu prazer?259

Neste caso, o diabo faz a “propaganda” de seus serviços para São Cipriano. Tenta convencê-lo da eficácia de sua atuação, citando vários de seus feitos para mostrar que seria fácil fazer Justina se apaixonar por Cipriano. Nos Evangelhos Satanás se mostra oferecendo ousadamente as riquezas do mundo a Cristo. Aquele que é relacionado a tudo o que é material e que se considera o senhor do mundo, tende a oferecer a seus alvos tudo aquilo que é mundano e passageiro como o amor e os bens materiais, tudo o que desaparece depois da morte. Essa “troca de favores” é realizada através de uma formalidade: o pacto. A ideia de pacto formal remonta a uma história sobre São Basílio do século V. Na versão brasileira da Legenda Áurea, essa história aparece na narrativa sobre o santo. O pacto com o Diabo parece ser feito o mais legal e sério possível. Na história de Basílio, como recontada por Hincmar de Reims, um escravo, que desejava obter o amor de uma linda moça, vai a um feiticeiro pedir ajuda e como pagamento aceita renunciar a Cristo por escrito. O feiticeiro, satisfeito, escreve uma carta ao Diabo, dizendo que, como se dedicava a JACOPO DE VARAZZE, op.cit. p.668. “’Comme il est de la descendence de ceux qui ont mangé le fruit défendu, en verru de ce document public, au jour du Jugement il doit mourir avec moi.’ [...] ‘Son âme est à moi, car même si elle a fait quelques bonnes actions, les mauvaises l’emportent incomparablement.’”JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 643. 257 JACOPO DE VARAZZE, op.cit. pp.807-808. “Il a souvent tenu des propôs oiseux, aussi ne doit-il pas impunément jouir de la vie éternelle. [...] Il a reçu des cadeux de gens iniques.”JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 794–795. 258 JACOPO DE VARAZZE, op.cit. p.920. “Une femme ruinée par la mort de son mari était désespérée. Le diable lui apparut et lui dit qu’il la rendrait riche si elle suivait ses volontés.”JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 910. 259 JACOPO DE VARAZZE, op.cit. p.789. “Moi qui ai chassé l’homme du paradis, qui ai oeuvré pour que Caïn assassine son frère, qui ai poussé les juifs à tuer Jésus, qui ai jeté la confusion chez les humains, je serai incapable de te procurer une jeune fille pour que tu en jouisses à ta guise?”JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 787. 256

98 afastar o maior número possível de cristãos da religião, merecia obter o favor do Demônio. Ele, então, dá a carta ao rapaz e sugere que este chame os demônios em cima do túmulo de um pagão. O escravo faz o que lhe pede o feiticeiro e tem a visão do “Príncipe das Trevas”, rodeado por uma multidão de demônios. Depois de ler a carta, o Diabo pergunta: “Crê em mim, para que eu execute o que você quer?” “Sim, mestre, creio”, respondeu. “Renega Cristo?” O rapaz: “Renego.” Este diálogo é uma paródia que blasfema o batismo. Então o Diabo reclama: “Vocês, cristãos, são pérfidos, porque se necessitam de mim sempre vêm me encontrar, mas depois que realizam seus desejos imediatamente me renegam e retornam ao seu Cristo, que muito clemente os recebe de volta. Mas se você quer que eu atenda sua vontade, escreva com a própria mão um documento pelo qual renuncia a Cristo, ao batismo, à fé cristã, e reconheça que é meu escravo, aceitando a condenação no Juízo.” O homem concorda, e o Diabo satisfeito, faz a moça se apaixonar pelo escravo e pedir ao pai dela permissão para se casar com ele.260 Outra história conhecida de pacto diabólico é a de Teófilo, que data do século VI. De acordo com o bispo Fulberto de Chartres, no ano de 537 havia na Sicília um clérigo chamado Teófilo, para quem foi oferecido o bispado quando o bispo anterior morreu. Teófilo recusou a honra, arrependendose posteriormente, pois o novo bispo o privou dos seus ofícios e dignidades. Enfurecido, Teófilo conspirou para recuperar a sua influência e buscar vingança. Ele consultou um judeu especialista em magia, que disse poder lhe ajudar levando-o para ver o Diabo. Por ordem deste último, “Teófilo renegou Cristo e sua mãe, renunciou à condição de cristão, escreveu com seu próprio sangue a renúncia e a abjuração, selou-o com o seu anel, entregou o escrito selado ao demônio e entrou a seu serviço”261. Então, veio a hora final do Diabo reivindicar sua alma em pagamento, enviando demônios para arrastar o clérigo corrupto ao Inferno. Apavorado, Teófilo se arrependeu do seu pecado e pediu a ajuda de Maria, que intercedeu a seu favor.262 É interessante notar que a ideia de pacto se ajusta à tradição da homenagem feudal. Da mesma forma que esta última, há um juramento que torna o indivíduo vassalo de alguém, prometendo lealdade, submissão e pedindo em troca proteção. Deve-se ter em conta que o pacto continha o maior pecado de todos: a apostasia, a negação da fé, da crença em Deus. Entretanto, o arrependimento a tempo do indivíduo que realizou o pacto JACOPO DE VARAZZE, op.cit., p. 193–195. Ibid., p. 754. “Théophile renia le Christ et sa Mère, abjura la foi chrétienne, et rédigea un acte de reniement et d’abjuration, qu’il scella ensuite de son anneau, le remettant au démon pour se vouer à son service.”JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 738. 262 JACOPO DE VARAZZE, op.cit., p. 754–755. 260 261

99 diabólico podia fazer um santo, ou até mesmo a Virgem, se apiedar e ajudar a desfazer o erro – ou seja, “passar a perna” em Satanás é possível, como o próprio reconhece acima. A misericórdia divina é tão grande que perdoa os pecados desde que o indivíduo se arrependa: “Enquanto a misericórdia divina espera atos de penitência por parte de um homem, não o abandona”. 263 Muitas vezes, os demônios falham em tentar persuadir os indivíduos a pecar através de sua argumentação. Então o Diabo pode provocar desastres naturais como tempestades e tormentas ou epidemias. Certo dia, quarenta homens vieram por mar encontrar o apóstolo [Santo André] a fim de receber dele a doutrina da fé, mas o diabo provocou uma tormenta que matou todos. As ondas levaram seus corpos até a praia onde estava o apóstolo, que imediatamente os ressuscitou.264 Então o diabo, com a permissão de Deus, atacou com uma febre que matou muitas pessoas e rebanhos e anunciou por meio dos endemoniados que reinaria uma grande mortandade em toda a Antioquia se Justina não aceitasse se casar.265

Quando não consegue seus propósitos mediante a palavra, o demônio passa a ação violenta e se introduz forçosamente na alma e no corpo do ser humano. Como se pode constatar nos inúmeros relatos da Legenda Áurea.

4.5. Os casos de possessão e exorcismo

Jacopo de Varazze relata vários milagres dos santos relacionados ao exorcismo de almas diabolizadas. Trata-se de embates em que o bem e o mal se enfrentam de forma direta e o homem se encontra no centro desta disputa. Vemos nas narrativas que o espírito maligno, através do possesso, grita, vocifera, fenômeno que é frequente. Ou ainda, ele dá uma força extraordinária ao demoníaco. A

JACOPO DE VARAZZE, op.cit. p.808. “Aussi longtemps qu’il y a espoir de repentir, la miséricorde divine accompagne les hommes.”JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 795. 264 JACOPO DE VARAZZE, op.cit.p.62. Grifo meu. “Des hommes, au nombre de quarante, étaient venus en bateau auprès de l’apôtre, afin de recevoir de lui l’enseignement de la foi; mais le diable déchaîna la mer et tous sans exception furent noyés. Comme leurs corps avaient été rejetés vers le rivage, ils furent portes devant l’apôtre et immédiatement ressuscites par lui.” JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 21. 265 JACOPO DE VARAZZE, op.cit.p.791. Grifo meu. “Alors, avec la permission de Dieu, le diable l’épuisa de fièvres, tua plusiers personnes avec leurs troupeaux et leurs bêtes de labour, et fit proclamer par des démons qu’il y aurait beaucoup de morts dans tout Antioche si Justine ne consentait pas à se marier.” JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 788. 263

100 ação dos demônios pode também se manifestar pela mudez, acompanhada ou não de outras manifestações. O indivíduo endemoniado ou possesso adquire características próximas da loucura. A gesticulação excessiva está relacionada com a possessão. Outra característica importante é a agressividade. Mas é importante destacar que todos os males relacionados à possessão como a mudez, surdez, paralisia, também são mostrados nos Evangelhos sem nenhuma menção aos espíritos malignos. Esses males são combatidos através de meios que não possuem absolutamente nada em comum com os exorcismos. Assim, como afirma F. Catherinet: “maladie nerveuse et possession diabolique, ne coincident pas exactement.”266 De acordo com os teólogos, o demônio, quando se instala dentro do corpo do indivíduo, atua no ponto de ligação entre a alma e o corpo. A alma é indivisível, mas possui duas faculdades: uma de ordem sensível (relacionada com a sensibilidade e a imaginação) e a outra de ordem intelectual (relacionada com a inteligência e a vontade). Esse ponto de ligação é justamente da sensibilidade e o sistema nervoso - pertencente ao corpo - o que permite a transmissão de ordens da vontade ao corpo e aos seus movimentos. Nesse sentido, o demônio não pode agir diretamente sobre a inteligência ou sobre a vontade do indivíduo. O que ele pode fazer é atingir o domínio da imaginação e da sensibilidade, provocando ilusões.267 O endemoniado nos é apresentado como aquele que sofre por estar tomado pelo demônio. Esta ação demoníaca é opressora, tornando o indivíduo um instrumento passivo do poder do mal. Este ato não se exerce de fora para dentro e sim de dentro para fora, o que é bastante grave. Trata-se de uma invasão, sem consentimento. A mulher é o principal alvo em várias ocasiões, como diz o arcebispo Teófilo a uma mulher impedida de ver o ainda abade Arsênio: “Você não sabe que é por meio das mulheres que o inimigo ataca os santos?”268 Na verdade, a mulher é considerada uma aliada do Diabo na maior parte das ocasiões, a ponto de um demônio, vendo uma mulher tentar um homem, dizer a seus companheiros:

CATHERINET, F. M., Les démoniaques dans l’Évangiles, in: Satan - Études Carmélitaines, Tournai: Desclée De Brouwer, 1948, p. 324. 267 Ibid., p. 325–326. 268 JACOPO DE VARAZZE, op.cit. p.985. “Ne sais-tu pas que tu es une femme et que l’Ennemi fait la guerre aux saints par les femmes?”JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 999. 266

101 “Vejam como ela abala o que não pudemos abalar”. 269 Na Legenda Áurea é clara a dicotomia entre dois tipos de mulher: a virgem – tendo como modelo a mãe de Cristo, a Virgem Maria -, e a pecadora em potencial – relacionada à Eva. Esta última teria, de acordo com Santo Agostinho, citado por Jacopo, tomado o pecado emprestado do Diabo, assinado um documento reconhecendo isto e dado como garantia de juros o futuro da humanidade. 270 Do mesmo modo que o diabo tentou a mulher para levá-la à dúvida, da dúvida ao consentimento, do consentimento à queda, o anjo anunciou à Virgem para estimular sua fé e levá-la da fé ao consentimento, do consentimento à concepção do Filho de Deus. 271

A mulher era considerada um ser mais débil que o homem e, portanto, mais passível de ser tomada pelo demônio do que seu companheiro. Além do mais, acreditava-se que sempre se comportava de um modo diabólico, tentando o homem para que caísse no pecado da luxúria.

Nessa mesma época, animada pelo demônio, uma moça entrou nua no leito em que ele [São Bernardo] dormia; percebendo sua presença, ele tranqüila e silenciosamente cedeu-lhe sua parte da cama indo bem para o lado, virou-se de costas e dormiu. A miserável ficou quieta alguns instantes, depois começou de novo a apalpá-lo e excitá-lo, e como ele permanecia imóvel, mesmo sendo muito impudica ela enrubesceu, tomada de imenso horror e admiração, levantou-se e fugiu.272

A mulher era considerada mais suscetível às artimanhas do demônio. Santo Apolinário se deparou com uma jovem possuída no momento em que entrou na casa de um mudo para curá-lo. Neste caso, o demônio pensa que exerce algum poder sobre as pessoas naquela cidade, entretanto é obrigado a obedecer ao santo e é expulso do corpo da jovem.

JACOPO DE VARAZZE, op.cit.p.1000. “Vous voyez comment cette fille a pu atteindre ce que nous n’avons pu atteindre”. JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 1016. 270 JACOPO DE VARAZZE, op.cit.p.328. “[...] Augustin dit: ‘Éve a emprunté le péché au diable; elle a écrit le contrat, a donné un garant et les intérêts à payer se sont accumulés pour sa postérité. En effet, elle a emprunté le péché au diable quand, à l’encontre du précepte de Dieu, elle a suivi sa mauvaise suggestion; elle a écrit le contrat quand elle a tendu la main vers le fruit défendu; elle a donné un garant quand elle a fait consentir Adam au péché; et ainsi les intérêts du péché se sont accrus pour sa postérité.” JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 276. 271 JACOPO DE VARAZZE, op.cit. p.311. Grifo meu. “Ainsi, de même que le diable tenta la femme pour la pousser vers le doute, et par le doute vers le consentement, puis par le consentement vers la chute, de même l’ange fit son annonce à la Vierge afin de la conduire vers la foi par cette annonce, puis par cette foi vers le consentement, et enfin par ce consentement vers la conception du Fils de Dieu.” JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 258. 272 JACOPO DE VARAZZE, op.cit. p.683. “À peu près à la même époque, à l’instigation du démon une jeune fille s’introduisit nue dans son lit alors qu’il dormait; lorsqu’il s’en aperçut, en toute sérénité et en silence, il lui laissa la partie du lit dont elle avait pris possession, et après s’être tourná de l’autre cote, il se rendormit. La misérable resta tranquille un moment et attendit, puis elle se mit à le toucher et à le caresser avec beaucoup d’insistence; enfin, devant son immobilité, malgré toute son impudeur, elle rougit et, remplie d’horreur et de stupéfaction, elle se leva et s’enfuit.” JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 658–659. 269

102 Uma jovem possuída por um espírito imundo começou a gritar: “Saia daqui, escravo de Deus, ou farei que amarrem seus pés e mãos e que o expulsem da cidade!”. Apolinário imediatamente repreendeu o demônio e expulsou-o.273

Alguns santos são especialistas em curar pessoas demonizadas, como mostram suas hagiografias. O exorcismo é um poder conferido por Jesus aos apóstolos e aos discípulos, mas também conservado na Igreja. Tinha um uso corrente e público no cristianismo primitivo a noção de que um dos princípios básicos do cristianismo era o combate aos demônios. Por isso a capacidade de expulsar os diabos é tida como um carisma de Jesus e seus discípulos, um argumento de divindade do cristianismo. São Bartolomeu é um conhecido exorcista, que devido a sua fama é chamado para curar a filha de um rei (Polêmio): O apóstolo foi, e ao vê-la presa com correntes porque dilacerava com mordidas os que se aproximavam dela, mandou soltá-la. Como os servidores não se atreviam a chegar perto, ele disse: “Tenho amarrado o demônio que estava nela e vocês têm medo?”. Ela foi desamarrada e no mesmo instante ficou curada.274

A princesa possessa, como vimos, exibe uma força descomunal, uma característica dos demoníacos. Suas mordidas são tão fortes que podem dilacerar as pessoas. O santo demonstra sua experiência no combate ao Demônio através da tranquilidade com que lida com a situação. Ele afirma que já controlou (“amarrou”) o demônio que possuía a jovem, assim mostra que já está com a situação controlada. Os pagãos são, geralmente, alvos do Diabo e mais sujeitos à possessão. Assim como vários povos que não seguem a ortodoxia cristã, os arianos aparecem como endemoniados nos relatos da Legenda Áurea. Um exemplo aparece na narrativa sobre Santo Ambrósio: Naquela época havia em Milão um grande número de pessoas possuídas pelos demônios, e que gritavam em voz alta que eram atormentadas por Ambrósio. Justina e muitos outros arianos diziam, por sua vez, que tais pessoas tinham sido subornadas por Ambrósio para se dizerem endemoniadas. Certo dia um ariano possuído pelo demônio começou de repente a gritar: “Que todos os que não creem em Ambrósio sofram o que estou sofrendo”. Confusos, os arianos afogaram aquele homem numa piscina.”275

JACOPO DE VARAZZE, Legenda áurea: vidas de santos, p. 555. Ibid. p.698. 275 JACOPO DE VARAZZE, op.cit., p. 357. “Il y avait aussi à Milan, em ce temps-là, de nombreuses personnes possédés par les démons, qui clamaient fort qu’elles étaient torturées par Ambroise. [...] Alors, l’un de ces ariens fut aussitôt envahi 273 274

103

Vê-se nesse caso que as pessoas não acreditam se tratar de uma possessão e sim pensam ser uma farça do santo. A mesma descrença cerca Jesus nos relatos do Evangelho. De acordo com estas narrativas, muitos acreditam que Cristo estaria aliado ao mal, causando os distúrbios que ele próprio diria curar depois. Aliás, cabe lembrar que o poder de expulsar os demônios é passado de Jesus para os apóstolos e depois para os santos como uma herança. Assim como na história de Santo Ambrósio, muitos dos casos de possessão descritos são de pessoas que insultaram os santos de alguma forma, como uma espécie de punição. É interessante também mencionar o caso do abade Vidal, que foi insultado por supostamente manter relações com prostitutas, quando, na verdade, tentava convertê-las à fé cristã:

Uma manhã, ao sair da casa de uma delas, encontrou alguém que entrava para fornicar e que lhe deu uma bofetada, dizendo: “Celerado, quando vai se emendar e abandonar suas imundícies?”. E ele respondeu: “Acredite, devolverei a bofetada de tal forma que toda Alexandria escutará”. De fato, algum tempo depois o diabo, sob forma de mouro, deu naquele indivíduo uma bofetada dizendo: “Este tapa é da parte do abade Vidal”. No mesmo instante o homem foi possuído pelo demônio e deu tais gritos que muita gente juntou-se ao seu redor, mas ele fez penitência e foi liberado pelas orações de Vidal.276

Neste caso é importante notar que o diabo não está somente executando uma punição a um pecador, mas também está vingando o santo, ou melhor, realizando a vingança divina contra aquele que insultou um homem de Deus. Aqui entra outra consideração a ser feita: Deus não somente permite que os demônios atuem, respeitando o livre-arbítrio de todos os seres, mas também, em certos momentos, parece que eles possuem uma função definida na Providência Divina. Os demônios agem como “fiscais” de Deus:

Os demônios são fiscais de Nosso Senhor destinados a punir nossos excessos. Como não me lembro de ter cometido uma falta que não tenha expiado com a misericórdia de Deus e com penitência, talvez Ele tenha permitido que seus fiscais se lançassem sobre mim porque continuo hospedado na corte de nobres, o que pode despertar suspeitas em meus

par un démon, se précipita au milieu de la foule et se mit à crier : « Qu’ils soient torturés comme je suis torturé, ceux qui ne croient pas en Ambroise ! » Mais les autres, confondus, jetèrent l’homme dans un bassin et le tuèrent. “ JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 303–304. De acordo com a tradução organizada por Alain Boureau, o endemoniado é jogado numa bacia, e não numa piscina como Hilário Franco Júnior traduz. 276 JACOPO DE VARAZZE, op.cit. p.201.

104 pobrezinhos frades vendo-me no meio de abundantes delícias.277

Portanto, os demônios cumprem a função de cobrar, censurar e corrigir os fiéis em nome de Deus, o que, consequentemente, não os configura como inimigos de Deus, pelo contrário, fazem parte de seus planos para os homens, testando a sua fé. Quando se tem a suspeita de que um indivíduo não vai se regenerar e cometerá pecados graves outras vezes já se sabe o que deve acontecer:

Um homem que havia cometido um crime terrível foi levado diante de Ambrósio, que disse: “É preciso entregá-lo a Satanás para mortificar sua carne, pois temo que ele tenha a audácia de cometer outra vez crimes iguais”. No mesmo instante em que dizia essas palavras, o espírito imundo dilacerou aquele homem.278

O Diabo, além de estar subordinado a Deus e ter uma função definida pela Divina Providência, ainda obedece uma ordem em nome do Senhor, como no relato sobre São Tomé: “ ‘[...] Senhor Jesus Cristo, em nome do qual ordeno, demônio escondido nesta imagem, que a quebre’. E a imagem desapareceu imediatamente, como cera que se derrete.”279 Assim, o mal parece ter por última finalidade um bem maior. Muitas vezes o demônio se utiliza da possessão para enviar uma mensagem em favor dos cristãos: “Nesse momento uma virgem do templo, chamada Juliana, foi possuída pelo demônio e gritou: ‘O Deus de [São] Calisto, o Deus vivo e verdadeiro, está indignado com nossos erros’.” 280 Neste caso o diabo usa o corpo de uma jovem para transmitir a indignação de Deus com o povo daquela região, que fazia, no momento, um sacrifício ao deus Mercúrio. Este fato poderia reforçar ainda mais a ambiguidade dos demônios: se eles realmente desejam a danação dos homens, por que então avisálos de que estão no erro? O demônio nas hagiografias revela a Verdade através da boca do possesso. O ato de interrogar os demônios através dos possessos é um recurso narrativo com o intuito de levar o acesso Ibid.pp.840-841. Grifo meu. “Ces démons sont les prévôts de notre Seigneur; il les envoie punir nos excès.” JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 826. 278 JACOPO DE VARAZZE, op.cit.p.359. Grifo meu. “Il faut qu’il soit livre à Satan pour la destruction de sa chair, afin qu’il n’ose plus commettre de tels actes.” JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 305. 279 JACOPO DE VARAZZE, op.cit.pp.87-88. “L’apôtre, en langue hébraïque, ordonna donc au démon qui se trouvait dans l’image de briser l’idole dès qu’il aurait fréchi les genoux devant elle. L’apôtre fréchit alors les genoux et dit: ‘Regarde! J’adore, mais non point cette idole. J’adore, mais non point ce metal. J’adore, mais non point cette image. J’adore nom Seigneur Jésus-Christ, au nom duquel je t’ordonne, à toi le démon qui te cachês en cette image, de la détruire’. Aussitôt, elle se liquéfia comme de la cire.” JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 47–48. 280 JACOPO DE VARAZZE, op.cit.p.864. “Pendant la cérémonie une vierge du temple, nommée Julienne, saisie par un démon, s’écria: ‘Le dieu de Calixte est le Dieu vrai et unique, qui est indigne de nos souillures’.” JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 849–850. 277

105 aos conhecimentos sobre as questões espirituais. Por seu caráter de exemplaridade, por toda a carga simbólica que carrega, o ritual do exorcismo abre espaço para que haja esse questionário, em que o diabo profere a Verdade da Igreja. Através do possesso, o demônio fala abertamente sobre o seu papel na Providência divina e o poder de Deus que não pode ser superado por nenhuma outra força. A pesquisadora Florence Chave-mahir defende que os possessos tomam uma função profética nos exempla, papel este que serve aos propósitos da Igreja de ensinar o caminho correto aos cristãos e defender suas doutrinas diante das ameaças representadas pelas heresias. Le prophétisme démoniaque tel qu'il se développe dans les exempla est d'un type particulier. Il s'agit de révélations qui touchent la vie quotidienne des hommes ainsi que la foi dans sa dimension la plus concrête. Contrairement aux faux prophètes qui sont stigmatisés au XIVe siècle, alors que le soupçon pèse sur la sainteté de certaines femmes, le prophétisme du démoniaque est au service de l'Église. Il affirme les vérités de la foi à un moment où elles sont contestées par les hérétiques. Les possédés des exempla sont, entre 1220 et 1260, des agents destinés à légitimer les choix de l'Église et à combattre les hérésies. A cette époque, la persuasion est encore d'actualité, toutes les forces de l'Église ne sont pas encore concentrées dans la persécution. Qui mieux que le diable, dont les hérétiques sont censés être les suppôts, peut les ramener dans le droit chemin de l'orthodoxie? 281

Na narrativa sobre São Bernardo há um interessante interrogatório em que o demônio afirma que Deus é superior a todas as coisas e que sua atuação depende da permissão divina: “Como eu adoraria sair desta velhinha! Como eu sofro dentro dela! Como eu adoraria sair! Mas isto não é possível, pois o grande Senhor não o quer.” O santo perguntou-lhe: “Quem é o grande Senhor?” E ele respondeu: “Jesus de Nazaré”. E o santo: “Você já o viu?” O diabo disse: “Sim”. Bernardo perguntou: “Onde você o viu?” “Na glória celeste”, disse o diabo. E o santo: “Você esteve na glória celeste?” O diabo: “Sim”. “Como você saiu?”, perguntou o santo. “Nós somos numerosos caídos com Lúcifer.” O santo perguntou: “Você gostaria de voltar para a glória celeste?” E o diabo começou a rir e disse: “É tarde demais.”282

Em outras ocasiões, as possessões curadas pelos santos através de exorcismos podem garantir conversões à fé cristã. Este é o caso de um endemoniado curado por São Marcos, evangelista. Ele, após ser libertado dos demônios, reconhece a autenticidade da fé cristã e torna-se um devoto283. O Novo Testamento coloca o exorcismo no contexto da demonstração pública. Jesus livra os

CHAVE-MAHIR, Florence, Une parole au service de l’unité: l’exorcisme des possédés dans l’Eglise d’occident (XeXIVe siècle, Tese de Doutorado, Université Lumière – Lyon 2, Lyon, 2004, p. 282. 282 JACOPO DE VARAZZE, op.cit. p.690; JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004., p.666. 283 JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 323. “Un marin qui était encore incrédule fut saisi par le démon et fut tourmenté jusqu’à ce que, conduit devant le corps [de saint Marc], il proclame sa croyance en son authenticité. Libéré du démon, il rendit gloire à Dieu et, désormais, il eut une grande dévotion pour saint Marc. ” 281

106 indivíduos dos demônios e reivindica este poder publicamente. Isto ocorre diversas vezes na Legenda Áurea, em que o exorcismo contribui para a conversão cristã a partir do momento em que traz uma opção de cura para a doença da possessão fisiológica. Alguns exorcismos correspondem à luta contra o paganismo (Bartolomeu, Ciríaco, Pedro, João e Paulo e Ambrósio). Muitos exorcismos são contados de forma breve, os textos não os valorizam (Vito, Gervásio e Protásio, Donato, Egídio). De forma clássica, as relíquias dos santos podem curar os possessos (Sebastião, Marina). A possessão aparece nas narrativas da Legenda Áurea como o sintoma de uma crise individual estimatizando o pecador, mas também como a manifestação de uma crise mais profunda da sociedade. É como se o possesso vivesse no corpo as tensões da sociedade dividida pelas transformações do século XIII. A figura do endemoniado é pedagógica no sentido de explicitar as angústias provocadas pelo pecado e, principalmente, pois o demônio fala através de sua boca. Nesta fala, o diabo revela a Verdade da fé, explicita o poder de Deus e de seus representantes e conta detalhes sobre sua natureza e trajetória. O santo surge como um personagem providencial, que segue o exemplo de Cristo e é capaz de findar com a possessão e a ameaça representada pelo diabo. O poder de pôr fim à possessão de um indivíduo se transforma em capacidade de resolver os conflitos e restaurar a ordem. O endemoniado, por sua vez, através do exorcismo, encontra uma forma de voltar para comunidade cristã da qual estava apartado no momento da possessão.

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3ª PARTE: VER PARA CRER

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CAPÍTULO 5 – O FAZER CRER: AS IMAGENS NOS MANUSCRITOS DA LEGENDE DORÉE

5.1. Jean de Vignay e a Légende dorée

A tradução francesa de Jean de Vignay284 da Legenda Áurea (c.1333) foi uma das pelo menos seis outras produzidas na França durante o período final da Idade Média285. Sua tradução, no entanto, distingue-se por ter sobrevivido em cerca de 34 manuscritos e três incunábulos286. De acordo com Paul Meyer das outras seis traduções, existem apenas uma ou duas cópias de cada uma.287 Butler encontra oito cópias de uma versão de Jean Belet, no entanto Meyer e Butler concordam que, provavelmente, foram copiadas de diferentes fontes e não podem ser adequadamente classificadas como uma tradução do texto de Jacopo de Varazze288. Como a tradução de Vignay sobrevive no maior número de exemplares, poderia ser descrita como a mais difundida das traduções francesas. Das onze traduções de Jean de Vignay, pelo menos quatro – os Épîtres et Évangiles, o Miroir Historial, a Chronique de Primat e a Légende Dorée – foram feitas para Joana da Borgonha, rainha da França. O Directoire pour faire le passage de la Terre Sainte, o Miroir de l’Église e os Enseignements

Jean de Vignay era certamente de origem normanda, é muito provável que tenha nascido próximo à região de Bayeux, por volta de 1282-1285. Na maior parte dos manuscritos de suas obras os copistas lhe dão o título de “hospitalier de l’Ordre de saint Jacques du Haut Pas”. A data de morte de Jean de Vignay permanece desconhecida. 285 1. Segunda metade do século XIII. Representada por dois manuscritos: Tours, Bibl. mun. MS 1008, e Modena, Bibl. d'Este MS 116. 2. Tradução anônima feita por Beatris de Bourgogne, que morreu em 1329. Apenas um manuscrito do século XV é sobrevivente, Paris, Bibl. Nat. MS fr. 23114. 3. Representada por Florença, Bibl. Laur. MS Med-Pal 141, que é datada de 1399. 4. Tradução de c. 1300. Dois manuscritos são existentes: Paris, Bibl. Nat. MS fr. 20330 e outro no seminário de Puy-enVelay. Essa tradução, por Jean Belet, é discutida por P. Meyer, "Notice sur trois légendiers français atributos de e à Jean Belet", Notices et des extraits manuscrits, XXXVI (1899), 409-485 5. A tradução de Vignay 1333-4. 6. Tradução do século XIV. Representada por Paris, Bibl. Nat. MS fr. 1534. 7. Tradução do século XV. Representada por Paris, Bibl. Nat. MS fr. 15475. 286 KNOWLES, Christine, Jean de Vignay, un traducteur du XIVe siecle, Romania, v. 75, p. 353–83, 1954, p. 377–378., listou 22 manuscritos da tradução de Jean de Vignay do tipo “a”, sete do tipo “b”, dois “c”, e duas seleções. MANNING, Warren Francis, The Jean de Vignay version of the life of Saint Dominic., Archivum fratrum praedicatorum, v. 40, p. 29– 46, 1970, p. 40–46. adicionou mais três. A lista mais completa foi fornecida por RUSSELL, "Evidence for a Stemma for the De Vignay MSS: St. Nicholas, St. George, St. Bartholomew and All Saints", B. Dunn-Lardeau (ed.), Legenda Aurea: Sept Siècles de Diffusion (Paris, Montreal, 1986), p.132; e HAMER; RUSSELL, "A Critical Edition of Four Chapters from the Légende Dorée", Mediaeval Studies, 51 (1989), pp.130–204. 287 MEYER, Paul, Notice du MS. Med.-Pal. 141 de la Laurentienne, Romania, v. 33, p. 1–49, 1904, p. 3–5. 288 BUTLER, op.cit., p. 22. MEYER, op.cit. 1904, p. 4–5. 284

109 de Théodore Paléologue foram traduzidos para o rei Filipe VI de Valois. O Jeu des Échecs foi dedicado a seu filho João, duque da Normandia.289 A tradução da Legenda Áurea de Jacopo de Varazze, de acordo com Christine Knowles290, é muito fiel ao texto latino nos primeiros manuscritos. Com o tempo, a ela foram acrescidas passagens de vários autores desconhecidos, para terminar numa versão, no século XV, que só em parte é obra de Jean de Vignay. Knowles291 chama a atenção para o fato de que Jean de Vignay indica muito claramente em seu prólogo que a tradução da Legenda Áurea foi iniciada logo depois do término do Miroir Historial. Este foi terminado provavelmente em 1333. Assim, é natural pensar que a Légende Dorée foi iniciada em 1333 ou 1334. Pour la quel chose quant je oi parfait. le mireour des hystoires du monde et translatai de latin en francois. a la requeste de tres haute poissant et noble dame. ma dame iehanne de borgoigne roine de france par la grace de dieu.292

Os prólogos das duas obras iniciam-se por citações de autoridades tais como São Jerônimo, Santo Agostinho, São Bernardo para provar os perigos da ociosidade; e todos os dois dão, como primeira razão de ser da obra, a necessidade do trabalho como um bem em si mesmo. Me sire saint ieroisme dit ceste auctorite. fai touriours aucune chose de bien. que le deable ne te truisse oiseus. Et me sire saint augustin dit. el liure des moines. que nul homme puissant de labourer. ne doit estre oiseus.293

O prólogo da Légende Dorée dá como razão secundária: Et pour ce que il mest aduis que ce est souuerain bien que de faire entendre as gens qui ne sont pas lettres. les natiuitez. les vies les passions et les mors des sains et aucuns autres fais notoires des temps passez. me sui ie mis a translater en francois. la legende des sains qui est dite legende doree.294

KNOWLES, op.cit., p. 353. Ibid., p. 364. 291 Ibid., p. 365. 292 JEAN DE VIGNAY. Prologue. In: JACQUES DE VORAGINE. La Légende dóree, BNF, fr.241, f.1, col.1. 293 Ibid. 294 Ibid., col.2. 289 290

110 Marie Guérinel-Rau295 nos lembra que esta frase citada acima tem sido usada por alguns para mostrar que o público era exclusivamente aristocrático296, provavelmente devido a uma má interpretação da palavra "soberano". A posição social dos detentores de manuscritos ilustrados franceses que chegaram até nós realmente é rica neste sentido. Mas outros297 citam outra frase do prólogo de Vignay, em que ele explica que escreveu "au profit de lame de moy et a ledification de ceulx et celles qui ces livre liront ou orront" O tradutor dedica a tradução para Joana da Borgonha298, mas visa a um público muito mais amplo, aqueles que não possuem o conhecimento do latim, pelo menos em seu discurso. Assim, Jean de Vignay aponta que sua tradução foi realizada primeiramente porque era algo de bom a se fazer para se manter ativo e combater a ociosidade. Além disso, para o tradutor era importante que todos conhecessem as vidas dos santos e fatos notórios de tempos passados. Jean de Vignay não diz que esta obra foi produzida a pedido da rainha Joana da Borgonha, ao contrário da tradução do Miroir Historial. Vignay apenas dedica a tradução à rainha. Para Christine Knowles299, o tradutor, encontrando-se naquele momento sem encomenda, pode ter começado a Légende Dorée, talvez em 1333, sem a intenção de oferecer mais tarde à Joana. Para Hilary Maddocks300, como sugerido pelo prólogo de Vignay e o número de manuscritos existentes, o patrocínio aristocrático da tradução e a sua fidelidade à fonte latina não são independentes: “Car aussi comme lor est le plus noble sur touz les autres metaulz. aussi est ceste legende tenue plus noble sur toutes autres."301. A palavra "nobre" também é usada para descrever GUÉRINEL-RAU, Marie, La Légende Dorée conservée à la Bibliothèque Municipale de Rennes, Dissertação de Mestrado, LMU, Munique, 2007, p. 31. 296 MADDOCKS, Hilary, “Picture for aristocrats: the manuscripts of the Légende Dorée”, In: MANION; MUIR, Medieval text and images. Studies of manuscripts from the Middle Ages, Chur, Harwood Academic Publishers, 1991, pp3-4. 297 BOURGNE, Florence, “Translating saints’ lives into vernacular : translatio studii and furta sacra”, In: ELLIS; TIXIER (ed.), The medieval translator, traduire au Moyen Age, Turnhout, Brepols, 1996, p.54. 298 A rainha Joana da Borgonha era conhecida por sua religiosidade e tinha uma estreita relação com o papa Clemente VI. Guillaume Mollat afirma que os dois se conheceram antes da eleição pontifical, mas não se sabe em quais circunstâncias. Entre eles reinava “uma afeição sincera e recíproca”, como uma carta de 29 de dezembro de 1349 afirma. Numa outra ocasião, o papa classificou Joana como “sua filha preferida no Senhor”. No início de seu pontificado, Clemente VI recebeu do rei Filipe de Valois e de Joana um suntuoso relicário contendo as relíquias que provinham de Sante-Chapelle. Desde então, a rainha multiplicou os presentes para o papa: tecidos finos, queijos, dentre outros. Por sua vez, Clemente VI concedia favores extraordinários à rainha, como tocar os objetos sagrados – privilégio reservado somente aos clérigos – e receber a comunhão com o vinho. O número de favores destinados à Joana da Borgonha parecia verdadeiramente menor em comparação com os múltiplos serviços de ordem temporal que solicitava Clemente VI, em particular a obtenção de dons para alguns laicos e algumas pessoas da Igreja. MOLLAT, Guillaume, Clément VI et Jeanne de Bourgogne, reine de France, Comptes-rendus des séances de l’Académie des Inscriptions et Belles-Lettres, v. 101, n. 4, p. 412–419, 1957. 299 KNOWLES, op.cit., p. 365–366. 300 MADDOCKS, op.cit. 1990, p. 15–16. 301 JACQUES DE VORAGINE, Légende dorée, 1348. BNF, ms. fr. 241, f.1, col.2. 295

111 Joana da Borgonha, indicando a importância tanto do texto quanto da provável comanditária. Vignay, quando utiliza a palavra “noble”, parece estar se referindo ao original latino de Jacopo de Varazze, o que implica que a sua tradução deriva de uma fonte de prestígio. A natureza superior de sua tradução também é ressaltada por sua menção de que foi tomado do latim diretamente. Também é provável, para Maddocks, que os manuscritos deste texto levassem o mesmo ar de respeitabilidade e como consequência foram altamente prestigiados, o que explicaria os números existentes. Esta sugestão de que a Legenda Áurea e, portanto, a Légende Dorée foram textos prestigiados é consistente com o argumento de Sherry Reames de que a Legenda Áurea foi um compêndio hagiográfico "oficial", em grande parte, por causa da sua promoção ativa por parte das autoridades da Igreja.302 No entanto, enquanto este argumento pode oferecer alguma explicação sobre a sobrevivência da Legenda Áurea em sua tradução francesa, não leva em conta o aparente entusiasmo com que foi lido pelo público francês dos séculos XIV e XV. Uma compreensão mais clara da forma como este público recebeu e utilizou a Légende dorée pode ser obtida através do estudo dos manuscritos, e mais especificamente, da sua ilustração. Produto da translatio, a Légende dorée suscitou menos interesse do que seu antepassado latino. Houve alguns trabalhos sobre o tradutor Jean de Vignay, mas o interesse que a obra desperta tem se voltado para os seus manuscritos ilustrados. Efetivamente, os antigos métodos de pesquisa frequentemente eram divididos em suas categorias distintas de estudo da imagem e estudo do texto. Os pontos de vista com o tempo foram mudando e os manuscritos se inscrevem hoje no quadro de um estudo pluridisciplinar, incluindo a confecção, o texto, a decoração, a recepção. Em 1899, Pierce Butler303 publicava Legenda aurea – Légende dorée – Golden legend, livro que lançou novamente o trabalho de Jacopo de Varazze em destaque na cena intelectual. Este livro contém uma lista dos manuscritos franceses da Legenda Áurea que Butler tinha então classificado em três grupos: os manuscritos contendo apenas o texto original, manuscritos contendo o original e as novas legendas e, finalmente, manuscritos cuja versão foi completamente revista e organizada. Além disso, diversos textos valiosos ainda estavam preservados em bibliotecas privadas pertencentes a ricos eruditos, tais como Lord Ashburnham. Em artigo também de 1899, Paul Meyer, membro da Académie des Inscriptions et Belles Lettres, relata a venda de manuscritos da coleção do 302 303

REAMES, op.cit. BUTLER, op.cit.

112 inglês cujo catálogo menciona a Legenda Áurea traduzida por Jean de Vignay. Paul Meyer acrescenta à descrição “Ms. assez ordinaire de la fin du XIVe siècle. L. 120. Il ne les vaut pas."304 Meyer destinou uma crítica mordaz ao livro de Pierce Butler em um texto publicado no ano seguinte na revista Romania.305 Na mesma revista, podemos ler um artigo sobre três manuscritos de vidas dos santos que Meyer atribuia a Jean Belet.306 Este último, muitas vezes confundido com Jean de Vignay é um personagem enigmático, provavelmente por causa da existência do teólogo do século XII Jean Beleth, autor de Rationale divinorum officiorum. De qualquer forma, Paul Meyer parece um pouco irritado por Pierce Butler não ter lido a sua obra sobre outras traduções francesas da Legenda Áurea, mas Butler apenas quis mencionar o parentesco entre a tradução de Vignay e a versão em inglês de William Caxton. Alguns anos mais tarde, Meyer reiterou sua crítica na ocasião de um artigo sobre o manuscrito Med.Pal 141 armazenado na Bibliothèque Laurentienne de Florença, obra com a tradução francesa da Legenda Áurea. Ele enumera as várias traduções conhecidas, incluindo a de Jean Belet, que data do final do século XIII ou início do século XIV, e de Jean de Vignay. Então ele diz: “Ces diverses traductions sont médiocres : celle de Jean de Vignai qui a obtenu le plus de succès, est peut-être la plus mauvaise ; c’est un mot à mot inintelligent et dépourvu de style”.307 Levou alguns anos até a publicação do trabalho de Christine Knowles 308, em 1954, sobre a tradução de Jean de Vignay. Seu artigo, que ainda é a grande autoridade sobre o tema, centra-se na vida do tradutor e suas qualidades literárias. Na década de sessenta, Warren Francis Manning309 assumiu o trabalho de Pierce Butler e Christine Knowles para uso como parte de sua pesquisa sobre a vida de São Domingos. Richard Hamer e Vida Russel consagraram seus trabalhos à obtenção de um estema visando a uma edição da versão francesa, da qual publicaram quatro capítulos310. Parece que o projeto ficou em suspenso, uma vez que publicaram uma edição crítica da Gilte Legende311, tradução inglesa realizada por William Caxton em 1438 a partir da versão francesa de Jean de Vignay. Os dois pesquisadores MEYER Paul, Manuscrits Ashburnham vendus à Londres le 1er mai, Romania, v. 28, p. 473-476, 1899. p.474. MEYER, Paul, Comptes-rendus, Romania, v.29, p. 292-293, 1900. 306 MEYER, Paul, Notice sur trois légendiers français attribués à Jean Belet, Romania, v. 29, p. 472–473, 1900. 307 MEYER, op.cit. 1904, p. 6. 308 KNOWLES, op.cit. 309 MANNING, Warren Francis, Les vies médiévales de Saint Dominique en langue vulgaire, Cahiers de Fanjeaux, v. I, p. 48–68, 1966; MANNING, Warren Francis, Les manuscrits et miniatures des vies en langue vulgaire, Cahiers de Fanjeaux, v. I, p. 69–73, 1966. 310 HAMER; RUSSELL, op.cit. 1989. 311 HAMER, Richard Frederick Sanger; RUSSELL, Vida (Orgs.), Gilte legende, Oxford: Oxford University Press, 2007. 304 305

113 compilaram uma lista dos manuscritos da versão de Jean de Vignay retomando e corrigindo o trabalho de Christine Knowles312 e Warren Manning313, cuja investigação incidiu sobre o trabalho do tradutor. Eles conseguiram uma lista de trinta e quatro manuscritos e dois incunábulos, o ponto de partida da pesquisa de Hilary Maddocks. Esta última é a primeira pesquisadora a trabalhar com o corpus constituído por Hamer e Russell. Sua tese314, orientada por Vida Russell e Margaret Manion, apresenta um estudo sobre os manuscritos ilustrados da Légende dorée com a tradução de Jean de Vignay, com uma produção compreendida entre os anos de 1348 a 1500. Paralelamente a esta tese, Hilary Maddocks publicou dois artigos sobre o tema. O primeiro é o resultado de uma comunicação sobre as miniaturas dos manuscritos da Légende dorée por ocasião do colóquio organizado em Montreal em 1983315, o segundo, publicado numa obra editada por Margaret Manion e Bernard Muir316, se detém a demonstrar que as imagens destronaram o texto na história de sua recepção, assunto sobre o qual discutiremos mais tarde. Os manuscritos franceses da Legenda Áurea foram objeto de poucas publicações, que se limitam a mostrar as menções sobre eles contidas nos catálogos das bibliotecas onde estão conservados. Um belo exemplar foi tema de uma tese: trata-se da obra em dois volumes conservada na Pierpont Morgan Library de New York e na Bibliothèque Municipale de Mâcon. Jean Caswell 317 consagrou muitas publicações a esta obra realizada por volta de 1470 por uma dezena de miniaturistas flamengos. Mais recentemente, Véronique Germanier se debruçou sobre a iconografia de Todos os Santos neste manuscrito318. Alguns exemplares selecionados para este estudo foram citados nos trabalhos de Henri Martin319, Jean Porcher320 e Millard Meiss321 no contexto de suas pesquisas sobre

KNOWLES, op.cit. MANNING, op.cit. 1966a. 314 MADDOCKS, op.cit. 1990. 315 MADDOCKS, Hilary, “Illumination in Jean de Vignay’s Légende Dorée”, In: DUNN-LARDEAU (Org.), op.cit. 316 MADDOCKS, Hilary, Pictures for Aristocrats: The Manuscripts of the Légende dorée, in: MANION, Margaret Mary; MUIR, Bernard James (Eds.), Medieval Texts and Images: Studies of Manuscripts from the Middle Ages, Chur, Harwood Academic Publishers, [s.l.]: Taylor & Francis US, 1991, p. 1–23. 317 CASWELL, Jean M., The Morgan-Mâcon Golden Legend and Related Manuscripts, Thesis (Ph D), University of Maryland, 1978. CASWELL, Jean M., The Wildenstein Nativity, a Miniature from the Morgan-Mâcon Golden Legend, The Art Bulletin, v. 67, n. 2, p. 311–316, 1985. CASWELL, Jean M., A Double Signing System in the Morgan-Mâcon Golden Legend, Quaerendo Amsterdam, v. 10, n. 2, p. 97–112, 1980. 318 GERMANIER, Véronique, “L'image de la Toussaint dans la Légende dorée conservée à la Bibliothèque de Mâcon” In: FLEITH, Barbara; MORENZONI, Franco, De la sainteté a l’hagiographie: genèse et usage de la Légende dorée, Genève: Droz, 2001. 319 MARTIN, Henri, La miniature francaise du Xllle. au XVe. siécle, Paris, Bruxelas: Van Ouest, 1923. 320 PORCHER, Jean, Les manuscrits à peintures en France du XIIIe au XVIe siècle, Paris: Bibliothèque nationale de France, 1955. 312 313

114 as miniaturas francesas e flamengas. A publicação recente da edição crítica da Legenda Áurea das Editions Gallimard é dotada de uma contribuição no domínio da história da arte, graças ao estudo de Dominique Donadieu-Rigaut322 sobre as imagens da Legenda.

