Versão Completa v.9 n.2, (ago./dez. 2016)

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Descrição do Produto

Revista FOCO. ISSN: 1981-223X

Revista FOCO Periódico dos Programas de Graduação e Pós-Graduação em Administração e Recursos Humanos.

Faculdade Novo Milênio ISSN: 1981-223X

EDITORIAL COMISSÃO EDITORIAL Editores Chefes Cristiano das Neves Bodart Ana Cristina Scopel Editores Kamille Ramos Torres Priscila de Nadai Roniel Sampaio Silva COMUNICAÇÃO E DIVULGAÇÃO Kamille Ramos Torres DIAGRAMAÇÃO E EDITORAÇÃO DESTA EDIÇÃO Cristiano das Neves Bodart Kamille Ramos Torres APOIO TÉCNICO Roniel Sampaio Silva

V.9, nº2, p.01-05, ago./dez. 2016.

Revista FOCO. ISSN: 1981-223X

PARECERISTAS DESTA EDIÇÃO Adriano David Monteiro de Barros

João Carlos Pereira de Moraes

Alamir Costa Louro

João Dantas dos Anjos Neto

Alberto Padrón Abad

Juliana de Oliveira Vicentini

Albino Alves Simione

Jussara Jéssica Pereira

Allan Gustavo Freire da Silva

Laurindo Panucci Filho

Ana Cristina Scopel

Luis André Aragão Frota

Ana Paula Silva Farias

Luiza Vieira Ferreira

Antonio Henrique Maia Lima

Maria Gabriela de Cássia Miranda

Antonio Jose Figueiredo

Marta Regina Garcia Cafeo

Bianca de Moura Wild

Maurício Vitorino Saraiva

Campo Eliaz Flórez Pabón

Murilo Miceno Frigo

Carla Renata Capilé Silva

Natalia Baldessar Menezes

Cristiano das Neves Bodart

Paula Narita Pereira Ebert

Diego Arthur Lima Pinheiro

Priscilla Luciane Bastos Oliveira

Diego Matheus Oliveira de Menezes

Rafael Balseiro Zin

Diogo Barbosa Leite

Rafael Dantas Dias

Éder Rodrigo Gimenes

Rafael Egidio Leal e Silva

Edyane Maria Souza Gonçalves

Rafael Francisco Hiller

Erica da Cruz Novaes Gonçalves Dias

Rafael Martins Felício Júnior

Evangelina Viviana Martich

Rarielle Rodrigues Lima

Fábio Augusto Lise

Renan de Lima Maciel da Silva

Fábio Mascarenhas Dutra

Roberto Araújo da Silva

Fagner José Coutinho de Melo

Rodrigo Rampazzo

Felipe Maciel Tessarolo

Ronaldo Pesente

Fernanda Rita Levandoski

Rosemary Barbosa da Silva Moura

Fernando Faleiros

Sandra Carolina Portela Garcia

Franscisco Gilson Rebouças Porto Junior

Tarcisio Pinheiro

Francisco Valmir Dias Soares Junior

Tatiana Aparecida Ferreira Doin

Gessika Cecília Carvalho

Thiago Zardin Patias

Ingrydy Patrycy Schaefer Pereira

Vitor Matheus Oliveira da Menezes

Ivânia Freire da Silva

Wladimir Rodrigues Dias

V.9, nº2, p.01-05, ago./dez. 2016.

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SUMÁRIO Editorial...........................................................................................................................01-04 Apresentação Cristiano das Neves Bodart ................................................................................................05-08

PRIMEIROS ESTUDOS Das ferramentas aos colaboradores: a avaliação individual de desempenho em um dos maiores grupos de inspeção veicular do Brasil Victor Ribeiro Martins e Diogo Barbosa Leite....................................................................09-32 Monitoramento de mídias sociais no processo de análise da percepção dos usuários sobre a segurança de Porto Alegre Cristian Luis Schaeffer..........................................................................................................33-53 Satisfação e valores relativos ao trabalho: Estudo realizado com os colaboradores Beltrame Comércio de Materiais de Construção Aline Mortari Machado e Vívian Flores Costa ....................................................................54-78

ARTIGOS A produção científica brasileira sobre a teoria e a práxis do psicólogo organizacional e do trabalho na virada do século XXI Sofia Urt ...............................................................................................................................79-96 Altas habilidades/superdotação: um olhar para o desenvolvimento cognitivo, ajuste emocional e seus impactos na vida profissional Alberto Abad e Thaís Marluce Marques Abad ..................................................................97-119 Análise ambiental dos processos de beneficiamento das marmorarias da cidade de Manaus Ercilia do Socorro Souza Soares e Raimundo Kennedy Vieira ........................................120-137 Políticas públicas como instrumento para o desenvolvimento das indicações geográficas Julio Cesar Zilli, Adriana Carvalho Pinto Vieira e Kelly Lissandra Bruch ...................138-155 Aliança, reciprocidade e cooperação estratégica: análise da rede virtual linkedin® Rafaella Cristina Campos, Rodrigo Cassimiro de Freitas, João Paulo Cardoso Silva e Mônica Carvalho Alves Cappelle ..................................................................................................154-175 Perfil sociodemográfico e satisfação de alunos da modalidade de ensino a distância Bruno Zamprogno, Alexandre Jacob e Bartolomeu Zamprogno .....................................176-196 Inclusão de Pessoas com Deficiência no mercado de trabalho: legislação e perspectivas de profissionais que atuam com Recrutamento e Seleção Cristiano das Neves Bodart, Eunides Paschoalina Romano e Osiene Alves Chagas .......197-216

ENTREVISTA Comunicação empresarial na modernidade: uma entrevista com a Dra. Cláudia Paes Borba Alessandro Gomes ............................................................................................................217-220 V.9, nº2, p.01-05, ago./dez. 2016.

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APRESENTAÇÃO É com grande satisfação que apresentamos o volume 9, número 2 (2016) da revista FOCO. Esta edição se subdivide em três seções. Uma destinado a graduados e recém graduados, sendo os textos de primeiras experiências de produção científica. A segunda seção é destinada aos artigos de mestrandos, mestres, doutorandos e doutores. Por fim, uma seção para a entrevista. A seção PRIMEIROS ESTUDOS inicia-se com o artigo intitulado “Das ferramentas aos colaboradores: a avaliação individual de desempenho em um dos maiores grupos de inspeção veicular do Brasil”, de Victor Ribeiro Martins, Graduado em Administração pela Universidade Federal de Mato Grosso, e Diogo Barbosa Leite, professor do Departamento de Administração da Universidade Federal de Mato Grosso. Nesse artigo os autores buscaram discutir a temática processos de avaliação, sugerindo o desenvolvimento de um método de administração mais eficiente, em direção ao modelo de Avaliação 360º a fim de incentivar os funcionários a buscarem um constante desenvolvimento profissional. O segundo artigo dessa seção é intitulado “Monitoramento de mídias sociais no processo de análise da percepção dos usuários sobre a segurança de Porto Alegre”, cujo autor é Cristian Luis Schaeffer, bacharel em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Nele, Schaeffer apresenta os resultados de uma pesquisa sobre monitoramento de mídias sociais buscando mostrar quais informações estratégicas podem ser obtidas através de um sistema de monitoramento de mídias sociais. O terceiro e último artigo da seção Primeiros Estudos é de autoria de Aline Mortari Machado, bacharel em Administração pena Universidade federal de Santa Maria (UFSM), e Vívian Flores Costa, doutoranda em Administração pela Universidade federal de Santa Maria (UFSM). No artigo intitulado “Satisfação e valores relativos ao trabalho: estudo realizado com os colaboradores Beltrame Comércio de Materiais de Construção” as autoras propõem analisar a satisfação no V.9, nº2, p.05-08, ago./dez. 2016.

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Revista FOCO. ISSN: 1981-223X trabalho e os valores relativos ao trabalho dos colaboradores da empresa Beltrame Comércio de Materiais de Construção. A segunda seção, denominada “ARTIGOS” o leitor encontrará sete (07) artigos. O primeiro artigo é de Sofia Urt, mestra em Psicologia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Em seu artigo, intitulado “A produção científica brasileira sobre a teoria e a práxis do psicólogo organizacional e do trabalho na virada do século XXI”, Urt propõe apresentar a produção científica brasileira da Psicologia voltada às organizações de trabalho, em seus aspectos teóricos e pragmáticos, no período compreendido entre os anos finais do século XX e anos iniciais do século XXI. O segundo artigo é de Alberto Abad, professor de Psicologia na Universidad CUT (México) e na Universidad del Desarrollo Profesional (México) e Thaís Marluce Marques Abad, graduada em Licenciatura Plena em Letras e Literaturas Vernáculas com Habilitação em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Os autores trazem o artigo “Altas habilidades/superdotação: um olhar para o desenvolvimento cognitivo, ajuste emocional e seus impactos na vida profissional” no qual buscam analisar os fatores do desenvolvimento cognitivo, os ajuste emocional do indivíduo AH/SD e seus impactos na vida profissional e laboral. O artigo intitulado “Análise ambiental dos processos de beneficiamento das marmorarias da cidade de Manaus” é de Ercilia do Socorro Souza Soares, mestranda do curso de Engenharia de Produção da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e de Raimundo Kennedy Vieira, professor do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Nesse artigo os autores propõe-se “apresentar uma análise qualitativa relativa aos impactos sobre os meios físicos e antrópicos gerados nos processos produtivos das empresas de beneficiamento de pedras ornamentais no município de Manaus”, destacando a importância do atendimento à legislação referente a destinação final dos resíduos sólidos daquele município, além da necessidade do desenvolvimento de políticas educacionais e ambientais. O quarto artigo, intitulado “Políticas públicas como instrumento de desenvolvimento de indicações geográficas”, é de autoria de Adriana Carvalho Pinto Vieira, doutora em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e professora do programa de pós – graduação em Desenvolvimento Socioeconômico da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), Júlio Cesar de Faria Zilli, mestre em Desenvolvimento V.9, nº2, p.05-08, ago./dez. 2016.

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Revista FOCO. ISSN: 1981-223X Socioeconômico pela UNESC e professor do curso de Administração e Comércio Exterior na UNESC e Kelly Lissandra Bruch, doutora em Direito pela Université Rennes I, France em co-tutela com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), professora do Departamento de Direito Econômico e do Trabalho da Faculdade de Direito da UFRGS e do Programa de Pós Graduação do Centro em Estudos e Pesquisas em Agronegócios (CEPAN/UFRGS). Neste artigo os autores buscam “compreender as políticas públicas como instrumentos indutores do desenvolvimento para os territórios que tenham o registro de indicações geográficas”. O quinto artigo da presente edição é de autoria de Rafaella Cristina Campos, professora da Faculdade Presbiteriana Gammon – FAGAMMON e doutoranda em Administração na Universidade Federal de Lavras (UFLA), Rodrigo Cassimiro de Freitas, docente da Pontifícia Universidade Católica (PUC/MG) Unidade de Arcos e também doutorando em Administração pela Universidade Federal de Lavras (UFLA), João Paulo Cardoso Silva, graduando em Administração pela Universidade Federal de Lavras (UFLA), e Mônica Carvalho Alves Cappelle, professora Associada da Universidade Federal de Lavras (UFLA). Trata-se do artigo “Aliança, reciprocidade e cooperação estratégica: análise da rede virtual Linkedin®”. Neste os autores buscaram “identificar a presença ou não de mecanismos que possibilitem a estruturação de alianças estratégicas, cooperação e reciprocidade entre empresas e profissionais atuantes na rede social virtual LinkedIn®”. O sexto artigo, intitulado “Perfil sociodemográfico e satisfação de alunos da modalidade de ensino a distância”, é de autoria de Bruno Zamprogno, mestrando em Ciências Contábeis pela FUCAPE Business School, Alexandre Jacob, mestre em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória, e Bartolomeu Zamprogno, professor adjunto do Departamento de Estatística da UFES. Os autores apresentam uma análise da relação entre satisfação pessoal dos alunos da EAD/UAB e o papel do tutor e dos professores, o processo de comunicação e interação e a estrutura do curso. O sétimo artigo e último artigo é do professor da Universidade Federal de Alagoas, Cristiano das Neves Bodart, das alunas do curso MBA em Gestão de Pessoas da Faculdade Novo Milênio/FNM, Eunides Paschoalina Romano e Osiene Alves Chagas. Intitulado “Inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho: Legislação e perspectivas de profissionais que atuam como selecionadores, fiscalizadores e apoiadores”, o artigo buscou discutir uma temática importante: inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. O foco foi averiguar o que pensam os profissionais que atuam no processo de seleção, na fiscalização e no apoio da V.9, nº2, p.05-08, ago./dez. 2016.

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Revista FOCO. ISSN: 1981-223X inclusão de pessoas com deficiências no mercado e em que medida estão inteirado da legislação pertinente a essa questão. A última seção desta edição é destinada a uma ENTREVISTA concedida pela professora da Faculdade Novo Milênio doutora em Administração pela PUC/RS, Cláudia Paes Borba. A entrevista foi conduzida por Alessandro Gomes, mestre em Análise do Discurso Midiático e professor da Faculdade Novo Milênio. Esperamos, com mais esta edição, colaborar para o desenvolvimento científico/acadêmico dos nossos leitores.

Boa leitura!

Cristiano das Neves Bodart, Doutor em Sociologia/USP Docente da Universidade Federal de Alagoas/Ufal Coeditor Chefe da revista Foco

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DAS FERRAMENTAS AOS COLABORADORES: a avaliação individual de desempenho em um dos maiores grupos de inspeção veicular do brasil Victor Ribeiro Martins1 Diogo Barbosa Leite2 Resumo A máxima “de aquilo que não se mede não se conhece, não se controle e não melhora” nunca foi tão aplicável como no cenário competitivo atual. O processo de avaliação de desempenho nas organizações visa justamente avaliar o quão bem desenvolvidos são os colaboradores. A investigação e o mapeamento do processo de AD se dão em um dos maiores grupos de organismos de inspeção veicular do país, sediado na cidade de Cuiabá, Mato Grosso. Para isso, ao longo do desenvolvimento, descreve-se a estrutura interna da empresa e são propostas oportunidades para ajustes no modelo atual de avaliação. Os dados foram coletados por meio de entrevista com roteiro semiestruturado cujas questões visavam captar a percepção dos mesmos sobre o processo de AD. Sugere-se, com base nos resultados, o desenvolvimento de um método de AD mais eficiente, em direção ao modelo de Avaliação 360º. Ao fim do estudo, foi possível inferir o quão necessário é a Avaliação de Desempenho para o desenvolvimento do colaborador e por isso propôs-se que a empresa a tome como constante, com o objetivo de incentivar os funcionários a buscarem um constante desenvolvimento profissional. Palavras-chave: Avaliação de Desempenho. Colaboradores. Inspeção Veicular.

INTRODUÇÃO Tornou-se evidente no atual cenário competitivo a necessidade de estratégias para a manutenção e sobrevivência das organizações no mercado. Em um período pósmoderno de competitividade acirrada e incerteza de cenários, a Administração de Pessoas ganha força como ponto de vantagem e manutenção para “sobrevivência”. Deuse então o que é tratado como a transformação da Administração de Recursos Humanos em Administração Estratégica de Recursos Humanos (MARRAS, 2001).                                                                                                                         1 2

 

Graduado em Administração pela Universidade Federal de Mato Grosso. Professor do Departamento de Administração da Universidade Federal de Mato Grosso.

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Nesse caso, o autor afirma que os impactos da globalização dos mercados, seus desdobramentos nas organizações e a mudança da filosofia de vida das pessoas, fatalmente leva a adoção de atitudes proativas que levem mais em consideração as pessoas e os efeitos nocivos da instablididade. Assim sendo, empresas têm buscado ferramentas eficazes para avaliar e mensurar o desempenho individual do colaborador. A Avaliação de Desempenho, tratada no texto pela sigla AD, é valiosa como instrumento de Administração de Recursos Humanos, acompanhando o desenvolvimento cognitivo dos funcionários, principalmente em termos de conhecimentos, habilidades e atitudes (MARRAS, 2011). Tendo isso, esta investigação tem como por objetivo analisar o processo de avaliação de desempenho em uma empresa prestadora de serviços de pequeno porte. Mais especificadamente, a empresa tratada pela pseudônimo Alfa, um dos maiores grupos de inspeção veicular do país. O grupo é uma empresa prestadora de serviços do segmento de inspeção veicular, localizada na cidade de Cuiabá, capital do estado Mato Grosso. O delineamento do escopo investigou apenas os setores e filiais localizadas na cidade. De imediato, colocam-se as duas posições a respeito da prática da avaliação de desempenho. A primeira é voltada para o passado do colaborador na empresa, preocupando-se em gratificá-lo ou puni-lo por este desempenho. A segunda posição é voltada para o futuro dele na organização, ou seja para que cada funcionário possa aprender e autodesenvolver-se dentro da empresa (LUCENA, 1995). Dessa forma, este estudo se norteia pela seguinte questão: o processo de avaliação de desempenho do grupo Grupo Alfa é efetivo segundo seus colaboradores? O objetivo da investigação é analisar como atualmente é realizada a avaliação de desempenho na empresa estudada. Para isso, antes detecta sua estrutura organizacional, descrevendo-a por meio da definição do organograma e das relações internas, funções, tarefas; e por fim, propõe oportunidades para ajustes no modelo de AD. Quando se trata de investigações nesses tipos de empresas, têm-se uma sujeição mais restrita ao operacional, dado seu caráter técnico. Indo de encontro a Administração, esta investigação aborda o processo de AD, valorizando a grande área de Administração de Recursos Humanos (MARRAS, 2011). Academicamente incrementa o senso quanto a natureza limitada desse tipo de objeto de estudo. Alcançar o objetivo permite auxiliar a atual administração da empresa, na proposição de melhores resultados ao negócio a medida que torna-se capaz de interpretar o que tem sido e deve ser feito em termos de AD. V.9, nº2. p.09-32, ago./dez. 2016.

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Este artigo apresenta inicialmente uma breve revisão teórica sobre a Gestão de Pessoas, AD e as principais técnicas empregadas atualmente. Em seguida apresentam-se as discussões e as considerações finais.

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O CONTEXTO DA GESTÃO DE PESSOAS

 

O arranque evolutivo da era pós-moderna obrigou as organizações a se adaptarem a mudanças, revendo conceitos e paradigmas possíveis. A globalização da economia, abertura de mercados, concocorrência acirrada e até os altos índices de desemprego dos países foram eventos ou preocupações tocantes ao ambiente das organizações (MARRAS, 2011). Nesse aspecto, o ambiente é o conjunto de instituições ou forças externas que apresentam algum tipo de influência direta ou indireta em seu desempenho (ROBBINS, 2005). Elas incluem na maioria das vezes fornecedores, clientes, concorrentes, agências regulatórias, governo e outros, e para isso torna-se necessário o emprego da Administração Estratégica de Pessoas. Segundo Vergara (2011), a Gestão de Pessoas é um tema de maior importância quando o assunto é Administração. Isso porque as pessoas são elementos vitais para o funcionamento da organização. Desse modo, pesquisar a gestão de recursos humanos é fundamental (SNELL, 2010), pois há a necessidade de entender o comportamento humano e conhecer os vários tipos de sistemas e práticas para auxiliar a construir uma força de trabalho qualificada e motivada. Lucena (1995) afirma que muitos empresários brasileiros acreditam que a insatisfação do colaborador vem somente pela questão salarial. É certo que uma organização que não dispõe de uma equilibrada e justa estrutura salarial tende a fluir uma série de problemas, como perda de pessoal ou turnover, baixa produtividade, desmotivação, absenteísmo, entre outros. A autora afirma que a organização é muito mais do que ofertante de empregos e salários. É responsável por promover a satisfação de valores sociais básicos e em melhorar o nível qualitativo de vida dos empregados. A ausência daquele tipo de preocupação é consequência de um estilo gerencial que não se preocupa em estimular a motivação para o trabalho de seus colaboradores. Para isso tratou como sendo os estilos gerenciais. McGregor (1992) apresenta o primeiro modelo gerencial como Teoria “X”, cujas premissas são: o ser humano de modo geral apresenta uma aversão ao trabalho, trabalhando o mínimo necessário; e devido a essa característica, a maior parte das pessoas precisam ser coagidas,  

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controladas, dirigidas, ameaçadas de punição para que alcancem os objetivos da organização porque também evitam responsabilidades, preferem ser dirigidos, têm pouca ambição e querem garantia acima de tudo. O segundo modelo gerencial (McGREGOR, 1992) chama de Teoria Y, cujos pressupostos creem o gasto com esforço físico e mental no trabalho é tão natural como uma atividade de lazer ou descanso. Logo, o ser humano comum não sente aversão ao trabalho e dependendo das condições, o trabalho pode servir como fonte de satisfação. O controle e a ameaça de penalidade não são os únicos meios de desenvolver esforços no sentido dos objetivos organizacionais. O homem está sempre disposto a se autoorientar e autocontrolar, a serviço dos objetivos que colocou como meta de vida. O compromisso com os objetivos é dependente das recompensas atribuídas às conclusões das tarefas. A recompensa mais notável então para o colaborador Y é a satisfação do ego e das e de auto realização, produto direto do esforço orientado para os objetivos organizacionais. Nas condições da vida industrial moderna, as potencialidades intelectuais do ser humano comum são utilizadas apenas parcialmente (McGREGOR, 1992). Seguindo as premissas da Teoria X, um sistema organizacional de AD tem como objetivo gratificar ou penalizar os funcionários (LUCENA, 1995). Seria uma espécie de reforço da prática do estilo gerencial alicerçado na Teoria X, desprovido então de qualquer estímulo motivador. Entretanto, a mesma autora afirma que partindo dos pressupostos da Teoria Y, um programa de AD tem os objetivos de promover o autodesenvolvimento dos funcionários; descobrir talentos e potencialidades; oferecer oportunidades para que o talento seja desenvolvido; ajustar o colaborador a um trabalho onde renderá de forma mais eficaz; utilizar treinamentos para capacitar o trabalhador; e informar o funcionário sobre seu desempenho organizacional. 1.1 E O QUE É AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO? A Avaliação de Desempenho é parte de um processo global do sistema de recursos humanos, que avalia a competência do trabalhador e a partir disso orienta a identificação de debilidades e forças para alcançar os objetivos organizacioanais. A função de AD visa comparar o que o avaliado faz; seu desempenho comparado com o que deveria fazer; e descreve cargo, padrão e instruções complementares (CARVALHO, et al., 2004).

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De modo mais avançado, a discussão sobre AD também focaliza o alinhamento do desempenho individual aos objetivos para o desempenho organizacional. Existe um gap nessa discussão, que é a dificuldade prática na vinculação do modelo de AD às metas da estratégia do negócio. O trabalho humano cada cada vez mais se torna complexo, inter-relacionado e mutável, o que aumenta a dificuldade na estimação de metas duradouras e na aferição do desempenho individual (DONATO et al., 2013). Não só isso, mas o clima para o processo de AD é essencial para que gerentes e funcionários internalizem a importância da ferramenta, ao invés de a verem como ameaça (REIFSCHNEIDER, 2008). Nesse contexto, de modo complementar, desempenho é o conceito que se refere aos resultados entregues pela pessoa a empresa. No desempenho existem três dimensões que interagem entre si para definição do sucesso profissional. A primeira é que o nível de desempenho determina a expectiva de desempenho – as expectativas sobre o trabalho se ligam diretamente ao que o colaborador já “provou”; a segunda é que o esforço do trabalhador influencia seu desenvolvimento em função de qualidade de sua agregação na empresa – pessoas esforçadas tendem a construir novos patamares de desempenho ao longo do tempo. A última dimensão é que o comportamento pode afetar o desenvolvimento e esforço para o trabalho (DUTRA, 2011). Para Snell (2010), avaliação de desempenho pode ser definida como um processo fornecido anualmente, projetado para ajudar os funcionários a compreenderem suas funções, seus objetivos, suas expectativas e o sucesso em seu desempenho. De modo semelhante, Carvalho et al. (2004) afirma: O método de avaliação de desempenho pode ser caracterizado como sendo o procedimento empregado pelo avaliador, cuja finalidade central é verificar, sob determinadas condições, a aplicação, pelo avaliado, de técnicas de trabalho adquiridas no treinamento (CARVALHO et al., 2004, p. 253).

A AD poderá definir-se sob os princípios da avaliação de pessoal como instrumento para promover a melhoria do desempenho e promoção funcional, através do desenvolvimento dos fatores motivacionais. A AD será também instrumento de integração entre os objetivos do indivíduo e da organização (LUCENA, 1995). Em um primeiro momento, as avaliações de desempenho podem ser empregadas para um objetivo bastante específico: avaliar quem está fazendo um bom trabalho ou não. Estas avaliações são uma das ferramentas mais versáteis de que os gerentes dispõem e servem vários propósitos que beneficiam tanto a empresa quanto o funcionário avaliado (SNELL, 2010).

 

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Durante o programa de avaliação, o setor de recursos humanos tem a responsabilidade da coordenação, do planejamento e desenvolvimento para que os objetivos sejam alcançados. Porém, compete a toda organização assumir os objetivos levando-os à execução (LUCENA, 1995). Dado o personalismo de cada organização, podem-se elencar diversos componentes de desempenho individual. O estudo de Marques, Borges e Reis (2016), por exemplo, realizado com servidores estaduais do governo de Minas Gerais, descreveu o mecanismo de AD individual dos servidores com os seguintes critérios: qualidade do trabalho, produtividade no trabalho, iniciativa, presteza, aproveitamento em programas de capacitação, assiduidade, pontualidade, administração do tempo e tempestividade,

uso

adequado

dos

equipamentos

e

instalações

de

serviço,

aproveitamento dos recursos, racionalização de processos e capacidade de trabalho em equipe. Deve-se algumas críticas ao processo de AD a medida que pode vir de julgamento sem base concreta, sem parâmetros claros ou válidos. A falta de preparo dos gestores sobre o processo pode levar à insatisfação dos participantes do sistema. Além disso, a replicação de modelos construídos para um realidade e aplicados em outra, prejudica a eficiencia do processo (REIFSCHNEIDER, 2008). Em oposto, o uso de métricas para avaliação do desempenho individual pode ser uma maneira mais simples e de fácil operacionalização a partir de critérios claros (NÓBREGA, OLIVEIRA, SOUZA, 2007). Primordialmente, a AD serve para melhorar o trabalho do colaborador e a partir disso contribuir para o resultado da empresa (DONATO et al., 2013). Os programas de AD podem ser abordados sob diferentes utilidades, contudo as mais utilizadas, de acordo com cada perspectiva organizacional são: a) Identificar aqueles empregados que necessitam de aperfeiçoamento; b) Definir o grau de contribuição (individual ou grupal) nos resultados da empresa; c) Descobrir o surgimento de novs talentos na organização; d) Facilitar o autodesenvolvimento dos empregados; e) Fornecer feedback aos empregados; f) Subsidiar programas de mérito, promoções e transferências (MARRAS, 2011, p 166).

A AD visa, além desses, avaliar o rendimento do funcionário; ajudar a formação de um banco de talentos; identificar problemas de ordem pessoa entre empregados e patrões; verificar necessidade de treinamento; e contribuir para uma melhor adequação salarial (CARVALHO et al., 2004). Não há como dissociar o desempenho individual do V.9, nº2. p.09-32, ago./dez. 2016.

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trabalhador com o treinamento do qual deve receber, dado que os resultados do treinamento interferem nas mudanças de comportamento no trabalho e partir disso de um novo desempenho (SILVA, MENESES, 2012). De acordo com Snell (2010), separa-se os objetivos da avaliação de desempenho naqueles que visam o desenvolvimento do indivíduo e entre os administrativos. Com o intuito de desenvolver o indivíduo, a avaliação de desempenho tem o objetivo fornecer o feedback necessário para discutir os pontos fortes e fracos dos funcionários, aprimorando assim o seu desempenho. Independentemente do nível do colaborador, o processo da avaliação fornece uma oportunidade para identificar questões a serem discutidas para eliminar qualquer problema potencial e estabelecer novas metas, de modo a atingir um alto desempenho. Entretanto, Dessler (2003) afirma que nem sempre é fácil obter estes feedbacks. Geralmente, uma avaliação culmina em uma entrevista de avaliação, na qual o supervisor e subordinado revisam a avaliação e elaboram planos para remediar as deficiências e reforçar o bom desempenho. Ainda, esclarece que essas entrevistas podem ser incômodas pelo fato de poucas pessoas gostarem de receber ou de dar feedbacks negativos. Do ponto de vista da administração, os programas de avaliação fornecem insumo para todas as atividades de gestão de recursos humanos, principalmente como base para decisões de remuneração, promoção, transferência e decisões de demissão (SNELL, 2010). A AD funciona como parte de um sistema integrado porque “fornece informações para a tomada de decisões tem vários processos da gestão de pessoas (treinamento e desenvolvimento, seleção, remuneração, promoção, sucessão, saúde, transferência)” (DONATO et al., 2013, p. 56). Mais do que isso, a AD permite melhoria na satisfação com o trabalho. Comprovou-se no estudo de Marques, Borges e Reis (2016), que quando funcionários reagem a AD de modo positivo resulta em um maior nível de satisfação com o trabalho. 1.2 OS PRINCIPAIS MÉTODOS DE AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO Há uma variedade de métodos para avaliar o desempenho humano no trabalho, sendo ajustados de acordo com a demanda e as características peculiares a cada organização (MARRAS, 2011). Para fins didáticos da pesquisa, realizou-se um quadro comparativo com os alguns principais métodos de avaliação de desempenho encontrados nos seguintes autores, conforme o quadro a seguir:  

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Quadro 1 - O principais métodos de avaliação de desempenho por autor. Método de AD

Dessler (2003)

Avaliação por objetivos

X

Avaliação 360º

X

Escala Gráfica

X

Escolha Forçada Incidentes Críticos Pesquisa de Campo

Lucena (1995)

Marras (2011)

Carvalho et al. (2004)

X X

X

X

X

X

X

X

X

X X

X

Fonte: Dessler (2003); Lucena (1995); Marras (2011); Carvalho et al. (2004).

O método de Avaliação por Objetivos requer que o supervisor estabeleça metas alcançáveis para cada funcionário e discuta periodicamente o progresso deste em direção aos objetivos previamente estabelecidos (DESSLER, 2003). O autor afirma que para isso, é necessário um programa de estabelecimento de metas e avaliações composto pelas seguintes etapas: estabelecer as metas da organização; estabelecer as metas de cada departamento; discutir estas; definir resultados esperados e definir as metas de cada indivíduo; conduzir revisões de desempenho e medir resultados; dar feedback. A Avaliação 360º, muito propagada, é realizada por todas as pessoas que trabalham ao redor do colaborador avaliado: seus supervisores, funcionários, colegas, clientes internos ou externos (DESSLER, 2003). De acordo com Marras (2011), o método tem aceitação nas organizações do país principalmente pelo fato ser nativo de ambientes participativos e democráticos. De modo comum, é abrangente porque foca a avaliação de praticamente todos stakeholders do negócio. É chamado também como avaliação total, dada a dimensão do alcance do feedback. O mesmo autor oferece a Escala Gráfica como um método baseado em uma tabela de dupla entrada: nas linhas estão os fatores de avaliação e nas colunas estão os graus de avaliação do desempenho. Dessler (2003) sustenta que o método das escalas gráficas relaciona uma série de fatores e suas respectivas escalas de desempenho. Os fatores de avaliação são os critérios básicos para avaliar o desempenho dos funcionário. O supervisor avalia cada funcionário assinalando a classificação que melhor descreve o desempenho deste em cada aspecto e no final da avaliação a pontuação é então totalizada. Carvalho et al. (2004) aponta as seguintes vantagens das escalas gráficas: facilidade de elaboração; visão geral dos vários fatores de avaliação e execução mais rápida quando comparada aos outros métodos. É um método simplificado e fácil de ser construído, dado que divide em graus a representatividade do desempenho na opinião

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do entrevistado. Cada grau permite mensurar uma pontuação e a partir disso, conforme os parâmetros estabelecidos, avaliar o desempenho (MARRAS, 2011). O método denominado Escolha Forçada ou Forced Choice, é um método tradicional, rapidamente adotado pelas industrias brasileiras (MARRAS, 2011). Consiste em avaliar o desempenho do colaborador, por meio de frases descritivas de determinado tipo de desempenho do empregado, em relação aos deveres empenhados pelo seu cargo (LUCENA, 1995). De ascedência militar, usada nas forças armadas americanas, o método visa neutralizar a subjetividade e outras interferências no processo de AD (MARRAS, 2011). Segundo Carvalho et al. (2004), o método consiste na descrição de fatores que compõem determinado cargo. Esses fatores são classificados de forma crescente, ou seja, graduações negativas até graduações positivas. Outro método tradicional de avalição de desempenho é o método dos Incidentes Críticos. Trata-se de um sistema onde o avaliador determina forças e fraquezas de quem é avaliado. Focaliza não no personalismo, mas sim nos comportamentos extremos, uma positiva e outra negativa, auto-excludentes (MARRAS, 2011). Assim, toda vez que o funcionário realiza um trabalho tido como realmente excepcional, ou de forma acentuadamente negativa, tal comportamento é registrado em ficha específica de AD do empregado (CARVALHO et al., 2014). Também permite que o supervisor pense sobre a avaliação do funcionário durante o ano todo, já que os incidentes devem ser registrados e assim não refletir somente o desempenho mais recente do funcionário (DESSLER, 2003). Para a finalidade de um estudo do potencial humano da empresa, o método de Pesquisa de Campo pode ser um dos mais eficazes (LUCENA, 1995). Ao contrário dos métodos mais subjetivos, como a escolha forçada, este visa avaliar o desempenho dos empregados de forma mais objetiva. É um sistema de avaliação fundamentado em entrevistas padronizadas mantidas com a gerência imediata do avaliado (CARVALHO et al., 2004). Um método menos recorrente mas também destacado é a Lista de Verificação (CHIAVENATO, 2014), baseada em uma relação de fatores de avaliação a respeito de cada funcionário. Funciona como uma espécie de lembrete para o gerente avaliar as principais características de cada colaborador. Na prática, é uma simplificação do método das escalas gráficas.

 

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PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Os procedimentos metodológicos correspondem aos métodos e técnicas

utilizadas, identificando as mais adequadas, para aplicá-las na pesquisa, com o objetivo de solucionar o problema estudado. O estudo é de natureza aplicada (ZANELLA, 2009), pois a pesquisa aplicada tem como motivação básica a solução de problemas concretos, identificados pela coleta de dados durante a investigação. A pesquisa adota resultados qualitativos, pois se utiliza de entrevistas, que posteriormente foram transcritas e interpretadas. Segundo Zanella (2009), as pesquisas qualitativas caracterizam-se pela não utilização de instrumental estatístico na análise de dados, tendo como o ambiente natural como fonte direta da coleta dos dados. Deu-se se a qualificação das entrevistas e a descrição das percepções contidas nos relatos por meio da técnica qualitativa de análise de conteúdo (BARDIN apud CAVALCANTE, CALIXTO, PINHEIRO, 2014). A etapa inicial do estudo fundamentou-se sob revisões bibliográficas nos temas de Gestão de Pessoas e Avaliação de Desempenho. Realizou-se em sequência construção, validação e aplicação dos roteiros semiestruturados com os entrevistados. A entrevista semiestruturada, segundo Zanella (2009), não necessariamente tem a necessidade de seguir um roteiro, se oportuno, há a possibilidade de incluírem-se novos questionamentos durante o encontro. É utilizada para permitir o alcance das respostas que atendessem satisfatoriamente as perguntas realizadas. A investigação caracteriza-se como descritiva, pois tem como objetivo primordial a descrição do mapeamento do processo relativo a avaliação de desempenho na organização. Para Prodanov e Freitas (2013), a pesquisa descritiva tem como principal objetivo identificar os fatores de uma determinada população ou fenômeno, demandando técnicas padronizadas de coleta de dados. O estudo de caso apresenta recorte temporal como sendo de corte transversal (CRESWELL, 2007) já que os dados foram coletados em um ponto específico no tempo, durante o mês de fevereiro de 2016. A população entrevistada corresponde a nove funcionários de um total de dezenove, entre as duas filiais investigadas. Os entrevistados foram escolhidos de forma que fossem contemplados todos os níveis hierárquicos da organização. Partindo disso, ocupam as seguintes funções conforme a seguir:

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Quadro 2 - Quadro de entrevistados. Entrevistado Cargo A Diretor B Gestor Alfa Paiaguás C Gestor Alfa Distrito Industrial D Responsável Técnico Alfa Paiaguás E Responsável Técnico Alfa Distrito Industrial F Inspetor Técnico Alfa Paiaguás G Inspetor Técnico Alfa Distrito Industrial H Inspetor Técnico Alfa Distrito Industrial I Recepcionista Alfa Paiaguás Fonte: elaborado pelos autores.

