Verdade efetiva e ação política em O príncipe de Maquiavel
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Helton Adverse (Org.)
~
REFLEXOES SOBRE MAQUIAVEL 500 anos de O prínciPe
Edições Loyola
Z015
Verdade efetiva e ação política em O príncipe de Maquiavel' JOSÉ LUlZ AMES -
Unioeste/CNPq
o significado de veriià effettuale de Ila cosa em O príncipe de Maquiavel, questão que nos propomos a examinar, precisa levar em consideração os riscos contra os quais Claude Lefort nos previne. Com efeito, alerta ele, a proposição maquiaveliana - de que é mais conveniente seguir a verità effettuale della cosa do que a imaginação sobre ela - pode levar ao equívoco de pensar que "a preocupação com o que é apaga a preocupação com o que deve ser" (LEFORT 1999, p. 170). No entanto, continua o pensador, seria igualmente equivocado resolver esta questão interpretando a opção pelo que é como substituição da ideia do bem pela ideia do útil (LEFORT 1972, p. 403)2. Se não é disso que se trata, o que então estaria em jogo na proposição maquiaveliana de buscar a verità effettuale della cosa? Em lugar de explicitar o lugar do I O presente trabalho integra projeto de pesquisa são de bolsa de produriv idade em pesquisa, 2
1II OIH (1972, P: 40~), a propósito
substituir aos \alores
financiado
disso, questiona:
pelo CNPq COm a conces-
"se a intenção
do autor
fosse
a ideia de bem pela do lltil ou, para dizer de modo mais claro, a de sobrepor da moral ordinária,
tica, não se compreenderia \Íl'ios do príncipe,
julgados
Que importância
qualidades morais e políticas a conduta do príncipe?",
legítimos
na prática
privada,
por que esta tarefa exige um exame crítico teria estabelecer
se, em definiti\o,
bastaria
concordâncias limitar-se
os da prática
polí-
das virtudes
e dos
e diferenças
entre
às últimas
para definir
109
príncipe, argumenta Lefort, o que Maquiavel pretende é estabele_ cer as condições necessárias ao exercício de sua função, as quais estão intrinsecamente articuladas com a produção de sua imagem, imagem que depende da ação. Assim, seguindo a indicação de Lefort, nosso propósito será mostrar que na verità effettuale della COsa se revela a verdade da ação política compreendida como O efeito, ou o resultado, que produz a imagem. Maquiavel enuncia a proposição à qual fizemos menção logo na abertura do capítulo XV de O príncipe: "sendo minha intenção escrever coisa útil a quem a entende (a chi la intende), pareceume mais conveniente seguir (andare drieto) a verdade efetiva.' da coisa do que a imaginação desta'". A frase, como se sabe, levanta uma série de questões". Inicialmente, contra quem estaria Maquiavel dirigindo sua crítica - de haver quem prefira a imaginação 3
Agncs CuG'iO
lado
o termo
mente
de Cugno.
na significação enquanto
dispomos porém.
apenas
deliberada
Enquanto
em francês
= effec/uelle;
effettivo
ejetivo para traduzir
do termo
outra
que, segundo
própria
por uma diferença
à verdade,
que produziria
os dois termos
= effective),
os dois termos
a "efetivo":
unica-
se refere a um estado de fato,
existem
Cugno,
haver utili-
(effettuale)
parte de sua obra. Na
motivada
de effettil'o
sugere a ideia de uma atividade (effettl/ale
este termo
deveria
correspon-
na língua
portuguesa
italianos.
Parece-nos,
ser atribuído
"uma atividade
própria
ao termo
11 verdade
que
os efeitos".
O príncipe
Citaremos
partir
"o sentido
toda ver que nos referirmos
produziria
para o fato de Maquiavel e mesmo
de uma opção
útil reter aqui o significado
effellllale
Paulo.
tratar-se-ia
(itálico» da autora).
ao italiano
a atenção
e em mais nenhuma
entre os dois termos:
o effettl/lIle
os efeitos" dentes
p. 96) chama
em lugar de "effettivo",
XV de O príncipe
no capítulo
avaliação
4
(2009.
"effettuale"
2009).
cuja
da edição
a partir da edição
tradução
crítica
e cujas
de Giorgio
Cotejaremos
a tradução
troduvirernos
modificações
oferecida
notas
lnglese,
bilíngue indicando
com o próprio
pontuais
sempre
publicada
(de José Antônio
pela editora Martins)
o capítulo
e a linha
texto original
que considerarmos
Hedra (São
foram
da edição
feitas
a
S
..