5.2. As Festes Nouvelles de Jean Golein

Próximo ao ano de 1400, a tradução de Jean de Vignay da Legenda Áurea foi aumentada em 46 vidas de santos e festas, organizadas aproximadamente na ordem do ano litúrgico, começando com Santo Eloy em 1º de dezembro. As Festes Nouvelles, nome que recebeu este apêndice, são novas vidas de santos, principalmente franceses, acrescentadas à versão de Jean de Vignay da Legenda Áurea. Todos estes santos, que incluem entre eles Genoveva e Germais de Paris, Supplice de Bourges e Médard de Noyon, tiveram um significado particular para uma audiência francesa e muitos deles eram adorados em várias igrejas de Paris. Outras festas como a do Santíssimo Sacramento foram novas adições ao calendário. As Festes Nouvelles, como estas adições são chamadas, também incluem a narrativa do Santo Volto. As menções às Festes Nouvelles nos manuscritos são as seguintes: Munich, Staatsbibliothek, MS Gall. 3 Cy commence les histoires des nouuelles trouuees lan mil quatre cens et vng. (f.254)

Paris, Bibliothèque Nationale, MS fr. 242 Cy apres commence la table et les Rubriches des festes nouuevves selon lusage de Paris tranlatees de latin en francois par vn maistre en theologie de lordre de nostre dame du carme. Lan Mil quatre cens et deux. (sumário de capítulos)

Jena. Universitätsbibliothek, MS Gall. f. 86 – (sumário de capítulos) assim como o manuscrito acima. MEISS, Millard, French painting in the time of Jean De Berry: the late Fourteenth century and the patronage of the Duke, London: Phaidon, 1967. 322 DONADIEU-RIGAUT, Dominique, La Légende Dorée et ses images, in: BOUREAU, Alain (Org.), La Légende dorée, Paris: Gallimard, 2004, p. LVIII–CXI. 321

115 Cy apres sensuiuent les Hystoires de la vie des Sains des festes nouuelles depuis nagueres trouuees et translatees de latin en francois de la legende doree Lan de nostre seigneur Mil quatre cens et Vn. Et premierement sensuit lystoire de la vie Monseingneur Saint Eloy. Translatee par vn Maistre en theologie de lordre des carmes. (f. 307)

Geneva, Bibliothèque publique et universitaire, MS 57 Cy apres sensuient Les Intitulacions des festes nouuelles translatees de latin en francois par tres excellent docteur en theologie maistre Iehan Golain de lordre de nostre dame du carme. (sumário de capítulos)

Somente o manuscrito de Genebra traz o nome do tradutor “Iehan Golain”. Jean Golein, nascido em 1325, foi movido da Ordem do Carmo em Rouen em 1351 para Paris, onde se tornou um Mestre em Teologia na universidade. Ele foi Prior dos Carmelitas de Paris, a partir de 1354, e Provincial dos Carmelitas na França, a partir de 1369. Foi um membro do círculo eclesiástico de Carlos V (13381380) com outros como Raoul de Presles e Nicole Oresme, e eles traduziam textos a pedido do rei. Entre outros, ele traduziu o Racional de Guillaume Durand, inserindo um Traité du Sacre. Jean Golein se tornou capelão do papa de Avignon, Clemente VII. No tempo em que vivia novamente com os Carmelitas de Paris, ele deve ter atuado como libraire. Ele morreu em Paris no ano de 1403.323 Richard Hamer324 lembra que a data de 1401 ou 1402 dada por quatro dos manuscritos para a composição das Festes Nouvelles é já o fim da carreira de Jean Golein. A única dúvida sobre esta data surge porque, embora todos os outros manuscritos sejam considerados de comum acordo do século XV, os especialistas têm consistentemente datado o manuscrito de Genebra como sendo do final do século XIV. São 46 Festes Nouvelles e sua ordem é similar em todos os manuscritos que contêm esta adição, embora existam algumas omissões e mudanças na ordem dos capítulos. Três capítulos podem ser considerados acréscimos óbvios à antiga coletânea: Tomás de Aquino (canonizado em 1323), a festa do Sacramento e a Concepção. Vinte e três são vidas de santos franceses, outras que não eram francesas na origem, como Eutrópia, foram para a França, e muitas delas não têm nenhuma origem

HAMER, Richard, Jean Golein’s Festes nouvelles: a Caxton Source, Medium aevum, v. 55, n. 2, p. 254–260, 1986, p. 256. 324 Ibid. 323

116 nos cultos em Paris, incluindo as figuras famosas não francesas de Simeão, Policarpo e Paulino de Nola.325 Um surpreendente aspecto da seleção é a presença de algumas vidas de santos não franceses que parecem muito com outras presentes na Legenda Áurea. Estas são Felícula, Marcelino e Tibúrcio, parecidas com Petronela, Sebastião e Cecília, respectivamente, e Eufêmia, Nazário, Donato e Gordião. Alguns destes santos já estavam na Legenda em grupos de mártires, e suas vidas provavelmente foram repetidas numa versão diferente porque, no momento da adição, vigorava o culto de outro membro do grupo. Repetições muito próximas de vidas de santos individuais, como Donato, são explicadas por Hamer326 pelo fato de que talvez Golein tenha esquecido de que elas já estavam na Legenda Áurea. Escribas de quatro manuscritos da Légende dizem que as Festes Nouvelles foram traduzidas do latim; e Hamer identifica sua fonte como sendo o Speculum Historiale de Vincent de Beauvais.327 Como a tradução inicial de Jean de Vignay da Legenda Áurea, manuscritos desta segunda versão aumentada foram encontrados nas bibliotecas da nobreza francesa e especialmente borgonhesa. A lista destes proprietários conhecidos inclui Filipe o Bom, duque da Borgonha, Philippe de Clèves e Françoise de Luxembourg, Raoul de Goncourt, capelão do rei Carlos VII, Aymar de Poitiers, e Jean d’Auxy, capelão de Filipe o Bom. Ao contrário dos manuscritos em latim, que foram usados pelo clero para pregação e lições, estes em vernacular foram utilizados para leitura privada e como um auxiliar para a devoção em capelas privadas. De modo geral, estes manuscritos da Légende Dorée são típicos exemplos dentre aqueles produzidos entre a segunda metade do século XIV e o início do século XV. A maior parte era adornada com iluminuras caras por um número seleto de ilustradores e na aparência estão de acordo com as expectativas dos ricos bibliófilos.328

Ibid., p. 257. Ibid., p. 257–259. 327 Ibid., p. 259. 328 MADDOCKS, Hilary, The Rapondi, the Volto Santo di Lucca, and Manuscript Illumination in Paris ca. 1400, in: AINSWORTH, Peter F. (Ed.), Patrons, Authors and Workshops: Books and Book Production in Paris Around 1400, Louvain, Paris e Dudley: Peeters Publishers, 2006, v. 4, p. 111–112. 325 326

117

5.3. Os manuscritos da Légende dorée de Jean de Vignay

A tradução de Jean de Vignay da Legenda Áurea, juntamente com as duas versões posteriores, é representada por 34 manuscritos existentes e dois incunábulos. Vida Russell e Richard Hamer329 adicionaram códices e alteraram a lista dos manuscritos localizados por Christine Knowles e W.F. Manning, e dotaram cada manuscrito de uma sigla de acordo com a versão do texto de Vignay que representa. Hamer e Russell também publicaram uma edição crítica em que propõem um estema de quatro capítulos (santos Nicolau, Jorge, Bartolomeu e Todos os Santos). A localização de dois manuscritos, ambos da versão "a" do texto, é desconhecida. Eles podem ser localizados apenas por registros de venda: um catálogo de venda de 1921 da Library of Sir John Arthur Brooke da Sotheby330, e um catálogo da Quaritch de 1931.331 Tabela 2 - Manuscritos da tradução francesa de Jean de Vignay da Legenda Áurea

Sigla TIPO A B1 B2 C F M N P1 P2 P3 P4 P5 P6 P7 Q R S U W Y

Localização

Data

Bruxelas, Bibliothèque Royale, ms. 9226 Bruxelas, Bibliothèque Royale, ms. 9227 Chantilly, Musée Condé, ms. 735 Cambridge, Fitzwilliam Museum, ms. McClean 124 Paris, Bibliothèque Mazarine, ms. 1729 Paris, Bibliothèque de l'Arsenal, ms. 3705 Paris, B.N.F., ms. fr. 241 Paris, B.N.F., ms. fr. 244-45 Paris, B.N.F., ms. fr. 414 Paris, B.N.F., ms. fr. 1535 Paris, B.N.F., ms. fr. 6448 Paris, B.N.F., ms. fr. 17232 Paris, B.N.F., ms. fr. 23113 Londres, British Library, ms. Add. 16907 Londres, British Library, ms. Royal 19.B.XVII Rennes, Bibliothèque Municipale, ms. 266 Quaritch 1931 Arras, Médiathèque, ms. 83 Londres, British Library, ms. Phillips Loan 36/199

c.1405 c. 1400 c. 1365 c.1360 c.1370 c. 1400 1348 c.1480 c. 1404 c.1400 c.1480 ... c.1400 1375 1382 c. 1400 1480 c. 1400 c. 1410

HAMER; RUSSELL, op.cit. 1989. London, Sotheby and Co., Catalogue Of The Valuable And Extensive Library Of The Late Sir John Arthur Brooke , May 25, 1921, lot 1470. O manuscrito é descrito como sendo dois volumes contendo 114 e 126 fólios, respectivamente, 17,5 X 12,5 polegadas, três colunas de texto na página, e decorado com 88 miniaturas e "muitas outras inacabadas". Os volumes vieram da biblioteca do Duque de Sussex. O manuscrito foi vendido para Ellis. O catálogo registra que o manuscrito data do século XIV. MADDOCKS, op.cit. 1990, p. 17. 331 London, Bernard Quaritch, Ltd., A Catalogue of Illuminated and Other Manuscripts Together with Some Works on Paleography (London, 1931), entrada 94. O manuscrito contém 255 fólios e as medidas de 19 x 13,5 cm. O texto está dividido em duas colunas. O volume é decorado com duas miniaturas de página inteira e 217 miniaturas menores, por dois ou três ilustradores diferentes. Foi escrito e ilustrado por Louis le Bâtard de Bourbon, filho de Carlos I, e é datado de 1480. Ibid. 329 330

118 Z X TIPO B Ab Bb Cb Db Eb Fb Gb Hb Jb Mb TIPO C Fc Nc Sc Ac Bc

Londres, British Library, ms. Egerton 645 Edição de B. Buyer, Lyon, 1476 (Londres, British Library, IC 41504)

c. 1450 1476

Bruxelas, Bibliothèque Royale, ms. 9228 Bruxelas, Bibliothèque Royale, ms. 9282-5 Paris, B.N.F., ms. fr. 184 Paris, B.N.F., ms. fr. 242 Paris, B.N.F., ms. fr. 243 Paris, B.N.F., ms. fr. 415-16 Genebra, Bibliothèque Publique et Universitaire, ms. fr. 57 Munique, Bayerische Staatsbibliothek, ms. Gall. 3 Jéna, Universitätsbibliothek, ms. Gall. 86 New York, Pierpont Morg. Lib., ms. M 672-5 et Mâcon, Bibl. Mun. ms. 3

c.1405 c. 1460-85 c. 1402 c. 1402 c. 1415 c. 1415 c. 1400 c. 1430 c. 1420 c. 1470

Cambridge, Fitzwilliam Museum, ms. 22 Paris, Bibliothèque de l'Arsenal, ms. 3682-83 Londres, British Library, ms. Stowe 50-51 Londres, British Library B.L. IC 50152 (Livro Impresso) Cambridge, University Library Inc. ID.40 (2755)

c. 1500 c. 1480 c. 1475

A lista é dividida de acordo com os “tipos” de manuscritos, sendo eles: 

TIPO A – Primeira versão do texto;



TIPO B – Segunda versão do texto, completada em c. 1402, quando o texto original foi aumentado em 40 santos aproximadamente;



TIPO C – Terceira versão do texto, produzida no século XV, na qual a ordem do conteúdo foi alterada e alguns itens inseridos. Ao contrário dos manuscritos da Legenda Áurea em latim, que raramente são ilustrados, quase

todos os manuscritos da Légende Dorée contêm miniaturas. Dos quatro que não são, um tem espaços reservados para a ilustração que nunca foi concluída, e as miniaturas de outro foram retiradas. Os manuscritos não ilustrados da Légende Dorée são: P4, P6, P7 e Z. Este último tem espaços para inúmeras miniaturas. P7 contem apenas algumas miniaturas, que foram retiradas. Da tradução de Jean de Vignay da Legenda Áurea restam 28 cópias ilustradas de 34 manuscritos. Estas 28 cópias ilustradas estão listadas no anexo 1 com as informações sobre procedência, prováveis comanditários e seu conteúdo. Estes dados foram coletados através da bibliografia já mencionada quando mostramos os principais estudos sobre esses manuscritos. Partindo da lista de Hamel e Russell, o corpus documental que analisado nesta pesquisa foi composto de acordo com certos parâmetros. O mais antigo exemplar da tradução de Jean de Vignay

119 que se conhece é o de 1348 (B.N.F., ms. fr. 241) e é dele que se parte para definir o conjunto de manuscritos a serem trabalhados. Este códice, além de ser o mais antigo exemplar, é ilustrado. O manuscrito de Cambridge, localizado no Fitzwilliam Museum, sob a cota MS. 22, produzido em c.1490 é o volume mais recente que conhecemos e também é ilustrado. Um outro critério de definição do corpus foi a presença de imagens. Manuscritos que não são ilustrados não fazem parte do conjunto a ser analisado. A presença de imagens retratando demônios ou animais relacionados a estes também foi tomada como parâmetro. Os manuscritos escolhidos são classificados na lista a seguir não por tipologia, mas por datação.                       

Paris, B.N.F., ms. fr. 241 - 1348 Cambridge, Fitzwilliam Museum, ms. McClean 124 - c. 1360 Chantilly, Musée Condé, ms. 735 - c. 1365 Paris, Bibliothèque Mazarine., ms. 1729 - c. 1370 Londres, British Library, ms. Add. 16907 - 1375 Londres, British Library, ms. Royal 19.B.XVII – 1382 Rennes, Bibliothèque Municipale, ms. 266 - c. 1400 Arras, Médiathèque, ms. 83 - c. 1400 Genebra, Bibliothèque Publique et Universitaire, ms. fr. 57 - c. 1400 Paris, B.N.F., ms. fr. 184 - c. 1402 Paris, B.N.F., ms. fr. 242 - c. 1402 Paris, B.N.F., ms. fr. 414 - c. 1404 Bruxelas, Bibliothèque Royale, ms. 9226 - c. 1405 Paris, B.N.F., ms. fr. 415-16 - c. 1415 Bruxelas, Bibliothèque Royale, ms. 9228 - c. 1420 Jena, Universitätsbibliothek, ms. Gall. fº86 - c. 1420 Munique, Bayerische Staatsbibliothek, ms. Gall. 3 - c. 1430 Bruxelas, Bibliothèque Royale, ms. 9282-5 - c. 1470-1477 Nova York, Pierpont Morg. Lib., ms. M. 672-5 e Mâcon, Bibl. Mun., ms. 3 - c. 1470 Paris, B.N.F., ms. fr. 244-45 - c. 1480 Paris, B.N.F., ms. fr. 6448 - c. 1480 Paris, Bibliothèque de l’Arsenal, ms. 3682-83 - c. 1480 Cambridge, Fitzwilliam Museum, MS 22 – c.1490

Tivemos contato com todos os exemplares ilustrados da Légende dorée de Jean de Vignay em diversos formatos: microfilmes, microfichas, arquivos online e volumes manuscritos. Fez-se consulta ao banco de dados de imagens332 do GAHOM (Groupe d'Anthropologie Historique de l'Occident Médiéval),

332

3.

Ilustrações dos manuscritos: Bibliothèque Mazarine, ms. 1729, Pierpont Morg. Lib., ms. M 672-5 e Mâcon, Bibl. Mun. ms.

120 aos microfilmes e manuscritos da Bibliothèque Nationale de France333 e da Biblioteca do IRHT (Institut de recherche et d’histoire des textes)

334.

Além disso, alguns exemplares estão disponíveis online no

site Gallica da Bibliothèque nationale de France335, no site da Universitätsbibliothek de Jena336, na Bayerische Staatsbibliothek de Munique337. O anexo 1 apresenta uma rápida descrição de todos estes manuscritos ilustrados. Para tentarmos recuperar o circuito ao qual cada manuscrito do corpus pertence, no anexo 2 apresentaremos fichas para cada exemplar, baseadas na consulta de seus microfilmes, microfichas, arquivos online ou volumes manuscritos. O objetivo é fornecer as informações coletadas durante a observação e leitura da bibliografia de estudo. Os registros consistem numa descrição histórica, textual e iconográfica. De acordo com a datação, os exemplares se dividem desta forma: 1ª metade do século XIV 2ª metade do século XIV 1ª metade do século XV

2ª metade do século XV

Paris, B.N.F., ms. fr. 241 1348

Bruxelas, Bibliothèque Royale, ms. 9282-5 - c. 1470-1477 Nova York, Pierpont Morg. Lib., ms. M. 672-5 e Mâcon, Bibl. Mun., ms. 3 - c. 1470 Paris, B.N.F., ms. fr. 244-45 - c. 1480

Cambridge, Fitzwilliam Museum, ms. McClean 124 - c. 1360 Chantilly, Musée Condé, ms. 735 - c. 1365

Paris, B.N.F., ms. fr. 184 - c. 1402

Paris, Bibliothèque Mazarine., ms. 1729 - c. 1370 Londres, British Library, ms. Add. 16907 - 1375 Londres, British Library, ms. Royal 19.B.XVII – 1382

Paris, B.N.F., ms. fr. 414 - c. 1404

Rennes, Bibliothèque Municipale, ms. 266 - c. 1400 Arras, Médiathèque, ms. 83 - c. 1400 Genebra, Bibliothèque Publique et Universitaire, ms. fr. 57 - c. 1400

Bruxelas, Bibliothèque Royale, ms. 9228 - c. 1420

Paris, B.N.F., ms. fr. 242 - c. 1402

Bruxelas, Bibliothèque Royale, ms. 9226 - c. 1405 Paris, B.N.F., ms. fr. 415-16 - c. 1415

Paris, B.N.F., ms. fr. 6448 c. 1480 Paris, Bibliothèque de l’Arsenal, ms. 3682-83 - c. 1480 Cambridge, Fitzwilliam Museum, MS 22 – c.1490

Jena, Universitätsbibliothek, ms. Gall. fº86 - c. 1420 Munique, Bayerische Staatsbibliothek, ms. Gall. 3 - c. 1430

Códices: B.N.F., ms. fr. 6448 ; B.N.F., ms. fr. 184; B.N.F., ms. fr. 415-16. Códices: Fitzwilliam Museum, ms. McClean 124; Musée Condé, ms. 735 ; Bibliothèque Royale de Bruxelles, ms. 9227 ; Bibliothèque Royale de Bruxelles, ms. 9226 ; Bibliothèque Publique et Universitaire de Geneve, ms. fr. 57 ; Bibliothèque Royale de Bruxelles, ms. 9228. 335 B.N.F. MS. Fr. 241 – Disponível em: http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b84260044 B.N.F. MS. Fr. 242 – Disponível em: http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b8426005j B.N.F. MS. Fr. 414 – Disponível em: http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b8451616p B.N.F., MS. Fr. 244-45 – Disponível em: http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b8442920n 336 MS. Gall. fº86 – Disponível em: http://archive.thulb.uni-jena.de/hisbest/receive/HisBest_cbu_00016582 337 MS. Cod. Gall 3 – Disponível em: http://bsb-mdz12-spiegel.bsb.lrz.de/~db/0003/bsb00039826/images/ 333 334

121 Tabela 3 - Divisão dos manuscritos analisados de acordo com a datação

Através desta divisão de acordo com a data provável de produção, podemos perceber que os volumes da Légende do conjunto que está sendo analisado são, em sua maioria, do século XV. Entretanto, é por volta de 1400 que vemos a maior produção desses manuscritos ilustrados. A pausa durante a Guerra dos Cem Anos entre 1388 e 1410 permite um florescimento artístico e cultural, em particular na Corte de Carlos VI. Neste momento, por volta de 1400, numerosos flamengos trabalhavam para os duques Filipe da Borgonha e Jean de Berry. A presença flamenga na França conheceu uma nova fase sob o impulso destes dois duques.338 Além deste fato, pode-se ressaltar que Filipe o Temerário funda nesse momento a célebre biblioteca dos duques da Borgonha e se constitui num grande mecenas, encomendando manuscritos de luxo e promovendo o trabalho de ilustradores. O conjunto de manuscritos analisados podem ser assim dividido em relação às oficinas: Manuscrito

Ilustrador

Data

Paris, B.N.F., ms. fr. 241 Cambridge, Fitzwilliam Museum, ms. McClean 124 Chantilly, Musée Condé, ms. 735

Richart ou Jeanne de Montbaston Seguidor do Mestre da Paixão ou Jean le Noir Mestre da coroação de Carlos VI / Dois ilustradores do estilo Boqueteaux Ilustradores que trabalham no estilo Boqueteaux / Mestre da coroação de Carlos VI Seguidores do estilo Boqueteaux

1348 c. 1360

Seguidores do estilo Boqueteaux

1382

Seguidores do estilo Boqueteaux

c. 1400

Seguidores do estilo Boqueteaux Maître du Polycratique

c. 1400 c. 1400

Ilustrador trabalhando em grisaille ativo em Paris Mestre da Coroação da Virgem / Imitador do Mestre da Coroação Mestre de Virgílio/Mestre do Medalhão Artistas sob influência de Mestre de Luçon e Mestre de Orosius Oficina do mestre de Boucicaut

c. 1402

Paris, Bibliothèque Mazarine., ms. 1729 Londres, British Library, ms. Add. 16907 Londres, British Library, ms. Royal 19.B.XVII Rennes, Bibliothèque Municipale, ms. 266 Arras, Médiathèque, ms. 83 Genebra, Bibliothèque Publique et Universitaire MS fr. 57 Paris, B.N.F., ms. fr. 184 Paris, B.N.F., ms. fr. 242 Paris, B.N.F., ms. fr. 414 Bruxelas, Bibliothèque Royale, ms. 9226 Paris, B.N.F., ms. fr. 415-16

338

c. 1365 c. 1375 1375

c. 1402 c. 1404 c. 1405 c. 1415

SMEYERS, Maurits, L’art de la miniature flamande du VIII au XVI siècle, Tournai: Renaissance du livre, 1998, p. 185.

122 Jena, Universitätsbibliothek, ms. Gall. fº86 Bruxelas, Bibliothèque Royale, ms. 9228 Munique, Bayerische Staatsbibliothek, ms. Gall. 3 Bruxelas, Bibliothèque Royale, ms. 9282-5 Nova York, Pierpont Morg. Lib., ms. M. 672-5 e Mâcon, Bibl. Mun., ms. 3 Paris, B.N.F., ms. fr. 244-45 Paris, B.N.F., ms. fr. 6448 Paris, Bibliothèque de l’Arsenal, ms. 3682-83 Cambridge, Fitzwilliam Museum, MS 22

Oficina do mestre de Boucicaut

c. 1420

Artista influenciado pelo estilo Bedford

c. 1420

Mestre da Legenda Áurea de Munique

c. 1430

Simon Marmion ou iluminador com o mesmo estilo Dez artistas, incluindo o Mestre de Harley Froissart, o Mestre de Margarida de York, e os seguidores de Willem Vrelant Maître François Evrard d'Espinques ou oficina Artista flamengo com o estilo de Loyset Liédet Desconhecido, pode ser sido flamengo.

c. 1470-1477 c. 1470

c. 1480 c. 1480 c. 1480 c.1490

Tabela 4 - Divisão dos manuscritos analisados de acordo com os ilustradores

Vemos, através da observação dos ilustradores desses códices, uma predominância de ilustradores que trabalham para a corte francesa ou para os duques da Borgonha. Em geral pertencem ao mesmo círculo e muitos já trabalharam em conjunto. Parte deles segue o estilo “Boqueteaux”. Com o passar dos anos vemos uma emergência de ilustradores flamengos. O estilo “Boqueteaux”339 é caracterizado pelos pequenos grupos de árvores, ou bosques (boqueteaux), com seus topos em formato de cúpula. Ele é identificado primeiramente numa Bíblia Historiada (London, B.L., Royal MS. 17 E VII), datada de 1357, e numa Bíblia traduzida por Jean de Sy (Paris, BnF, MS. Fr. 15397), encomendada pelo rei João II, ilustrada por volta de 1360. O estilo “Boqueteaux” deu um impulso novo para a ilustração de manuscritos em Paris, espalhando-se pelo Norte da França. A oficina do Mestre do Boqueteaux tornou-se a mais produtiva em Paris durante o reinado de Carlos V e ofereceu trabalhos ao rei, às vezes em colaboração com o Mestre da Coroação de Carlos V. Um exemplo do estilo “Boqueteaux” se encontra na figura abaixo:

HOURIHANE, Colum, The Grove Encyclopedia of Medieval Art and Architecture, Oxford: Oxford University Press, 2012, p. 389. 339

123

Figura 1 – Bible Historiale, London, BL, Royal MS 17 E VII vol 1, fol. 7r

Sobre o manuscrito do Fitzwilliam Museum, em Cambridge, sob a cota ms. 22, de c.1490340, cabe fazer algumas observações. Este manuscrito é uma das cópias mais distintas da tradução de Jean de Vignay. Além de conter as Festes Nouvelle, ele apresenta dos eventos da vida de Cristo fora da sequência litúrgica. Também foram adicionadas exposições sobre a missa, os Dez Mandamentos e os Doze Artigos da Fé e inclui vidas de santos como Waltrude, Piatus, Livinus, Bavo, Ghislain e Gaugericus.

5.4. Circulação de códices e práticas de leitura

Há um bom número de membros da família real entre os comanditários e donos de manuscritos da Légende dorée. Este fato não nos surpreende, já que é provável que a encomenda da FITZWILLIAM MUSEUM, Legenda Aurea, Collections Explorer, disponível em: , acesso em: 25 nov. 2014. 340

124 tradução do texto tenha partido da rainha Joana da Borgonha. Os reis da França, começando por João, o Bom, paralelamente à Guerra dos Cem Anos e às suas obrigações militares, desenvolveram um interesse pelos livros que atingiu seu apogeu sob os reinos de Carlos V e Carlos VI, e influenciou profundamente a produção de códices. Hilary Maddocks defende que, em relação ao público e também a apresentação, os manuscritos da Légende Dorée devem ser classificados juntamente com os textos vernáculos como a leitura “da moda”. As circunstâncias e os processos de produção e iluminação são, na maioria dos casos, muito semelhantes aos manuscritos do gênero. Como um grupo, os manuscritos são essencialmente aristocráticos, a tradução foi realizada para uma rainha e a maior parte dos manuscritos pertenciam a nobres. O programa iconográfico, decoração e iluminação seguem certos padrões comuns a muitos textos vernáculos daquele período341. The picture that emerges from the nature of the patronage, layout and presentation of the manuscripts of the Légende dorée, is that they can be placed within at least two traditions of manuscript production and illumination. Firstly, they belong to the class of fashionable illustrated vernacular manuscripts popular among the upper echelons of court society in the 14th and 15th centuries. This is reflected both in the circumstances of the translation and patronage and in the formal presentation of the manuscripts. Secondly, however, the illustrative programmes also conform to the practices of illuminated Latin service and devotional books in the hierarchy and distribution of miniatures. There is a certain tension created by these two traditions, which is also evident in the artists' approach to narrative and iconography. That the manuscripts should reveal such hybrid characteristics is perhaps not surprising, given the radical transition of the text from a Latin preachers' sourcebook for the indoctrination of recalcitrant Christians to what appears to be a French aristocratic picturebook.342

Dominique Donadieu-Rigaut constata que a presença (ou a ausência) de imagens em volumes da Legenda Áurea está ligada em grande parte à língua (latina ou vernacular) empregada, que se refere aos usos e aos destinatários do livro. No corpus de mais de 1000 Legendas Áureas latinas reunidas por Barbara Fleith, 55 somente são tomadas como ilustradas, e entre estas somente quatro apresentam um número significativo de iluminuras, as outras não oferecem mais do que uma ou duas iniciais ornadas.343 As Legendas Áureas latinas pertencem ao mundo clerical correspondem bem, em sua materialidade, aos usos do legendário neste meio. Os volumes tem um aspecto modesto e suas

MADDOCKS, op.cit. 1990, p. 67. p. 68–69. DONADIEU-RIGAUT, D. La ”Légende dorée" et ses images. In: JACQUES DE VORAGINE, La Légende dorée. Paris: Gallimard, 2004. p. LVII-CXI. p. LVIII. 341

342 Ibid., 343

125 dimensões conferem a estes códices a definição de instrumentos de trabalho portáteis apresentando pouco em comum com os grandes códices litúrgicos.344 Já as Legendas Áureas encomendadas pelos laicos se assemelham, pelo seu luxo e suas dimensões a verdadeiros “livros-edifícios” Esta tendência ao gigantismo faustuoso terá o seu auge no século XV com os sete manuscritos franceses elaborados em Paris para os círculos principescos flamengos e borgonheses.345 As bibliotecas aristocráticas, neste momento, eram tesouros familiares que a nobreza preservava e ampliava de geração em geração, e os códices que continham eram tanto símbolos de posição social quanto de refinamento e postura. Essas bibliotecas, assim como talvez as bilbiotecas pessoais de hoje, guardam textos que nunca foram lidos. Ocorre que a posse física torna-se às vezes sinônimo de apreensão intelectual. Estes homens, assim como os de hoje, achavam que os códices que possuíam eram textos que conheciam só pelo simples fato de tê-los. Como se a simples presença deles já os enchesse de sabedoria, sem que precisassem abrir caminho por seus conteúdos. Entretanto, Marie Guérinel-Rau defende que os manuscritos da Légende Dorée não correspondem à imagem que se constuma ter dos manuscritos de luxo, obras mais apreciadas por sua decoração do que por seu conteúdo.346 Les ouvrages parlent d’eux-mêmes puisque sur les vingt-quatre parvenus jusqu’à nous et exécutés entre 1348 et 1430, sept ne comportent pas ou très peu d’enluminures. Imaginez un instant le lecteur à la recherche de deux ou trois miniatures disséminées dans un volume comportant plus de trois cent feuillets.347

A circulação dos manuscritos da Légende dorée se inscreve num contexto particular de práticas religiosas. Ela se efetuou em grande parte entre indivíduos, ao mesmo tempo piedosos e detentores de certo conhecimento religioso, e não unicamente animados por uma bibliofilia excessiva. A circulação da obra se situa no cruzamento entre a “democratização” da liturgia, que toma forma pela corrente da devotio moderna, introduzida na França no início do século XV que privilegiava uma espiritualidade interior e contemplativa.

Ibid., p. LVIII. Ibid., pp. LVIII-LIX. 346 GUÉRINEL-RAU, op.cit., p. 239–241. 347 Ibid., p. 240. 344 345

126 Por volta do fim do século XIV, o cristão estava dividido entre a exteriorização extrema das práticas religiosas da qual o culto dos santos participa ativamente, mas também a emergência de correntes místicas favorecendo a interiorização da fé. Os nobres são os mais tocados por essa oscilação entre os dois pólos. Os livros de horas, assim como outros textos devocionais para uso particular, se disseminam com força no final da Idade Média, acompanhando este movimento emergência da devoção individualizada. Os livros de horas constituem instrumento de devoção pessoal, lindamente ornados e trabalhados com esmero por grandes ilustradores do baixo medievo. O material iconográfico apresentado é rico em temas do cotidiano, das sensibilidades religiosas, da organização das temporalidades e das diferentes representações dos espaços cristãos. De acordo com Vânia Fróes348, um livro de horas é um tesouro. Ideia essa que pode ser associada à sua beleza e riqueza. Entretanto, a pesquisadora defende que estes códices contêm bem mais do que isso. Seriam verdadeiras enciclopédias medievais, organizadas em torno do tema da salvação, as vidas de santos seriam retratadas a fim de mostrar as vias dessa salvação. Pode-se traçar um paralelo entre este tipo de leitura e o legendário aqui estudado. A Legenda Áurea, para Alain Boureau349, fornecia aos fiéis uma soma que representava sistematicamente as vias da salvação, se colocando num equilíbrio entre a exposição doutrinal e a narrativa oral, entre a narrativa dos gestos de Deus e o anúncio profético dos Tempos Novos. A Legenda oferecia uma verdadeira enciclopédia da salvação, assim como os livros de horas, seguindo também uma tendência enciclopédica que toma corpo no século XIII. Assim, acreditamos que a obra não era considerada somente como um caro repositório de belas imagens, mas também era lida e tida como um instrumento de devoção individual. Neste sentido, consideramos que a noção de Thesaurus se encaixa bem para compreendermos como os volumes da Légende dorée eram percebidos por seus donos. De acordo com Vânia Fróes: A noção de tesouro (thesaurus) na Idade Média associa-se à ideia de arca, uma espécie de “cofre forte” onde estão guardados todos os grandes valores cristãos. O thesaurus, neste sentido, não se refere especificamente a bens materiais, mas àqueles que fazem parte do acervo doado por Deus aos homens: a Sua própria história, a Sua vinda ao mundo dos homens, o Seu sacrifício-mor te, a Sua ressurreição e a esperança da salvação.350

FRÓES, Vânia Leite, O livro de horas dito de D. Fernando, Anais da Biblioteca Nacional, v. 129, p. 83–136, 2009, p. 92. 349 DUNN-LARDEAU (Org.), op.cit., p. 76. 350 FRÓES, op.cit. 2009, p. 92. 348

127

Ainda devemos lembrar que esta noção de tesouro, como lembra Vânia Fróes, também se relaciona com o capital confiado por Cristo com o seu sacrifício na cruz a seus seguidores. Johan Huizinga351 destaca que o conceito desse tesouro, foi descrito e explicado na bula Unigenitus de Clemente VI, em 1343. Como defende o papa, o tesouro foi adquirido através do sangue de Cristo derramado na cruz e confiado aos fiéis para ser administrado por Pedro, os homens deveriam aproveitá-lo e através deste se unirem a Deus. O tesouro se configura no próprio sacrifício de Cristo na cruz e em seus ensinamentos deixados em sua passagem pela Terra. Pois não foi com coisas corruptíveis, como ouro e prata, que ele nos resgatou, mas com o precioso sangue de si mesmo, cordeiro sem mancha ou defeito (1Pe 1:18), sangue precioso que sabemos ter ele derramado como vítima inocente sobre o altar da cruz; não simplesmente uma gota de sangue (embora, por sua união com o Verbo, isto teria sido o suficiente para a redenção de todo o gênero humano), mas um dilúvio abundante, tanto que da planta dos pés até o alto da cabeça não se achou nele lugar são (Is 1:6). E (a fim de que a misericórdia de tal efusão não se tornasse supérflua, inútil e vã) o Pai Santo constituiu com ele um grande tesouro para a Igreja Militante, querendo enriquecer seus filhos com tal tesouro, de modo que os homens o tivessem em reservatório infinito, para que os que dele se aproveitam sejam feitos participantes da amizade de Deus. Ora, tal tesouro não está escondido numa toalha, nem enterrado num campo, mas confiou-o aos fiéis para ser administrado fielmente por meio do bem-aventurado Pedro, portador das chaves do céu, e de seus sucessores como vigários na terra, para causas convenientes e razoáveis, quer para remissão total quer para remissão parcial do castigo devido a pecados temporais [ou castigo temporal devido aos pecados], quer em geral quer em particular – como eles entenderem que seja útil diante de Deus – e para ser aplicado misericordiosamente àqueles que são verdadeiros penitentes e confessantes. Sabemos que essa riqueza do tesouro recebeu um incremento dos méritos da bendita mãe de Deus e de todos os eleitos, do primeiro homem até o último; e não se deve temer que esse tesouro diminua ou seja afetado de qualquer modo, tanto por causa dos méritos infinitos de Cristo (como já ficou dito), como porque mais e mais homens são atraídos à justiça como resultado de sua aplicação e assim sempre mais aumenta o total dos méritos.352

Sobre as formas de leitura destes códices, deve-se lembrar que as os textos narrativos do período medieval possuem aspectos formais conscientemente propícios à memorização e à reprodução oral. O leitor medieval não é somente aquele indivíduo que tem acesso à obra escrita ou aquele que a lê em voz alta para um grupo de pessoas, mas também aquele que a ouve, de modo que, neste contexto, a figura do narrador faz-se fundamental, pois é a partir do poder da voz de um determinado indivíduo que a palavra poética será transmitida, o que, segundo Paul Zumhtor353, irá “reatualizar” e “reescutar” mais e melhor do que a escrita, favorecendo, neste sentido, a migração de HUIZINGA, Johan, O outono da Idade Média, São Paulo: Cosac Naify, 2010, p. 359. BETTENSON, Henry Scowcroft, Documentos da Igreja Cristã, São Paulo, SP: ASTE, 2001, p. 277–278. 353 ZUMTHOR, op.cit. 1993, p. 17. 351 352

128 mitos, linguajares e estilos sobre determinados grupos. A oralidade, portanto, constitui uma noção fundamental para a compreensão da narrativa medieval. É interessante observar a mudança na relação do leitor com o texto quando a Legenda Áurea é traduzida do latim para o francês. A Legenda Áurea em latim, como já vimos, servia como instrumento de devoção e pregação da Ordem Dominicana, que utilizava o texto em seus sermões. Seu conteúdo chegava ao público laico através, portanto, da seleção, interpretação e filtragem destes oradores. Quando o texto é traduzido para o francês, o público laico passa a ter uma relação direta com a Legenda, sem intermediários, assim sua interpretação do texto é livre. A leitura individual, sem a intermediação de um narrador, não está mais sujeita às orientações e esclarecimentos, à censura ou condenação. Ela permite a comunicação sem mediação entre o códice e o leitor. Também este último pode ritmar a leitura à vontade, com interrupções, pulando capítulos ou “devorando” vários capítulos por vez. Por outro lado, a tradução para o vernacular abria um mundo de significações ao leitor comum que desconhecia o latim354. Aliás, era esta uma das motivações de Jean de Vignay ao traduzir a Legenda Áurea para o francês: Et pour ce que il mest aduis que ce est souuerain bien que de faire entendre as gens qui ne sont pas lettres. les natiuitez. les vies les passions et les mors des sains et aucuns autres fais notoires des temps passez. me sui ie mis a translater en francois. la legende des sains qui est dite legende doree.355

Vignay pretendia dar a todos que desconheciam o latim o conhecimento das vidas dos santos e a memória do cristianismo. Como sabemos, a fé medieval refere-se menos à crença íntima do que à fidelidade no sentido feudal do termo, quer dizer, uma fidelidade prática, manifestada por atos, palavras e gestos. Não era suficiente ser cristão, era preciso dizer-se cristão, professar o cristianismo. A palavra de Deus deve ser espalhada, tem que ser conhecida por todos. 356 Assim, Vignay cumpria seu objetivo como bom cristão de espalhar a palavra de Deus, traduzindo uma obra de grande relevância como a Legenda Áurea para o francês. Fica aqui a questão sobre a forma como este texto era lido pelo público laico nobre. Podemos supor que cada capítulo era lido de acordo com a data da festa relacionada a este. Entretanto, falta descobrir se essa leitura era individual, solitária, ou em grupo, com a família reunida, por exemplo. Além disso, seria importante saber se esta leitura era em voz alta ou silenciosa. Acreditamos que desvendar essa questão pode auxiliar na compreensão da devoção privada nos séculos XIV e XV e no papel das vidas de santos nessa devoção. 355 JACQUES DE VORAGINE, Légende dorée. BNF. fr. 241, f.1, col.2. 356 BASCHET, op. cit. 2006, p. 168. 354

129 Outro fato importante para compreendermos como a obra de Jean de Vignay era lida é a presença das ilustrações nesses códices. As imagens interferem na dinâmica de leitura e apreensão do texto, modificando totalmente a relação do leitor com a Légende. Por isso, é importante compreender como se dá a atuação das imagens religiosas neste momento e sua importância na retórica de persuasão empreendida pela obra aqui analisada.

5.5. As imagens e o “fazer crer”

Em relação às imagens medievais, Jean-Claude Schmitt357 ressalta que: O historiador deve sobretudo convencer-se da especificidade das imagens medievais com relação às nossas próprias imagens atuais: primeiro porque vivemos há um século no tempo das imagens móveis (cinema, televisão e computador), ao passo que as imagens medievais (miniaturas, pinturas murais,etc.) eram imagens-fixas que, é verdade, não ignoravam os problemas ligados à representação do tempo, do movimento, da história ou representação de uma narrativa.

Reforçando a singularidade da imagem na Idade Média, o medievalista comenta ainda que nosso termo imagem é derivado do termo latino imago, que é um termo de valor semântico variado e rico. A noção medieval de imago está inscrita em um contexto cultural e ideológico bastante distinto do nosso. A imago é a base da antropologia cristã. A questão da imagem está presente desde a criação humana: fazer o homem à imagem e semelhança divina. O homem é a imagem de Deus. A história, para o homem, é um projeto cujo objetivo é a restituição total da “semelhança” perdida, que continua apenas na condição de um traço. Com a queda, o homem passou a ser diferente de Deus. “Nesse drama, que na concepção cristã fundamenta toda a história, o homem encarna a mudança enquanto Deus é o ser imutável.”358 Assim, no medievo, as imagens estavam relacionadas ao sagrado. A imagem operava a mediação do visível com o invisível. Esta é a função “epifânica” das imagens desse período. Entre a

SCHMITT, Jean-Claude, Imagens, in: SCHMITT, Jean-Claude; LE GOFF, Jacques (Orgs.), Dicionário Temático do Ocidente Medieval, Bauru: EDUSC, 2006, v. I, p. 594. 358 SCHMITT, Jean-Claude, O corpo das imagens, São Paulo: EDUSC, 2007, p. 12–13. 357

130 imagem e o devoto há uma troca de olhares. Ao se deter nos olhos das imagens, o devoto é “(…) invadido por uma presença viva, antes de encontrar em sonho a confirmação de seu poder ativo.”359 Neste amplo sentido, a imagem poderia ter função similar a dos sonhos na própria Idade Média, isto é, seria uma forma de ultrapassar as fronteiras da experiência sensível e da própria contingência humana360: Como as imagens materiais, o sonho participa de um mundo visual, de um mundo imaginário, que ultrapassa o plano do concreto. O sonho, que é feito de imagens, é uma abertura para o além e “(…) é o meio mais eficaz de legitimar toda novidade e ambientação social, tanto individual quanto coletiva.”361 Schmitt diz que negar o valor de arte às imagens medievais gera muitas dificuldades. A beleza e a riqueza da obra também enalteciam a obra de Deus e o prestígio de um financiador poderoso e rico. O valor estético estava unido às funções sociais e religiosas. Um estava intrinsecamente relacionado ao outro e se realizam um com o outro.362 Schmitt sustenta que é imprescindível “compreender a função estética das obras (as obras, em si, são ‘arte’), como uma dimensão essencial de seu significado histórico (seu papel ‘cultual’ e também político, jurídico, ideológico) (...).”363 Schmitt afirma utilizar a palavra imagem para o medievo: (…) para restituir-lhe todos os seus significados e ter em conta os três domínios da imago medieval: o das imagens materiais (imagines); o do imaginário (imaginatio), feito de imagens mentais, oníricas e poéticas; e enfim o da antropologia e da teologia cristãs, fundadas numa concepção do homem criado ad imaginem Dei e prometido à salvação pela Encarnação de Cristo imago Patris.364

Mary Carruthers365 nos mostra que a imagem seria uma espécie de chave de acesso à memória, que seria um grande inventário constituído dos conteúdos de leitura e de todas as representações dela originados. A memória seria um acervo, um patrimônio, onde estariam os grandes textos cristãos – um Thesaurus (tesouro) do saber cristão.366

Ibid., p. 19. SCHMITT, op.cit. 2006, p. 596. 361 SCHMITT, op.cit. 2007, p. 20. 362 Ibid., p. 44. 363 Ibid., p. 44–45. 364 Ibid., p. 45. 365 CARRUTHERS, Mary, Machina memorialis: méditation, rhétorique et fabrication des images au Moyen Âge, Paris: Gallimard, 2002, p. 252–257. 366 FRÓES, op.cit. 2009, p. 91. 359 360

131 Portanto, a imagem, assim como o texto, daria acesso à meditação, à oração e às diversas práticas da espiritualidade. Mas a meditação, além de ser caminho para uma ascese formal, é também um lugar de criação. Como afirma Vânia Fróes: A memória na Idade Média não é apenas o ato de relembrar o passado. É parte substancial da ética de salvação que dá sentido e direção à Cristandade. Articula-se ao campo semântico da prudência, da sabedoria, da perfeição e até mesmo do profetismo.367

Neste sentido, Jérôme Baschet complementa dizendo que, em graus diferenciados, a carga simbólica de uma imagem atribui uma posição ao espectador, além de gestos, uma atitude mental; ela o faz entrar numa história santa, o engaja num trabalho de interpretação, uma operação de discernimento, uma ruminação. Como ele afirma: En son point le plus intense, la performance prend la forme d’un exercice résolument paradoxal : l’image-objet n’invite pas seulement à voir ce qu’elle offre à l’oeil corporel (l’humanité du Christ) mais aussi à percevoir ce que seul l’oeil du coeur peut saisir (sa divinité)368.

A imagem, então exige do fiel uma operação de organização mental que entrelaça o visível e o invisível, o material e o espiritual, o humano e o divino. É preciso, portanto, observar os processos de produção de relação entre significados que as imagens provocam. Carruthers lembra ainda da articulação entre os mecanismos de leitura, memória e imagem. A imagem tem uma função textual de pontuar o escrito, sinalizando as formas diversas de como se deve ler e interiorizar o texto. É uma intermediária entre a oralidade e a escrita.369 Avançando nessa reflexão, Bartholeyns e Golsene destacam que a imagem não se contenta apenas em representar passivamente os fatos, as ideias, os personagens. As imagens circulam, jogam, chocam, agradam, convencem, surpreendem. Como os autores enfatizam, as imagens “performent”370. Elas atuam sobre o espectador simplesmente por estarem presentes. Quando um ilustrador compõe uma imagem no manuscrito, a escolha da cenografia, da disposição dos personagens e objetos, traz consigo uma intenção de provocar a experiência sensível Ibid. DIERKENS, Alain; BARTHOLEYNS, Gil; GOLSENNE, Thomas, La performance des images, [s.l.]: Editions de l’Universite de Bruxelles, 2010, p. 13. 369 CARRUTHERS, op.cit., p. 252–257. 370 DIERKENS; BARTHOLEYNS; GOLSENNE, op.cit., p. 18. 367 368

132 do espectador, através da rememoração da história da Cristandade, a qual ele pertence. Ao mesmo tempo em que ele dá o acesso à história, mostra também a inacessibilidade do Mistério da fé – do milagre. Assim, a cena contém um jogo entre o acessível e o inacessível. A forma de acesso à mensagem é escolhida pelo iluminador para fazer sentir, mover, dar provas ao espectador através de meios pictóricos. Assim, uma imagem que retrata, por exemplo, a Anunciação, funciona, ela mesma, como uma Anunciação para o espectador, que vive este momento ao observar a imagem. Ou seja. aquilo que a iluminura retrata é o que ela nos faz vivenciar, como se aquele momento retratado se repetisse aos olhos do espectador. É como se fôssemos testemunhas do episódio. É preciso lembrar também que quando o espectador entra em contato com a imagem, ele a recebe, interpreta, de uma forma particular. De certa forma ele se torna um coautor da imagem a partir do momento em que dialoga com ela. Como já foi dito, o espectador, ao momento em que observa a representação, realiza uma série de relações de significados baseados na sua experiência emocional e espiritual prévia. Essa experiência prévia é pessoal e interfere na maneira de lidar com a imagem. Assim, cada pessoa “vê” uma representação pictórica de uma forma específica. Assim, consideramos que a imagem traz consigo uma performance no sentido em que aparece como uma ação pela qual uma mensagem é simultaneamente transmitida e percebida. Ela é também entendida como uma ação que integra a voz e se dá através da gestualidade, entonação de voz, que pode ser percebida na tradição poética medieval. Como já dissemos aqui, o texto na Idade Média era mais ouvido do que lido propriamente. Essa audição era, muitas vezes, acompanhada de uma performance. De acordo com Paul Zumthor, esta última: Aparece como uma ação oral-auditiva complexa, pela qual uma mensagem poética é simultaneamente transmitida e percebida, aqui e agora. Locutor, destinatário(s), circunstâncias acham-se fisicamente confrontados, indiscutíveis. Na performance, recortamse os dois eixos de toda comunicação social: o que reúne o locutor ao autor; e aquele sobre o qual se unem situação e tradição. Nesse nível, desempenha-se plenamente a função da linguagem que Malino s i denominou “fática”: jogo de aproximação e de apelo, de provocação do Outro, de pergunta, em si indiferente à produção de um sentido.371

Voltando a pensar na Legenda Áurea, já dissemos que o texto latino chegava ao público leigo através da seleção e filtragem dos pregadores que liam a obra e selecionavam as passagens que julgavam mais importantes para compor os seus sermões. Assim, este texto era recebido pelos ouvintes através de uma performance, que tinha como objetivo chegar ao coração do público, comovê371

ZUMTHOR, op.cit. 1993, p. 222.

133 lo, fazê-lo atuar. É interessante perceber que as imagens da Légende dorée possuem essa mesma característica de performance, fazendo o papel de comover o leitor, levando-o para o episódio retratado como se ele fosse participante da cena. A imagem, enquanto performance, pressupõe um diálogo, em que há uma livre troca entre a mensagem transmitida e a apropriação que o espectador faz dessa mensagem. Sobre o papel das imagens, conhecemos a posição tradicional da Igreja sobre estas como “Bíblia dos iletrados” e sobre a função didática que é preciso lhe reconhecer. O texto mais citado sobre este aspecto é o de Gregório Magno, sua célebre carta ao bispo iconoclasta Sereno de Marselha, datada de 600. Depois de ter denunciado a adoração idolátrica e o iconoclasmo, Gregório disserta sobre o papel das imagens. Elas podem instruir os iletrados, principalmente. Vendo as imagens, eles podem compreender a História sacra. Para Gregório, a pintura é para os iletrados o que a escrita é para os clérigos, únicos capazes de lê-la. Em segundo lugar, Gregório percebe que na imagem está representada uma história e que ela tem, também, o papel de fixar a memória: ela remete ao passado – o da vida e morte de Cristo e dos santos mártires – para torná-lo presente. Enfim, a imagem deve despertar um sentimento de “compunção” que leve à adoração da Trindade. Esta, na teologia de Gregório, designa o sentimento de humildade dolorosa da alma que se descobre pecadora.372 Entretanto, a imagem não contém de fato nada que nós já não saibamos. Então, o que a imagem nos ensina? O conhecimento que a imagem porta e é passado através dela é pragmático. Ela nos faz saber aquilo que é preciso fazer; trata-se de um ensinamento de conduta, diferente do conhecimento especulativo. A utilidade principal da imagem, no que ela é particularmente eficaz, é mover o fiel à devoção e lhe lembrar dos pontos essenciais do mito religioso. É simplificar muito, então, assimilar a imagem ao livro do analfabeto: as esculturas, os afrescos, as iluminuras, os retábulos podem substituir a leitura da Bíblia na medida em que eles lembram aquilo que o conjunto dos textos ensina, na medida em que eles “representam” ou “presentificam” - termo de Jean-Claude Schmitt373. A imagem deixa o ausente, presente; faz os fieis verem aquilo que eles sabem, mas que poderiam esquecer.