O instrumento de coleta de dados é um roteiro composto de treze questões abertas, que abordam conceitos ligados a Avaliação de Desempenho. Em média, o tempo de aplicação variou entre dez e vinte e cinco minutos. As entrevistas foram gravadas e posteriormente, realizada a transcrição de modo que permitisse o agrupamento dos principais resultados e consequente interpretação.

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ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 3.1 O GRUPO ALFA INSPEÇÃO VEICULAR A empresa estudada será tratada no decorrer da discussão como “Alfa”, a fim de

preservar parcialmente os nomes dos indivíduos envolvidos. O Grupo do qual faz parte a empresa é composto por quinze Organismos de Inspeção acreditados pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia – INMETRO. Estão localizados nos estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Distrito Federal, Rio de Janeiro, Maranhão e Piauí. Hoje é intitulado pela Associação Nacional dos Organismos de Inspeção – ANGIS como o maior grupo de organismos do Brasil. Embora o renome e o número de filiais, ainda apresenta traços de uma gestão familiar. Isso afeta a definição de processos gerenciais e responsabilidade, dentre eles a AD. Os Organismos de Inspeção, acreditadas pelo INMETRO, são entidades com fins lucrativos aptas a realizarem o serviço de Inspeções Veiculares para a emissão do Certificado de Segurança Veicular - CSV. Atualmente, a matriz, na cidade de Cuiabá, concentra o departamento financeiro e os demais administrativos e de pessoal do Grupo. Assim, as empresas filiais ocupam-se apenas com departamento de operações e execução dos serviços. As filiais de Cuiabá, investigadas neste estudo, apresentam um organograma da seguinte forma:  

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Figura 1 - Organograma das empresas localizadas da cidade de Cuiabá.

Fonte: elaborado pelos autores.

O Grupo Alfa é reconhecidamente um dos maiores grupos de organismos de inspeção veicular do país. Segundo o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia - Inmetro, existem no país atualmente trezentos e oito organismos credenciados para realização de serviços ligados a segurança veicular. Nesse universo, dezesseis organismos pertecem ao Grupo Alfa, o que denota a relevância da empresa no segmento. De modo geral, a maciça parte dos demais grupos possui de dois a três organismos credenciados (INMETRO, 2016). O Diretor do Grupo, segundo o Procedimento Administrativo 13 (BUENO, 2014), deve desenvolver competências e habilidades como: capacidade de tomar decisões que afetam toda estrutura do organismo; capacidade de identificar problemas setoriais e propor soluções inovadoras para os mesmos; capacidade de desenvolver diálogo entre os setores; aprovar documentos do sistema geral da qualidade; nomear pessoas e determinar funções; entre outros. Ainda segundo o mesmo documento, o Gestor da empresa tem por responsabilidade e dever: responder perante o INMETRO pela prática dos procedimentos do Organismo de Inspeção; criar condições para a geração, aprovação, revisão, e utilização de registros de todos os serviços executados pelo Organismo de Inspeção; elaborar orçamento para a Inspeção Veicular; responder questionário de reclamações e sugestões dos clientes; mapear e executar ações previstas no mapa da qualidade; ter conhecimento dos escopos do Organismo onde trabalha. O Responsável Técnico do Organismo tem como deveres ser responsável pela supervisão das operações, de modo de garantir que todos os procedimentos são cumpridos de acordo com as normas estabelecidas pela empresa; receber a ordem de serviço e distribuir a tarefa para sua equipe, delegando as atividades adequadas a cada V.9, nº2. p.09-32, ago./dez. 2016.

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profissional,

fornecendo

quaisquer

orientações

caso

necessário;

fiscalizar

o

cumprimento das ordens, indicando melhorias ou correções, caso necessário; realização de relatórios operacionais (BUENO, 2015). O Inspetor Técnico tem por tarefas assinar os certificados e relatórios referentes a inspeção técnica veicular; executar a inspeção técnica veicular conforme descrito nos procedimentos técnicos do Organismo; zelar pela segurança e sigilo dos serviços; executar as instruções técnicas de trabalho; responder pela armazenagem, manuseio e preservação dos veículos inspecionados. O mesmo procedimento (BUENO, 2015) afirma que os Auxiliares de Inspeção têm por responsabilidade: auxiliar nas inspeções conforme descrito no procedimento técnico do Organismo; auxiliar nos serviços de manutenção preventiva dos equipamentos; auxiliar no programa de manutenção corretivo dos equipamentos sempre que necessário. A Recepcionista é incumbida por: recepcionar e orientar os clientes; realizar o preenchimento e emissão dos certificados de inspeção; solicitar ao cliente a documentação necessária para cada tipo de serviço; identificar o tipo de serviço que está sendo requerido e informar ao setor técnico; receber a taxa correspondente ao serviço; organizar os processos em andamento; avisar ao cliente quando o serviço estiver concluído; ter conhecimento dos Regulamentos Técnicos da Qualidade referente ao escopo do Organismo de Inspeção onde trabalha; autoridade de rejeitar a inspeção caso a taxa de inspeção não seja paga ou o contrato (ordem de serviço) não seja assinado (BUENO, 2015). 3.2 PRINCIPAIS RESULTADOS Visando auxiliar a administração de recursos humanos do grupo, a pesquisa buscou informações sobre a satisfação do ambiente de trabalho dos colaboradores. Foram encontradas algumas inconsistências, como podem ser observadas nas transcrições a seguir: Atualmente minha satisfação é regular. O ambiente de trabalho é feito por um conjunto de fatores, por um lado eu também estou falhando em alguns aspectos e outros faltam uma estrutura para que eu possa desempenhar um melhor trabalho.” (Responsável Técnico D – Alfa Paiaguás). O ambiente de trabalho é muito bom. Estou satisfeito porque tenho o respaldo dos meus supervisores e isso dá uma tranquilidade para a gente poder estar trabalhando” (Responsável Técnico E – Alfa Distrito Industrial).

 

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Com base na análise das entrevistas, verificou-se divergência entre as filiais. Na primeira, o responsável técnico alega que falta estrutura para que ele possa desempenhar um melhor trabalho. Já na segunda, o funcionário afirma que tem um respaldo dos supervisores. Isso demonstra que apesar de possuírem o mesmo cargo, em filiais diferentes de um mesmo grupo, cada um possui uma forma de gestão e um ponto de vista diferente. A transcrição a seguir também infere o fato do ambiente de trabalho da Alfa Paiaguás não ser satisfatório “aos olhos” de alguns colaboradores: Estou satisfeita, mas não muito [ao ambiente de trabalho]. Como é o meu primeiro emprego, estou ainda aprendendo como lidar com gente. É muito difícil lidar diretamente com pessoas. Você depende do humor delas, de como elas estão. Já com as pessoas aqui da empresa, também estou aprendendo a lidar. As pessoas aqui são muito explosivas. Quando estressam, estressam demais, com todo mundo. (Recepcionista I – Alfa Paiaguás).

As evidências indicam que há críticas entre os funcionários quanto aos feedbacks dentro da organização. Ocorrem críticas também quanto a falta de comunicação interna. Os resultados da investigação apontam, conforme transcrição, que existem debilidades em alguns setores, uma vez relatada a falta de reuniões e de falta de preocupação em dar retorno aos colaboradores, conforme a seguir: Na minha opinião eu não vejo um feedback dentro da empresa, pra mim. Pessoalmente eu não tenho um feedback com a frequência necessária (Responsável Técnico D). Acho que as pessoas deveriam ser mais comunicativas aqui. As vezes lá na recepção não sou informada das coisas que acontecem, de alguma nova norma, por exemplo (Colaborador I).

Apesar do feedback não acontecer de forma eficaz para alguns funcionários, outra parte afirma que não verifica no dia-a-dia este tipo de problema. Pelo fato da empresa ser uma organização de pequeno porte, com um organograma enxuto, a comunicação entre supervisores e subordinados é aberta, assim como a relação entre eles: Minha relação com meu supervisor eu considero ela como um relacionamento fácil, prático. Por que? Porque nós estamos juntos desde a abertura da empresa, não temos dificuldade para relacionamento, tudo aquilo que a gente absorve a gente discute e resolve. Com relação aos subordinados da empresa, todos eles tem um bom relacionamento, sempre temos um objetivo de atender bem o cliente, atender as normas do inmetro e fazer a empresa crescer (Gestor B). Com meu supervisor, minha relação é muito boa, ele é super tranquilo e com os subordinados também. O que era mais complicado (funcionário) já foi desligado da empresa (Responsável Técnico E).

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Revista FOCO. ISSN: 1981-223X Hoje aqui na empresa está bom de RT (Responsável Técnico), eu gosto do trabalho dele. Ele é mais participativo (em relação ao anterior), tanto na área técnica, quanto na administrativa pelo o que observo. Não tenho o que reclamar do RT. Hoje, o RT está melhor que do ano passado (Inspetor Técnico G).

Contudo, de acordo com as respostas há mais expressiva dificuldade de comunicação e feedback dos níveis mais operacionais com seus supervisores na unidade Alfa Paiaguás. Ao passo que nos níveis mais estratégicos não foi detectado este fato. Infere-se que apesar do Gestor B afirmar que sua comunicação com seus subordinados é satisfatória e possuírem o mesmo objetivo, o subordinado afirmou algo contraditório, dizendo que não possui feedback na frequência que ele julga necessária. Neste caso, a implementação de reuniões periódicas, com o objetivo de trocar informações entre os setores se torna uma importante ferramenta para solucionar o problema da falta de feedback e consequentemente contribuir para a AD. É fundamental para a empresa, que o gestor trabalhe “alinhado” ao Responsável Técnico, para que assim, ambos transpareçam os objetivos organizacionais para os demais colaboradores. Atualmente a avaliação de desempenho é realizada na empresa sem periodicidade pré-definida e de maneira informal. Além disso, realiza-se um modelo simples de avaliação de desempenho na ocasião de efetivação dos novos funcionários apenas para o setor técnico. Antes de serem efetivados com grau de “Inspetor”, passam por um período de experiência. Neste período, ocupam um cargo denominado “Auxiliar Técnico” e ao fim do contrato de experiência, é aplicada uma prova com o objetivo de avaliar o provável funcionário. Caso apresentem uma nota satisfatória, são então efetivados como Técnicos de Inspeção. Esta prova aborda apenas conhecimentos técnicos sobre mecânica e procedimentos da inspeção veicular em si. Desde a base até o topo da pirâmide hierárquica da organização, todos os entrevistados apresentaram a mesma opinião quanto à importância de se avaliar o desempenho dos colaboradores. “De extrema importância [realizar a avaliação de desempenho], mesmo que na nossa organização não seja feita de maneira formal e eficaz.”, afirma o Diretor. Este fato é também relatado pelos seguintes trechos das entrevistas abaixo: É necessário realizar a avaliação de desempenho para você avaliar o que é necessário mudar e também qual é o potencial do colaborador. Porque as vezes se você não realiza uma avaliação de desempenho de forma regular, de forma mais especifica em alguns casos, você pode acabar tanto deixando com que uma falha se prolongue mais tempo que o necessário e também pode deixar as vezes de desenvolver o potencial do colaborador (Colaborador D).

 

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É de suma importância avaliar o desempenho, uma vez que essa avaliação ela possa vir de encontro a melhorias dentro da empresa e uma melhor qualificação do profissional na prestação do serviço (Colaborador C). É importante para ver qual funcionário não está contente com o que está fazendo e procurar melhorar o desempenho dele na empresa em termos de grupo (Colaborador G). A importância é grande porque de acordo com a avaliação de desempenho, a empresa pode saber se o profissional está apto ou não de permanecer na empresa, ou qualquer outra coisa (Colaborador H).

Nas entrevistas, afirmaram ainda o fato de recentemente o INMETRO exigir que todo organismo de inspeção do grupo desenvolvesse uma forma de mensurar e avaliar o desenvolvimento e conhecimento de seus colaboradores. Tal afirmação fica comprovada pela fala do Gestor da Alfa Paiaguás: A Avaliação de Desempenho é necessária. É um item importante e também consta nas normas de acreditação do INMETRO e na NBR 17020, que é a norma de sistema de gestão de organismo de inspeção acreditados. Considero ela importantíssima, pois através da avaliação de desempenho a gente detecta as necessidades de treinamento ou não de cada funcionário ou do próprio setor. Tendo esses dados em mãos, a gente lança o treinamento no cronograma anual e a gente realiza objetivamente o foco, onde a gente precisa, onde que é necessário aplicar um treinamento específico ou não (Colaborador B).

Entretanto evidenciou-se “miopia” entre os colaboradores quando se trata da AD. Por ser uma empresa de um segmento extremamente técnico, alguns colaboradores entendem esta avaliação como sendo puramente técnica e relativa ao seu conhecimento e ao seu desempenho operacional. Tal fato fica é exemplificada na seguinte transcrição: Acho que é importante fazer essa avaliação para ficarmos mais “especialistas”, aprendermos mais sobre o nosso trabalho (Colaborador F).

Quando questionados sobre quem deveria ser o responsável pela AD, oito colaboradores de nove entrevistados, afirmaram que essa obrigação seria do superior imediato. Apenas um único colaborador afirmou que a avaliação deveria ser realizada por todos que trabalhassem em sua volta. Esta avaliação pode ser caracterizada como uma Avaliação 360º que de acordo com Dessler (2003), as informações são coletadas de todas as pessoas ao redor do colaborador avaliado: supervisores, subordinados, colegas, clientes, internos ou externos. Em geral essa avaliação é utilizada para desenvolvimento e não apenas para bonificação. Acho que todos nós devemos ser responsáveis, porque se um não cobrar o outro a empresa não vai funcionar do jeito que ela tem que funcionar (Colaborador G).

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Essa observação demonstra que os colaboradores da empresa possuem uma cultura voltada mais para satisfação do seu supervisor do que a atender as necessidades da própria organização. É uma espécie de “peleguismo laboral”. Ao decorrer das entrevistas, infere-se outra inconsistência. Houve dificuldade entre os funcionários ao afirmar a existência de um modelo formal ou informal de avaliação de desempenho presente na organização. Alguns colaboradores demonstraram dificuldade até em afirmar se a empresa realiza qualquer tipo de avaliação, de acordo com as transcrições a seguir: Existe um modelo formal para atendimento as normas do INMETRO. A gente tem um formulário de avaliação individual, onde detectada alguma necessidade a gente lança um outro formulário que são as necessidades de treinamentos ou outros itens especificados e após isso é gerado um relatório desta avaliação e anexado também a análise crítica do sistema de gestão da qualidade que é feito anualmente (Colaborador B).

Dentro da nossa empresa existe um sistema informal, no qual a gente já vem implantando e nos últimos meses ele vem funcionando. [...] Porém, para mim não acontece essa avaliação, nunca passei por nenhuma avaliação de desempenho (Colaborador C). Pode se dizer que existe uma avaliação informal através de uma prova que avalia o conhecimento, mas não é 100% eficiente. Porque só avalia a parte do conhecimento técnico (Colaborador H). Que eu conheça, a princípio não exista nenhum modelo de avaliação de desempenho. Mas se tivesse uma vez por mês, ou de seis em seis meses, um programa de qualidade, para saber o que o funcionário acha da empresa, o que deve melhorar na empresa, seria bom (Colaborador G).

As falas dos colaboradores entrevistados apontam que para dois colaboradores não há uma clara definição do que é uma avaliação de desempenho. Isso ocorre pelo fato da organização não proporcionar-lhes um trabalho prévio a fim de explicar o que é esta avaliação, por que deve ser realizada e quais são seus objetivos. Na concepção de seis entrevistados, o atual processo de AD não supre as necessidades da empresa e nem dos funcionários. A veracidade desta afirmação pode ser comprovada com os seguintes trechos das entrevistas: Acho que o modelo atual deve revisado para ser adequado a realidade da empresa. Porque dificilmente a gente acaba tendo um feedback adequado em relação a este modelo que tem sido aplicado atualmente (Colaborador D). Não, a avaliação de hoje em dia não supre as necessidades de ninguém. A avaliação deveria ter um feedback. A empresa deveria fazer uma avaliação e deixar um trecho para o colaborador dar um feedback, opiniões ou sugestões (Colaborador H).

 

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Não, ela não supre nossa necessidade porque hoje não existe critérios de avaliação. É tudo feito no “olhômetro”. Por exemplo: “eu acho que ele merece subir de cargo”, “eu acho que ele merece ser mandado embora”. E quanto as necessidades dos colaboradores é a mesma coisa (Diretor).

Apesar dos relatos terem um teor negativo em relação ao processo de AD, um único funcionário defendeu o atual processo, alegando que o mesmo atende as necessidades da empresa e dos colaboradores. Supre a necessidade da empresa porque a nossa avaliação de desempenho é baseada na ISO 9001, e na NBR 17020. Tendo esse modelo aprovado pelo inmetro e pelo denatran. Em todos os anos que realizamos as avaliações de desempenho, os funcionários me relatam que esta é muito bem feita. Por que? Porque envolve provas teóricas, práticas, onde o funcionário é ouvido, é conversado caso seja detectada alguma deficiência por parte do avaliador, onde o funcionário coloca sua opinião e depois disso é levada à diretoria da empresa, onde irá tomar a decisão de realizar ou não algo especifico, algum treinamento (Colaborador B).

Fica evidente pela transcrição das falas que apesar da fala deste colaborador, a prática realizada no dia-a-dia da organização é diferente. A avaliação não é realizada como ele acredita, visto que todos os setores da empresa alegam não atender as suas demandas específicas. Portanto, a organização não possui um processo de AD que permita um retorno visível para a organização ou permita o desenvolvimento dos colaboradores. Retomando os objetivos da AD, verifica-se que o processo presente na empresa não permite definir o grau de contribuição de cada colaborador, não promove o autodesenvolvimento dos empregados, não oferece oportunidade para o potencial de cada colaborador se manifestar, não atesta se o funcionário está no cargo em que ele mais renderá para a organização, além de não oferecer oportunidade para o empregado conhecer seus pontos fortes e fracos (LUCENA, 1995). Sabendo que a AD permite detectar debilidades entre os avaliados, o estudo identificou que os colaboradores, por unanimidade, acreditam que deve ser responsabilidade da empresa, na figura do seu superior direto, dar as ferramentas necessárias para o funcionário se desenvolver e superar suas deficiências na organização. A fala do Diretor da empresa a seguir sintetiza de modo geral a opinião dos colaboradores: O supervisor direto deve disponibilizar ferramentas. Assim que ele avaliar e ver as debilidades, então ele fornecerá as ferramentas necessárias para o colaborador melhorar o seu desempenho (Diretor).

As informações coletadas no estudo apontam que a empresa fornece essas ferramentas por meio de treinamentos. Os treinamentos fornecidos pela empresa, V.9, nº2. p.09-32, ago./dez. 2016.

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segundo os entrevistados, são em sua maioria treinamentos de normas e procedimentos técnicos. Por meio desta ferramenta a organização busca o desenvolvimento técnico de seus colaboradores, negligenciando outros pontos fundamentais. Assim como grande parte das organizações, existem pontos a serem melhorados na administração de recursos humanos. Sabendo disso, a pesquisa questionou os entrevistados no que deve ser melhorado em termos de AD: Acho que a metodologia dessa aplicação deveria ser melhorada. Formalizando, deixando claro como deve ser feito, qual a média e o que vai ser avaliado nessa avaliação.” (Colaborador C). A empresa deve melhorar a avaliação diária, estar mais perto do colaborador para avalia-lo (Colaborador G). Elaborar uma avaliação de desempenho formal, para avaliar primeiramente os déficits e procurar o que pode ser feito em relação a isso (Colaborador H). Deve ser estabelecidos critérios de avaliação mais eficazes para cada cargo avaliado (Diretor).

Infere-se que os colaboradores carecem de um modelo formalizado de AD. Sentem uma “distância” da empresa em relação a eles e mostra que a falta da formalização da avaliação, de periodicidade e de um feedback constante desmotiva-os quanto a se engajar e se empenhar no alcance dos objetivos organizacionais. Existe unanimidade entre os funcionários sobre a avaliação representar influência direta no desenvolvimento individual dos funcionários. Tal constatação pode ser observada nas citações a seguir: Acredito que a avaliação de desempenho representa uma influência direta no desenvolvimento individual do funcionário, pois permite-nos mensurar a real colocação do funcionário na atual realidade da empresa. Nos permite ver em que pé ele está para com a organização. Se ele for avaliado ele irá se preocupar em se desenvolver cada vez mais (Diretor). No caso você avaliando os funcionários, você consegue avaliar no que eles precisam melhorar, se essa avaliação for eficaz. Então você consegue trabalhar oferecendo treinamento e melhorando o desenvolvimento dele (Colaborador E). Se todo mês fosse feito um gráfico de desempenho do funcionário, para saber o quanto ele está contribuindo, acho que isso mudaria bastante, não para julgar quem está trabalhando menos ou mais, mas sim para mostrar pro cara onde e quando ele tem que melhorar (Colaborador G). A avaliação de desempenho detecta as necessidades. Havendo necessidades, a empresa irá trabalhar e corrigir essas falhas ou pontos de melhoria daquele funcionário, fazendo com que ele melhore sua performance e consiga trabalhar de forma objetiva de produção da empresa (Colaborador B).

 

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Os resultados revelam que os colaboradores almejam melhoria do atual processo de AD e que o modelo vigente utilizado está ineficiente. A investigação evidenciou que os treinamentos desenvolvidos pela organização são estritamente técnicos. É interessante que a empresa trabalhe também treinamentos voltados para o desenvolvimento pessoal de cada colaborador, levantando suas necessidades e auxiliando-os, mapeando e fornecendo as ferramentas e condições esperadas e necessárias para se desenvolverem. Como transcrito, a AD empregada na empresa não possui uma influência direta na trajetória profissional dos colaboradores, uma vez que ela não possui eficiência em sua plenitude. É necessário, de acordo com os colaboradores, que depois de instalado um processo formal, a organização trabalhe com maior seriedade nesse ponto, punindo e gratificando de acordo com critérios públicos e especificados. Sugere-se à empresa que seja implantada um método formal de AD. A pesquisa evidenciou que a maioria dos colaboradores preocupa-se diretamente apenas com o seu supervisor imediato para a avaliação de si, o que demonstra baixa expectativa com o ambiente de trabalho e baixa preocupação com os demais colaboradores da empresa. Sabendo que a Avaliação 360º é uma avaliação em que o colaborador é avaliado por todos que trabalham ao seu redor, é interessante no caso a implantação desta metodologia, uma vez que assim possibilitaria resultados mais confiáveis, diminuindo as influências pessoais na avaliação e visão da performance do funcionário sob diferentes ângulos. Propõe-se ainda que a avaliação que corresponde apenas aos conhecimentos técnicos seja mantida, uma vez que ela é complementar a Avaliação 360º.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Acredita-se que este estudo alcançou o objetivo pretendido, pois descreveu o atual processo de avaliação de desempenho da empresa investigada, constatando-se que o mesmo ocorre de modo informal, sendo ainda ineficiente. Isso afeta o desenvolvimento dos colaboradores da empresa. Resgatando a questão norteadora do estudo: o processo de avaliação de desempenho do grupo Grupo Alfa é efetivo segundo seus colaboradores? De acordo com o estudo, este processo ocorre de maneira informal e incompleto. Ainda assim, quando realizada, a avaliação é feita para medir o nível de conhecimento técnico do colaborador, deixando de lado outros fatores importantes para o desenvolvimento.

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Constatou-se que o processo de avaliação de desempenho na empresa funciona de forma diferente entre os setores. Para os colaboradores da área técnica é feita apenas aplicando uma prova de conhecimentos técnicos, o que a torna incompleta, uma vez que não aborda nenhum outro ponto como o grau de contribuição de cada funcionário, grau de autodesenvolvimento dos colaboradores, descoberta de pontos fortes e fracos dos mesmos, dentre outros itens que analisam o desempenho do colaborador. Nas avaliações dos outros setores, é feita com base nas considerações de seu supervisor imediato. Detectou-se também que apesar da empresa possuir um organograma enxuto, apresenta falhas nos feedbacks. A falta de comunicação nos setores mais operacionais também foi um problema relatava nas entrevistas. A falta de uma periodicidade em reuniões e retorno tende a prejudicar o desenvolvimento individual de cada colaborador e consequente o processo de AD. É necessário que a organização estipule reuniões periódicas a fim de trabalhar assuntos que sejam importantes para o desempenho individual, do departamento e da empresa. Uma limitação do estudo é o fato dos resultados contemplarem apenas duas unidades do grupo. A partir da análise e da discussão dos dados deduziu-se inúmeras constatações ao longo do estudo, contudo não podem generalizar todo o grupo e as demais unidades. Apenas conjecturar a semelhança. Outra limitação consiste no fato da pesquisa identificar o processo de AD de forma qualitativa e não quantitativa. Não foram levantados dados, que estimem o grau de influência, representação e percepção quantitativa da AD pelos funcionários. Logo, a análise é estritamente qualitativa, que de acordo com alguns autores pode ser uma limitação. Com o desenvolvimento desta pesquisa foi possível compreender que existe uma relação de influência da AD com o seu desenvolvimento dentro da organização. A avaliação de desempenho se torna uma ferramenta eficiente quando bem utilizada. Por isso, sugere-se que esta prática se torne constante a fim de incentivar os funcionários a buscar também um constante desenvolvimento individual. Entretanto, fica claro pelos relatos que a falta de um feedback prejudica a AD e por isso é necessário que seja repensada. O pensamento “de aquilo que não se mede não se conhece, não se controle e não melhora” nunca foi tão importante ao se investigar sobre o tema na atualidade.

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REIFSCHNEIDER, M. B. Considerações sobre avaliação de desempenho. Ensaio: avaliação e políticas públicas em educação. Rio de Janeiro, v. 16, n. 58, p. 47-58, jan./mar. 2008. ROBBINS, Stephen P. Comportamento Organizacional. Tradução Reynaldo Marcondes – 11 ed. – São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2005. SILVA, G. G.; MENESES, P. P. M. Necessidades de treinamento organizacional e motivação para trabalhar. Revista Eletrônica de Administração, Porto Alegre, v. 18, n. 1, p. 27-62, janeiro/abril. 2012. SNELL, Scott; BOHLANDER, George W. Administração de recursos humanos. São Paulo: Cengage Learning, 2010. VERGARA, Sylvia Constant. Gestão de Pessoas. 10. Ed. – São Paulo: Atlas, 2011. ZANELLA, Liane Carly Hermes. Metodologia de estudo e de pesquisa em administração. Departamento de Ciências da Administração / UFSC; [Brasilia]: CAPES: UAB, 2009.  

 

 

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APÊNDICES 1) Roteiro semi-estrutrurado utilizado nas entrevistas. Anotar na ficha da entrevista Nome:_____________________________ Idade: _____________________________ Sexo: ______________________________ Cargo: _____________________________ Tempo que está nessa função: ___________ Número de subordinados que comanda diretamente: __________ Ligar gravador. 1. Como você define sua experiência profissional como parte dessa organização? 2. Qual sua opinião sobre sua satisfação com o seu ambiente de trabalho? 3. Como o senhor define seu relacionamento com o seu supervisor e com o(s) seu (s) subordinado(s)? 4. E em relação ao feedback entre os colaboradores da organização, como o senhor verifica/acontece isso? 5. Qual a importância de se avaliar o desempenho dos colaboradores, seja subordinado ou supervisor? 6. De quem deve ser a responsabilidade pela avaliação de desempenho? 7. Atualmente, existe um modelo de avaliação de desempenho na empresa? 8. Qual a implicação direta da avaliação de desempenho na sua trajetória profissional na empresa? 9. Na sua opinião, o modelo atual de avaliação supre as necessidades da empresa e as necessidades dos colaboradores? 10. A avaliação de desempenho permite detectar debilidades entre os avaliados. Nesse caso, de quem deve ser a responsabilidade pelo desenvolvimento do colaborador? 11. Como a empresa trabalha com o desenvolvimento do colaborador? 12. Na sua opinião, o que deve ser melhorado/ampliado em termos de avaliação de desempenho? 13. De que forma a avaliação de desempenho representa uma influência direta no desenvolvimento individual dos funcionários?  

Obrigado pela sua participação. Desligar gravador.

V.9, nº2. p.09-32, ago./dez. 2016.

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MONITORAMENTO DE MÍDIAS SOCIAIS NO PROCESSO DE ANÁLISE DA PERCEPÇÃO DOS USUÁRIOS SOBRE A SEGURANÇA DE PORTO ALEGRE Cristian Luis Schaeffer1 Resumo A proposta desde trabalho é apresentar os resultados de uma pesquisa sobre monitoramento de mídias sociais. O objetivo da mesma foi analisar qual a percepção sobre a segurança em Porto Alegre a partir dos diálogos nas mídias sociais. Partindo de uma revisão bibliográfica sobre mídias sociais, monitoramento e segurança, foram utilizadas como recursos metodológicos a pesquisa descritiva e a análise de conteúdo, aplicada nas publicações sobre segurança em Porto Alegre. Como resultado, foi possível traçar um panorama geral sobre a segurança da cidade, percebida de maneira pessimista pelos usuários do Twitter e do Facebook em mais da metade das postagens monitoradas. Além de avaliar como está a reputação virtual de um assunto relevante para a sociedade, queremos mostrar quais informações estratégicas podem ser obtidas através de um sistema de monitoramento de mídias sociais diante de um tema com grande volume de dados disponíveis online. Palavras-chave: Mídias sociais. Monitoramento de mídias sociais. Segurança.

Abstract The purpose of this study is to show the results of a research on social media monitoring. The objective of the research was to analyze the perception about the safety in Porto Alegre through the conversation in social media. Based on current literature on social media, social media monitoring and safety we have used as a methodological resource a descriptive research and content analysis applied to publications about Porto Alegre’s safety. As a result, it was possible to outline an overview of the city’s safety, which is perceived pessimistically by Twitter and Facebook users in more than half of the monitored posts. Besides evaluating the virtual reputation of a relevant subject to society, we want to show what kind of strategic information can be obtained through social media monitoring software in a topic with a high amount of available online data. Keywords: Social Media. Social Media Monitoring. Safety.

                                                                                                                        1

Bacharel em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: [email protected]  

V.9, nº2. p. 33-53, ago./dez. 2016.

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Revista FOCO. ISSN: 1981-223X

INTRODUÇÃO A web 2.0 revolucionou as práticas de relacionamento entre as pessoas ao permitir uma maior interação entre as mesmas. Existe um enorme potencial de comunicação representado pelas diversas mídias sociais existentes na Internet. As mídias sociais são tecnologias e práticas online usadas pelas pessoas para disseminar conteúdo a partir de diferentes formatos, como textos, imagens, áudio e vídeos (Fontoura, 2008). Nesses canais, novas oportunidades e ameaças surgem diariamente a partir de todo conteúdo que é postado, já que em poucos minutos uma publicação pode se disseminar e atingir um grande alcance. A popularização das mídias sociais potencializou o desenvolvimento de ferramentas tecnológicas voltadas ao monitoramento estratégico das mesmas: existem diversos sistemas de inteligência que permitem descobrir e acompanhar as principais histórias e influenciadores que impactam determinados temas nas mídias sociais. Para Silva (2012), o monitoramento de mídias sociais consiste na coleta, armazenamento, classificação, categorização, adição de informações e análise de menções online públicas. Dessa forma, a repercussão de diversos assuntos, como a segurança pública de uma cidade, pode ser acompanhada nas mídias sociais a partir das ferramentas de monitoramento. Em 2014, o Brasil foi considerado o 11º país mais inseguro do mundo no Índice de Progresso Social (IPS), o qual considerou os níveis de segurança em 132 países. No mesmo ano, segundo pesquisa divulgada pelo Instituto DataFolha, a segurança configurava como a segunda maior preocupação dos brasileiros (25%), estando atrás apenas da saúde pública (32%). No Rio Grande do Sul (RS), 2015 foi um ano caótico para a segurança observada no Estado: em uma pesquisa sobre a crise na segurança do RS, realizada com mais de 2 mil pessoas, foi pontuado por 74% dos entrevistados que a violência piorou em 2015 em relação aos anos anteriores. Esse clima de insegurança que tomou conta do RS faz parte, principalmente, da realidade das grandes cidades. Informações relativas ao primeiro semestre de 2015 trazem que, de cada 1.000 moradores de Porto Alegre, 9 foram assaltados; esse número é maior do que em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, em que a taxa é de 6 assaltos a cada 1.000 habitantes. Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do RS (SSP/RS), foram registrados em Porto Alegre em 2015 32.195 furtos (20,37% do total apresentado pelo Estado), 4.206 furtos de veículos (20,61%), 30.960 roubos (39,13%) e 9.480 roubos de veículos (52,25%). Diante desse cenário de insegurança observado em Porto Alegre nos últimos  

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meses, muitas pessoas utilizam as mídias sociais para descrever o medo sentido nas ruas e para relatar casos de assaltos. Partindo do que foi exposto, essa pesquisa busca analisar qual a percepção sobre a segurança em Porto Alegre a partir dos diálogos nas mídias sociais.

1. REFERENCIAL TEÓRICO Nesta seção, faz-se uma revisão da literatura existente e dos principais conceitos acerca dos tópicos centrais abordados nesta pesquisa: mídias sociais, monitoramento e segurança. 1.1 MÍDIAS SOCIAIS Segundo Recuero (2009), o advento da Internet proporcionou às pessoas a possibilidade de difundir as informações de forma rápida e interativa, o que culminou na criação de novos canais, novas ferramentas de publicação pessoal e na circulação de uma pluralidade de informações nos grupos sociais. Telles (2010) traz que as mídias sociais são sites da Internet voltados à criação colaborativa de conteúdo, à interação social e ao compartilhamento de informações em diversos formatos. Conforme Kaplan e Haenlein (apud Primo, 2012), as mídias sociais são um grupo de aplicativos baseados na Internet construídos a partir das fundações tecnológicas e ideológicas da Web 2.0 e que permitem a criação e o intercâmbio do conteúdo gerado pelo usuário. Barefoot e Szabo (2010) dizem que blogs, redes sociais e microblogs são tecnologias que incentivam a comunicação, o compartilhamento e a colaboração, sendo ferramentas de mídia social que se encaixam dentro do conceito de Web 2.0. Ainda de acordo com os autores, para entender o conceito de mídia social e gerar ideias sobre como usar a web de maneira eficaz, é necessário conhecer quais são as diferentes ferramentas de mídias sociais e quando usá-las. Para Ramalho (2010), as mídias sociais estão distribuídas em diversas categorias de utilização, mas a classificação ou nomenclatura de muitas delas ainda é tema de discussão. Por isso, buscando facilitar o entendimento das principais categorias inseridas dentro do conceito de mídia social, o quadro 1 traz algumas de suas aplicações e exemplos. V.9, nº2. p. 33-53, ago./dez. 2016.

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Quadro 1 - Principais categorias de mídias sociais. Categorias

Aplicação

Sites de Redes Sociais

Ambientes que buscam reunir pessoas (membros), as quais podem expor seu perfil com fotos e informações pessoais, textos, vídeos e mensagens, além de permitir a interação com os usuários. Cada rede social possui suas próprias regras, que moldam o comportamento dos membros e definem a forma de interação mais eficiente.