MÉNlsSIEB (2002,
p. 55) também
chama
a atenção
esta passagem:
"É preciso precaver-se
citada
que a tradução
num sentido
rigorosamente
pragmático:
a considcrar
quc seu único fruto é o de esclarecer
para além desta
interpretação
do pensamento,
que ambiciona
política".
110
que a verdade
redutora, elaborar
O desafio a que nos propomos
esta declaração
se pretenda
o que se decide
Maquiavel o regime
institui
é precisamente
Reflexões sobre Maquiavel
no presente
da ação;
um novo uso
mais apropriado
este: elaborar
equifamosa
'útil' não deve levar
efetivamente
de verdade
o regime
É preciso, porém, levar em consideração outras possibilidades, e destacamos particularmente duas. Uma é que Maquiavel poderia estar falando da experiência viva, ou seja, pensando no projeto restaurador de Savonarola, que, sob o pretexto de elevar Florença ao ideal da Jerusalém Celeste com sua reforma moral, acabou, como sabemos, por precipitar a cidade em todo tipo de desordens. A probabilidade desta alternativa é reforçada pelo fato de Maquiavel alertar contra toda tentativa de afastar-se do que é - e sempre será - "misturado" em favor do que é puro e sem mistura: o príncipe deve dar forma àquilo que é: mistura indissociável de bem e mal, idealidade e baixeza, altruísmo e mesquinhez. Não se trataria, como pretende Savonarola, de empreender uma educação moral para criar as condições da cidade ideal que escaparia então ao reino da necessidade e desembocaria no da liberdade. Seria um delírio pretender mudar os homens ou tentar criar politicamente um homem novo. Em oposição a esta via pensada por SavonaroIa, Maquiavel pretende partir da verità effettuale para instituir um vivere civile' no qual todos estão igualmente submetidos à única autoridade do príncipe.
e in-
poderia
para o risco de interpretar
de interpretar
são as possibilidades já aventadas. A mais frequente sempre tem sido de que se trataria de uma recusa da utopia platônica - de uma república ideal-, interpretação esta que se apoia especialmente sobre a frase que se segue imediatamente à passagem citada: "e muitos imaginaram repúblicas e principados que nunca foram vistos nem conhecidos de verdade" (O príncipe xv, 4)6.
respectiva.
ser melhorada.
vocadamente
à verdade efetiva? Diferentes
11 ação
de verdade
É a mesma indicação
IJU/i, apropriado à ação política. partir da leitura de Lefort. 6
Lsta hipótese
recebe
tch-, feita por Maquiavel é tão estimada
pelos
um reforço considcrúvcl
pela menção
nos Discursos
26): "Esta gl6ria [de fundar
homens
i
Ltili/amos
(parágrafo
que nunca
tendo podido fazer uma república e Illuitos outros [ ... l".
na distinção
11 qual já antes havíamos
visaram
em ato, a fi/eram
aqui propositalmente feita por EHC:OII (1917)
esta expressão entre
outra
coisa senão
\el
a
ovplícita a Platão e Aristó-
por escrito.
em
acenado
como Aristóteles,
de l'il'ere político
as duas cvprcsxôc«:
repúblicas]
a glória que,
não
Platão
apoiados
", ... , se l'il'ere civile ou
Verdade efetiva e ação política em O príncipe de Maquiavel
111
A outra nados,
possibilidade,
é que Maquiavel,
à qual cstarnos em sua crítica
à verità effettuale,
imaginação
estaria
particularmente
àqueles
que sobrepõem
se referindo
pios do bom governo
sobre
vel pretenda
a esta
da frase
opor-se
seguinte
bases
à citada
fundar
norrnativo-morais.
tradição acima,
do
oposição
destaca
entre
"aquilo
5t.
entre
"verdade "como
à concepção
A crítica
do, seja na Iorrna expressão
normal monte cvpressão genérica
republicana
específica
pleno e completo,
ou monárquica,
realidade
que
ou seja, no sentido
Maquiuvcl
ocupa
é um pensador
(p. 168). '\ssim,
republicano"
que participa
um lugar fundamental.
e as regras tradicionais sempre
sujeitar-se.
gênero
literário
rentina.
Como seu esforço
determinado
Foi no sentido
ser capaz
dei\
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