372 373

SCHMITT, op.cit. 2007, p. 60–61. SCHMITT, op.cit. 2007.

134 Os textos da Igreja dão, então, um lugar preciso às imagens religiosas: elas são o instrumento eficaz do “fazer crer” na medida em que elas relembram a crença. Esta observação é interessante porque sabemos que existia um sistema largamente difundido de imagens servindo para sustentar a memória. As imagens religiosas conheceram, no Ocidente medieval, um grande desenvolvimento na sua forma plástica, nas práticas cultuais das quais eram objeto e na reflexão teórica que visava precisar seu significado e fundamentar sua legitimidade. É importante retomarmos, aqui, as expressivas mudanças que se processam no quadro político-econômico da Cristandade latina. Trata-se de um período de afirmação e prosperidade do fenômeno urbano, de avanços técnicos e expansão das fronteiras agrícolas através dos arroteamentos e, ainda, da retomada de um comércio de longo e médio raio de ação. As cidades convertem-se em espaços privilegiados para a troca, pois abrigam as feiras e mercados que atraem diferentes tipos humanos. Neste momento, se assiste, ainda, a contestações tanto laicas como heréticas e a reformas eclesiásticas que buscam integrar a Igreja a estes novos tempos. No bojo deste movimento a reforma gregoriana, por exemplo, que data do século XI, retoma os princípios apostólicos cristãos. (...) a reforma gregoriana representa ao mesmo tempo a aspiração de volta às origens – Ecclesia primitivae forma – e à realização da verdadeira vida apostólica – Vita vere apostólica. É diante da tomada de consciência quanto aos vícios da sociedade cristã – clérigos e leigos – , a retomada do processo de cristianização. 374

Uma expressiva mudança no âmbito das sensibilidades acompanha este processo de transformações. A difusão da doutrina voluntarista do pecado375 institui a prática da confissão individual e estimula o homem medieval a apreender, a partir de um minucioso exame de sua própria consciência, o grau de intencionalidade de seus pecados. Segundo Le Goff, este exame de consciência renovou a devoção cristã, na medida em que o vinculou a subjetividade e a individualidade humana.376

374

LE GOFF, op.cit. 2007, p. 29. Ibid., p. 31 -32 376 No entender de Le Goff: “A impressão que se tem é que, no século XII, a tendência penitencial tradicional se orienta, ao lado de manifestações coletivas, para a confissão individual auricular. Essa evolução será sancionada, tornando-se obrigatória, com o cânon Omnis utriusque sexus do quarto concílio de Latrão (1215) que exige de todos os fiéis dos dois 375

135 Esta nova experiência de devoção cria a necessidade de presentificação dos mistérios da Sagrada Escritura. Os tropos, interpolações cantadas e dialogadas que se inscrevem na missa, retomam pequenos episódios bíblicos, especialmente, àqueles que se vinculam à Natividade e à Paixão de Cristo, e oferecem aos fiéis novos caminhos para a apreensão e experiência da fé. Revitaliza-se a liturgia com vistas a ampliar a comunidade que integra Plebis Christi, dando maior concretude aos mistérios nos quais se assenta a concepção teológica cristã ocidental. A Igreja e a religião identificaram-se com o culto imagético, que por sua vez não podia mais escapar da crítica dos heréticos. A contestação herética fez a Igreja, em reação, se posicionar mais favoravelmente ao culto e ao desenvolvimento das imagens religiosas, das quais se conhece uma floração artística a partir do século XII. Ela também encorajou os clérigos a dar uma base teórica ao novo culto das imagens para conferir-lhe legitimidade.377 Para Georges Duby: Nos séculos XII e XIII, a presença herética, a ameaça herética, comandam todo o desenvolvimento de uma arte que se afirma em primeiro lugar como uma predicação da verdade.378

A Igreja latina passa a se identificar com as imagens, suas práticas e usos se integram totalmente ao seu sistema religioso. Defender o culto das imagens significa defender a própria singularidade da religião cristã no Ocidente. Nos séculos XII e XIII, a teologia ocidental valorizou ainda mais o sentido espiritual da imagem. Desenvolveu-se a noção de transitus, processo pelo qual: “através da semelhança das coisas visíveis, somos elevados até a contemplação das coisas invisíveis.”379 Os teólogos também se preocupavam em definir com precisão a atitude legítima em relação às imagens. Assim, para justificar o culto imagético, retoma-se uma fórmula de João Damasceno, segundo a qual a honra prestada à imagem, na verdade, tem como alvo a figura representada por ela. Com a escolástica, a imagem religiosa do Ocidente encontrou, enfim, sua plena justificação teológica. Entretanto, isto não se dá sem as mudanças profundas que ocorreram na sociedade e, em consequência, nas práticas da imagem. O culto das imagens é levado a cabo no século XIII por novas ordens religiosas, franciscanos e dominicanos, as confrarias laicas ligadas a elas e as comunidades urbanas. sexos o mínimo de uma confissão individual por ano. A partir desse momento, é basicamente na confissão que se baseia a sanção penitencial e se abre nas consciências uma frente pioneira, a do exame de consciência.” Ibid., p 31. 377 SCHMITT, op.cit. 2007, p. 73. 378 DUBY, Georges, No tempo das catedrais, Lisboa: Editorial Estampa, 1993, p. 102. 379 BASCHET, op. cit. 2006, p. 485.

136 Santo Tomás de Aquino dá o passo decisivo, afirmando que a imagem de Cristo merece a honra de latria380 tanto quanto o próprio Cristo. Então, as imagens do Ocidente e as práticas relacionadas a elas encontraram plenamente sua justificação ideológica.381 Santo Tomás de Aquino reforça que as imagens têm uma função determinada: "para que por meio de imagens desse tipo se grave e se fortaleça nas mentes dos homens a fé na excelência dos anjos e dos santos."382 Assim, uma imagem de Cristo deve ser adorada com uma adoração de latria, "não por causa da imagem em si, mas por causa da coisa de que ela é a imagem"383. Porque ela representa o Cristo, que é adorado com uma adoração de latria, a imagem deste deve ser tratada com tal. As novas imagens em duas ou três dimensões correspondem a práticas novas: de uma parte, com procissões públicas, a adoração solene da imagem santa sob a proteção da qual se colocam a confraria, a paróquia, a cidade; ou ainda o uso das imagens no teatro religioso; e, de outra parte, o desenvolvimento das devoções privadas, que também reservam lugar maior às imagens.384 De forma geral, as imagens encontram-se completamente integradas ao sistema da salvação, desde o momento em que, a partir do século XIII, “a Igreja faz das preces recitadas diante de algumas delas a ocasião de obter indulgências.”385 É importante notar aqui a importância que as imagens ganham no sistema cristão de punições e recompensas. Desde o século XII, as imagens aparecem nas casas dos simples fiéis, sendo o suporte para se estabelecer um contato mais pessoal com Deus, a Virgem ou os santos. A partir do século XIII, multiplicam-se relatos sobre imagens que sangram ou choram. Mas não se deve esquecer o papel que a imagem cumpre na liturgia e nos sacramentos. Ela podia ser levada em procissão, vestida, coroada ou coberta de jóias no dia de sua festa. Mas exerce, sobretudo, um papel de constituir a decoração do lugar onde são realizados os ritos essenciais da Igreja.386 No curso dos séculos XIV e XV, assistimos à emergência progressiva de outro tipo de representação figurada, completamente oposta ao sistema mnemônico. A imagem religiosa continua como um instrumento de persuasão, mas não com a mesma técnica. A representação figurada é

Significa o culto de adoração reservado somente à Santíssima Trindade. BASCHET, op. cit. 2006, p. 486. 382 JACQUELINE, Lichtenstein, A pintura - A Teologia da Imagem e o Estatuto Da Pintura, [s.l.]: Editora 34, 2004, p. 52– 53. 383 Ibid., p. 55. 384 SCHMITT, op.cit. 2007, p. 86. 385 BASCHET, op. cit. 2006, p. 497. 386 Ibid., p. 498–499. 380 381

137 valorizada por sua capacidade de ilusão. A característica da imagem é essencialmente, neste momento, que ela deve parecer “viva”. As representações não precisam mais lembrar seus objetos representados, mas devem “fazer crer” neles; é preciso de toda forma que o significante seja crível – verossimilhante – para que possamos melhor crer no significado.387 Nos séculos XIV e XV, nos lembra Daniel Arasse388, ao mesmo tempo em que se desenvolvem e que se aperfeiçoam as técnicas ilusionistas da imagem pintada, vemos ressurgir o velho debate sobre a oposição entre a devoção má direcionada às imagens (idolatria) e a boa, direcionada ao protótipo. O desenvolvimento da ilusão obtido pelas técnicas “modernas” de figuração suscita igualmente um discurso sobre as imagens que podemos sem dúvida qualificar de “recuperador”; tratase daquele que objetiva a “moralizar” a perspectiva, que exalta “o olho moral” com o qual o espectador devoto do Quatrocentos é convidado a olhar as novas imagens, construídas segundo os princípios da perspectiva ilusionista e do gestual expressivo. O acento colocado sobre a credibilidade da imagem reconhece e valoriza um “saber-fazer-crer” próprio ao ilustrador. Encontramos aqui a ideia de um “valor agregado” pelo artífice ao objeto da representação; mas, com o século XV, este toma uma nova dimensão. Pois este valor agregado se liga tanto ao “prazer” quanto ao “crer”: o “saber-fazer-crer” é percebido, de início, como um “saber-fazer”, apreciado por si mesmo. Em seguida, e sobretudo, este saber-fazer pictural é pensado, teorizado, em função das categorias da retórica clássica. De fato, para o espectador crer na ilusão da imagem supõe que ele aceite “jogar o jogo” da ilusão – crer na ilusão criada pela imagem em si ou pelo discurso que empresta a ilusão à imagem. O valor propriamente artístico da representação figurada se forma, neste sistema de convenções, pela capacidade que ela tem de suscitar e de sustentar o jogo destas duas retóricas.389 É tendo estas questões em conta que a análise das imagens da Légende dorée é realizada, considerando seu aspecto persuasivo composto por uma retórica basada no sistema de valores cristão que serve para alimentar a crença.

ARASSE, Daniel, Entre dévotion et culture : fonctions de l’image religieuse au 15ème siècle, in: ÉCOLE FRANÇAISE DE ROME; UNIVERSITÀ DI PADOVA ISTITUTO DI STORIA MEDIOEVALE E MODERNA (Eds.), Faire croire: modalités de la diffusion et de la réception des messages religieux du XIIe au XVe siècle, [s.l.]: École française de Rome, 1981, p. 136– 137. 388 Ibid., p. 137. 389 Ibid., p. 138. 387

138

5.6. A análise iconográfica

O uso da imagem como fonte para o “fazer histórico” é um assunto que tem merecido atenção por parte dos historiadores, particularmente, após as grandes mudanças trazidas pela nova história e pelo crescimento da exploração historiográfica no campo do imaginário, das mentalidades e da antropologia visual. Francis Haskell, em seu livro History and its images (1973), mostra a hesitação dos historiadores em tratar a imagem. Relata três atitudes possíveis: 1) Alguns procuram nas imagens a representação mais ou menos fiel da realidade. 2) Outros limitam-se a olhar as obras, dispensando a análise. 3) Atitude mais comum: o privilégio dado à língua sobre todas as demais funções simbólicas do homem. Isto é a consequência da constituição de uma história nos séculos XVIII e XIX que valoriza os documentos escritos, considerados mais objetivos e mais confiáveis do que as imagens. Em oposição temos uma História da arte que estuda os estilos sem uma preocupação temporal. Na França, a obra de Êmile Mâle, L'art religieux au XIIIe siècle em France, publicada pela primeira vez em 1898, exerceu um papel positivo na sensibilização de historiadores, como Marc Bloch, para os problemas estéticos. Entretanto, reduzia a arte religiosa do século XIII à função de passar os ensinamentos da Igreja aos iletrados. Entre 1920 e 1933, na Alemanha, foi proposta por Aby Warburg e seus discípulos uma concepção da história da arte intimamente associada ao estudo mais amplo da civilização. O exílio desta escola de pensamento na Inglaterra e nos EUA durante o nazismo e a Segunda Guerra Mundial adiou a recepção destes conceitos pelos historiadores. O grupo apresenta grandes contribuições no campo das discussões das representações, mormente no que tange à psicologia social. Além deste grupo, podemos citar as contribuições do GAHOM (Groupe d’anthropologie historique de l’Occident medieval), sob a liderança de Jacques Le Goff, que durante muitos anos tem abrigado historiadores medievalistas, de algum modo engajados na questão da imagem medieval. Do grupo, como decorrência das discussões, surgiram vários seminários que, além de discutir questões de cunho teórico-metodológico, têm tido forte atuação em políticas de pesquisa que disponibilizam (particularmente na internet) o material iconográfico de várias partes do Ocidente cristão, possibilitando assim o acesso dos pesquisadores a muitas fontes antes inacessíveis para a maioria dos historiadores.

139 Jean-Claude Schmitt se preocupa com o estatuto e as funções da imagem na cultura da Idade Média. Trata da ideia de que a imagem não é necessariamente a “transposição” do real. Algumas podem até ter um fundo, uma representação da realidade, mas não são a realidade. Além disso, a imagem possui outras funções. A função da imagem seria: (...) menos representar uma realidade exterior do que construir o real de um modo que lhe é próprio. Para o historiador, a questão será assim menos a de isolar e de ler o conteúdo da imagem, do que compreender sua totalidade, em sua forma e estrutura, em seu funcionamento e suas funções.390

Schmitt nos lembra que o historiador das imagens tem um duplo desafio: analisar a arte em sua especificidade e em sua relação dinâmica com a sociedade que a produziu 391. Os medievalistas trabalham quase sempre com imagens relacionadas explícita ou pelo menos implicitamente com um texto (o texto bíblico em primeiro lugar). Assim, é necessário sublinhar a especificidade das obras figuradas e suas consequências.392 A língua é diferente da imagem. Enquanto se apreende a mensagem transmitida pela língua com o desenrolar do discurso, com o passar do tempo, a imagem é apreendida em um tempo único uma vez que ela é vista em sua totalidade. Por tais especificidades, a imagem não é nunca a ilustração de um texto, mesmo no caso em que uma imagem tenha em vista um texto e se relacione diretamente com o seu conteúdo. A construção do espaço da imagem e a organização entre as figuras nunca são neutras: exprimem e produzem ao mesmo tempo uma classificação de valores, hierarquias, opções ideológicas. Assim, a análise da imagem deve levar em conta, tanto quanto os motivos iconográficos, as relações que constituem sua estrutura e caracterizam os modos de figuração próprios de certa cultura e de certa época.393 Ao expor alguns princípios de análise das imagens medievais, Schmitt explicita que, no que diz respeito à profundidade, deve-se considerar a estratificação dos planos. Na miniatura, às vezes, o fundo é constituído por uma camada de dourado. As figuras colocadas no “primeiro plano” parecem muitas vezes maiores do que as outras, deixando-se ver por completo e tendo privilégios no sistema de

SCHMITT, op.cit. 2007, p. 27. Ibid., p. 33. 392 Ibid. 393 Ibid., p. 34. 390 391

140 valores que constitui essas imagens. As figuras de fundo são parcialmente recobertas. A posição das figuras pode querer dizer a respeito da hierarquia social.394 A imagem será também considerada como superfície de inscrição, com uma hierarquia entre o alto e o baixo, entre a direita e a esquerda (às vezes do ponto de vista da imagem e às vezes do espectador) e, sobretudo, com uma compartimentação, um ritmo, uma dinâmica interna produzida por meio de traços figurativos (por exemplo, motivos arquitetônicos que contribuem para a organização da imagem solenizando o enquadramento de cada cena), mas também pelo sistema cromático próprio de cada imagem e à obra na qual se insere: nas miniaturas (mas pressente-se que devia ocorrer o mesmo nas pinturas murais e nas esculturas pintadas das igrejas), as cores produzem alternâncias, cruzamentos e ecos, que, reunidos, dão dinâmica à imagem, associando certas figuras entre si, conferindo certa temporalidade ao espaço figurativo, sustentando um eixo narrativo.395

As imagens estão unidas a seus usos. Cada uma tem sua distinção de acordo com materiais, dimensões e valores. Também nunca são neutras, pois manifestam e criam conceitos, hierarquias e um imaginário social. Jérôme Baschet propõe o uso da noção de imagem-objeto396. Esta concepção leva em conta o suporte material da imagem. Em seu estudo, Baschet destaca ainda a importância de se estudar a imagem “saindo dos limites que a margeiam materialmente”397, ou seja, investigar não só o que a imagem representa, mas para que serve. Além disso, distingue as imagens medievais em quatro níveis de análise: 1) a norma, definida pelos clérigos (que não é suficiente para dar conta do real); 2) a intenção, que compreende a análise das várias intenções e motivações; 3) os usos, que abrangem as manipulações ou qualquer outra forma de relação concreta com a imagem-objeto; e 4) o papel, que pode se apoiar em três níveis de precedentes, mas sem se reduzir a um deles: a) a imagem como objeto, b) como uma representação e c) como representação ligada a um objeto ou lugar que possui uma função própria. Este caminho é particularmente pertinente para a nossa análise das imagens da Légende dorée e é ele que procuramos seguir. Em primeiro lugar, observamos a norma, sabendo que o Ocidente medieval se caracteriza por uma intervenção normativa muito falha dos clérigos no domínio da produção das imagens. Não há uma intervenção sistematizada nesse momento da Igreja ocidental no domínio da iconografia. O que nos leva à análise da intenção dos ilustradores, tendo em conta a grande inventividade da arte religiosa medieval, que se caracteriza por uma abertura dos campos de

Ibid., p. 38. Ibid. 396 BASCHET, Jérôme, L’iconographie médiévale, Paris: Editions Gallimard, 2008, p. 25–54. 397 Ibid. 394 395

141 possibilidades dentro de um espaço social e ideologicamente dominado pela instituição eclesiástica. Uma inventividade que, sabemos, também está inserida no contexto da influência dos comanditários, eclesiásticos ou laicos. O jogo entre a intenção dos ilustradores e a apreensão da mensagem pelo espectador também será levado em conta, como detalharemos mais tarde. Outro ponto abordado por Baschet, os usos desses manuscritos, sua circulação e as práticas de leitura relacionadas a estes foram abordados no capítulo anterior. O papel/a função que essas imagens possuem no códice é outro nível de análise que nos revela, em primeiro lugar, a relação estreita que o espectador passa a ter com a representação do sagrado, no caso do manuscrito, sem a intermediação do clero. A imagem faz essa intermediação entre o espectador e o sagrado. Ao contrário da imagem presente na Igreja, esse tipo de ilustração se encontra no âmbito privado. Além disso, um códice é ilustrado por laicos e, no caso dos manuscritos da Légende dorée, encomendado também por leigos – não há interferência eclesiástica direta. Além disso, a imagens inserem o espectador numa experiência divina, não só de contemplação, mas de vivência do sagrado, como se ele participasse da cena. É necessário, portanto, situar a imagem medieval no seu aspecto material, promovendo a análise da produção do códice e da própria produção da imagem e das ilustrações dentro dele. Recuperar os mecanismos de produção e do produtor como um dos agentes sociais, a destinação (não apenas o destinatário) do manuscrito, seu uso e sua função é, portanto, imprescindível. Nenhuma imagem se encontra completamente isolada. Em geral, integra-se numa série: pode ser uma pré-existente ou uma construída pelo historiador.398 Como nos lembra Jérôme Baschet399, o estudo iconográfico deve repousar sobre a análise de um corpus mais completo quanto possível. A constituição de uma série supõe tratar uma produção massiva, evitando uma aproximação em termos de tipos iconográficos fixos, ou de modelos passivelmente reproduzidos de obra em obra. Através da análise serial, procura-se revelar as transformações, restituindo a cada obra sua singularidade. A análise seriada toma por objeto as “gamas de variações”, incluindo regularidades e combinação das variantes, além da exploração do campo de possibilidades figurativas. As imagens medievais revelam sua liberdade e sua extraordinária inventividade.

398 399

SCHMITT, op.cit. 2007, p. 41. BASCHET, op.cit. 2008, p. 260–262.

142 De outra parte, a análise serial não se limita à aproximação de um motivo pontual. Ela ambiciona reler entre eles os aspectos multiformes da iconografia medieval. É assim que a iconografia serial pode contribuir para uma abordagem problematicamente histórica das imagens medievais, atenta ao livre jogo e para a complexidade dos desenvolvimentos figurativos. Para Foucault, a imagem não é simplesmente um documento. Deve ser um documento/monumento que informa sobre o ambiente histórico que a produziu e ao mesmo tempo se oferece ao olhar como uma manifestação de crença religiosa ou uma proclamação de prestígio social.400 A imagem “(…) visa tornar-se um ‘lugar de memória’, um monumentum (…)”401 até porque a memória, tanto a individual quanto a coletiva, são compostas, segundo santo Agostinho, por imagens. Além de estudar as imagens na sincronia de sua base cultural, social e ideológica, o historiador deve também inserir as imagens no seu contexto, em uma ordem diacrônica e formar uma cronologia. Deve-se analisar o ritmo de transformação inerente às imagens e aos seus usos.402 Levando em consideração o papel de “fazer-crer” das imagens religiosas é interessante a contribuição de Jacques Durant na análise das imagens publicitárias. Durant, em seu texto “Rhétorique et image publicitaire”403, analisa a retórica como um instrumento que constrói o discurso das imagens publicitárias. Antes, é necessário traçar a relação estabelecida aqui entre a imagem religiosa e a imagem de propaganda. A publicidade é uma mensagem estruturada a partir de uma seleção de conteúdos que, por meio de códigos e suportes específicos, chega a um destinatário com a intenção de provocar nele uma mudança de comportamento, de desenvolver normas de conduta determinadas. Trabalhando com a imagem e a palavra, a publicidade apodera-se das técnicas retóricas com o objetivo de convencer e persuadir o público-alvo de que sua proposta é válida e seus anúncios representam a “verdade” mesmo que subjetiva. Ambas, a imagem religiosa e a imagem publicitária, pretendem captar a atenção, garantir a permanência de um "estado de alerta" nos receptores que possibilite a introdução das suas mensagens. Ambas, portanto se utilizam da persuasão. Isso exige a utilização de elementos que garantam a tomada de contato, com a qual a apelação pode ter uma resposta imediata. SCHMITT, op.cit. 2007, p. 47. Ibid. 402 Ibid., p. 47–48. 403 DURAND, Jacques, Rhétorique et image publicitaire, Communications, v. 15, n. 1, p. 70–95, 1970. 400 401

143 Para tanto, valem-se de estratégias retóricas a fim de construir o verossímil e, assim, provocar o espectador a atuar em conformidade com a mensagem veiculada. Em primeiro lugar, tenta-se captar a atenção mediante a presença no receptor de um antecedente informativo que facilite o contato e que predominantemente é composto de elementos conotativos e amplamente generalizados. A função essencial do componente conotativo é a de simples captação da atenção. E para isso vai buscar a adequação às exigências do público objetivo a quem a informação será dirigida. A imagem publicitária, assim como a religiosa, também é servida de elementos denotativos, mas nunca contém somente estes. Para Roland Barthes404, não há imagem puramente denotada que se contente em representar desinteressadamente uma realidade; ao contrário, toda imagem veicula numerosas conotações provenientes do mecanismo de certos códigos (eles mesmos submetidos a uma ideologia). Seguindo esse raciocínio, finalmente se chega ao que Barthes entende como os signos que compõem a terceira mensagem (mensagem simbólica, cultural ou conotada). Em sua acepção, esses signos configuram a Retórica da Imagem. Por isso acreditamos ser interessante utilizar o conceito de retórica da imagem para analisar as imagens das criaturas do mal na Légende dorée. A retórica da imagem, assim, seria constituída por um arcabouço de recursos de composição de imagens que são utilizados com o objetivo de persuadir o público, chamar sua atenção e fazê-lo atuar. Para Barthes405, nesse arcabouço se encontrariam algumas das figuras já descobertas pelos Antigos e pelos Clássicos. De acordo com Jacques Durand406 todas as figuras clássicas de retórica são encontradas na imagem publicitária. A abordagem do trabalho de Jacques Durand, assim como o de Roland Barthes, nos possibilita reconhecer que foi aberto um grande leque investigativo que pode servir ao historiador na análise do discurso persuasivo contido na iconografia. O estudo da retórica da imagem pode ser um instrumental interessante para a análise da mensagem religiosa.

5.7. A relação entre as imagens e o texto da Légende dorée

BARTHES, Roland, Rhétorique de l’image, Communications, v. 4, n. 1, p. 40–51, 1964. Ibid., p. 20. 406 DURAND, op.cit. 404 405

144 A análise da iconografia dos manuscritos da Légende dorée de Jean de Vignay requer alguns cuidados metodológicos. Em primeiro lugar, optamos por realizar uma exploração empírica de todos os manuscritos que contêm miniaturas, procurando aquelas que apresentam cenas em que se encontram os demônios. Em segundo lugar, fizemos um levantamento destas imagens, com vistas a produzir um banco de dados com informações como ilustradores, temas, personagens, elementos e objetos. Em relação às cenas de confrontos procuramos observar nas imagens quais personagens aparecem, com quais motivos eles se relacionam, a gestualidade, posicionamento e que relações se estabelecem entre si. Também tentamos estabelecer uma relação entre as imagens, observando nas representações do embate entre o bem e o mal as variações, superposições, estabelecendo uma tipologia. Como mostramos anteriormente, os estudos sobre a Légende dorée de Jean de Vignay tem explorado a iconografia dos manuscritos que apresentam este texto. Hilary Maddocks em sua tese analisou as imagens, ainda que de forma sucinta, quando apresentou a totalidade deste corpus de manuscritos.407 Como nos lembra a pesquisadora, em todo o grupo de manuscritos, a apresentação e o plano dos programas de ilustração são consistentes. Cada entrada de texto, se ilustrada, é aberta por uma única miniatura. No entanto, dentro desta estrutura, os ilustradores dos manuscritos da Légende dorée trataram a narrativa de Jacopo de Varazze de várias maneiras diferentes. A principal variável é o grau de fidelidade ao texto, às vezes, a iconografia é bastante estranha à Legenda Áurea, e é baseada em tradições pictóricas distintas. Em outros exemplos, os artistas observaram atentamente a narrativa, e criaram várias abordagens para a sua representação.408 Nestes códices, Maddocks percebeu dois tipos de ilustração. O primeiro tipo é a representação estática, que aparece nas festas santorais, que chamou de icônica. Entendemos icônica como uma representação clássica do santo com seus atributos individuais. O atributo pode ser um objeto emblemático, como os potes com unguentos dos santos Cosme e Damião; o instrumento do martírio, como a cruz de Santo André; ou simplesmente um animal, como o cordeiro de Santa Inês. Maddocks acrescenta entre as imagens icônicas algumas cenas que, na visão da pesquisadora, já se notabilizaram como atributos do santo como, por exemplo, a cena de São Jorge com o dragão. Por não considerar esse tipo de cena como icônica e sim como narrativa, por representar uma passagem da história do santo, não tomaremos aqui essa classificação para imagens que mostram cenas da vida 407 408

MADDOCKS, op.cit. 1990. Ibid., p. 24–25.

145 dos santos. Tomaremos por icônica somente a imagem do santo portando seus atributos, em pé ou sentado. Em muitos manuscritos o método mais comum de ilustrar a narrativa de um santo é mostrar a figura de frente para o espectador, sentado ocasionalmente, mas geralmente em pé, e quer segurando ou acompanhado por um atributo. Por causa da semelhança formal para o ícone sagrado, Maddocks, chama essa apresentação de icônica. O atributo associado, geralmente estabelecido pela tradição, era geralmente facilmente reconhecido como pertencente a este santo particular. Santa Catarina de Alexandria, por exemplo, é quase sempre retratada com uma roda, Santo Antão aparece muitas vezes em pé ou segurando em chamas, acompanhado por um porco que porta um sino, o atributo habitual de Santa Inês é o cordeiro. A natureza da relação entre o santo e o atributo varia. Às vezes, o atributo é o instrumento de tortura ou martírio do santo. Segundo sua hagiografia, Santa Catarina foi torturada na roda antes de seu martírio por decapitação. Outros santos mostrados com os instrumentos de sua tortura e morte são: São Bartolomeu segurando uma faca, São Sebastião com a flecha, São Lourenço, com uma grade de ferro em miniatura e São Quintino com um prego. Outros santos são retratados com um item peculiar à sua narrativa que não é o instrumento de sua tortura e martírio. Normalmente estes se relacionam com um milagre associado ao santo, São Dionísio segura sua própria cabeça e Santa Marta é acompanhada por um pequeno dragão. No entanto, nem todos os atributos têm uma conexão simples com a narrativa de Jacopo de Varazze. Às vezes, os santos aparecem com atributos que, apesar de sua ampla aceitação, não têm ligação com o texto da Legenda Áurea, ou mesmo com qualquer narrativa escrita. É interessante observar nas imagens dos códices da Légende dorée uma releitura do texto baseada em outras influências, como modelos pictóricos vigentes na época, desejo dos comanditários, concepções que eram apresentadas pela tradição oral. Santo Antão, um dos Padres da Igreja, é usualmente representado por chamas ardentes a seus pés, uma muleta em forma de tau, e/ou um pequeno porco que porta um sino. Não há fontes textuais para estes atributos. De acordo com Louis Réau409, o tau era já no Egito o símbolo da vida futura. O sino era um atributo dos eremitas que o conservavam para se defender dos ataques dos demônios, perturbados pelo barulho dos sinos como pela luz das velas. O porco é seu inseparável RÉAU, Louis, Iconographie de l’art chrétien: Iconographie des saints. 3 v, Paris: Presses universitaires de France, 1958, p. 101–115. 409

146 companheiro. Não se trata da personificação do demônio, das tentações pelas quais o santo deve passar, pois ele se comporta familiarmente como um bom cachorro. Ele faz alusão simplesmente a sua patronagem dos porcos cuja gordura era um remédio eficaz contra o fogo de Santo Antão. Esta intimidade do santo com o porco nas imagens só é encontrada no Ocidente. As flamas do fogo de Santo Antão que ardem sob seus pés ou do livro que segura na mão são uma alusão ao ergotismo, uma intoxicação causada pela ingestão de produtos contaminados pelo esporão-do-centeio (Claviceps purpurea), um fungo contaminante comum do centeio e outros cereais, tratado pelos Antonitas.

Figura 2- Santo Antão, B.N.F., ms. fr. 414, f. 50v.

As correspondências entre este santo e seus atributos parecem ser baseados em poderes e acréscimos de intercessão percebidas de diferentes fontes. Como as relações tipológicas medievais, essas conexões possuem multi-camadas, com base em uma variedade de fontes e associações, mas não na narrativa de Jacopo de Varazze ou em sua fonte principal, a vida por Atanásio. Uma fonte para um atributo que não se encontra no texto da Legenda Áurea é representada pelo cordeiro da virgem mártir romana, Santa Inês. Esta associação é muito comum e aparece na arte a partir do século VI, quando Santa Inês e seu cordeiro foram retratados nos mosaicos da Igreja de San Apolinário Nuovo em Ravena. O cordeiro, que não tem qualquer relação direta com a sua vida e milagres, tem a conotação geral do Cordeiro de Deus, foi, provavelmente, relacionado especificamente à santa através da associação com a palavra agnus.

147

Figura 3- Sainte Agnès, fol.47v., Bibliothèque Municipale de Rennes, ms. 266

Nestas figuras "emblemáticas" e cenas, a imagem fornece uma representação muito clara do santo, mas nem sempre ilustra esta, ou qualquer outra narrativa. No entanto, a ampla ocorrência de tais ilustrações hagiográficas pelo final da Idade Média atesta a sua utilidade. A relevância contínua de representações "icônicas" põe em discussão a percepção medieval destas ilustrações. Maddocks, portanto, justifica o uso dessas representações antes de tudo pela necessidade de produzir uma imagem “reconhecível” do santo – apoiando-se então numa iconografia “comum” fazendo referência aos seus usos sociais - assim como pelas condições de produção do manuscrito copiado numa oficina e depois iluminado em outra, as distâncias espacial e temporal contribuindo para criar uma disjunção entre o texto e a representação.410 Além disto, a iluminura, colocada entre o final de uma Vita e o início da seguinte, marca o início de cada legenda. A imagem precede, então, o texto. Este sistema ilustrativo não é exclusivo das Legendas Áureas: ele se encontra, com variantes, em outros manuscritos medievais. Mas ele resulta no legendário numa representação original do santo não somente a partir de sua figura, mas também

410

DONADIEU-RIGAUT, op.cit. 2004. p.LX.

148 de seu nome. Lá onde o texto das etimologias procura justificar através do nome do santo a eleição divina, a imagem revela a sua maneira a santidade do eleito.

Figura 4 - La Légende dorée, Paris, BnF, ms. fr. 242, fol. 168v, De saint Cyriaque

O ilustrador ou oficina muitas vezes utiliza a iconografia usual, entretanto, muitas vezes ignora a iconografia familiar, substituindo-a por grupos de figuras gesticulando. Por exemplo, no manuscrito da

149 BnF, ms. Français 241 a cena padrão de São Sebastião trespassado por flechas não ilustra a festa para o santo. Em vez disso ele é representado com um homem e duas mulheres (fol. 43), possivelmente representando Sebastião e as esposas de dois cristãos condenados à morte, embora a figura do homem não possa ser facilmente identificada.

Figura 5 - Paris, BNF, ms. fr.241 - s. Sébastien et parents éplorés, f. 43

Grupos similares de figuras gesticulando podem ser encontrados nas miniaturas para a Natividade da Virgem (fol. 236v) e Septuagésima (fol. 57v), E nenhum grupo pode ser facilmente interpretado através da leitura do texto. Esse manuscrito contém muitas cenas de figuras animadas aparentemente envolvidas em conversação. Assim, neste códice a apresentação usual do santo sozinho com seus atributos muitas vezes é substituída por esses grupos de santos – que apresentam seus atributos – conversando. Um segundo tipo de imagens, apresentado nos manuscritos da Légende dorée, chamamos de ilustração narrativa, que se liga a um episódio da legenda do santo ou da festa temporal. O tema mais apreciado nas representações narrativas é o do martírio, como já dissemos. As cenas de milagres, pregações, diálogos, confrontos com as criaturas do mal também fazem parte desse tipo de imagens. Embora as imagens "icônicas” apareçam nos manuscritos da Légende dorée do século XV, elas são menos comuns do que em alguns exemplares anteriores. Parece, então, que essas imagens simples não satisfazem certos requisitos de comanditários e leitores dos manuscritos.

150 Pelo fato de que a maior parte das entradas nos manuscritos é ilustrada por uma única miniatura, a representação da narrativa apresentava uma espécie de desafio para os ilustradores. Várias abordagens distintas para o problema da narrativa podem ser observadas no grupo dos manuscritos. Uma solução encontrada é situar a cena em um contexto específico. No caso de Santa Juliana, por exemplo, cada oficina escolheu uma passagem da vida da santa para representar.

Figura 6- Paris, BNF, ms. fr. 241 - martyre de s. julienne , f. 69v

Figura 7 - Paris, BNF, ms. fr. 242 - s. julienne liant le diable, f. 59v

151 A oficina de Richart de Montbaston escolheu a cena do martírio para representar santa Juliana, já a oficina encarregada do manuscrito da BNF, MS. fr. 242 preferiu mostrar a santa em um momento de triunfo sobre o diabo. Outro exemplo demonstra a tendência dos ilustradores da Légende dorée de usar iconografia que não encontra referência no texto de Varazze. São Nicolau, um santo popular, era o patrono das crianças e dos marinheiros. Em todos os manuscritos da Légende dorée, exceto um, P2, São Nicolau é representado levantando três meninos de uma banheira de água salgada. Esta história, em que o santo traz de volta à vida de três meninos que tinham sido assassinados, não foi incluída no compêndio de Varazze, embora tenha aparecido em outras fontes. Como certos atributos, esta iconografia particular foi associada com o santo de forma totalmente independente do texto.

Figura 8 - De saint Nicolas, fol. 10v, Paris, BNF, ms. fr. 241.

Um relato mais detalhado pode ser possibilitado através da repetição de figuras chave, e este método tem a vantagem de permitir comparações instrutivas a serem feitas. Miniaturas dos manuscritos da Légende Dorée com uma estrutura binária são bastante comuns, e eles geralmente envolvem a repetição de personagens principais. Como podemos observar na imagem de São Donato no manuscrito de Munique. A ilustração apresenta duas cenas: na primeira Donato submete um dragão, na segunda é martirizado.

152

Figura 9 - De saint Donat, fol.282v, Munique, Bayerische Staatsbibliothek, ms. Gall. 3

Os ilustradores são seletivos nos episódios escolhidos para representação. Os eventos mais comumente descritos são de martírio e milagres. Esta seletividade pode ser vista como um sintoma da natureza do texto, como uma narrativa hagiográfica, a Légende Dorée está preocupada com os mesmos episódios comuns aos modelos passio e vita. Como Sherry Reames observou411, as narrativas da Legenda Áurea tendem a manter-se aos fatos conhecidos da vida do santo. As imagens, assim, seguem a mesma retórica apresentada pelo texto da Legenda Áurea, insistindo nas cenas representativas da santidade como o martírio e os milagres, principalmente.

411

REAMES, op.cit.

153

Figura 10- De saint Etienne412, fol.26, Londres, British Library, ms. Royal 19.B.XVII

Figura 11- BNF, MS, Français 242, fol. 32v, Miracle de saint Hilaire413

A maioria das miniaturas dos santos, nos manuscritos da Légende dorée, são quase indistinguíveis das ilustrações hagiográficas nos livros devocionais. A iconografia é compartilhada entre estes livros, para não mencionar outros meios de representação pictórica, e os mesmos padrões e

O martírio do santo (apedrejamento) é representado na cena. Santo Estevão está ajoelhado, com as mãos em oração. Olha para um dos dois homens que estão atirando-lhe pedras. O rosto de Cristo aparece no alto da imagem. 413 Na cena, Santo Hilário expulsa as cobras da ilha da Gallinaria. 412

154 modelos são usados para ilustrar os livros devocionais e Légende dorée. A estrutura do texto da Legenda, organizada de acordo com o ano litúrgico, alinha-o com livros devocionais dispostos de forma semelhante, como os livros de horas. O conteúdo, no entanto, não é devocional somente. A análise do texto de Jacopo de Varazze nos mostra que este às vezes se assemelha a um tratado teológico. Em outros aspectos, a narrativa descritiva tem mais em comum com os relatos heroicos de um romance. As ilustrações da Légende dorée, iconografia que é geralmente baseada no texto, representam a narrativa de formas diferentes: detalhes sugerem a passagem do tempo, figuras-chave são repetidas, o espaço coerente é dividido em regiões por arquitetura ou formas naturais, ou o quadro é dividido em duas ou mais seções separadas. As cenas representadas não foram selecionadas arbitrariamente a partir do texto, mas de acordo com os princípios consistentes com um ponto de vista devocional. Cenas individuais, invariavelmente, retratam um momento importante na vida do santo: martírio, tortura ou um milagre. Miniaturas que representam mais do que uma cena dividida muitas vezes justapõem eventos "antes" e "depois", que enfatizam as qualidades inerentes ao santo. Estes eventos incluem a realização de um milagre, a passagem da ignorância para um estado de graça, ou a passagem para o reino dos Céus do santo através da tortura e martírio. Para o leitor devoto, estas miniaturas fornecem uma ilustração dos elementos mais importantes da vida do santo, que são estruturantes nas narrativas de suas vidas. Assim, concordamos com Hilary Maddocks414 de que há alguma indicação de que os ilustradores estavam recorrendo àquilo que conheciam do texto da Legenda Áurea para uma nova iconografia, o que representa um afastamento das tradições estabelecidas. O caráter dual revelado pela estrutura e programa iconográfico dos manuscritos da Légende dorée também é evidente na atitude dos ilustradores com a narrativa e na natureza de suas fontes iconográficas. Embora muitas ilustrações sejam consistentes com aquelas encontradas em breviários e livros de horas, alguns ilustradores trabalharam nos manuscritos estabelecendo uma relação estreita com a narrativa apresentada no texto. Isto não acontece com a maioria dos livros devocionais, que eram ilustrados com cenas já tradicionalmente associadas com a festa ou com o santo. Nestes códices, a representação simbólica do santo, por meio de um atributo ou uma cena convencional, serve melhor os conteúdos devocionais do texto. A ilustração dos manuscritos da Légende dorée, na maior parte de vezes se assemelha a estas dos livros devocionais. Entretanto, os ilustradores, inspirados pelo texto da Legenda, já 414

MADDOCKS, op.cit. 1990, p. 71–72.

155 conhecido e difundido pela tradição oral, também podiam escolher a passagem da vida do santo que melhor ilustrava a sua santidade, o que geralmente se traduzia pela representação do seu martírio ou milagre. A escolha pelo martírio ou o milagre reforça a ideia de que as imagens da Légende dorée reforçam a operação de persuasão contida no texto da Legenda Áurea. Esta persuasão se refere ao convencimento sobre a santidade do indivíduo retratado e da mensagem transmitida pela narrativa. Nesse sentido, as imagens fazem crer que aquele servo de Deus é dotado de uma força sobrenatural e, assim, merece ser reconhecido como uma pessoa especial. O posicionamento da imagem no fólio, quase sempre no início da narrativa, colocada junto à etimologia do nome do santo, reforça esse especto persuasivo.

156

CAPÍTULO 6 – AS REPRESENTAÇÕES DOS DEMÔNIOS NA LEGENDE DORÉE

6.1. As formas dos demônios

Através da observação das imagens dos demônios nos manuscritos da Légende dorée, chegase a conclusão de que o Diabo não é uma abstração, mas um ser tangível, caracterizado pela violência, por vezes extrema, com a qual ele atinge os homens. O Diabo é, por essência, uma criatura multiforme. Ele pode tomar a aparência de um homem, de uma criatura indefinida, de um animal ou de um espírito. Sua feiura é a marca exterior de sua maldade. Nenhuma representação única pode expressar plenamente a natureza multifacetada e complexa do diabo, que se manifesta através da diversidade e variedade de sua metamorfose. Essa dificuldade em traduzir pictorialmente o “maligno” remete a uma dificuldade de unificação desta entidade em textos do Antigo e do Novo Testamento, além de diversas representações orientais sobre o tema. Os textos bíblicos referem-se a este ente maligno com diferentes facetas. Uma hora ele é a serpente que provoca Eva (Gênesis 3, 4), outra ele é a sombra que induz Judas a entregar Jesus aos Romanos (Lucas 22, 3), noutra ainda, é a figura sedutora que tenta o Cristo (Mateus 4). No Apocalipse, é o dragão aprisionado no abismo por mil anos para depois voltar e levar os não eleitos para “o lago de fogo” (Apocalipse 20,15). No Juízo Final, é um agente da justiça divina, que, ao lado do Arcanjo Miguel põe na balança as almas dos homens. As representações pictóricas do Diabo provêm de diversas origens. Ídolos hindus, deuses egípcios, demônios mesopotâmicos, são alguns exemplos. Duas das referências marcantes desta figura de diferentes formas e rostos, são Pã, o sátiro da mitologia grega de chifres e cascos, e Bes, um deus egípcio de orelhas pontudas e língua de fora. Estas, contudo, não são as únicas referências na constituição deste personagem, visto que as imagens do “maligno” são tantas quanto as suas habilidades de negar o bem. Os demônios na Légende dorée são quase sempre magros e estão nus, cobertos de pelos, sempre repugnantes. Sua nudez representa o não pertencimento à sociedade e sua forma sempre é distorcida, relacionada com a bestialidade. Possuem um rabo e podem ter asas de morcego, que lembram a sua condição de anjos caídos. Suas extremidades são alongadas, mãos e pés possuem

157 garras. Suas cabeças são enormes e escuras, dotadas de chifres pontudos e cabelos eriçados, que evocam as chamas do Inferno.

Figura 12 - Arras, BM, ms. 83, c.1400, fol. 65v, De sainte Julienne (detalhe)

Figura 13 - Paris, BnF, ms. fr. 242, c.1402, fol.146, De saint Jacques le Majeur (detalhe)

158

Figura 14 - Paris, BnF, ms. fr. 244, fol. 9, De saint André (detalhe)

Apesar de possuírem asas, são poucas as vezes em que os demônios surgem nas imagens voando (figuras 13 e 15). E sobre este fato, deve-se lembrar do sistema de valores cristão hierarquizado do alto ao baixo. No alto, geralmente é representado o que está próximo de Deus, portanto os seres do mal na maior parte das vezes são presentificados fixos no chão, juntamente com os homens. Uma cor aparece constantemente nos textos e nas imagens para descrever ou representar os demônios: preto (figura 15). No Ocidente, a partir do século XI, essa é a cor diabólica por excelência415. Podem ocorrer variações como o marrom (figura 14) e o cinza (figura 13), mas sempre estão representados por uma cor escura. As trevas do Inferno se opõem à luz celeste, assim como Satanás se opõe a Deus. São frequentes também os diabos pretos e vermelhos (figura 16), duas cores que vêm diretamente do Inferno, caracterizando as trevas e as chamas. O Diabo as carrega sobre si, contribuindo para torná-las ainda mais maléficas.

415

PASTOUREAU, Michel, Preto: a história de uma cor, São Paulo: Senac/ Imprensa Oficial, 2011.

159

Figura 15 - Chantilly, MC, ms. 735, c.1365, fol.74, De saint Blaise (detalhe)

Figura 16 - Paris, BnF, ms, fr. 241, fol.158, De sainte Théodore (detalhe)

Os demônios podem apresentar, sobre uma parte do corpo – em geral a mais obscena, o baixo-ventre ou o traseiro – um segundo ou até mesmo um terceiro rosto, em forma de máscara. (figuras 16 e 17).

160

Figura 17 - New York, PML, ms. 672, fol.88v, De saint Antoine (detalhe)

Demônios são híbridos, possuem em si uma mistura de características animais e humanas, que causam temor. O demônio representado acima (figura 17), por exemplo, possui orelhas de cachorro, nariz de ave, cabelos arrepiados, rabo e patas de ave, no lugar dos pés. Por isso, muitas vezes eles se disfarçam para que possam atuar sem afugentar suas vítimas. Cabe dizer que os diabos são inteligentes, apesar de sua animalidade, e através de sua perspicácia conseguem alcançar seu objetivo. Esse disfarce dos demônios, que representa sua capacidade de se metamorfosear, oferece um desafio interessante para os ilustradores. Os diabos disfarçados são identificados pelos chifres (figuras 18 e 19) e pelas garras no lugar dos pés (figura 18). É interessante lembrar que os santos também possuem a habilidade de identificar a ação demoníaca, assim sempre percebem quando os demônios estão sob outras formas, como é o caso de Santa Juliana representado na figura 20, em que o diabo se disfarça de anjo para aconselhar a jovem.

161

Figura 18 - Rennes, BM, ms.266, c.1400, fol.266v, De sainte Justine vierge (detalhe)

Figura 19 - Paris, BnF., ms. fr. 242, fol.137, De sainte Théodore (detalhe)

162

Figura 20 - Paris, BNF, ms. fr. 6448, c. 1480, fol. 78, De sainte Julienne (detalhe)

Alguns animais são identificados com o mal, mesmo que não sejam os demônios em si. O dragão, a serpente, o lobo, o leão, o javali podem tomar na iconografia a característica de agentes do mal. Lucille Guilbert416 aponta que na Legenda Áurea, conta-se mais de 450 ocorrências de animais. O animal é percebido em sua realidade corporal e se servem dele para confirmar a santidade e os valores que o santo defende. Os gêneros didáticos da Idade Média abundantemente recorreram ao animal por causa das possibilidades metafóricas que ele permitia, do significado moral e religioso que se podia retirar dele. O simbolismo está presente nas obras teológicas e nos gêneros didáticos que, na sociedade cristã da Idade Média, estão estritamente ligados. O animal figura nestas obras, especialmente nos bestiários, em que são descritos segundo suas características, suas “naturezas” que traduzem um comportamento religioso, uma realidade metafísica, uma crença dogmática. O gênero didático dos bestiários só descreve o mundo animal para incluí-lo numa rede simbólica mostrando ao homem seu destino e a grandeza de Deus. A utilização do animal na Legenda Áurea, para Guilbert417, traz uma inclinação de espírito similar àquela dos bestiários. O animal adquire seu significado em sua associação com o homem com o qual se relaciona. O animal do bestiário, assim como o da hagiografia, é, por um lado, o animal empírico, ele mesmo; por outro lado, “representa”, “porta”, é algo de outro. Na hagiografia, o animal é um inimigo, uma presa, um auxiliar, uma distração.

416 417

GUILBERT, Lucille. In: DUNN-LARDEAU (Org.), op.cit., p. 78. Ibid., p. 79.

163 De acordo com a autora418, pode-se igualmente discernir dois níveis de utilização do animal na Legenda Áurea: 1. Emprego metafórico e simbólico do animal em uma linguagem, através das comparações, das analogias, das etimologias, etc.; 2. O animal-acontecimento, quer dizer, o animal considerado em sua presença real, corporal e em sua relação vivida, em seu encontro com o homem. A relação dos animais com os perseguidores dos santos se dá com a associação entre estes malfetores e os lobos, os cachorros, as serpentes e a todas as bestas das quais eles são donos ou através das quais colocam os santos em perigo. Os mágicos, por exemplo, fazem aparecer os cachorros e as serpentes que, no final, se voltam contra eles e os atacam, só deixando sua vida salva por obediência à vontade do santo. Isto ocorre na história de São Mateus (figura 21), em que o santo é abordado por dois mágicos, acompanhados por dois dragões que matam todos os presentes.