Blogs

Microblogs Sites de compartilhamento de conteúdo

Wikis

Canais utilizados principalmente para hospedar opiniões pessoais, artigos e entrevistas, permitindo interação entre os usuários a partir de comentários gerados no conteúdo que foi publicado. Forma de comunicação mais rápida em relação aos Blogs; as postagens são menores (140 caracteres), o que diminui o tempo gasto na geração de conteúdo. Utilizado para o compartilhamento de conteúdo de mídia entre os usuários, como vídeos e fotos.

São enciclopédias coletivas, ou seja, criadas e geradas a partir das contribuições individuais dos usuários. Ilustram a rapidez com que uma enciclopédia pode ser criada de forma colaborativa.

Exemplos

Orkut, Facebook e Linkedin

Blogspot, Wordpress e Tumblr Twitter Youtube, Flickr e Picasa

Wikipédia

Fonte: Elaborado pelo autor com base em Ramalho (2010), Telles (2010) e Silva e Cerqueira (2011)

Salustiano (2010) diz que redes como blogs, fóruns, Twitter, Facebook, FlickR, Youtube e outros ambientes virtuais e sociais são fonte de informação sobre o que os usuários da web estão interessados e quais são as suas opiniões sobre um determinado assunto. Telles (2010) menciona que, muitas vezes, o conteúdo gerado nas mídias sociais pode atingir proporções não planejadas ou esperadas, viralizando e atingindo de forma muito rápida um número alto de visualizações e reproduções, fator que está diretamente relacionado à influência que determinados usuários possuem nas mídias sociais. Segundo dados da Pesquisa Brasileira de Mídia (PBM) de 2015, sobre os hábitos de consumo de mídia da população brasileira, o Facebook e o Twitter estão entre os principais canais de mídias sociais ou programas de troca de mensagens instantâneas mais utilizados pelos brasileiros. Por isso, tais redes fazem parte dos campos de observação desse estudo, tendo sido escolhidos principalmente devido ao potencial de viralização do conteúdo e por serem muito utilizados pelos usuários para compartilharem acontecimentos, notícias e opiniões sobre o que está acontecendo no Brasil e no mundo.  

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1.2 MONITORAMENTO DE MÍDIAS SOCIAIS Para Carvalho (2012), o monitoramento de mídias sociais não é algo novo ou exclusivo do mundo online, já que monitorar nada mais é do que aplicar metodologias diversas para acompanhar e compreender o que falam de um determinado tema tanto no ambiente offline quanto no virtual. Contudo, com o surgimento da Internet, foi possível ampliar o monitoramento e as formas de pesquisa. De acordo com Silva (2012), o monitoramento é o ato de transformar dados em conhecimento, já que o conteúdo resgatado também pode ser processado e classificado segundo interesses interpretativos. Salustiano (2012), por sua vez, diz que o monitoramento de mídias sociais surgiu com a popularização dos ambientes virtuais para uso comercial, elencando suas principais atribuições: mensurar, qualificar, quantificar, traçar perfis de usuários, identificar possíveis ações dentro dos ambientes virtuais e prever crises e danos às marcas. Como é possível observar, o autor fala principalmente do uso e da importância do monitoramento de mídias sociais para as organizações, aspectos que também são mencionados por Ramalho (2010), Silva (2012) e Moura e Furtado (2012). O consumidor compartilha com os membros das mídias sociais suas boas ou más experiências com determinado produto, serviço ou marca; por isso, o monitoramento de mídias sociais por parte da empresa é importante, pois permite influenciar os consumidores de forma positiva ou agir no caso de comentários negativos, a fim de diminuir o impacto (Ramalho, 2010). Silva (2012) pontua que os objetivos do monitoramento de mídias sociais se relacionam com a identificação e análise de reações, sentimentos e desejos relativos a produtos, entidades e campanhas. O monitoramento de mídias sociais também permite encontrar novas oportunidades de negócio, localizar segmentos de mercado a ser explorados, repensar os produtos e serviços oferecidos a partir dos feedbacks dos clientes, acompanhar tendências e estudar estrategicamente os concorrentes. Moura e Furtado (2012), por sua vez, trazem que o ponto chave do monitoramento é a extração do máximo de aproveitamento dos dados disponíveis para que a organização possa ir muito além do “estar presente nas redes”, obtendo, com isso, inteligência de mercado e conhecimento a partir do histórico de informações gerado pelos usuários nas mídias sociais. Monteiro e Azarite (2012) mencionam a existência de três tipos de monitoramento: o de marca, o de comportamento e o de campanha/evento. V.9, nº2. p. 33-53, ago./dez. 2016.

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Revista FOCO. ISSN: 1981-223X

● Marca: é contínuo e tem como resultado a descrição fidedigna da saúde da marca nas mídias sociais; ● Comportamento: diz respeito ao mercado e às tendências que os consumidores apresentam, tendo como resultado um arcabouço de oportunidades a ser estudadas; ● Campanha/Evento: é pontual e traz como resultado um desenho do sucesso/insucesso de uma ação pontual da marca. Sobre o uso de ferramentas que permitem analisar os dados extraídos da Internet, Silva (2012) traz uma definição de monitoramento focada em softwares. Ferramentas para monitoramento de mídias sociais são [...] serviços de software oferecidos através da internet para filtrar e analisar o conteúdo textual produzido por e na mídia social. As ferramentas encontram conteúdo baseados nas palavras-chave definidas pelos usuários. As ferramentas incorporam múltiplas funcionalidades, como análise de volume, fonte, autor, palavra-chave, região e sentimento, e reportam estas análises convenientemente de modo gráfico (LAINE; FRUHWIRTH, 2010 apud SILVA, 2012, p. 42).

Ramalho (2010) diz que existem muitas ferramentas para coletar dados sobre mídias sociais, mas que dificilmente uma delas oferecerá tudo o que o usuário ou a organização precisam. Dourado (2012) comenta que, para monitorar de forma efetiva, é fundamental o uso de softwares que permitam a análise do conteúdo gerado pelos usuários; segundo a autora, existem duas categorias de software que permitem a realização do monitoramento: os parciais, que não permitem adicionar informações e/ou tratar de forma avançada os dados gerados, e os plenos, que permitem ir além da coleta e do armazenamento dos dados, agregando em uma única ferramenta as diversas etapas do monitoramento. Salustiano (2010) menciona as etapas de um processo eficaz de monitoramento de mídias sociais. •

Planejamento: identificar quais redes sociais serão monitoradas, o período que será considerado e a dimensão do público a ser ouvido;



Busca do conteúdo: buscar os conteúdos nas redes pré-selecionadas segundo a afinidade com o tema, produto ou serviço a ser monitorado;



Análise das informações: identificar quais conteúdos são relevantes;



Classificação: identificar o sentimento do conteúdo; se foi espontâneo ou estimulado; se é próprio ou replicado pelos usuários; se foi originado por algum problema pré-existente ou de forma aleatória;

 

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Consolidação: estruturar os dados obtidos segundo sua classificação e transformar os números obtidos em gráficos para que possam ser interpretados;



Interpretação: analisar os dados obtidos segundo as orientações do briefing para responder as perguntas iniciais do cliente;



Análise: estruturar todos os dados no formato de uma análise concisa sobre a percepção do usuário em relação ao tema, além de sugerir formas de abordagem e ações. Nessa etapa, o autor sugere levar em consideração aspectos como influência, engajamento, visibilidade, geração de conteúdo, motivações e dinâmica;



Relatório: estruturar o relatório final. Já Corte Real (2013) traz que o mais importante no processo de monitoramento

é ter clareza e respeitar as seguintes etapas: definir os objetivos do projeto; selecionar as palavras-chave (termos, tags, etc.); estipular os filtros (rede social, tempo, segmentação, etc.); crias as categorias (positivas, negativas, neutras); e sistematizar a apresentação de resultados (menções, gráficos, nuvens de palavras, grafos). 1.3 SEGURANÇA Conforme Ramos (2007), o homem necessita de segurança para a sua sobrevivência, o que faz desse aspecto uma condição essencial à vida. Para o autor, a segurança pública foi a primeira a surgir, já que priorizava o grupo e não o indivíduo; na sequência, devido ao contexto histórico, surgiu a ideia de segurança nacional; por fim, manifestou-se a concepção de segurança privada. Apesar da segurança pública e da segurança privada coexistirem de maneira pacífica ao longo de toda a civilização, viu-se a necessidade de uma subdivisão legal entre esses dois aspectos. Assim, a segurança pública passou a ser um dever inalienável do Estado enquanto a segurança privada passou para empresas especializadas na atividade de vigilância. Por segurança pública, entende-se: A segurança pública é um processo sistêmico e otimizado que envolve um conjunto de ações públicas e comunitárias, visando assegurar a proteção do indivíduo e da coletividade e a ampliação da justiça da punição, recuperação e tratamento dos que violam a lei, garantindo direitos e cidadania a todos (BENGOCHEA et al., 2004, p. 120, apud CARVALHO, SILVA, 2011, p.62).

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Segundo Carvalho e Silva (2011), a Constituição Federal de 1988 marcou a institucionalização de uma nova estrutura organizacional e administrativa dos órgãos responsáveis pela segurança pública no país. Sapori (2007) diz que o Estado incumbiu-se da vigilância das atividades de rotina da maioria da população através de órgãos especializados, separados da estrutura das Forças Armados, caso das organizações policiais, presentes no Artigo 144 da Constituição Federal. Para o autor, a manutenção da ordem pública é um dos principais bens coletivos da sociedade moderna e, por isso, o combate à criminalidade é uma atribuição do Estado, que deve zelar pela integridade física e pelo patrimônio dos cidadãos. Além de segurança pública, Ramos (2007) também traz o conceito de segurança privada. Segurança privada é mais conhecida como vigilância patrimonial, vigilância bancária, transporte de valores, escolta de bens, escolta de pessoas. É um serviço particular regulamentado em Lei, prestado por empresas especializadas, autorizadas, controladas e fiscalizadas pela Polícia Federal, com emprego da mão-de-obra do vigilante habilitado (RAMOS, 2007, p.43).

Apesar do que foi exposto sobre segurança pública e segurança privada, várias gerações já presenciaram situações que contrastam com a ordem pública, como crimes e cenas de violência, os quais proporcionam insegurança para a população. Para Ramos (2007), a dimensão da palavra insegurança vai muito além da ideia da falta de segurança, já que proporciona danos materiais e pessoais, agride os atributos morais e pessoais do indivíduo, infere na estabilidade emocional, medo, sensação de impotência, humilhação, entre outros aspectos, além de refletir na qualidade de vida da pessoa. Cotta (2005) elenca diversos fatores, objetivos ou subjetivos, que estão na origem da insegurança e do sentimento de insegurança na sociedade contemporânea (quadro 2). Quadro 2 - Fatores sociais, comportamentos e criminalidade geradores de insegurança. Fatores sociais - Pobreza; - Precariedade de emprego; - Desemprego; - Receio quanto ao futuro; - Exclusão.

Comportamentos marginais - Consumo de drogas; - Incivilidades.

Criminalidade - Delinquência juvenil; - Pequena criminalidade; - Violência urbana; - Tráfico de drogas; - Alta violência; - Crime organizado; - Terrorismo.

Fonte: Cotta (2005, p.7).

 

40  

Segundo Filho (1999), poucos problemas sociais mobilizam tanto a opinião pública como a criminalidade e a violência. Costa (2004), por sua vez, diz que as pessoas que cometem crimes fazem uso da violência para se apropriar de bens materiais pertencentes a indivíduos julgados como privilegiados, o que evidencia a questão da desigualdade econômica.

2

METODOLOGIA Esta pesquisa descritiva tem como método a análise de conteúdo, a qual é

ilustrada a partir da plataforma de monitoramento de mídias sociais Sentimonitor, desenvolvida

pela

empresa

AI

Enginners

(Artificial

Intelligence

Engineers

Desenvolvimento de Software Ltda.), atuante no ramo das ciências tecnológicas e situada em Porto Alegre/RS, e utilizada na coleta de dados para a confecção deste trabalho. Após o cadastro de palavras-chave específicas e relacionadas ao objeto de monitoramento, as publicações são coletadas pelo Sentimonitor e armazenadas em uma base de dados, o que permite ao usuário acessá-las a qualquer momento. Em maio de 2015, passaram a valer as novas regras de Application Programming Interface (API) impostas pelo próprio Facebook; desde então, nenhum usuário ou software de monitoramento pode fazer a coleta de dados a partir da pesquisa de termos previamente definidos. No que tange a esta pesquisa, tal aspecto inviabilizou o acesso a publicações feitas pelos usuários em suas respectivas linhas do tempo (timelines) sobre a questão da segurança em Porto Alegre; contudo, como tais regras não são válidas para fan pages ou grupos públicos do Facebook, canais em que a coleta de postagens pelos sistemas de monitoramento segue normalmente, a fan page “Porto Alegre 24 Horas” foi escolhida para fins de coleta e análise das publicações. A fan page “Porto Alegre 24 Horas” foi criada em 23 de janeiro de 2015 e busca informar os usuários sobre aspectos positivos e negativos que fazem parte da realidade da cidade e, conforme descrição na própria página, a mesma traz “informações sobre o cotidiano da Capital de todos os gaúchos”. Em março de 2016, a página atingiu a marca de mais de 173 mil fãs. Considerando o alto número de fãs que a página possui e o fato de ser um canal de repercussão sobre diversos acontecimentos da cidade, a URL da fan page em questão foi cadastrada no Sentimonitor, com o intuito de coletar todas as publicações (postagens e comentários) feitas na página. V.9, nº2. p. 33-53, ago./dez. 2016.

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Revista FOCO. ISSN: 1981-223X

No Twitter, canal em que publicações contendo a palavra “segurança” podem levar a resultados muito amplos, foram utilizadas combinações de palavras-chave associando o nome da cidade de Porto Alegre e a sigla POA com palavras relacionadas à segurança. Dessa forma, como o Sentimonitor permite o uso de operadores (aspas, OR, AND, etc.), utilizados para otimizar os resultados da coleta, foram cadastradas as seguintes chaves de busca no software: •

Chave de busca 01: ("Porto Alegre" OR "POA") AND (segurança OR insegurança OR assalto OR violência OR roubo OR assaltos OR droga OR drogas OR assaltante OR assaltantes OR perigo OR perigoso OR seguro)



Chave de busca 02: ("Porto Alegre" OR "POA") AND (violenta OR crime OR crimes OR roubos OR furto OR furtos OR roubado OR assaltado OR furtado OR assaltada OR roubada OR furtada) O período escolhido para a coleta das menções foi de 03 de março de 2016 a 30

de março de 2016, equivalente a quatro semanas. As postagens coletadas pelo Sentimonitor foram classificadas e categorizadas levando em consideração critérios como o conteúdo das postagens e o sentimento das mensagens. No que tange ao conteúdo, foram criados grupos de tags para categorizar publicações com a mesma temática, conforme especificação abaixo. •

Segurança: publicações no Twitter e da fan page “Porto Alegre 24 Horas” relacionadas ao tema segurança em Porto Alegre;



Outros temas: publicações feitas na fan page sem nenhuma relação com a questão da segurança de Porto Alegre, compreendendo também os respectivos comentários dessas postagens. Exemplos: postagens sobre cultura, turismo, gastronomia, lazer, diversão, etc.



Spam: comentários feitos pelos usuários nas publicações da fan page “Porto Alegre 24 Horas” sem nenhuma relação com a cidade de Porto Alegre e com as postagens da página. Exemplo: propagandas. Para as publicações classificadas com a tag Segurança, foram criados os

seguintes subgrupos de tags: •

Assaltos: publicações com relatos ou que mencionem a ocorrência de assaltos em Porto Alegre;



Protestos: publicações que mencionem a realização de protestos em prol de mais segurança em Porto Alegre;



Violência: publicações que mencionem situações de violência na cidade de Porto Alegre;

 

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Drogas: publicações que mencionem situações com o envolvimento de drogas na cidade, como compra, venda e tráfico;



Mortes: publicações que mencionem a ocorrência de mortes em Porto Alegre;



Furtos-Roubos: publicações com relatos ou que mencionem a ocorrência de furtos e roubos na cidade de Porto Alegre;



Polícia-Brigada: publicações que mencionem o envolvimento da Brigada Militar, da Polícia Civil ou da Polícia Federal, como flagrantes realizados e prisões efetuadas.



Seg-Geral: publicações que não se enquadram nas categorias acima e que repercutem, de forma geral, a segurança em Porto Alegre. Da mesma forma, as publicações foram classificadas de acordo com o

sentimento da mensagem, sendo divididas em positivas, negativas e neutras. O Sentimonitor já realiza a análise de sentimento automática; contudo, essa classificação automática foi revisada de forma manual pelo autor da pesquisa, que avaliou individualmente cada postagem durante o processo de classificação das mesmas. Foram considerados os seguintes critérios para categorizar o sentimento das postagens: •

Positivo: publicações com menções positivas à segurança em Porto Alegre, como aprovação, elogios e relatos de boas experiências;



Negativo: publicações com menções negativas à segurança em Porto Alegre, como críticas, desabafos, relatos de assalto/furto/roubo, desaprovações, condenações e ironias;



Neutro: publicações que não se enquadram nas categorias acima, que apresentam sugestões de melhorias em relação à segurança em Porto Alegre ou que não apresentam juízo de valor.

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ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Foram coletados 4.014 tweets ao longo das quatro semanas monitoradas. A

quarta e a segunda semana apresentaram os maiores volumes de publicações, com, respectivamente, 1.366 e 1.237 postagens, seguido pela primeira semana, com 912 publicações, e pela terceira semana, com 499 postagens. Essa oscilação está diretamente relacionada à repercussão gerada pelos principais acontecimentos de cada semana. A figura 1, que mostra a evolução do volume de tweets ao longo de todo o período considerado, foi extraída do Sentimonitor e evidencia que o total de postagens V.9, nº2. p. 33-53, ago./dez. 2016.

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diárias oscilou bastante, com destaque para os dois principais picos, observados em 11/03 e em 29/03, motivados, respectivamente, por protestos realizados em prol de mais segurança na cidade e pela repercussão da prisão do suspeito que esfaqueou um estudante em 10 de março. Figura 1 - Evolução do volume de publicações do Twitter durante todo o período

Fonte: Sentimonitor

No que se refere à sentimentalização das publicações, é possível observar através da figura 2 que, levando em consideração os 4.014 tweets, o percentual de publicações negativas (56,50%) é superior ao percentual de publicações positivas (33,77%), indicando que a segurança de Porto Alegre é vista de maneira pessimista pelos usuários em mais da metade das postagens; publicações neutras totalizaram apenas 5,73% do volume total. Figura 2 - Distribuição do sentimento em todo o período – Twitter

Fonte: Sentimonitor

 

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De maneira geral, 1.657 tweets (41,28% do total) repercutem ações da Polícia Civil e da Brigada Militar, sendo esse um dos assuntos de maior destaque no microblog, principalmente no que tange a flagrantes e prisões efetuadas. Figura 3 - Distribuição das publicações por tema e sentimento – Twitter

Fonte: Sentimonitor

Na sequência, destaque para publicações de sentimento predominantemente negativo, como assalto (14,70%), protesto (14,55%), segurança geral (12,76%), morte (6,90%), violência (5,25%), furto/roubo (4,41%) e drogas (0,15%), conforme informações da figura acima. A nuvem de palavras de um determinado período demonstra, de maneira visual, a frequência da ocorrência dos termos dentro das publicações; dessa forma, quanto maior for o número de vezes que uma palavra aparece nas publicações, maior será o seu tamanho na nuvem.

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Figura 4 - Nuvem de palavras de todo o período – Twitter

Fonte: Sentimonitor

Apesar das publicações relacionadas à Polícia Civil e à Brigada Militar representarem 41,28% do volume total de postagens e de serem predominantemente favoráveis, a nuvem de palavras de todo o período permite identificar que, no Twitter, os diálogos destacaram principalmente palavras de cunho negativo, como ‘assalto’, ‘crime’, ‘baleado’, ‘suspeito’, ‘roubo’, ‘protesto’, ‘violência’, ‘morte’, ‘assaltado’, ‘esfaquear’, ‘tráfico’, entre outros termos, o que evidencia uma percepção pessimista acerca da segurança em Porto Alegre no microblog durante o período monitorado. Apesar disso, mesmo estando em minoria, também é possível observar palavras associadas principalmente a publicações de sentimento positivo, como ‘polícia’, ‘flagrante’ e ‘preso’. Já na fan page Porto Alegre 24 Horas, foram coletadas 14.966 postagens relacionadas à segurança da cidade ao longo das quatro semanas monitoradas. A variação no volume semanal de postagens é crescente: foram 1.515 posts na primeira semana, 1.924 na segunda, 2.221 na terceira e, por fim, 9.306 na quarta semana. Esse aumento considerável entre a terceira e a quarta semana ocorreu, principalmente, devido à repercussão gerada pelo confronto entre um policial e um assaltante. Considerando a evolução do volume de publicações ao longo das quatro semanas monitoradas, a figura 5 mostra que o total de postagens diárias na fan page apresentou grande variação, crescendo consideravelmente nos dias 29/03 e 30/03/16. Esse aumento substancial foi motivado, principalmente, pela repercussão gerada em torno do caso do assaltante morto a tiros por um policial dentro de uma lotação. Demais picos, porém menos expressivos, foram motivados por relatos de assaltos, em 04/03/16, pela repercussão feita diante de prisões realizadas pela Polícia Civil, no dia 11/03/16, e  

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pelos comentários gerados devido aos flagrantes feitos pelos policiais em pontos específicos da região central de Porto Alegre, em 23/03/16. Figura 5 - Evolução do volume de publicações da Fan Page durante todo o período

Fonte: Sentimonitor

Considerando o sentimento de todas as postagens, vemos por meio da figura 6 que o percentual geral de publicações negativas (67,43%) é superior ao percentual de publicações neutras (17,31%) e positivas (15,26%). Esse aspecto também mostra que, assim como no Twitter, a segurança de Porto Alegre na fan page também é vista de forma predominantemente pessimista pelos usuários. Figura 6 - Distribuição do sentimento em todo o período – Twitter

Fonte: Sentimonitor

Comparando as publicações de acordo com o conteúdo, os cinco assuntos com maior repercussão ao longo das quatro semanas monitoradas foram, respectivamente, postagens sobre a Polícia Civil e a Brigada Militar (3.820 posts), casos de morte (3.304 V.9, nº2. p. 33-53, ago./dez. 2016.

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posts), relatos de assaltos (3.282 posts), situações de violência (2.254 posts) e, por fim, comentários sobre a segurança geral da cidade (1.013 posts). Figura 7 - Distribuição das publicações por tema e sentimento – Twitter

Fonte: Sentimonitor

Demais temas, como ocorrências de furtos/roubos, drogas e protestos realizados, foram menos expressivos e totalizaram menos de mil publicações cada ao longo do período considerado, como é possível observar através da figura acima, que mostra a distribuição das publicações por tema e sentimento. A figura 7 evidencia que, na fan page, grande parte das publicações de sentimento positivo estão associadas à Polícia Civil e à Brigada Militar, principalmente devido ao reconhecimento, por parte dos usuários, das ações realizadas por esses órgãos; é válido ressaltar que esse comportamento também foi observado no microblog Twitter, sendo um aspecto comum entre os dois canais. Demais temas apresentaram publicações em que prevalecem percepções negativas, principalmente no que tange aos relatos de assalto, casos de morte e violência e nos comentários sobre a segurança geral de Porto Alegre. É possível observar através da nuvem de palavras de todo o período o predomínio de termos desfavoráveis, como ‘bandido’, ‘vagabundo’, ‘triste’, ‘infelizmente’, ‘vagabundos’ e ‘bandidos’.

 

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Figura 8 - Nuvem de palavras de todo o período - Fan Page

Fonte: Sentimonitor

Palavras como ‘rua’ e ‘casa’ evidenciam a insegurança dos usuários (seja nas ruas da cidade ou dentro da própria casa); já o termo ‘carro’ está associado aos relatos de assaltos, furtos e roubos; essas palavras, apesar de não significarem diretamente palavras negativas, estão inseridas em um contexto pessimista. Outro destaque está no uso de expressões que mencionam o nome de ‘Deus’, citado em 549 postagens, o que mostra que, diante de tantos relatos negativos, muitos usuários recorrem à fé e à religião como forma de conforto. Já palavras como ‘polícia’ e ‘policial’ fazem parte de uma conjuntura predominantemente positiva, ainda mais quando associadas ao termo ‘parabéns’, muito utilizado pelos usuários para parabenizar os ‘policiais’ pelas ações e intervenções realizadas em prol de mais segurança na cidade.

CONCLUSÕES As informações obtidas através das mídias sociais permitem traçar um panorama geral sobre a reputação virtual de um determinado tema, aspecto ilustrado neste trabalho por meio da análise feita sobre a segurança de Porto Alegre com base em diálogos extraídos do Facebook e do Twitter. Sobre os dados obtidos através da plataforma sobre a segurança de Porto Alegre, pode-se concluir que a mesma é vista de maneira pessimista pelos usuários em mais da metade das publicações, tanto no Twitter quanto no Facebook, o que demonstra um cenário desfavorável para a reputação virtual da cidade nesse quesito. Também foi possível perceber que a Polícia Civil e a Brigada Militar estão associadas a publicações de sentimento predominantemente positivo; em compensação, temas como assaltos, V.9, nº2. p. 33-53, ago./dez. 2016.

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furtos e roubos, protestos e casos de homicídios, por exemplo, contribuem para as impressões negativas acerca da segurança da cidade. Outro aspecto que convém destacar é o predomínio de termos negativos na nuvem de palavras de cada mídia social analisada, evidenciando que assuntos desfavoráveis são os mais comentados e repercutidos pelos usuários. Contudo, chamou a atenção o uso corrente de expressões que mencionam o nome de ‘Deus’ em publicações da fan page, indicando que muitos usuários recorrem à fé e à religião diante dos relatos e situações pessimistas descritas na página. De forma geral, através das informações coletadas pelo Sentimonitor, foi possível descobrir e acompanhar diferentes postagens e aspectos sobre a segurança da cidade, o que evidencia o enorme potencial oferecido por um sistema de monitoramento quanto à mensuração e avaliação de dados envolvendo diálogos cotidianos nas mídias sociais, principalmente diante de um alto volume de publicações. No âmbito das organizações privadas, os softwares de monitoramento podem ser utilizados pelas empresas e, principalmente pela área de Marketing, para acompanhar o que as pessoas estão falando sobre os produtos e serviços oferecidos e sobre a própria instituição, avaliar o próprio desempenho nas mídias sociais, encontrar perfis de influenciadores, comparar suas ações aos esforços da concorrência, encontrar novos clientes, focar nos conteúdos que realmente importam e merecem engajamento, alavancar as vendas, evitar crises de imagem, se aproximar do seu próprio público, tomar decisões, entre outros aspectos, representando uma fonte estratégica de informações e possibilidades que buscam otimizar a presença das mesmas nas mídias sociais. Esse fato também é válido para organizações públicas, pois, conforme ilustrado nesta pesquisa, a reputação virtual de assuntos que interessam às cidades e ao Estado também pode ser acompanhada através das plataformas de monitoramento. Com base na apresentação dos resultados obtidos através do software, espera-se que este trabalho possa agregar valor aos crescentes estudos sobre monitoramento de mídias sociais através de ferramentas desenvolvidas para este fim. Para os próximos estudos, sugere-se a contínua exploração dos insights oferecidos pelos sistemas de monitoramento, só que aplicados a novos temas, como marketing de conteúdo, inteligência competitiva, entre outros, além da comparação detalhada entre os diferentes recursos oferecidos pelos softwares já existentes e do uso de um maior volume de dados durante a etapa de análise das informações coletadas.

 

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SATISFAÇÃO E VALORES RELATIVOS AO TRABALHO: Estudo realizado com os colaboradores Beltrame Comércio de Materiais de Construção Aline Mortari Machado 1 Vívian Flores Costa 2 Resumo Desde as últimas décadas, no contexto organizacional, os colaboradores passaram a receber maior atenção de pesquisadores com o intuito de conhecer mais sobre os aspectos peculiares dos indivíduos e sobre o comportamento humano. Assim, tendo em vista a importância da temática, o objetivo principal deste estudo foi analisar a satisfação no trabalho e os valores relativos ao trabalho dos colaboradores da empresa Beltrame Comércio de Materiais de Construção. Para atingir o objetivo proposto, foi realizada uma pesquisa quantitativa através da aplicação de um questionário na força de trabalho contendo a Escala de Satisfação no Trabalho (EST), proposta por Siqueira (1995) e a Escala de Valores do Trabalho Revisada (EVT-R), de Porto e Pilati (2010), juntamente com questões para caracterizar o perfil sociodemográfico dos colaboradores. Como principais resultados, obteve-se que os colaboradores sentem-se, no geral, satisfeitos com a empresa e o principal valor orientador no trabalho é Segurança. Palavras-chave: Gestão de Pessoas. Satisfação no Trabalho. Valores Relativos ao Trabalho. INTRODUÇÃO A administração de empresas evidencia a importância do elemento humano nas organizações, caracterizando-o como fator preponderante na facilitação para o atingimento dos objetivos organizacionais (BERGAMINI, 1998). Paulatinamente o ser humano passou a receber maior atenção de pesquisadores, esses com o intuito de conhecer mais sobre os aspectos peculiares dos indivíduos e sobre o comportamento humano. Dentro da área de comportamento humano, há a concepção de comportamento organizacional, que busca compreender como as pessoas vivem, pensam, relacionam-se e organizam-se dentro de seus respectivos ambientes de trabalho (BERGAMINI, 1998).                                                                                                                         1 2

Bacharel em Administração pela UFSM. Doutoranda em Administração - PPGA/UFSM.

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Tendo em vista a grande importância do papel dos colaboradores no atingimento dos objetivos organizacionais, Schermerhorn et al. (1998) afirma que o estudo do comportamento organizacional contribui com o desenvolvimento e manutenção de ambientes de trabalho que oferecem melhor qualidade de vida aos colaboradores. Para Coelho e Faiad (2012), a literatura sobre comportamento organizacional aponta que satisfação no trabalho vem sendo uma das variáveis mais investigadas empiricamente. Além dos estudos relativos à satisfação no trabalho, o campo de estudo do comportamento organizacional também abrange outro tema importante, os valores relativos ao trabalho. Conforme Porto e Pilati (2010), os valores relativos ao trabalho são os princípios que direcionam a vida do indivíduo no ambiente organizacional. Para Jin e Rounds (2012), os valores pessoais laborais vêm sendo estudados há décadas porque são variáveis que interferem na gestão e no comportamento organizacional. Conhecer os valores relativos ao trabalho evidencia o que é importante para os colaboradores de determinada organização, investigando as razões que orientam cada um dos indivíduos no ambiente laboral. Assim, esse estudo, diante da importância da temática apresentada, visa contribuir com a empresa Beltrame Comércio de Materiais de Construção. Essa, composta por 172 colaboradores, iniciou suas atividades em 1981, na cidade de Santa Maria (RS), como uma pequena loja de materiais de construção. A empresa cresceu, consolidou o lema “Este é o Nome em Materiais de Construção” e atualmente abrange a Região Centro e Fronteira Oeste, estando desde 2008 entre as 13 maiores lojas de materiais de construção do estado, segundo o ranking da Revista da Associação Nacional de Materiais de Construção. Atualmente, visando atender seus mais de 20.000 clientes, a Beltrame Comércio de Materiais de Construção conta com 172 colaboradores, mais de 22.000 itens que vão do alicerce ao acabamento, frota própria de caminhões e sua estrutura-se em loja matriz, localizada no Bairro Camobi; Loja Tetto, especializada em acabamentos de alto padrão; Filial, localizada na Av. Helvio Basso e Depósito. A partir de um diagnóstico inicial realizado por meio de conversas com gestores, ambos relataram que a empresa cresceu muito nos últimos anos, tanto em número de vendas, portfólio de produtos, espaço físico quanto aumento no número total de colaboradores. Com base nessa situação, a Beltrame Comércio de Materiais de Construção,  

empresa

com

histórico

familiar,

evidenciou

a

necessidade

de 55  

aprimoramento da gestão. Uma das necessidades evidenciadas pela empresa foi conhecer melhor seus colaboradores e, assim, foi proposta uma pesquisa sobre o nível de satisfação no trabalho, juntamente com uma pesquisa para conhecer os valores relativos ao trabalho, dos colaboradores da organização. Para identificar a satisfação no trabalho dos colaboradores, foi utilizada a Escala de Satisfação no Trabalho (EST), de Siqueira (1995) e para mensurar os valores relativos ao trabalho, foi utilizada a Escala de Valores do Trabalho Revisada (EVT-R), de Porto e Pilati (2010). A fim de tornar a pesquisa viável e possibilitando a entrega de um resultado para a empresa, o presente estudo delimitou a aplicação do instrumento de coleta a uma amostra de 120 colaboradores, do total de 172 colaboradores da empresa. O objetivo geral foi analisar a satisfação no trabalho e os valores relativos ao trabalho dos colaboradores da empresa Beltrame Comércio de Materiais de Construção. Os objetivos específicos foram: caracterizar o perfil sociodemográfico dos colaboradores, avaliar o grau de contentamento do colaborador frente às dimensões do seu trabalho e identificar os valores relativos ao trabalho dos colaboradores. A seguir, será exposta a fundamentação teórica, com o objetivo de contemplar a literatura sobre as temáticas Satisfação no Trabalho e Valores relativos ao Trabalho. Na sequência, evidencia-se a estrutura metodológica utilizada para a realização do estudo, especificando as diferentes etapas utilizadas para operacionaliza-lo. Após, são apresentados: o perfil do colaborador e os resultados obtidos, juntamente com as considerações finais, sintetizando os principais resultados, limitações do estudo e sugestões para estudos futuros.

1

SATISFAÇÃO NO TRABALHO

 

A satisfação dos colaboradores com seus respectivos trabalhos têm mobilizado pesquisadores e gestores organizacionais desde o início do século XX. Conforme Siqueira (2008), durante o período inicial, a satisfação e motivação no trabalho estiveram juntas nas teorias que tratavam das características individuais responsáveis por comportamentos de trabalho. Dentre essas teorias estão, por exemplo, a Teoria de Motivação-Higiene (HERZBERG; MAUSNER; SNYDERMAN, 1959), a Teoria de Satisfação de Necessidades (VROOM, 1964) e Teoria de Expectativas e Instrumentalidade (HACKMAN; PORTER, 1971).

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Para Siqueira (2008), entre as décadas 70 e 80, período em que o conceito de “atitude” dominava o pensamento de estudiosos do comportamento humano, a Satisfação no trabalho foi concebida como uma “atitude”. Uma das definições mais utilizadas para satisfação no trabalho é a de Locke (1976, p. 1304), o qual afirma que se trata de “um sentimento positivo resultante da avaliação de um posto ou experiências de trabalho”. Mesmo passando quase um século desde o início dos estudos sobre o tema, a satisfação no trabalho não sofreu grandes alterações em suas dimensões constitutivas. Para Siqueira (2008), é um conceito integrado por várias dimensões, sendo elas: satisfação com o salário, com os colegas de trabalho, com a chefia, com as promoções e com o próprio trabalho. O tema iniciou o século XXI sendo estudado como resultado do ambiente organizacional sobre a saúde do colaborador. Além disso, a satisfação no trabalho também é apontada como um dos três componentes psicossociais do bem-estar no trabalho, junto dos temas envolvimento com o trabalho e comprometimento organizacional (SIQUEIRA; PADOVAM, 2004). A satisfação no trabalho é reflexo de uma complexa somatória de diferentes elementos como a convivência com colegas e superiores, obediência às regras e políticas organizacionais, alcance de padrões de desempenho estipulados e remuneração. Engloba conceitos de resultados, tratamento e procedimentos justos. À medida que os colaboradores percebem que os processos e resultados organizacionais são legítimos, a empresa adquire credibilidade perante seus funcionários, o que oportuniza maior engajamento em comportamentos que excedam as atribuições regulares atribuídas aos colaboradores (ROBBINS, 2006). A satisfação no trabalho é resultado de uma complexa e dinâmica interação das condições gerais da vida dos funcionários, das relações de trabalho, do processo e do controle que os próprios trabalhadores possuem sobre suas condições. Ao mesmo tempo em que pode ser fonte de saúde, a insatisfação pode causar prejuízos à saúde física, mental e social, desencadeando problemas ao ambiente de trabalho e à vida particular do colaborador em questão (MARQUEZE; MORENO, 2005). A fim de mensurar a Satisfação no trabalho, diversos autores nacionais e internacionais elaboraram diferentes escalas. No Brasil, a partir da década de 70, alguns instrumentos foram construídos e validados fatorialmente, como de Martins (1984), Nogueira e Pasquali (1981) e Siqueira (1995). Para a pesquisa realizada nas etapas  

57  

iniciais deste estudo, utiliza-se a Escala de Satisfação no trabalho (EST), de Siqueira (1995, p. 260). EST é uma medida multidimensional, construída e validada com o objetivo de avaliar o grau de contentamento do trabalhador frente a cinco dimensões do seu trabalho. Em sua fase de construção, foram elaborados 28 itens para representar contentamento no trabalho a partir de seis dimensões: satisfação com o salário (cinco itens), satisfação com os colegas de trabalho (cinco itens), satisfação com a chefia (cinco itens), satisfação com as promoções (cinco itens), satisfação com a natureza do trabalho (cinco itens) e satisfação com a estabilidade no emprego (três itens).”

No quadro 1, apresentam-se as dimensões do modelo de Siqueira (1995). O modelo possui uma versão com 25 itens e uma versão reduzida, com 15 itens, a qual é a empregada neste estudo. Quadro 1 - Dimensões EST Dimensões

Definições

Itens

Satisfação com os colegas

Contentamento com a colaboração, a amizade, a confiança e o relacionamento mantido com os colegas de trabalho.

1, 4 e 14

Satisfação com o salário

Satisfação com a chefia

Contentamento com o que recebe como salário se comparado com o quanto o indivíduo trabalha, com sua capacidade profissional, com o custo de vida e com os esforços feitas na realização do trabalho. Contentamento com a organização e capacidade profissional do chefe, com o seu interesse pelo trabalho dos subordinados e entendimento entre eles.

3, 6 e 11

10, 12 e 15

Satisfação com a natureza do trabalho

Contentamento o interesse despertado pelas tarefas, com a capacidade de absorverem o trabalhador e com a variedade das mesmas.

5, 8 e 13

Satisfação com as promoções

Contentamento com o número de vezes que já recebeu promoções, com as garantias oferecidas a quem é promovido, com a maneira de a empresa realizar promoções e com o tempo de espera pela promoção.

2, 7 e 9

Fonte: Siqueira (1995).

Além do tema satisfação no trabalho, também é abrangido o tema valores relativos ao trabalho, o qual será apresentado no tópico a seguir.

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2

VALORES RELATIVOS AO TRABALHO

 

O termo valores tem sido usado para relatar mudanças na sociedade, assim como o comportamento das pessoas, julgar ações, além de diferenciar grupos e nações (PORTO; TAMAYO, 2003). Além dessa classificação, os autores também afirmam que os cientistas sociais começaram a se aprofundar no tema no início do século XX e, a partir dai, trazer contribuições significativas. Tamayo (2007) coloca que os valores manifestam-se além da vida pessoal e também no trabalho. Os valores, conforme Ros, Schwartz e Surkiss (1999), podem ser considerados princípios orientadores ou crenças, sobre comportamentos, que direcionam a realização das atividades e guiam as avaliações sobre os resultados e alternativas no dia-a-dia das organizações. Assim como os valores básicos individuais do ser humano, os valores relativos ao trabalho são a representação verbal da condição do indivíduo. Porto e Tamayo (2003, p. 146) definem valores relativos ao trabalho como: Princípios ou crenças sobre metas ou recompensas desejáveis, hierarquicamente organizados, que as pessoas buscam por meio do trabalho e que guiam as suas avaliações sobre os resultados e contexto do trabalho, bem como, o seu comportamento no trabalho e a escolha de alternativas de trabalho.

Porto e Tamayo (2003) também elencam três aspectos relevantes para a especificação do conceito de valores relativos ao trabalho, sendo eles: aspecto cognitivo (valores relativos ao trabalho são crenças sobre o que é ou não desejável no âmbito trabalho); aspecto motivacional (valores expressam interesses e desejos do indivíduo em relação ao seu trabalho); e aspecto hierárquico (valores são avaliados ao longo de um continum de importância). Conforme Porto e Pilati (2010), o estudo sobre valores relativos ao trabalho no Brasil procuram compreender os elementos motivacionais que influenciam a escolha laboral dos colaboradores, sua satisfação com atividades realizadas no dia-a-dia da organização e o comportamento produtivo. Conforme o exposto, a Figura 1 proposta por Andrade et al. (2014), relaciona as semelhanças entre a Teoria dos Valores Individuais proposta por Schwartz (1992), o modelo de Valores Relativos ao Trabalho desenvolvido por Ros, Schwartz e Surkiss (1999), a Escala de Valores Relativos ao Trabalho criada por Porto e Tamayo (2003) e a Escala Revisada de Valores Relativos ao Trabalho (EVT-R) proposta por Porto e Pilati (2010).

 

59  

Figura 1 - Interface entre os valores individuais e os valores relativos ao trabalho.

Fonte: Andrade et al. (2014).

No âmbito nacional, com base no contexto brasileiro, foram criadas diferentes escalas para identificar os valores relativos ao trabalho, mas o desenvolvimento das mesmas ainda é pequeno se comparado a outras nações (PORTO; PILATI, 2010). Todavia, avanços foram feitos nessa área e, sobre valores relativos ao trabalho, existem duas escalas brasileiras: o Inventário de Significado do Trabalho (BORGES, 1999) e a EVT (PORTO; TAMAYO, 2003). A escala de Valores relativos ao trabalho (EVT) tem como base a teoria de valores humanos de Schwartz (1992, 2005), sendo dividida em quatro fatores: Realização no trabalho, relações sociais, prestígio, estabilidade. Para Borges e Mourão (2013), os fatores da EVT estão relacionados com as dimensões de segunda ordem de Schwartz (1992), página 236, do seguinte modo: Realização no trabalho vincula-se à abertura à mudança por meio da ênfase conferida à mudança com base na autonomia e na criatividade. Relações sociais estão relacionadas à autotranscedência por meio do foco em proporcionar o bemestar da sociedade e das pessoas próximas. O prestígio está vinculado à autopromoção com base na relevância conferida à influência e ao sucesso pessoal. Por fim, a estabilidade vincula-se à conservação pela busca de segurança e manutenção do status quo.

Numa proposta de aperfeiçoá-la, Porto e Pilati (2010) desenvolveram uma pesquisa na qual apresentam uma nova versão da EVT, a Escala Revisada de Valores relativos ao trabalho (EVT-R), trabalhada com o objetivo de maior aproximação com a Teoria de Valores de Schwartz (1992, 2005). A escala possui 38 itens que foram derivados teoricamente da escala anterior, a EVT, em que o respondente avalia o grau

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de importância do item como um princípio orientador em sua vida no trabalho em uma escala que varia de 1 (sem importância importante) à 5 (muito importante). A EVT-R é composta por seis dimensões, sendo elas: Autodeterminação e Estimulação, Segurança, Universalismo e Benevolência, Realização, Poder e Conformidade. As dimensões estão elencadas no quadro 2, contendo suas definições para Porto e Pilati (2010) e também seus respectivos itens. Quadro 2 - Dimensões EVT-R Dimensões

Definições

Itens

Autodeterminação e Estimulação

Têm como objetivo que a define o pensamento e ação 5, 7, 20, 22, 24, independente por parte do colaborador, em que possui 28, 30, 31, 33, vontade de escolher, criar, explorar. 34, 35 e 36

Segurança

Relaciona-se à estabilidade do colaborador e à 6, 8, 11, 15 e 25 independência financeira.

Universalismo e Benevolência

Refere-se à compreensão, à tolerância e à proteção do 1, 2, 3, 9, 18, 21 bem-estar dos outros que o rodeiam. e 27

Poder

Relaciona-se ao status social e prestígio, ao controle ou ao domínio sobre outras pessoas e recursos.

19, 23, 26 e 37

Têm como objetivo que a define o sucesso pessoal por 4, 13, 14, 16 e Realização meio de demonstração de competência de acordo com 17 padrões sociais do colaborador. O objetivo que a define é a restrição de ações por parte do colaborador, inclinações e impulsos que tendem a chatear ou prejudicar outros e que violam 10, 12, 29, 32 e Conformidade expectativas ou normas sociais. Relaciona-se com o 38 compromisso e à aceitação de normas e de rotinas de trabalho. Fonte: Porto e Pilati (2010).

A partir do estudo do referencial teórico, foi possível desenvolver o método para o atingimento dos objetivos propostos. No capítulo a seguir, será apresentada a metodologia utilizada para a realização do estudo.

3

METODOLOGIA Na primeira etapa do estudo, foi realizado um diagnóstico para compreender,

principalmente, as necessidades da empresa. Para tanto, iniciou-se com conversas com uma das sócias e com gerente administrativo. Ambos relataram o interesse da empresa

 

61  

em conhecer melhor a satisfação, valores e as expectativas de seus colaboradores e, por isso, foi proposto o estudo da Satisfação e Valores relativos ao trabalho da força laboral. Concomitantemente com a investigação inicial, no mês de março de 2016, realizaram-se observações no âmbito laboral, em todas as lojas e depósito da empresa, para verificar a dinâmica e entender o funcionamento da organização, abrangendo também conversas informais com colaboradores das diferentes lojas e setores. Além disso, nesse período, realizou-se uma pesquisa documental na empresa Beltrame Comércio de Materiais de Construção, em que foram disponibilizadas as práticas de gestão da organização, principalmente da área de gestão de pessoas, o planejamento estratégico organizacional e acesso a demais dados e históricos da empresa, como a lista de colaboradores, essencial para o bom andamento do estudo. Na segunda etapa do estudo, após maior conhecimento da empresa e o objeto de estudo, foi feito pesquisas bibliográficas em obras de autores referência na área pesquisada, levantamento de técnicas para a coleta dos dados e quantificação do estudo, definição da amostra de colaboradores, elaboração e aplicação da pesquisa. Sobre esta etapa de pesquisa, cabem algumas considerações, apresentadas a seguir. As pesquisas podem ser classificadas em exploratórias, descritivas e explicativas (GIL, 2002). Este estudo é classificado como uma pesquisa descritiva, a qual busca descrever características de determinada população e o estabelecimento de relações entre variáveis investigadas. Outra forma de classificar uma pesquisa é conforme sua natureza e das variáveis pesquisadas, que conforme Mattar (2012), as pesquisas podem ser classificadas qualitativas ou quantitativas. Este estudo utiliza-se de uma pesquisa quantitativa, que conforme Fonseca (2002) centra-se na objetividade, recorrendo à linguagem matemática para descrever as causas de um fenômeno e a relação entre as variáveis. Segundo Rampazzo (2005), a pesquisa quantitativa inicia-se com o estudo de certo número de casos individuais, quantificando os fatores segundo um critério típico, usando a frequência dos dados estatísticos obtidos. A intensão do estudo abordado no artigo não foi generalizar, pois foi realizado em uma empresa específica, com o objetivo de trazer contribuições para a mesma. Em relação à escala do questionário, com a utilização de dois modelos para a construção do instrumento de pesquisa, evidenciaram-se escalas com distintas variações. Vieira e Dalmoro (2008) mencionam que se deve evitar essa situação, isto é, o uso de escalas com formatos diferentes. Então, optou-se por adaptar as escalas EST a escala utilizada EVT-R a uma escala likert de cinco pontos. V.9, nº2. p. 54-78, ago./dez. 2016.

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Revista FOCO. ISSN: 1981-223X

Para mensurar a satisfação do colaborador, foi utilizada a EST reduzida, composta por 15 questões. A fim de adaptar a escala à realidade da empresa, optou-se por retirar um item de cada dimensão e, tendo em vista a necessidade da empresa, foram acrescentados mais 3 itens, relativos à comunicação, treinamento & desenvolvimento e condições físicas da empresa. Para identificar os Valores Relativos ao Trabalho, foi utilizada a EVT-R de Porto e Pilati (2010), composta por 38 itens. Os itens e as dimensões abordadas atendiam as necessidades da empresa e, portanto, não foram empreendidas alterações. No todo, foram efetivadas 60 perguntas aos colaboradores: 38 questões relativas à EVT-R, 13 questões referentes à EST e nove questões de perfil. De acordo com informações disponibilizadas pela organização, no momento da pesquisa, a Beltrame Comércio de Materiais de Construção possuía 172 colaboradores, locados na matriz, filial, depósito e na loja Tetto. Destes 172 colaboradores, cerca de 100 trabalham no depósito, 50 na matriz, 20 na filial e 2 na loja Tetto. Com base no cálculo amostral, fundamentado na técnica de amostragem probabilística aleatória, sugerida por Lopes et al. (2008), com um nível de confiança de 95%, e erro padrão de 5%, chegou-se a uma amostra de 120 colaboradores. O processo de abordagem e aplicação dos questionários realizou-se na seguinte ordem: O primeiro passo foi a sensibilização da força de trabalho, em que o Gerente Administrativo informou os colaboradores sobre a realização da pesquisa. Após, foi realizado uma préaplicação com 4 colaboradores para verificar se o questionário estava claro. Como o mesmo não gerou dúvidas foi realizada a coleta dos dados com cada colaborador, em horário previamente combinado com a empresa, nas diferentes unidades da empresa, o qual demorou cerca de quatro semanas, entre os meses de março e abril de 2016. No que tange a análise de dados, os questionários, conforme iam sendo aplicados, eram tabulados no software Microsoft Excel. Para análise e cruzamento dos dados obtidos, utilizou-se o software SPSS através de teste de frequência e estatísticas descritivas (média, frequência e desvio padrão).

4

PERFIL DO COLABORADOR A média de idade dos colaboradores respondentes é de 33 anos. Essa média

representa que os colaboradores, em sua maioria, são adultos jovens. A média dos anos  

63  

de trabalho dos colaboradores é de quatro anos e sete meses. Em relação ao gênero, 71% da força de trabalho da Beltrame Comércio de Materiais de Construção são homens e 29% mulheres. Em relação à escolaridade dos respondentes, exibida na Figura 2, a maior porcentagem foi 27% que representa dos colaboradores que dizem possuir o Ensino Médio Completo. Figura 2 – Escolaridade. 1% 10%

Ensino Fund. Incompleto 11%

Ensino Fund. Completo 7%

17% 11%

Ensino Médio Incompleto Ensino Médio Completo Curso técnico Ensino Superior Incompleto

16% 27%

Ensino Superior Completo Pós-graduação

Fonte: Dados da pesquisa. Elaboração própria.

Outra variável analisada foi o estado civil. A maioria dos colaboradores, representada por 51%, são solteiros. Posteriormente, 35% dos colaboradores se dizem casados, 11% em união estável e 3% divorciados. Em relação ao número de filhos, 59% dos colaboradores afirmaram que não possuem filhos e 41% que possuem. Em relação ao local de trabalho, as porcentagens são apresentadas na Figura 3, a seguir: Figura 3 – Local de Trabalho.

2%

14% 37%

Beltrame (Camobi) Depósito (Camobi) Tetto

47%

Beltrame (Hélvio Basso)

Fonte: Dados da pesquisa. Elaboração própria.

V.9, nº2. p. 54-78, ago./dez. 2016.

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Revista FOCO. ISSN: 1981-223X

Em relação ao departamento, a maior representatividade dos colaboradores, 23% informaram trabalhar no setor de vendas. Para fins de análise dos dados, os setores de venda e revenda foram agrupados em um só. Na sequência, o setor com a segunda maior representatividade é o de entregas, com 22% do total de respondentes. Os demais setores são apresentados na Figura 4, a seguir: Figura 4 – Setor de Atuação. 1%

22%

Logística

19%

Administrativo Vendas 13%

10%

Expedição Financeiro Entregas

12% 23%

Projetos

Fonte: Dados da pesquisa. Elaboração própria.

Assim, em síntese, constatou-se que, no geral, as principais características de perfil dos colaboradores da empresa são: homem, com 33 anos de idade, com 4 anos e 7 meses de empresa, com ensino médio completo, solteiro e sem filhos, conforme evidencia a figura 5. Figura 5 - Caracterização do colaborador Beltrame.

Fonte: Dados da pesquisa. Elaboração própria.

 

65  

5

A

SATISFAÇÃO

NO

TRABALHO

DOS

COLABORADORES

BELTRAME COMÉRCIO DE MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO A seguir, serão explanados os resultados obtidos com a aplicação da Escala de Satisfação no trabalho.

Em relação à escala utilizada, de 1 a 5, os escores das

dimensões e sua classificação são apresentados na Tabela 1. Tabela 1 - Classificação dos escores das dimensões. Faixa de valor

Classificação

01 a 2,5

Insatisfação

2,6 a 3,5

Indiferença

3,6 a 5,0

Satisfação

Fonte: Dados da pesquisa. Elaboração própria.

Com base no modelo de Siqueira (1995), o objetivo do questionário foi avaliar o grau de contentamento do colaborador em relação a 5 dimensões do trabalho. A Tabela 2 abrange as respectivas médias e desvios padrão as variáveis analisadas.

Tabela 2 - Resultados da EST versão reduzida. 1

Com o espírito de colaboração dos meus colegas de trabalho

3,76

Desvio Padrão 1,01

2

Com o meu salário comparado com o quanto eu trabalho

2,75

1,11

3

Com o grau de interesse que minhas tarefas me despertam

3,81

0,79

4

Com o meu salário comparado à minha capacidade profissional

2,84

1,23

5

Com a maneira como esta empresa realiza promoções de seu pessoal

3,08

1,14

6

Com as oportunidades de ser promovido nesta empresa

3,34

1,14

7

Com o entendimento entre eu e meu chefe

3,93

1,01

8

Com a variedade de tarefas que realizo

3,75

0,89

9

Com a confiança que eu posso ter em meus colegas de trabalho

3,72

0,98

10

Com a capacidade profissional do meu chefe

4,03

1,00

11

Com os canais de comunicação da empresa (reuniões, quadros e murais)

3,38

1,09

12

Com a quantidade e frequência de treinamentos que eu recebo Com as condições físicas de trabalho na empresa (ruído, temperatura, espaço físico)

3,23

1,26

3,45

1,20

Variável

13

Descrição

Média

Fonte: Dados da pesquisa. Elaboração própria.

Todos os itens da Tabela 2 serão apresentados a seguir, cada um dentro de seu respectivo fator. Na Tabela 3 há o primeiro fator, a satisfação com os colegas.

V.9, nº2. p. 54-78, ago./dez. 2016.

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Tabela 3 - Satisfação com os colegas Variável

Descrição

Média

Desvio Padrão

3,76

1,01

3,72

0,98

3,74

0,99

FATOR 1 – SATISFAÇÃO COM OS COLEGAS 1

Com o espírito de colaboração dos meus colegas de trabalho Com a confiança que eu posso ter em meus colegas de trabalho TOTAL

9

Fonte: Dados da pesquisa. Elaboração própria.

O Fator 1, satisfação com os colegas, composto por duas variáveis, apresenta média de 3,74, com desvio padrão de 0,99. Esse resultado demonstra que os respondentes sentem-se, no geral, satisfeitos com o espírito de colaboração e a confiança nos colegas de trabalho. Além disso, o índice de desvio padrão é aceitável, demonstrando que as respostas na escala de 1 a 5 foram próximas. Na tabela 4 são comparecidos os resultados do segundo fator. Tabela 4 - Satisfação com o salário. Variável

Descrição

Média

Desvio Padrão

2,84

1,23

2,75 2,80

1,11 1,17

FATOR 2 - SATISFAÇÃO COM O SALÁRIO Com o meu salário comparado à minha capacidade profissional Com o meu salário comparado com o quanto eu trabalho TOTAL

4 2

Fonte: Dados da pesquisa. Elaboração própria.

Em relação ao Fator 2, satisfação com o salário, composto por duas variáveis, a média foi de 2,80, com desvio padrão de 1,17. O fator em questão teve a média mais baixa em relação aos demais fatores, demonstrando que há indiferença. O índice de desvio padrão foi superior a 1, o que demonstra que as respostas foram variadas. A seguir, na tabela 5 são apresentados os resultados relativos ao fator 3. Tabela 5 - Satisfação com a chefia. Variável

Descrição

Média

Desvio Padrão

4,03 3,93 3,98

1,00 1,01 1,01

FATOR 3 - SATISFAÇÃO COM A CHEFIA 10 7

Com a capacidade profissional do meu chefe Com o entendimento entre eu e meu chefe TOTAL

Fonte: Dados da pesquisa. Elaboração própria.

 

67  

O Fator 3, satisfação com a chefia, composto por duas variáveis que abrangem a capacidade profissional da chefia e entendimento chefia-subordinado, possui a maior média dos fatores, 3,98, demonstrando satisfação. A variável 10, que abrange a satisfação com a capacidade profissional do chefe possui a maior nota dentre as outras variáveis da EST, 4,03. O índice de desvio padrão é aceitável, demonstrando que as respostas na escala de 1 à 5 foram próximas e confirma o contentamento dos colaboradores com a chefia da Beltrame Comércio de Materiais de Construção. É importante ressaltar que, durante a aplicação das pesquisas, a acadêmica percebeu que alguns colaboradores não tinham certeza de quem era seu chefe imediato, se era o Gerente Administrativo ou o Sócio Proprietário. O próximo fator que será apresentado é o 4, demonstrado na tabela 6 a seguir. Tabela 6 - Satisfação com a natureza do trabalho. Variável

Descrição

Média

Desvio Padrão

FATOR 4 - SATISFAÇÃO COM A NATUREZA DO TRABALHO 3

Com o grau de interesse que minhas tarefas me despertam

3,81

0,79

8

Com a variedade de tarefas que realizo

3,75

0,89

3,78

0,84

TOTAL

Fonte: Dados da pesquisa. Elaboração própria.

O Fator 4, satisfação com a natureza do trabalho, composto pelas variáveis que abrangem o grau de interesse e a variedade das tarefas, obteve média de 3,78, com desvio padrão de 0,84. A média demonstra que, de forma geral, os colaboradores estão satisfeitos com suas atividades. Na sequência, a tabela 7 apresenta os resultados relativos ao fator 5. Tabela 7 - Satisfação com as promoções. Variável

Descrição

Média

Desvio Padrão

3,34

1,14

3,08

1,14

3,21

1,14

FATOR 5 - SATISFAÇÃO COM AS PROMOÇÕES 6 5

Com as oportunidades de ser promovido nesta empresa Com a maneira como esta empresa realiza promoções de seu pessoal TOTAL

Fonte: Dados da pesquisa. Elaboração própria.

O Fator 5, satisfação com as promoções concedidas pela empresa, é composto pelas variáveis oportunidades de ser promovido e a maneira como a empresa realiza promoções, obteve média de 3,21. A média obtida representa o item “indiferente”, apontando que os colaboradores, no geral, não estão satisfeitos nem insatisfeitos. V.9, nº2. p. 54-78, ago./dez. 2016.

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Durante a pesquisa, percebeu-se que alguns colaboradores comentaram que não presenciaram ou não sabiam da existência de promoções na organização. A seguir, na tabela 8 será apresentada a satisfação com outras variáveis. Tabela 8 - Satisfação com outras variáveis. Variável

13 11 12

Descrição

Média

FATOR 6 - SATISFAÇÃO COM OUTRAS VARIÁVEIS Com as condições físicas de trabalho na empresa (ruído, 3,45 temperatura, espaço físico) Com os canais de comunicação da empresa (reuniões, quadros 3,38 e murais) Com a quantidade e frequência de treinamentos que eu recebo 3,23 TOTAL 3,36

Desvio Padrão

1,20 1,09 1,26 1,18

Fonte: Dados da pesquisa. Elaboração própria.

O Fator 6, satisfação com outras variáveis, composto pelas variáveis condições físicas de trabalho, comunicação interna e treinamento, não faz parte do modelo original proposto por Siqueira (1995) e foi acrescentado à pesquisa por necessidade da empresa de identificar a satisfação em relação aos 3 itens mencionados. O fator 6 obteve média de 3,36. Assim como o fator 5, a média obtida representa o item “indiferente”, apontando que os colaboradores, no geral, não estão satisfeitos nem insatisfeitos. Dentre as três variáveis, a com maior média é a 13, que representa o nível de satisfação com as condições físicas de trabalho, com 3,45. Posteriormente, com um índice de 3,38, está a variável que abrange a comunicação interna da empresa e, por fim, a variável quantidade e frequência de treinamentos, com uma média de 3,23. Durante a aplicação da pesquisa, percebeu-se que alguns colaboradores disseram não haver recebido treinamentos há algum tempo. Em síntese, a partir da análise realizada, verifica-se que a variável 2, satisfação do colaborador em relação ao seu salário comparado com o quanto trabalha, foi o item com a menor média (2,75). Já o item 10, satisfação com a capacidade profissional da chefia, teve a maior média (4,03). Baggio, Lima e Kovaleski (2006) depararam-se com implicações semelhantes ao investigar a satisfação do trabalhador da área industrial. Em seu estudo, o relacionamento da equipe de trabalho e com chefia atingiram indicadores satisfatórios. Em contrapeso, o fator remuneração foi identificado como o item que causa maior insatisfação entre os funcionários atualmente.

 

69  

Resultados parecidos foram encontrados por Jesus e Jesus (2012) em uma pesquisa realizada com colaboradores de centrais de atendimento e apoio de uma Instituição de Ensino Superior, os respondentes demonstraram-se satisfeitos com a relação com os colegas de trabalho e quanto à chefia. Os mesmos respondentes demonstraram indiferença à natureza das tarefas realizadas e insatisfação quanto às promoções e o salário recebido. A seguir, serão demonstrados os resultados obtidos em relação aos valores relativos ao trabalho dos colaboradores.

6

OS VALORES RELATIVOS AO TRABALHO DOS COLABORADORES BELTRAME COMÉRCIO DE MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO A escala de valores relativos ao trabalho contempla variantes de 1 a 5, sendo 1

sem importância e 5 muito importante e, nessa etapa da pesquisa, buscou-se identificar os valores relativos ao trabalho dos colaboradores Beltrame Comércio de Materiais de Construção. Em relação à escala utilizada, os escores das dimensões e sua classificação são apresentados na tabela 11. Tabela 11 – Classificação dos escores das dimensões Faixa de valor

Classificação

1 a 2,5 2,6 a 3,5 3,6 a 5 Fonte: Dados da pesquisa. Elaboração própria.

Sem importância Indiferente Importante

Após a tabulação dos questionários, as variáveis da EVT-R foram agrupadas em seus respectivos fatores e verificou-se suas médias e desvio padrão, conforme a Tabela 12. Todos os itens obtiveram desvio padrão aceitáveis, demonstrando uma coerência entre as respostas dos participantes. Diante dos resultados, destacam-se as quatro variáveis que obtiveram as maiores médias: bom relacionamento com colegas de trabalho (variável 9), com média de 4,77; poder me sustentar financeiramente (variável 11), com média 4,70; ser bem sucedido na minha profissão (variável 14) e ter um trabalho organizado (variável 32) obtiveram médias de 4,63. Essas quatro variáveis são consideradas muito importantes, na visão dos colaboradores. Além das quatro variáveis citadas anteriormente, os colaboradores também consideraram muito importante outras nove variáveis: ser independente financeiramente V.9, nº2. p. 54-78, ago./dez. 2016.

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(variável 15), obter estabilidade financeira (variável 6), ter melhores condições de vida (variável 25), ajudar os outros (variável 1), combater injustiças sociais (variável 3), demonstrar minhas competências (variável 4), Ser reconhecido pelo resultado satisfatório do meu trabalho (variável 16), ser respeitado pelas minhas competências no trabalho (variável 17) e obedecer às normas do trabalho (variável 10). Tabela 12 - Resultados EVT-R Variável 5 20 35 7 24 34 22 36 31 33 30 28

11 15 6 25 8

9 1 3 2 27 18 21

37 26 19 23

14 4 16 17 13

32 10

 

Descrição FATOR 1 – AUTODETERMINAÇÃO E ESTIMULAÇÃO Desenvolver novas habilidades Ter autonomia na realização das minhas tarefas Ter um trabalho que me permita expressar meus conhecimentos Estimular aminha curiosidade Ter liberdade para decidir a forma de realização do meu trabalho Ter um trabalho que me permita conhecer pessoas novas Ter desafios constantes Ter um trabalho que requer originalidade Ter um trabalho inovador Ter um trabalho que me permita conhecer lugares novos Ter um trabalho criativo Ter um trabalho arriscado TOTAL FATOR 2 – SEGURANÇA Poder me sustentar financeiramente Ser independente financeiramente Obter estabilidade financeira Ter melhores condições de vida Ganhar dinheiro TOTAL FATOR 3 – UNIVERSALISMO E BENEVOLÊNCIA Bom relacionamento com colegas de trabalho Ajudar os outros Combater injustiças sociais Colaborar para o desenvolvimento da sociedade Amizade com colegas de trabalho Ser útil para a sociedade Ter compromisso social TOTAL FATOR 4 – PODER Ter uma profissão reconhecida socialmente Ter prestígio Supervisionar outras pessoas Ter fama TOTAL FATOR 5 – REALIZAÇÃO Ser bem sucedido na minha profissão Demonstrar minhas competências Ser reconhecido pelo resultado satisfatório do meu trabalho Ser respeitado pelas minhas competências no trabalho Ser admirado pelo meu trabalho TOTAL FATOR 6 – CONFORMIDADE Ter um trabalho organizado Obedecer às normas de trabalho

Média

Desvio Padrão

4,53 4,39 4,30 4,20 3,99 3,98 3,93 3,93 3,92 3,90 3,83 2,57 3,95

0,66 0,70 0,73 0,84 0,91 0,82 0,89 0,86 0,84 0,91 0,87 1,19 0,85

4,70 4,63 4,61 4,60 4,49 4,61

0,60 0,61 0,66 0,58 0,66 0,62

4,77 4,62 4,54 4,49 4,35 4,20 4,17 4,45

0,44 0,62 0,72 0,61 0,79 0,78 0,68 0,66

4,35 3,66 3,48 2,53 3,50

0,79 1,07 0,95 1,14 0,99

4,63 4,58 4,58 4,57 4,43 4,56

0,55 0,73 0,72 0,63 0,75 0,67

4,63 4,58

0,58 0,54

Continua...  

71  

12 29 38

Respeitar a hierarquia Ter um ambiente de trabalho com hierarquia clara Ter rotinas para realizar o trabalho TOTAL

4,39 3,94 3,86 4,28

0,71 0,96 0,93 0,74

Fonte: Dados da pesquisa. Elaboração própria.

As variáveis citadas pertencem, em sua maioria, aos fatores segurança (Fator 2), realização (Fator 5) e universalismo e benevolência (Fator 3), que, respectivamente, possuem as maiores médias da pesquisa, conforme representa a figura 6. Figura 6 - Hierarquia dos valores relativos ao trabalho dos colaboradores.

Fonte: Dados da pesquisa. Elaboração própria.

O fator de maior importância aos colaboradores da Beltrame Comércio de Materiais de Construção é segurança. Conforme explica Ros, Schwartz e Surkiss (1999), quanto mais relevância os membros de uma amostra atribuírem ao valor segurança, como princípio orientador da suas vidas, mais importância eles irão atribuir ao trabalho. Isso ocorre porque o trabalho permite que o colaborador sustente sua família, satisfaça suas necessidades básicas e tenha estabilidade social e pessoal. Na sequência da hierarquia, com a segunda maior média, aparece o valor realização, também considerado muito importante pelos colaboradores. Para Schwartz (1992) o valor realização tem como objeto de definição o sucesso pessoal por meio da demonstração de competências reconhecidas socialmente. Entretanto, para Ros, Schwartz e Surkiss (1999), esse valor pode conflitar com Universalismo e Benevolência, valores que apresenta-se na sequência da hierarquia de valores dos colaboradores Beltrame, conforme Figura 15. Esse conflito pode ocorrer porque na

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busca pelo sucesso para si mesmo, pode haver conflito com ações destinadas ao bemestar de outras pessoas que o cercam e precisam de ajuda. O valor universalismo e benevolência, terceiro de maior importância na hierarquia, é importante para os colaboradores respondentes. Os valores universalismo e benevolência, conforme Ros, Schwartz e Surkiss (1999), relacionam-se com a preservação e valorização do bem estar das pessoas ao redor, com a igualdade e a justiça, enfatizando a aceitação dos outros como iguais e preocupação com seu bemestar. O indivíduo que possui esses valores tem tendência a ser prestativo, honesto, tolerante leal e responsável. O valor conformidade, apesar de ser o quarto posicionado na hierarquia, também é considerado importante pelos colaboradores. O valor conformidade, para Ros, Schwartz e Surkiss (1999), é compatível com a busca do universalismo e benevolência, citados anteriormente, porque ambos implicam em um comportamento que tenha aprovação social. Para Schwartz (1992), o indivíduo que preza pelo valor conformidade restringe ações que podem perturbar ou prejudicar os outros e têm tendência a serem obedientes, disciplinados, educados e honrados. Os valores autodeterminação e estimulação, penúltimos elementos da hierarquia de valores (Figura 15), conforme Ros, Schwartz e Surkiss (1999), são considerados importantes para os colaboradores. Pessoas que possuem esses valores têm tendência a possuírem visão crítica, que gostam de criar, inovar, explorar, que prezam pela liberdade, estabelecem metas pessoais, gostam de novidades e uma vida desafiadora. E por fim, o valor poder, último posicionado na hierarquia de valores, é indiferente para os colaboradores. Conforme Schwartz (1992), poder está atribuído a status social e prestígio, domínio e controle sobre as pessoas e recursos (autoridade, riqueza, poder social, prezar pela própria imagem pública e reconhecimento social). Tanto o valor poder quanto o valor realização focam no reconhecimento social, todavia o valor de realização enfatiza a demonstração de competências enquanto que o poder enfatiza a obtenção e preservação de uma posição dominante dentro do sistema social. Voltando ao âmbito das variáveis analisadas particularmente, as que obtiveram as menores médias foram as seguintes: ter fama (variável 23), com média de 2,53; ter um trabalho arriscado (variável 28), com média de 2,57 e supervisionar outras pessoas (variável 19), com média de 3,48. Percebe-se que as três variáveis não são importantes para os colaboradores.  