Figura 21 - Paris, BnF, ms. fr. 245, c.1480, fol.104, De saint Mathieu

418

Ibid., p. 80.

164 A relação animal/inimigo da fé se completa pela intervenção do santo ou da santa. Quando as bestas se submetem ao santo, temos a metáfora do bem que vence o mal. Este poder de conversão e de inversão radical do selvagem constitui uma das maiores provas do poder do santo 419. É o que ocorre na história de Santa Marta, por exemplo, que submete um dragão. O caso do dragão é bastante interessante, porque ele também pode ser identificado como serpente. Deve-se ter em conta que as tendências demoníacas de todos os híbridos se fundem no dragão.420 Dando ao dragão o aspecto serpentiforme, os ilustradores não fazem mais do que traduzir plasticamente o termo “draco”, que em latim significa simultaneamente dragão e serpente.421 Embora o aspecto físico do dragão não tenha sido jamais claramente estabelecido, na arte medieval ele apresenta geralmente um corpo alado, sobre dois pés com garras de leão ou de pássaro, terminando por uma longa cauda de réptil enrolada nela mesma. Os bestiários explicam que o monstro é a maior de todas as serpentes e sem dúvida de todas as criaturas terrestres. Supostamente vivendo na Etiópia ou na Índia, eles vomitam fogo e geram um calor muito forte. Os dragões dos bestiários possuem todo o poder em sua cauda, que eles utilizam para aniquilar sua vítima, batendo-a ou sufocando-a. O dragão pode mesmo matar um elefante, seu inimigo tradicional, se servindo de sua cauda para laçar suas patas, antes de enrolá-las em torno do paquiderme para sufocá-lo.422 Como homólogo da serpente, a imagem mais negativa do dragão apareceu no Gênesis, em que ele é a criatura maldita que incitou Adão e Eva à desobediência. Assim, a iconografia medieval utiliza a imagem do dragão – a maior das serpentes – para simbolizar o mal em geral e a heresia em particular; a Ordem do “Dragão Vencido”, criada em 1418, empregava a imagem do dragão submetido como símbolo da derrota dos heréticos.423

Ibid., p. 81. BENTON, J. R., Bestiaire Médiéval. Les animaux dans l’art du Moyen Age, Paris: Abbeville, 1992, p. 41. 421 Ibid., p. 41–42. 422 Ibid., p. 42. 423 Ibid., p. 42–43. 419 420

165

Figura 22 - Arras, BM, ms.83, c.1400, fol.64v, De saint Amand (detalhe)

Na figura 22, vê-se que a serpente que Santo Amando enfrenta é representada como um dragão, com cauda, orelhas e focinho, o que não corresponde à imagem que temos do dragão, parecida com o exemplar da figura 23. Já na figura 24, o dragão amansado por Santa Marta tem características de peixe. Ele vive na água e possui uma cauda de peixe, com escamas e barbatana. Entretanto, possui dentes em forma de presas e orelhas, além de chifres.

Figura 23 - Paris, BnF, ms. fr. 184, c.1402, fol.128, De saint Philippe apôtre (detalhe)

166

Figura 24- Paris, BnF, ms. fr. 242, c.1402, fol. 154, De sainte Marthe (detalhe)

O dragão representado na imagem de Santa Margarida se parece mais com um grande lagarto.

Figura 25 - Paris, BnF, ms. fr. 414, c.1404, fol. 199v, De sainte Marguerite

167 Os lobos também possuem relações com o mal. A narrativa sobre São Vedasto conta que este expulsou um lobo de igreja abandonada, algo que simboliza a expulsão do mal. Na imagem, o animal nada difere de um cão.

Figura 26 - Paris, BnF, ms. fr. 242, c.1402, fol. 58v, De saint Vaast

O topos do “diabo panzooico”, quer dizer, quando o diabo, para aterrorizar um santo, toma a figura de um grande número de animais, é muito corrente na hagiografia. O primeiro testemunho sobre o “diabo panzooico”, diz Pierre Boglioni424, se encontra na Vida de Santo Antão: o demônio se transforma em leopardo, touro, escorpião, lobo, urso, etc. Numa narrativa posterior atribuída a Gregório Magno, a lista de animais não é mais a mesma (os animais do deserto desaparecem para dar lugar aos animais do campo: porcos, abelhas, cobras...). A dimensão visual dá lugar à dimensão auditiva: o “antigo inimigo” imita os rugidos do leão, o zumbido das abelhas, o sibilar das cobras, os sons estridentes dos porcos. O tema continua e aparece na hagiografia monástica, com variantes mais ou menos significativas, durante toda a alta Idade Média.

BOGLIONI, Pierre, Les animaux dans l’hagiographie monastique, in: BERLIOZ, Jacques; BEAULIEU, Marie-Anne Polo de (Orgs.), L’Animal exemplaire au Moyen âge (Ve-XVe siècles), Rennes: Presses universitaires de Rennes, 1999, p. 70. 424

168 Nas representações de Santo Antão na Légende dorée, os demônios tomam a forma de diversos animais.

Figura 27 - Paris, BnF, ms. fr. 241, 1348, fol. 41, De saint Antoine (detalhe)

Figura 28 - Paris, BnF, ms. fr. 6448, c.1480, fol. 45v, De saint Antoine (detalhe leão)

169

Figura 29 - Paris, BnF, ms. fr. 6448, c.1480, fol. 45v, De saint Antoine (detalhe unicórnio)

Os leões também assumem uma relação com o mal, como já foi dito, através de sua relação com os seus donos. Na história de Santo Inácio, Trajano manda soltar dois leões sobre o bispo de Antioquia para vê-lo combater as feras. Os leões furiosos atacam o santo, mas somente o sufocam, sem tocar em sua carne425. Entretanto, na imagem do manuscrito da BnF, ms. fr. 6448, vê-se que o santo é ferido pelos animais. A presença de sangue em todo o corpo de Inácio, reforça a dramaticidade da cena, enfatizando o sofrimento do santo.

Figura 30 - Paris, BnF, ms. fr. 6448, c.1480, fol. 68, De saint Ignace

425

JACOPO DE VARAZZE, op.cit., p. 241.

170

6.2. As aparições do Maligno

As aparições dos demônios não podem ser dissociadas do barulho, dos gritos, enfim, da perturbação da ordem. Em contraponto ao silêncio da prece, à serenidade da meditação, à calma dos santos, o Diabo e seu séquito comportam agitação, frenesia, agressividade, sinais da antítese que representam. Alguns lugares são propícios para o surgimento de diabos, como o templo pagão. Nas hagiografias eles costumam habitar os ídolos que ficam nos templos. Um topos hagiográfico é justamente o demônio que se revela no ídolo pagão por intermédio do santo. Nas figuras 31, 32 e 33, vê-se a imagem de São Filipe no templo. O apóstolo foi aprisionado pelos pagãos, que quiseram forçá-lo a sacrificar diante de uma estátua de Marte. Mas, quando Filipe foi para o templo pagão, do pedestal do ídolo saiu um dragão que matou o filho do sacerdote que cuidava do sacrifício, dentre outras pessoas. Seu hálito envenenou os que estavam presentes. O santo curou os envenenados e ressuscitou os mortos, assim que os doentes juraram se converter. 426 Nas imagens, observa-se que o dragão sai da boca da estátua e não de seu pedestal.

Figura 31 - Paris, BnF, ms. fr. 241, c.1348, fol. 114v, De saint Philippe apôtre

426

Ibid., p. 401.

171

Figura 32 - Londres, BL, ms. Royal 19.B.XVII, 1382, fol.122, De saint Philippe apôtre

Figura 33 - Paris, BnF, ms. fr. 184, c.1402, fol. 128, De saint Philippe apôtre

172 São Tomé apóstolo também foi obrigado a fazer sacrifício a um ídolo, mas ordenou ao demônio que residia na estátua que a quebrasse427. Na figura 34, o demônio parece sair da boca da estátua também e a representação é muito semelhante a de São Filipe.

Figura 34 - Paris, BnF, ms. fr. 184, c.1402, fol. 17v, De saint Thomas apôtre

O demônio também surge no deserto, que, como já foi dito, é o lugar do enfrentamento com o mal, onde Jesus sofreu as tentações e os eremitas procuram se isolar do mundo e combater seus temores. Na iconografia, o deserto é representado como um ambiente arborizado, como uma floresta. Os demônios surgem para São Macário, eremita, neste ambiente, durante a noite. Uma boa parte das aparições demoníacas é no período noturno, durante o sono. O santo está dormindo sobre um esqueleto, num cemitério pagão, quando é atacado por diabos que querem retirar sua auréola, na figura 35. O ato de retirar a auréola do santo é comum nas imagens deste manuscrito de 1348, este simboliza a atuação dos demônios que é combater a santidade. Eles buscam sempre igualar os santos aos homens comuns, tentando provar que eles nada têm de especiais.

427

Ibid., p. 87–88.

173

Figura 35 - Paris, BnF, ms. fr. 241, 1348, fol. 39v, De saint Macaire

Já na figura 36, o demônio aparece para o eremita Macário com uma foice, pronto para atacálo. A representação corresponde a outro relato contido na hagiografia do santo, que também se encontra na Legenda Áurea428. Nesta cena, Macário atravessava um pântano para ir à sua cela, quando encontrou o diabo empunhando uma foice de ceifeiro com a qual queria atingi-lo, mas não conseguia.

Figura 36 - Paris, BnF, ms. fr. 414, c.1404, fol. 49, De saint Macaire

428

Ibid., p. 165.

174 Nas figuras 37 e 38, São Macário, erroneamente, está representado como bispo. Este tipo de confusão é bastante comum, por causa da popularidade de São Macário, bispo de Antioquia. Ele é abordado por um demônio, igualmente num espaço com vegetação. Na figura 38, a paisagem é bastante arborizada, como uma floresta, e rochosa.

Figura 37 - Munique, BS, ms, Gall 3, c.1430, fol. 28, De saint Macaire

Figura 38 - New York, PML, ms. 672, c.1465, fol. 85v, De saint Macaire

175 Um dos momentos em que encontramos os demônios na iconografia é na morte, quando o indivíduo tem sua alma disputada entre anjos e demônios. Nesta hora ocorre um julgamento particular de cada alma, do qual discorremos mais adiante. Mas também um tema muito recorrente na iconografia dos diabos é fim dos tempos, o Juízo Final (figuras 39 e 40). No Evangelho de Mateus429 afirma-se que, no último julgamento, Cristo separará os homens e dirá aos que estiverem à sua direita: “Vinde, benditos de meu Pai, recebei por herança o Reino preparado para vós desde a fundação do mundo.” Em seguida, dirá aos que estiverem à sua esquerda: “Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno preparado para o diabo e para os seus anjos.” E irão estes para o castigo eterno enquanto os justos irão para a vida eterna. João, em seu Evangelho430, situa o julgamento final em um contexto de ressurreição, diz que “Vem a hora em que todos os que repousam nos sepulcros ouvirão sua voz [de Cristo] e sairão; os que tiverem feito o bem, para uma ressurreição de vida; os que tiverem praticado o mal, para uma ressurreição de julgamento.” As representações do Juízo final431 possuem uma função social bastante peculiar: elas deveriam suscitar nos fiéis o temor do julgamento. A intenção desse tipo de imagem seria a de auxiliar o fiel a se preparar de forma mais adequada para a morte e para o posterior juízo, ao fazê-lo meditar sobre os destinos possíveis após a morte e também após o fim dos tempos, visando a mudanças de comportamento enquanto ainda haveria tempo. O tema do Juízo final possui grande destaque na arte ocidental pelo menos desde o século XI. Nesse momento, a composição costumava sofrer poucas variações: no centro o Cristo juiz; de um lado os eleitos no Paraíso, de outro os condenados que se dirigem ao Inferno; ao redor do Cristo, grupos de santos. Nessas imagens mais antigas do Juízo final, Paraíso e Inferno, em geral, são apenas sugeridos, e não efetivamente representados – o primeiro com a imagem do seio de Abraão ou do cortejo de eleitos diante de uma porta, o segundo aludido pela Boca do Inferno; o destaque, nesses exemplos, recairia especialmente sobre o julgamento, sobre a separação entre os eleitos e condenados. Essas representações possuiriam especialmente uma função de memória, de recordar os fiéis de que haverá um julgamento futuro, e que devem, portanto, se preparar para ele.

Mateus 25, 31-46. João 5, 25-29. 431 Sobre o tema: Cf. QUÍRICO, Tamara, As funções do Juízo final como imagem religiosa, História, v. 29, n. 01, 2010; QUÍRICO, Tamara, A iconografia do Inferno na tradição artística medieval The iconography of Hell in Medieval artistic tradition, Mirabilia, v. 12, 2011. 429 430

176

Figura 39 - New York, PML, ms. 672, c.1465, fol. 5, Jugement dernier

A figura 39 é rica em detalhes. Nela, Cristo, parcialmente nu, mostra as feridas, sua mão direita está levantada, num gesto de benção. Ele está sentado num arco-íris, os Seus pés apoiados no globo. Ele é ladeado por dois anjos, sentados em nuvens recortadas, que tocam trompetes. Há dois grupos de eleitos. Também ao lado de Cristo, nas extremidades do arco-íris, estão a Virgem Maria, com as mãos unidasem oração, e João Batista, que levanta a mão direita ao peito, sentados em nuvens recortadas. Abaixo da imagem, seis figuras emergem de sepulturas, incluindo uma freira, um papa usando tiara tripla, um imperador coroado, e um monge. Este último é retirado do túmulo pelo diabo verde com uma garra de ferro.

177

Figura 40 - Bruxelles, BR, ms. 9228, c.1405, fol. 7, De l’Avènement de Notre-Seigneur (detalhe)

Na figura 40, Cristo, que mostra suas feridas, está entre anjos que portam fitas com dizeres. Embaixo estão à esquerda da imagem, os eleitos que estão entrando na porta do Paraíso, guiados por um anjo, e os condenados, à direita, que estão entrando no Inferno (que é representado somente por uma porta). Um demônio empurra os condenados para a porta do Inferno, representado pelo Leviatã. Esse monstro – Leviatã - é comumente utilizado na representação infernal e tem uma origem bíblica. No Antigo Testamento, a imagem do Leviatã é retratada pela primeira vez no Livro de Jó, capítulo 41. Sua descrição em tal passagem é breve. Ele foi considerado pela Igreja Católica durante a Idade Média, como o demônio representante do quinto pecado, a Inveja, também sendo tratado como um dos sete príncipes infernais. Não se deve perder de vista que nas diversas descrições no Antigo Testamento ele é caracterizado sob diferentes formas, uma vez que se funde com outros animais. Formas como a de dragão marinho, serpente e polvo também são bastante comuns. O Livro de Jó,

178 capítulos 40 e 41, aponta a imagem mais impressionante do Leviatã, descrevendo-o como o maior (ou o mais poderoso) dos monstros aquáticos. A origem histórico-mitológica deste animal é uma questão um tanto obscura. Não obstante diferentes interpretações, o Leviatã aparece na Bíblia sob a forma do maior dos animais aquáticos, como um crocodilo ou então na forma de um enorme peixe, uma baleia. Sua associação ao Inferno é curiosa e não está totalmente explicada, o que se sabe é que essa criatura poderosa está relacionada ao mal como um todo e foi utilizada na representação do Inferno com o intuito de trazer um medo ainda maior relacionado ao lugar. Outro tema recorrente em que os demônios se apresentam é o da descida de Cristo aos Infernos ou ao Limbo (figura 41). No Novo Testamento, este evento é atestado pelo apóstolo Pedro. Ele, em sua primeira epístola432, diz que Cristo foi “pregar aos espíritos em prisão”. Detalhes mais numerosos e precisos são dados por textos apócrifos judaicos e cristãos entre os séculos I e V, apesar das condenações dos Pais da Igreja. No Evangelho de Nicodemos, que exerceu grande influência na iconografia cristã a partir do século V, o episódio da descida de Cristo aos Infernos é descrito em detalhes. De acordo com este apócrifo, a descida foi antecedida pela ressurreição de Lázaro dos mortos antes da crucificação. Já o Limbo dos patriarcas é um lugar provisório para onde vão os justos do Antigo Testamento. Depois da sua morte redentora, Jesus Cristo, desceu à "mansão dos mortos" e transportou todas estas almas santas para o Céu, desfazendo assim o "limbo dos patriarcas ". Na figura 41, Cristo, com as feridas da crucificação, leva os personagens do Antigo Testamento para fora do Limbo. Os demônios aparecem ao fundo com as almas que estão no Inferno.

432

1 Pedro 3, 18-22.

179

Figura 41 - Paris, BnF, ms. fr. 244, c. 1480, fol. 118, Du temps de déviation (detalhe)

Os seres do mal ainda podem surgir no Purgatório de São Patrício. Na figura 42, são representadas duas cenas: Nicolau, um nobre, fica na entrada de um buraco no Purgatório, de onde saem dragões. No fundo, São Patrício aponta para um homem que puxa outro de um poço. Esta última imagem não é explicada pelo texto, mas provavelmente se refere também ao Purgatório. Muito tempo depois da morte de São Patrício, Nicolau quis se penitenciar de seus pecados no Purgatório. Lá encontrou demônios, que tentaram seduzí-lo com promessas, e animais ferozes, que rugiam para ele433. Estas bestas se apresentam na figura abaixo, sob a forma de dragões.

433

JACOPO DE VARAZZE, op.cit., p. 308.

180

Figura 42 - Paris, BnF, ms. fr. 244, c.1480, fol.104v, De saint Patrice

Um momento igualmente proprício para a presença dos demônios é quando o indivíduo cai no erro do pecado. Encarnação absoluta do mal, o Diabo e seus sequazes cristalizam em torno de si um grande número de noções julgadas negativas: vícios, violências, doenças, anormalidades, ameaças contra a Igreja, etc. O Maligno é um exilado, está totalmente apartado do povo de Deus, após sua queda ao sucumbir ao pecado do orgulho. Movido pela inveja dos homens, busca sempre levar os homens ao erro, é um tentador. Nesse sentido, o pecado é tido pelos teóricos da Igreja como uma prisão em que o indivíduo perde sua liberdade e torna-se um escravo do Diabo. As imagens do manuscrito do Fitzwilliam Museum, ms. 22, de c.1490, mostram uma série de momentos em que os homens descumprem os mandamentos e se colocam na prisão do Demônio. Suas más atitudes sempre são acompanhadas pelos demônios. Na figura 43, vê-se uma representação do sexto mandamento que diz “Não cometerás adultério” (Ex 20, 14). Nela, um homem é auxiliado pelo demônio a flertar com uma moça – que se

181 supõe ser casada – através da janela. Na imagem, claramente o diabo contribui para que o rapaz cometa o pecado e descumpra a lei divina. O demônio alado se apresenta com a língua de fora e porta um instrumento de ferro com o qual empurra o homem para cima, em direção à janela. Sua expressão travessa dá a entender que se diverte com o fato. O erro, assim, é algo que agrada ao demônio por tornar o homem seu servo.

Figura 43 - Cambridge, FM, ms. 22, fol. 91, De Sixième Commandement

Já na figura 44, têm-se a ilustração do sétimo mandamento: “Não roubarás”, que proíbe o furto. Neste caso, um homem negocia com outro, enquanto um ladrão o rouba. O demônio, por sua vez, faz um gesto parecido com o do ladrão, colocando suas mãos na nuca do homem como se estivesse para pegar algo. Entretanto, não dá para ver se chega a roubar algo do homem. Parece que a atuação do demônio vai no sentido de encorajar o homem a cometer o crime. É como se exercesse uma pressão para que o ladrão concluísse o seu ato pecaminoso.

182

Figura 44 - Cambridge, FM, ms. 22, fol. 91, De Septème Commandement

Estas imagens que ilustram os mandamentos, mostram as diferentes formas de se desagradar a Deus, sempre com a atuação do Diabo. Vê-se que este não força em nenhum momento os indivíduos a pecar, mas sua participação se dá através do incentivo. Portanto, existe um objetivo pedagógico nestas representações de ensinar que o pecador está sempre ligado ao Diabo. Este último estimula o homem a cometer erros justamente para mantê-lo sob seu domínio e afastá-lo da salvação. Portanto, a lição é para que o homem procure sempre permanecer no caminho da retidão, evitando as tentações para que possa vislumbrar a salvação eterna.

183

CAPÍTULO 7 – O CONFRONTO E PERSUASÃO NA LÉGENDE DORÉE

7.1. A luta pela alma

Um dos tipos de confronto entre o bem e o mal representados na iconografia da Légende dorée é o da luta pela alma. Ela ocorre depois da morte do indivíduo, quando sua alma sai do corpo e é alvo de uma disputa entre os anjos e os demônios. Na Legenda Áurea, um caso bastante emblemático de combate por um espírito, se encontra na narrativa sobre São Forseu. Forseu434 era filho de Fintan e Gelgès. Fintan seu pai era o filho do rei de Munster, sua mãe, Gelgehes era a filha de um chefe de clã irlandês. Seus irmãos também Feuillen e Ultan eram santos missionários. Educado por religiosos, tornou-se especialista no conhecimento das Escrituras Sagradas e se tornou um monge. Forseu, na Irlanda, fundou o mosteiro de Kilursa perto de Galway. Muitas vezes ele saiu à evangelização dos países vizinhos. Um dia, em que estava em uma missão no reino de seu pai, ele adoeceu. Durante sua doença, ele teve visões e êxtases que o fez ver as provações e tribulações reservadas para sua vida. Recuperado, ele decidiu construir um novo mosteiro. Ele foi para a Inglaterra e com o apoio do rei Sigeberto, rei de East Anglia, ele fundou o mosteiro de Cnobbetsburg (Burgh Castel, Norfolk). Então deu a direção do mosteiro para seu irmão Foillan, e se retirou para o deserto com seu outro irmão Ultan para se engajar na contemplação e penitência. Penda, rei da Mércia, tirou os dois de seu retiro, eles, em seguida, foram para a Gália num possível desejo de ir a Roma. Eles desembarcaram em Quentovic (Etaples) por volta de 639. Chegando no norte da Gália, Forseu realizou milagres que levaram Erchinoald, prefeito do palácio sob Clovis II a acolhê-lo em seu castelo de Péronne e pedir-lhe para batizar seu filho. Ele, em seguida, pediu-lhe para fundar um mosteiro num dos seus domínios. Assim Forseu fundou o mosteiro de Saint-Pierre Lagny-sur-Marne, perto de Chelles, por volta de 644. Forseu também fundou a abadia de Mont Saint-Quentin, perto de Péronne. Ele decidiu voltar à Inglaterra para visitar o mosteiro que tinha criado e ver seu irmão. Chegando em Mézerolles, aldeia de Ponthieu, ele adoeceu. Morreu em 16 de janeiro por volta de 648. MULCAHY, Cornelius. "St. Fursey." The Catholic Encyclopedia. Vol. 6. New York: Robert Appleton Company, 1909. Acesso em: 9 Feb. 2015 Disponível em: . 434

184 Na história, o santo tem uma visão perto da sua morte: viu dois anjos chegarem até ele para levar sua alma e um terceiro, armado de espada e escudo. Também viu demônios lançando flechas incendiárias contra esses anjos. Depois disto há uma discussão em que as criaturas do bem e as do mal argumentam pela inocência ou condenação da alma de Forseu. Em seguida, o embate entre anjos e demônios é apresentado de forma bastante detalhada. É importante destacar aqui a questão do sonho que na Legenda Áurea toma um caráter exemplar, cuja fonte é divina. Influenciada pela tradição antiga e pelos textos bíblicos, surgiu na Idade Média uma literatura visionária em que o sonho geralmente assumia a forma de uma alegoria, porque envolvia conflitos morais e espirituais. Alguns exemplos conhecidos de alegoria do sonho incluem: Le Roman de la Rose (c.1227) e a Divina Comédia de Dante. Rejeitando as experiências oníricas ligadas a entidades demoníacas e ao mundo dos mortos, os textos medievais deram continuidade à interpretação dos sonhos e das visões como uma manifestação divina, um diálogo com Deus em que a Verdade e a Sabedoria são reveladas. Assim, a elite de sonhadores da Antiguidade foi substituída por santos, mártires e ermitas, estes eram considerados sonhadores verdadeiros que, devido às suas virtudes e condutas, se aproximam da esfera divina. Paralelamente ao sonho surgiu a experiência visionária que segundo Alberto Magno (1200-1280) é o grau mais elevado da classificação dos sonhos. A experiência visionária, que ocorre em estado de vigília ou de êxtase, implica um processo de purificação que geralmente se realiza através de viagens extraordinárias a lugares transcendentes, onde se acede ao conhecimento e ao contato divino. O sujeito liberta-se do seu corpo e dos seus sentidos, elevando-se em espírito às esferas do sagrado – ao Paraíso. O caráter profético das visões predomina nas viagens em que primeiro se assiste à descida ao Inferno por onde começará a viagem iniciática e só depois a elevação ao mundo celestial. Só assim sendo possível a redenção do sujeito que terá a missão de transmitir aos outros tudo aquilo que lhe foi revelado. Este tipo de experiência visionária pode ser incluído na literatura apocalíptica, da qual faz parte A Visão de Túndalo435 Como nos diz Jacques le Goff436, até o século XII, o cristianismo considerava três origens para os sonhos: Deus, os demônios e o homem. Por uma de suas fontes ser demoníaca, era exercida por parte da Igreja certa vigilância sobre os sonhos. Estes eram divididos em verdadeiros ou falsos, os últimos se configurando como ilusões dos demônios. Cf. ZIERER, Adriana, Paraíso versus Inferno: a Visão de Túndalo ea Viagem Medieval em Busca da Salvação da Alma (séc. XII), Mirabilia: electronic journal of antiquity and middle ages, n. 2, p. 150–184, 2002. 436 LE GOFF, op.cit. 1994, p. 283–333. 435

185 Ainda de acordo com Le Goff437, o século XII pode ser considerado um momento de reconquista do sonho pela mentalidade medieval. Este desempenha um papel na recuperação da cultura antiga, sendo explorado não somente pela hagiografia, mas também por uma literatura política. Nas Vidas de santos, o sonho legitima a santidade: é concedido por Deus para poucos privilegiados. Na retórica hagiográfica, essas visões se tornam uma forma de contar o que se pode esperar do outro mundo, alertando aos fiéis para serem vigilantes em relação à sua conduta na terra. Na iconografia, vemos que a representação da visão de Forseu varia bastante em número de anjos e demônios. A batalha também é exibida de muitas maneiras, os anjos podem estar armados, como conta a Legenda, de escudos e espadas, e os demônios também podem possuir flechas, ou massas e instrumentos de ferro com duas pontas curvadas. Estes últimos são os principais armamentos que portam os demônios nas imagens. Na imagem do manuscrito de Rennes (figura 45), vemos dois anjos lutando contra apenas um demônio. Entretanto, trata-se de um demônio bem grande. Nenhum dos combatentes se utiliza de alguma arma, o confronto é representado apenas pela gestualidade. Os anjos e o diabo seguram os braços da figura que representa a alma do santo e a puxam em direções opostas. É bastante comum observarmos a alma fora do corpo sendo presentificada na forma de uma criança nua. A pesquisadora Maria Isabel Roque438 associa essa representação com uma apropriação da Psyche grega pela iconografia da alma cristã. Na iconografia bizantina439, a alma é ocasionalmente representada como uma forma humana, uma criança pequena branca enrolada com faixas. Esta exprime sua separação do corpo causada pela morte. Esta representação se encontra desde a arte paleocristã, em espaços associados à morte como as catacumbas ou os sarcófagos. Depois da representação simbólica, vê-se o início da formalização corpórea da alma, invocando o conceito aristotélico da semelhança com o corpo a que dá a vida. Na arte medieval, a iconografia da alma que se separa do corpo tem um sentido de catequese escatológica quer através do exemplo das almas santas que os anjos conduzem diretamente ao Céu, onde são acolhidas por Cristo, quer através do combate entre anjos e diabos pela sua posse. Essa

LE GOFF, Jacques, Os sonhos na cultura e na psicologia colectiva do Ocidente Medieval, in: Para um novo conceito de Idade Média: tempo, trabalho e cultura no Ocidente, Lisboa: Editorial Estampa, 1993, p. 287. 438 ROQUE, M.I.. Dar corpo à alma: representações na iconografia medieval. In Gaudium Sciendi. Lisboa: Universidade Católica Portuguesa. N.º 6 (Jun, 2014.), pp. 200-227. 439 BONNETTY, M. A., Annales de Philosophie Chretienne, [s.l.: s.n.], 1839, p. 62–65. 437

186 representação traz de forma pedagógica o destino da alma após a morte e tem o papel de provocar a reflexão do fiel sobre suas atitudes e, com isso, propor uma mudança de conduta.

Figura 45 - Rennes, Bibliothèque Municipale, ms. 266, f.269v, De Saint Fursy

Nesta figura acima, os personagens que participam da disputa possuem tamanho desproporcional: dois anjos não chegam ao tamanho do grande e feroz demônio. A alma, representada pela criança nua, está no meio da cena, tornando difícil saber qual será o seu destino. O demônio impõe temor pelo seu tamanho, além da sua monstruosidade. Já na imagem do manuscrito da BnF. Ms. fr. 242 (figura 46), vemos uma representação um pouco distinta da anterior. Nela, três anjos recebem a alma de Forseu enquanto dois demônios armados com instrumentos de ferro disputam com um dos anjos um pergaminho. Este significaria, de acordo com a narrativa sobre o confronto, uma espécie de contrato sobre a alma do indivíduo. A alma já se encontra com os anjos, o que indica sua vitória sobre os demônios. É o pergaminho, neste caso, que se encontra no meio dos personagens angélicos e demoníacos. Nas duas

187 imagens, 45 e 46, vê-se a contraposição entre a pureza, a calma, a tranquilidade, a ternura transmitida pelos anjos em relação à feiura, agressividade, escuridão, terror passados pelos diabos.

Figura 46 - Paris, B.N.F., ms. fr. 242, f.218v, De Saint Fursy

Como observamos no detalhe da imagem (figura 47), os anjos e demônios não disputam diretamente a alma de Forseu e sim o contrato que daria a posse desta. Hilário Franco Junior, em sua apresentação da edição brasileira da Legenda Áurea, nos lembra que a psicologia coletiva medieval possui duas características complementares: o belicismo e o contratualismo440. A primeira seria uma interpretação do mundo como palco de uma luta initnerrupta entre o bem e o mal. Já a segunda, tem a ver com o fato de que era inevitável firmar uma espécie de contrato com um dos lados. Cada ser humano deveria escolher entre Deus e o Diabo e ao seu superior prometer fidelidade. O outro lado também teria como compromisso ajudar o fiel – dando a ele o que merece - e protegê-lo. 440

JACOPO DE VARAZZE, op.cit., p. 18–19.

188 Na imagem vemos esse contrato simbólico ser presentificado, se tornar material. Anjos e demônios disputam para saberá quem Forseu jurou fidelidade. Na narrativa escrita, como já foi dito, a disputa se dá através de um diálogo em que as partes elencam vícios e virtudes do indivíduo. Este momento é mostrado na iconografia com a disputa pelo contrato.

Figura 47 - Paris, B.N.F., ms. fr. 242, f.218v, De Saint Fursy (detalhe)

A questão contratual também se apresenta nas representações dos pactos demoníacos, que também se enquadram no tema da luta pela alma. Os santos atuam no sentido de romper este contrato do homem com o demônio e impedir a ida de sua alma para o Inferno. De acordo com o Malleus Maleficarum, o pacto era um ato marcava o rompimento com Cristo e transformava o indivíduo em servo do Diabo. Ele seguia algumas regras básicas: Atentemos, em particular, para o fato de que para a prática desse mal abominável são necessários quatro principais elementos. Em primeiro lugar, é necessário, do modo mais profano, renunciar à fé católica, ou negar de qualquer maneira certos dogmas da fé; em segundo lugar, é preciso dedicar-se de corpo e alma à prática do mal; em terceiro lugar, há de ofertar-se crianças não-batizadas a Satã; em quarto, é necessário entregar-se a toda sorte de atos carnais com Íncubos e Súcubos e a toda a sorte de prazeres obscenos.441

441

KRAMER; SPRENGER, op.cit., p. 77.

189

Entretanto, as representações do pacto na Légende dorée estão longe da ideia de atos carnais com demônios. A aliança entre o homem e o Diabo era realizada tendo em conta a recusa à fé cristã e a aceitação da servidão ao Demônio, através de um contrato assinado. Cabe lembrar o valor da palavra escrita como meio de preservação da memória e do documento escrito como um monumento. O contrato por escrito dá concretude para as intenções firmadas oralmente. Este é o caso narrado na hagiografia de São Basílio442, que rompe o contrato realizado entre um rapaz e o Diabo. O escrevo decide procurar o Maligno depois de se apaixonar perdidamente por uma jovem. O pacto se dá com um documento em que o ele renuncia a Cristo, ao batismo, à fé cristã e reconhece que é escravo do Demônio. Depois de ser obrigado a contar para a enfim esposa o que havia acontecido, o escravo encontra o santo que lhe promete resolver a questão. São Basílio garante que Deus é complacente e aceita o arrependimento sincero. Então, o rapaz é atormentado por demônios, que tentam arrancá-lo das mãos do santo. Este momento é representado na imagem abaixo, em que São Basílio e o Diabo puxam o escravo.

Figura 48 - Chantilly, MC, ms.735, c.1365, fol. 74, De saint Blaise

442

JACOPO DE VARAZZE, op.cit., p. 193–196.

190 Vê-se na capitular “S”, uma disputa física pelo corpo do rapaz ainda vivo. O Demônio já não tem mais a certeza de que o pacto escrito será cumprido, por isso resolve conseguir a alma através da força. Vê-se que o rapaz olha para o santo, indicando na representação sua disposição a não seguir o Diabo. O santo o segura firmemente, mostrando que não está disposto a deixar o homem ir. O pacto é uma definição do destino da alma que se dá ainda em vida. Para o indivíduo que tem um contrato com o Diabo, o futuro é um só, o Inferno. Entretanto, a ação do santo consegue reverter este quadro, graças ao poder que lhe foi concedido por Deus.

Figura 49 - New York, PML, ms. 672, c.1460, fol.103, De saint Blaise

Na figura acima, a representação da história do pacto do escravo e a intervenção de Basílio é estruturada em duas cenas distintas. Na primeira cena, o escravo realiza o pacto com o Diabo, que segura o crochet na mão direita. Ele estende a mão esquerda para receber o pacto escrito realizado pelo escravo, que ajoelha-se diante do Demônio, reconhecendo sua autoridade e submetendo-se a ela. Já a segunda cena ocorre dentro do espaço arquitetônico, onde o escravo tem a sua alma reivindicada pelo Diabo. À direita, ele voa pela porta do edifício, segurando seu gancho de ferro na mão

191 direita e o pacto na mão esquerda. O Demônio se encontra acima do grupo de personagens, incluindo o escravo de joelhos, com as mãos unidas, e Basílio, usando vestes de bispo e a mitra, segurando báculo na mão esquerda. O santo estende a mão direita em direção ao Diabo, recebendo o contrato pela alma do rapaz. Pode-se perceber que o rapaz na segunda cena repete o gesto de se ajoelhar, realizado na primeira, e se submete novamente, agora ao santo. Suas mãos unidas em prece indicam que aceitou novamente a fé cristã. Uma diferença entre os gestos realizados pelo escravo é que na primeira cena, ele está sobre um joelho só o que nos dá o sentido de uma submissão no sentido feudal do termo. Já a segunda submissão é de fato religiosa, complementada com as mãos em prece. Vemos também na imagem que o Demônio utiliza uma arma, um instrumento de ferro recurvado, uma espécie de gancho, que em francês recebe o nome de crochet. Não se encontrou na análise das imagens da Légende dorée nenhum demônio utilizando quallquer tipo de espada ou punhal. Suas armas mais comuns são as massas, o arpéu, o forcado e o crochet. Talvez esta seja também uma forma de diferenciação dos espíritos malignos, apartados da sociedade cristã, em relação aos eleitos. Outros sinais da diferença já foram mencionadas aqui, mas cabe lembrar que são a cor negra, a falta de vestimentas, a presença de pelos, dentre outros. Nesta outra imagem da visão de São Forseu vemos que um anjo utiliza um escudo, o que é explicitado na narrativa. Um demônio usa uma espécie de forcado.

192

Figura 50 - New York, Pierpont Morg. Lib., ms. M 675, f.105, De Saint Fursy

Figura 51 - New York, Pierpont Morg. Lib., ms. M 675, f.105, De Saint Fursy (detalhe)

Da mesma forma que na figura 46, os anjos já estão com a alma de Forseu, enquanto que os demônios procuram atacá-los. A imagem mostra exatamente o que ocorre na narrativa: os anjos

193 vencem a batalha. A listagem de pecados do santo não foi suficiente para levá-lo ao Inferno, pois: “Enquanto a misericódia divina espera atos de penitência da parte de um homem, não o abandona”. 443 Diferentemente das imagens anteriores, aqui já se vê Forseu dentro de uma casa, deitado na cama, cercado por duas pessoas. A cena da disputa pela alma se dá no ambiente externo. Aliás, tratase de uma diferença das imagens do século XV para as representações de períodos anteriores, nelas há uma noção de perspectiva. Na miniatura do manuscrito de Munique (figura 53), pode-se observar que os anjos e um demônio batalham pela alma do santo, representada como sempre por uma criança nua. O demônio está perdendo a luta e voltando para o Inferno, representado por um buraco na terra. A representação da derrota do demônio é explicitada através da queda. A semelhança com a iconografia da queda dos anjos maus pode significar que esta foi tomada como referência pelo ilustrador. Cabe aqui lembrar o relato do Livro do Apocalipse de João, em que é descrita a batalha do Diabo com o anjo Miguel e a sua consequente queda dos Céus: Houve então uma batalha no Céu: Miguel e seus Anjos guerrearam contra o Dragão. O Dragão, a antiga Serpente, o chamado Diabo ou Satanás, sedutor de toda a terra habitada – foi expulso para a terra, e seus Anjos foram expulsos com ele. 444

No manuscrito da Cidade de Deus, de Santo Agostinho, traduzida por Raoul de Presles para o francês (séc. XV), vemos uma representação da queda dos anjos revoltosos. Justamente como na imagem da Légende dorée de Munique, vemos que os demônios caem numa fenda na terra.

443 444

São Forseu. In: Ibid., p. 808. APOCALIPSE 12, 7-9.

194

Figura 52 – De civitate Dei, BnF, ms. Français 27, fol. 4, Chute des anges déchus

Também na figura 53 vemos o anjo armado com uma espada e um escudo, nos moldes cavaleirescos, enquanto que o grande demônio se encontra desarmado. Vê-se claramente a noção de hierarquia do alto para baixo, os anjos estão acima do demônio, que se direciona para as profundezas da Terra, abaixo ainda dos homens. As figuras angelicais aqui estão em maioria e o diabo não parece ser maior do que elas.

195

Figura 53 - Munique, Bayerische Staatsbibliothek, ms. Gall. 3, f.190, De Saint Fursy

Portanto, como observamos, as representações de luta pela alma são uma alegoria sobre o destino do indivíduo post-mortem. Sua conduta durante a vida vai determinar sua morada após a morte, entretanto antes dessa definição há uma discussão entre os anjos e os demônios. Trata-se uma verdadeira batalha aos moldes de um tribunal em que se expõem argumentos pró e contra a salvação do personagem. A imagem também simboliza a disputa que ocorre mesmo na Terra: anjos e demônios tentam manter os homens no bom ou no mau caminho. O indivíduo se vê no centro de uma verdadeira batalha entre essas forças e, até mesmo, uma luta interna, consigo mesmo, para se manter livre do pecado.

7.2. A violência demoníaca – os casos de agressão

196 Outras vezes, os demônios agridem físicamente os santos, o que se configura num topos que afirma a excepcionalidade do indivíduo. Nas imagens, eles podem se tranfigurar em outros personagens, ou mesmo se colocar em sua forma natural. A Vida de Santo Antão (c.360) é um exemplo clássico da ação violenta dos demônios. Atanásio, seu autor, apresenta um personagem que sofre as mais diversas provações. Antão445 nasceu em Coma, no Baixo Egito em 251. Seus pais eram ricos proprietários de terra. Quando tinha cerca de 18 anos de idade, seus pais morreram, deixando-o com os cuidados de sua irmã solteira. Pouco tempo depois, ele decidiu seguir as palavras de Jesus, que disse: "Se você quer ser perfeito, vai, vende tudo o que tens e dá aos pobres, e você terá tesouros no céu; e vem, segue-Me" (Mateus 19, 21), que faz parte dos conselhos evangélicos. Tomando estas palavras literalmente, Antão deu um pouco das propriedades da família para os seus vizinhos, vendeu o restante restante, doou os recursos captados para os pobres, colocou sua irmã num grupo de virgens cristãs, uma espécie de proto-mosteiro de freiras, e se tornou o discípulo de um eremita local. Santo Antão decidiu seguir esta tradição e saiu para o deserto, onde permaneceu por cerca de 13 anos. Antão se destaca por ser um dos primeiros ascetas a tentar viver no deserto, completamente desligado de qualquer civilização. Seu estilo de vida eremítico era notavelmente mais duro do que o de seus antecessores. De acordo com Atanásio, o diabo lutou com Antão, afligindo-o com o tédio, preguiça, e a tentação pelas mulheres, o que ele superou pelo poder da oração, proporcionando um tema para a iconografia cristã. As tentações de que foi vítima são todas provocadas pelo Diabo 446. O opositor do santo se define da seguinte forma: "Sou o amante da fornicação. Minha missão é espreitar a juventude e seduzi-la; chamam-me o espírito de fornicação. A quantos eu enganei, decididos que estavam a cuidar de seus sentidos! A quantas pessoas castas seduzi com minhas lisonjas! Eu sou aquele por cuja causa o profeta censura os decaídos: "Foram enganados pelos espírito da fornicação" (Os 4,12). Sim, fui eu que os levei à queda. Fui eu que tanto te molestei e tão a miúdo fui vencido por ti". 447

BUTLER, Edward Cuthbert. "St. Anthony." The Catholic Encyclopedia. Vol. 1. New York: Robert Appleton Company, 1907. Acesso em: 10 Feb. 2015. Disponível em: . 446 “Antão, porém, tendo aprendido nas Escrituras quão diversos são os enganos do maligno (Ef 6,11), praticou seriamente a vida ascética, tendo em conta que, se não pudesse seduzir seu coração pelo prazer do corpo, trataria certamente de enganá-lo por algum outro método; porque o amor do demônio é o pecado.” ATANÁSIO, Santo, A Vida de Santo Antão, disponível em: , acesso em: 19 jun. 2014, p. 18. 447 Ibid., p. 17–18. 445

197 Depois disso, ele se mudou para um túmulo, onde residiu, dependendo de alguns moradores locais que lhe levavam comida. Quando o diabo percebeu sua vida ascética e sua adoração intensa, com inveja o espancou sem piedade, deixando-o inconsciente. Quando seus amigos da aldeia local foram visitá-lo e encontraram-no nessa condição, o levaram para uma igreja. Depois de recuperado, ele fez uma segunda tentativa e voltou para o deserto. De acordo com Atanásio, o diabo novamente retomou sua guerra contra o Santo Antão, só que desta vez os demônios estavam sob a forma de animais selvagens, lobos, leões, cobras e escorpiões. Eles apareceram como se estivessem prestes a atacá-lo ou cortá-lo em pedaços. Mas o santo ria deles com desdém e dizia: "Se algum de vocês tem qualquer autoridade sobre mim, apenas um teria sido suficiente para lutar comigo." Ao dizer isso, eles desapareceram como fumaça. Isto é atribuído como uma vitória concedida por Deus. Todas essas provações aparecem como um teste para a santidade do personagem448. O tema iconográfico das tribulações diabólicas tem como tema, de acordo com Louis Réau 449, a passagem da Vida de Santo Antão, popularizada sobretudo pela Legenda Áurea. A arte cristã apresenta duas versões diferentes desta narrativa. O eremita, atormentado pelos demônios, é tanto derrubado na terra, quanto atacado no ar. A primeira versão é mais frequente. A cena se passa diante da cela que está frequentemente numa cabana de madeira. Ele é atacado por vários demônios em forma de animais que o batem nas costas, o despem das vestimentas, o mordem, o batem com bastões e finalmente o deixam para morrer. O porco, seu fiel companheiro, é por vezes também vítima do frenesi dos demônios. A variante de Santo Antão atacado no ar pelos demônios que tentam impedir sua ascensão deriva de uma outra passagem da Legenda Áurea em que ele foi elevado pelos anjos e os diabos tentaram impedi-lo de chegar ao Céu, argumentando com os pecados que ele tinha cometido após seu nascimento. Essa variante não é representada nas imagens que compõem o corpus documental.

Antão tem uma visão e pergunta o porquê de ter sido abandonado para enfrentar os demônios “E uma voz lhe falou: ‘Antão, eu estava aqui, mas esperava ver-te enquanto agias. E agora, porque agüentaste sem te renderes, serei sempre teu auxílio e te tornarei famoso em toda parte’.” Ibid., p. 21. 449 RÉAU, op.cit., p. 114–115. 448

198

Figura 54 - Paris, BnF, ms. fr. 241, fol. 41, Saint Antoine

Nesta primeira imagem acima, do manuscrito da BnF. ms. fr. 241, vemos que os demônios estão tentando retirar a auréola do santo, que responde apenas com a mão espalmada, num gestual de aceitação. Sua postura de humildade e resignação, contrastam com a agressividade dos espíritos malignos. Tentar retirar a auréola do santo na imagem é uma forma do ilustrador representar esta batalha do mal contra o bem. Os demônios perturbam Santo Antão por inveja de sua santidade, procurando fazer com que ele a perca. Os diabos portam o crochet e são acompanhados pelos javalis, na fusão dos dois relatos de agressão ao santo – demônios transfigurados em animais e com sua forma natural. No primeiro episódio, os demônios agridem Antão, já no segundo eles tomam a forma de animais selvagens. Cabe lembrar que não devemos confundir os javalis representados na imagem com os porcos que geralmente acompanham o eremita.

199

Figura 55 - New York, P. Morgan Lib., M672, fol.88v, Saint Antoine

Na representação acima, Antão, ajoelhado diante do livro aberto envolto em pano, com as mãos levantadas, é atacado por três demônios. Um demônio levanta uma massa. Segundo demônio, com chifres, levanta um crochet. Terceiro demônio, narigudo, com um rosto humano barbudo no abdômen, garras ao invés de pés, levanta um mangual. A cena ocorre ao lado da igreja com uma figura esculpida acima da porta. Neste caso, Antão está amedrontado e sem a postura tranquila observada na imagem anterior. Os demônios já são representados, neste manuscrito produzido por volta de 1470, com características humanizadas. Não se nota a presença de pelos, apesar das caudas, chifres e garras. Há deformações que caracterizam a sua monstruosidade como nariz alongado, o rosto no abdômen e as orelhas. O códice no chão simboliza a sabedoria do santo e sua disposição a seguir os preceitos da fé cristã. Na imagem abaixo, observamos o santo com o códice na mão, cercado pelo fogo de Santo Antão – o qual já mencionamos anteriormente.

200

Figura 56 - Paris, BnF, ms. fr. 242, fol. 34v, Saint Antoine

Figura 57 - Paris, BnF. ms. fr. 244, c. 1480, fol.47v , Saint Antoine

201 Na figura acima (57), observamos a presença das falas ubi eras bone jhesu (Antão)/ tecum eram sed expectabam agonem tuum (Jesus). O diálogo pode ser traduzido da seguinte forma: Antão Onde você estava, bom Jesus?, Jesus - Eu estava com você, mas estava à espera de sua luta. Aqui podemos perceber um questionamento por parte de Antão sobre os planos de Deus para ele. Na figura 58, demônios na forma de bestas tentam atacar o santo, que está sentado, voltado para o Céu, de onde sai uma luz. Ele está na sua cela. O unicórnio coloca seu chifre contra o peito do santo. O leão está com as patas sobre o joelho de Antão, as garras afiadas. A mão direita do santo está erguida para cima e a esquerda está sobre seu peito, o que indica a aceitação da vontade divina.

Figura 58 - Paris, BnF. ms. fr. 6448, c. 1480, fol. 45v, Saint Antoine

No geral, Antão possui a mesma postura, olha para o Céu, onde se encontra Deus. Sua mão esquerda está espalmada num gesto de aceitação de seu destino, o que se coaduna com a característica dos mártires, que derramam seu sangue pela fé sem questionar. A principal lição passada pela sua iconografia é a humildade.