73  

Em relação à Figura 4, a variável 28, ter um trabalho arriscado, pertence ao fator autodeterminação e estimulação, penúltimo da hierarquia de valores. Já a variável 23, ter fama, pertence ao fator Poder, último na hierarquia dos valores. O resultado dessas variáveis reforça o resultado obtido com a pesquisa, em que poder não é considero importante para os colaboradores, que, portanto, não valorizam o status social, prestígio, domínio e controle sobre as pessoas e recursos. Resultados similares foram encontrados por Estivalete, Leodir, Visentini e Andrade (2010) ao aplicar a escala de valores no trabalho em colaboradores de um frigorífico, com uma amostra de 130 colaboradores. Na pesquisa em questão, as variáveis de maior média relacionam-se à estabilidade, trabalho em equipe e bom relacionamento com os colegas. A variável estabilidade obteve a maior média, indicando que os colaboradores enfatizam a segurança no emprego, para possuir renda necessária à manutenção da ordem de suas vidas. Assim como na pesquisa descrita neste estudo, a pesquisa realizada no frigorífico evidenciou que a variável com menor média foi alcance da fama. Resultados similares também foram encontrados por Delfino, Land e Silva (2010), ao pesquisar 58 funcionários de uma cooperativa. Para a amostra investigada, os principais resultados encontrados demonstram que os principais valores para os colaboradores foram, respectivamente, universalismo e benevolência e segurança. Na pesquisa em questão, observa-se que os colaboradores não valorizam tanto valores relacionados a poder/realização, que obteve a menor média entre os respondentes, assim como na pesquisa aplicada na Beltrame Comércio de Materiais de Construção. Com isto, em resumo, depreende-se que os fatores segurança, realização e universalismo e benevolência apresentaram os níveis mais altos de prioridade e, em consequência, ocupam os lugares superiores da hierarquia de valores no trabalho dos colaboradores da empresa foco deste estudo. Os valores centrais ou prioritários, de acordo com Tamayo e Gondim (1996), promulgam as metas e os padrões de comportamento. Em relação ao menor grau de prioridade, encontram-se os fatores poder e autodeterminação e estimulação que, em decorrência, posicionam-se nos lugares inferiores da hierarquia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente estudo teve como objetivo principal analisar a satisfação no trabalho e os valores relativos ao trabalho dos colaboradores da empresa Beltrame Comércio de V.9, nº2. p. 54-78, ago./dez. 2016.

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Materiais de Construção. Para atingir o propósito, foi feito um diagnóstico inicial com responsáveis pela área de gestão de pessoas da organização e, após definida a temática da pesquisa, foi elaborado um questionário com base no modelo Escala de Satisfação no Trabalho (EST), proposto por Siqueira (1995) e a Escala de Valores do Trabalho Revisada (EVT-R), de Porto e Pilati (2010). No decorrer da realização do estudo, após a definição da temática pesquisada e da definição da amostra de pesquisa, realizou-se uma aplicação de um pré-teste do questionário com uma pequena quantidade de colaboradores. Com o teste, percebeu-se que o questionário estava completo e a aplicação continuou sendo feita no prazo de 30 dias seguidos, obtendo retorno de 120 colaboradores. Após a tabulação dos resultados, foi realizada a análise dos dados obtidos, evidenciando aspectos positivos e negativos na satisfação dos colaboradores com o trabalho. Também foram identificados os valores relativos ao trabalho dos colaboradores e consequente atingimento do objetivo principal proposto. A relevância do estudo é evidenciada diante dos resultados obtidos, tanto na questão empresarial, quanto para os colaboradores e o aprendizado acadêmico. A empresa obteve os dados que tinha interesse de conhecer; para os colaboradores, o estudo foi uma importante fonte de comunicação, que possibilitou que fossem ouvidos pela empresa para que a mesma possa propiciar melhorias futuras. Para a acadêmica, foi realizado o estudo em uma área de interesse, aprimorando os conhecimentos. Dentre as limitações para a realização do estudo está a realização da coleta dos dados, que ocorreu em quatro locais diferentes (loja Camobi, Loja Hélvio Basso, Depósito e Tetto), além disso, não foi possível atingir a população da empresa porque alguns colaboradores estavam em férias e acabaram não respondendo a pesquisa. Também, por ser um estudo realizado especificamente em uma empresa e pelos testes implementados na pesquisa, não é possível generalizar os dados obtidos. Esse estudo realizado é o início da implementação de melhorias nas práticas de gestão de pessoas da organização. Sugere-se aplicação anual da pesquisa pela empresa, visando acompanhar a satisfação dos colaboradores. Para tanto, o método, incluindo o instrumento de coleta de dados, deve ser sempre revisado e aprimorado, considerando o contexto vivenciado pela organização. Para o aprimoramento em pesquisa futuras, sugere-se a realização de um estudo quanti-quali, o qual permita aprofundar as interpretações do estudo.

 

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A PRODUÇÃO CIENTÍFICA BRASILEIRA SOBRE A TEORIA E A PRÁXIS DO PSICÓLOGO ORGANIZACIONAL E DO TRABALHO NA VIRADA DO SÉCULO XXI Sofia Urt1 Resumo O presente artigo trata-se de pesquisa teórica a respeito das contribuições da Psicologia às organizações de trabalho e da atuação do psicólogo organizacional e do trabalho, em publicações ocorridas na virada do século XXI. O objetivo geral foi conhecer a produção científica brasileira da Psicologia voltada às organizações de trabalho, em seus aspectos teóricos e pragmáticos, no período compreendido entre os anos finais do século XX e anos iniciais do século XXI. Para a sua consecução, primeiramente, foram pesquisados textos relacionados à temática da Psicologia Organizacional e do Trabalho, em bases de dados de publicações científicas. Foram encontrados 114 textos, dentre livros, artigos, teses, dissertações e monografias de graduação e pós-graduação. Dentre esses textos, foi realizado um levantamento de publicações compreendidas entre 1997 e 2010 sobre o que vem sendo posto como teoria para subsidiar as práticas do psicólogo organizacional e do trabalho, assim como sobre as pesquisas realizadas na área da Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT). Os resultados obtidos revelam que os textos que tratam da práxis da Psicologia nas organizações mostram que se mantêm práticas tradicionais, quando do seu surgimento entre os séculos XIX e XX, contrapondo a teoria e publicações que direcionam o fazer da Psicologia para atender às novas demandas das organizações, advindas da globalização. Palavras-chave: Psicologia. Organização. Trabalho. Publicações científicas.

THE BRAZILIAN SCIENTIFIC OUTPUT REGARDING THE THEORY AND PRAXIS OF WORK AND ORGANIZATIONAL PSYCHOLOGISTS AT THE TURNING OF THE TWENTY FIRST CENTURY Abstract The present article is treated of theoretical research regarding the contributions of the Psychology to the work organizations and of the work and organizational psychologist's performance, in publications happened in the turning of the twenty first century. The general objective was to know the Brazilian scientific output of the Psychology focused to the work organizations, in their theoretical and pragmatic aspects, in the period understood among the late years of the twentieth century and early years of the twenty 1

Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS. Psicóloga/Organizacional do Instituto Federal de Mato Grosso do Sul - IFMS.

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first century. To achieve this, firstly, they were researched texts related to the theme of the Work and Organizational Psychology, in databases of scientific publications. 114 texts were found, among books, articles, theses, dissertations and monographs of undergraduate and postgraduate studies. Among these texts, a survey was conducted of publications between 1997 and 2010 on what has been put as a theory, to support the practices of work and organizational psychologist, as well as on the research conducted in the area of Work and Organizational Psychology. The results obtained show that the texts that deal with the praxis of psychology in the organizations show that traditional practices, when its appearance between the nineteenth and twentieth centuries, opposing the theory and publications that target the psychology to meet the new demands of organizations arising from globalization. Keywords: Psychology. Organization. Work. Scientific publications.

INTRODUÇÃO De acordo com o Conselho Federal de Psicologia - CFP, que normatizou as atribuições do Psicólogo, inserindo a profissão no Catálogo Brasileiro de Ocupações, em 1992, o psicólogo do trabalho ou organizacional: Atua individualmente ou em equipe multiprofissional, onde quer que se deem as relações de trabalho nas organizações sociais formais ou informais, visando à aplicação do conhecimento da Psicologia para a compreensão, intervenção e desenvolvimento das relações e dos processos intra e interpessoais, intra e intergrupais e suas articulações com as dimensões política, econômica, social e cultural (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 1992, p. 03).

Nesse contexto, a inserção do psicólogo nas organizações é justificada, pois, no geral, as pessoas passam a maior parte do dia em seus locais de trabalho e as questões que emergem nas situações da rotina laboral, inevitavelmente, interferem nas outras esferas de suas vidas, como no ambiente familiar, assim como a vida extratrabalho também interfere no ambiente e nas relações de trabalho dos sujeitos. [...] trabalhadores, ainda em proporção significativa, passam o seu dia em organizações, produzindo bens que todos consomem. Esse dia a dia é repleto de demandas, desafios, expectativas, tensões, realizações, alegrias, sofrimentos que, inevitavelmente, se interligam e se estendem para a vida fora do trabalho. As pessoas perdem o emprego, e muitas vezes, perdem a possibilidade de trabalhar. Há algo que afete mais fortemente a vida de um indivíduo e da sua família? Tal questionamento, por si, justifica a inserção do psicólogo em organizações e no trabalho (ZANELLI; BASTOS, 2004, p. 466).

Não obstante, o homem é um ser sócio-bio-psico-sexual, logo, produções científicas devem analisá-lo integralmente, considerando todas as variáveis que 80

interferem em seu comportamento. E se as organizações são movidas por pessoas, a mesma lógica deve ser seguida em seus estudos. [...] não se pode reproduzir, no campo científico e profissional, a separação operada entre a esfera do trabalho e as demais esferas da vida pessoal. A compreensão integral do ser humano, portanto, depende de uma compreensão da sua inserção no mundo do trabalho e das relações que são criadas no interior das organizações em que trabalha (ZANELLI; BASTOS, 2004, p. 466).

O estudo da psicologia organizacional e do trabalho, tendo como objetivo entender a produção científica e a atuação profissional do/a psicólogo/a na organização, essa entendida de forma abrangente, englobando: escola, serviços, comércio, indústria e consultoria, tem como relevância social a possibilidade de demonstrar os desafios e problemas dessa realidade, a fim de promover transformação social por meio da construção de conhecimento e de sua aplicação. Buscou-se, com esta investigação, trazer respostas para algumas indagações: Quais atividades vêm sendo desempenhadas pelos psicólogos no contexto das organizações de trabalho? Quais as contribuições teóricas e práticas da Psicologia nas organizações? Dessa forma, espera-se que este trabalho cumpra com seu papel de instigar profissionais, professores/as e alunos/as a repensarem suas práticas, procurando construir um modelo de atuação profissional condizente com os desafios que cercam a Psicologia Organizacional e do Trabalho - POT. Zanelli e Bastos (2004) apontam o estudo realizado pelo CFP, na década de 80, que revelou o predomínio de um núcleo clássico de atividades do psicólogo nas organizações, que tradicionalmente define seu espaço de atuação. A esse núcleo estão vinculadas as ações de recrutamento e seleção, agregadas outras funções clássicas de gestão de pessoas, como as atividades de avaliação de desempenho e treinamento. Também, nesse estudo foram reveladas algumas atividades consideradas modernas, por não serem tão vinculadas ao modelo tradicional de trabalho do psicólogo nessa área, como as ações de consultoria e assessoria, diagnósticos situacionais, planejamento e execução de projetos que, por sua vez, ampliam o nível de intervenção diante dos problemas organizacionais, mais complexos e globais. Contudo, as atividades na área da Psicologia Organizacional e do Trabalho não se resumem a essas, e as ações relacionadas à prevenção e promoção de saúde no trabalho – análises e intervenções, no que concerne ao sofrimento psíquico do trabalhador, decorrente das relações de trabalho estabelecidas em nossa sociedade

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(interpessoais e à própria organização do trabalho), por exemplo –, também fazem parte dessa área de atuação. No entanto, será que ainda não se restringem apenas à academia? A partir do levantamento de textos relacionados à temática da Psicologia Organizacional e do Trabalho, realizado junto à Biblioteca Virtual em Saúde – BVS-Psi que, por sua vez, acessa diversas bases de dados de publicações científicas, como: o Index Psi Revistas Técnico-Científicas (IndexPsi), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Periódicos Eletrônicos de Psicologia (PePSIC) e Scientific Electronic Library Online (SciELO). Com o construto "psicólogo organizacional", foram encontrados 114 textos, entre livros, artigos, teses, dissertações e monografias de trabalhos de conclusão de cursos de graduação e pós-graduação (lato sensu). Dentre os textos encontrados, foram selecionadas publicações compreendidas no período dos anos finais do século XX e anos iniciais do século XXI (de 1997 a 2010), sobre o que vem sendo posto como teoria para subsidiar as práticas do psicólogo organizacional e do trabalho, assim como sobre as pesquisas realizadas na área da Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT), no Brasil. Primeiramente, será apresentado um breve histórico e contextualização sobre o surgimento da Psicologia Organizacional e do Trabalho, assim como seu objeto de estudo e, após, a análise e síntese dos textos que trazem as contribuições teóricas e as práticas dos psicólogos, publicados no período acima mencionado.

1 A PSICOLOGIA NAS ORGANIZAÇÕES DE TRABALHO A Psicologia Organizacional e do Trabalho surge coincidentemente com a emergência da própria Psicologia como disciplina científica, com o advento da industrialização, ocorrida nos países dominantes ocidentais, entre o final do século XIX e o início do século XX, cuja finalidade era a seleção e avaliação de militares para os exércitos e trabalhadores para as indústrias (ZANELLI; BASTOS, 2004; D. SHULTZ; S. SCHULTZ, 1992). As preocupações que orientavam as atividades dos psicólogos nas organizações, nesse princípio, eram eminentemente a eficiência organizacional e o desempenho no trabalho, sendo que a seleção de pessoal e a aplicação de testes psicológicos, com o objetivo de ajustar pessoas aos cargos, eram atividades características e dominantes da 82

Psicologia

nas

organizações,

que

se

desenvolveu

construindo

e

aplicando

conhecimentos que respondiam as demandas originadas pelo contexto social, econômico, político e tecnológico do século XX (ZANELLI; BASTOS, 2004). Nesse período, destacaram-se dois momentos: o fordismo e o toyotismo. O primeiro introduzido por Henry Ford, a partir de 1913, deu início à produção em série, na trilha e aperfeiçoamento da administração científica, tinha como objetivo aumentar a produção e o consumo em massa e exigia apenas treinamento de seus trabalhadores. O segundo surgiu na fábrica japonesa Toyota, a partir de 1945, sob uma forma de organização do trabalho, que se difundiu rapidamente e que explorou o cognitivo dos trabalhadores, e a produção se vinculava à demanda (ZANELLI; BASTOS, 2004). Entre as décadas de 1950 e 1970, os incentivos à industrialização levaram ao aumento da oferta de empregos. Na década de 1980, houve declínio das condições dos empregos. E, a partir de 1990, aumentou o desemprego no país, concedendo vantagem aos trabalhadores mais qualificados. Diante disso, foram necessários novos arranjos organizacionais, que consistiram na redução dos níveis hierárquicos, terceirização, exigência de novas competências e habilidades, em que as equipes de trabalho passam a ter domínio sobre várias tarefas, etc. A partir dessas novas demandas, aumentam-se as exigências das organizações, em razão de um mercado cada vez mais competitivo, no qual os trabalhadores apresentam um crescente desgaste físico e psicológico. A pressão do desenvolvimento tecnológico e as mudanças nas regras do mercado fazem com que aumentem outras preocupações também: [...] cresce o apelo por um balanço equilibrado entre vida profissional e familiar, sobre ética, transparência e busca de justiça, de direito de expressão e de desenvolvimento para todos os participantes da comunidade organizacional. É essencial – até pelo que apregoam os novos modelos de gestão – que o administrador disponha condições emancipadoras e participativas, que respeitem e promovam a pessoa no âmbito do trabalho (ZANELLI; BASTOS, 2004, p. 478).

É evidente que essas transformações também modificam a atuação do psicólogo organizacional e do trabalho. Este passa a atuar na administração de pessoal, qualificação, comportamento organizacional, condições de higiene do trabalho e mudança organizacional. Essas modificações foram descritas, por Zanelli e Bastos (2004), em três movimentos de reconfiguração da atuação do psicólogo organizacional e do trabalho. O primeiro movimento envolve a análise do trabalho, que passa a utilizar novas técnicas; as atividades de recrutamento e seleção foram terceirizadas, com o surgimento V.9, nº2. p. 79-96, ago./dez. 2016.

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de empresas especializadas; a área de treinamento e desenvolvimento vem crescendo cada vez mais, devido às exigências do mercado e à competitividade; e, por fim, a atividade de avaliação de desempenho se volta mais à atuação da equipe, mas também considerando o potencial de cada trabalhador. O segundo movimento passa a inserir o psicólogo em equipes multidisciplinares de recursos humanos. Surgem psicólogos envolvidos em administração de pessoal; relações de trabalho; qualificação profissional; e passam a dar mais importância às condições do trabalho e aos impactos na saúde do trabalhador. No terceiro movimento, o psicólogo organizacional passou a prestar serviços de consultoria; para isso, precisando ter conhecimento de todo o processo de trabalho: O psicólogo, para colaborar com os processos administrativos, depende de conhecer o processo total de trabalho, ter consciência das atribuições individuais e das unidades, bem como de articular visão, missão valores, metas e estratégias organizacionais. Pretende aumentar a capacidade estratégica, consolidar predisposições para mudanças e fortalecer a formação de equipes de alto desempenho (ZANELLI; BASTOS, 2004, p. 481).

É importante destacar o movimento em que se passou a dar maior importância à saúde do trabalhador, pois sabemos que, na maioria das vezes, organizações que visam fins lucrativos não têm essa preocupação. Entre as maiores dificuldades no cotidiano das organizações está a sobrecarga por excesso de trabalho, dentre outros estressores psicossociais oriundos das relações e organização do trabalho. Vê-se que a realidade do ambiente de trabalho está muito distante dos padrões saudáveis para o trabalhador, levando-o a adoecer. Segundo Zanelli e Bastos (2004), esse é o subcampo de atuação da psicologia que cresce e se consolida no início do século XXI, ocupando significativa parcela dos psicólogos organizacionais e do trabalho, com destaque à saúde ocupacional e à ergonomia, ultrapassando os limites convencionais da Psicologia Organizacional. Contudo, os autores destacam o fato de as questões de acidentes de trabalho, ajustamentos e bem-estar na assistência psicossocial aos trabalhadores ocorrerem em menores proporções da atuação. Considere-se que a denominação Psicologia Organizacional e do Trabalho inclui larga abrangência, uma vez que busca compreender o comportamento das pessoas que trabalham, tanto em seus determinantes e suas consequências, como nas possibilidades da construção produtiva das ações de trabalho, com preservação máxima da natureza, da qualidade de vida e do bem-estar humano (ZANELLI; BASTOS, 2004, p. 483).

Zanelli e Bastos (2004) descrevem a existência de três subcampos entre o fenômeno trabalho e a organização: a Psicologia do Trabalho, que relaciona o 84

comportamento humano e o trabalho; a Psicologia Organizacional, que surge das interações entre comportamento no trabalho e a organização; e o terceiro subcampo emerge da relação entre a ação humana e a organização, e se refere às práticas de gestão de pessoas. Assim, a Psicologia do Trabalho tem por estudo: […] a natureza dos processos de organização do trabalho e seus impactos psicossociais, especialmente sobre a qualidade de vida e a saúde do trabalhador, tanto individual quanto coletivamente. Esse subcampo preocupase em entender como o desempenho humano no trabalho é afetado por fatores pessoais, ambientais e pela forma como o trabalho está organizado. No entanto vai além do trabalho em organizações ao tomar como foco de interesse a questão do desemprego, afastamento do trabalho por aposentadoria e seus impactos, assim como todo o processo de preparação para a inserção no trabalho (ZANELLI; BASTOS, 2004, p. 484).

A Psicologia Organizacional, por sua vez, tem por interesse central “entender e lidar com os processos psicossociais que caracterizam as organizações de trabalho como conjuntos de pessoas cujas ações precisam ser coordenadas a fim de atingir metas e objetivos que definem a missão de uma organização.” (ZANELLI; BASTOS, 2004, p. 484). Nessa esteira, segundo os autores, há uma grande diversidade de fenômenos que provocam interesse de pesquisa e demandam intervenções do psicólogo na área da Psicologia Organizacional e do Trabalho. Dentre estes fenômenos, estão: motivação, carreira, rotatividade, liderança, valores, cultura, diferenças de gênero no trabalho, comprometimento, desemprego, o estresse e a saúde, etc. Os processos e as características dos produtos e resultados na organização, na esfera da Psicologia Organizacional e do Trabalho, podem ser avaliados por meio dos âmbitos individual, grupal, organizacional, contextual ou ambiental, apontam Zanelli e Bastos (2004). No âmbito individual, a ação e os resultados produzidos pelo sujeito no trabalho são constituídos pela personalidade, crenças, valores, etc. No grupal, são encontrados importantes elementos que possibilitam obter a compreensão dos mesmos produtos humanos e organizacionais. São eles: a liderança, normas, processos de comunicação, papéis, a posição dos membros dentro da equipe, etc. As características do âmbito organizacional são as arquiteturas organizacionais, o modelo de organização do trabalho, e a dinâmica cultural e política. No contextual, as características ambientais interagem com as decisões na organização, que são comprometidas pelos processos micro e meso. Segundo os autores, a psicologia, inicialmente, estudava e intervia nos âmbitos individual e grupal. Posteriormente, observou-se o quão indispensáveis eram os âmbitos organizacional e contextual, para se ter a compreensão total dos processos organizacionais. V.9, nº2. p. 79-96, ago./dez. 2016.

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E a Psicologia, de fato, tem atuado dessa forma ampla e sistêmica, ou ainda, vem restringindo-se às suas práticas tradicionais? Para responder a esse questionamento, verificaremos, a seguir, o que está sendo colocado em publicações na área da Psicologia Organizacional e do Trabalho, em seus aspectos teóricos e pragmáticos.

2 A TEORIA E A PRÁXIS DA PSICOLOGIA NAS ORGANIZAÇÕES DE TRABALHO Como resultado da pesquisa de textos relacionados à temática da Psicologia Organizacional e do Trabalho, por meio de busca em bases de dados de publicações científicas, foi realizado um levantamento sobre o que vem sendo posto como teoria para subsidiar as práticas do psicólogo organizacional e do trabalho, assim como sobre as pesquisas realizadas na área da Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT). O levantamento de textos relacionados à temática da Psicologia Organizacional e do Trabalho foi realizado junto à Biblioteca Virtual em Saúde – BVS-Psi, com o construto "psicólogo organizacional". Foram encontrados 114 textos, entre livros, artigos, teses, dissertações e monografias de trabalhos de conclusão de cursos de graduação e pós-graduação (lato sensu). Dentre os textos encontrados, foram selecionadas 12 publicações, compreendidas no período dos anos finais do século XX e anos iniciais do século XXI (de 1997 a 2010), que permitiram o acesso ao conteúdo na íntegra, conforme seguem analisadas e sintetizadas. Andrade e Zanelli (2002) discorrem que o crescente aumento de produções científicas sobre a Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT) faz com que seja imprescindível a prática de discussões sobre pressupostos ontológicos, epistemológicos e metodológicos. No fim do século XX, observa-se uma mudança quanto à realização destas discussões, que tinham como objetivo discutir e analisar experiências efetivas, que concretizavam as diversas maneiras de apreensão dos processos individuais e coletivos na esfera de “organizações e trabalho” (ANDRADE; ZANELLI, 2002. p. 4). Com esse objetivo, segundo os autores, foi produzida uma edição especial da Revista Estudos de Psicologia, pelo Grupo de Trabalho (GT), no ano de 2000, durante o VIII Simpósio de Pesquisa e Intercâmbio Científico da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (ANPEPP), na qual cada membro participante

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escreveu um texto, visando contribuir para discussão do tema, que teve como foco a descrição dos problemas metodológicos e/ou epistemológicos. A finalidade das discussões, explicam Andrade e Zanelli (2002), foi observar a heterogeneidade existente, visando destacar as práticas bem-sucedidas, estando estas embasadas teoricamente e metodologicamente consistentes para que seja possível orientar as futuras pesquisas e estudos, colaborando para a orientação de pesquisas na área da Psicologia Organizacional e do Trabalho. Dentre as produções, foram realizadas discussões sobre o desenvolvimento do comportamento organizacional; a diversidade teórica; a falta de normalização; o desenvolvimento de medidas de avaliações de treinamento; os modelos de intervenção e os limites da Ergonomia; as técnicas utilizadas no campo da POT; desafios metodológicos e epistemológicos na pesquisa qualitativa. Sob esse prisma, Tonetto et al. (2008) trazem dados de pesquisa, cujo objetivo foi realizar o levantamento de produções científicas sobre a Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT), encontrando 1.105 artigos, sendo que, a grande maioria dos autores, são psicólogos. Os temas dos artigos selecionados são diversos. Verificaram que a produção de conhecimento está voltada para auxiliar as intervenções, bem como impulsionar o desenvolvimento teórico da área. Nessa pesquisa, os autores observaram que, nos anos 80, as produções científicas concentravam-se nas temáticas: motivação, satisfação, produtividade e clima. Foi a partir da década de 90, que o interesse sobre os temas de saúde do trabalho, comprometimento, aprendizagem, gênero e impactos tecnológicos começam a aumentar. O termo Psicologia Organizacional e do Trabalho é utilizado desde a década de 90 e um dos grandes desafios desta área é entender como interagem os diversos aspectos que fazem parte da vida das pessoas, dos grupos e das organizações, a fim de promover a saúde e o bem-estar. A partir desse levantamento realizado, os autores constataram que, dentre os 1.105 artigos: [...] 51 (28,65%) foram publicados na Revista Psicologia Organizacional e Trabalho; 37 (20,78%) na Estudos de Psicologia; 29 (16,29%) na Psicologia e Sociedade; 26 (14,60%) na Psicologia em Estudo; 23 (12,92%) na Psicologia: Teoria e Pesquisa e 4 (2,24%) na Psicologia USP (TONETTO et al., 2008, p. 168).

Tonetto et al. (2008) observaram que, dentre essas publicações, as funções de Recursos Humanos - RH, como seleção e recrutamento, possuem poucos trabalhos. E também que os trabalhos apontaram esforços no intuito de construir instrumentos que V.9, nº2. p. 79-96, ago./dez. 2016.

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permitam avaliar os resultados e impactos dessas intervenções no contexto de trabalho. Segundos os autores, o maior número de produções teve como temática a orientação profissional e o desenvolvimento de carreira. Concluíram esses autores que os resultados obtidos tornam evidente a variedade de temas e metodologias das publicações em Psicologia Organizacional e do Trabalho. Foi possível verificarem, também, a preocupação dos autores das publicações levantadas em considerar as mudanças sociais, econômicas, políticas e tecnológicas do contexto em que se encontram inseridos. Não será, então, que a produção teórica está divergente das práticas, considerando que, na prática, ainda há muitos profissionais envolvidos em recrutamento e seleção nas organizações, atuando em agências de emprego e consultorias de colocação profissional? Azevedo e Balome (2001) respondem a essa indagação em pesquisa na qual identificaram as principais atividades desempenhadas pelo psicólogo organizacional. Os resultados mostraram que a maioria realizava atividades tradicionais, como recrutamento e seleção, treinamento, descrição de cargos; e a minoria ultrapassava esse limite convencional, com a inserção de novas práticas, como: programa de desenvolvimento de pessoal e de equipe, planejamento de RH, plano de cargos e salários, programa de benefícios, ergonomia, administração de conflitos, entre outras. Silva e Merlo (2007), Gagno e Venturi (1997) e Iema (1999) citam pesquisas que também apontam a atuação técnico-administrativa do psicólogo organizacional. Logo, a práxis pode tornar-se reveladora de uma prática divergente dos subsídios teóricos em voga. E o que será que está por trás dessa inconsonância? Guannais (2000) discute que as organizações se veem obrigadas a constantes ações de adaptações e pró-ação. Com isso, estas transformações desencadeiam mudanças nos papéis dentro da área de Recursos Humanos. O que faz com que o psicólogo se pergunte se está preparado para atender às demandas da organização. A autora esclarece que é imprescindível que o psicólogo tenha conhecimento teórico sobre a organização de trabalho, entendendo os objetivos, negócios, atividades e mercado, produto e tecnologias, estrutura, funcionamento, processos e relações de produção, importância e funcionamento dos grupos que compõem a organização e a vinculação da organização ao comportamento de seus membros. Discorre ser necessário que o psicólogo tenha uma adequada apreensão da realidade política e social da

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organização. Nesta medida, o entendimento do significado do trabalho para o homem torna-se fundamental a este profissional. Quanto à formação acadêmica, após pesquisas com diversos psicólogos que atuam na área organizacional, a autora aponta que esta não fornece subsídios teóricos necessários às questões precedentes, sendo importante que este profissional busque, fora da graduação, cursos onde seja possível atualizar-se, pois existe uma grande lacuna entre o conhecimento acadêmico recebido pelo aluno e o campo de trabalho na área, já que a universidade, na maioria das vezes, não acompanha com igual rapidez as transformações do cenário produtivo, bem como as produções científicas do campo da Psicologia Organizacional e do Trabalho. Assim como Vieira (2006), Freitas e Guareschi (2004), Gagno e Venturi (1997) e Iema (1999) levantam a questão da formação acadêmica deficitária para a área organizacional. Talvez, não seja esse o impasse da dificuldade de uma práxis transformadora? Não obstante, Dittrich (1999) aponta que os círculos acadêmicos da Psicologia, no Brasil, alimentam grande preconceito em relação à Psicologia Organizacional. Segundo ele, isso ocorre em grande parte devido a falhas na formação do psicólogo, decorrentes de uma equivocada concepção da Psicologia (ciência) e de seus objetivos que, por sua vez, privilegiam a clínica, apenas confirmando o estereótipo de psicólogo do imaginário social, sendo, então, a Psicologia Organizacional a “filha prostituída” da Psicologia (CODO, 1994 apud DITTRICH, 1999). A rejeição da atuação do psicólogo na área organizacional pelos estudantes é corroborada em pesquisa realizada por Santos (2010) que, por sua vez, ocorre eminentemente em razão do respaldo teórico insuficiente – ou não condizente com o que imaginam ser a prática – trazido pela academia. O artigo de Azevedo e Cruz (2006) aponta que a psicologia do trabalho, no Brasil, ainda é vista de forma errônea. Os psicólogos são solicitados somente quando um sintoma já está instalado e, espera-se que o mesmo elabore um diagnóstico e apresente rápidas soluções. Entre estes sintomas estão à queda da produtividade, doenças, desmotivação, insatisfação e outros, todos consequentes do processo de trabalho. E, para uma intervenção profunda, esclarecem os autores, é necessário basearse na queixa e buscar a causa, levando em consideração todo o sistema que deu origem aos sintomas. Para Azevedo e Cruz (2006, p. 90), os fatos demonstram que uma contribuição mais sólida, por parte do psicólogo, exige uma preocupação “prevencionista”, e que tenham destaque no processo de análise da situação de trabalho V.9, nº2. p. 79-96, ago./dez. 2016.

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os principais fatores organizacionais que intensificam a produtividade do sistema e a saúde dos trabalhadores. O psicólogo do trabalho, ao aceitar o modelo clínico curativo, comete o erro de investigar somente as consequências. Encontrar a “forma, o grau, a frequência e a intensidade” das variáveis críticas mais importantes é o maior desafio do psicólogo, pois assim, sua intervenção terá maiores chances de obter resultados satisfatórios, segundo os autores (AZEVEDO; CRUZ, 2006, p. 97). Mas será que os psicólogos aceitam passivamente atuar como “salvadores” de uma organização doente ou lhes é oferecida apenas essa opção, como os próprios autores discorrem? Se essa for uma das únicas formas do psicólogo ser inserido nas organizações, não será, então, “necessário penetrar nas entranhas do dragão para então feri-lo?”, como indaga Dittrich (1999, p. 51), sobre a viabilidade de se cometer tal façanha. O autor descreve as relações entre a globalização e os processos políticos, ideológicos e econômicos e, em especial, as relações de produção, apontando os limites e possibilidades da atuação do psicólogo organizacional brasileiro ante a esse contexto. Discute também a questão ética, que tem como princípio a proteção dos direitos do trabalhador e o resgate de sua dignidade e, a partir disso, conclui que a atuação do psicólogo deve ocorrer além das organizações, na amplitude do contexto social e político. Prossegue dizendo que, apesar de alguns se indagarem sobre a efetiva relação entre a Psicologia e o trabalho, essa pergunta é respondida, a partir do momento em que se reconhece que a constituição da subjetividade das pessoas é reflexo direto das condições de sua vida material, meio pelo qual o subjetivo encontra sua origem e se objetiva, sendo as relações de trabalho um meio privilegiado de se estudar o comportamento humano. Dittrich (1999) pontua que, inclusive Codo, renomado pesquisador na área da saúde mental no trabalho, integrou, por um período de tempo considerável, o grupo de resistência de acadêmicos de Psicologia à área organizacional. Primeiramente, em razão de dúvidas epistemológicas, pois se para a Psicologia (do indivíduo) já é difícil estabelecer métodos seguros para dar conta do seu objeto de estudo, o que dirá da psicologia organizacional, cujo objeto é uma “comunhão tremendamente complexa de 'subjetividades’”. (DITTRICH, 1999, p. 51). E após, em razão de questões éticas da prática do psicólogo organizacional, em que considera mais óbvias as conclusões 90

imediatas que se pode suscitar, pois certamente o psicólogo deve concorrer para seus objetivos por trabalhar no interior do sistema capitalista. Na verdade, alerta o autor, os discursos humanistas em psicologia organizacional mais servem de escudo para técnicas com vistas à otimização da produção e amenizar os conflitos provenientes da relação empregados e patrões. Ademais, ainda que se proporcionem efetivamente melhorias para o trabalhador, mesmo assim, se estará ocultado às contradições da sociedade (relações de poder). O autor indaga: “não será o psicólogo um reles instrumento de adaptação do trabalhador em prol da reprodução cega de uma realidade social injusta?” (DITTRICH, 1999, p. 50). No entanto, Codo (1994 apud DITTRICH, 1999, p. 50) aponta o outro lado da moeda: as possibilidades da Psicologia nas organizações. [...] quanto mais cresce a importância da indústria na sociedade contemporânea, mais crescem as críticas que a Psicologia, principalmente no âmbito acadêmico, faz à atuação do psicólogo na indústria. Embora seja muito difícil operacionalizar estas formulações, sente-se claramente que os professores e alunos de Psicologia referem-se a esta especialidade como uma espécie de irmã menor da Psicologia, um misto de asco e comiseração comum à mãe (prendada) que se refere a uma filha que se prostituiu. [...] Sobre a crítica da função teórica do psicólogo industrial, já se transformou em lugar comum as afirmações de que estas atividades [...] são intrinsecamente reacionárias. [...] a crítica que produz a não intervenção é uma crítica caolha, covarde, que lava as mãos e se recusa em inverter o papel da ciência, que não se submete a correr os riscos do poder para tentar subvertê-lo.

Frente a um mercado cada vez mais competitivo, composto por um número bem maior de concorrentes mais qualificados, novas exigências surgem para a sustentação das empresas. Dessas exigências, fez-se emergir a denominada “reestruturação produtiva”, que demanda uma “flexibilização” dos processos de trabalho, a modelo do toyotista, no lugar do tradicional modelo fordista. Novas exigências são feitas às organizações e estas, por sua vez, endereçam as exigências a seus funcionários (DITTRICH, 1999, p. 56). Dittrich (1999) pontua que exigir do trabalhador sua inserção numa nova “cultura organizacional” é parte fundamental do processo de reestruturação produtiva. Basicamente, deseja-se que o trabalhador seja criativo, tenha iniciativa, seja responsável, saiba trabalhar em equipe, resolva problemas, lide bem com as inovações tecnológicas constantes e seja portador de alta capacidade de abstração, para predispô-lo à aprendizagem constante. Na implantação desse sistema, segundo o autor, observam-se benefícios em alguns aspectos e reveses em outros. Entre os benefícios, explica, são considerados os V.9, nº2. p. 79-96, ago./dez. 2016.

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ganhos nas áreas de autoestima, confiança mútua, realização pessoal e responsabilidade; e os reveses são a convivência com as contradições geradas pelas próprias mudanças, em que se cobra parceria e colaboração, mas, na maioria de vezes, de modo unilateral. Outros aspectos negativos da “nova ordem organizacional” são a intensificação do ritmo produtivo, aumento do estresse funcional, polivalência dos funcionários que passam a acumular funções (administrativas, de controle de qualidade, limpeza e manutenção), sem ganhar proporcionalmente por isso, além do aumento do desemprego (DITTRICH, 1999, p. 59). É evidente que há uma negligência em relação aos fatores importantes ao bemestar dos funcionários na implantação da nova cultura organizacional. Há certa humanização

no

trabalho,

mas,

ao

mesmo

tempo,

uma

naturalização

da

superexploração, além da aceitação passiva de remunerações desproporcionais e a retirada gradativa dos mecanismos de proteção ao trabalhador, que vem ocorrendo maciçamente. Os trabalhadores vêm perdendo poder de negociação de seus direitos trabalhistas e em relação às novas exigências da reestruturação produtiva, tanto junto às organizações como junto ao Estado (DITTRICH, 1999). E é nesse contexto que se insere o psicólogo organizacional. Todavia: [...] "[...] no desempenho de suas funções, o psicólogo não poderá situar seus compromissos com a empresa acima dos que o vinculam à comunidade" [...]. Como afirma Codo [...], "é verdade que o psicólogo industrial é um empregado do patrão, contratado para fazer frente ao operário. Por isto mesmo, o psicólogo consciente deveria estar na indústria refletindo conscientemente para tentar subverter suas funções". Inversamente, porém, pode-se afirmar - sem pudores - que o psicólogo deverá trabalhar, também, em prol dos objetivos da empresa. Não fazê-lo seria tão antiético quanto apenas faze-lo - vide o próprio Código de Ética Profissional dos Psicólogos, em seu artigo 04 [...] - e, ademais, fatalmente levaria à dispensa do psicólogo. Ao menos até que conquiste estabilidade, respeito e confiança dentro da organização, não será facultado ao psicólogo promover reformas amplas em prol dos empregados sem que haja uma contrapartida financeira - ao menos indireta -para a organização. Por isso, ganha importância o bom senso do psicólogo em firmar-se com paciência e humildade, visando alcançar maior liberdade de atuação (DITRICH, 1999, p. 64).

Dittrich (1999) prossegue dizendo que a cautela (e não a passividade ou o conformismo) é a primeira palavra de ordem para o psicólogo que se preocupa com a efetiva promoção do bem-estar humano nas organizações. É necessário analisar, com realismo, as condições de atuação do psicólogo, que considera desfavorável, ainda. Uma das saídas que Dittrich (1999) propõe, baseado em ideias já publicadas por Codo, é a discussão pública sobre a saúde mental no trabalho e, ainda, as entidades representativas da Psicologia têm (ou deveriam ter) um papel fundamental na 92

negociação das políticas sociais, e devem mobilizar esforços do Estado, das organizações, assim como de todos os segmentos organizados da sociedade. Por fim, as importantes considerações de Dittrich (1999) acerca das problemáticas da Psicologia Organizacional e do Trabalho, servem-nos de reflexão sobre as publicações selecionadas, que relevaram que a atuação profissional do psicólogo, inserido nas organizações, ainda se encontra limitada, diante da magnitude das contribuições da Psicologia às organizações de trabalho. Podemos considerar que o que está em voga são as demandas e o atendimento ao sistema produtivo capitalista, onde “o fazer”, a técnica e o resultado para o alcance dos objetivos organizacionais, o aumento da produtividade e o lucro são elementos privilegiados. Contudo, tais pressões não devem mitigar os profissionais que, por sua vez, devem opor resistência a práticas superficiais em nome da ética e do compromisso social, pois o grande desafio é, assertivamente, articular o saber científico à ação de transformação dessa complexa e contraditória sociedade, que perpassa o mundo do trabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS A Psicologia aplicada às organizações de trabalho, historicamente, possui um viés de “o homem certo no lugar certo”, o que está intimamente relacionado ao recrutamento e seleção de pessoas “certas” aos cargos e funções nas organizações, por meio de medidas psicométricas com a aplicação dos testes, herança da guerra o do princípio da industrialização. Com o advento da globalização, os mercados transnacionais, cada vez mais, vêm requerendo das empresas a tal da competitividade. Essas, por sua vez, para adquirirem seu “diferencial competitivo” e sobreviverem, transferem a responsabilidade para a seus funcionários, colaboradores ou quaisquer nomes que deem aqueles que vendem sua força de trabalho, exigindo-lhes comportamentos de liderança, flexibilidade, próatividade, polivalência e etc., e aqueles que não possuem tais requisitos ou não se desenvolvem para obtê-los ficam de fora do trem da “era da informação”. Continua-se, então, a lógica do “homem certo no lugar certo” e os inadaptáveis são descartados e entregues à sua sorte. É lançado ao indivíduo que ele dê conta e seja responsável ou responsabilizado pelo seu sucesso e/ou fracasso, gerando-lhe sofrimento psíquico e a existência de organizações doentes.

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Logo, é de suma importância que as empresas estejam atentas às problemáticas oriundas das relações e da organização do trabalho, entre outras, requisitando e possibilitando ao psicólogo, nelas inserido, colocar em prática aquilo que vem sendo posto na teoria, em consonância com as demandas atuais – o que foi revelado pela literatura: a divergência entre a teoria vasta e enriquecedora e a prática limitada e tecnicista adaptativa –, com o objetivo de preservar a saúde dos indivíduos e, por conseguinte, das organizações. Assim, para a sobrevivência das organizações e das nações, o desenvolvimento sustentável, tão propagado na atualidade, deve ser empregado não apenas aos recursos do meio ambiente, mas também às pessoas que movem as organizações e que, por sua vez, também almejam se desenvolver e prosperar. Considerando a delimitação histórico-temporal do período das publicações analisadas, resta-nos saber se as práticas limitadas de atuação do psicólogo organizacional e do trabalho mantêm-se nos dias de hoje, o que nos parece ainda contemporâneo, diante de nossa experiência e prática profissional. Contudo, sem dúvidas, cabe uma nova investigação na produção científica atual. REFERÊNCIAS ANDRADE, J. E. B.; ZANELLI, J. C. Desafios metodológicos da pesquisa em Psicologia Organizacional e do Trabalho. Estud. psicol [online], 2002. Disponível em: . Acesso em: 18 jun. 2012. AZEVEDO, B. M. A.; CRUZ, R. M. O processo de diagnóstico e de intervenção do psicólogo do trabalho. Cad. psicol. soc. trab, v. 9, n. 2, p. 89-98, 2006. Disponível em: . ISSN 1516-3717. Acesso em: 22 fev. 2012. AZEVEDO, B. M.; BOLOME, S. P. Psicólogo organizacional: aplicador de técnicas e procedimentos ou agente de mudanças e de intervenção nos processos decisórios organizacionais? Rev. Psicol., Organ. Trab., Florianópolis, v. 1, n. 1, jun. 2001. Disponível em: . Acesso em: 04 dez. 2012. CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Atribuições profissionais do psicólogo no Brasil. 17 de outubro de 1992. Disponível em: . Acesso em: 22 fev. 2012. DITTRICH, A. Psicologia organizacional e globalização: os desafios da reestruturação produtiva. Psicol. cienc. prof. [online], v. 19, n. 1, p. 50-65, 1999. Disponível em:

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. Acesso em: 03 mar. 2012. FREITAS, S. M. P.; GUARESCHI, N. M. F. A construção da pluralidade do conhecimento na formação e na prática do psicólogo no contexto do trabalho. Aletheia [online]. 2004, n.19, p. 75-88. Disponível em: . Acesso em: 04 dez. 2012. GAGNO, A. P.; VENTURI, E. P. C. Atuação dos psicólogos que trabalham em empresas que desenvolvem programas de qualidade, IN: Interação, Revista do Departamento de Psicologia da UFPR, Curitiba, n. 6, jan./dez, 1997. Disponível em: . Acesso em: 20 nov. 2012. GUANAIS, M. A. B. O trabalho e a qualidade total: contribuições do psicólogo organizacional. Estud. psicol [online], 2000. Disponível em: . Acesso em: 18 jun. 2012. IEMA, C. R. D. Um estudo teorico sobre a formacao do psicólogo organizacional no Brasil. Psicol. teor. Prát. v. 1, n. 1, p. 31-41, jan./jul. 1999. Disponível em: . Acesso em: 04 dez. 2012. SANTOS, E. C. M. Representações Sociais da Psicologia do Trabalho: o olhar de formandos em Psicologia da Universidade Federal do Pará. 2010. 129f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Universidade Federal do Pará, UFPA, Belém, 2010. Disponível em: . Acesso em: 20 nov. 2012. SILVA, P. C.; MERLO, A. R. C. Prazer e sofrimento de psicólogos no trabalho em empresas privadas. Psicol. cienc. prof., Brasília, v. 27, n. 1, mar. 2007. Disponível em: . Acesso em: 04 dez. 2012. SCHULTZ, D. P.; SCHULTZ, S. E. História da psicologia moderna. 15. ed. São Paulo: Cultrix, 1992. TONETTO, A. M. et al. Psicologia organizacional e do trabalho no Brasil: desenvolvimento científico contemporâneo. Psicol. Soc. [online], 2008. Disponível em: . Acesso em: 18 jun. 2012. VIEIRA, I. A. S. Inserção do psicólogo em organizações e no trabalho: uma análise da formação e atuação do psicólogo organizacional e do trabalho no Estado de Sergipe. 2006. 90f. Trabalho de Conclusão (Graduação em Psicologia) - Universidade Federal de Sergipe, UFS, São Cristóvão, 2006. Disponível em: . Acesso em: 04 dez. 2012. ZANELLI, J. C.; BASTOS, A. V. B. Inserção profissional do psicólogo em organizações e no trabalho. In: ZANELLI, J. C.; BORGES-ANDRADE, J. E. BASTOS,

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A. V. B. (Orgs.). Psicologia, organizações e trabalho no Brasil. Porto Alegre: Artmed, 2004.

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ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: um olhar para o desenvolvimento cognitivo, ajuste emocional e seus impactos na vida profissional Alberto Abad1 Thaís Marluce Marques Abad2 Resumo O objetivo do presente artigo é analisar os fatores do desenvolvimento cognitivo, ajuste emocional do indivíduo AH/SD e seus impactos na vida profissional e laboral. A metodologia empregada está embasada numa pesquisa bibliográfica, exploratória e descritiva realizada a partir do levantamento de referências teóricas já analisadas e publicadas, referentes ao tema em questão. Assim, num primeiro momento, analisar-seão os fatores que facilitam o ajuste emocional de indivíduos AH/SD (familiares, escolares, laborais e interpessoais). Posteriormente, se refletirá na pergunta do porquê existirem pessoas que mesmo vivendo em situações sociais e econômicas desfavoráveis podem desenvolver suas AH/SD e ser profissionais de sucesso, enquanto outros, com todas as oportunidades na vida não alcançam sucesso profissional e nem contribuem efetivamente para a sociedade? No intuito de responder essa questão, estudar-se-ão: o conceito de resiliência, a Teoria da Avaliação Cognitiva de Lazarus e a Teoria da Desintegração Positiva de Dabrowski. Assim sendo, conclui-se ser importante aplicar de maneira efetiva os modelos teóricos já propostos, de modo compreensivo e explicativo, das AH/SD sob os aspectos do desenvolvimento cognitivo e emocional dos indivíduos. Palavras-chave: Altas Habilidades / Superdotação. Desenvolvimento cognitivo. Ajuste Emocional. Resiliência. Teoria da Desintegração Positiva de Dabrowski.

ALTAS CAPACIDADES/SUPERDOTACIÓN: un enfoque en el desarrollo cognitivo, ajuste emocional y sus impactos en la vida profesional                                                                                                             1

Formado em Psicologia e Administração, com pós-graduação em Hipnoterapia Ericksoniana e Programação Neolinguística. Atualmente fazendo graduação do curso de Letras na Universidade UNOPAR. Professor de Psicologia nas Universidades: Universidad CUT (México) e Universidad del Desarrollo Profesional (México). Professor de Inglês e espanhol no Cultural Norte Americano (Macapá). 2 Especialista em Novas Linguagens e Novas Abordagens para o Ensino da Língua Portuguesa pela Faculdade Atual (Macapá), graduada em Licenciatura Plena em Letras e Literaturas Vernáculas com Habilitação em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Pará (UFPA), docente em Pós – Graduação/Especialização em Educação Especial e Inclusiva, funcionária pública da Secretaria de Educação do Estado do Amapá, professora orientadora e de atendimento a alunos com Altas Habilidades/Superdotação no Núcleo de Atendimento a Alunos com Altas Habilidades / Superdotação (NAAHS/AP).  

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Resumen El objetivo del presente artículo es analizar los factores de desarrollo cognitivo, ajuste emocional del individuo AH/SD y sus impactos en la vida profesional y laboral. La metodología empleada está basada en una investigación bibliográfica, exploratoria y descriptiva realizada a partir de referencias teóricas, referentes al tema, previamente analizadas y publicadas. En este sentido, se iniciará considerando los factores que facilitan el ajuste emocional de individuos AH/SD (familiares, escolares, laborales e interpersonales). Posteriormente, se analizará la pregunta: ¿por qué existen personas que a pesar de vivir en situaciones sociales y económicas desfavorables pueden desarrollar sus AH/SD y ser profesionales de éxito, mientras otros, con todas las oportunidades en la vida no llegan al éxito profesional ni contribuyen efectivamente con la sociedad? Con la intención de responder esa pregunta se estudiarán: el concepto de resiliencia, la Teoría de la Evaluación Cognitiva de Lazarus y la Teoría de la Desintegración Positiva de Dabrowski. De esta manera, se concluye la importancia de aplicar de manera efectiva los modelos teóricos ya propuestos, de modo comprensivo y explicativo, de las AH/SD acerca de los aspectos del desarrollo cognitivo y emocional de los individuos. Palabras-clave: Altas Habilidades / Superdotación. Desarrollo cognitivo. Ajuste emocional. Resiliencia. Teoría de la Desintegración Positiva de Dabrowski.

INTRODUÇÃO Definir as Altas Habilidades / Superdotação (AH/SD)3, não é uma tarefa simples, devido à multiplicidade de fatores que as caracterizam, mas a definição brasileira atual “considera os educandos com altas habilidades/superdotação aqueles que apresentam grande facilidade de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes” (BRASIL, 2001, Art. 5º, III). Esta definição destaca tanto a rapidez de aprendizagem como a facilidade com que os indivíduos AH/SD se engajam em sua área de interesse. Assim de modo simplificado, e no intuito de fornecer uma definição adequada ao foco desse artigo, poderíamos usar a definição de desenvolvimento assincrônico (SILVERMAN, 1997, p.36) “que abrange um desenvolvimento díspar, complexidade, intensidade, alta consciência, risco de alienação social, e vulnerabilidade”, que ajudará a esclarecer aqui o porquê de algumas crianças identificadas como AH/SD tornarem-se adultos bem sucedidos, enquanto outras igualmente identificadas não conseguem desenvolver essas habilidades no seu cotidiano, afetando a posteriori seu desenvolvimento profissional. Desta forma, o objetivo desse artigo consistirá em analisar os fatores do desenvolvimento cognitivo, ajuste emocional do indivíduo AH/SD e seus impactos na vida profissional e laboral, com o intuito de sugerir estudos                                                                                                             3

Para evitar repetições, utilizaremos a abreviação AH/SD para: Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD) e pessoas com Altas Habilidades e Superdotação (PAH/SD)

 

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posteriores de modelos abrangentes, os quais levem em consideração os fatores aqui propostos. Inicialmente, para analisar os fatores de desenvolvimento cognitivo se introduzirá o conceito de estilos cognitivos, sobre os quais “refletem diferenças individuais na organização cognitiva da pessoa e os vê como elemento mediador entre a habilidade e a personalidade [...] organizando e controlando, tanto o processamento de informação como as respostas emocionais” (ANGELI DOS SANTOS, 2003, p.12) que influem no ajuste emocional dos indivíduos AH/SD. O ajuste emocional, por sua parte, é um construto psicológico que faz referência a como a pessoa “responde às demandas do ambiente [...] e, é o resultado de um eficaz aproveitamento dos recursos ambientais e psicológicos que o indivíduo tem a sua disposição” (PEÑAS, 2006, p.92). Assim, na relação entre o ajuste emocional e a superdotação, existem duas posturas contraditórias que têm sido investigadas cientificamente: a primeira observa a superdotação como um fator protetor, e a segunda como um fator de vulnerabilidade no desenvolvimento. Porém, ambas posturas têm uma similitude quanto a perspectiva teórica, devido postularem que as “capacidades cognitivas diferentes são o resultado de um melhor ou pior ajuste emocional, e, portanto, enfatizam a importância das diferenças no âmbito cognitivo da pessoa superdotada (PEÑAS, 2006, p.99). [...] uma postura compartilhada: que a superdotação não é uma característica neutral com relação ao ajuste psicológico; portanto, ou contribui a favorecer o ajuste emocional, ou pelo contrário, incrementa a vulnerabilidade do indivíduo diante da desadaptação. (PEÑAS, 2006, p.90).

O aspecto determinante que influi no rumo dessa relação está intrinsecamente relacionado a três pontos fundamentais: “o tipo de superdotação, o ambiente educativo e as caraterísticas pessoais da criança” (PEÑAS, 2006, p.90), e aos fatores familiares, sociais e laborais que determinam o desenvolvimento e o ajuste, ou não, em ambos os casos, desses indivíduos. Uma caraterística das crianças AH/SD é que avaliam o ambiente de forma precoce e, portanto, “são capazes de usar o modelo de valoração cognitiva de Lazarus e Folkman” (PEÑAS, 2006, p.90) que, se aplicado ao ajuste social e emocional das crianças e adolescentes AH/SD, explica o porquê de alguns indivíduos serem capazes de adaptar-se ao stress gerado no seu desenvolvimento. O modelo, suscintamente, elucida que a criança ou adolescente utiliza um dos seguintes métodos para adaptar-se às novas circunstancias estressantes: um processo de ajuste, no qual realiza uma avaliação V.9, nº2. p. 97-119, ago./dez. 2016.

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cognitiva para determinar as condutas que resolverão o problema; ou um processo de realização (achievement), no qual procurará mudar a conduta para adaptar-se ao entorno. Assim, sugere-se “que os alunos superdotados podem usar a avaliação cognitiva mais cedo que seus colegas não superdotados (CALLAHAN, 2004, p.7). Porém, o modelo de Lazarus não é suficiente para explicar a superdotação, para isso se utilizará a Teoria da Desintegração Positiva de Dabrowski, que postula que os indivíduos superdotados poderiam estar positivamente desajustados, isto é, que no seu desenvolvimento entram em conflito com os valores, opiniões e costumes externos inculcados, devido apresentarem uma forte tenacidade (overexcitability) expressa como uma resposta extrema a estímulos, levando-os a períodos de profunda reflexão e introspeção para finalmente emergir seu ideal de personalidade. Nesse sentido, as características positivas dos AH/SD no âmbito sócio emocional “podem converter-se em fraquezas [se não forem bem desenvolvidas], tais como: sua tendência ao perfeccionismo, a escassa tolerância à frustração, sua excessiva tendência à autocritica, seu elevado nível de aspirações, seu medo ao fracasso e sua sensibilidade emocional” (PEÑAS, 2006, p.91). Desta forma, pode-se gerar no indivíduo AH/SD um estado de ansiedade e medo à rejeição social mostrando um comportamento que “tente ocultar a superdotação” (PEÑAS, 2006, p.91) negando essas características em seu meio social. A interação dos fatores sociais, familiares, educativos e profissionais é importante no desenvolvimento da criança AH/SD, portanto faz-se necessário desenvolver “um modelo compreensivo e explicativo da superdotação e sua influência no ajuste emocional” (PEÑAS, 2006, p.100) que possa identificar as crianças AH/SD com “profundas habilidades de raciocínio [lógico] matemático ou verbal antes da idade de treze anos [...] [cujos] reconhecimentos e realizações criativas, alcançados na idade [adulta] [...] iluminem a magnitude de sua contribuição e de seu status profissional” (KELL, 2014, p.1). Destarte, com alicerces na definição da pesquisa de tipo descritivo que apresenta “os fatos e fenômenos de determinada realidade e exige do investigador uma série de informações do que se deseja investigar" (TRIVIÑOS, 1987, Apud GERHARDT, 2009, p.32.), propôs-se como metodologia uma pesquisa bibliográfica, exploratória e descritiva que incluiu livros e publicações periódicas que abordam os estudos atuais sobre AH/SD, bem como, as teorias de Lazarus e Dabrowski. O processo metodológico usado foi elaborado “a partir do levantamento de referências teóricas já analisadas e publicadas por meios escritos e eletrônicos” (FONSECA, 2002, p.32).

 

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DESENVOLVIMENTO O precário conhecimento das necessidades e dos traços de personalidade dos

AH/SD tem criado mitos e percepções erradas sobre esses indivíduos, tornando sua identificação e atendimento insuficientes ou inexistentes e, portanto, influindo no seu desenvolvimento psíquico, emocional, social e laboral ao longo dos anos. Deste modo, o objetivo do presente artigo é analisar os fatores do desenvolvimento cognitivo, ajuste emocional do indivíduo AH/SD e seus impactos na vida profissional e laboral, tomando em conta a sua quase-invisibilidade dentro de suas próprias famílias, na sala de aula, no ambiente laboral, na sociedade e inclusive para si mesmos. Existe uma grande variedade de situações que impedem a identificação e o reconhecimento desses indivíduos AH/SD: a infra- ou supervalorização de suas características, habilidades e comportamentos; os mitos espalhados sobre as AH/SD; a percepção dos professores sobre o tema; a falta de conhecimento sobre o assunto e de informação nas famílias; o desconhecimento sobre o tema nos Departamentos de Recursos Humanos dentro das empresas; e a própria percepção do AH/SD de si mesmo. Outro empecilho refere-se as escassas pesquisas no Brasil referentes aos fatores que facilitam o ajuste emocional, social e profissional de pessoas AH/SD e quanto esta especificidade facilitará ou inibirá seu desenvolvimento no mercado de trabalho. Destarte, com o intuito de analisar os fatores que facilitam o ajuste emocional das pessoas AH/SD, e atingir o objetivo exposto no primeiro parágrafo, se optou por utilizar uma metodologia embasada numa pesquisa bibliográfica, exploratória e descritiva, elaborada “a partir do levantamento de referências teóricas já analisadas e publicadas por meios escritos e eletrônicos” (FONSECA, 2002, p.32), a qual pode ser definida como aquela que apresenta “os fatos e fenômenos de determinada realidade e exige do investigador uma série de informações do que se deseja investigar" (TRIVIÑOS, 1987, Apud GERHARDT, 2009, p.32.). Assim, a pesquisa bibliográfica incluiu os livros e artigos originais das teorias acima expostas, com o intuito de respeitar os conceitos originais dos autores. Também foram utilizadas publicações periódicas em jornais especializados e teses de doutorado que abordam os estudos atuais sobre AH/SD, bem como, as teorias de Lazarus e Dabrowski. Outrossim, para um melhor entendimento do artigo, dividiremos os fatores que facilitam o ajuste emocional de indivíduos AH/SD em: familiares, escolares, laborais e interpessoais. Como início, analisar-se-á a família como uma instituição que tem um V.9, nº2. p. 97-119, ago./dez. 2016.

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papel integral no ajuste emocional e social das crianças AH/SD, porque “teóricos em sistemas familiares sugerem que o desenvolvimento da personalidade da criança depende da saúde familiar e na habilidade da família de negociar com sucesso as tarefas e os eventos estressantes da vida” (CALLAHAN, 2004, p.2). Um dos pontos importantes a serem tratados é o fato de que em muitas situações o AH/SD é considerado um elemento estressor da família pois frequentemente os superdotados mostram grande sensitividade e excitabilidade, que pode se evidenciar em atividades corriqueiras como viagens, visitas familiares ou serviços religiosos que podem tornar-se tediosos para o elevado nível de curiosidade e imaginação da criança, posto que frequentemente seu intelecto é mais desenvolvido que sua idade contudo, sua maturidade emocional é menos desenvolvida caracterizando, o que se chama assincronia. O modo como a família resolve estes conflitos diários e sua funcionalidade prediz o desenvolvimento, seja negativo ou positivo, destas crianças. A família é fator central para facilitar o desenvolvimento de suas habilidades: Alguns estudos que consideram o papel da família e o ajuste pessoal das crianças AH/SD [...] sugerem que o entorno familiar que enfatiza relações de apoio e abertura, com baixo conflito entre seus membros, é importante para a autoestima e o ajuste geral das crianças AH/SD. (CALLAHAN, 2004, p.2).

O segundo dos fatores refere-se ao contexto escolar que inclui o entorno: abrangendo aos professores, estudantes, material didático, metodologias e curriculum. Infelizmente, a falta de informação dos docentes e muitas vezes o desinteresse destes sobre as especificidades que estão relacionadas aos alunos AH/SD permite que estes não sejam incentivados e estimulados adequadamente em sala de aula e por isso o professor acaba sendo um instrumento que os induz a apresentarem características como desatenção ou desmotivação, que ocasionalmente são confundidas como patologias, hiperatividade, déficit de atenção ou depressão. Mas a verdade é que os alunos AH/SD “estão muito adiante em habilidades básicas que seus colegas de grau e podem aprender mais rapidamente [...] são mais adeptos para usar conceitos complexos e material abstrato” (ARCHAMBAULT, 1993, p. 98). [...] devido a aspectos socioeconômicos e culturais, e a falta de oportunidades (especialmente em classes sociais desfavorecidas) as famílias não possuem condições para oferecer alternativas de desenvolvimento condizentes com as necessidades das PAH/SD. A escola, educacionalmente empobrecida – pois carece, não apenas de recursos materiais, mas fundamentalmente de criatividade – tem enormes dificuldades para a inclusão das diferenças, especialmente as diferenças das PAH/SD, que, por não serem reconhecidas nem valorizadas, não “merecem” os esforços educacionais que seriam necessários para atendê-las. (PÉREZ, 2008, p.20).

 

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Assim, como esse estado de coisas persiste no tempo “sugere que a escola seria ainda um fator de maior estresse para o adolescente superdotado [...] como resultado de [oferecer] desafios inapropriados” (CALLAHAN, 2004, p.3). Por não proporcionar desafios de acordo às necessidades dos AH/SD, estes nem sempre serão oportunamente identificados e, portanto, ocasionará que os “estudantes superdotados experimentem dificuldades com seu planejamento de educação e de carreira” (STEWART, 1999, p.3). A partir deste aspecto, podemos analisar o terceiro fator que facilita o ajuste emocional de indivíduos AH/SD. À eleição de carreira e planejamento educativo tem a ver com os conceitos de multipotencialidade, precocidade e formação prematura 4 (KASS, 2010, p.1). No referente à multipotencialidade de alunos AH/SD, significa que possuem a habilidade de realizar muitas tarefas em altos níveis de competência, portanto, “precisam selecionar carreiras que satisfaçam suas necessidades de desafios e desenvolvimento contínuo de suas habilidades” (STEWART, 1999, p.3). Conforme esta assertiva, os alunos AH/SD geralmente apresentam uma formação intelectual precoce, mas, ao mesmo tempo uma maturidade física e emocional ainda não desenvolvida, “possuem muita informação em ocupações” (STEWART, 1999, p.5) e, por conseguinte, perdem “muitas oportunidades por focar-se demasiado cedo em uma área acadêmica especifica” (KASS, 2010, p.1). Esses fatores ao final influem na formação de carreira e, portanto, afetam o desempenho laboral e profissional. Geralmente o Departamento de Recursos Humanos não possui informações suficientes dos indivíduos AH/SD, e poucas vezes canaliza seus trabalhadores para serem atendidos às instâncias adequadas, fazendo assim que os AH/SD trabalhem em ambientes laborais onde: [...] geralmente desenvolve tarefas ou atividades rotineiras, que estão aquém de sua capacidade de desempenho, que se tornam desinteressantes e desmotivadoras e, muitas vezes, fazem que o desempenho laboral seja percebido como insuficiente por ela ou pela empresa e que o trabalho não seja gratificante, podendo levar a conflitos com chefias e colegas (PÉREZ, 2008, p.20).

De tal modo, os indivíduos AH/SD não desenvolvem satisfatoriamente suas habilidades no ambiente laboral, o que lhes é desfavorável, visto que existem pesquisas que apoiam que “o capital humano excepcional [atualmente] dirige a economia global”                                                                                                             4

Foreclosure é o termo usado por o psicólogo Erik Erikson para descrever uma formação de identidade prematura, o que ocorre quando o adolescente adota as ideias de seus pais ou da sociedade sem questionamento ou análise.  

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(FRIEDMAN, 2007 apud KELL, 2014, p.1) e, portanto, “ser capaz de identificar, atrair e desenvolver o capital humano é cada vez mais importante para organizações de negócios, científicas e técnicas enquanto procurem ser competitivas” (KELL, 2014, p.1). A prosperidade de longo prazo para nossa nação dependerá, cada vez mais, de indivíduos com talento e motivação que compreenderão a vanguarda de inovações cientificas e tecnológicas [...] não surpreende que o produto bruto doméstico de uma nação está diretamente influenciado por um agregado de realizações de seus residentes com grandes habilidades na ciência, tecnologia, engenheira e matemática (STEM 2011, apud KELL, 2014, p.1).

A perda de capital humano AH/SD influi no destino do pais. Como se tem visto em grande escala, em um movimento que pode se chamar de “migração intelectual”, quando observamos um grande número de jovens promissores que ao concluírem seus estudos acadêmicos optam por tentar carreiras profissionais em países no exterior. Ratificando que: [...] o futuro de qualquer nação depende da qualidade e competência de seus profissionais, da extensão em que a excelência for cultivada e do grau em que condições favoráveis ao desenvolvimento do talento, sobretudo do talento intelectual, estiverem presentes desde os primeiros anos da infância [...] O fato de que uma boa educação para todos não significa uma educação idêntica para todos tem levado a um interesse crescente pelos alunos mais competentes e capazes, a par de uma consciência de que um sistema educacional voltado apenas para o estudante médio e abaixo da média pode significar o não-reconhecimento e estímulo do talento e, consequentemente, o seu não-aproveitamento” (ALENCAR, 1987, apud VIRGOLIM, 2007, p.17).

Infelizmente o resultado é a fuga de cérebros que migram a países que proporcionam as condições apropriadas para o desenvolvimento de suas habilidades, sejam nas áreas das artes, das tecnologias, das ciências, nas quais são muitas vezes mais reconhecidos e respeitados em suas atividades laborais do que no Brasil. Para evitar o crescimento da migração intelectual de AH/SD é importante que a família, a escola e o ambiente laboral se tornem suportes positivos para os indivíduos AH/SD, reconhecendo suas diferenças, habilidades e motivando de forma equitativa o seu desenvolvimento. Contudo, poucos pais, professores e empresários possuem informações suficientes para saber como conviver com os AH/SD e, portanto, escassos são os filhos, alunos e profissionais com essas caraterísticas que encontram suporte e atendimento dentro da família, da escola e da empresa em que trabalha. Deste modo, estudar o ambiente laboral, a família ou a escola isoladamente seria simplificar

extremamente

as

experiências

dos

indivíduos

AH/SD.

Mas,

independentemente das condições em que vivem, existem crianças AH/SD que podem  

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desenvolver suas habilidades e ser bem-sucedidos profissionalmente mesmo em condições adversas. Por isso surge a pergunta: Por que existem pessoas que a pesar de viverem as piores condições possíveis podem desenvolver suas AH/SD e serem profissionais de sucesso, enquanto outros, com todas as oportunidades na vida não alcançam sucesso profissional e nem contribuem efetivamente para a sociedade? No intuito de responder essa pergunta, precisamos analisar os fatores interpessoais. Aqui ponderaremos o conceito de “resiliência como fator de desenvolvimento cognitivo humano” (CALLAHAN, 2004, p.1) que favorece o incremento de condutas adaptativas e evita o desenvolvimento de condutas não adaptativas ou de risco para pessoas AH/SD: [...] pessoas resilientes compartilham traços de personalidade como: envolvimento com a tarefa, logros acadêmicos, habilidade verbal, reflexividade, inteligência, habilidade de sonhar, desejo de aprender, lócus internos de controle, tomada de riscos e auto entendimento” (CALLAHAN, 2004, p.2).

Geralmente as caraterísticas apontadas pela doutora Callahan, com respeito as pessoas resilientes, são também associadas a indivíduos AH/SD, porém, e a pesar de compartilhar esses traços de personalidade, ainda existem alguns dentre eles que mostram condutas mal adaptativas e de risco. O ponto central está em como o sujeito percebe suas diferenças, se as compreende, e qual a percepção que tem de si mesmo. Essas percepções dependem das respostas das pessoas que compartilham o ambiente no qual está inserido (família, escola, ambiente laboral, sociedade), o que influi na autoimagem e no conceito subjetivo do que são as AH/SD. Desse modo, se as respostas forem adequadas permitirão o fortalecimento e manifestação de suas AH/SD para: adquirir uma identidade própria; desenvolver saúde psicológica e emocional; afrontar os desafios da sociedade; e tornar-se profissionais de sucesso. Esta auto percepção é importantíssima no desenvolvimento da identidade do indivíduo, assim, “o estilo cognitivo5 de resiliência conhecido como robustez6, tem sido identificado como paliativo das reações estressantes em indivíduos bem adaptados.                                                                                                             5

Os estilos cognitivos “refletem diferenças individuais na organização cognitiva da pessoa e os vê como elemento mediador entre a habilidade e a personalidade [...] organizando e controlando, tanto o processamento de informação como as respostas emocionais” (ANGELI DOS SANTOS, 2003, p.12). 6 Do inglês Hardiness (robustness), que se refere a habilidade de elementos, sistemas ou unidade de análise de suportar condições de stress sem sofrer degradação o perca das funções (BRUNEAU, 2004, p.5). Conceito introduzido por Suzanne Kobasa no seu artigo “Stressful life events, personality, and health: na inquiry into hardiness” (1979). Assim sendo, representa um traço de personalidade “que define os sentimentos de influência pessoal, abertura à mudança, e habilidade para controlar os estados emocionais” (HAYES, 2015, p.2).    

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Revista FOCO. ISSN: 1981-223X A robustez é compreendida por três atributos cognitivos: o compromisso com si mesmo e com o trabalho, sentido de controle pessoal sob suas experiências e resultados e a percepção que as mudanças representam desafios e que devem ser tratados como oportunidades de crescimento no lugar de ameaças” (SHEPPERD, 1991, p.748).

Assim sendo, a experiência individual para reconhecer-se como pessoa AH/SD influirá no sentimento de controle pessoal e na percepção do que isso significa para seu futuro. Esta experiência é diferente para cada indivíduo, devido a múltiplos fatores: como os traços de personalidade, o ajuste emocional e social ao seu entorno que “interagem para produzir uma experiência de Altas Habilidades diferente para cada indivíduo. Mas, as dificuldades para ajustar-se à vida em indivíduos altamente inteligentes possuem similitudes” (ALVARADO, 1989, p. 78). Depois de trabalhar com crianças com AH /SD e adultos maiores a 30 anos, tenho chegado à conclusão de que a maioria sofre complexos de inferioridade. Quando eu tenho tentado explicar essa observação aos professores, eles a acham incrível (SILVERMAN, 1986, p.1).

Assim sendo, o mito de que as crianças AH/SD são emocionalmente instáveis, ainda persiste no cognitivo social. Desse modo se tem equiparado as habilidades às doenças, fator que ainda influi na percepção que a sociedade tem dos AH/SD. Por isso é fácil encontrar crianças com traços de superdotação que se sentem inferiores por não entenderem suas diferenças ou por terem um conceito errado do quão emotivas, autocríticas e reativas às críticas alheias, são as pessoas AH/SD: Eu também tenho observado elevada emotividade em indivíduos AH/SD. Eles experimentam a vida fortemente, e sua intensidade, em geral, assusta a outras pessoas. Eles sofrem suas próprias inadequações profundamente. Eles são facilmente feridos, altamente autocríticos e sobre reativos à crítica de outras pessoas. Eles também são sensíveis aos sentimentos alheios e mostram grande capacidade de compaixão. Seu perfeccionismo pode leva-los facilmente ao nível de obsessivo-compulsivo (SILVERMAN, 1986 p.1).