202

7.3. A ação guerreira cavaleiresca

A humildade que existe num santo, Satanás nunca terá, pois ele é orgulhoso e por isso foi expulso do Céu: “Quando Lúcifer quis se igualar a Deus, o arcanjo Miguel, porta-estandarte do exército celeste, apareceu e expulsou do Céu Lúcifer com todo o seu séquito”. 450 Como o chefe da milícia celeste, a Miguel foi dada a missão de acabar com o conflito no Céu, expulsando os anjos revoltosos. Existem três iconografias distintas de São Miguel Arcanjo, a primeira e mais popular, é o Arcanjo Guerreiro, General dos exércitos do Senhor, o defensor do povo de Deus, vencedor do espírito maligno. Este é sempre representado com vestes militares, trajando armadura, elmo, espada, lança, escudo, ou estandarte, vestindo sandálias e raramente usando botas ou descalço, geralmente com as asas abertas, numa postura vitoriosa, tendo o diabo derrotado sob seus pés; ocasionalmente trás também uma balança na mão esquerda e raramente na mão direita. A segunda nos apresenta o Pescador de Almas, aquele que faz a psicostasia (pesar das almas) e a psicagogia (guiar as almas pelo melhor caminho) ou seja, faz a passagem das almas da Terra, ou do Purgatório para o Paraíso, este traja uma túnica, sempre muito adornada e com grande riqueza de detalhes, capa, cinto, ou faixas que cruzam o corpo, pode também utilizar vestes de sacerdote; tem em uma das mãos (geralmente a direita) uma lança que perfura a boca do diabo e na outra (geralmente a esquerda) uma balança; no prato mais alto, a alma do morto, no prato mais baixo um pequeno demônio, que representa as más ações da alma humana. Um exemplo de representação de Miguel como aquele que julga as almas se encontra na obra Pèlerinage de l'âme do século XV. Na imagem, ele se encontra com a balança, enquanto as almas esperam o julgamento.

JACOPO DE VARAZZE, op.cit.p.818. “Comme Lucifer, en effet, revendiquait l’égalité avec Dieu, l’archange Michel, porteenseigne de l’armée divine, vint le chasser du ciel avec ses suppôts, et les repoussa dans la zone ténébreuse de l’air jusqu’au jour du Jugement.” JACQUES DE VORAGINE, op.cit. 2004, p. 803. 450

203

Figura 59 - Pèlerinage de l'âme, BnF, ms.fr. 376, fol. 106, Saint Michel pesant le sort de Guillaume de Digulleville

Antes da alma entrar no Paraíso, (vinda da Terra ou do Purgatório) ela deve passar pela pesagem. Algumas imagens apresentam o diabo oposto a São Miguel Arcanjo, cumprindo seu papel de acusador dos pecados e revelando sua natureza traiçoeira e enganadora, com uma das mãos tenta levantar o prato da balança com o pequeno demônio, outras vezes, tenta baixar o prato com a alma do morto (figura 60, à direita). Caso a alma seja mais leve que o pequeno demônio, esta será recebida no Paraíso por São Pedro, caso a alma seja mais pesada, esta será lançada no Inferno, onde será eternamente torturada e mutilada pelos demônios.451

HOLWECK, Frederick. "St. Michael the Archangel." The Catholic Encyclopedia. Vol. 10. New York: Robert Appleton Company, 1911. 10 Feb. 2015 . 451

204

Figura 60 – Heures de jeanne de navarre, BnF, Nouvelle acquisition latine 3145, fol. 184, Saint Michel pesant les ames

A tradição cristã452 dá a São Miguel quatro funções: lutar contra Satanás; resgatar as almas dos fiéis do poder do inimigo, especialmente na hora da morte; e ser o campeão do povo de Deus. Portanto, ele era o patrono da Igreja, e das ordens de cavaleiros durante a Idade Média. Teria sido natural para São Miguel, o campeão do povo judeu, ser o campeão também dos cristãos, dando a vitória na guerra a seus devotos. Os primeiros cristãos, no entanto, consideraram alguns dos mártires como seus patronos militares: São Jorge, São Teodoro, São Demétrio, São Sérgio, São Procópio, etc .; mas a São Miguel deram o cuidado de seus enfermos. No local onde primeiro foi venerado, na Frígia, seu prestígio como curador angelical obscureceu sua invervenção em assuntos militares.

452

DANIEL 10,13 SQQ.; DANIEL 12; APOCALYPSE 12, 7; EPÍSTOLA DE SÃO JUDAS.

205 Os reis da França, particularmente os Valois nos séculos XIV e XV, tiveram uma grande devoção a São Miguel Arcanjo, que tomavam como um tipo de protetor celeste do reino de Lis, enquanto que São Jorge era o patrono dos ingleses e Santo André dos borgonheses. São Miguel foi o santo dos Valois. O nome de Michelle dado a filha de Carlos VI, que viria a se tornar esposa de Filipe o Bom; as peregrinações de Carlos VI, de Carlos VII, de Luis XI e dos reis da França ao Monte St-Michel; a fundação por Luis XI da Ordre de S. Michel são todas manifestações da devoção dos Valois ao arcanjo.453 Na Legenda Áurea, são elencadas três batalhas de Miguel contra o mal: “a que travou contra Lúcifer quando o expulsou do Paraíso, a que trava com os demônios que nos incomodam, e enfim a de que se fala aqui e que será travada no fim do mundo contra o Anticristo”454. Não fica claro em algumas imagens qual seria a batalha travada entre Satã e Miguel. Na figura 59, por exemplo, não parece que a representação seja da batalha do Céu. Pode ser que a imagem seja de um simples confronto entre os dois personagens, simbolizando a luta diária do bem contra a influência nefasta de Satanás. Neste caso, a vitória de Miguel significaria o triunfo daqueles que estão com Deus em relação ao pecado.

Figura 61 - Paris, BnF, ms. fr. 242, c. 1402, fol.219v, Saint Michel

PERDRIZET, Paul, Le Calendrier parisien a la fin du Moyen age d’apres le Breviaire et les livres d’heures., Paris: Les belles lettres, 1933, p. 229. 454 JACOPO DE VARAZZE, op.cit., p. 819. 453

206

Na representação do conflito vemos que o combate entre o arcanjo e o Lúcifer assume características de um embate cavaleiresco. São Miguel porta quase sempre uma espada ou uma lança e um escudo, ainda pode ser presentificado com uma armadura. Miguel é representado no alto e o Diabo embaixo, seguindo a valoração dada pelo cristianismo de cima para baixo. Como vemos nas imagens, a postura vitoriosa de São Miguel e o desespero do Diabo indicam a vitória triunfante do bem sobre o mal. A simbologia de uma Igreja triunfante sobre os seus inimigos também pode ser observada. Em algumas representações, o arcanjo chega a pisar no demônio, como na figura 62.

Figura 62 - Jena, Uni., ms. Gall fº86, c. 1420, fol.227, Saint Michel

Já na figura 63, o embate entre Miguel e os demônios se dá no Céu, em que os anjos malignos são expulsos. O texto da Legenda Áurea afirma que eles habitam os ares, entre o Céu e a Terra. Em outros textos, aparece menção a uma fenda na Terra que teria sido feita a partir da queda dos

207 demônios. Os anjos decaídos, de acordo com Jacopo de Varazze 455, não tiveram permissão para viver na Terra junto com os seres humanos, para que sua influência pestilenta não fosse tão opressiva contra nós. Em vez disso, foram forçados na viver no ar. A grande batalha entre Miguel e o dragão, ainda para Jacopo, descrita no Livro do Apocalipse, aconteceu logo de início, e o Diabo e seu séquito foram forçados a descer. Eles são tão numerosos quanto as particulos de poeira que se pode ver flutuando no ar, e regularmente descem do ar para a Terra a fim de tentar os homens. O Inferno assim seria um lugar para onde os diabos levariam os condenados e lhes administrariam tormentos.

Figura 63 - Bruxelas, Bibl. Royale, ms. 9282-5, c.1460-85, fol. 241v, Saint Michel

455

Ibid., p. 818–819.

208 Uma outra figura que possui uma ação cavaleiresca de combate ao mal na Legenda Áurea é São Jorge. Jacopo de Vazazze456 conta que São Jorge nasceu na Capadócia, em uma família cristã. Militar, ele se tornou um oficial do exército romano. Um dia, ele atravessa a cidade de Silena na província romana da Líbia, em seu cavalo branco. A cidade é aterrorizada por um temível dragão que come todos os animais da região e exige dos habitantes um tributo diário de jovens sorteados. Jorge chega no dia em que o destino recai sobre a filha do rei, quando esta vai ser uma vítima do monstro. Jorge trava com o dragão de uma batalha feroz; com a ajuda de Cristo, e depois de um sinal da cruz, ele o apunhala com sua lança. A princesa é salva e o dragão a segue como um cão fiel até a cidade. Os habitantes do lugar concordaram, então, em se converter ao cristianismo e ser batizados. Uma outra versão da legenda diz que o dragão foi morto. De acordo com Louis Réau457, São Jorge é geralmente representado jovem com uma armadura de cavaleiro, seja à pé, seja à cavalo. Além do dragão deitado aos seus pés, ele tem por atributo a lança, uma espada, um escudo timbrado com uma cruz vermelha em fundo branco que lhe tinha sido entregue por um anjo. Suas representações se dividem em duas séries: pedestres e equestres. São Jorge combate quase sempre a cavalo. O fato deste último sempre ser branco pode significar, segundo Louis Réau, uma influência dos masdeístas que viam o cavalo branco como sagrado. Desde o século XII, o vemos brandir sua espada depois de ter desferido sua lança no corpo do monstro. Louis Réau458 problematiza a origem da legenda sobre São Jorge. O tema do dragão e da libertação da princesa já era encontrado em Perseu e Andrômeda. Por sua vez, seria uma variante do deus Horus, representado montado a cavalo e transpassando um crocodilo. Segundo esse raciocínio, São Jorge seria uma réplica cristã de Horus que venceu Set. Assim, os cristãos da Síria teriam transformado o dragão em símbolo da conversão da Capadócia. Posteriormente, a princesa foi associada à Igreja que foi salva dos seus perseguidores por Constantino. A jovem também foi por vezes assimilada a Santa Margarida que triunfa ela também sobre o dragão, mas com a cruz e não pela lança e espada.

Ibid., p. 366–367. RÉAU, op.cit., p. 571-579. 458 Ibid. p. 572. 456 457

209 Inicialmente, o dragão seria a personificação do mar e do guardião das fontes. Por isso, segundo Louis Réau459, São Jorge, tal como Apolo, Hércules e Perseu, é representado matando o dragão à beira do mar, de um rio ou ainda à margem de um pequeno lago. Entre os cristãos, o dragão foi convertido no símbolo do paganismo. Segundo o mesmo autor, a história de origem egípcia e grega foi aplicada pelos cristãos do Oriente a São Teodoro; trata-se de outro santo militar que foi superado por São Jorge a partir do século XI. Apesar de existirem informações sobre a introdução do seu culto no Ocidente ter ocorrido apenas no período das cruzadas, Louis Réau sustenta que há informações sobre isso anteriores ao século XII460. A vinculação do seu culto às cruzadas na Terra Santa deve-se ao fato de que ele foi adotado pelos cruzados do mesmo modo que São Tiago foi pelos combatentes cristãos na Espanha. Durante as cruzadas, São Jorge teve a sua imagem vinculada às virtudes cavaleirescas. A partir de 1222, data do sínodo de Oxford, o santo foi transformado em “santo nacional” para o reino da Inglaterra. Pode-se escrever que São Jorge desembarcou na Grã-Bretanha do mesmo modo que São Tiago na Galícia. Saint essentiellement militaire à cause de son combat héroïque contre le dragon, il est le patron des chevaliers et des cavaliers (patronus, equitum, christianorum militum propugnator); des archers et des arbalétriers, ainsi que des deux corporations d’artisans fournisseurs de combattants: les armuriers et les plumassiers ou fabricants de plumets qui confectionnaient les grands panaches de casques de bataille ou de tournoi, comme celui que saint Georges porte à son cimier, des selliers parce que qu’il se tenait bien en selle.461

O santo também era invocado para proteger os cavalos contra as serpentes venenosas. Pedia-se a sua intercessão ainda contra a peste, a lepra e a sífilis. A partir do século XVI, nota-se um declínio do seu culto, afinal representava o ideal cavaleiresco da Idade Média. Na imagem a seguir (figura 64), o vemos combatendo o dragão com a sua lança. Ele possui vestes de cavaleiro, com a armadura e escudo. Este animal representado definitivamente se identifica mais com uma serpente do que com um dragão. Seu tamanho é desproporcional e muito menor em relação a São Jorge e seu cavalo.

Ibid. Ibid. 461 Ibid., p. 573. Destaque do autor. 459 460

210

Figura 64 - Français 242, fol. 88, Saint Georges terrassant le dragon

Na figura 65, a diferença cena é a presença da princesa em oração. O dragão tem o aspecto de uma serpente, mas desta vez se diferencia pelas asas. A lança, assim como na imagem anterior, atinge a sua boca. Esta, por onde o dragão expele fogo, é a primeira parte do corpo a ser atingida pelo santo.

211

Figura 65 - Saint Georges. Rennes, BM, ms. 266, f. 109

Em Paris462, São Jorge da Capadócia tinha sido o primeiro titular de um oratório na margem direita do que se tornaria a igreja St-Magloire. Santo militar, o imaginário o representava como um cavaleiro. Ele era patrono, em St-Jacques-de-la-Boucherie, dos armeiros – em St-Michel-du-Palais dos arqueiros e sargentos do guet463 – em St-Denis-de-la-Chartre dos homens que se dedicavam a preparação de penas – eles confeccionavam grandes feixes de penas para as batalhas e torneios. São Jorge era o protetor dos preparadores de penas, pois ele portava uma em seu timbre 464. Na imagem a seguir (figura 66), São Jorge da Capadócia, vestindo armadura, montado no cavalo, segurando escudo decorado com cruz vermelha, mata o dragão com uma lança. Ao lado de cavalo está a princesa, com as mãos unidas levantadas ao peito, e um cordeiro, que pode ter relação com a pureza da moça. No fundo, rei, rainha e outras figuras olham de cima da muralha. Atributos como a lança quebrada, uma espada desembainhada, um escudo com uma cruz esculpida e uma bandeira branca com uma cruz vermelha geralmente fazem parte da sua representação.

PERDRIZET, op.cit., p. 123–124. O guet real é uma unidade de segurança fundada em Paris, em dezembro de 1254 por S. Luis. 464 Uma peça das armas do brasão que fica colocada sobre o virol do elmo. 462 463

212

Figura 66 - New york, Pierp. Mog. Lib, M 672-5, fol.227, Saint Georges

Tanto São Miguel quanto São Jorge surgem apunhalando dragões. Numerosas hagiografias colocam em cena um dragão derrotado por um santo, assinalando o triunfo do bem sobre o mal ou mais precisamente do cristianismo sobre os pagãos e Satã. Santa Margarida da Antioquia, por exemplo, é engolida pelo Diabo, sob a forma de um dragão, mas a cruz que ela porta aumenta até abrir o monstro que a rejeita intacta.

213

Figura 67 - Paris, Bibliothèque Mazarine, ms.1729, c.1370, Sainte Marguerite, f.157

Figura 68 - Paris, BnF, ms. fr. 242, c.1402, Sainte Marguerite, f.138v

214

Figura 69 - Paris, BnF, ms. fr. 6448, c.1480, Sainte Marguerite, f. 179

A Legenda de Santa Margarida foi muito popular, testemunhada, no século XIII, pelos vitrais no século XV, pelos Mistérios e pelas obras de arte inumeráveis. Jacopo de Varazze contesta o relato de que a santa tenha saído de dentro do dragão através do poder de uma pequena cruz de madeira. Isto não impedia os ilustradores de representar, e de forma muito realista, Santa Margarida emergindo do dragão: geralmente vemos as costas do mostro ensanguentadas e as bordas da ferida sangrando com a passagem da santa. Ela pode ou não estar com a cruz, mas sempre emerge do dragão. Este episódio maravilhoso é a origem das virtudes maiêuticas (tem como significado "Dar a luz (Parto)") que as mulheres emprestavam à Santa Margarida. De uma forma geral, esta santa poderia salvar a pessoa de não importa qual perigo. Margarida aliviava mulheres no parto. Ela o fazia pelo cinto, com o qual, como um exorcista com a sua estola, por exemplo, ela prendeu o dragão depois de se libertar dele. Além do cinto, era recomendado aplicar sobre o ventre das mulheres em trabalho de parto a hagiografia da santa. Mulheres grávidas e que procuravam serviçais para cuidarem de seus bebês tinham sua confraria em St-Germain-des-Près, sob a invocação, naturalmente, de Santa Margarida. Perto da abadia, uma rua portava o nome da santa.465

465

PERDRIZET, op.cit., p. 176–177.

215 Já Santa Marta amansa o dragão jogando água benta e o leva à morte, usando seu cinto como uma coleira. Nas representações, o cinto pode ser substituído por uma corda ou corrente.

Figura 70 - Munique, Bayerische Staatsbibliothek, ms. gall 3, c.1430, Sainte Marthe, f.133

Figura 71 - Londres, British Library, ms. Royal 19 B XVII, 1382, Sainte Marthe, f.186

216

Figura 72 - Arras, Bibliothèque Municipale, ms.83, c.1400, Sainte Marthe, f.172

Louis Réau466 conta que, como patrona das “serviçais”, Santa Marta tem traços de uma governanta com aparência severa ou até mesmo rude. Tem como atributos uma vassoura, uma colher em um pote e um molho de chaves suspenso em sua cintura. No entanto, é representada mais frequentemente como um São Jorge feminino dominando um dragão no qual espinha água benta com um aspersório. Por causa do dragão, ela pode ser confundida com Santa Margarida, entretanto, distinguem-se porque uma tem nas mãos um aspersório (Santa Marta) e a outra tem uma cruz (Santa Margarida). Santa Margarida também é confundida na iconografia com a princesa do episódio do enfrentamento entre São Jorge e o dragão. É comum as duas serem representadas de forma idêntica dentro de um mesmo manuscrito, ou mesmo a princesa segurar um cinto, ou corda, como domasse o dragão. Um exemplo deste fato está no manuscrito de Chantilly, ms. 735, em que as duas personagens são representadas como se fossem a mesma pessoa.

466

RÉAU, op.cit., p. 893–896.

217

Figura 73 - Chantilly, MC, ms.735, c.1365, fol.116, De saint Georges

Figura 74 - Chantilly, MC, ms.735, c.1365, fol.182v, De sainte Marguerite

Nos episódios de conflito em que se assume uma característica de luta cavaleiresca, o santo representa o soldado do bem, pronto para combater o inimigo. Este último geralmente é o dragão, ou a serpente, que pode ser o Diabo ou somente um símbolo das forças inimigas. Sobre esta questão, cabe lembrar o texto de Jacques Le Goff sobre São Marcelo e o dragão de Paris 467, episódio com o qual podemos traçar um paralelo à Legenda de S. Jorge. No caso do dragão de São Marcelo, o autor LE GOFF, Jacques, Cultura eclesiástica e cultura folclórica na Idade Média: S. Marcelo de Paris e o dragão, in: Para um novo conceito de Idade Média: tempo, trabalho e cultura no Ocidente, Lisboa: Estampa, 1997, p. 221–261. 467

218 defende que a Igreja utilizou o episódio da vitória do santo sobre o dragão como um símbolo do enfrentamento entre o bem e o mal, dando uma conotação religiosa para uma alegoria política de fundação de uma cidade. Neste texto, que irá oferecer a imaginação medieval o mais extraordinário arsenal de símbolos, o dragão recebe, com efeito, a interpretação que se imporá a cristandade medieval. Este dragão é a serpente da Génese, é o velho inimigo do homem, é o Diabo, é Satanás.468

O mesmo pode-se dizer para o episódio de São Jorge, o dragão parece ser uma figura presente na narrativa para convencer os pagãos ou heréticos a se converterem à fé cristã ortodoxa e demonstrar o heroísmo perfeito do santo. Isto fica claro quando o mesmo mostra ao povo por quem e para quê foi enviado e informa que se passassem a crer em Cristo e recebessem o batismo o dragão seria contido. Trata-se de um ato de domesticação do animal grandioso e monstruoso, que afirma o poder de Deus e dos santos.

7.4. Os exorcismos

É no exorcismo que a luta entre o bem e o mal se manifesta de forma mais direta. É interessante destacar que o uso da palavra, tão importante no ritual, perde lugar para o gesto. A dimensão dos personagens e sua disposição no fólio é marcante. Indica claramente uma noção de hierarquia e uma relação de forças distintas. O exorcista é o personagem mais destacado, enquanto que o possesso geralmente se encontra ajoelhado, numa posição de inferioridade. O demônio, que na maior parte das vezes sai da boca do possesso, é bem menor e segue o modelo do pássaro/inseto visto nas imagens de exorcismos de Cristo. A presença de público também é marcante, os exorcismos não são realizados em âmbito privado, sempre há uma testemunha que observa a cura. Assim, o milagre ganha a dimensão de evento que deve ser propagado, difundido, possuindo uma função de prova do poder do santo, uma comprovação de seu poder taumatúrgico.

468

Ibid., p. 230.

219 As cenas de exorcismo na maior parte das vezes se passam em ambiente externo. Podem transcorrer na frente de algum edifício, geralmente uma igreja ou mosteiro. No espaço externo, há mais destaque para o ritual do exorcismo, ele fica em primeiro plano. Muitas vezes, as imagens apresentam dois episódios diferentes no mesmo quadro. O exorcismo ocorre enquando outra situação se dá ao lado da cena. No manuscrito de Munique, Bayerische Staatsbibliothek, ms. Gall. 3, no fólio 103v, está representada a vida de Santa Marina. Num primeiro plano ocorre o primeiro episódio: a santa, disfarçada de monge, está sentada ninando um bebê, que seria seu suposto filho. Na outra cena, ao fundo, a mulher que acusou a santa/monge de ser o pai de seu filho está sendo exorcizada diante do túmulo da santa. Neste caso, o exorcismo não é o episódio mais destacado do quadro, mas se conjuga com a cena da santa cuidando do bebê, pois mostra a punição da mulher que difamou a serva de Deus. Assim como é o túmulo da serva de Deus que opera a cura da mulher possessa e não há nenhuma espécie de ritual ou gestual para que o exorcismo seja empreendido.

Figura 75 - La Légende dorée, Munique, Bayerische Staatsbibliothek, MS. gall. 3, c.1430, De sainte Marine, fol.103v

220 Em algumas representações, o exorcismo transcorre na parte interna de um edifício. No capítulo destinado a São Pedro, diácono, no manuscrito de Paris, BNF, ms. fr. 6448, a imagem469 apresenta duas cenas: a primeira é do exorcismo de uma mulher, já a outra se refere à morte do santo. Na parte de dentro da casa, o santo tonsurado exorciza uma mulher que está ajoelhada em oração junto com outro homem. O demônio sai de sua cabeça. Ele é negro de asas vermelhas e coloca as mãos para o alto. Na parte de fora, o santo e outro homem tonsurado estão ajoelhados em oração e atrás deles um carrasco com uma espada está pronto para acertá-los. Pode-se afirmar que as cenas de exorcismo são compostas por três personagens principais: o exorcista, o possesso e o demônio. Estes participam diretamente da dinâmica do ritual. Entretanto, muitas vezes observamos a presença de outras figuras na cena, que podem ser apenas observadores ou auxiliares dos santos no ato. Os possessos raramente estão sós, como a maior parte dos doentes à procura de milagres470 Eles são frequentemente acompanhados por sua família ou por uma parte da comunidade a qual pertencem. Parece que o público vê a possessão como uma ameaça que pode ser perigosa para a comunidade. O Diabo não ameaça somente o endemoniado, que sofre fisicamente a privação de Deus e exclusão do corpo cristão, ameaça também o seu círculo, que teme uma contaminação. A astúcia do Diabo e sua capacidade de passar indistintamente de um corpo a outro são conhecidas. A presença de espectadores também dá ao ritual a configuração de um ato público que exibe o poder do santo e manifesta a grandeza divina. Para o santo, tomado pela humildade, é a fé dos homens que realiza os milagres, para os homens, é a sua santidade. Por sua esperança e pelo fervor de sua prece, os fiéis contribuem à sua maneira para a concretização do milagre. Estas pessoas também dão o testemunho do ato a seus pares, espalhando a Verdade cristã e fortalecendo a crença. Elas atestam a veracidade do milagre.

469 470

Fólio.152. SIGAL, P. A., L’homme et le miracle dans la France médiévale, XIe-XIIe siècle, Paris: Cerf, 1985.

221

Figura 76 - Paris, B.N.F., ms. fr. 242 - c. 1402, De saint Cyriaque, fol. 168v

Na imagem acima, referente ao exorcismo praticado por São Ciríaco, vemos a possessa, chamada Artêmia, acompanhada de seu pai, o imperador Dioclesiano. Este acompanha o ritual do exorcismo fazendo um gesto de aceitação, o que nos dá a impressão de que ele se convence do poder do santo e aceita a fé cristã. Neste caso, vemos que o ritual do exorcismo cumpre o papel de alimentar a crença, fazer crer. Já os auxiliares são aqueles personagens que ficam perto dos santos, geralmente clérigos, que estão prontos para ajudar caso seja necessário. Na imagem a seguir vemos São Maturino auxiliado por um clérigo que conversa com o pai da moça endemoniada, ambos tentam contê-la.

222

Figura 77 - Munique, Bayerische Staatsbibliothek, ms. Gall. 3 - c. 1430, De saint Mathurin, fol. 279v

Voltando para o ato do exorcismo em si, faremos algumas considerações sobre os protagonistas do ritual. O exorcismo nos oferece um enfrentamento face a face entre Deus e o Diabo. Cada um destes dois papéis é interpretado pelo santo e pelo possesso. Este último é descrito como um doente que deve ser apartado dos outros, é aquele que sofre no corpo as consequências do pecado. Tudo é dito para mostrar até que ponto o possesso testemunha um sofrimento que é uma ameaça a todos. Em relação ao sexo dos endemoniados, como já adiantamos, em sua maioria são compostos por mulheres. Dos 24 casos de exorcismo apresentados no texto da Legenda Áurea, 14 episódios são com mulheres e 8 têm homens como possessos e um é de uma criança. Existe também um caso de exorcismo de uma vaca, empreendido por São Martinho de Tours. Nas imagens analisadas da Légende dorée de Jean de Vignay, o número de mulheres exorcizadas ainda é mais assustador: de 14 representações de exorcismo, 12 possuem mulheres endemoniadas, uma é referente a um homem e somente uma criança é exorcizada.

223

Casos de exorcismo na Legenda Áurea 18 16 14 12 10 8 6 4 2 0

Mulheres

Homens

Animais

Não identificado

Texto

16

13

1

1

Imagem

12

2

0

0

Gráfico 1 - Casos de exorcismo na Legenda Áurea

É importante constatar que, o disfarce do diabo numa bela moça e o uso da mulher pelo demônio, presente na biografia de muitos santos, é um topos e serve para exaltar a virtude do protagonista na luta contra o maligno. Igualmente habitual na biografia de um santo é o acto de exorcismo. A presença numericamente muito mais abundante de possessas do que de possessos explica-se pela correlação mulher-diabo, tão habitual que conduzia o espectador a considerar como perfeitamente natural o facto de o habitáculo preferido do demônio ser o gênero feminino471.

O endemoniado se caracteriza pela agressividade, pelos gritos e força descomunal. Ele é um apartado, representado com ênfase no seu sofrimento. Os textos descrevem a violência extrema, os gritos e a gesticulação incontrolada. Na narrativa sobre São Vidal, um endemoniado é descrito como próximo da loucura: ele passou sete dias gritando: “Você me queima, S. Vidal”472. Já São Bartolomeu precisa lidar com uma princesa que: “dilacerava com mordidas os que se aproximavam dela”473. O santo que se apresenta para o exorcismo está preparado para o combate. A humildade, FRUGONI, C. “A mulher nas imagens, a mulher imaginada”, In:DUBY, G., PERROT, M. (dir.), História das mulheres no Ocidente. A Idade Média. Porto: Edições Afrontamento, 1990., v. 2, p. 461-511. p. 467. 472 JACOPO DE VARAZZE, op.cit., p. 381. 473 Ibid., p. 698. 471

224 valor monástico por excelência, implica na submissão do santo à vontade de Deus e é por Ele que realiza suas ações. Cada um se engaja no combate contra o Diabo de sua maneira: uns vão ao deserto, outros jejuam, ou se mantêm castos, ou ficam longe dos bens materiais. O santo que se propõe a realizar o exorcismo está extremamente preparado para tal, fortalecido por suas lutas diárias para não sucumbir ao pecado e à influência demoníaca. Entretanto, existem casos de exorcismo que não são realizados pelo santo através do ritual. Seu túmulo pode curar os possessos, assim como outras relíquias. São Marcos evangelista salva um endemoniado através do contato com o seu cadáver. O possesso foi levado até o corpo do santo, que estava sendo transportado no navio. Ele proclamou sua fé no santo, então foi liberado do demônio, rendendo gloria a Deus.474 Nas imagens da Légende dorée, os santos que se relacionam com a cura de possessos são os seguintes: Santo Apolinário, São Bartolomeu apóstolo, Santa Marina, São Maturino (Festes Nouvelles), São Ciríaco, São Pedro diácono, Santos Vito e Modesto, São Bernardo de Claraval e São Donato. As dimensões dos personagens podem nos informar sobre as noções de hierarquia e valores presentes nas representações iconográficas. Na Idade Média, é comum uma convenção em que certos elementos figurativos são representados maiores do que outros, que se aplica a todas as figurações sagradas. A grandeza de certos elementos pode corresponder a sua importância na representação, numa escala hierárquica. Ela é um meio de exprimir a superioridade, a igualdade e a inferioridade sobre o espaço da representação. No manuscrito da Légende dorée de Arras há na representação de Santo Apolinário um caso de possessão. O santo exorciza uma jovem, que se encontra ajoelhada na imagem. Sua posição de submissão a deixa menor do que o santo, que se destaca na representação. Não existe distorção na retratação dos personagens, mas a posição da jovem indica sua inferioridade em relação a Apolinário.

474

Ibid., p. 375.

225

Figura 78- La Légende dorée, Arras, Bibliothèque Municipale, ms. 83 - c. 1400, fol. 158, Saint Apollinaire (detalhe)

Esta posição de inferioridade se encontra na maior parte das representações de exorcismo da Légende dorée. Não há distorções de personagens. Já em relação aos demônios algo é certo, eles são menores do que todos os personagens na cena.

Figura 79 - La Légende dorée, Paris, BnF, ms. fr. 184, f. 239, De saint Barthélémy apôtre (detalhe)

No detalhe da imagem acima podemos observar claramente que o demônio é bem menor do que os outros personagens que compõem a cena. Sua forma se assemelha a um pássaro e seu tamanho indica a sua insignificância. O diabo está sendo expulso do corpo da jovem, o que significa que perdeu a batalha contra o representante de Deus. Assim, podemos constatar que na hierarquia representada nas imagens de exorcismo, os santos são os personagens mais importantes, mais próximos de Deus e por isso ocupam uma dimensão maior no quadro de representação. Os possessos estão numa posição de submissão e inferioridade em relação aos santos. Já os demônios expulsos ocupam um volume menor na cena, o que mostra sua posição inferior aos outros personagens.

226 As posições dos personagens nas cenas de exorcismo pode nos indicar se há uma espécie de convenção para este tipo de representação iconográfica. A regra geral nas imagens da Légende dorée se diferencia das representações já apresentadas de Cristo exorcizando endemoniados. Nas ilustrações analisadas, o santo exorcista geralmente se apresenta de pé e o possesso ou a possessa se encontra ajoelhado(a). Nas representações referentes a Cristo, os possessos frequentemente estão em pé. A posição ajoelhada do demoníaco traduz uma relação essencial de dependência deste para com o santo. Trata-se de um sinal de humildade e de submissão inspirado pela penitência, pelo respeito e pelo culto à figura do santo. Esta é uma posição ritual, que combinada com a posição das mãos unidas significa um estado de prece.

Figura 80 - Paris, BnF, ms. fr. 242, fol. 309v, De saint Mathurin (detalhe) Figura 81 – New York, Pierpont Morgan Library, MS. 674, fol.383v, De saint Donat (detalhe)

227

Figura 82 - Paris, BnF, ms. fr. 242, fol. 168v, De saint Cyriaque (detalhe) Figura 83 - Bruxelles, Bibliothèque Royale, ms. 9228, fol.368v, De saint Donat (detalhe)

Entretanto, em alguns momentos, o endemoniado pode variar de posição. Sua agressividade e falta de controle sobre o corpo – que está sob o domínio do demônio -, podem fazer com que ele tenha que ser amarrado ou contido por outras pessoas. A gesticulação do possesso é dificultada pelas amarras: as correntes em ferro ou uma corda que prendem seus pulsos. Por vezes, o possesso é detido pelas pessoas que o acompanham. Apresentar o demoníaco preso dramatiza a possessão: as correntes provam que o endemoniado se torna um perigo para os outros e para ele mesmo, pois está a serviço do Diabo e não responde pelos seus atos. O ato de acorrentar se encontra em outras cenas da iconografia cristã da Idade Média. Os danados do Inferno são, às vezes, agrupados e amarrados uns aos outros pelos demônios. Neste caso, as correntes assumem um valor metafórico: representam a prisão do pecado. O uso de correntes ou cordas se faz presente em uma imagem de exorcismo da Légende dorée. No códice de Munique, a moça exorcizada por São Maturino precisou ser contida por cordas, duas pessoas - seu pai e um sacerdote - também seguram a possessa. A moça precisa ser contida, pois o demônio se apoderou de seu corpo, fazendo com que esta ganhasse uma força desproporcional para sua condição física. Um dos efeitos da possessão é justamente, além da agressividade, a força.

228

Figura 84 – La Légende dorée, Munique, Bayerische Staatsbibliothek, ms. Gall. 3, fol. 279v, De saint Maturin (detalhe)

Em outra imagem analisada, a jovem endemoniada desmaia ao se libertar do demônio, diante do túmulo de Santa Marina. Ela precisa ser amparada por um monge. Vemos que também está com os pulsos amarrados com cordas.

Figura 85 - La Légende dorée, Munique, Bayerische Staatsbibliothek, MS. gall. 3, c.1430, De sainte Marine, fol.103v (detalhe)

229 Nestes casos, observamos que as possessas estão em posição de submissão, mesmo que forçada. Entretanto, na imagem referente a São Bernardo no códice da Légende dorée da BnF. MS. fr. 6448, fol. 236v, podemos ver que é o santo que se ajoelha e não a moça endemoniada. Ele se encontra ajoelhado em oração à esquerda. A mulher está à direita, espantada, inclinada para trás. Um demônio sai de sua direção. O ilustrador procura, assim, representar a humildade do santo e o poder da oração diante dos demônios. Num caso de exorcismo relatado na Legenda Áurea relativo a São Bernardo, ele cura a possessa justamente através da oração. Esta representação foge do modelo de imagem de exorcismo de Cristo por apresentar o santo numa posição de prece e não em pé com a mão direita estendida. Os santos nas cenas de exorcismo representadas assumem um posicionamento comum, correspondente ao modelo de representação desse tipo de episódio. Geralmente estão em pé, com uma mão segurando algo e a outra estendida sobre o possesso ou com as duas mãos estendidas.

Figura 86 - New York, Pierpont Morgan Library, MS. 674, fol.383v, De saint Donat (detalhe) Figura 87 - La Légende dorée, Paris, BnF, ms. fr. 184, f. 239, De saint Barthélémy apôtre (detalhe)

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Figura 88 - Arras, Bibliothèque Municipale, ms. 83, c.1404, f. 215, De saint Barthélémy apôtre (detalhe) Figura 89 - Paris, BnF, ms. fr. 242, fol. 309v, De saint Mathurin (detalhe)

O Malleus Maleficarum indica a necessidade do ritual do exorcismo ser composto pelas orações e de preferência o possesso deve ficar sentado ou de joelhos: "A pessoa exorcizada há de segurar, então, uma Vela Benta nas mãos, sentada ou de joelhos, como for possível. E que os presentes ofereçam a Deus orações para a sua libertação.”475 Os protagonistas do exorcismo – o santo e o possesso – estão sempre frente a frente, um virado para o outro. Os personagens, portanto, interagem entre si e não com o espectador. Este recurso reforça a dramaticidade da cena e sua teatralidade. Alguns ilustradores optam por retratar os santos posicionados de forma mais próxima dos possessos, chegando até a tocar nestes. Entretanto a regra geral é o representante de Deus manter uma distância do endemoniado. São Donato, na imagem abaixo, segura o braço da jovem possessa, um tipo de representação que não é muito comum e não corresponde ao modelo de exorcismo definido pelas imagens de Cristo.

475

KRAMER; SPRENGER, op.cit., p. 569.

231

Figura 90 - New York, Pierpont Morgan Library, MS. 674, fol.383v, De saint Donat (detalhe)

São Maturino também é representado próximo da endemoniada, na imagem abaixo. O santo chega a tocar na jovem. A gestualidade se torna algo bastante importante no ritual do exorcismo e é o que veremos a seguir.

232

Figura 91 - Munique, Bayerische Staatsbibliothek, ms. Gall. 3, fol. 279v, De saint Maturin (detalhe)

A imposição das mãos é o gesto mais característico realizado pelo exorcista. É carregado de significados simbólicos e rituais. É através deste movimento que o poder de Deus é transmitido para que se realize a expulsão dos demônios. As curas realizadas por Jesus Cristo são realizadas com esse gesto, assim os santos nada mais fazem do que imitar o movimento. Nos detalhes destacados a seguir, podemos observar que os santos exorcistas realizam a imposição com a mão direita, em sua maioria. O dedo polegar, o médio e o indicador ficam abertos, o que indica um gesto de benção, de proteção. Este gesto é reservado aos personagens que, por sua natureza ou função, são dotados de um saber, de uma autoridade. Trata-se, novamente, de uma relação de um superior para um inferior. É interessante notar que em alguns casos os santos seguram um livro com a mão esquerda. Esse gesto pode significar a importância da palavra e das fórmulas de exorcismo para o ritual.

233

Figura 92 - Paris, BnF, ms. fr. 242, fol. 168v, De saint Cyriaque (detalhe das mãos)

Figura 93 - Paris, BnF, ms. fr. 242, fol. 309v, De saint Mathurin (detalhe das mãos)

Figura 94 - Arras, Bibliothèque Municipale, ms. 83, fol. 158, Saint. Apollinaire (detalhe das mãos)

234 Os possessos também possuem sua própria gestualidade, que corresponde geralmente ao sinal de prece e à posição ajoelhada, como já vimos. É interessante notar o gestual dos acompanhantes que observam o exorcismo, os indivíduos, na maior parte das vezes, têm as mãos abertas em sinal de aceitação.

Figura 95 - Arras, Bibliothèque Municipale, ms. 83, fol. 158, Saint. Apollinaire (detalhe das mãos do acompanhante)

Figura 96 - Munique, Bayerische Staatsbibliothek, ms. Gall. 3, f. 279v, Saint Mathurin (detalhe da mão do acompanhante)

235

Figura 97 - Paris, Bibliothèque Nationale MS fr. 184, f.239, Saint Barthélémy apôtre (detalhe das mãos do rei)

Além das correntes e da desordem física do possesso, o demônio alado que sai de sua boca permite reconhecer o endemoniado. As formas oscilam do demônio/pássaro/inseto ao pequeno personagem com forma antropomórfica. Em algumas miniaturas, o demônio toma a forma de um inseto ou pássaro negro. Em outras, ele possui uma cabeça, braços, corpos negros de onde saem asas. De uma imagem a outra, existem nuances sutis na representação do diabo. A cor escura revela sem dúvida seu pertencimento ao mundo das trevas e ao Inferno. Como compreender, então, a imagem do diabo que sai da boca do possesso? Nos Evangelhos, o diabo toma a palavra através da boca do possesso, ele grita diante de Cristo e lhe pergunta o que ele quer. É o diabo que fala e exerce o controle sobre o que o endemoniado diz. Essa imagem lembra a da alma que deixa o corpo, representada pelo pequeno corpo nu que sai pela boca do indivíduo para o Além. Ela é retirada por um anjo ou um demônio, dependendo da sua conduta em vida. Abaixo, na miniatura da Légende dorée de Jean de Vignay (figura 98) vemos esse tipo de representação.

236

Figura 98 - Paris, BnF, ms. fr. 244, La Légende dorée, séc. XV, De Saint André, fol.9

A boca aberta do possesso mostra o diabo e indica o lugar que ele ocupa neste. Ela designa o indivíduo como pertencente ao diabo. Da boca do Inferno tamném saem também as almas libertadas por Cristo no limbo.

237

Figura 99 - La Légende dorée, Paris, BnF, ms. fr. 244 (detalhe)

As representações da possessão possuem um caráter sistemático. O possesso tem sempre um demônio que sai de sua boca. O diabo nos mostra, por sua vez, o lugar que o mal ocupa no corpo do indivíduo. A imagem da possessão, sobretudo presente nas ilustrações dessa época, se imprime de forma definitiva nos espíritos e muda pouco ao longo do tempo. O possesso, em seu comportamento e sua expressão corporal, representa a luta do bem contra o mal. Os relatos de exorcismo na Legenda Áurea não seguem exatamente o mesmo procedimento. Os santos não pronunciam as mesmas fórmulas, o gestual varia, o uso de objetos ora funciona ora não. Entretanto, o que vemos nas imagens é justamente a falta de variação na representação do tema. O possesso ou possessa se encontra ajoelhado diante do santo que faz a imposição das mãos, enquanto que o demônio sai da boca do doente. Este fato aponta para uma tradição iconográfica consolidada sobre a cura dos possessos. O possesso tem um papel exemplar, revela a necessidade de arrapendimento e a possibilidade de salvação através da ação do santo. O contra-modelo do cristão, apartado da comunidade dos

238 eleitos se submete na representação – encontrando-se ajoelhado, em prece. Sua agressividade é contida, domesticada, apontando já para sua mudança de condição. As imagens do ato de expulsão dos demônios também exibem a tentativa de normatização do exorcismo presente nos manuais. Os santos não são representados como figuras que fogem à regra e sim estão completamente dentro do que se espera de um ritual de exorcismo. Isso mostra que, nos séculos XIV e XV, o exorcismo é tratado como algo que pode ser realizado por qualquer indivíduo – preferencialmente pelos padres ordenados exorcistas – desde que sejam seguidos os procedimentos de forma rigorosa. Isto quer dizer que a expulsão de demônios não é tanto um carisma que faz parte da excepcionalidade dos santos, e sim se trata de um rito dentre outros da Igreja. Os exorcismos mostram o confronto entre santos e demônios de forma explícita e nos ensinam como a misericódia divina atua. As imagens ressaltam a extrema bondade de Deus para com seus filhos e sua capacidade enorme de perdoar, dar uma segunda chance para os pecadores. Nas cenas aqui expostas há um sentimento de esperança embutido, de que a salvação está disponível para todos que buscarem Deus e seus representantes. Nesse sentido, os homens podem confiar na clemência de Deus, pois ele não quer a morte do pecador, ou seja, sua impossibilidade de salvação, seu afastamento do povo eleito. E justamente a absolvição de Deus vem através de seu Filho, aquele que veio à Terra para nos salvar, a misericórdia corporificada. É em nome deste que o exorcismo é realizado, aquele que expulsou os demônios durante sua passagem na Terra e morreu por nós. Trata-se de uma mensagem de esperança para se confiar na Igreja e em seus soldados, os santos e os padres. Os homens devem primeiro se arrepender sinceramente, se confessando e aceitando sua pena, prometendo uma mudança de comportamento. E podemos observar isto claramente nas imagens, em que os possessos se ajoelham em prece, humildemente. Depois os pecadores devem contar com a bondade de Deus e sua disposição para aceitar que os homens podem falhar em sua fé, mas esta falha pode servir para uma posterior reafirmação da devoção com um fervor restaurado. E o papel dos servidores da Igreja é essencial nesse sentido: são eles que vão ouvir as confissões, definir as penas e livrar os pecadores do mal, possibilitando sua posterior salvação.

239

CONCLUSÃO

A partir do século XIII surgem várias forças para atuar no combate ao Diabo e ao pecado. O pregador, o confessor e o inquisidor cumprem o papel de alertar contra os males do pecado, estimular o exame de consciência, ouvir e punir os pecadores. Esses personagens atuam com o objetivo de colocar fim à desordem que representavam as heresias. Não se trata de uma coincidência essas figuras serem majoritariamente dominicanas: a Ordem dos Pregadores desde sua origem se preocupou com o combate ao mal através, sobretudo, da orientação dos fiéis através da pregação. Isto justifica a sua preocupação em formar pregadores treinados e extremos conhecedores da doutrina e em produzir obras que servissem para a missão doutrinária da Ordem. Assim surge a Legenda Áurea, escrita pelo frei Jacopo de Varazze, que não se resume a um compêndio de hagiografias, mas que contém em si uma preocupação com a exposição dos preceitos ortodoxos de forma didática e clara. A obra é estruturada de forma a torná-la uma narrativa agradável e de grande alcance, visando a um público amplo de leigos. Entretanto, o conteúdo da Legenda em primeiro momento não chega ao grande público sem a mediação dos pregadores, que o inserem em seus sermões como forma de ilustrar sua argumentação. Por isso, a obra se estrutura na forma de pequenas histórias divertidas que trazem lições, chamadas de exempla. O uso destas histórias no sermão é uma das novidades trazidas pelos dominicanos. Estas histórias narram um mundo dividido entre duas forças, o bem e o mal. Mas deixam bem claro que estas esferas não possuem a mesma potência, o bem é infinitamente superior, basta que o indivíduo o procure sempre. O mal tem como seu representante o Diabo, que juntamente com os seus demônios, passa a ser uma figura melhor definida, menos abstrata e mais presente no mundo material. Satã, como também é chamado, passa a ser, mais do nunca, uma realidade, que está à espreita em busca de vítimas. Nesse contexto, é importante que o fiel se mantenha atento, nunca se sabe o que os demônios podem aprontar. A vigilância sobre suas ações e pensamentos – o exame de consciência - deve ser constante e ao menor sinal de fraqueza, deve sempre procurar um confessor para expor suas angústias. Este personagem está preparado para lidar com os pecados e através da confissão

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auricular, instituída pelo IV Concílio de Latrão, pode identificar a melhor solução para os tormentos do fiel. O medo do Inferno, da danação eterna, da separação da comunidade dos eleitos, permeiam a mente do indivíduo no final da Idade Média. Como lidar com este sentimento de culpa constante? O fiel se alimenta da crença e particularmente da esperança da vida eterna. A literatura religiosa vem de encontro a estas angústias e alimenta a fé do crente, trazendo a memória sobre Jesus e os santos. O texto da Legenda Áurea, traduzido para o vernáculo, é um objeto bastante cobiçado por aqueles que possuem recursos financeiros, principalmente os nobres e os bibliófilos. Estes códices já não mais se destinam a serem instrumentos para os pregadores - sem ilustrações, com diversas anotações e marcações. Tratam-se neste momento de “artigos de luxo”, ricamente adornados com belas imagens. Não se sabe exatamente como eram lidos esses códices – se de acordo com as festas dos santos ou de forma aleatória -, mas se pode constatar que a imagem tem um papel importante neste processo. Seu poder emocional e persuasivo, juntamente com o do texto, tinha por objetivo concentrar a atenção do leitor sobre os temas da santidade, do poder de Deus, e de suas relações com os homens. Esses manuscritos, juntamente com os livros de horas, breviários dentre outros, são destinados à leitura privada, no âmbito particular. Além disso, estes, adornados com materiais caros, correspondem ao interesse de ricos bibliófilos que procuram adquirir novos exemplares para suas maravilhosas coleções. As belas ilustrações, apresentadas nestes exemplares, são produzidas por oficinas especializadas, que trabalham com encomendas e possuem um rico repertório de modelos para utilizar. A formulação do programa iconográfico destes códices depende de muitos fatores, que incluem a questão econômica, o tipo de produção, a própria oficina e a experiência de seus ilustradores. Estes indivíduos, muitos deles ainda não identificados, produzem suas obras com um objetivo claro: fazer crer. Sua especialidade, que se reflete na escolha dos motivos, temas, personagens, é justamente causar comoção, emocionar, levar o espectador para a cena retratada e alimentar a sua crença. Para isso, muitas vezes, os ilustradores se utilizam de cenas comuns, já tradicionais, que trazem a memória rapidamente. Entretanto, também podem orquestrar a disposição de elementos e personagens dentro da imagem de forma diferente para despertar sentimentos novos no espectador, mas sempre com o objetivo de mover a crença.

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A relação entre a imagem e o espectador é como um jogo, aqui chamado de “performance”. O ilustrador pode construir a cena esperando certa reação do espectador, mas este vê, interpreta e se apropria da representação de forma particular, relacionada com suas próprias experiências de vida, com o momento, com o suporte da imagem, dentre outros fatores. Neste fato reside à dificuldade de se realizar a análise da imagem religiosa medieval e talvez por isto mesmo seja tão interessante enveredar por este caminho num trabalho historiográfico. Procurar apreender esta “performance” da imagem é o ato de tentar se colocar no lugar do fiel que observa a representação de seu santo de devoção e estabelece uma relação concreta com ela, rememorando sua trajetória e emocionando-se como se fosse testemunha desta. É de fato descobrir que apreender totalmente esta relação tão específica do espectador com a imagem é impossível. Ninguém vê uma imagem da mesma forma e, portanto, um indivíduo do século XXI jamais se apropriará de uma representação do final da Idade Média do mesmo modo que um homem que viveu naquele momento. Trata-se de uma relação de alteridade profunda que se estabelece. Nas representações da Légende dorée, o ilustrador reproduz o efeito das imagens religiosas produzidas no âmbito da Igreja com o objetivo de provocar no espectador reações conhecidas. Ele recorre à retórica para exercitar as faculdades de persuasão, explorando sentimentos já sabidos. A arte religiosa medieval é um reflexo, então, da religiosidade dos devotos. Esta persuasão se relaciona com o programa religioso da Igreja, extremamente convencional, apesar da liberdade de criação do ilustrador. As imagens dos confrontos entre o bem e o mal lembram o espectador da vitória de Cristo sobre o demônio. Elas também cumprem o papel de nutrir o fiel de concepções sobre o pecado e a ação do mal sobre os homens. A relação estrutural entre o texto da Legenda Áurea e a imagem é de essencial compreensão para chegarmos aos modelos emblemáticos usuais das representações destes confrontos. As cenas são acompanhadas do texto, cumprindo um papel didático de identificação dos santos e do que é necessário saber sobre eles, para que depois se leia o texto sobre suas vidas. Esta disposição traz um exercício de reconstrução mental que leva à meditação religiosa. As representações do confronto entre o bem e o mal adquirem um caráter performático, teatralizado, através da presença de elementos como o gestual, o posicionamento dos personagens em cena, as expressões, o uso das cores, a presença de sangue, ferimentos visíveis, etc. Esta carga de dramaticidade em que as imagens estão envolvidas apontam para uma estratégia do ilustrador para

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melhor comover o espectador. Este último se coloca como testemunha de um acontecimento que está se desenrolando aos seus olhos. As imagens de confronto manifestam uma batalha que se encontra no âmago da sociedade medieval, simbolizando as tensões entre os cristãos e a ameaça do pecado, que os aflige todo o tempo. O espectador se vê num mundo dividido e tem a consciência de que sua posição dentro deste embate não é passiva, ele é convocado a atuar, procurando sempre o caminho correto e evitando sucumbir às tentações. O que vemos nas imagens da Légende dorée é justamente a reafirmação da crença no poder de Deus, através da ação dos santos e anjos e no papel da Igreja como a instituição capaz de combater o mal e confortar as angústias de se viver sem saber o que o post-mostem reserva. O fiel tem a consciência de ser um pecador, reconhecendo totalmente suas fraquezas – representadas na figura do possesso, por exemplo -, mas ao mesmo tempo mantém a esperança na salvação de sua alma.

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265

ANEXOS

266

Anexo 1 – Prólogo de Jean de Vignay da Légende dorée

Fonte: VORAGINE, Jacques de. La Légende dorée, Trad. Jean de Vignay, 1348. – Bibliothèque Nationale de France, MS.Fr. 241. fol. 1 Palavras- Chave : tradução, ócio, Legenda Áurea, Jean de Vignay Comentário: Este é o prólogo de Jean de Vignay para a Légende dorée. Neste texto, o tradutor comenta as razões pelas quais decidiu fazer o trabalho, citando diversas autoridades da Igreja – como Santo Agostinho e São Bernardo - para sustentar seus argumentos. Um dos motivos elencados por Vignay é o combate ao ócio – tido como demoníaco – e a necessidade de divulgar as vidas de santos para a edificação de todos e proveito de sua própria alma. Texto: Ci commence la legende des sains. translatee en francois par frere Iehan de Vignay hospitalier de lordre de haut pas. Et ci commence le prologue de celui frere.

Et sire saint Ierosme dit ceste auctorite. Fai touziours aucune chose de bien. que le diable ne te truisse oiseus. Et me sire saint augustin dit. el liure de lueure des moines. que nul home poissant de labourer. ne doit estre oiseus Pour la quel chose quant ie oi parfait. le mireour des hystoires du monde et translatai de latin en francois. a la requeste de tres haute poissant et noble dame. Ma dame Iehanne de Borgoigne roine de france par la grace de dieu. Je fai tout esbaln a quel oeure faire ie me metroie. apres si tres haute et longue oeure comme ie auoie faite par deuant. Si que pour ce que oisiuete est tant blasmee. Que me sire saint bernart dit. que ele est mere de trufles. Marrastre de vertus. et est ce le qui trebusche tres forment. i. fort home empechie. et enfait estaindre vertu. et nourrir orgueil. et fait la voie a aler en enfer. Et iehan cassidore dit. que la pensee de cil qui est oiseus. ne pense a autre chose que as viande pour son ventre. Et me sire saint Bernart dit en une epistre. quant il nous conuiendra rendre raison du temps oiseus. quel raison en pourrons nous rendre. quant en oisiuete ne en temps oiseus. na cause nule de raison. Et prosper meismes dit. que cil qui vit en oiseuses. ci vit en maniere de beste mue. Et por ce que ie ai veues les auctoritez qui blasment et despisent oiseuse. ne veul ie plus estre oiseus. mes me veul metre atel oeure faire comme ie ai a coustume. Et pour ce que me sire saint augustin dit. sus. i. un psiaume. que bonne oeure ne doit pas estre faite par paour de paine. Mes par amour de droiture. Et que cest vraie et souueraine franchise. Et pour ce que il mest aius que ce est souuerain bien que de faire entendre as gens qui ne sont pas lettres. les natiuitez. les vies les passions et les mors des sains et aucuns autres fais notoires des temps passez. me suis ie mis a translater en francois. la legende des sains qui est dite la legende doree. Car aussi comme lor est plus noble sus toutes autres. Si deprie le glorieus pere de paradis que il li veulle plamernent plaire a moi donner sens temps et espace de parfaire deuement cest oeure commenciee. si que ce soit a la loenge de son glorieus non. et de toute la court celestiel. et au profit de lame de moi et a ledificacion de touz ceulz et detoures ce les qui le liure liront ou orront lire.

267

Anexo 2 - Os manuscritos ilustrados de Jean de Vignay

Exemplar Bruxelas, Bibliothèque Royale, ms. 9226

Bruxelas, Bibliothèque Royale, ms. 9227

Chantilly, Musée Condé, ms. 735

Cambridge, Fitzwilliam Museum, ms. McClean 124

Data c.1405

c. 1400

c. 1365

c.1360

Procedência As armas presentes no volume indicam que Charles de Croy, conde de Chimay possuiu este exemplar. O manuscrito mais tarde pertenceu a Margaret da Áustria. Em sua morte, tornou-se propriedade de Maria da Hungria, cujo ex-libris aparece na capa. De 1796 a 1815, o volume foi depositado na Bibliothèque Nationale em Paris, depois foi para a biblioteca de Leopoldo I e, em seguida, para a Bibliothèque Royale, em Bruxelas. Hoje se encontra na Bibliothèque Royale, em Bruxelas.

Comanditário Não há informações.

No século XVIII, o volume pertencia ao Oratório de Paris e foi adquirido pelo Museu Condé, em 1856.

Não informações.

O manuscrito não tem nenhuma marca de propriedade. Foi nº. 44 na venda em Sotheby em 1899.

Não informações

Conteúdo Fols. 1–312v. : La Légende dorée

Observações

Contém 78 miniaturas, incluindo um frontispício (182 x 122) e 77 miniaturas menores (80 x 66-72).

Não informações.







Fols. 1–373: La Légende dorée Duas miniaturas, incluindo um frontispício de 180 X 160, e uma miniatura de 74 X 62. Fols. 1–386: La Légende dorée 88 miniaturas, incluindo um frontispício (142 X 130), uma miniatura menor (58 X 60) e 84 iniciais historiadas menores (42 X 44). Fols. 1–252: La Légende dorée 49 miniaturas, que incluem um frontispício (146 x 174), seguido por 48 miniaturas distribuídas por todo o texto, (62 x 83).

f. 388v : “And if my penne were better, better schuld be my letter”. Esta frase, escrita por uma mão mais moderna, sem dúvida foi deixada por um leitor.

268

Paris, Bibliothèque Mazarine, ms. 1729

Paris, Bibliothèque de l'Arsenal, ms. 3705

Paris, B.N.F., ms. fr. 241

c.1370

c. 1400

1348

Não se sabe quem encomendou este manuscrito ou quem foi o primeiro dono. No entanto, Delisle observou que o par de leões que originalmente fazia parte de um brasão na margem inferior do fol. 1 também aparece em vários códices que originalmente pertenciam à grande biblioteca de Carlos V. Em 1561 o manuscrito pertencia a Dorleans, Civis Parisiensis, que pode ter sido o escritor deste nome do século XVI, autor de diversos panfletos religiosos. O volume posteriormente pertenceu ao convento das Minimes de Nigeon. O manuscrito veio da biblioteca de M. de Paulmy "Histoire" nº. 1057 A77.

Pode ter pertencido ao rei Carlos V.

Possui duas notas que informam que o exemplar foi produzido por Richart de Montbaston, livreiro parisiense.

Não informações

Fols. 1–327: La Légende dorée 15 miniaturas, incluindo um frontispício (154 X 140) e 14 miniaturas (5362 X 64).

Não informações



Fols. 1–295: La Légende dorée Quatro miniaturas que incluem um frontispício (156 X 119) e três miniaturas menores (35 X 40-42).



Fols. 1–334: La Légende dorée 132 miniaturas, incluindo duas iniciais historiadas (54 X 51), um frontispício (200 X 200), oito miniaturas (80 X 200), 121 miniaturas (80 X 90).

Espaços foram deixados para miniaturas adicionais nunca concluídas.

Possui duas notas, no início e no final do códice. A primeira diz: "Richart de Monbaston libraire a fait escrire ceste legende des sains en francois lan de grace nostre seigneur mil.ccc.xlviii" A segunda adiciona o lugar de produção do manuscrito: "Richart de Montbaston libraire de mo-t a paris enlarue neuue nostre dame --- escrire ceste legende en

269

francois lan de grace nostre seigneur mil.ccc.xlviiij" Paris, B.N.F., ms. fr. 244-45

Paris, B.N.F., ms. fr. 414

Paris, B.N.F., ms. fr. 6448

Londres, British Library, ms. Add. 16907

c.1480

c. 1404

c.1480

1375

Grande parte da biblioteca de Chourses foi para o Musée Condé, mas este volume parece ter estado na posse do cardeal de Bourbon, no século XVI, e, em seguida, ter-se tornado o nº. 240 na Bibliothèque de Versailles, antes de ser depositado na Bibliothèque Nationale em 1795.

Nos limites das nove miniaturas de página inteira são pintadas as armas e as iniciais de Antoine de Chourses, Seigneur de Maigne e Real Chamberlain, e sua esposa Katherine de Coetivy entrelaçadas.

Na segunda metade do século XV pertenceu a Louis de Bruges, seigneur de La Gruthuyse e Conselheiro e Chamberlain de Filipe o Bom. Suas armas, juntamente com as iniciais L e M aparecem no fol. 1. Louis casou com Margaret de Borselle em 1455 e morreu em 1492. Suas armas foram substituídas pelas armas da França, quando este volume passou com outros livros de sua biblioteca, para a biblioteca de Louis XII. Na capa está escrito: "De M LE MARQUIS DE LA VIEUVILLE". Uma nota que indica o dono do manuscrito aparece no fol. 378: "Cette Legende doree est a Jehan dumas seigneur deLile on quela cent soixante-seze histoyres" assinada por du Mas. As armas de du Mas aparecem em vários fólios do manuscrito.

Não informações

O manuscrito pertenceu a "Charles d'Aniou Comte du Maine et de



Dois vols.: MS fr. 244, fols. 1–208: Prólogo de Varazze – S. Cristina. MS fr. 245, fols. 1–223: S. Tiago Maior– S. Pelágio. 90 miniaturas, incluindo 10 miniaturas de página inteira (350-5 X 244-8) e 80 miniaturas menores (86104 X 75). Fols.1–419v.: La Légende dorée 80 miniaturas que incluem um frontispício (159 X 155) 79 miniaturas (70 x 50) e (50-60 X 50).

As armas que aparecem em muitas bordas e iniciais pertencem a Jean du Mas, seigneur de l'Isle, cuja assinatura aparece também no último fólio escrito do manuscrito. O volume foi quase certamente especificamente iluminado para du Mas Charles d'Aniou Comte du Maine et de Montaigne

Fols. 1–378: La Légende dorée 175 miniaturas, incluindo um frontispício (200 X 185) e 174 miniaturas menores (82 X 80).

Fols. 1–302v.: La Légende dorée

270

Londres, British Library, ms. Royal 19.B.XVII

1382

Rennes, Bibliothèque Municipale, ms. 266

c. 1400

Arras, Médiathèque, ms. 83

Londres, British Library, ms. Phillips Loan 36/199

c. 1400

c. 1410

Montaigne governeur de Languedoc". Esta inscrição aparece no fólio em branco no final do códice. O manuscrito foi adquirido pelo Museu Britânico de Thomas Rodd em 1847. Na folha de guarda inserida na parte da frente do volume estão iluminadas as armas de Beaufort, sob o lema "Me sovent sovant". No fol. 5 se encontra a inscrição "My trust ys. Arundell" de Thomas Fitzalan, conde de Arundel (1488-1524). Gilson sugere que o manuscrito foi nº. 119 dos MSS. de Henry VIII em Richmond Palace, em 1535.

governeur Languedoc

Atualmente na Bibliothèque Municipale de Rennes. É da coleção do Presidente Christopher Paul Robien (1698-1756), que legou sua coleção de estátuas, pinturas, livros raros, plantas, objetos raros, a seu filho Paul Celeste cuja propriedade foi confiscada em 1792. Encontra-se na Bibliothèque Municipale de Arras.

Não informações

O proprietário original é desconhecido. Na contracapa há um registro de que o volume pertencia a Anne Therese Ph:D'Yve. No fol. 1 há uma assinatura e uma data de 05 de julho de 1763. Outra assinatura indecifrável aparece na última página escrita. Uma nota na margem superior diz: "Collegii Parisiensis Societatis Jesu".

de

Thomas Fitzalan, conde de Arundel (1488-1524).



54 miniaturas, incluindo um frontispício (178 X 158) e 53 iniciais historiadas (4050 X 45). Fols. 1–355: La Légende dorée 80 miniaturas incluindo um frontispício (148 X 144), uma miniatura da largura de uma coluna de texto (76 x 60) e 78 miniaturas cerca de ¾ da largura de uma coluna de texto (48-62 X 40-56). Fols. 1–357: La Légende dorée 159 miniaturas, incluindo um frontispício no fol. 1.

Não informações.

Não informações





Fols. 1–334v. : La Légende dorée 102 miniaturas, incluindo um frontispício. Fols. 1–328: La Légende dorée Uma miniatura, 74 X 136.

271

Bruxelas, Bibliothèque Royale, ms. 9228

Bruxelas, Bibliothèque Royale, ms. 9282-5

Paris, B.N.F., ms. fr. 184

Paris, B.N.F., ms. fr. 242

c.1405

c. 14701477

c. 1402

c. 1402

O manuscrito não contém marcas de propriedade. De acordo com Gaspar e Lyna, é mencionado pela primeira vez no inventário de Filipe o Bom de 1467, e apareceu em todos os inventários subsequentes. De 17941815 o volume teve lugar na Bibliothèque Nationale em Paris. O selo vermelho da Bibliothèque Nationale foi removido do fol. 7 e fol. 414v.

Não informações.



Nos margens de várias miniaturas grandes estão pintadas as iniciais P.F., unidas por um cordão e acompanhadas por um brasão de armas pertencentes a Philippe de Clèves, seigneur de Ravenstein e sua esposa, Françoise de Luxemburgo, com quem se casou em 1485. O manuscrito aparece nos inventários de Philippe de Clèves. De 1796 a 1815, o manuscrito foi da Bibliothèque Nationale em Paris. Os donos originais do manuscrito são desconhecidos. Durante o reinado de Charles VII pertencia a Raoul de Gaucourt, um camareiro real. Suas armas estão representadas na margem lateral do manuscrito, no fol. 429V. No século XVII, o volume foi dado a M. Moreau, seigneur d'Auteuil, por M. du Blancmesnil.

Philippe de Clèves, seigneur de Ravenstein e sua esposa, Françoise de Luxemburgo

Hoje se encontra na Bibliothèque Nationale de France, em Paris.

Não informações

fols. 1–338v.: La Légende dorée. fols. 339–414v.: Les Festes nouvelles. 233 miniaturas, incluindo um frontispício (190 X 187) e 232 miniaturas menores da largura da coluna de texto (70-80 X 85).

Não informações.



fols. 1–319v. : La Légende dorée. fols. 320–383v. : Les Festes nouvelles. 63 miniaturas, incluindo 10 grandes de meia página (180 X 170) e 53 miniaturas menores da largura da coluna (57 X 78). fols. 1–370 : La Légende dorée. fols. 370–429v. : Les Festes nouvelles.



44 miniaturas, incluindo um frontispício (178 X 190) e 43 miniaturas da largura da coluna (65-95 X 83). La Légende dorée: fols. A– 287. Les Festes nouvelles: fols. 288–337.

272

Paris, B.N.F., ms. fr. 243

Paris, B.N.F., ms. fr. 415-16

c. 1415

c. 1415

O manuscrito não contém nenhuma indicação de propriedade. A assinatura, possivelmente, do escriba, "Thomas", aparece no fol. 417.

Hoje se econtra na Bibliothèque Nationale de France, em Paris.

Não informações.



219 miniaturas, incluindo um frontispício (153 X 182) e 218 miniaturas pequenas da largura da coluna e ¾ da largura da coluna (60-70 e 50-62 X 78 X 57). fols. 1–362v. : La Légende dorée. fols. 362v–417 : Les Festes nouvelles.

Não informações.



Duas miniaturas, incluindo um frontispício (153 X 208) e uma miniatura da largura da coluna (74 X 90). 2 vols.: MS fr. 415, fols. 1 321v. : La Légende dorée do prefácio de Vignay à vida de Santo Hipólito. MS fr. 416, fls. 1-207V:. La Légende dorée da Assunção da Virgem à Consagração de uma igreja. Fols. 207v.316v:. Les Festes Nouvelles Originalmente, o manuscrito foi decorado com 26 miniaturas da largura da coluna (56–73 X 55–58) e um frontispício (164 X 130). Quatro das pequenas miniaturas

273

Genebra, Bibliothèque Publique et Universitaire, ms. fr. 57

Munique, Bayerische Staatsbibliothek, ms. Gall. 3

Jéna, Universitätsbibliothek, ms. Gall. 86

New York, Pierpont Morg. Lib., ms. M 672-5 et Mâcon, Bibl. Mun. ms. 3

c. 1400

c. 1430

c. 1420

c. 1470

O dono original do manuscrito não é conhecido. No início do século XVI, o volume pertencia a Aymar de Poitiers, que tinha as armas pintadas na base da fol. 1. A encadernação carrega as armas de Alexandre Petau, o Conselheiro da Grand 'Chambre do Parlamento de Paris do século XVII e notável bibliófilo. 88 volumes da biblioteca Petau passaram para as mãos de Ami Lullin, teólogo genovês, no século XVIII, e na sua morte, em 1756, para a Bibliothèque Publique et Universitaire, em Genebra. Encontra-se atualmente na Bayerische Staatsbibliothek de Munique.

Não informações.



foram, entretanto, retiradas. fols. 1–395v. La Légende dorée. Fols. 396–490: Les Festes nouvelles. 94 miniaturas, incluindo um frontispício (142 X 154), seguido por 93 miniaturas da largura da coluna (45-70 X 64-70).

Não informações.



fols. 1–256: La Légende dorée. fols. 257–316 : Les Festes nouvelles.

O manuscrito é prefaciado por uma página com o brasão do príncipe eleito Frederick, o Magnânimo (15031554). O manuscrito passou da posse do príncipe à Jena Universitätsbibliothek no momento de sua fundação.

Não informações.



Os primeiros donos do manuscrito são conhecidos Armas aparecem nos primeiros fólios de Morgan M.672, 674 e Mâcon MS 3. Estas pertencem a Jean IV (1422-1474), senhor e Barão d'Auxy,

Jean IV, Senhor e Barão d'Auxy, Conselheiro e Camareiro de Filipe o Bom e Camareiro de Carlos o Temerário.

227 miniaturas com a largura da coluna (70-76 X 93). fols. 1–306v.: La Légende dorée. fols. 307–369 : Les Festes nouvelles. 66 miniaturas, incluindo um frontispício (260 X 217) e 63 miniaturas (69– 95 X 99–101). La Légende dorée: Morgan M.672, fols. 1– 124v. : Prefácio de Vignay– Septuagésima. M.673, 125–270:

fols.

Ao longo do manuscrito várias miniaturas foram removidas

274

Cambridge, Fitzwilliam Museum, ms. 22

Paris, Bibliothèque de l'Arsenal, ms. 3682-83

c. 1500

c. 1480

Conselheiro e Camareiro de Filipe o Bom e Camareiro de Charles le Temeraire. Deve-se supor que d'Auxy encomendou o manuscrito. De 15401552 pertenceu a Charles de Chabannes, Seigneur de la Palisse. Em 1651 ou 1665 Louis de Valois ou sua esposa Henriette de la Guiche doou o manuscrito para o mosteiro dos Mínimos em La Guiche, Saône-etLoire. Após a Revolução, em 1794, pertenceu ao Departamento de Saôneet-Loire, e em 1835 a cidade de Mâcon comprou o manuscrito da livraria Moreau. O volume III é preservado como Mâcon MS 3 na biblioteca municipal. Em 1849, o Conde de Ashb comprou os dois primeiros volumes da coleção de J. Barrois. Em 1901, foram vendidos para Quaritch, em 1902-11 estavam na Coleção Leboeuf de Montgermont em Paris, e em 1912 a Pierpont Morgan Library adquiriu os volumes do vendedor de livros parisiense Edouard Rahir. No fol. 2 aparecem as armas da família de Oettingen, príncipes do Sacro Império Romano.

O manuscrito veio da biblioteca de M. de Paulmy, registros nºs. 13538 e 13529.

Sexagésima– Pentecostes. M.674, fols. 271–408v.: S. Pedro, exorcistaAssunção da Virgem. M.675, fols. 1– 155v.: Assunção da Virgem- São Lucas Mâcon MS fols. 1–127: Crisanto e Dariaconsagração uma igreja

3, S. S. A de

Les Festes nouvelles: Mâcon MS 3, fols. 127v.–272 : S. Simeão- São Luis de Marseilles. 221 miniaturas 80-160 X 155158.

Não informações.

Não informações





Fols. 1–268: La Légende dorée 143 ilustrações, incluindo duas miniaturas de página inteira (200 X 190), 14 grandes miniaturas de duas colunas de texto de largura e 127 miniaturas menores de uma coluna de largura. 2 vols: MS 3682: fls. 1-328; MS 3683: fols. 1365.

Existem miniaturas incompletas

A maior parte do primeiro volume é a versão "a" da tradução de Vignay, mas em

275

52 miniaturas com a largura da coluna (98-110 X 90).

Londres, British Library, ms. Stowe 5051

476

c. 1475

No fol. 1v. uma nota, em grande parte ilegível, inclui as palavras "conte del Flandres". Na página final do MS 51, em uma escrita do século XVI (?), Jacques Losien está registado como dono do manuscrito.

HAMER; RUSSELL, op.cit. 1989.

Não informações



2 vols.: MS Stowe 50: fols. 1–242; MS Stowe 51: fols. 1–282. Uma miniatura (112 X 88).

algum lugar entre fol. 175V. e fol. 199v. o escriba começou a copiar a partir de uma versão "c" do texto, continuando até o segundo volume.476

276

Anexo 3 – Fichas de identificação dos manuscritos que compõem o corpus documental

P 1 - Paris, Bibliothèque Nationale, ms. fr. 241

Cota: ms. fr. 241 Lugar de Conservação: Paris, Bibliothèque Nationale de France Dimensões: 450 x 310 mm Número de fólios: 345 Data: 1348 Miniaturas: 132 miniaturas, incluindo duas iniciais historiadas (54 X 51), um frontispício (200 X 200), oito miniaturas (80 X 200), 121 miniaturas (80 X 90). Conteúdo: 183 capítulos Origem e destinação: Conforme escrito no colofão a data da produção do manuscrito é 1348. O ilustrador é Richart de Monbaston, livreiro e iluminador, que trabalhava com sua esposa, Jeanne de Monbaston. Não sabemos a quem esta obra se destina. Ilustrador: Richart de Montbaston O manuscrito da Bibliothèque Nationale de France, MS. Fr. 241, de 1348, contém duas notas sobre sua autoria. A primeira diz: « Richart de Montbaston librairie a fait escrire ceste legende des sains em François lan de Grace nostre seigneur mil.ccc.xlviii. » A nota do final mostra a mesma informação, mas adiciona o lugar de produção: Rue Neuve-Notre-Dame, em Paris. O nome de Richart de Montbaston sobrevive em documentos parisienses do período. Ele é primeiramente registrado em 24 de agosto de 1338 no Cartulaire de l'Université de Paris como "Richart dit de Montbaston du diocese de Lisieux, clerc, libraire et enlumineur"477. Num estatuto datado de 6 de outubro de 1342, ele está listado entre os libraires e stationnaires que tinham tomado o juramento que lhes permitia praticar seu ofício478. Pode-se supor que em algum momento antes de 1353, sua esposa

477 478

DELALAIN, P.A. Étude sur le libraire parisien du XIII au XVe siècle. Paris, 1891. p.17. Ibid. p.35.

277

Jeanne, é mencionada no Cartulaire dessa data como "enlumineuse, libraire juree de l'Universite”479. A rue Neuve-Notre-Dame, em frente à Catedral de Notre Dame, era um centro tradicional para vendedores de livros ou libraires. Richart de Montbaston e sua esposa, enquanto atuando na qualidade de libraire, estavam, de acordo com os estatutos, também envolvidos nos papéis de copistas e iluminadores. É difícil especular sobre o tamanho ou a natureza da atividade de Montbaston, ou mesmo avaliar o quão comum foi o papel combinado de iluminador, copista e libraire, pois iluminadores neste momento não estavam obrigados por lei a jurisdição da Universidade, e, consequentemente, raramente são mencionados nos estatutos. No entanto, as inscrições neste manuscrito da Legenda Áurea servem para confirmar a operação de Montbaston como libraire, e é tentador sugerir que ele ou sua esposa, na sua qualidade de iluminadores, também se envolveram em sua decoração.

479

Ibid. p.39.

278

F- Cambridge, Fitzwilliam Museum, ms. Mc Clean 124

Cota: Mc Clean 124 Lugar de Conservação: Cambridge, Fitzwilliam Museum Dimensões: 322 x 242 milímetros Número de fólios: 252 Data: c. 1360 Miniaturas: 49 miniaturas, que incluem um frontispício (146 x 174), seguido por 48 miniaturas distribuídas por todo o texto, (62 x 83). Conteúdo: 183 capítulos 

São Macário não aparece no sumário de capítulos, mas aparece no texto.



Santa Agnes não aparece no sumário de capítulos, mas aparece no texto.

Origem e destinatários: O manuscrito não tem nenhuma marca de propriedade. Foi nº. 44 na venda em Sotheby em 1899 e é parte da coleção de Lord Ashburnham. Ilustrador: Um único miniaturista é responsável por todo o programa de ilustração deste manuscrito. Um seguidor tardio da Pucelle, este ilustrador é associado com o principal herdeiro de sua tradição, o Mestre da Paixão, assim chamado por Meiss depois de seu trabalho nas Horas da Paixão nas Petites Heures de c. 1380, (Paris, Bibl. Nat. MS, lat. 18014)480. Meiss reconhece o estilo precoce deste miniaturista nas Horas de Yolande de Flanders (London, Brit. Lib. MS Yates Thompson 27), pintadas após seu casamento em 1353, e também no Breviário de Carlos V (Paris, Bibl. Nat. MS lat. 1.052), iluminado pouco antes de 1380481. O Mestre da Paixão parece ter parado de trabalhar em torno de 1385, o seu trabalho não pode ser encontrado após esta data. Tem sido sugerido que ele deve ser

MEISS, "The Exhibition of French Manuscripts of the XIII–XVI Centuries at the Bibliothèque Nationale", Art Bulletin 38 (1956), p.191; French Painting in the Time of Jean de Berry. The Late Fourteenth Century and the Patronage of the Duke, New York, 1967, p.160–169. 480

481

MEISS, op.cit.

279

identificado com Jean le Noir, um ilustrador que é registrado como estando ao serviço de Yolande de Flandres na época de seu casamento482

AVRIL, François; BARON, Françoise; GABORIT-CHOPIN, Danielle, Les fastes du gothique: le siècle de Charles V, [s.l.]: Réunion des musées nationaux, 1981. 482

280

C- Chantilly, Musée Condé, ms. 735

Cota: ms. 735 Lugar de de Conservação: Chantilly, Musée Condé Dimensões: 311 x 215 milímetros Número de fólios: 388 fólios Data: c. 1365 Miniaturas: 88 miniaturas, incluindo um frontispício (142 X 130), uma miniatura menor (58 X 60) e 84 iniciais historiadas menores (42 X 44). Conteúdo: 183 capítulos. 

A ascensão não aparece no sumário de capítulos, mas aparece no texto.



São Paulo apóstolo não aparece no sumário de capítulos, mas aparece no texto.



Os quatro coroados não aparecem no sumário de capítulos, mas aparecem no texto.



São João abade não aparece no sumário, mas aparece no texto.



São Moisés abade não aparece no sumário, mas aparece no texto

Origem e destinatários: O copista é Dieugueul de Mour, que provavelmente produziu o manuscrito em torno de 1365. Marie Guerinel-Rau483 nos mostra que dois manuscritos em particular comportam menções em inglês provando que algumas obras produzidas na França circularam relativamente cedo na Inglaterra. A primeira é o volume de Chantilly, assinado pelo copista Dieugueul du Mour, que contém no f. 388 a frase seguinte: “And if my penne ere better, better shuld be my letter” ; o segundo é o exemplar de Londres, British Library MS Royal 19.B.XVII. Não sabemos nem o receptor nem o comanditário, no entanto, este manuscrito vem da biblioteca do Oratório de Paris fundada em 1611. Foi adquirido pelo príncipe de Condé, em 1856. O frontispício, representando a coroação da Virgem, tem enquadramentos tricolores como o frontispício do manuscrito da Mazarine; mas não vemos os leões, que parecem caracterizar os livros feitos para Carlos V484.

483 484

GUÉRINEL-RAU, op.cit., p. 227–228. DELISLE, Léopold, Recherches sur la librairie de Charles V, Paris: H. Champion, 1907, p. 285.

281

Ilustrador: Vários ilustradores que trabalham no estilo do Maître aux Boqueteaux participaram da iluminação do manuscrito de Chantilly (ms. 735). O Maître aux boqueteaux recebe este nome por causa dos pequenos bosques de árvores com os quais ele permeava as paisagens. Este miniaturista, que aparece desde os últimos anos do reinado efetivo de João o Bom, tem uma produção abundante, mas considerada muito monótona, da qual se destacam as ilustrações da Bíblia de Jean de Sy em que seu estilo aparece já plenamente formado485.

485

AVRIL, François, L’enluminure à la Cour de France au XIVe siècle, Paris: Éditions du Chêne, 1978, p. 28.

282

M- Paris, Bibliothèque Mazarine, ms. 1729

Cota: ms. 1729 Lugar de Conservação: Paris, Bibliothèque Mazarine Dimensões: 300 x 215 milímetros Número de fólios: 330 fólios Data: c. 1370 Miniaturas: 15 miniaturas, incluindo um frontispício (154 X 140) e 14 miniaturas (53-62 X 64). Conteúdo: 183 capítulos  

Parte do capítulo sobre S. Simphorien está perdido. Parte do capítulo sobre São Bartolomeu apóstolo está perdido.

Origem e destinatários: A Légende Dorée que hoje está na Bibliothèque Mazarine, ms. 1729 pode ter pertencido à biblioteca de Carlos V. Exemplar do fim do século XIV, cujo frontispício (fig.1), representando a coroação da Virgem, é ornado de enquadramentos tricolores e de dois leões análogos àqueles que vemos num certo número de livros de Carlos V, o que pode fazer supor que é um livro da biblioteca do Louvre.486 Em 1561 o manuscrito pertencia a Dorleans, Civis Parisiensis, que pode ter sido o escritor deste nome do século XVI, autor de diversos panfletos religiosos. O volume posteriormente pertenceu ao convento das Minimes de Nigeon. Ilustrador: A iluminação neste manuscrito é no estilo do Maître aux Boqueteaux. As 15 miniaturas menores neste manuscrito foram atribuídas por Patrick de Winter487 ao Mestre da coroação de Carlos VI, nomeado por Avril a partir de uma miniatura adicionada às Grandes Chroniques de France (Paris, Bibl. Nat. MS fr. 2813).

DELISLE, op.cit. 1907, p. 285. DE WINTER, Patric M., The Grandes Heures of Philip the Bold, Du e of Burgundy: The Copyist Jean L’Avenant and His Patrons at the French Court, Speculum: A Journal of Medieval Studies, p. 786–842, 1982. 486 487

283

Figura 100- Frontispício, fol.1, Paris, Bibliothèque Mazarine., ms. 1729, c. 1370

284

Q- Londres, British Library, ms. Add. 16907

Cota: ms. Add. 16907 Lugar de Conservação: Londres, British Library Dimensões: 327 x 240 milímetros Número de fólios: 302 fólios. Data: 1375 Miniaturas: 54 miniaturas, incluindo um frontispício (178 X 158) e 53 iniciais historiadas (40-50 X 45) Conteúdo: 182 capítulos 

São Macário não aparece no sumário de capítulos, mas aparece no texto.



São Moisés abade não aparece no sumário, nem no texto.

Origem e destinatários: O manuscrito pertenceu a "Charles d'Aniou Comte du Maine et de Montaigne governeur de Languedoc". Esta inscrição aparece no fólio em branco no final do códice. O manuscrito foi adquirido pelo Museu Britânico de Thomas Rodd em 1847. Ilustrador: O estilo é mais próximo do manuscrito de Chantilly (Ms. 735) e de Mazarine (Ms. fr. 1729). Seguidores do estilo Boqueteaux.488

488

MADDOCKS, op.cit. 1990, p. 138.

285

R- Londres, British Library, ms. Royal 19 B XVII

Cota: ms. Royal 19 B XVII Lugar de Conservação: Londres, British Library Dimensões: 305 x 220 mm Número de fólios: 355 Data: 1382 Miniaturas: 80 miniaturas incluindo um frontispício (148 X 144), uma miniatura da largura de uma coluna de texto (76 x 60) e 78 miniaturas cerca de ¾ da largura de uma coluna de texto (48-62 X 4056). Conteúdo: 183 capítulos 

São Macário não aparece no sumário de capítulos, mas aparece no texto.

Origem e destinatários: Datada de 1382, esta obra comporta não somente a assinatura de Thomas Fitzalan (1450-1524), mas também o escudo da família Beaufort (fig.2) da qual ele é descendente489. Já no registro do manuscrito da British Library490 consta que este volume teria pertencido a um membro da família de Beaufort, talvez Margaret Beaufort, condessa de Richmond e Derby (1443-1509.), matriarca real, justamente por causa da presença das armas de Beaufort coroadas, rosas vermelhas de Lancaster, e lema de Beaufort 'Me sovent sovant' (Souvent me souviens), do final do século 15 (fol. 1v). No fólio 5 aparece a assinatura “My tryst ys. Arundell”, que o mesmo registro atribui a William Fitzalan (1417-1487). Ilustrador: Ele foi iluminado na França, por vários ilustradores. As três primeiras miniaturas: o frontispício, São Jerônimo e Santo André, são do Pseudo-Jacquemart.491

GUÉRINEL-RAU, op.cit., p. 227–228. Disponível em: http://www.bl.uk/catalogues/illuminatedmanuscripts/record.asp?MSID=8527. Acesso em: 04 de julho de 2013. 491 MADDOCKS, op.cit. 1990, p. 143. 489 490

286

Figura 101 - As armas de Bedford, fol.1, Londres, British Library, ms. Royal 19.B.XVII, 1382

287

S- Rennes, Bibliothèque Municipale, ms. 266

Cota: ms. 266 Lugar de Conservação: Rennes, Bibliothèque Municipale Dimensões: 395 X 300 mm Número de fólios: 361 fólios Data: c.1400 Miniaturas: 159 miniaturas, incluindo um frontispício no fol. 1 Conteúdo: 183 capítulos 

Parte do capítulo sobre S. Remígio está perdida



Parte do capítulo sobre S. Antonio está perdida



Parte do capítulo sobre S. Sebastião está perdida



Parte do capítulo sobre S. Agnes está perdida



Parte do capítulo sobre o nascimento de S. João Batista está perdida



Parte do capítulo sobre S. João e São Paulo está perdida



Parte do capítulo sobre São Pedro apóstolo está perdida



Parte do capítulo sobre Siplicien e F. está perdida



Parte do capítulo sobre Marta está perdida



Parte do capítulo sobre Macabeus está perdida



Parte do capítulo sobre Étienne, o papa está perdida



Parte do capítulo sobre Sixto está perdida



Parte do capítulo sobre Ciríaco está perdida



Parte do capítulo sobre Hipólito está perdida



Parte do capítulo sobre Simphorien está perdida



Parte do capítulo sobre Gilles está perdida



São João abade não aparece no sumário de capítulos, mas aparece no texto.

Origem e destinatários: Não há informações

288

Ilustrador: Diversos ilustradores participaram na ilustração deste volume. Pintaram em dois estilos diferentes, mas o uso de modelos de composição decorrentes de uma associação comum sugere que eles trabalharam em parceria. A maioria das miniaturas do volume são, pelo menos, dois ilustradores trabalhando bem dentro das principais tradições de iluminação francesa da época.

289

W- Arras, Médiathèque, ms. 83

Cota: ms. 83 (antigo 630) Lugar de conservação: Arras, Bibliothèque Municipale Dimensões: dados desconhecidos Número de fólios: 334 fólios Data: c. 1400 Miniaturas: 102 miniaturas, incluindo um frontispício Conteúdo: 180 capítulos 

Parte do capítulo sobre S. André está perdida



Parte do capítulo sobre Nicolas está perdida



Parte do capítulo sobre Natividade está perdida



Parte do capítulo sobre Tomás de Canterbury está perdida



Parte do capítulo sobre Silvestre está perdida



Parte do capítulo sobre Circunscisão está perdida



Parte do capítulo sobre Epifania está perdida



Parte do capítulo sobre Sebastião está perdida



Parte do capítulo sobre Agnes está perdida



Parte do capítulo sobre Julien está perdida



Parte do capítulo sobre Septuagésima está perdida



capítulo sobre o Tempo de devoção aparece no sumário mas falta no texto



Parte do capítulo sobre Septuagésima está perdida



Parte do capítulo sobre Jejuns dos quatro tempos está perdida



Parte do capítulo sobre Blaise está perdida



Parte do capítulo sobre Agata está perdida



Parte do capítulo sobre Matias apóstolo está perdida



Parte do capítulo sobre Gregório está perdida



Parte do capítulo sobre Patrício está perdida



Parte do capítulo sobre Anunciação está perdida



Parte do capítulo sobre Paixão está perdida



Parte do capítulo sobre Ressurreição está perdida



Parte do capítulo sobre Segundo está perdida

290



Parte do capítulo sobre Jorge está perdida



Parte do capítulo sobre Marcos evangelista está perdida



Parte do capítulo sobre Pedro mártir está perdida



Parte do capítulo sobre Invenção da santa cruz está perdida



Parte do capítulo sobre João apóstolo e evangelista está perdida



Parte do capítulo sobre Ascensão está perdida



Parte do capítulo sobre Pentecostes está perdida



Parte do capítulo sobre Pedro apóstolo está perdida



Parte do capítulo sobre Paulo apóstolo está perdida



Parte do capítulo sobre Tiago apóstolo está perdida



Parte do capítulo sobre Marta está perdida



capítulo sobre Etienne o papa está perdido



capítulo sobre Sixto está perdido



capítulo sobre Eufêmia está perdido



capítulo sobre Lambert está perdido



Parte do capítulo sobre Maurício está perdida



Parte do capítulo sobre São Miguel arcanjo está perdida



Parte do capítulo sobre Jerônimo está perdida



Léger não aparece no sumário de capítulos, mas aparece no texto.



capítulo sobre Thais está perdido



capítulo sobre Quentin está perdido



capítulo sobre Eustace está perdido



Parte do capítulo sobre Todos os mortos está perdida



Parte do capítulo sobre Martin está perdida



Parte do capítulo sobre Clemente está perdida



capítulo sobre Crisogone está perdido



capítulo sobre João abade está perdido



capítulo sobre Moisés abade está perdido



capítulo sobre Arsénien está perdido



capítulo sobre Pelágio papa está perdido



capítulo sobre Dedicação da Igreja está perdido

Origem e Destinatários: Não há informações Ilustrador: A miniatura do frontispício foi feita pelo Maître du Policratique, que participou da decoração da Legenda Áurea de Rennes (Ms. 266) e realizou plenamente as miniaturas daquela conservada em Genebra (Ms. fr. 57). Ele aparece a partir do fim dos anos 1360 e trabalhou para membros da família real: sua mão pode ser reconhecida em pelo menos dois manuscritos encomendados por Carlos V para

291

sua biblioteca do Louvre492, assim como em três manuscritos produzidos para os irmãos do rei, Louis Ier d’Anjou493, Filipe o Temerário494 e Jean de Berry495. Depois da morte de Carlos V, o Maître du Policratique continuou a trabalhar para os membros os mais eminentes da família real e notadamente para o mais refinado deles, Jean de Berry. Ele ilustrou para este último um número respeitável de manuscritos496. Berry permanece fiel ao miniaturista até o fim de sua carreira, como testemunha uma Cité de Dieu que parece ser uma das obras mais tardias do Mestre (fim dos anos 1390), numa época em que seu estilo parece ultrapassado e em que ele parecia não mais dominar o pincel.497 Nestes anos, o Maître du Policratique contou igualmente em sua clientela com Louis d’Orléans498, irmão do rei Carlos VI, e sua esposa Valentine Visconti. Seus clientes são em grande medida próximos do poder régio. Também não faltam encomendas eclesiásticas e universitárias. Em razão dos gostos diversificados desta clientela tão heterogênea, se bem que formada nas altas esferas da sociedade, o Maître du Policratique decorou uma grande variedade de textos. Há uma predominância de textos profanos ou de obras em língua vulgar: tratados de piedade e textos edificantes, textos narrativos, textos históricos, textos filosóficos de acesso mais difícil, enciclopédias da natureza e hagiografias. Os textos em língua latina são notadamente menos numerosos: há relativamente poucos textos litúrgicos e, dentre estes, livros de horas, alguns textos “savants”, Bíblias ou comentários bíblicos. A abundância de títulos em língua vulgar e profanos mostra bem a predominância da clientela aristocrática e laica do Maître du Policratique.499 Outro aspecto interessante surge nestes numerosos manuscritos agrupados em torno do Mestre: trata-se do longo período durante o qual ele exerceu sua atividade. Esta longevidade do ilustrador pode ser estabelecida graças ao testemunho de certo número de documentos ou de manuscritos datados ou datáveis permitindo seguir seu traço durante um lapso de tempo assaz

Manuscrito da tradução francesa por Denis Foulechat do Policraticus de Jean de Salisbury. Para ele, o ilustrador iluminou um ofício de Santa Maria Madalena. 494 Um tratado de Théodore Paléologue. 495 Um manuscrito das Grandes Chroniques de France. 496 Por volta de 1380, iluminou em parte um manuscrito da Bíblia traduzida em francês por Raoul de Presles. Por volta de 1390, uma compilação de obras de Guillaume de Machaut, uma Bíblia em dois volumes que o duque destinou ao papa cismático Clément VII e um Ovide moralisé. 497 FLEITH; MORENZONI, op.cit., p. 267. 498 Ele ilustra um Livre de l’information des princes, um Problemata de Aristóteles e um Barthélemy l’Anglais. 499 FLEITH; MORENZONI, op.cit., p. 267–269. 492 493

292

considerável. Desde a sua mais antiga obra a qual temos acesso (1366) até a última (1403) são trinta e sete anos de trabalho500. Na maior parte de suas obras, o Mestre trabalha sozinho, mas à vezes colabora com outros ilustradores sempre que a encomenda – em razão do grande número de ilustrações implicado – exige uma divisão de tarefas. Um ilustrador de um estilo bem próximo aparece ao lado do Maître du Policratique na Légende Dorée de Rennes (MS. 266), de uma data certamente tardia (fim dos anos 1390, em torno de 1400), a julgar pelo traço do miniaturista neste manuscrito501. Estilisticamente, o Mestre do Policratique era um ilustrador pertencente plenamente à geração dos anos 1370, dominada pelos iluminadores que, a partir da metade do século, inauguraram em Paris uma nova corrente de tendência realista: seus personagens não têm a plenitude e a elegância graciosa daqueles de Jean Pucelle e de seus seguidores, seus rostos de nariz pontudo e caído, seus olhos fendidos de forma bizarra, não tem a regularidade clássica dos personagens pucellianos. Espacialmente, são muito raras nas suas miniaturas as cenas confinadas a uma arquitetura fechada em três dimensões..502 Outro aspecto que convém destacar na produção do Maître du Policratique é a proporção relativamente importante de manuscritos que ele ilustrou usando a técnica da grisalha. 503

Ibid., p. 270–271. Ibid., p. 273–274. 502 Ibid., p. 276–277. 503 Ibid., p. 278. 500 501

293

Gb- Genève, Bibliothèque Publique et Universitaire, ms. fr. 57

Cota: ms. fr. 57 Lugar de conservação: Genebra, Bibliothèque Publique et Universitaire Dimensões: 365 x 265 milímetros Número de fólios: 491 Data: c. 1400 Miniaturas: 94 miniaturas, incluindo um frontispício (142 X 154), seguido por 93 miniaturas da largura da coluna (45-70 X 64-70). Conteúdo: 183 capítulos +46 capítulos 

O prólogo está perdido



Contém as Festes Nouvelles

Origem e destinatários: O dono original do manuscrito não é conhecido. No início do século XVI, o volume pertencia a Aymar de Poitiers, que tinha as armas pintadas na base da fol. 1. A encadernação carrega as armas de Alexandre Petau, o Conselheiro da Grand 'Chambre do Parlamento de Paris do século XVII e notável bibliófilo. 88 volumes da biblioteca Petau passaram para as mãos de Ami Lullin, teólogo genovês, no século XVIII, e na sua morte, em 1756, para a Bibliothèque Publique et Universitaire, em Genebra. Ilustrador: O iluminador da Légende Dorée de Genebra (fr.57) também foi o Maître du Policratique.

294

Cb- Paris, Bibliothèque Nationale, ms. fr. 184

Cota: ms. fr. 184 Lugar de Conservação: Paris, Bibliothèque Nationale Dimensões: 438 x 305 milímetros Número de fólios: 429 Data: c. 1402 Miniaturas: 44 miniaturas, incluindo um frontispício (178 X 190) e 43 miniaturas da largura da coluna (65-95 X 83). Conteúdo: 183 capítulos + 42 capítulos 

Invenção de S. Etienne não aparece no sumário, mas aparece no texto



Santa Thais não aparece no sumário, mas aparece no texto



Contém as Festes Nouvelles - faltam : Geneviève, Yves, Louis de France e Louis de Marseille

Origem e destinatários: Os donos originais do manuscrito são desconhecidos. O manuscrito fez parte da bibliothèque de Colbert. Durante o reinado de Charles VII pertenceu a Raoul de Gaucourt, um camareiro real. Suas armas estão representadas na margem lateral do manuscrito, no fol. 429V. No século XVII, o volume foi dado a M. Moreau, seigneur d'Auteuil, por M. du Blancmesnil. Ilustrador: As miniaturas em grisalha neste manuscrito, incluindo o frontispício, as miniaturas menores no texto, e as três miniaturas das Festes nouvelles foram executadas por um único ilustrador.

295

Db- Paris, Bibliothèque Nationale, ms. fr. 242

Cota: ms. fr. 242 Lugar de Conservação: Paris, Bibliothèque Nationale Dimensões: 395 x 280 milímetros Número de fólios: 339 fólios Data: c. 1402 Miniaturas: 219 miniaturas, incluindo um frontispício (153 X 182) e 218 miniaturas pequenas da largura da coluna e ¾ da largura da coluna (60-70 e 50-62 X 78 X 57) Conteúdo: 183 capítulos + 42 capítulos 

Contém as Festes Nouvelles- faltam : Geneviève, Yves, Louis de France e Louis de Marseille

Origem e destinatários: O destinatário desta Légende Dorée é desconhecido. Este volume foi encontrado em um antigo inventário do Louvre (BNF, fr.5807, fol.10). Talvez o manuscrito tenha feito parte da coleção real do século XV. Ele não é da coleção de Borgonha nem da de Jean de Berry. A compra de uma Légende Dorée por Isabeau de Bavière (Arch, Nat., KK41, fol. 258v) remonta a 1400; o presente volume, cujo texto é uma revisão de 1402, não pode, portanto, corresponder a este504. O códice fez parte da Biblioteca de Versalhes antes de ser integrado à Biblioteca Imperial. Ilustrador: O frontispício deste manuscrito tem recebido considerável atenção dos estudiosos por causa de sua suposta associação com o trabalho dos irmãos Limbourg. Porcher (1953) e Thomas (1979) consideraram que esta miniatura, que representa a Coroação da Virgem, com a Virgem em uma postura de joelhos, seu séquito apoiado por um anjo, serviu como modelo imediato para a "Coroação da Virgem” nas Très Riches Heures dos Limbourgs (Chantilly, Musée Condé, MS 65, fol. 60v.)