Temos refletido até aqui nos fatores que facilitam e interagem no ajuste emocional e social da pessoa AH/SD, e dentre os fatores interpessoais mencionamos o estilo cognitivo de robustez e resiliência. Assim, “ajuste emocional é o resultado dum eficaz aproveitamento dos recursos ambientais e psicológicos que o indivíduo tem a sua disposição” (PEÑAS, 2006, p.92). Este é um conceito psicológico, que faz referência às formas que o indivíduo reage ao ambiente. Logo, um ajuste positivo é importante para afrontar as demandas da vida cotidiana, e será um fator essencial na escolha da carreira, que permitirá o indivíduo atingir suas metas profissionais e ter sucesso para encontrar soluções aos problemas ou dificuldades que surgirem ao longo de sua formação, e assim

 

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influenciar seu entorno. Enquanto que um ajuste negativo, implica dificuldades para controlar o estresse e superar desafios. Destarte, “para entender as experiências sociais e emocionais das crianças superdotadas é importante estudar seu desenvolvimento cognitivo” (CALLAHAN, 2004, p.5) e seus mecanismos de ajuste emocional como resposta às demandas externas. Assim sendo, para perceber como o conceito de resiliência influi no ajuste emocional nas crianças AH/SD, analisar-se-á a teoria da avaliação cognitiva, que sugere que este ajuste requer “mudanças cognitivas e esforços condutais com o objetivo de lidar com demandas externas ou internas que são avaliadas como sobrecarregando ou excedendo os recursos pessoais” (LAZARUS, 1984, p.141) e podem tornar se a causa de stress, o que significa uma “relação particular entre a pessoa e o ambiente” (LAZARUS, 1984, p.284). Portanto, esta teoria revela um processo de ajuste (adjustment process) que “é definido como o método de empregar esforços cognitivos para lidar com as demandas do ambiente”. (CALLAHAN, 2004, p.5). Esta definição propõe as estratégias de coping como ações deliberadas que podem ser aprendidas, usadas e descartadas (ANTONIAZZI, 1998, p.276) o que explicaria os atributos do estilo cognitivo de robustez anteriormente explicado: compromisso com si mesmo e com o trabalho, sentido de controle pessoal e a percepção que as mudanças representam desafios no lugar de ameaças. Assim, o modelo: [...] divide o coping em duas categorias funcionais: coping focalizado no problema e coping focalizado na emoção [...] e envolve quatro conceitos principais: a) coping é um processo ou uma interação que se dá entre o indivíduo e o ambiente; b) sua função é de administração da situação estressora, ao invés de controle ou domínio da mesma; c) os processos de coping pressupõem a noção de avaliação, ou seja, como o fenômeno é percebido, interpretado e cognitivamente representado na mente do indivíduo; d) o processo de coping constitui-se em uma mobilização de esforço, através da qual os indivíduos irão empreender esforços cognitivos e comportamentais para administrar (reduzir, minimizar ou tolerar) as demandas internas ou externas que surgem da sua interação com o ambiente (ANTONIAZZI, 1998, p.276).

De tal modo, quando o indivíduo dirige sua atenção para uma fonte externa de stress, utiliza estratégias tais como negociação de conflitos ou solicitação de ajuda de outras pessoas. Por sua parte, dirigida internamente implica uma reestruturação cognitiva. Neste sentido “as experiências sociais e emocionais dos superdotados requerem entender o desenvolvimento cognitivo” (CALLAHAN, 2004, p.5), assim, os componentes desse desenvolvimento tendem a “afetar o que as crianças experimentam como stress e como elas lidam com situações estressantes” (ANTONIAZZI, 1998, V.9, nº2. p. 97-119, ago./dez. 2016.

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p.287); podemos incluir dentre essas características as crenças do indivíduo, a auto percepção, a auto avaliação, os mecanismos de auto controle, o relacionamento com os pais, com outros membros da família, professores e as redes sociais entre outras. O nível de desenvolvimento cognitivo também influencia na utilização de determinadas estratégias, pois a avaliação de um estressor envolve vários processos simultâneos: a criança precisa relacionar o evento estressante com a lembrança de eventos semelhantes enfrentados em outros momentos, necessita definir os parâmetros do evento estressante, tais como a intensidade potencial e a duração e, ainda, avaliar a probabilidade de ocorrência do evento além de sua durabilidade (PETERSON, 1989, p. 383).

As habilidades necessárias para o coping aparecem em diferentes pontos do desenvolvimento do indivíduo: as focalizadas no problema, “parecem ser adquiridas nos anos pré-escolares, desenvolvendo-se até aproximadamente oito a dez anos de idade” (ANTONIAZZI, 1998, p.288), enquanto aquelas focalizadas na emoção, aparecem na adolescência. Ante o estressor, o indivíduo pode apresentar dois tipos de respostas: de stress que envolve uma reação emocional ou comportamental espontânea, ou de coping como uma reação intencional e orientada para a redução do stress. Ambas podem promover, ou não, a adaptação do indivíduo. Essas respostas, constituem-se num processo que sofre a influência de múltiplas variáveis: os mediadores, que conceberiam a “avaliação cognitiva e o desenvolvimento da atenção” (ANTONIAZZI, 1998, p.279); e os moderadores que representariam a variável preexistente que influiria o resultado de coping, mas que não é influenciada pela natureza do estressor, as quais: [...] refletiriam as características da pessoa (nível de desenvolvimento, gênero, experiência previa, temperamento), do estressor (tipo, nível de controlabilidade), do contexto (influência paterna, suporte social) bem como a interação entre esses fatores” (ANTONIAZZI, 1998, p.279).

Os moderadores seriam os recursos pessoais; que incluem saúde física, moral, crenças ideológicas, experiências previas e inteligência, entre outras. E os “recursos sócio ecológicos que incluem relacionamento conjugal, características familiares, redes sociais, recursos funcionais e circunstâncias econômicas” (ANTONIAZZI, 1998, p.280). Assim, com base na leitura de Lazarus (1984), podemos entender o porquê “da existência de duas posições sobre o bem-estar psicológico das crianças AH/SD” (NEIHART, 1998, p.10), na primeira delas se entende a superdotação como fator

 

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protetor ante os problemas de ajuste psicológico, já a segunda apoia a ideia de que a vulnerabilidade psicológica é incrementada. Deste modo, o autor sustém que a superdotação influí no bem-estar psicológico e propõe que a chave determinante para que o ajuste emocional de crianças, adolescentes e adultos superdotados seja adaptado ou desadaptado está na interação de três fatores fundamentais: o tipo de superdotação, o ambiente educativo e as características pessoais da criança, tais como a auto percepção, o temperamento e as circunstancias vitais (PEÑAS, 2006, p.90).

Para que os ajustes emocionais e sociais de crianças, adolescentes ou adultos AH/SD “sejam positivas ou negativas, parece depender de pelo menos três fatores que interatuam sinergicamente: tipo de superdotação, entorno educativo e as caraterísticas pessoais” (NEIHART, 1998, p.10). Assim, dentro das características pessoais: [...] o coping representaria o esforço para regular o estado emocional que é associado ao stress, ou é o resultado de eventos estressantes [...] dirigidos a um nível somático e/ou a um nível de sentimentos, tendo por objetivo alterar 7 o estado emocional do indivíduo , [...] constitui-se em um esforço para atuar na situação que deu origem ao stress, tentando mudá-la (ANTONIAZZI, 1998, p.282).

Para complementar o modelo de Lazarus, no relativo a como as crianças AH/SD reagem ante o ambiente em forma positiva desenvolvendo seus talentos, e, portanto, tendo sucesso na vida pessoal e profissional, é necessário analisar as características pessoais ou traços de personalidade no processo de ajuste emocional. Para isso examinaremos sucintamente a Teoria da Desintegração Positiva de Dabrowski8. O Psicólogo Kazimierz Dabrowski desenvolveu a Teoria da Desintegração Positiva (TDP) “que assigna um papel essencial às emoções e relega a inteligência a uma posição secundária de influência no desenvolvimento da personalidade” (MENDAGLIO, 2008, p.13). Teoria que tem influenciado a pesquisa nos aspectos sociais e emocionais das AH/SD para entender porque alguns indivíduos AH/SD podem fazer a transição de crianças superdotadas à adultos AH/SD, e outros não. TPD previu uma explicação convincente na questão que tinha aparecido durante meus dias como estudante: Como pode ser que um indivíduo altamente inteligente e educado seja malvado e mantenha atitudes negativas tais como o racismo? TPD me proveu a resposta [...] a inteligência não é condição suficiente para o desenvolvimento humano, devido a que o desenvolvimento não se equipara com o sucesso acadêmico ou material na

                                                                                                            7

Como por exemplo beber álcool, fumar, uso de drogas, exercício físico, comer em demasia. Devido à complexidade e profundidade nesse artigo só analisaremos os componentes principais da teoria de Dabrowski.   8

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Revista FOCO. ISSN: 1981-223X vida [...] desenvolvimento pode ser equiparado com converter-se em um verdadeiro humano (MENDAGLIO, 2008, p.14).

Nessa ordem de ideias, o processo de desenvolvimento implicaria uma transformação de um ser autocentrado a um ser altruísta, o que se torna mais evidente quando se trata de AH/SD devido a que para Dabrowski, “a maioria dos superdotados e indivíduos com criatividade mostram altos níveis de empatia, sensitividade, responsabilidade, autorreflexão e autonomia de pensamento que a população comum” (NELSON, 1989, p.5). Para Dabrowski a “personalidade não é um atributo fixo e universal; a personalidade deve ser modelada, criada, pelo indivíduo para refletir seu caráter único” (MENDAGLIO, 2008, p.18). Mas para que a transformação de um ser autocentrado a um ser altruísta se efetue, será importante que o sujeito experimente e viva suas emoções negativas que surgem no dia a dia, devido a que essas emoções são essenciais no desenvolvimento da sua personalidade9. A desintegração positiva é o processo pelo qual a personalidade é alcançada, e implica um processo de duas vias: 1) desintegração da organização primitiva destinada à gratificação de necessidades genéticas e conformidade a normas sociais, e 2) reintegração a um nível maior de funcionamento, onde o indivíduo transcende o determinismo biológico e se torna autónomo (MENDAGLIO, 2008, p.18).

Assim, o desenvolvimento humano é descrito por Dabrowski como um continuo hierárquico, “uma progressão de um nível inferior e primitivo a um nível superior e avançado” (MENDAGLIO, 2008, p.18). A teoria “enfatiza o papel do sofrimento e do conflito interno para um desenvolvimento avançado – oferece a estrutura para entender esses níveis qualitativamente diferentes do desenvolvimento humano” (NELSON, 1989, p.2): Um potencial de desenvolvimento favorável produz crises caracterizadas por psiconeuroses – fortes ansiedades e depressões – desintegração da organização mental do indivíduo. A primeira fase da desintegração positiva e do desenvolvimento da personalidade (MENDAGLIO, 2008, p.18).

Numa primeira fase, o potencial de desenvolvimento é individual e implica uma poderosa influência no crescimento mental, “é a dotação constitucional que determina o carácter e a extensão do desenvolvimento mental possível para cada indivíduo” (DABROWSKI, 1972, p.303). Posteriormente, a segunda fase da desintegração positiva                                                                                                             9

A teoria de Dabrowski “tem sido proposta para explicar o desenvolvimento emocional de indivíduos superdotados, e numa grande extensão de tópicos relacionados às Altas Habilidades” (MENDAGLIO, 2008, p.17).  

 

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propõe a criação individual de uma hierarquia de valores que determinaria o desenvolvimento da personalidade e autonomia do indivíduo. Dessa maneira cria-se um ideal de personalidade que se converte no alvo de desenvolvimento individual. Dabrowski usou o termo potencial de desenvolvimento para se referir à constelação de aspectos psicológicos que achava estavam associados com o desenvolvimento avançado da personalidade. Essas características incluem três aspectos principais: 1) habilidades especiais e talentos (como atletismo ou habilidade musical), 2) as cinco formas de sobre excitabilidade, e 3) uma forte motivação autónoma para alcançar a individualidade (MENDAGLIO, 2006, p.70).

Dabrowski, ao explicar o conceito de desenvolvimento potencial, ponderou uma qualidade do mesmo, que “nomeou de sobre excitabilidade (overexcitability), ou propriedade do sistema nervoso central [...] (que) é maior que as respostas a estímulos devido aos receptores do sistema nervoso altamente sensíveis” (DABROWSKI, 1972, p. 304). Os indivíduos com estas características “percebem a realidade de uma maneira diferente, mais intensa e multifacetada” (MENDAGLIO, 2008, p.24). Dabrowski definiu-a como “maior que uma resposta normal aos estímulos, manifestada tanto como sobre excitabilidade psicomotora, sensual, emocional (afetiva), imaginativa ou intelectual, ou como a combinação destas” (DABROWSKI, 1972, p.303). E finalmente mencionou que “a presença das formas intelectual, imaginativa e emocional (as vezes referidas como ‘as três grandes’, são consideravelmente essenciais para um desenvolvimento psicológico avançado” (MENDAGLIO, 2008, p.25). Dabrowski identificou cinco formas de sobre excitabilidade como mencionamos anteriormente: na primeira “os indivíduos com sobre excitação psicomotora tendem a ser de dois tipos “os com excesso de energia e os nervosos. Quando nervosos, a atividade psicomotora se manifesta em tics, morder as unhas ou conduta impulsiva” (MENDAGLIO, 2006, p.70). São pessoas que “se expressam com altos níveis de energia, atividade, fala rápida, procura de intensa atividade física, pressão pela ação, impulsividade” (NELSON, 1989, p.70). Pelo geral “tem dificuldade para permanecer sentados, precisam uma constante mudança de cenários e geralmente são inquietos” (MENDAGLIO, 2008, p.24). A sobre excitabilidade sensual se refere: à experiência elevada de busca de descargas sensuais da tensão interna” (MENDAGLIO, 2006, p.10), “à intensidade na procura de prazer” (NELSON, 1989, p.70). Esses indivíduos “são geralmente altamente sensitivos às percepções sensoriais como a visões, cheiros, sabores, e estimulações tácteis” (MENDAGLIO, 2008, p.24).

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No referente a sobre excitabilidade intelectual, Dabrowski se referiu a uma atividade intensificada e acelerada da mente que “inclui perguntar, analisar, resolver problemas, pensamento teórico e capacidade de um sustenido esforço intelectual” (NELSON, 1989, p.10). “Manifestam a habilidade de análise e síntese, fazer perguntas de sondagem, e amam aprender por seu próprio benefício” (MENDAGLIO, 2008, p.25). Desta forma, a sobre excitabilidade imaginativa refere-se a indivíduos inclinados a sonhar acordados com uma rica vida de fantasia, criatividade e uma: “Vivida imaginaria mental, invenções e a capacidade de imaginação criativa. Pode ser reconhecida através de uma rica associação de imagens e impressões, visualização animada e uso da imagem e metáforas na expressão verbal, predileção pela fantasia e a habilidade de recontar sonhos com detalhes” (NELSON, 1989, p.10).

Finalmente a sobre excitabilidade emocional que é a mais comum: “inclui expressões somáticas, sentimentos extremos, inibição, forte memória afetiva, medo com a morte, ansiedades” (NELSON, 1989, p.10), “medos, culpa, depressão e temperamento suicida” (MENDAGLIO, 2006, p.10). “São indivíduos sensitivos que experimentam intensamente as emoções [...] são empáticos aos outros e sentem uma forte necessidade de relações exclusivas” (MENDAGLIO, 2008, p.24). Resumindo, para que um indivíduo tenha sucesso no desenvolvimento de suas habilidades acima da média10, segundo Dabrowski (1972), deverá passar pela primeira fase da desintegração positiva para criar um ideal de personalidade que o guie durante seu desenvolvimento individual tal qual um farol direciona os navegantes ao seu destino. Ao mesmo tempo, será essencial que também possua uma forte motivação para alcançar sua individualidade a partir desse ideal. Um fator determinante no processo é o denominado potencial de desenvolvimento ou aspectos psicológicos associados, entre eles, a sobre excitabilidade intelectual, imaginativa e emocional tão determinantes para um desenvolvimento psicológico avançado. Posteriormente, a segunda fase da desintegração positiva implicará a criação de uma hierarquia de valores pessoais para reintegrar-se a um nível maior de funcionamento, onde o indivíduo transcenderá o determinismo biológico e se tornará autónomo. Esse processo é descrito por Dabrowski (1972) como transformações ou hierarquias do desenvolvimento onde:

                                                                                                            10

Renzulli.

 

 

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Cada nível constitui uma estrutura diferente de personalidade ou organização comportamental. As forças emocionais que distinguem os níveis são denominadas de “dinamismos” para indicar o princípio subjacente que promove o desenvolvimento. O Potencial de Desenvolvimento (PD) é o princípio subjacente que prove continuidade entre os níveis (NELSON, 1989, p.5).

Como mencionado anteriormente, Dabrowski considerava aos superdotados com “altos níveis de empatia, sensitividade, responsabilidade” (NELSON, 1989, p.5). E ante um estressor, em tempo de crise (a diferença de Lazarus), esses indivíduos exibem sintomas neuróticos.11 Dabrowski utiliza a expressão “positivamente mal ajustados12” (positively maladjusted) para explicar que eles têm evoluído além das normas sociais e “tem experimentado muita dor ao dar se conta de suas diferenças pela norma” (NELSON, 1989, p.5). Com alicerces no fato que o sofrimento e a aflição acompanharam ao desenvolvimento, Dabrowski denominou sua teoria de desintegração positiva. Assim, os cinco níveis de desenvolvimento humano, cada um deles com sua organização especifica de personalidade propõem um processo no qual as estruturas psicologicamente menos maduras se descontrolam para dar passo as estruturas mais complexas e desenvolvidas, o que significa um ajuste emocional e social. O primeiro nível foi denominado como Integração Primaria (Primary Integration) que representa a etapa mais primitiva do desenvolvimento humano na qual os indivíduos se preocupam simplesmente com a satisfação de suas necessidades básicas e imediatas, “o egoísmo prevalece e a pessoa nesse nível carece da capacidade de empatia e auto analise. Quando as coisas vão mal sempre o culpado é outra pessoa” (NELSON, 1989, p.5). A harmonia associada com a integração primaria é caracterizada pela falta de conflito interno, os indivíduos são simplesmente motivados pelos instintos básicos em conformidade às normas sociais. Essas pessoas encontram-se num estado semiconsciente, respondendo à vida com pouca ou nenhuma reflexão (MENDAGLIO, 2008, p.20).

O segundo nível ou Desintegração Uninível (Unilevel Desintegration), “representa a primeira desintegração, a indicação que o desenvolvimento está acontecendo. Esse processo é causado por um conflito13 que cria intensas emoções negativas como frustração ou ansiedade” (MENDAGLIO, 2008, p.36). Nesta etapa “os indivíduos são influenciados primariamente por seu grupo social e pelos valores                                                                                                             11

“Tais como intenso conflito interior, sentimentos de inferioridade para seus ideais, sentimentos de inadequação, vergonha e culpa, e ansiedade existencial e desespero” (NELSON, 1989, p.5). 12 Dabrowski “psychoneurosis is not an illness” (1972). 13 Como por exemplo a puberdade, problemas conjugais, fracasso na escola ou no trabalho.    

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compartilhados [...] geralmente exibem sentimentos ambivalentes e condutas indecisas porque não possuem valores internos próprios” (NELSON, 1989, p.6). É muito comum alguns adultos permanecem no primeiro nível ou no segundo pelo resto da vida porque os sentimentos são muito fortes e o jeito de lidar com eles geralmente é através da frustração, angustia, confusão e raiva, que para Dabrowski (1972) representam forças impulsoras que podem estimular a essa pessoa a progredir ao seguinte nível ou a regredir ao primeiro nível14. Assim, o desenvolvimento requer uma quebra de integração do nível anterior. Portanto, se a pessoa questiona e transcende os valores pessoais e sociais está na capacidade de atingir o nível três. No

terceiro

nível,

denominado

Desintegração

Espontânea

Multinível

(Spontaneous Multilevel Disintegration): O movimento do nível II ao nível III não é uma transição macia, de fato é um pulo quântico com uma experimentação multinível de uma realidade que não pode ser predita por um modo uninível. Para ilustrar esse ponto Dabrowski fez a seguinte pergunta: Como pode ser implicada logicamente uma borboleta de uma lagarta? Sua resposta: o potencial para ser uma borboleta já existe na lagarta (MENDAGLIO, 2008, p.37).

Assim, da mesma maneira, o potencial existe aqui existe no indivíduo (potencial de desenvolvimento). Dessa forma nasce uma “insatisfação pelo que a pessoa é, devido ao senso de competência com o que poderia e deveria ser (ideal de personalidade)” (NELSON, 1989, p.6). Assim, nesse nível a pessoa experimenta uma inadequação pessoal que é acompanhada de emoções negativas devido a que o sujeito não está preparado para essa auto avaliação. A identidade completa é ameaçada, os valores sociais, familiares e espirituais são questionados. A herança e o entorno governam os níveis I e II, mais no nível III para que o desenvolvimento seja possível a pessoa deverá afirmar-se com autoconsciência, auto direção e autodisciplina para superar as propensões genéticas, educativas e as circunstancias externas (NELSON, 1989, p.7).

Existe o denominado fator autónomo (autonomous factor) que se manifesta como uma força poderosa que catapulta a níveis maiores de integridade e de autenticidade. “No nível III os indivíduos podem visionar o que gostariam ser, mas ainda não possuem os meios para atingir seus ideais” (NELSON, 1989, p.7). O seguinte nível, ou Desintegração Multinível Organizada (Organized Mutilevel Disintegration) se caracteriza pelo “controle consciente do indivíduo do curso de seu                                                                                                             14

“Uma prolongação da desintegração nesse nível frequentemente conduz a uma reintegração ao nível anterior, a tendências suicidas ou a psicose” (DABROWSKI, 1964, p.7).  

 

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desenvolvimento. Os indivíduos se tornam auto organizados” (MENDAGLIO, 2008, p.38). Os indivíduos “tem encontrado o jeito de atingir seus próprios ideais e são líderes efetivos na sociedade. Mostram altos níveis de responsabilidade, autenticidade, juízo de reflexão, empatia por outros, autonomia de pensamento e ação e auto entendimento” (NELSON, 1989, p.8).

Finalmente se atinge o quinto nível ou, Integração Secundária (Secondary Integration), que representa o ápice do desenvolvimento humano. Na integração secundária, a harmonia e paz surgem pela conquista da personalidade. O indivíduo de aceita a si mesmo e aos outros de maneira autônoma e autêntica, e tem uma vida diária dirigida por uma hierarquia de valores” (MENDAGLIO, 2008, p.20).

Atingindo este patamar, a pessoa conduz sua vida com alicerces no seu ideal de personalidade, e este fator vai influenciar tanto nas suas relações pessoais cotidianas, quanto o seu envolvimento com o mundo laboral. Visto que o faz tornar-se um indivíduo cônscio de que seu papel social e político é preponderante as suas individualidades. Coloca em primazia o bem comum e a preocupação em desenvolver atividades laborais que não apenas engrandeçam a suas AH/SD mas que contribuam para a formação de empresas socialmente responsáveis e para uma sociedade mais justa e igualitária. Tais aspectos se refletem nas posturas que adota em seu meio profissional, onde saem ganhando tanto os indivíduos que têm suas AH/SD estimuladas, quanto as empresas que permitem que potencializem suas habilidades, o pais e a sociedade em geral.

CONCLUSÕES Ao analisar os fatores do desenvolvimento cognitivo, ajuste emocional do indivíduo AH/SD e seus impactos na vida profissional e laboral, deparou-se com a existência de vários aspectos que, em interação com as habilidades e caraterísticas das crianças AH/SD, facilitarão ou inibirão seu desenvolvimento. Entre eles, o mais importante é a deficiência na identificação oportuna das AH/SD na família, na escola, no ambiente laboral e inclusive pelo próprio sujeito que não logra identificar-se como AH/SD. Assim sendo, é importantíssimo aplicar eficazmente os modelos já existentes de identificação e atendimento das AH/SD de modo compreensivo, ecológico e explicativo

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em todas as esferas sociais, analisando os processos cognitivos e a influência do ajuste emocional, com o objetivo de favorecer a integração psicológica saudável dos AH/SD. Propõe-se, desta forma, incluir com efetividade os modelos acima mencionados nos Projetos Políticos Pedagógicos das Escolas de Ensino Fundamental, Médio e nas bases curriculares das Instituições de Ensino Superior, salientando a importância da integração da família e da escola neste processo, como suportes positivos para que os indivíduos AH/SD possam reconhecer suas diferenças e habilidades, sendo motivados no que tange ao seu saudável desenvolvimento emocional, aproveitando de modo eficaz os recursos ambientais e psicológicos ao seu alcance. Destarte, o indivíduo AH/SD ante a quase-invisibilidade de suas características de AH/SD dentro de suas próprias famílias, na sala de aula e na sociedade em geral e inclusive, para eles próprios, pode apresentar um estado de ansiedade e medo à rejeição social, levando-os muitas vezes a ocultar suas características de superdotação. Assim sendo, a aplicação global dos modelos facilitaria a identificação e atendimento desses indivíduos através de profissionais (pedagogos, psicopedagogos, educadores especiais, psicólogos, gestores, orientadores e professores) sensibilizados sobre as AH/SD. Que muito ajudariam os AH/SD durante os períodos de profunda reflexão e introspeção característicos de quando entram em conflito com os valores, opiniões e costumes externos inculcados em suas rotinas. Assim, as suas experiências escolares serviriam de suporte para um desenvolvimento emocional que os levasse a uma descoberta saudável de suas habilidades, talentos e traços de personalidade característicos de pessoas resilientes. Permitindo, desta forma que sejam motivados a confiar em si mesmos e no seu potencial criativo, estimulando suas inteligências com o objetivo de enxergar as mudanças e os problemas como desafios que devem se tornar oportunidades de crescimento e não de ameaças ao seu desenvolvimento intelectual e emocional. Durante esse processo, como foi salientado no modelo de Lazarus (1972), o indivíduo AH/SD adaptar-se-á ao entorno avaliando-o cognitivamente para determinar as condutas que resolverão seu ajuste ao meio social, ou procurará muda-las, a fim de adaptar-se às circunstâncias externas. Por isso evidencia-se aqui a necessidade de ter psicólogos e profissionais educacionais comprometidos e sensibilizados ao tema das AH/SD, que ajudem e acompanhem todas as pessoas envolvidas no processo de atendimento aos AH/SD a gerar respostas de coping como uma reação intencional e orientada para a redução do stress.

 

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Os modelos bem aplicados também deverão focar no ideal de personalidade, com base na Teoria da Desintegração Positiva de Dabrowski. Portanto, para alcançar esse ajuste emocional, será preciso que o sujeito AH/SD experimente e viva suas emoções negativas. Nesse sentido, o auxílio de profissionais integrados ao tema em questão, poderiam se tornar um facilitador ao processo de experimentar as inadequações pessoais que geralmente são acompanhadas de emoções negativas devido os sujeitos não estarem preparados para o processo de auto avaliação. Já que durante este processo terão suas identidades ameaçadas, assim como, serão questionados seus valores sociais, familiares e espirituais. Para afrontar esse desafio, o indivíduo AH/SD precisará de recursos psicológicos que lhe ajudem nessa transformação; entre eles destacam-se: reconhecer suas habilidades especiais e talentos, ter uma motivação individual para alcançar esse ideal de personalidade e possuir alguma das formas de excitabilidade (motora, sensual, intelectual, imaginativa, emocional). Considerando que o desenvolvimento das pessoas AH/SD não se suprime após sua formação educacional, faz-se necessário que as empresas tenham uma melhor compreensão do potencial laboral e das características especificas que envolvem os aspectos cognitivos e emocionais do profissional AH/SD. Desta forma, propõe-se que as organizações empresariais criem um setor dentro dos Departamentos de Recursos Humanos com modelos similares aos usados na identificação de AH/SD nas escolas a fim de identificar, atrair e capacitar os profissionais AH/SD estimulando-os a desenvolverem suas melhores habilidades e competências. Fator que é cada vez mais importante para organizações de negócios, no que se refere à competitividade, “devido que (atualmente) o capital humano excepcional dirige a economia global” (FRIEDMAN, 2007 apud KELL, 2014, p.1).

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ANÁLISE AMBIENTAL DOS PROCESSOS DE BENEFICIAMENTO DAS MARMORARIAS DA CIDADE DE MANAUS Ercilia do Socorro Souza Soares1 Raimundo Kennedy Vieira2 Resumo O setor de beneficiamento de rochas ornamentais vive um crescimento bastante significativo no contexto mundial. Através deste estudo propõe-se apresentar uma análise qualitativa relativa aos impactos sobre os meios físicos e antrópicos gerados nos processos produtivos das empresas de beneficiamento de pedras ornamentais no município de Manaus. Contudo há uma grande problemática no processo de corte, polimento e acabamento das matérias primas como o mármore e o granito, pois geram grandes quantidades de resíduos tais como a poeira e a lama, formados neste beneficiamento e descartados de maneira inadequada resultam em impactos ambientais significativos, uma vez que eles contribuem para a acumulação e dispersão prejudiciais no ar, água e solo de partículas sólidas. Os dados obtidos servem como alerta ao poder público e aos geradores para atentarem quanto ao cumprimento da legislação que versa sobre a destinação final sanitariamente adequada dos resíduos sólidos, além de expor a necessidade de políticas educacionais e ambientais nesses processos de trabalho. Palavras-chave: Marmorarias. Resíduos sólidos. Impactos ambientais.

ENVIRONMENTAL ANALYSIS OF MARBLE PROCESS IN MANAUS FACTORIES Abstract The ornamental stone processing industry is experiencing significant growth in the global context. Through this study aims to present a qualitative analysis of the impacts on the physical and anthropogenic resources generated in the production processes of ornamental stone processing companies in the city of Manaus. However there is a big problem in the process of cutting, polishing and finishing of raw materials such as marble and granite, because they generate large amounts of waste such as dust and mud, formed in the processing and discarded inappropriately result in significant                                                                                                                         1

Mestranda do curso de Engenharia de Produção da Universidade Federal do Amazonas. Professor do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção da Universidade Federal do Amazonas.   2

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environmental impacts since they contribute to the accumulation and damaging dispersal in air, water and soil solids. The data serve as a warning to the government and the generators to heed as to comply with the legislation that deals with the disposal of solid waste sanitary appropriate, in addition to exposing the need for educational and environmental policies in these processes work.The processing sector ornamental stone is experiencing a significant growth in the global context. Through this study aims to present a qualitative analysis of the impacts on the physical and anthropogenic resources generated in the production processes of ornamental stone processing companies in the city of Manaus. However there is a big problem in the process of cutting, polishing and finishing of raw materials such as marble and granite, because they generate large amounts of waste such as dust and mud, formed in the processing and discarded inappropriately result in significant environmental impacts since they contribute to the accumulation and damaging dispersal in air, water and soil solids. The data serve as a warning to the government and the generators to heed as to comply with the legislation that deals with the disposal of solid waste sanitary appropriate, in addition to exposing the need for educational and environmental policies in these work processes. Keywords: Marble factory. Solid waste. Environmental impact.

INTRODUÇÃO Segundo Hanieh et al. (2014), a utilização do mármore não é privilégio dos dias de hoje, pois as civilizações antigas já empregavam na construção de pirâmides e outros edifícios arquitetônicos. No período Romano e Idade Média, por possuírem características decorativas, esses materiais também foram bastante utilizados na construção de monumentos com estrutura permanente (LOPES; MARTINS, 2012). Apesar de apresentar benefícios como resistência e durabilidade na sua empregabilidade na construção civil (PIRES et al., 2014), estas rochas acarretam uma preocupação ambiental devido aos resíduos provenientes da indústria de beneficiamento de mármore e granito (ALIABDO et al., 2014). De acordo com Gazi (2012), a falta de gestão sustentável dos recursos e grandes quantidades de resíduos gerados em todas as etapas de produção estão entre os principais problemas do setor de beneficiamento de rochas. Os impactos ambientais são gerados desde a extração, ocasionando a poluição do ar decorrente do processo de corte dessas rochas, que por sua vez é amenizado pelo processo de umidificação, e a escavação que ocasiona o desmatamento, poluição da água e assoreamento dos rios (ALYAMAÇ; AYDIN, 2015). Ressalta-se, ainda, que a adição da água no corte dos mármores e granitos gera a lama, a qual é despejada aonde? sem nenhum tratamento adequado (HANIEH et al., 2014). V.9, nº2, p.120-137, ago./dez. 2016.

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Para Sadek et al. (2016), a secagem da lama acarreta a difusão do pó, ocasionando a poluição tanto do ar quanto da água. Um dos efeitos provocados por isso é o aumento da alcalinidade do solo, que reduz a sua fertilidade e, consequentemente, a produtividade da planta. Além disso, a inalação da sílica por meio do pó proveniente do corte do mármore e do granito pode causar uma doença pulmonar chamada silicose, embora seja prevenida adotando medidas de proteção (GENCEL et al., 2012; SHTRAICHMAN et al., 2015). É importante ressaltar que tal preocupação sobre a geração do pó tornou-se uma problemática neste setor, pois o Ministério do Trabalho e Emprego, através da Portaria nº 43/08, proibiu definitivamente o processo de corte e acabamento a seco de rochas ornamentais. Considerando que as Marmorarias são ramos de atividade que apresentam diversos riscos à saúde dos trabalhadores e ao meio ambiente, e não se tem informações quais os reais deste processo, pois o pó proveniente do processo de corte e polimento, ou contendo sílica, quando inalada a partir de exposições ocupacionais é carcinogênica para os seres humanos, segundo a IARC (International Agency for Research on Cancer) e a OMS (Organização Mundial da Saúde) (FUNDACENTRO, 2009). Sabendo que os resíduos gerados no processo de beneficiamento das marmorarias podem causar sérios problemas à saúde humana como também danos ao meio ambiente, verificou-se a necessidade de garantir a preservação do meio físico e biótico afetados por este processo. Nesse contexto, este trabalho visa fazer uma análise sobre as condições ambientais e qual a gestão adotada pelas empresas localizadas na área urbana da cidade de Manaus em relação aos resíduos sólidos gerados nos processos produtivos deste setor, a fim de incentivar políticas públicas, pesquisas e práticas sustentáveis como a reutilização de materiais, ou ainda, a destinação adequada dos resíduos sólidos produzidos diariamente nos processos de beneficiamento destas rochas neste nicho de mercado.

1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 1.1 O SETOR DE ROCHAS ORNAMENTAIS O setor de beneficiamento de rochas ornamentais vive um crescimento bastante significativo no contexto mundial, de acordo com Galetakis e Soultana (2016), em V.9, nº2, p.120-137, ago./dez. 2016.

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muitos países europeus como a Grécia, Itália e Espanha seguindo uma tendência mundial também tornou-se um importante setor industrial. De acordo com Montani (2014), na década de 1920 a produção mundial de rochas ornamentais era de 1,8 milhão t/ano e o crescimento observado nas décadas de oitenta e noventa foi caracterizado como a “nova idade da pedra”, em que o setor de rochas foi caracterizado como uma das mais importantes áreas emergentes de negócios minero-industriais. No ano de 2013, a produção mundial noticiada para este setor atingiu o patamar de 130 Mt/ano, evoluindo exponencialmente como nenhum outro, sendo comercializadas e beneficiadas 53,4 Mt de rochas brutas. Estima-se que o setor de rochas esteja, atualmente, movimentando transações comerciais que atingem cerca de 130 bilhões de dólares por ano. Considerando o panorama mundial do setor de rochas ornamentais e de revestimento em 2013, destacam-se como os maiores produtores de rochas ornamentais a China (39,5 Mt), Índia (19,5 Mt), Turquia (12 Mt) e Brasil, conforme gráfico 1. O Brasil ocupa o 4º (quarto) lugar, com produção estimada de 10,5 Mt (ABIROCHAS, 2014). Gráfico 1 – Produção de rochas ornamentais (1996 a 2013) 45000" 40000" 35000" 30000" China"

25000"

Índia"

20000"

Turquia"

15000"

Brasil"

10000" 5000" 0" 1996"

2013"

Fonte: Elaborado pelos autores.