DE WINTER, Patrick M., La bibliothèque de Philippe le Hardi, duc de Bourgogne (1364-1404): étude sur les manuscrits à peintures d’une collection princière à l’époque du“ style gothique international”, Paris: Editions du Centre national de la recherche scientifique, 1985, p. 298. 504

296

No entanto, Millard Meiss acredita que se trata de outro ilustrador, a quem nomeou Mestre da Coroação da Virgem505. Ele o localiza na capital, ativo de antes de 1400 até 1405, e sugere que ele foi ensinado na Holanda. A miniatura do fol. 1 fica próxima ao estilo do Mestre de Luçon, enquanto as outras miniaturas podem ser aproximadas das obras do Mestre da Cité des Dames e do Mestre da Coroação da Virgem. O Maître de Luçon é um ilustrador muito prolífico, provavelmente acompanhado de um ou vários colegas, do qual se conhecem muitos manuscritos. Nenhum ainda que seja anterior a 1400 lhe foi atribuído. No seu início ele manifesta um interesse pelas imagens que evocam as realidades contemporâneas. Sua representação da coroação de um rei no Pontifical du duc de Berry testemunha o conhecimento direto desta liturgia excepcional e parece refletir uma lembrança que ele tem de Carlos VI, ainda que já velho por quase um quarto de século.506 Já o Maître de la Cité des Dames é um ilustrador que trabalhou talvez em uma importante oficina. Sua atividade é atestada por volta de 1402 e se prolonga até cerca de 1420. Ele participou muito largamente da ilustração de volumes de temas profanos ao lado de outros miniaturistas. Uma de suas primeiras obras senão a primeira, é a ilustração de um romance, Le Chevalier errant, escrito pelo marquês Thomas de Saluces. O iluminador situa os personagens em uma arquitetura sumária que desenvolve atrás deles um muro pintado com motivos decorativos. Ele tentou mudar isso, mas, apesar da preocupação de dar profundidade ao lugar que acolhe os personagens, ele não parte de uma definição ainda muito linear o que torna as silhuetas finas507.

MEISS, op.cit. CHÂTELET, Albert, L’âge d’or du manuscrit à peintures en France au temps de Charles VI: et Les heures du Maréchal Boucicaut, Dijon: Faton, 2000, p. 123–124. 507 Ibid., p. 112. 505 506

297

P3- Paris, Bibliothèque Nationale, ms. fr. 414

Cota: ms. fr. 414 Lugar de Conservação: Paris, Bibliothèque Nationale Dimensões: 350 x 275 milímetros Número de fólios: 419 Data: 1404 Miniaturas: 80 miniaturas que incluem um frontispício (159 X 155) 79 miniaturas (70 x 50) e (50-60 X 50). Conteúdo: 183 capítulos Origem e destinatários: Este manuscrito, produzido em cerca de 1404, não possui seu primeiro destinatário conhecido, mas sabemos que pertenceu a Louis de Bruges, senhor de La Gruthuyse, conselheiro de Filipe o Bom, que fez pintar seu brasão na margem inferior do primeiro fólio; este brasão foi substituído pelo brasão da França quando o volume passou, com o conjunto de códices de Louis de Bruges, para a Biblioteca de Louis XII508.

Figura 102- Brasão do reino de França (BNF, MS, Fr. 414, fol. 1)

508

PORCHER, op.cit., p. 91.

298

Figura 103- Verso do fólio, que mostra o vestígio das cruzes sautor do outro brasão que foi encoberto. (BNF, MS, Fr.414, fol. 1v)

Léopold Delisle509 aponta que Louis de Bruges investiu parte de sua fortuna em comprar livros e, sobretudo, em fazê-los copiar. Ignora-se como sua biblioteca foi quase por completo parar nas mãos de Louis XII. Também não se sabe por que o pessoal do rei, que havia respeitado as insígnias dos duques de Milão nos manuscritos trazidos de Pavie, quis dissimular a origem dos volumes que tinham pertencido a Louis de Bruges. A maior parte destes volumes tinha por sinais característicos: 

Um escudo dividido, nos pedaços 1 e 4 pela cruz negra no fundo amarelo; no 2 e 3 por uma cruz sautor prata no fundo vermelho, envolvido em uma corrente;



A inscrição Plus est en vous, ou flamengo Meer es n iu ;



Letras L e M, iniciais de Louis e Marguerite; Louis se casou com Marguerite de Borssele em 1455. Em quase todos os manuscritos essas marcas foram apagadas: as armas foram substituídas

por um escudo fleurdelisé (com a flor-de-lis); a segunda letra da inscrição L.M. foi convertida em um A, inicial do nome da rainha Anne de Bretagne, as outras inscrições foram apagadas. Apesar das mutilações, muitos manuscritos de Louis de Bruges são reconhecíveis: as cruzes sautor de prata deixaram traços (fig. 4), algumas inscrições escaparam da proscrição, sobretudo quando os ornamentos estavam perdidos no corpo nos manuscritos.510 Ilustrador: As ilustrações parecem ser o resultado de dois miniaturistas: o frontispício foi feito pelo Maître de Virgile e outras miniaturas executadas em grisalha pelo Maître du Médaillon.

DELISLE, Léopold, Le cabinet des manuscrits de la bibliothèque nationale: étude sur la formation de ce dépôt [...] avant l’invention de l’imprimerie, Paris: Imprimerie nationale, 1868, p. 140. 510 Ibid., p. 141. 509

299

B1- Bruxelles, Bibliothèque Royale, ms. 9226

Cota: ms. 9226 Lugar de Conservação: Bruxelas, Bibliothèque Royale Dimensões: 398 x 300 milímetros Número de fólios: 312 Data: c. 1405 Miniaturas: Contém 78 miniaturas, incluindo um frontispício (182 x 122) e 77 miniaturas menores (80 x 66-72). Conteúdo: 183 capítulos 

São Macário não aparece no sumário de capítulos, mas aparece no texto.

Origem e destinatários: As armas presentes no volume indicam que Charles de Croy, conde de Chimay possuiu este exemplar. O manuscrito mais tarde pertenceu a Margaret da Áustria. Em sua morte, tornou-se propriedade de Maria da Hungria, cujo ex-libris aparece na capa. De 1796 a 1815, o volume foi depositado na Bibliothèque Nationale em Paris, depois foi para a biblioteca de Leopoldo I e, em seguida, para a Bibliothèque Royale, em Bruxelas. Ilustrador: As miniaturas são trabalho de vários ilustradores que trabalham na mesma oficina da mesma direção estilística que o Maître de Luçon e o Maître Orosius.

300

Fb- Paris, Bibliothèque Nationale, ms. fr. 415-16

Cota: ms. fr. 415-16 Lugar de Conservação: Paris, Biblioteca Nacional Dimensões: 205 x 305 mm / / 210 x 305 milímetros Número de fólios: 325 para o volume 1 e 320 para o volume 2. Data: c. 1415 Miniaturas: Originalmente, o manuscrito foi decorado com 26 miniaturas da largura da coluna (56–73 X 55–58) e um frontispício (164 X 130). Quatro das pequenas miniaturas foram, entretanto, retiradas. Conteúdo: 183+46 capítulos 

São Macário não aparece no sumário de capítulos, mas aparece no texto



São Marcos evangelista – falta parte do capítulo



Denis – falta parte do capítulo



Todos os santos – falta parte do capítulo



Contém as Festes Nouvelles – falta parte do capítulo: Mellonin e Yves

Origem e destinatários: A identidade dos comanditários e donos permanece desconhecida até o século XVII. As armas de Jean-Baptiste Colbert (1619 - 1683) nos informam de que a obra lhe pertencia. A Biblioteca Colbertine, vendida em 1728 foi quase totalmente adquirida pela Biblioteca Real. Ilustrador: As miniaturas podem ser o trabalho de um membro da oficina do Maître de Boucicaut.

301

Ab- Bruxelles, Bibliothèque Royale, ms. 9228

Cota: ms. 9228 Lugar de Conservação: Bruxelas, Bibliothèque Royale Dimensões: 416 x 296 milímetros Número de fólios: 414 Data: c. 1420 (provavelmente escrito em 1405) Miniaturas: 233 miniaturas, incluindo um frontispício (190 X 187) e 232 miniaturas menores da largura da coluna de texto (70-80 X 85). Conteúdo: 183+46 capítulos 

Tiago mártir – falta parte do capítulo



Pasteur abade – falta parte do capítulo



Contém as Festes Nouvelles – Éloi – falta parte do capítulo

Origem e destinatários: O manuscrito não contém marcas de propriedade. É mencionado pela primeira vez no inventário de Filipe o Bom de 1467, e apareceu em todos os inventários subsequentes. De 1794-1815 o volume teve lugar na Bibliothèque Nationale em Paris. O selo vermelho da Bibliothèque Nationale foi removido do fol. 7 e fol. 414v. Ilustrador: Sem ser identificado, o ilustrador parece ter sido influenciado pela oficina de Bedford.

302

Jb- Iéna, Universitätsbibliothek, ms. Gall. 86

Cota: ms. Gall. 86 Lugar de conservação: Jena, Universitätsbibliothek Dimensões: 280 x 377 milímetros Número de fólios: 369 Data: c. 1420 Miniaturas: 66 miniaturas, incluindo um frontispício (260 X 217) e 63 miniaturas (69–95 X 99–101). Conteúdo: 183+46 capítulos 

Contém as Festes Nouvelles

Origem e destinatários: O manuscrito possui no seu interior o brasão de seu dono. No f. 1v, nota-se a presença de armas de Engelbert II de Nassau (1451-1504), conde de Nassau-Dillenburg-Dietz e Vianden, Seigneur de Bréda e Chevalier de la Toison d’Or.

Figura 104- Brasão de Engelbert II de Nassau, fol.1v., Jena, ThULB, Ms. El. f. 86

Ilustrador: Parece ter sido um seguidor da oficina de Boucicaut.

303

Hb- Münich, Bayerischestaatsbibliothek, ms. Gall 3

Cota: ms. Gall 3 Lugar de Conservação: Munique, Bayerischestaatsbibliothek Dimensões: 402 x 320 milímetros Número de fólios: 317 Data: c. 1430 Miniaturas: 227 miniaturas com a largura da coluna (70-76 X 93). Conteúdo: 183+46 capítulos 

Capítulos faltando: Prefácio, Sumário, Advento,



Falta parte do capítulo: Invenção da Santa Cruz



Contém as Festes Nouvelles

Origem e destinatários: O comanditário, assim como os outros donos da obra são desconhecidos Ilustrador: A obra foi produzida pela oficina do mestre chamado Mestre da Legenda Áurea de Munique. É provável que a inscrição quase ilegível deixada no f. 75v é o seu nome.

304

Bb - Bruxelas, Bibliothèque Royale, ms. 9282-5

Cota : MS 9282–5 Lugar de Conservação : Bibliothèque Royale de Bruxelas Dimensões : 372 X 264 cm Número de fólios : 383 Data : c. 1470-1477 Miniaturas : 62 miniaturas. Conteúdo : Não há informações Origem e destinatários : Para Hilary Maddocks511, este manuscrito da Légende dorée foi objeto de dois programas de ilustração pintados com cerca de vinte anos de intervalo. Enquanto a maior parte da iluminação foi concluída por volta de 1460, vários espaços em branco foram deixados para miniaturas inacabadas. O dono original do manuscrito, que tinha suas iniciais e armas pintadas em várias margens de muniaturas, é desconhecido. Os donos posteriores, que foram, provavelmente, também responsáveis pela segunda comissão de ilustração, substituiram essas marcas de identificação com a sua própria. Este segundo conjunto de iniciais é "PF" e representam Philippe de Clèves, cuja assinatura aparece também no fol. 383v. Philippe de Clèves, seigneur de Ravenstein (1469-1527), casou-se Françoise de Luxembourg em 1485, e é possível que o manuscrito tenha sido adquirido e a iluminação concluída como uma celebração de seu casamento. Ilustrador : Os artistas do primeiro programa de iluminação eram filiados ao atelier do Mestre de Jean Rolin II.512 O artista anônimo conhecido como o Mestre de de Jean Rolin II trabalhou em Paris como um iluminador de livros para aristocratas, incluindo membros da corte de Carlos VII. Ele é assim chamado pelas iluminações em numerosos manuscritos feitos para o cardeal-bispo de Autun, Jean Rolin II. O ilustrador provavelmente aprendeu seu ofício em Flandres, Paris, ou Borgonha. De 1445-1465,

511 512

MADDOCKS, op.cit. 1990, p. 166–167. Ibid., p. 167.

305

trabalhou em Paris, colaborando com outros ilustradores anônimos em muitos códices, incluindo as Horas de Simon de Varie.513 O segundo programa de iluminação que foi adicionado cerca de vinte anos após o primeiro, é estilisticamente relacionado o trabalho do mestre de Valenciennes, Simon Marmion. O ilustrador pode ter sido influenciado pelo atelier de Marmion514. Este tinha sua oficina em Valenciennes. Filipe, o Bom, duque de Borgonha, chamou-o a Lille em 1454 para ajudar na elaboração de cenários e outras decorações para um banquete extravagante celebrando a Festa da Faisão. No decorrer de sua carreira na corte da Borgonha, Marmion trabalhou para alguns dos comanditários mais ilustres de Borgonha, incluindo o duque Filipe, o seu filho Carlos, o Temerário, Margaret de York, e vários outros membros da família e cortesãos. Além de iluminuras de manuscritos, suas comissões incluiam pinturas, retábulos, retratos e decorações para festas da corte515.

Master of Jean Rolin II. In: The J. Paul Getty Museum. Disponível em: http://www.getty.edu/art/gettyguide/artMakerDetails?maker=1183 Acesso em: 11 de set. 2013. 514 MADDOCKS, op.cit. 1990, p. 169. 515 Simon Marmion. In: The J. Paul Getty Museum. Disponível em: http://www.getty.edu/art/gettyguide/artMakerDetails?maker=1125 Acesso em: 11 de set. 2013. 513

306

Mb - Nova York, Pierpont Morg. Lib., ms. M. 672-5 e Mâcon, Bibl. Mun., ms. 3

Cota : ms. M. 672-5 e ms. 3 Lugar de Conservação : Pierpont Morgan Library em Nova York e Bibliothèque municipale em Mâcon Dimensões : Morgan 375 X 270. Mâcon 393 X 270. Número de fólios : Morgan M.672: 124 fols. M.673: 146 fols. M.674: 128 fols. M.675: 155 fols. Mâcon M. 3: 272 fols

Data : c. 1470 Miniaturas : 221 miniaturas 80-160 X 155-158 Conteúdo : Não há informações Origem e destinatários : Armas aparecem nos primeiros fólios de Morgan M.672, 674 e Mâcon MS 3. Estas pertencem a Jean IV, Senhor e Barão d'Auxy (1422-1474), Conselheiro e Chamberlain de Filipe o Bom e Chamberlain de Carlos o Temerário. Deve-se supor que d'Auxy encomendou o manuscrito. Ilustrador : O programa de ilustração é complexo, com dez artistas diferentes participando com uma série de estilos e técnicas. O manuscrito completo foi o resultado de um grande projeto com ilustradores altamente coordenados. A identidade deles tem sido bastante discutida. O manuscrito da Pierpont Morgan Library, em Nova York, tem suas miniaturas atribuídas a ilustradores conhecidos como Philippe Mazerolles, Loyset Liédet, Guillame Vrelant e um ilustrador relacionado ao Mestre de Wavrin, além de vários outros miniaturistas anônimos.516 Hanno Wijsman517 identificou os ilustradores como sendo: Willem Vrelant, Mestre de Vraie chronique d’Escoce, Philippe de Mazerolles Mestre de Froissart Commynes, Mestre de Sapience, Mestre de Margaret of York, Loyset Liédet, Mestre de Golden Fleece Vienna and Copenhagen e Mestre de Hadrian.

MADDOCKS, op.cit. 1991, p. 23. WIJSMAN, Hanno, Luxury Bound, TELMA, disponível em: , acesso em: 25 nov. 2014. 516 517

307

P2 - Paris, B.N.F., ms. fr. 244-45

Cota : MS. FR. 244-45 Lugar de Conservação : Bibliothèque Nationale em Paris Dimensões : MS 244: 387 X 290. MS 245: 389 X 280. Número de fólios : MS 244: 208 fols. MS 245: 223 fols. Data : c. 1480 Miniaturas : 90 miniaturas, incluindo 10 miniaturas de página inteira (350-5 X 244-8) e 80 miniaturas pequenas da largura da coluna (75 X 86-104). Conteúdo : Não há informações Origem e destinatários : As armas e as iniciais entrelaçadas "A" e "K", que estão pintadas nas margens das dez miniaturas de página inteira deste manuscrito, indicam que ela foi provavelmente encomendada por Antoine de Chourses, Seigneur de Maine e Chamberlain de Louis XI, e sua esposa Katherine de Coetivy. Como o casamento de Katherine e Antoine ocorreu em 1477, apenas alguns anos antes da morte de Antoine, em 1485 ou 1486, é possível colocar o programa de iluminação entre 1477 e 1486. Ilustrador : Os dez miniaturas de página inteira e 80 pequenas miniaturas estão pintadas no estilo de Maître François. Podem ser identificados três ilustradores neste manuscrito. O primeiro artista é o Mestre de Jean Rolin II, o segundo é Maître François, e o terceiro, que foi o principal artista do manuscrito P2, é conhecido como o principal colaborador de Maître François.518 O Maître François dominou a produção do manuscrito parisiense durante duas décadas do século XV, entre c.1460 e 1480. Ele é identificado em um documento por Robert Gaguin datado de 1473 ("peintre François") como responsável por um manuscrito de Cidade de Deus de Santo Agostinho (Paris, BnF, MS fr. 18).519

MADDOCKS, op.cit. 1990, p. 113. AVRIL, Francois; REYNAULD, Nicole, Les manuscrits à peintures en France: 1440-1520, Paris: Flammarion : Bibliothèque nationale, 1993, p. 45–52. 518 519

308

P5 - Paris, Bibliothèque Nationale MS fr. 6448

Cota: Ms. Fr. 6448 Lugar de Conservação: Bibliothèque Nationale em Paris Dimensões: 388 X 294 cm. Número de Fólios: 379 fols. Data: c. 1480 Miniaturas: 175 miniaturas, incluindo um frontispício (200 X 185) e 174 miniaturas menores da largura da coluna (82 X 80). Conteúdo: Não há informações Origem e destinatários: As marcas de posse que aparecem ao longo deste do manuscrito deixam pouca dúvida quanto à identidade de seu primeiro dono. As armas que aparecem em muitas margens e iniciais pertencem a Jean du Mas, seigneur de l'Isle, cuja assinatura aparece também no último fólio escrito do manuscrito. O volume foi quase certamente especificamente iluminado para du Mas, pois observa-se que suas armas estão pintadas acima dos portais representados em três miniaturas, em fol. 45v., fol. 180 e fol. 262.

Figura 105- Brasão de Jean Du Mas, fol 1, B.N.F. MS. Fr. 6448.

309

Ilustrador: Evrard d'Espinques ou sua oficina. O iluminador, ativo entre 1440-1494, entrou para o serviço de Jacques d'Armagnac, durante o reinado de Luís XI. D’Armagnac foi preso por rebelião e executado em 1477. O ilustrador, em seguida, entrou para o serviço de Jean du Mas e produziu para ele vários manuscritos.520

520

Ibid., p. 167.

310

Nc - Paris, Bibliothèque de l’Arsenal, ms. 3682-83

Cota: MS 3682. MS 3683 Lugar de Conservação: Bibliothèque de l’Arsenal em Paris Dimensões: MS 3682: 435 X 330 cm. MS 3683: 435 X 330 cm. Número de Fólios: 321 e 365 fólios. Data: c. 1480–5 Miniaturas: 52 miniaturas da largura da coluna (98-110 X 90). Conteúdo: Não há informações Origem e destinatários: Deconhecidos. O manuscrito veio da biblioteca de de M. de Paulmy, prateleiras nºs. 13538 e 13529.521 Ilustrador: Miniaturista flamengo relacionado ao estilo de Loyset Liédet. Este ilustrador nasceu em Hesdin, e depois se mudou e trabalhou em Bruges. Entre seus patronos incluem-se Filipe o Bom e Carlos, o Temerário, duques da Borgonha.

521

MADDOCKS, op.cit. 1990, p. 231.

311

Fc - Cambridge, Fitzwilliam Museum, MS 22

Cota: MS 22 Lugar de Conservação: Fitzwilliam Museum em Cambridge Dimensões: 375 X 399 mm Número de Fólios: 268 fols. Data: c. 1490 Miniaturas: 146 ilustrações, incluindo duas miniaturas de página inteira (200 X 190), 14 grandes miniaturas de duas colunas de texto de largura e 127 miniaturas menores de uma coluna de largura. Conteúdo: Cópia incompleta contendo 87 de 238 capítulos. Este manuscrito é uma das cópias mais distintas da tradução de Jean de Vignay, que apresenta dos eventos da vida de Cristo fora da sequência litúrgica. Foram adicionadas exposições sobre a missa, os dez mandamentos e os doze artigos da fé e inclui vidas de santos como Waltrude, Piatus, Livinus, Bavo, Ghislain e Gaugericus. Origem e destinatários: No fol. 2 aparecem as armas da família de Oettingen, príncipes do Sacro Império Romano. Ilustrador: O programa de ilustração foi executado em duas etapas: em c.1490, pelo Mestre do Dresden Prayer Book (atuante entre c.1480-1515) e em c.1510 pelo Mestre de Marguerite de Liedekerke (atuante entre c.1480-1510).522

522

FITZWILLIAM MUSEUM, op.cit.

312

Anexo 4 – Os casos de possessão e exorcismo na Legenda Áurea

Capítulo

Referências

São Sebastião

L.A. p. 181. L.D. p.138.

Oratório onde estavam as relíquias do santo

Tormentos. Uma legião de 6666 demônios penetrou a mulher.

Mulher

Interrogatóri o do demônio Não há

São Bento

L.A. p. 301. L.D. p.250.

Não há informaçõe s

Tormentos

Clerigo

Não há

Não há informaçõe s

Santo Ambrósio

L.A. p. 357. L.D. p.303.

Milão

O homem grita.

Um ariano

Sim

Santo Ambrósio

L.A. p. 358. L.D. p.304.

Milão

Não são descritos.

Um homem

Demônio fala pelo possesso: “Que todos os que não creem em Ambrósio sofram o que estou sofrendo” Demônio foi interrogado quando voltou a possuir o homem, disse que temia Ambrósio.

Santo Ambrósio

L.A. p. 358. L.D. p.304.

Milão

O homem grita.

Um homem

O homem gritava que havia sido torturado por Ambrósio.

Não há dados.

523

Espaço e tempo

Sintomas de possessão

Vítima

Presença de público

Forma de exorcismo

Sim

Um personagem chamado Fortunato curou a mulher com suas preces. O santo exorciza o homem. Não há mais informações. Não há exorcismo, o homem é jogado numa bacia pelos arianos e foi morto.

Não há dados.

O demoníaco foi liberto quando Ambrósio chegou a Milão. A liberação ocorre só pela presença do santo. Ambrósio mandou o homem se calar e afirmou que não era ele que o torturava, mas o orgulho. O homem se matou. Não há exorcismo.

L.A. é a sigla referente a JACOPO DE VARAZZE, Legenda Áurea: vidas de santos. op.cit. A sigla L.D. se refere a JACQUES DE VORAGINE, La Légende dorée. op.cit. 2004. 523

313 São Marcos, evangelist a

L.A. p.374375. L.D. p.323

No mar, pela manhã

É torturado. Não há descrição da tortura.

Um marinheiro

Levado junto ao corpo do santo, o homem proclama sua crença no poder do santo.

Sim

São Vidal

L.A. p. 381 L.D. p.329

Na época de Nero, no ano 57 do Senhor.

Mergulhou na loucura e passou sete dias gritando: “Você me queima, S. Vidal”.

Um sacerdote pagão

Grita que é queimado por S. Vidal

Não há informaçõe s

São Pedro, mártir

L.A. p. 392 L.D. pp.342343

Não há informaçõe s

Não há informações

Mulheres

Não há informações

Não há informaçõe s

São Pedro, mártir

L.A. p.396. L.D. p.347

Há uma tentativa de exorcismo mal sucedida na Igreja. O exorcismo de fato ocorre próximo à tumba de S. Pedro.

Não há informações.

Uma mulher chamada Girolda, esposa de Jacopo de Vallesana.

O demônio diz ao padre que vai realizar o exorcismo: “Bandido miserável, onde você foi? O que esconde?”. Sabendo que o padre escondia uma estola.

Não

A mulher é de Corriongo, na diocese

Atormentada por sete anos.

Mulher chamada Eufêmia

Diante da tumba de S. Pedro, os demônios se

Não há informaçõe s.

São Pedro, mártir

L.A. p.396397. L.D. p.347.

A mulher é possuída durante 14 anos.

No domingo e

O possesso foi levado até o corpo do santo, que estava sendo transportado no navio. Ele proclamou sua fé no santo, então foi liberado do demônio, rendendo gloria a Deus. Não há exorcismo. O sacerdote, depois de sete dias, se jogou num rio, onde morreu. S. Pedro expulsou os demônios das mulheres num grande fluxo de sangue. O padre entrou na sacristia, pegou um livro com fórmulas de exorcismo, escondeu uma estola e encontrou a mulher. As fórmulas de exorcismo não surtiram efeito. Girolda, então, pediu a ajuda de S. Pedro. A mulher foi curada quando visitou a tumba do santo. Diante da tumba, os demônios começaram a

314 de Milão. O exorcismo ocorre próximo à tumba do santo. São Pedro, mártir

L.A. p.397. L.D. p.347.

Mulher natural de Beregno.

nos dias de festa – e particularment e durante a celebração da missa -, os demônios redobravam os tormentos. Atormentada por 6 anos.

colocam a gritar: “Mariette, Mariette, Pierrot, Pierrot”

gritar e saíram de Eufêmia, deixando-a quase morta. Mas pouco a pouco ela ficou curada.

Mulher chamada Verona.

Os demônios começaram a listar os pecados de um dos homens que estavam tentando ajudar a mulher.

Sim

Exorcismo diante da tumba do santo.

São Pedro, Exorcista

L.A. p. 465. L.D. p.414.

Não há informaçõe s

Não há informações

A filha de Arquêmio

Não há

Não há informaçõe s

São Vito

L.A. p.475 L.D. p.424425

Roma

Não Há informações

O filho do imperador Dioclesiano

Não há

Sim, Dioclesiano

Santa Marina

L.A. p.479 L.D. p.428

É curada diante da tumba da santa

Não há informações

Uma mulher que havia difamado a santa

Não há

Não

Santos Gervásio e Protásio

L.A. p.482. L.D. p.429

Igreja

Agitação O demônio arrancou um olho do rapaz.

homem

O demônio ameaçou amputar os membros do rapaz.

Não há informaçõe s.

Os demônios esfolaram o pescoço e o peito da mulher, diante da tumba do santo, deixando-a semimorta. Mas pouco depois ela se levantou curada. O homem que teve seus pecados revelados pelos demônios, se converteu. São Pedro apareceu a Arquêmio segurando uma cruz, vestido de branco. Este se jogou aos pés do santo e sua filha ficou curada. O santo faz a imposição de mãos sobre o possesso. Logo que ela confessou seus pecados, foi até a tumba da santa e se libertou. O rapaz foi submetido a exorcismos. Seu olho foi colocado de volta graças

315

Santos João e Paulo

L.A. p. 495. L.D. p.444.

Não há informaçõe s

Não há informações

Não há informaçõe s

Não há informações

Não há informaçõe s

Santos João e Paulo

L.A. p. 497 L.D. p.446.

Numa casa

Pôs-se a gritar que o demônio o atormentava.

Filho de Terenciano .

Não há informações

Não há informaçõe s

Santo Apolinário

L.A. p.555. L.D. p.522

Casa de um mudo em Ravena.

A jovem grita

Uma jovem

Não

São Domingos

L.A. p.619. L.D. p.588.

Bolonha Altar da Igreja

Tormentos

Frade converso

O demônio disse através da mulher: “Saia daqui, escravo de Deus, ou farei que amarrem seus pés e que o expulsem da cidade”. O demônio, indagado, disse que atormentava o homem porque ele merecia. “Pois ontem na cidade ele bebeu sem a autorização do prior e sem fazer o sinal da cruz. Nesse momento entrei nele sob o aspecto de mosquito, pois ele me bebeu junto com o vinho.” Depois de ter soado o primeiro sinal

Sim. Pelo menos dez frades para conter o homem.

aos santos. Não há mais informações. Ao ver Galiciano, os demônios rapidamente abandonava m os corpos que ocupavam. Terenciano confessa que matou João e Paulo, faz-se cristão, escreve o relato do martírio dos santos e seu filho é libertado. Apolinário repreendeu o demônio e expulsou-o.

Domingos obrigou o diabo a sair com sua oração.

316

São Donato

L.A. p.634 L.D. p.605.

Arezzo

Ele gritava

Homem, filho do prefeito

São Donato

L.A. p.635 L.D. p.606.

Uma casa.

Não há informações

A filha do imperador Teodósio

para as matinas: “Agora não posso continuar aqui, pois os encapuzados estão se levantando”. O demônio gritou: “Em nome do Senhor Jesus Cristo, não me moleste para que saia de minha casa. Ó Donato! Por que me atormenta, me obrigando a sair?” São Donato disse: “Saia, espírito imundo, e não ouse mais habitar uma criatura de Deus.” O demônio respondeu: “Libere uma passagem para eu sair e um ligar para eu ir.” Donato replicou: “De onde você vem?” “Do deserto.”, respondeu o diabo. O santo disse: “Volte para lá”. O demônio retrucou: “Eu vejo em você o sinal da cruz de onde sai um fogo contra mim. Diante dele eu temo e não sei para onde ir.

Não há informaçõe s

O santo fez uma prece e o possesso foi liberado.

Não há informaçõe s

O santo ordenou que o demônio voltasse para o seu lugar, o deserto. O diabo saiu da moça e a casa onde estavam foi sacudida violentament e.

317

São Ciríaco

L.A. p.637. L.D. p.608609.

Roma

Gritava

Filha de Dioclesiano

São Ciríaco

L.A. p.638. L.D. p.609.

Babilônia

Gritava

Filha do rei dos persas

São Bernardo

L.A. p.690. L.D. p.666.

Pavia

Não há informações.

Uma mulher

Permita que eu saia daqui e sairei.” O demônio gritou para Ciríaco que este deveria lhe conseguir outro lugar para ficar. O santo ofereceu seu corpo, mas o demônio disse que não poderia entrar nele, pois estava fechado e selado. Ameaçou fazer o santo ir para a Babilônia. O demônio perguntou a Ciríaco se ele estava cansado. O santo disse que não, pois era auxiliado por Deus. O demônio disse então que foi ele o responsável pelo santo ir até a cidade. Depois que o santo ordena que ele saia, em nome de Jesus, o demônio diz: “ó nome terrível, que me obriga a sair” O demônio começou a insultar o santo. Depois confessou: “Como eu adoraria sair desta velhinha!

Não há informaçõe s

Ciríaco ordenou que o demônio saísse. Artêmia gritava dizendo que via o Deus que Ciríaco pregava.

Não há informaçõe s

O santo ordenou, em nome de Jesus Cristo, que o demônio deixasse o corpo da jovem.

O marido da possessa.

O santo orou e o demônio saiu da mulher.

318

São Bernardo

L.A. p.690691. L.D. p.666-

. Pavia

Não há informações

A mesma mulher do caso

Como eu sofro dentro dela! Como eu adoraria sair! Mas isto não é possível, pois o grande Senhor não o quer.” O santo perguntoulhe: “Quem é o grande Senhor?” E ele respondeu: “Jesus de Nazaré”. E o santo: “Você já o viu?” O diabo disse: “Sim”. Bernardo perguntou: “Onde você o viu?” “Na glória celeste”, disse o diabo. E o santo: “Você esteve na glória celeste?” O diabo: “Sim”. “Como você saiu?”, perguntou o santo. “Nós somos numerosos caídos com Lúcifer.” O santo perguntou: “Você gostaria de voltar para a glória celeste?” E o diabo começou a rir e disse: “É tarde demais.” Não há.

Não.

Bernardo mandou que o marido dela

319 667.

São Bartolome u

L.A. p. 698 L.D. p.673

anterior.

índia

A princesa dilacerava com mordidas os que se aproximavam dela.

A filha de um rei (Polêmio)

Não há.

Sim.

“louca”

São Bartolome u

L.A. p. 698 L.D. p.673

Índia

Ele gritava

Um homem

O demônio disse, através do possesso: “Bartolomeu, apóstolo de Deus, suas preces me queimam.”

Sim.

Santo Agostinho

L.A. p. 717 L.D. p.693694.

Hipona

Não há informações

Uma virgem

Não há.

Não

Santo Egídio

L.A. p. 743 L.D. p.719

Na igreja, em Atenas.

Ele gritava.

Um homem.

Não há.

Sim

atasse ao pescoço da mulher um pedaço de papel com as palavras: “Demônio, em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo ordeno que não ouse ter contato com esta mulher daqui em diante.” Assim foi feito e a partir de então o demônio não se aproximou mais. O apóstolo disse: “Tenho amarrado o demônio que estava nela e vocês têm medo?”. Ela foi liberta e no mesmo instante ficou curada. O apóstolo disse ao demônio: “Cale-se e saia deste homem”. Naquele momento, o homem foi libertado. A moça se esfregou com um óleo misturado com as lágrimas de um padre que havia rezado por ela. (Esse padre talvez seja S. Agostinho) Egídio afugentou o demônio e

320

Exaltação da Santa Cruz

L.A. p. 772 L.D. p.759

Numa horta

Não há informações

Uma freira

São Calisto

L.A. p. 864 L.D. p.849850.

Roma

Ela grita.

Uma virgem do templo de Mercúrio.

São Martinho

L.A. p. 934 L.D. p.925

Não há informaçõe s

Enraivecida, a vaca corria por todo canto, chifrando muita gente.

Uma vaca

O diabo fala a S. Equício: “O que eu fiz? Eu estava sentado sobre esta alface, ela veio e me mordeu”. O demônio gritou: “O Deus de Calisto é o verdadeiro e único, que está indignado com nossos erros.” Não há.

Não

curou o homem. Não há mais informações. O diabo saiu do corpo da freira assim que o santo ordenou.

Sim

Não há.

Não se sabe.

Martinho elevou a mão e ordenou que a vaca parasse. A vaca ficou imóvel e o santo viu um demônio em seu dorso. Ele ordenou que o demônio saísse de lá. Ele, então, se foi e a vaca deitou aos pés do santo.

Anexo 5 – As imagens de demônios nos manuscritos da Légende Dorée Título das Miniaturas De saint macaire

De saint Antoine

Imagem

Paris, BNF, ms. fr. 241 1348 s. Macário está deitado sobre um esqueleto enquanto dois demônios tentam perturbá-lo, retirando sua auréola.

Fólio

Iluminador

Tema

Personagens

Elementos

f. 39v

Richart de Montbaston

luta contra o mal agressão

Demônios s. Macário l, antigo

esqueleto

s. Antão enfrenta os demônios, que também tentam arrancar sua auréola. Javalis tentam atacá-lo.

f. 41

Richart de Montbaston

luta contra o mal agressão

Demônios s.Antão javalis

arpéu

321

De saint Georges

s. Jorge matando o dragão, enquanto a princesa observa

f.101v

Richart de Montbaston

luta contra o mal – luta cavaleiresca

dragão, s.Jorge cavalo princesa

Armadura Escudo arreios lança corda

De saint Philippe apôtre

s. Filipe diante do ídolo. Um dragão sai da boca do ídolo, quanto Filipe aponta para ele. Uma criança cai ao chão.

f.114v

Richart de Montbaston

Luta contra o paganismo

dragão, criança, pontífice s.Filipe

altar ídolo estátua

De saint François

São Francisco e o demônio

f.268v

Richart de Montbaston

discussão

S, Francisco demônio

322

De sainte Théodore

Santa Teodora de Alexandria e o demônio

f. 158

Richart de Montbaston

discussão

S. Teodora demônio

323

Título das Miniaturas

Cambridge, Fitzwilliam Museum, ms. McClean 124 c. 1360 Santa Helena, em oração, olha para o Céu, onde está Cristo. Um homem cava a terra para encontrar a Cruz. Uma imagem borrada está no canto superior direito. Pode ser que seja a representação de algum demônio que tentaram apagar.

Fólio

Iluminador

Tema

Personagens

Elementos

f.90

imitador de Jean le Noir.

descoberta

Santa Helena Homem Cristo demônio

Enxada Fundo geométrico

De saint Michel

Está segurando um escudo e acerta uma lança na boca do demônio, que está deitado no chão de boca aberta.

f.191

imitador de Jean le Noir.

Batalha contra o mal – luta cavaleiresca

São Miguel arcanjo demônio

Lança Escudo Pedra Fundo geométrico

De saint Georges

Está montado no cavalo e acerta o dragão com a lança.

f.77v

imitador de Jean le Noir.

Batalha contra o mal – luta cavaleiresca

São Jorge dragão

Lança Armadura Escudo Espada Fundo geométrico

De l'invention de la Sainte Croix

Imagem

324

Título De saint Blaise

De saint Georges

Imagem

Chantilly, Musée Condé, ms. 735 c. 1365 São Basílio luta com um demônio negro pela alma de um homem. Enquanto o demônio puxa o homem para cima, o santo o puxa para a direção oposta,

Fólio

Iluminador

Tema

Personagens

Elementos

Rubrica

f.74

Mestre da Coroação de Carlos VI / Dois artistas de estilo Boqueteaux

Luta contra o mal pacto

São Basílio Homem demônio

Construção

Capitular S

Está montado num cavalo branco, vestindo uma armadura, com um escudo e uma lança. Deitado no chão, atingido pela lança na boca, está o dragão negro. Á direita está a princesa.

f.116

Mestre da Coroação de Carlos VI / Dois artistas de estilo Boqueteaux

Batalha contra o mal – luta cavaleiresca

São Jorge Dragão Princesa cavalo

Armadura Lança escudo

Capitular S

325

De sainte Marguerite

Sai das costas do dragão com as mãos unidas em oração, entre elas, uma cruz. O dragão solta fogo pela boca.

f.182v

Mestre da Coroação de Carlos VI / Dois artistas de estilo Boqueteaux

Milagre – luta contra o mal

Santa Margarida dragão

Cruz fogo

Capitular M

De saint Michel

Porta um escudo e uma lança, com a qual acerta a boca do dragão. Este está no chão, aos pés do santo.

f.297

Mestre da Coroação de Carlos VI / Dois artistas de estilo Boqueteaux

Luta contra o mal – confronto cavaleiresco

São Miguel dragão

Escudo lança

Capitular L

326

Título das Miniaturas De sainte Marguerite

Imagem

Paris, Bibliothèque Mazarine., ms. 1729 c. 1370 A santa emerge da barriga do dragão

Fólio

Iluminador

Tema

Personagens

Elementos

f.157

Liderando artista que trabalha em estilo Boqueteaux / Mestre da coroação Charles VI

Milagre - luta contra o mal

Santa Margarida Dragão

cruz fundo geométrico

327

Título De l'invention de la Sainte Croix

De saint Michel

Imagem

Londres, British Library, ms. Add. 16907 1375 Santa Helena supervisiona a escavação da cruz. Ela usa uma coroa e está acompanhada por outros nobres. Um homem com uma enxada desenterra a cruz. Um demônio sobrevoa a cena.

Fólio

Iluminador

Tema

Personagens

Elementos

f.110

Seguidores do estilo Boqueteaux

descoberta

Santa Helena Demônio

Cruz Enxada Coroa

São Miguel desfere uma lança contra o demônio que está deitado de barriga para baixo. A lança acerta a boca do demônio, que está nu, é peludo, tem chifres de touro, possui garras nas mãos e nos pés. O arcanjo está em cima do demônio, com seus dois pés sobre as costas dele.

f.231

Seguidores do estilo Boqueteaux

Batalha contra o mal – confronto cavaleiresco

São Miguel demônio

Lança Escudo coroa Fundo geométrico Capitular L

328

De saint Georges

São Jorge acerta o dragão com sua lança, enquanto a princesa observa. O rosto do dragão está borrado. A princesa segura uma corrente, provavelmente para prender no pescoço do dragão.

f.94

Seguidores do estilo Boqueteaux

Batalha contra o mal – confronto cavaleiresco

São Jorge Dragão Princesa cavalo

Armadura Escudo Lança Árvores corrente Fundo geométrico Capitular S

329

Título das Miniaturas De l'invention de la Sainte Croix

Imagem

Londres, British Library, ms. Royal 19.B.XVII – 1382 Santa Helena, coroada, supervisiona a descoberta da cruz. Um homem com uma enxada desenterra a cruz. Pessoas observam. Um demônio com um instrumento com duas pontas sobrevoa a cena.

Fólio

Iluminador

Tema

Personagens

Elementos

f.126

iluminadores da oficina de PseudoJacquemart Seguidores do estilo Boqueteaux

descoberta

Santa Helena Homem demônio

Enxada Coroa Cruz Arpéu Fundo geométrico

De saint Michel

São Miguel acerta o demônio na boca com sua lança que tem uma cruz. Ele usa uma coroa, e possui além da lança um escudo. O demônio está sentado no chão.

f.268v

iluminadores da oficina de PseudoJacquemart Seguidores do estilo Boqueteaux

Batalha contra o mal– confronto cavaleiresco

São Miguel demônio

Lança Coroa Escudo Fundo geométrico

De sainte

Santa Margarida sai de dentro do

f.167v

iluminadores da

Milagre - Luta

Santa

Cruz

330

Marguerite

dragão, ela segura uma cruz.

De sainte Marthe

Santa Marta segura uma corrente que prende um dragão pelo pescoço. Ele está em um rio. Parece um monstro marinho.

De saint Georges

De armadura e montado num cavalo, São Jorge desfere sua lança contra o dragão que está deitado no chão com a boca aberta. A princesa está diante da

oficina de PseudoJacquemart Seguidores do estilo Boqueteaux

contra o mal

Margarida dragão

Fundo geométrico

f. 186

iluminadores da oficina de PseudoJacquemart Seguidores do estilo Boqueteaux

Luta contra o mal domesticação

Marta dragão

Corrente Rio/ água Fundo geométrico

f.109

iluminadores da oficina de PseudoJacquemart

Batalha contra o mal – confronto cavaleiresco

São Jorge Dragão Princesa cavalo

Armadura Lança Espada Escudo

331

cena com as mãos unidas em oração. O dragão é pequeno e desproporcional.

De saint Philippe apôtre

São Filipe se recusa a adorar um ídolo. Da estátua de Marte sai um dragão. O santo está com as mãos amarradas (?)

Seguidores do estilo Boqueteaux

f.122

iluminadores da oficina de PseudoJacquemart Seguidores do estilo Boqueteaux

Recusa a adorar um ídolo – luta contra o paganismo

São Filipe apóstolo Dragão Várias pessoas

Estátua de Marte Pedestal Fundo com motivos florais

332

Título das Miniaturas De sainte Justine vierge

De saint Fursy

Imagem

Rennes, Bibliothèque Municipale, ms. 266 c. 1400 S. Justina, à direita da composição, segura a palma do martírio. Ela fala com um demônio disfarçado de mulher, do qual se pode ver as patas peludas e garras.

Fólio

Iluminador

Tema

Personagens

Elementos

f.266v

desconhecido

discussão

S. Justina demônio

fundo geométrico garra grama palma

São Forseu, usando uma mitra, está deitado no solo as mãos sobre o peito. No registro superior, a sua alma, simbolizada por uma criança pequena nua é levada para o Céu por dois anjos. Um demônio com chifres e asas tenta agarrá-la.

f.269v

Maître du Policratique

Morte Disputa pela alma Batalha contra o mal

Alma: criança anjo demônio (grande, peludo, negro) São Forseu

Céu fundo geométrico grama mitra

333

De saint Michel

São Miguel mergulha sua lança-cruz na boca demônio deitado no solo Ele veste um manto azul-púrpura, suas asas são azul e verde

f. 271

desconhecido

Batalha contra o mal– confronto cavaleiresco

São Miguel dragão

fundo geométrico grama cruz

De sainte Marguerite

Santa Margarida de Antioquia emerge ilesa da barriga do dragão

f. 167

desconhecido

Milagre – luta contra o mal

Santa Margarida de Antioquia Dragão

fundo geométrico árvore grama cruz

334

De Saint Antoine

Santo Antão, envelhecido, barbudo, vestindo um hábito marrom, é tentado por dois demônios peludos, com chifres, com os pés com garras. Ele carrega um códice em sua mão esquerda.

f.44v

desconhecido

Luta contra o Mal - violência

Santo Antão demônios

Códice Massas Códice Grama Fundo geométrico

De Saint Blaise

São Brás, usando uma mitra está ajoelhado em oração entre duas árvores. Ele é atormentado por um demônio (dragão) alado com pés com garras.

f.69v

desconhecido

Oração Luta contra o mal

São Brás Demônio/ dragão

Mitra Grama Árvores Fundo geométrico

335

De Saint Georges

São Jorge soldado, montado num cavalo branco. Ele mata um dragão verde com sua lança. A moça olha, é a filha de um rei. Observe a presença de um castelo no canto superior esquerdo

f.109

Maître du Policratique

Luta contra o mal– confronto cavaleiresco

São Jorge Dragão princesa

Castelo lança Árvore Grama Fundo geométrico

De Saint Hilaire

Santo Hilário, usando uma mitra e carregando um cajado é mostrado de perfil, observa um demônio (dragão) com asas vermelhas de pé sobre uma rocha. Observamos a presença de um animal (cão?) decapitado.

f.42

desconhecido

Luta contra o mal

Santo Hilário Demônio/dragão Cão(?) sem cabeça

Mitra Cajado Rocha Vegetação Grama Fundo geométrico

336

Imagens

Título das Miniaturas De sainte Julienne

Arras, Bibliothèque Municipale, ms. 83 - c. 1400 Está ajoelhada com as mãos em oração, prestes a ser decapitada. Um demônio observa a cena

Fólio

Iluminador

Tema

Personagens

Elementos

f.65v

Maître du Policratique e outros

Martírio decapitação

Santa Juliana Demônio carrasco

sabre

De saint Apollinaire

Santo Apolinário exorciza uma mulher da influência do demônio. Ela se encontra ajoelhada diante dele, com as mãos unidas em prece. Há um homem atrás dela. O demônio não aparece na cena.

f.158

Maître du Policratique e outros

Exorcismo – luta contra o mal

Santo Apolinário mulher

De saint Barthélémy apôtre

Exorciza um demônio da filha do rei. Ela está ajoelhada com as mãos em oração diante do santo. Um demônio está acima de sua cabeça. A imagem dele está borrada.

f.215

Maître du Policratique e outros

Exorcismo- luta contra o mal

Bartolomeu Filha do rei demônio

coroa

337

De saint Michel

São Miguel está com um escudo e uma lança, que atinge o demônio na boca. O diabo está representado como dragão.

f.258v

Maître du Policratique e outros

Luta contra o mal– confronto cavaleiresco

São Miguel dragão

Lança escudo

De saint Amand

Está diante de uma igreja, na porta há um dragão. O santo expulsa uma serpente do monastério. Neste caso, a serpente é representada como se fosse um dragão.

f.64v

Maître du Policratique e outros

Luta contra o mal

Amando serpente

Igreja Mitra báculo

338

De saint Philippe apôtre

São Filipe expulsa o dragão. Há várias pessoas ajoelhadas em oração

f.105

Maître du Policratique e outros

Luta contra o mal

São Filipe dragão

De sainte Marguerite

Santa Margarida sai de dentro do dragão, segurando uma cruz.

f.149v

Maître du Policratique e outros

Milagre- luta contra o mal

Santa Margarida dragão

cruz

339

De sainte Marthe

Santa Marta segura com uma corda pelo pescoço um dragão que devora um homem. Ela segura também algo na mão direita que não dá para identificar.

f.172

Maître du Policratique e outros

Luta contra o maldomesticação

Santa Marta Dragão homem

Corda Objeto não identificado

340

Título das Miniaturas

Genève, Bibliothèque Publique et Universitaire, ms. fr. 57 c. 1400 São Miguel Arcanjo atinge o demônio com sua lança

Fólio

Iluminador

Tema

Personagens

Elementos

f.295

Maître du Policratique

Batalha contra o mal– confronto cavaleiresco

São Miguel demônio

Lança Escudo espada

Madame Sainte Genevieve

Santa Genoveva, padroeira de Paris. Ela segura uma vela acesa, que um pequeno demônio tenta extinguir com fole. Um anjo no alto está pronto para reacender a vela.

f.400v

Iluminador desconhecido

Ação do mal

Santa Genoveva Anjo demônio

Vela Fole

De saint Georges

Está vestindo uma armadura e porta o escudo e a lança. Acerta o dragão enquanto a princesa observa.

f.120v

Maître du Policratique

Batalha contra o mal– confronto cavaleiresco

São Jorge Dragão Princesa cavalo

Armadura Escudo lança

De sainte Marguerite

Margarida de Antioquia irrompe ilesa da barriga do dragão

f.186

Maître du Policratique

Milagre Luta contra o mal

Santa Margarida de Antioquia dragão

cruz

De saint Michel

Imagem

341

Título das Miniaturas

Imagem

Paris, Bibliothèque Nationale MS fr. 184 c.1402

Fólio

Iluminador

Tema

Personagens

Elementos

De saint Georges

s. Jorge matando o dragão. A princesa observa com as mãos unidas

f.113v

Artista que trabalha com grisalha ativo em Paris c. 1400

Luta contra o Mal– confronto cavaleiresco

Dragão (ameaçando Jorge, com a boca aberta, deitado no chão) s.Jorge cavalo princesa

armadura escudo bainha lança

De saint Philippe apôtre

São Felipe Apóstolo evoca o demônio residente de um ídolo, que então derruba seus opressores. O dragão sai da boca do ídolo.

f. 128

Artista que trabalha com grisalha ativo em Paris c. 1400

Luta contra o paganismo

Dragão s.Felipe

Escudo lança cadáveres estátua

De sainte Marguerite

Santa Margarida de Antioquia emerge ilesa da barriga do dragão. Suas mãos estão unidas em oração

f.176v

Artista que trabalha com grisalha ativo em Paris c. 1400

Milagre- luta contra o mal

Margarida Dragão (parece um lobo, rabo desproporcional)

342

De saint Thomas

St. Thomas Apóstolo, que foi obrigado a fazer o sacrifício a um ídolo, chama o demônio que reside na estátua. O demônio parece sair da boca da estátua.

f. 17v

Artista que trabalha com grisalha ativo em Paris c. 1400

Luta contra o paganismo

S. Thomas imperador demônio

códice ídolo lança estátua escudo coroa

De saint Barthélémy apôtre

Milagre de S. Bartolomeu: São Bartolomeu exorciza um demônio da filha do rei. Ela está ajoelhada e um demônio sai da direção de sua cabeça.

f. 239

Artista que trabalha com grisalha ativo em Paris c. 1400

Luta contra o mal -exorcismo

s.barthélemy demônio rei Polimius princesa

coroa

343

Título das Miniaturas De saint Antoine

De Saint Hilaire

Imagem

Paris, B.N.F., ms. fr. 242 c. 1402 O santo lê um códice enquanto é observado por um demônio

Fólio

Iluminador

Tema

Personagens

Elementos

f.34v

Mestre da Coroação da Virgem / imitador do Mestre da coroação

Santo e seus atributos

Santo Antão Demônio

códice árvores fundo geométrico fogo escudo (?)

Santo Hilário na ilha infestada de cobras da Gallinaria

f.32v

Mestre da Coroação da Virgem / imitador do Mestre da coroação

Luta contra o mal milagre

Santo Hilário cobras

Mitra Báculo Árvore Grama Fundo geométrico

344

De Saint Vaast

O santo expulsa um lobo de uma igreja abandonada

f.58v

Mestre da Coroação da Virgem / imitador do Mestre da coroação

Luta contra o mal

São Vaast lobo

Igreja Mitra Báculo Fundo geométrico Planta (trepadeira?)

De saint Amand

Santo Amando vê uma serpente, que desaparece após ele orar

f.59

Mestre da Coroação da Virgem / imitador do Mestre da coroação

Luta contra o mal

Santo Amando Serpente alada

Fenda na terra Fundo geométrico

De sainte Julienne

Santa Juliana prende um demônio que lhe apareceu sob a forma de um anjo

f.59v

Mestre da Coroação da Virgem / imitador do Mestre da coroação

Luta contra o mal

Santa Juliana demônio

Corrente Fundo geométrico

345

De saint Georges

São Jorge acerta o dragão com sua lança

f.88

Mestre da Coroação da Virgem / imitador do Mestre da coroação

Luta contra o mal– confronto cavaleiresco

São Jorge dragão

Armadura Escudo Lança Fundo estrelado

De saint Philippe apôtre

Pagãos tentam fazer com que São Filipe ofereça sacrifício a um ídolo, enquanto isso, um dragão surge derrubando os pagãos

f.99v

Mestre da Coroação da Virgem / imitador do Mestre da coroação

Luta contra o paganismo

São Filipe Pagãos Dragão ídolo

Códice Fundo geométrico

De sainte Théodore

Santa Teodora, sob o disfarce de Frei Teodoro segura a criança da qual ela foi acusada de ser pai. O diabo aparece para ela na aparência de seu marido

f.137

Mestre da Coroação da Virgem / imitador do Mestre da coroação

discussão

Santa Teodora Criança Demônio (disfarçado)

Árvores Fundo geométrico

346

De sainte Marguerite

Santa Margarida de Antioquia surge da barriga de um dragão

f.138v

Mestre da Coroação da Virgem / imitador do Mestre da coroação

Milagre- luta contra o mal

Santa Margarida dragão

Cruz Fundo geométrico

De saint Jacques le majeur apôtre

Três demônios, amarrados com correntes de fogo por um anjo de Deus, aparecem para São Tiago. Na imagem não aparece a corrente de fogo.

f.146

Mestre da Coroação da Virgem / imitador do Mestre da coroação

aparição

São Tiago demônios

Cajado Chapéu de peregrino Fundo geométrico

De sainte Marthe

Santa Marta com o dragão meio peixe que ela capturou com seu cinto.

f.154

Mestre da Coroação da Virgem / imitador do Mestre da coroação

domesticação

Santa Marta Dragão/peixe

Corda Cruz Códice? Rio/água Rocha Árvores Fundo geométrico

347

De Saint Donat

São Donato está montado em seu jumento diante de uma nascente.Um terrível dragão sai correndo para ele.

f.167v

Mestre da Coroação da Virgem / imitador do Mestre da coroação

Luta contra o mal

São Donato Jumento dragão

Nascente/água Códice Árvore Fundo geométrico

De saint Cyriaque et ses compagnons

São Ciríaco expulsa um demônio da filha de Diocleciano

f.168v

Mestre da Coroação da Virgem / imitador do Mestre da coroação

Exorcismo Luta contra o mal

São Ciríaco Filha de Diocleciano Diocleciano demÔnio

Códice Coroa Fundo geométrico

De sainte Justine vierge

Santa Justina com um demônio disfarçado de mulher

f.216v

Mestre da Coroação da Virgem / imitador do Mestre da coroação

discussão

Santa Justina Demônio (disfarçado)

Códice Fundo geométrico

348

De Saint Forsin

Anjos e demônios discutem sobre a alma de São Forseu

f.218v

Mestre da Coroação da Virgem / imitador do Mestre da coroação

Luta pela alma

São Forseu (deitado e sua alma) Anjos demônios

Papel crochet Mitra Báculo Fundo geométrico

De Saint Michel

Combate o demônio

f.219v

Mestre da Coroação da Virgem / imitador do Mestre da coroação

Luta contra o mal– confronto cavaleiresco

São Miguel demônio

Espada Escudo Fundo geométrico

349

Título das Miniaturas De saint Léger

De saint Maturin

Imagem

Paris, B.N.F., ms. fr. 414 c. 1404

Fólio

Iluminador

Tema

Personagens

Elementos

Após a decapitar São Leger, o assassino é arrebatado por um demônio

f.225v

Mestre da Coroação da Virgem / imitador do Mestre da coroação

punição

São Leger Assassino demônio

Espada Fundo geométrico

São Maturin de Sens exorciza um demônio de uma mulher

f.309v

Mestre da Coroação da Virgem / imitador do Mestre da coroação

Luta contra o mal -exorcismo

São Maturin Mulher (rainha? princesa?) demônio

Códice Fundo geométrico coroa

350

De saint Macaire

São Macário é ameaçado por um demônio empunhando uma foice

f.49

Maître de Virgile/ Maître du Médaillon

luta contra o mal- violência

São Macário demônio

foice construção fundo geométrico

De saint Hilaire

Santo Hilário traz de volta à vida uma criança que havia morrido sem o batismo. À direita, Santo Hilário expulsa cobras na ilha de Gallinaria

f.48

Maître de Virgile/ Maître du Médaillon

milagre luta contra o mal

Santo Hilário Criança Cobras Cristo

Mitra Cajado Construção Fundo geométrico

De Saint Antoine

Santo Antão abade, acompanhado por seu atributo, o porco, é ameaçado por demônios no deserto.

f.50v

Maître de Virgile/ Maître du Médaillon

Luta contra o mal

Santo Antão Porco demônios

Cajado Grama Árvores rocha Fundo geométrico

351

De Saint Georges

São Jorge acerta o dragão com sua lança

f.127v

Maître de Virgile/ Maître du Médaillon

Luta contra o mal– confronto cavaleiresco

São Jorge Cavalo dragão

Armadura Espada Lança Escudo Fundo geométrico

De saint Paul apôtre

Um dragão morde São Paulo na mão, sem prejudicá-lo

f.189

Maître de Virgile/ Maître du Médaillon

domesticação

São Paulo dragão

Espada Fundo geométrico

352

De sainte Marguerite

Santa Margarida de Antioquia surge da barriga de um dragão

f.199v

Maître de Virgile/ Maître du Médaillon

Milagre – luta contra o mal

Santa Margarida Dragão

Mão de Deus Cruz Fundo geométrico

De saint Jacques le majeur apôtre

Enviados por Hermógenes, demônios voam até São Tiago Maior

f.210v

Maître de Virgile/ Maître du Médaillon

Luta contra o mal

São Tiago Maior demônios

Cajado Bolsa chapéu Fundo geométrico

353

De sainte Marthe

Santa Marta subjuga um dragão devorador de homens por aspersão com água benta

f.221

Maître de Virgile/ Maître du Médaillon

domesticação

Santa Marta Dragão homem

Objeto para aspergir água benta Fundo geométrico

De saint Barthélémy

São Bartolomeu afasta um demônio para longe do doente no templo do ídolo Astaroth

f.268

Maître de Virgile/ Maître du Médaillon

Luta contra o mal paganismo

São Bartolomeu Doente ídolo

Códice Espada Objeto que o homem segura (não identificado) Fundo geométrico

354

De saint Michel

São Miguel Arcanjo luta com o demônio. O arcanjo usa uma cruz na cabeça.

f.316

Maître de Virgile/ Maître du Médaillon

Luta contra o mal– confronto cavaleiresco

São Miguel demônio

Espada Cruz Escudo Fundo geométrico

355

Título das Miniaturas De saint Michel

De saint Georges

Imagem

Bruxelas, Bibliothèque Royale, MS 9226 - c. 1420 Está apontando a lança para o demônio. Veste-se como um cavaleiro.

Fólio

Iluminador

Tema

Personagens

Elementos

f.237

Artistas sob influência de Mestre de Luçon e Mestre Orosius

Batalha contra o mal– confronto cavaleiresco

São Miguel demônio

Armadura Lança Grama Fundo geométrico

Acerta o dragão com sua lança, montado num cavalo. A princesa que ele salva se ajoelha em oração.

f.96v

Artistas sob influência de Mestre de Luçon e Mestre Orosius

Batalha contra o mal– confronto cavaleiresco

São Jorge Dragão Princesa cavalo

Lança Armadura Escudo Fundo geométrico

356

De sainte Marguerite

Está saindo das costas do dragão com as mãos no peito. Não segura uma cruz

f.149

Artistas sob influência de Mestre de Luçon e Mestre Orosius

Milagre- luta contra o mal

Santa Margarida dragão

Fundo geométrico grama

357

Título das Miniaturas De saint Michel

De saint Georges

Imagem

Paris, Bibliothèque Nationale MS fr. 415–6 c.1415 Está com uma lança com uma cruz na ponta. Ameaça o demônio, que está deitado no chão. Miguel veste uma armadura negra e dourada (estilo romano?). O demônio é magro, cinza e peludo. Miguel pisa com os dois pés na perna esquerda do demônio, que parece querer se levantar. Um braço está apoiado no chão e outro levantado como se estivesse tentando alguma reação. Sua perna direita está dobrada, o pé apoiado no chão. O rosto do diabo está meio apagado, parece que riscaram a imagem justamente nesta parte do rosto. São Jorge acerta o dragão com a sua lança, enquanto a princesa observa. Ele sua uma armadura com uma cruz no peito. O dragão é ferido no peito e sangra. A princesa está ajoelhada no fundo. O dragão tem pescoço grande, duas patas traseiras, está de boca aberta, suas orelhas são pontudas, tem uma grande cauda. Seu corpo tem uma coloração creme, parece por um lado peludo e por outro com umas pontas. Parece com as descrições de monstros marinhos.

Fólio

Iluminador

Tema

Personagens

Elementos

f.84

Oficina do Mestre de Boucicaut

Batalha contra o mal– confronto cavaleiresco

São Miguel demônio

Lança Armadura Grama pedras

f.165

Oficina do Mestre de Boucicaut

Batalha contra o mal– confronto cavaleiresco

São Jorge Dragão Princesa cavalo

Armadura Lança Escudo (não dá para ver muito bem) Fundo geométrico grama

358

Título das Miniaturas De l'Avènement de NotreSeigneur

De saint Jean apôtre et évangéliste

De saint Hilaire

Imagem

Bruxelles, Bibliothèque Royale, ms. 9228

Fólio

Iluminador

Tema

Personagens

Elementos

Frontispício com dois compartimentos: O Juízo Final e a anunciação. Cristo está entre anjos que portam fitas com dizeres. Embaixo estão à esquerda da imagem, os eleitos que estão entrando na porta do Paraíso e os condenados, à direita, que estão entrando no Inferno (que é representado somente por uma porta). A anunciação é formada pelo anjo ajoelhado, que porta uma fita com dizeres, diante de Maria, que está sentada com um códice aberto no colo. Está sentado escrevendo enquanto um demônio observa

f.7

Iluminador influenciado pelo estilo de Bedford

Juízo Final Anunciação

Cristo Anjos Maria Eleitos condenados

Portas (Paraíso e Inferno) Fitas códice

f. 27

Iluminador influenciado pelo estilo de Bedford

Escrita

São João demônio

Pena Rolo Vegetação Fundo geométrico

Ordena que as cobras da Ilha de Galliaria não se aproximem dele. Porta a mitra e usa uma bengala/vara para manter as cobras afastadas.

f.42v

Iluminador influenciado pelo estilo de Bedford

Luta contra o Mal

Santo Hilário cobras

Vara/bengala Fundo geométrico

359

De saint Michel

São Miguel arcanjo derrota o demônio.

f.256v

Iluminador influenciado pelo estilo de Bedford

Batalha contra o mal– confronto cavaleiresco

São Miguel demônio

Fundo geométrico

De sainte Julienne

Captura um demônio que aparece para ela sob a forma de um anjo.

f.73v

Iluminador influenciado pelo estilo de Bedford

Luta contra o Mal

Santa Juliana Demônio/anjo

fundo geométrico

De saint Georges

O santo, vestindo armadura, com um escudo e uma lança, monta um cavalo. Acerta sua lança no dragão que está deitado no chão.

f.105v

Iluminador influenciado pelo estilo de Bedford

Luta contra o Mal– confronto cavaleiresco

São Jorge Dragão cavalo

Armadura Escudo Lança Fundo geométrico

360

De sainte Marguerite

Sai das costas do dragão com as mãos unidas em oração.

f.161

Iluminador influenciado pelo estilo de Bedford

Milagre – luta contra o mal

Santa Margarida dragão

Fundo geométrico

De sainte Marthe

Está com o dragão que ela amansou.

f.178

Iluminador influenciado pelo estilo de Bedford

domesticação

Santa Marta dragão

Fundo geométrico

De Saint Mathurin

Uma mulher está ajoelhada diante do santo bispo. Ela usa uma coroa. O santo faz um exorcismo

f.365

Iluminador influenciado pelo estilo de Bedford

Exorcismo

Mulher Santo

Mitra Báculo coroa

361

De Saint Donat

Está com um homem ajoelhado diante dele. Porta a mitra e o báculo

f.368v

Iluminador influenciado pelo estilo de Bedford

Exorcismo?

Homem Donato de Chalons

Fundo geométrico Mitra Báculo grama

362

Título das Miniaturas De saint Michel

De saint Georges

Imagem

Jena, Universitätsbibliothek, ms. Gall. fº86 c. 1420 Derrota o demônio com uma lança. Tem um escudo.(não dá para ver o demônio, parece que é só uma sombra negra)

Fólio

Iluminador

Tema

Personagens

Elementos

f.227

seguidor da oficina de Boucicaut.

Luta contra o mal– confronto cavaleiresco

São Miguel demônio

Lança Escudo Grama árvores fundo geométrico

Vestido como cavaleiro, são Jorge acerta o dragão com sua lança na boca.

f.95

seguidor da oficina de Boucicaut.

Luta contra o mal– confronto cavaleiresco

São Jorge Dragão cavalo

Lança Armadura Árvore Grama Fundo geométrico

363

Título das Miniaturas

Munique, Bayerische Staatsbibliothek, ms. Gall. 3 c. 1430 Erroneamente, está representado como bispo. Está sendo abordado por um demônio.

Fólio

Iluminador

Tema

Personagens

Elementos

f.28

Oficina do chamado Maître de la Légende Dorée de Munique ou o Mestre de Egerton

discussão

São Macário Demônio

Mitra Báculo Fundo com motivos florais Grama crochet

De sainte Marine

Marina cuida como o monge Marino do seu suposto filho. Ao lado, um demônio sai da boca da mulher que a acusou.

f.103v

Oficina do chamado Maître de la Légende Dorée de Munique ou o Mestre de Egerton

exorcismo

Santa Marina Criança Mulher Demônio Dois homens

Monastério Fundo geométrico grama

De saint Forsin

Anjos e demônios batalham pela alma do santo, representada como sempre por uma criança nua. Os demônios estão perdendo a luta e voltando para o Inferno,

f.190

Oficina do chamado Maître de la Légende Dorée de Munique ou o Mestre de

Luta pela alma

Anjos Demônios São Forseu

Espadas Escudos Fogo Grama

De saint macaire

Imagem

364

representado por um buraco na terra.

Egerton

Fundo estrelado

De sainte Pélagie

Santa Pelágia é batizada por um bispo. Ela está ajoelhada com as mãos em oração. Há o que parece ser uma sombra negra (um demônio?) no alto do lado esquerdo da cena.

f.201

Oficina do chamado Maître de la Légende Dorée de Munique ou o Mestre de Egerton

batismo

Santa Pelágia Bispo Clérigo demônio

Mitra Báculo Jarro Fundo geométrico grama

De Saint Maturin

Exorciza uma mulher. O demônio aparece bem pequeno saindo da boca dela.

f.279v

Oficina do chamado Maître de la Légende Dorée de Munique ou o Mestre de Egerton

exorcismo

São Maturino Mulher Rei? Homem demônio

Bolsa Árvore Grama Fundo decorado

De saint Georges

Montado num cavalo, vestido como cavaleiro, acerta o dragão com sua lança. O

f.74

Oficina do chamado Maître de la Légende

Luta contra o mal – confronto

São Jorge Dragão

Castelo Fundo

365

rei observa de dentro do castelo. A princesa observa ao longe, com as mãos em oração.

Dorée de Munique ou o Mestre de Egerton

cavaleiresco

Rei Princesa cavalo

estrelado Árvores Grama Monte Lança coroa

De sainte Marguerite

Sai de dentro do dragão que a devorou. Uma autoridade está com uma espada ao seu lado. Está com as mãos cruzadas sobre o peito. Não porta a cruz.

f.119

Oficina do chamado Maître de la Légende Dorée de Munique ou o Mestre de Egerton

Milagre Luta contra o mal

Margarida Dragão Autoridade laica

Fundo geométrico Espada

De sainte Marthe

Santa Marta joga água benta no dragão e ele é vencido por um homem que lhe atinge com uma lança. Parece ter um rio diante deles. O dragão, como em todas as imagens, sempre parece ser um monstro marinho.

f.133

Oficina do chamado Maître de la Légende Dorée de Munique ou o Mestre de Egerton

Batalha contra o mal domesticação

Santa Marta Dois homens dragão

Lança Espada Água benta Balde Grama Rio

366

De Saint Donat

Duas cenas: na primeira ele submete um dragão, na segunda é martirizado.

f.279v

Oficina do chamado Maître de la Légende Dorée de Munique ou o Mestre de Egerton

Batalha contra o mal martírio

São Donato Dragão Clérigo carrasco

Bastão Mitra Cajado Grama Árvores Monte Fundo com motivos florais

De saint Mamertin

Mamertin descobre duas serpentes sob a tumba de São Concordian. As serpentes tem patas e orelhas.

f.169v

Oficina do chamado Maître de la Légende Dorée de Munique ou o Mestre de Egerton

descoberta

Marmertin serpentes homens

Túmulo Grama Fundo geométrico

367

De saint Hilaire

Santo Hilário resiste ao ataque de uma cobra.

f.27v

Oficina do chamado Maître de la Légende Dorée de Munique ou o Mestre de Egerton

Luta contra o mal

Santo Hilário cobra

Mitra Báculo Montanhas Árvores Grama Fundo estrelado

368

Título das Miniaturas Jugement dernier

Imagem

Pierpont-Morgan-Library (New-York), M.672/675 e Macon, Bibli. Mund. MS. 3 - 14451465

Fólio

Iluminador

Tema

Personagens

Elementos

Cristo: Juízo Final - Cristo, parcialmente nu, mostrando as feridas, a mão direita levantada, abençoando, está sentado no arco-íris, os Seus pés apoiados no globo tri-partite. Ele é ladeado por dois anjos, sentados em nuvens recortadas, trompetes, e dois grupos de Eleitos, incluindo monge (Pedro como Guardião do Paraíso?), Tonsurado, e cinco outras figuras. Também flanqueando Cristo, nas extremidades do arco-íris, estão Virgem Maria, com as mãos unidas no peito, e João Batista, que levanta a mão direita ao peito, sentada em recortadas nuvens. Abaixo, seis figuras emergem de sepulturas, incluindo freira, papa usando tiara tripla-coroada, coroado imperador, e monge, retirado do túmulo pelo diabo verde com garra de ferro. As tampas de túmulos da freira e papa são decorados com representações de uma freira e papa, respectivamente.

f.5

Vários artistas

Juízo Final

Cristo Anjos São Pedro Eleitos Virgem Maria João Batista Freira Papa Demônios monge

Globo Tiara papal Túmulos Trono trompetes

369

De Saint Macaire

Macário de Alexandria: encontrando Satã Macário de Alexandria, usando vestes de bispo e mitra, segurando báculo, conversa com Satanás, com chifres, vestindo túnica longa, garras como pés. Ambas as figuras estão gesticulando. Macário (representado duas vezes), usando vestes de bispo e mitra, segurando báculo, está diante da mola perto da igreja. O santo é representado erroneamente como bispo. Cenas dentro da floresta e da paisagem rochosa.

f.85v

Vários artistas

discussão contemplação

Macário demônio

Mitra Báculo igreja

De Saint Antoine

Antão: atacado por demônios – Antão, ajoelhado diante livro aberto envolto em pano, com as mãos levantadas, é atacado por três demônios. Um demônio levanta massa. Segundo demônio, com chifres, levanta crochet. Terceiro demônio, narigudo, rosto humano barbudo de abdômen, garras como pés, levanta mangual. Cena ocorre ao lado da igreja com figura esculpida acima da porta.

f.88v

Vários artistas

Luta contra o mal -agressão

Antão demônios

Códice Massa crochet Mangual Igreja

370

De Sainte Julienne

De Saint Basile

Duas cenas: 1) Juliana de Nicomédia: vencendo o Diabo Diante de multidão, alguns gesticulando, Juliana de Nicomédia, segurando vara na mão direita, detém corda amarrada em volta do pescoço do Diabo, que está agachado. 2) Juliana de Nicomédia: Martírio - à direita, Eulogius de Nicomédia, segurando cetro na mão esquerda, aponta com a mão direita para Juliana (representada duas vezes), de joelhos, levantando as mãos unidas. Carrasco levanta a espada sobre a cabeça dela. Paisagem com a cidade. à direita, no monte, três figuras.

f.149v

Duas cenas: 1) Basílio Magno: Escravo fazendo Pacto com Diabo - Diabo, segurando arpéu na mão direita, estende a mão esquerda para receber o pacto escrito realizado por escravo, ajoelhando-se em um joelho, chapéu removido. 2) Basílio Magno: Escravo reivindicado por Diabo - à direita, Diabo (representado duas vezes) voa pela porta do edifício. Ele detém o arpéu na mão direita e o pacto na mão esquerda acima grupo de figuras, incluindo escravo (representado duas vezes), de joelhos em com as mãos unidas, e Basílio, o Grande, usando vestes de bispo e mitra, segurando báculo na mão esquerda. Ele estende a mão direita em direção ao Diabo. O fundo é uma paisagem com a igreja.

f.103

Vários artistas

Combate contra o mal martírio

Vários artistas

Luta contra o mal - Pacto

Juliana Diabo Eulogius Carrasco

Vara Corda Cetro Espada Cidade

Basílio Diabo escravo

Arpéu Pergaminho Edifício Mitra báculo

371

De Saint Georges

Jorge da Capadócia: matando o dragão - Jorge da Capadócia, vestindo armadura, montado no cavalo, segurando escudo decorado com cruz vermelha, mata o dragão com lança. Ao lado de cavalo está a princesa está com as mãos unidas levantadas ao peito, e um cordeiro. No fundo, rei, rainha e outras figuras olham de cima da muralha.

f.217

Vários artistas

Combate contra o mal– confronto cavaleiresco

Dragão Jorge Cavalo Rei Rainha

Armadura Escudo Lança muralha

De Sainte Marguerite

Duas cenas: 1) Margarida de Antioquia: emergindo do dragão - Dentro do cenário arquitetônico, Margarida de Antioquia, mãos juntas, emerge do dragão. Raios de luz da janela caem sobre ela. 2) Margarida de Antioquia: Martírio - Fora do cenário arquitetônico, dentro da paisagem, Olybrius de Antioquia, segurando cetro na mão direita, e outro homem, ficam atrás do carrasco, erguendo a espada sobre a cabeça de Margarida de Antioquia, com os olhos vendados, de joelhos, as mãos unidas.

f.313v

Vários artistas

Luta contra o mal - milagre

Margarida Dragão Olybrius carrasco

Construção Paisagem Espada Venda Cetro

martírio

372

Saint Donat

De Saint Christophe

Duas cenas dentro da miniatura: 1) Donato de Arezzo: exorciza Antilia - No cenário arquitetônico, Teodósio I coloca a mão direita sobre o ombro da filha , Antilia , ajoelhada . Donato de Arezzo, com auréola, tonsurado, vestindo vestes do diácono, levanta a mão direita em bênção e segura o braço da moça com a mão esquerda. Quatro homens observam. 2) Donato de Arezzo: Martírio - Fora do cenário arquitetônico, dois homens usando chapéus, um com punhal no cinto, a olhar enquanto o carrasco levanta a espada sobre a cabeça de Donato (representada duas vezes), com auréola, tonsurado, com os olhos vendados, vestindo vestes do diácono, ajoelhando-se, mãos unidas em oração.

f.383v

Duas cenas: 1) Cristóvão de Lícia: Diabo fugindo da cruz Diabo, com chifres, montado, foge da cruz. Cristóvão de Lícia, usando um pano na cabeça, segurando uma vara, levanta a mão direita em direção ao demônio e se afasta. 1) Cristóvão de Lícia: carregando Cristo-menino Eremita sai do eremitério. Ele levanta lamparina (?) em direção a Cristóvão (representado duas vezes). Ele carrega em suas costas Menino Jesus, levantando a mão direita em bênção e segurando globo tripartite, através da água. No fundo há um navio e a paisagem.

f. 340

Vários artistas

Vários artistas

Exorcismo martírio

discussão

Donato Antilia Teodósio I Homens Donato homens

Espada punhal

Cristóvão Diabo

Cruz Cavalo Vara Lamparina (?) Globo Água Navio paisagem

travessia Cristo eremita

373

De Saint Bernard

Dentro do cenário arquitetônico, Bernardo de Claraval, tonsurado, segura o códice aberto na mão direita e báculo na mão esquerda e pisa no demônio. Na faixa acima de sua cabeça está escrito SANCTUS BERNAERDUS.

f.10v

Vários artistas

Vitória sobre o mal

Bernardo diabo

Construção Códice Báculo Faixa

De Saint Fursy

Forseu de Lagny: Morte - Fora do cenário arquitetônico, três demônios, incluindo um com garra de ferro, batalham com três anjos, incluindo um com espada e escudo gravado com uma cruz. Uma personificação da alma de Forseu de Lagny é levada por um anjo Dentro do cenário arquitetônico, Forseu, com a mitra, deita na cama (quarto), de olhos fechados. Ele é rodeado pelo homem, levantando as duas mãos, e um escriba, sentado na cadeira, segurando tinteiro na mão esquerda, escrevendo num pergaminho. Ao lado dele, há uma mesa com pães, copo e jarro.

f.106

Vários artistas

Morte

Forseu Anjos Demônios Escriba homem

Garra de ferro (crochet) Escudo Espada Mitra Cama Construção Cadeira mesa

Luta pela alma

374

De Saint François d’Assise

Sainte Pélagie

Três cenas: 1) Francisco de Assis: atacado por demônio Demônio, com o rosto no abdômen, ataca Francisco de Assis, vestindo hábito, ajoelhado diante do livro aberto no monte. 2) Francisco de Assis: auto-punição - Francisco, parcialmente nu, vestindo tanga curta, rola em espinhos, hábito ao lado dele no chão. 3) Francisco de Assis: recebe os estigmas Francisco, mostrando as feridas, recebe os estigmas de Cristo, na cruz, como serafim. Leão de Assis, encapuzado, usando hábito, está sentado ao seu lado, apoiando a cabeça na mão esquerda e descansando braço esquerdo em livro aberto. No fundo é um mosteiro, parcialmente fechado pelo muro, dentro de uma paisagem com rio e edifícios. Duas cenas dentro da miniatura: 1) Pelagia, Penitente: com Nonnus da Mesopotâmia - Cinco homens olham enquanto Pelagia, Penitente, ajoelha-se diante do bispo, portando a mitra e paramentos. Ele coloca a mão direita sobre a cabeça e detém o báculo na mão esquerda. Acima, o demônio, de costas, voa para longe. 2) Pelagia, Penitente: morte - à direita, no monte, bispo ( representado duas vezes), portando a mitra e paramentos, segurando báculo na mão direita, levanta a mão esquerda em direção a Pelagia (representada duas vezes), portando um véu e hábito, reclinada. No fundo de paisagem com edifícios.

f.125v

Vários artistas

Agressão Fragelo Recebe os estigmas

f. 134

Vários artistas

Batismo Morte

Francisco demônio Cristo Leão de Assis

Códice Nudez Cruz Mosteiro Água construção

Diabo Eremita Bispo Mulheres e homens

Mitra Báculo cidade

375

Título das Miniaturas De saint macaire

De saint Antoine

De saint Basile

Imagem

Paris, BNF, ms. fr. 6448

Fólio

Iluminador

Tema

Personagens

Objetos

s. macário e o demônio: ele tenta atacá-lo com uma foice (São Macário é atacado por um demônio armado com uma foice quando ele passa através de um pântano) O demônio está à esquerda da imagem, levanta uma foice contra Macário que estende as mãos na direção do demônio.

f.39v

Evrard d'Espinques ou oficina

Luta contra o mal violência

Foice Cenário: casa na floresta, pedras ao fundo, cidade ao longe) grama

s. antão e os demônios. Demônios na forma de bestas tentam atacar o santo, que está sentado voltado para o Céu, de onde sai uma luz. Ele está na sua cela. O unicórnio coloca seu chifre contra o peito do santo. O leão está com as patas sobre o joelho do santo. A mão direita de Antão está erguida para cima. O demônio mostra a S. Basílio um papel no qual um jovem assinou vendendo sua alma. Basílio (à esquerda) aponta o dedo da mão esquerda para o demônio marrom, que segura o jovem (que está com as mãos unidas em oração). No canto direito ao fundo está o demônio negro com asas vermelhas que segura o pergaminho com o pacto.

f.45v

Evrard d'Espinques ou oficina

Luta contra o mal violência

Demônio (cinza, rabo, chifres, olhos amarelos, peludo) s.macário l, antigo (olha para o Céu, com as mãos estendidas na direção do demônio) s.antão (olha para o alto) unicórnio leão

f.53v

Evrard d'Espinques ou oficina

Pacto

S. Basílio aponta o dedo para os demônios Demônios (um marrom e outro negro azulado de asas vermelhas, os dois tem rabos e chifres) O demônio de marrom segura o jovem, enquanto o outro mostra o papel. Clero Jovem que fez o pacto ora

Papel cajado

Tau Hábito negro banco

376

Du temps de déviation

Septuagesima. Lavourando no vale das almas. Homem trabalhando na lavoura, enquanto o demônio está no lado direito da cena segurando uma espécie de caixa

f.64v

Evrard d'Espinques ou oficina

Trabalho na terra Punição?

De la Quadragésime

Quadragesima. Um homem reza diante do altar, ajoelhado, e do lado de fora Cristo encontra um demônio num pátio. Cristo está à esquerda e aponta o dedo da mão direita para o demônio, que está à direita e olha fixamente para ele.

f. 67

Evrard d'Espinques ou oficina

Discussão oração

De saint Ignace

Inácio é atacado por dois leões no circo

f. 68

Evrard d'Espinques ou oficina

Martírio nudez

De sainte Julienne

Na prisão, Juliana enfrenta o demônio que a visitou na forma de um anjo. Ela amarra uma corrente no pescoço do demônio, que está deitado no chão apoiado no braço direito. Ela segura com a mão direita um pedaço de ferro, num gesto de bater no demônio. Com a outra mão, segura a corrente.

f. 78

Evrard d'Espinques ou oficina

Batalha contra o demônio

Homem cuidando da lavoura Demônio marrom (ele segura uma espécie de caixa, demônio no mesmo estilo dos anteriores, com olhar amarelado, chifres, rabo e orelhas para cima, peludo, nariz grande boca grande) Cristo (aponta o dedo para o demônio) Demônio marrom (mesmo tipo dos anteriores) Homem rezando dentro da casa Inácio Leões Rei Homens Santa Juliana (vestido dourado) Demônio disfarçado de anjo (as patas, as asas vermelhas e os chifres denunciam sua verdadeira identidade, cara

Caixa? Crochet Grama Lavoura Castelo árvores

Altar Casa grama

Ferimentos

Correntes? Cela Grade Pedaço de ferro

377

De saint Patrice

São Patrício aponta dois dedos da mão esquerda para um buraco no chão de onde saem demônios e almas (Purgatório). Ele porta uma vara. Demônios marrons, um amarelo, dois vermelhos, um azul, saem do buraco junto com as almas, que olham para o Céu e estão com as mãos unidas em oração.

f. 94

Evrard d'Espinques ou oficina

purgatório

De saint Georges

s. georges matando o dragão. Ele está em cima de um cavalo, veste armadura e está com um escudo e uma lança. Perfura o dragão deitado no chão. A princesa ao fundo olha a cena com as mãos unidas em oração.

f.115

Evrard d'Espinques ou oficina

Luta contra o mal – confronto cavaleiresco

de assustado) São Patrício (aponta na direção dos demônios e das almas) Demônios (junto com as almas procuram sair do purgatório) almas Dragão s.georges cavalo princesa

De saint Philippe apôtre

São Filipe, forçado a imolar a um falso ídolo, manda um dragão emergir da base, matando seus captores. O dragão está em cima de três homens feridos, ele solta fogo pela boca. Estão diante de um ídolo num pedestal que usa um escudo. O santo está no lado direito da cena, apoiado por dois homens, um de cada lado. O dragão está com o rabo enrolado na perna esquerda da estátua. Tem uma cruz no fundo da cena. S. Urbano, o papa, é forçado a imolar falso ídolo, mas o ídolo ataca os fiéis pagãos. Um demônio no canto esquerdo da imagem puxa um homem pelo pescoço. No fundo, um homem com uma espada tenta acertar um homem tonsurado ajoelhado. Na parte da frente, Urbain com a mitra e um outro tonsurado, se ajoelham diante de um ídolo num

f.129v

Evrard d'Espinques ou oficina

Luta contra o paganismo

Dragão s.philippe

f.151v

Evrard d'Espinques ou oficina

Luta contra o paganismo

s.urbano I homens clérigos demônio marrom

De saint Urbain

Purgatório Vara Mitra Grama castelo

armadura, escudo de batalha arreios lança bainha espada grama castelo altar ídolo cruz grama

Espada Altar Ídolo lança

378

De saint Pierre diacre

Des saints vitus et Modeste

pedestal. O ídolo está com uma lança e curvado para trás. Na parte de dentro da casa, o santo tonsurado exorciza uma mulher que está ajoelhada em oração junto com um outro homem. O demônio sai de sua cabeça. Ele é negro de asas vermelhas e coloca as mãos para o alto. Na parte de fora, o santo e um outro homem tonsurado estão ajoelhados em oração e atrás deles um carrasco com uma espada está pronto para acertá-los.

Vitus e Modestus exorcisam um demônio de uma criança . Ela aponta para o santo, o demônio sai de sua cabeça com as mãos para o alto. O primeiro santo, de veste laranja, aponta os dois dedos da mão direita para o demônio e olha para a criança. Seu pai, o rei, faz um gesto com a mão esquerda.

f. 152

Evrard d'Espinques ou oficina

Exorcismo Martírio decaptação

f.155v

Evrard d'Espinques ou oficina

exorcismo

S. Pierre Mulher Demônio (ele sai da cabeça da mulher, é negro com asas vermelhas, é pequeno e está com as mãos para o alto, não dá para ver o rabo ou os chifres, mas os pés e as mãos são do mesmo formato dos demônios anteriores) homens Vitus Modeste Demônio (marrom, meio dourado, com as mãos para o salto, saindo da cabeça da criança, dá para ver os chifres, mas não o rabo Criança (aponta para os santos) Rei (com a mão segurando a

espada

coroa

379

De saint Pierre apôtre

No fundo, São Pedro é crucificado de cabeça para baixo. Simon Magus cai da torre. Pedro e Paulo, no primeiro plano da imagem, oram e olham para o Céu. Dois demônios aparecem no Céu próximos ao homem que está caindo da torre. Um é marrom e o outro vermelho. Um rei observa a cena.

f.164v

Evrard d'Espinques ou oficina

Crucificação Martírio Suicídio?

De sainte Théodore

Santa Teodora como o monge Teodoro, com o filho que diziam ser seu. O demônio na forma de seu marido, aparece diante dela. Ela está sentada segurando um códice, seu suposto filho ao lado segurando o códice também, o demônio no lado esquerdo com as mãos estendidas para a criança.

f. 177

Evrard d'Espinques ou oficina

discussão

De sainte Marguerite

Santa Margarida saído das costas do dragão. As mãos unidas em oração seguram uma cruz. Dragão com o pedaço do vestido dela na boca. Asa direita marrom, esquerda azul. Cara parecida com a dos demônios

f. 179

Evrard d'Espinques ou oficina

Luta contra o mal -milagre

De saint Jacques le majeur apôtre

Dois demônios seguram o mágico Hermogenes à direita diante de Tiago Maior que está com uma vara à esquerda.

Evrard d'Espinques ou oficina

Luta contra o mal violência

criança e outra estendida) São Pedro São Paulo Simon Magus Demônios (um negro e um vermelho, sobrevoam a torre para buscar a alma de Simon, mãos e pés no mesmo estilo dos anteriores, chifres, também, rabos não aparentes) S. Théodora Criança Demônio (disfarçado de marido de Teodora, mas os chifres e os pés são aparentes) Margarida Dragão (marrom, dourado, com asas uma azul e outra marrom, olhos amarelados) Tiago Maior Hermogenes Dois demônios

Torre Cruz Grama árvores

Códice Grama Arbusto Rio (água)

Acessório para ajudar a

380

De sainte Marthe

Santa Marta com um dragão, agora dócil, que havia engolido um homem (as pernas do homem podem ser vistas na boca do dragão).

f. 198v

Evrard d'Espinques ou oficina

domesticação

De saint Donat

O santo está em cima de um burro. Um dragão a sua frente se vira para cuspir fogo nele.

f. 216v

Evrard d'Espinques ou oficina

Luta contra o mal

De saint Cyriaque et ses compagnons

Ciríaco exorciza um demônio da filha do rei . Ela está com as mãos espalmadas. O demônio sai de sua cabeça com as mãos para cima. O santo tonsurado aponta dois dedos da mão direita para a cabeça da menina. O rei ao fundo observa a cena.

f. 217v

Evrard d'Espinques ou oficina

exorcismo

De saint Bernard

S; Bernardo exorciza uma mulher possuída pelo demônios. O santo está ajoelhado em oração à esquerda. A mulher está à direita com espanto, inclinada para trás. Um demônio sai de sua direção inclinado para frente.

f. 236v

Evrard d'Espinques ou oficina

Exorcismo

(marrons dourados, olhos amarelados, chifres, orelhas, rabos e patas como os outros demônios) s.marta dragão (marrom com dourado, cara parecida com a dos demônios)

caminhada Grama Rio (água)

Donato Dragão (amarelo de asa direita azul, esquerda marrom) Burro clérigos S. Ciríaco Menina Demônio (marrom/dourado, sai da cabeça da menina com as mãos para o alto) rei S. Bernardo Mulher Homem Demônio (marrom, sai da mulher com o

Rédeas Mitra cajado

Corda grama

Coroa cetro

Balcão Códice altar

381

De saint Augustin

Santo Agostinho vê o diabo com um livro sobre os seus ombros, em que foram escritos os pecados dos homens. S. Agostinnho está à direita e aponta dois dedos da mão direita para o demônio, que segura um códice com a mão direita, apoiando-o no ombro. Ele olha Agostinho com um sorriso.

f. 222v

Evrard d'Espinques ou oficina

discussão

De sainte Justine vierge

Cipriano derrama uma poção mágica de um frasco para conquistar o amor de Santa Justina. Sob o disfarce de diferentes pessoas, o Diabo tenta seduzila, mas sem sucesso. Eles saem à direita. Da esquerda para a direita: homem agachado derrama algo aos pés da santa, demônio observa os dois. Dois demônios disfarçados de homem e mulher saem do recinto, estão de costas.

f. 285v

Evrard d'Espinques ou oficina

Tentação

De saint Forsin

São Forseu deitado na cama em gesto de oração, enquanto anjos (3) e demônios (2) brigam por sua alma no Céu.

f. 288v

Evrard d'Espinques ou oficina

Batalha pela alma

rabo levantado,braços estendidos, ele não sai da cabeça da mulher, está mais afastado) S. Augustin Demônio (marrom, segura um códice, esboça um sorriso, olha para o santo) Justina Cipriano Demônio (negro, mesmo formato dos anteriores) Demônio disfarçado de um homem, com os chifres mostrando sua real identidade. Demônio disfarçado de mulher, igualmente com chifre e patas mostrando sua real identidade. Forseu Anjos Demônios (dois demônios

Balcão Códices mitra

Frasco

Cama mitra

382

De saint Michel

Michel derrotando o demônio. Ele está vestido de cavaleiro com uma espada na mão direita. Com a esquerda segura o chifre esquerdo do demônio. Com o pé direito pisa no braço direito do demônio, em que ele segura um instrumento de ferro com duas pontas. Com a mão esquerda, ele segura a perna esquerda de Miguel.

f. 290

Evrard d'Espinques ou oficina

Batalha contra o demônio– confronto cavaleiresco

De la mémoire de tous les saints

Anjos tentam resgatar almas da boca do Inferno, os demônios tentam impedir. A trindade com o códice está no Céu em uma mandorla com os santos, as almas do Inferno estão em gesto de oração. Um demônio maior está do lado esquerdo com um pedaço de pau. Há fogo dentro e fora da boca do Inferno

f. 328

Evrard d'Espinques ou oficina

Luta pela alma

marrons bem pequenos) S. Miguel arcanjo ele segura o chifre do demônio e pisa em seu braço) demônio (marrom puxando para o dourado, olhos amarelados, está caído no chão e segura a perna de Miguel

Trindade (deus, cristo, pomba do espírito santo) Anjos Almas Demônios (marrons, batem nas almas do Inferno) Leviatã (boca do Inferno)

Espada Armadura Instrumento Grama Arbusto Rio (água)

Céu Inferno, códice fogo

383

Título das Miniaturas Prologue

Imagem

Paris, BnF, ms. fr. 244-45 – c. 1480

Fólio

Iluminador

Tema

Personagens

Elementos

Prólogo de Voragine. Página em miniatura completa dividida em três níveis em representação da esquerda para a direita: A tentação no Jardim do Éden; um grupo de homens e mulheres se ajoelham em oração. Ao lado deles, São João Evangelista escreve o Apocalipse; Moisés, segurando a tabuleta da Lei, aponta para a serpente de bronze em um poste. Homens e mulheres se reuniram ao redor olhar para a serpente; um grupo de homens, incluindo peregrinos e soldados se ajoelham em oração; um escriba escreve no seu estudo; Um dominicano prega de um púlpito.

f.1

Maître François

Tentação Escrita Oração pregação

Adão Eva Deus São João Evangelista Moisés Serpente dominicano

Vegetação Púlpito Escrivaninha

384

De saint Andre

Santo André é crucificado. Um demônio leva a alma de seu carrasco. Anjos levam a alma do santo.

f.9

Maître François

Crucificação

Demônio Santo André Alma Homens anjos

Cruz sautor lanças

De saint Antoine

O santo é atormentado pelos demônios.

f.47v

Maître François

Agressão Luta entre o bem e o mal

Santo Antão Demônios Deus

crochets

385

De saint Patrice

Duas cenas: Nicolas, um nobre, fica na entrada de um buraco no Purgatório. No fundo, São Patrício aponta para um homem que puxa outro de um poço. Esta imagem não é explicada pelo texto, mas provavelmente se refere ao Purgatório

f.104v

Maître François

purgatório

Nicolas São Patrício Homens dragão

Poço Caverna vegetação

Du temps de déviation

A Ressurreição. Página em miniatura completa dividida em três cenas representando: A Ressurreição de Cristo, com a chegada dos Três Marias e dois anjos no túmulo que anunciar que Cristo ressuscitou. Dois discípulos, que se referem a aparição de Cristo na estrada de Emaús, ficar nas proximidades; Cristo leva os santos do Antigo Testamento fora do Limbo; Depois de sua ressurreição, Cristo aparece a Maria Madalena;

f.118

Maître François

Descida de Cristo ao Inferno

Jesus Adão Eva Almas Demônios

Porta

386

De Saint Georges

São Jorge atinge o dragão com a sua lança. Ao fundo, a princesa faz uma prece.

f.125v

Maître François

Luta contra o mal– confronto cavaleiresco

Jorge Dragão princesa

Cavalo Lança Armadura Escudo Vegetação cidade

De Sainte Theodore

Duas cenas : Santa Teodora rejeita um mensageiro trazendo presentes de um pretendente rico. No fundo, o irmão Teodoro recebe uma criança da qual uma moça devassa o acusou de ser pai

f.195v

Maître François

Tentação renúncia

Monges Mensageiro Santa Teodora

Vegetação Mosteiro colar

387

De Sainte Marguerite

Duas cenas: Santa Margarida de Antioquia irrompe da barriga de um dragão. À direita, ela é decapitada;

f.197

Maître François

Milagre – luta contra o mal Martírio decapitação

Margarida Dragão carrasco

Cruz Construção espada

De Saint Bartélémy

Os santo é esfolado vivo Enquanto isso, um demônio sai da boca de um ídolo.

f. 61v

Maître François

martírio

Bartolomeu Carrascos demônio

Ídolo faca

388

De Sainte Justine

Quatro cenas: Santa Justina abençoa dois aleijados pobres. No fundo, o diácono Proclus, que a converteu, lê o Evangelho. Santa Justina é representada fazendo o sinal da cruz, do qual um demônio foge. Fora da casa, o diabo dá ao seu pretendente Cipriano uma poção do amor

f.109

Maître François

Benção Leitura Oração tentação

Justina Aleijados Cipriano Proclus demônio

Construção Bengala Poção escrivaninha

De Saint Mathieu

São Mateus é abordado por dois mágicos acompanhados por dois dragões que matam todos com a respiração sulfurosa. Lá fora, o santo ressuscita oo filho do rei.

f.104

Maître François

Ressurreição magia

Dragões Mateus Mágicos príncipe

Construção Cidade ao fundo

389

Título das Miniaturas

Imagem

De saint Michel

Título das Miniaturas De Sixième Commandement

Imagem

Paris, Bibliothèque de l’Arsenal, ms. 3682-83 c. 1480 Batalha contra o demônio. O anjo usa uma armadura e porta uma espada.

Fólio

Iluminador

Tema

Personagens

Elementos

f.128v

Artista flamengo com o estilo de Loyset Liédet.

Batalha contra o mal– confronto cavaleiresco

Miguel demônio

Armadura espada

Cambridge, Fitzwilliam Museum, ms. 22 – c.1490

Fólio

Iluminador

Tema

Personagens

Elementos

Homem tenta subir numa janela para visitar uma mulher, enquanto o demônio o empurra.

f.91

M. de Dresden Prayerbook

Luxúria

Mulher Homem Demônio cachorro

Construções Janela Crochet?

M. de Marguerite de Liedekerke De Septème Commandement

Homem negocia com outro homem, enquanto um ladrão o rouba. O demônio rouba o ladrão.

f.91

M. de Dresden Prayerbook M. de Marguerite de Liedekerke

Roubo

Homens demônio

Contruções Paisagem Bolsa barris

390

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