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Segundo Lopes e Martins (2012), a Turquia e o Brasil permanecem indubitavelmente em posição de destaque em termos de produção de rochas ornamentais graças à qualidade mostrada pelo material de pedra. O uso de rochas ornamentais na construção é relatado desde o início da história humana. Atualmente, o mármore e o granito são as rochas ornamentais mais utilizadas na construção civil (MUSTAFA et al., 2015). De acordo com o Serviço Geológico do Brasil (CPRM, 2016), as rochas são matérias formadas naturalmente por minerais, originando-se de formas variadas e, de acordo com o seu processo de formação, dividem-se em 3 (três) grupos: Rochas Ígneas, também chamadas de magmáticas, metamórficas ou sedimentares. Do ponto de vista comercial, as rochas ornamentais e para revestimento são basicamente subdivididas em granitos e mármores. Como granitos, enquadram-se, genericamente, as rochas silicáticas (CPRM, 2016). A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT, 1995) define rocha ornamental como “uma substância rochosa natural que, submetida a diferentes graus de modelamento ou beneficiamento, pode ser utilizada com uma função estética qualquer”. O mármore é considerado uma rocha metamórfica e é formado por sedimentos, predominantemente por calcite, apresentando, ainda, outros minerais em sua composição, os quais são responsáveis pela diversidade de suas cores, além de um total expressivo de materiais radioativos. Com um polimento superficial qualquer calcário e/ou pode ser considerado mármore (CEVIK et al., 2010; MOHAMED et al., 2015). O granito, por sua vez, é uma rocha ígnea muito rígida. De acordo com a sua composição química e mineralogia, os granitos podem apresentar uma coloração de rosa para cinza escuro ou preto (LLOPE, 2011). 1.2 ASPECTOS LEGAIS E NORMATIVOS O cenário atual da legislação ambiental brasileira é composto por uma infinidade de leis, decretos e instrumentos jurídicos que visam à prevenção e a punição aos autores de atos danosos ao meio ambiente. Em relação ao manejo inadequado dos resíduos sólidos, destaca-se a Lei 12.305/10, a qual instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Como exemplo, pode-se citar o conceito de resíduos sólidos, que segundo a lei define-se como “material, substância, objeto ou bem descartado resultante de atividades humanas em sociedade, a cuja destinação final se procede, se propõe proceder ou se está V.9, nº2, p.120-137, ago./dez. 2016.

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obrigado a proceder, nos estados sólido ou semissólido, bem como gases contidos em recipientes e líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou em corpos d’água, ou exijam para isso soluções técnica ou economicamente inviáveis em face da melhor tecnologia disponível” (BRASIL, 2010). Segundo o artigo 43 da Lei 605/2011, que institui o Código ambiental do munícipio de Manaus, a instalação e operação de atividades consideradas efetivas ou potencialmente poluidoras, ou capazes, de qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento do órgão municipal de meio ambiente da cidade, sem prejuízo de outras licenças legalmente exigíveis. A legislação sanitária federal Lei Nº 6437/77, em seu artigo 10, inciso III, configura infrações explorar atividades comerciais, industriais, ou filantrópicas, com a participação de agentes que exerçam profissões ou ocupações técnicas e auxiliares relacionadas com a saúde, sem licença do órgão sanitário competente ou contrariando o disposto nas demais normas legais e regulamentares pertinentes. 1.3 IMPACTOS AMBIENTAIS NA GERAÇÃO DOS RESÍDUOS A expressão impacto ambiental, segundo a Resolução n° 001 do Conselho Nacional do Meio Ambiente, de 23 de setembro de 1986 é definida como qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam: a saúde, a segurança e o bem-estar da população; as atividades sociais e econômicas; a biota; as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; a qualidade dos recursos ambientais (CONAMA, 1986). Ainda quanto aos impactos ambientais, Seiffert (2011) salienta como sendo “qualquer modificação no meio ambiente, adversa ou benéfica, que resulte, no todo ou em partes, dos aspectos ambientais da organização”. Desta forma, o processo de corte e polimento do mármore e granito nas marmorarias é responsável por uma variedade de impactos, pois no processo de corte destas rochas utiliza-se a água, com o objetivo de evitar o superaquecimento das mesmas e minimizar a poeira gerada neste processo. A mistura do pó com a água proveniente nesta operação resulta em lama de mármore. A quantidade de resíduos gerados é despejada no meio ambiente em sua forma inicial ou após desidratação em uma estação de tratamento (ALYAMAÇ; TUĞRUL, 2014).

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125  

Para Almeida et al. (2007) no processo de corte, polimento e acabamento, os resíduos

sólidos

são

representados

por

cacos

descarregados

em

aterros,

independentemente do uso potencial destes resíduos. Quando a lama de mármore é destinada para aterros, o seu teor de água é totalmente reduzido e o pó de pedra resulta em vários impactos ambientais. Durante a produção destes materiais, grandes quantidades de resíduos são gerados, tais como a poeira e a lama do mármore. O manuseio e descarte destes resíduos levanta graves problemas ambientais uma vez que eles contribuem para a acumulação e dispersão ocasionando a poluição do ar, da água e do solo (ALGIN; TURGUT, 2008; GALETAKIS et al., 2012). Por se tratar de uma preocupação ambiental tanto no âmbito nacional quanto mundial, esse tema já foi objeto de estudo por diversos autores. De acordo com Barbosa et al. (2013), o descarte inadequado dos resíduos poderá ocasionar contaminação da água, contaminação do lençol freático e do solo, assim como agravar a saúde pública. Para Sousa (2007), o beneficiamento final do mármore e granito acarreta a poluição sonora em virtude do ruído decorrente da utilização de máquinas e equipamentos, a poluição atmosférica é ocasionada pela geração da poeira e a poluição visual agravada pelo pó sobre as vestimentas dos trabalhadores, bancadas, vegetação e residências.

2 METODOLOGIA O diagnóstico foi realizado em 40 (quarenta) marmorarias na área urbana da cidade de Manaus, que possui 145 marmorarias cadastradas nos órgãos oficiais. Para obtenção dos dados foram realizadas inspeções in loco e aplicado um questionário semiestruturado, conforme figura 1. A maioria dos estabelecimentos analisados são micro e pequenas empresas, com predominância de condições de trabalho precárias, ora por desconhecimento da legislação que versa sobre o tema, ora por descompromisso com a saúde e segurança dos trabalhadores. Soma-se a isso uma fiscalização inexpressiva.

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Figura 1 – Fluxo e etapas da pesquisa.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Na primeira fase, foi verificado se as empresas estavam com a documentação completa para funcionamento: a licença ambiental baseada na Lei n° 605/2001 que institui o Código Ambiental do Município de Manaus, e licença sanitária Lei nº 6437/1977 com o Certificado de limpeza da caixa d’água conforme a Lei nº 392/1997 combinado com o Decreto nº 3910/1997. A segunda fase tratou-se do abastecimento de água adequado, onde foi verificado se as empresas atendiam requisitos da Lei nº 392/1997, código sanitário do município de Manaus e Decreto nº 3910/1997, que regulamenta a promoção, preservação e recuperação da saúde no campo da competência do município. Na última fase da pesquisa foram analisados os resíduos sólidos gerados no processo produtivo, bem como suas formas de gerenciamento no processo de corte, polimento e acabamento das marmorarias. Posteriormente, foi verificado se a destinação

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dos resíduos atendiam a legislação que versa sobre o tipo, transporte e destinação final sanitariamente adequada. 2.1 CARACTERIZAÇÃO DAS MARMORARIAS DA CIDADE DE MANAUS As empresas que desenvolvem os serviços e atividades voltadas para o setor de comercialização e aparelhamento de pedras localizadas na área urbana do município de Manaus são as marmorarias, as quais produzem os mais variados produtos em mármore e granito, como por exemplo, bancadas, pias, escadas, entre outros. O processo de produção das marmorarias é constituído basicamente pelos setores de corte, polimento e acabamento, conforme figura 2. O processo de corte, das placas que chegam pré-polidas, é realizado na máquina serra mármore, utilizando discos diamantados rotativos. O polimento e acabamento do material cortado é feito com lixadeiras e politrizes, com o uso de ferramentas abrasivas na forma de discos, lixas e rebolos. Figura 2 – Ciclo de produção das marmorarias.

Fonte: Elaborado pelos autores.

As atividades realizadas nesses setores são caracterizadas pelo excesso de poeira, ruído e vibrações. Somando-se a esses riscos inerentes às atividades, também há a presença de riscos de acidentes e riscos ergonômicos causados pela precariedade nas condições de trabalho. Diante deste cenário, observa-se que nos ambientes de trabalho das marmorarias existem riscos que podem causar danos à saúde dos trabalhadores. Segundo a Norma Regulamentadora 9, consideram-se riscos ambientais os agentes físicos, químicos e biológicos existentes nos ambientes de trabalho que, em função de sua natureza, concentração ou intensidade e tempo de exposição, são capazes de causar danos à saúde do trabalhador (tabela 1).

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Tabela 1 – Riscos ambientais. RISCOS AMBIENTAIS Agentes físicos

Agentes químicos

Agentes biológicos

Ruído, vibrações, pressões

Poeiras, fumos, névoas, neblinas,

Bactérias, fungos, bacilos,

anormais, temperaturas

gases ou vapores.

parasitas, protozoários, vírus,

extremas, radiações ionizantes,

entre outros.

radiações não ionizantes, infrasom e o ultra-som.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Dentre os agentes físicos presentes nas marmorarias, estão o ruído produzido pelas ferramentas de corte e a vibração decorrente do uso de lixadeiras e politrizes no acabamento ou polimento das rochas. Quanto aos agentes químicos, além da exposição diária à poeira, contendo sílica, neste setor existem também o emprego de colas, massas plásticas, ceras e outros produtos utilizados para uniformizar a superfície das chapas. Temos ainda presentes nas marmorarias os riscos de acidentes e riscos ergonômicos. Os riscos ergonômicos estão relacionados aos fatores biomecânicos como levantamento, transporte e descarga manual de chapas, materiais com peso excessivos, ausência de orientação e treinamento para a realização dessas tarefas. A altura das bancadas também é um fator a ser considerado, pois entre trabalhadores do setor há diferentes biotipos e as bancadas são de alturas únicas. Já os riscos de acidentes representam as condições inseguras nesse setor, por situações adversas encontradas nos ambientes e nos processos de trabalho envolvendo aspectos relacionados à tipologia das construções, ao arranjo físico, e a rotina de manutenção de máquinas e equipamentos. Face ao exposto, os empregadores desse processo produtivo devem minimizar os riscos a que estão expostos os trabalhadores através de ações educativas e implementação de medidas de proteção coletiva. Além disso, é importante que forneçam e conscientizem para o uso dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI), tais como máscaras de proteção respiratória, luvas de proteção, protetor auricular, conforme a Norma Regulamentora 6, a fim de garantir a saúde e segurança do trabalhador no exercício de sua atividade. Vale ressaltar que as atividades desenvolvidas nesse ambiente ainda apresentam pequena incorporação tecnológica e investimentos escassos na saúde e segurança do trabalho, considerando que há um crescente número de empresas informais. V.9, nº2, p.120-137, ago./dez. 2016.

129  

3

RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 DOCUMENTOS A principal questão levantada ao se tratar de condições ambientais é se a indústria possui licença ambiental, uma vez que para obtenção desta, diversos requisitos devem ser atingidos, tais como o potencial de geração de líquidos poluentes, resíduos sólidos, emissões atmosféricas e ruídos, conforme a Lei n° 605/2001 do Código Ambiental do Município de Manaus. Considerando que o setor de marmoraria gera resíduos poluentes, a licença ambiental é uma obrigação legal nesta atividade, entretanto, verificou-se que nenhuma das empresas visitadas possui a licença ambiental e autorizações para funcionamento regular de suas atividades. Vide tabela 4, a seguir. Tabela 2 – Documentos. Sim

Não Empresa s

%

Licença sanitária?

36

Licença ambiental?

40

Descrição

Certificado de limpeza da caixa d’água a cada 6 meses? Fonte: dados da pesquisa, 2016.

40

92%  

Empresa s 4

8%

100%  

0

0%

0

0%

100%

%

Nenhuma das empresas visitadas apresentou o certificado de limpeza da caixa d’água, que deve ser feita a cada seis meses, e do total de 40 empresas consultadas, apenas 8% possuíam a licença sanitária emitida pela Vigilância Sanitária. Dessa forma, os resultados encontram-se em desacordo com as exigências do Decreto nº 3910/1997. 3.2 ABASTECIMENTO DE ÁGUA ADEQUADO O resultado dos estudos evidenciou que do total das 40 empresas inspecionadas, 56% dos estabelecimentos possuem caixa d’água como reservatórios de água potável para consumo humano e abastecimento de seus processos e operações. Com relação ao abastecimento de água, verificou-se que a maioria das empresas analisadas utiliza o sistema público de abastecimento, enquanto que o restante adota o poço artesiano como solução alternativa (tabela 3). V.9, nº2, p.120-137, ago./dez. 2016.

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Tabela 3 - Abastecimento de água adequado. Não

Sim

Empresa s

%

Empresa s

%

Possui reservatório - Caixa d’água

18

44%

22

56%

Sistema público de abastecimento?

10

24%

30

76%

Poço com Tratamento?

30

76%

10

24%

Descrição

Fonte: Dados da pesquisa, 2016.

Ressalta-se, ainda, que essas empresas não implementam uma rotina de limpeza nos reservatórios de água, mesmo utilizando-a para consumo humano, evidenciando a não adequação ao Código Sanitário nº 3910/1997, pois o processo de desinfecção da água possui alta importância para proteção à saúde pública através da disseminação de doenças e mitigação de microrganismo. Durante as visitas realizadas, foi constatada em algumas marmorarias a existência de caixas d’água sem tampa ou telas de proteção e sem o certificado de limpeza da caixa d’água (tabela 3), fator preponderante para o aumento de agentes patogênicos e riscos à saúde da população, pois a ação do vento e da água da chuva nesses reservatórios sem proteção adequada aumenta a probabilidade de contaminação da água de consumo (D’AGUILA, et al., 2000). 3.3 CONTROLE DO RESÍDUO SÓLIDO DO PROCESSO Nas empresas analisadas, foi verificado que somente o processo de corte das chapas é dotado de sistema de umidificação, medida adotada para reduzir a geração da poeira. Nas etapas de polimento e acabamento não são utilizadas ferramentas pneumáticas com ejeção de água, para diminuir a nuvem de pó de sílica que se forma ao polir e lustrar mármores e granitos. Desta forma, verifica-se que o processo úmido não contempla todas as etapas de produção das marmorarias, ressaltando-se que 100% das empresas analisadas não atendem as medidas de controle da poeira (tabela 4).

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131  

Tabela 4 - Controle de poeira no ambiente do trabalho. Sim

Não Empresa s

%

40

100%

30

75%

32

80%

A água é reutilizada no processo?

28

O resíduo sólido tem destino adequado?

40

Descrição Controle da poeira por processo de umidificação? Existem canaletas para captação da água utilizada no processo produtivo? Existe sistema de decantação da água para a separação da lama?

Empresa s 0

0%

10

25%

8

20%

68%

12

32%

100%

0

0%

%

Fonte: dados da pesquisa, 2016.

A implantação de umidificação nas operações que geram poeira é uma das maneiras de controlar a exposição à poeira, no entanto, a adição da poeira com água gera uma lama no processo, chamada de lama de mármore. Para a captação da água utilizada no processo produtivo devem ser construídas canaletas em volta das máquinas de corte e o estudo demonstra que em 75% das empresas visitadas não são adotadas canaletas para captação da água. Observou-se, ainda, que apenas 20% do resíduo (lama) dos processos de corte são encaminhados ao tanque de decantação das empresas, por meio de sistema de drenagem da água utilizada, não permitindo que os resíduos gerados pelo processo passem diretamente para o esgoto sanitário. Do total das empresas visitadas, ficou evidenciado que somente em 32% a água é reaproveitada na produção. Vide Tabela 4, a seguir. Quanto ao resíduo sólido, nenhuma empresa estudada faz a correta destinação desse material, pois de acordo com a Política Nacional de Resíduos Sólidos (BRASIL, 2010), o gerador é responsável pelo resíduo até a sua disposição final adequada. Consequentemente, sem a destinação ambientalmente adequada, as empresas comprometem a qualidade do meio ambiente, ou seja, causam a poluição do ar, do lençol freático (águas superficiais) e do solo. Baseado nos resultados obtidos, pode-se verificar que a atual gestão dos resíduos adotada pelas empresas acarreta de forma significativa a poluição do meio ambiente. De acordo com Mosaferi et al. (2014), a vulnerabilidade da poluição das águas superficiais e subterrâneas e do solo pode ser elevado em locais de eliminação. Considerando este fato, os resíduos sólidos gerados devem ser caracterizados como resíduos perigosos, que

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devem ser manuseados e descartados, por empresas credenciadas, a fim de remover os resíduos sólidos adequadamente. Com esse diagnóstico, fica evidente que as empresas ainda não praticam o desenvolvimento sustentável do setor. Durante a pesquisa bibliográfica, constatou-se que nos últimos anos, estes resíduos podem ser reutilizados por outras empresas no processo estabilização do solo, processo de dessulfuração, em aterros de estrada, asfalto, cerâmica,

compósitos

termofixos

e

polímero

à

base

de

materiais

compósitos (ARUNTAS et al., 2010; MENDOZA et al., 2014; PATEL et al., 2013). CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir dos estudos realizados, pode-se constatar que muitos processos com atividade econômica, como a produção de materiais de construção utilizando mármore e granito, são fontes geradoras de resíduos, causando grande degradação ao meio ambiente. A importância da obrigatoriedade da licença ambiental e licença sanitária, para realização da atividade das marmorarias está diretamente ligada às condições de desenvolvimento socioeconômico e proteção do meio ambiente, pois o cumprimento de ambas visa garantir um crescimento econômico com sustentabilidade e qualidade ambiental. Contudo, é notório que as empresas analisadas do ramo de marmoraria não se adequam a esses procedimentos, tão pouco as legislações ambientais vigentes, como a Política Nacional de Resíduos Sólidos e a NBR 10004 - Resíduos Sólidos. Portanto, para atender a essas legislações é extremamente necessário que essas empresas classifiquem, primeiramente, os resíduos gerados em seus processos pois é a partir dessa classificação que será estruturado um plano de gestão ambiental. No entanto, as empresas analisadas não investem em ações que ajudem a minimizar ou eliminar a geração de resíduos sólidos, como fica evidenciado na análise dos dados, por conta disso faz-se necessário que sejam implementados nesse setor o Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos (PGRS). Pois a partir do PGRS, serão definidas as etapas de coleta, transporte, armazenagem, manipulação, tratamento e destinação final para cada resíduo gerado nesse setor. E ainda no que tange a sustentabilidade dos recursos hídricos utilizados no processo, o consumo da água requer otimização e a prática da educação ambiental em todo o setor de marmoraria. Contudo, identificou-se que as empresas ainda apresentam deficiências em relação aos resíduos industriais gerados, acarretando significativamente desta forma a V.9, nº2, p.120-137, ago./dez. 2016.

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degradação do meio ambiente. Constatou-se, também, que os resíduos de mármore e granito provenientes do processo de corte, polimento e acabamento podem ser reaproveitados por outras indústrias, tornando-se uma ação sustentável a ser adotada pelas marmorarias e que devem ser incentivadas com políticas públicas. Adicionalmente, verificou-se que a grande quantidade de recursos naturais utilizados e a grande geração dos resíduos nos processos industriais torna a reciclagem uma alternativa pertinente, podendo ser objeto de pesquisas e estudos futuros. O desenvolvimento sustentável tem como itens chave a proteção do solo, da água, além da limitação da produção das perdas nos processos e a reutilização de materiais dos processos.

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POLÍTICAS PÚBLICAS COMO INSTRUMENTO DE DESENVOLVIMENTO DE INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS Adriana Carvalho Pinto Vieira1 Julio Cesar de Faria Zilli2 Kelly Lissandra Bruch3 Resumo Nos últimos anos as indicações geográficas (IG’s) têm sido consideradas como indutoras de desenvolvimento de uma região, com a valorização dos recursos territoriais e possibilitando o surgimento de novos nichos de mercados. Nesse contexto, o trabalho tem por objetivo compreender as políticas públicas como instrumentos indutores do desenvolvimento para os territórios que tenham o registro de indicações geográficas. A pesquisa se caracteriza como descritiva, bibliográfica e um estudo de caso. Decorrente da valorização dos recursos territoriais com a possibilidade do surgimento de novos nichos de mercados, nos últimos anos as IG têm sido consideradas como indutoras de desenvolvimento de uma região, principalmente a partir de políticas públicas. E este fato pode ser verificado na região delimitada pela Indicação de Procedência dos Vales da Uva Goethe. Neste sentido, as IGs podem ser pensadas como uma ferramenta de ocupação harmoniosa do espaço cultural produtivo, aliando a valorização de um produto típico e seus aspectos históricos e culturais, à conservação da biodiversidade e o desenvolvimento rural. Palavras-chave: Políticas Públicas. Indicações Geográficas. Desenvolvimento.

PUBLIC POLICIES AS AN INSTRUMENT FOR DEVELOPMENT OF GEOGRAPHICAL INDICATIONS Abstract

In recent years, geographical indications (GIs) have been considered as inducing the development of a region, with the valorization of territorial resources and allowing the emergence of new market niches. In this context, the study aims to understand public policies as inducing instruments for the development of territories with geographical indications. The research is characterized as descriptive, bibliographical and a case

1

Doutora em Desenvolvimento Econômico IE/UNICAMP; Professora Doutora do Programa de Pósgraduação em Desenvolvimento Socioeconômico PPGDS/UNESC; Professora Colaboradora INCT/PPED/UFRJ. Email: [email protected] 2 Mestre em Desenvolvimento Socioeconômico PPGDS/UNESC, professor curso de Administração e Comex da UNESC. Email: [email protected] 3 Doutora em Direito pela Université Rennes I, France em co-tutela com a UFRGS. Professora do Departamento de Direito Econômico e do Trabalho, da Faculdade de Direito da UFRGS. Professora do Programa de Pós Graduação (mestrado e doutorado) do Centro em Estudos e Pesquisas em Agronegócios - CEPAN/UFRGS. Email: [email protected]

V.9, nº2, p. 138-155, ago./dez. 2016.

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study. Due to the valorization of the territorial resources with the possibility of the emergence of new market niches, in the last years the GIs have been considered as inducers of development of a region, mainly from public policies. And this fact can be verified in the region bounded by the Indication of Origin of Goethe Grape Vales. In this sense, GIs can be thought of as a tool for harmonious occupation of the productive cultural space, combining the valorization of a typical product and its historical and cultural aspects, biodiversity conservation and rural development. Keywords: Public Policies. Geographical Indication. Development. INTRODUÇÃO Nos últimos anos as indicações geográficas (IG’s) têm sido consideradas como indutoras de desenvolvimento de uma região, com a valorização dos recursos territoriais e possibilitando o surgimento de novos nichos de mercados. Portanto, as IG’s podem ser pensadas como uma ferramenta de ocupação harmoniosa do espaço cultural produtivo, aliando a valorização de um produto típico e seus aspectos históricos e culturais, à conservação da biodiversidade e o desenvolvimento rural. Segundo Vieira, Watanabe e Bruch (2012) o conceito indicações geográficas (IG) está relacionado a produtos com origem geográfica definida. Ao explicitar a origem e agregar este valor aos produtos de mesma procedência, se traduz o valor de qualidade e características próprias da identidade e da cultura de um espaço geográfico em ativo tangível. Os produtores e/ou agentes de uma região se organizam para valorizar estas características, mobilizando um direito de propriedade intelectual: a indicação Geográfica (IG). A IG possibilita preservar as características do produto e valorizá-las aos consumidores, tornando mais perceptível os ativos intangíveis, tais como a reputação, fatores ambientais específicos e competências humanas agregando esses valores aos produtos. A implementação de uma IG é um processo não linear, acontece a sobreposição de múltiplas atividades que demandam a atuação de agentes multi e interdisciplinares: políticas públicas específicas; apoio de instituições de pesquisa; compartilhamento de experiências e de aprendizagem coletiva de setores público e privado, entre outros. Devido a esta complexidade, se faz necessário a realização do mapeamento dos processos chave, a mobilização e a participação dos atores locais, os quais devem se comprometer em apropriar, compartilhar e utilizar diferentes conhecimentos nos produtos e serviços daquela região (VELLOSO, 2008). 139

Neste sentido, no entendimento de Krone e Menasche (2010), em termos de políticas públicas voltadas à valorização e proteção de produtos tradicionais no sistema de indicações geográficas o foco está voltado para o produto final, quando a perspectiva é a da patrimonialização, com o reconhecimento e registro de um bem imaterial (IP ou DO), o objetivo é valorizar, acima de tudo, o saber fazer. Desta forma, o presente artigo tem como objetivo compreender as políticas públicas como instrumentos indutores do desenvolvimento para os territórios que tenham o registro de indicações geográfica e tem como exemplo o estudo na região delimitada pela Indicação de Procedência dos Vales da Uva Goethe. Metodologicamente, a pesquisa se caracteriza como descritiva quanto aos fins de investigação, visto que permite ao pesquisador se aproximar da vivência social do grupo em estudo, entendendo como a construção desta realidade que se processou e como naquele contexto se movimenta (SHAW, 1999). E quanto aos meios de investigação se classifica como bibliográfica e um estudo de caso (VERGARA, 2000). A pesquisa bibliográfica foi realizada em fontes secundárias como artigos científicos (nacionais e estrangeiros), teses, dissertações, livros e sites. E o estudo de caso é caracterizado na região delimitada pela Indicação de Procedência dos Vales da Uva Goethe, localizado no Sul do Estado de Santa Catarina. A coleta de dados ocorreu de forma qualitativa, proporcionando uma maior aproximação com o universo em estudo. O artigo foi estruturado em cinco seções, a primeira é a introdução. A segunda faz uma análise dos aspectos conceituais das políticas públicas. A terceira apresenta um panorama sobre a compreensão do conceito das indicações geográficas. Dentro deste item é apresentado os Vales da Uva Goethe. E por fim, as considerações finais e as referências. 1 POLÍTICAS PÚBLICAS – ASPECTOS CONCEITUAIS Estudos no universo da política compreendem um universo amplo, tornando-se necessário delimitar um recorte sob o qual a análise será efetuada. Neste sentido, para o desenvolvimento desta seção foram considerados os estudos de João Pedro Schmidt como literatura de apoio. O autor apresenta, com base na literatura de linha inglesa, três dimensões: i) polity (institucional); ii) policy (processual); e iii) policy (material), conforme o Quadro 1.

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Quadro 1 – Dimensões da política. DIMENSÃO

CARACTERÍSTICAS

Polity

Pertencem as dimensões da polity aspectos estruturantes da política institucional, como sistemas de governo, estrutura e funcionamento do executivo, legislativo e judiciário, o amparo burocrático (a “máquina administrativa”).

Politics

Pertencem as dimensões da politics questões como as relações entre o poder executivo, legislativo e judiciário, o processo de tomada de decisão nos governos, as relações entre Estado, mercado e sociedade civil, a competição eleitoral e parlamentar, a atuação e relação dos partidos, e das forças políticas como os governos, etc...

Policy

Compreendem os conteúdos concretos da política, as políticas públicas. Elas são “o Estado em ação”, o resultado da política institucional e processual. As políticas se materializam em diretrizes, programas, projetos e atividades que visam resolver problemas e demandas da sociedade.

Fonte: Elaborado a partir de Schmidt (2008, p. 2.310-2.311).

Com a compreensão das dimensões, a conceituação de política pública, a partir de um olhar interdisciplinar, remete aos conceitos vinculados as áreas da Administração (BOSCO, 2007), Direito (PEREIRA, 2009) e Sociologia (DAGNINO, 2002; SOUZA, 2006, 2007). Para Bosco (2007, p.245), o termo política pública pode ser definido: [...] como resultado de uma autoridade regularmente investida de poder público e de legitimidade governamental, ou como um conjunto de práticas e normas que emanam de um ou de vários atores públicos. Ao mesmo tempo, pode ser uma decisão política, um programa de ação, os métodos e meios apropriados ou uma mobilização de atores e de instituições para a consecução de objetivos.

Para Pereira (2009, p.58) políticas públicas: “[...] são formas de afirmação e concretização dos direitos fundamentais, em especial dos direitos sociais, por parte do Estado”. Na concepção de Souza (2007, p.69): Não existe uma única, nem melhor, definição sobre o que seja política pública. Mead (1995) a define como um campo dentro do estudo da política que analisa o governo à luz de grandes questões públicas e Lynn (1980), como um conjunto de ações do governo que irão produzir efeitos específicos. Peters (1986) segue o mesmo veio: política pública é a soma das atividades dos governos, que agem diretamente ou através de delegação, e que influenciam a vida dos cidadãos. Dye (1984) sintetiza a definição de política pública como “o que o governo escolhe fazer ou não fazer”. A definição mais conhecida continua sendo a de Laswell, ou seja, decisões e análises sobre política pública implicam responder às seguintes questões: quem ganha o quê, por quê e que diferença faz.

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Dagnino (2002) afirma que a caracterização da política pública engloba três elementos: i) teia de decisões, ações e valores; ii) conformação com o contexto social; e iii) desenvolvimento de ações no tempo, com inter-relações a todo momento. Quanto à classificação das políticas públicas, as mesmas usualmente distinguemse em políticas sociais e políticas econômicas ou macroeconômicas. Schmidt (2008, p.2.) argumenta que as políticas sócias se referem a “[...] saúde, educação, habitação, seguridade e assistência social”. O autor ainda cita as questões relacionadas com o controle da inflação, a taxa de juros e câmbio, incentivos setoriais e o comércio internacional, referindo-se às políticas macroeconômicas. Schmidt (2008) apresenta a tipologia das políticas públicas apresentadas resumidamente no Quadro 2. Quadro 2 – Tipologia das políticas públicas. TIPO

CARACTERÍSTICAS

Distributivas

Consiste na distribuição de recursos da sociedade a regiões ou segmentos sociais específicos. Ex: políticas de desenvolvimento de regiões específicas, de pavimentação e iluminação de ruas, de auxílio a deficientes físicos, de auxílio a vítimas de intempéries.

Redistributivas

Consiste na redistribuição de renda, com deslocamento de recursos das camadas sociais mais abastadas para as camadas pobres, as políticas “Robin Hood”, [...]. É o caso dos programas habitacionais, dos programas de regularização fundiária e de renda mínima [...].

Regulatórias

Regulam e ordenam, mediante ordens, proibições, decretos, portarias. Criam normas para funcionamento de serviços, e instalação de equipamentos públicos. Ex: políticas de circulação, penal, plano diretor urbano, política de uso do solo.

Constitutivas Estruturadoras

[...] determinam as regras do jogo, as estruturas e os processos da política. Elas afetam as condições pelas quais são negociadas as demais políticas. [...] dizem respeito a dimensão da polity, á criação ou modificação das instituições políticas. Exemplos de políticas constitutivas: a definição do sistema de governo, do sistema eleitoral, as reformas políticas e administrativas.

ou

Fonte: Elaborado a partir de Schmidt (2008, p. 2.310-2.311).

Ainda o autor salienta que apesar da crítica ao ciclo das políticas públicas, boa parte dos estudiosos identifica tal ciclo, envolvendo: i) percepção e definição dos problemas; ii) inserção na agenda política; iii) formulação; iv) implementação; e v) avaliação, conforme apresentado na ilustração da Figura 1 (SCHMIDT, 2008). Figura 1 – Fases das políticas públicas.

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Fonte: Elaboração própria a partir de Schmidt (2008).

A transformação de uma situação local, regional ou nacional de dificuldade em um problema político é a primeira escala para que uma percepção se transforme em uma definição de problema, e assim possa gerar uma política pública. Entretanto, Schmidt (2008) afirma que somente algumas situações problemáticas tornar-se-ão objeto de atenção da sociedade como um todo e, como consequência, entrar na agenda política. Em seguida, a formulação da política pública “[...] é o momento da definição sobre a maneira de solucionar o problema político em pauta e a escolha das alternativas a serem adotadas, que se processa na esfera do Legislativo e do Executivo” (SCHMIDT, 2008, p. 2.318). Na implementação ocorre à materialização das diretrizes, programas e processos, culminando com a avaliação, pois esta se caracteriza como “[...] um instrumento democrático, que capacita o eleitorado a exercer o princípio do controle sobrea ação dos governos” (SCHMIDT, 2008, p.2.321). No próximo item será realizado a descrição do conceito sobre indicação geográfica, para compreensão do tema. 2 INDICAÇÃO GEOGRÁFICA (IG): A COMPREENSÃO DE UM CONCEITO A indicação geográfica permite a utilização de um nome ou signo distintivo geográfico que, ligado a um produto ou serviço, identifica-o perante os demais existentes, possibilitando um novo nicho de mercado. Assim, a noção de Indicação Geográfica (IG) surgiu gradativamente, quando as qualidades e sabores peculiares de alguns produtos que provinham de determinados locais se diferenciavam. Essas características, típicas, diferenciadas, as quais não são 143

encontradas em produtos equivalentes feitos em outras regiões sustentam a compreensão do significado deste signo distintivo de origem. Este conceito é de suma importância, pois destaca as particularidades do produto, valorizando o território, a cultura e a tradição que o permeiam, os quais são representados por um signo que é aposto sobre o produto final que chega ao consumidor (CERDAN et al, 2014). Considerando que o nome desta região adquire um valor particular, pode tanto ocorrer que terceiros venham a usurpar da fama deste lugar, falsificando produtos, quanto pode ocorrer que os próprios produtores, com vistas a ter mais lucro, deixem de lado o cuidado existente e passem a produzir em larga escala, sem respeitar a cultura e tradição envolvida. Em decorrência, muitos produtos podem se tornar genéricos. Outros, pela organização de seus produtores, podem buscar meios jurídicos para garantir a proteção deste bem de valor histórico e cultural que é a reputação de um produto e é elaborado em uma delimitada região. Uma das formas de se fazer isso é por meio da solicitação do reconhecimento desta a partir do instituto jurídico da indicação geográfica. No Brasil, esta proteção se dava, até 1996, de forma negativa, reprimindo-se a falsa indicação de procedência. Quando o Brasil adere à Ata final da Organização Mundial do Comércio (OMC), à qual acompanha o TRIPS, também internaliza uma nova concepção de indicação geográfica, supramencionada. Para adequar o marco regulatório brasileiro foi promulgada a Lei nº 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial – LPI) (BRASIL, 1996), e em seus artigos 176 a 182 dispõe sobre as indicações geográficas. Por meio da Instrução Normativa n° 25/2013 o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) definiu os procedimentos para seu registro, a qual estabelece a forma de reconhecimento formal. Em seu artigo 176 da Lei da Propriedade Industrial inclui na Indicação Geográfica, tanto a Indicação de Procedência como a Denominação de Origem. Define como Indicação de Procedência “o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu território, que se tenha tornado conhecido como centro de extração, produção ou fabricação de determinado produto ou de prestação de determinado serviço”. E como “Denominação de Origem o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu território, que designe produto ou serviço cujas qualidades ou características se devam exclusiva ou essencialmente ao meio geográfico, incluídos fatores naturais e humanos” (BRASIL, 1996). Na

Figura 2 é apresentada a

diferenciação entre as duas. V.9, nº2, p. 138-155, ago./dez. 2016.

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Figura 2 - Diferenciação entre IP e DO.

Fonte: Bruch (2008).

O conceito de indicação geográfica destaca particularidades de diferentes produtos, de diferentes regiões valorizando os territórios, criando um fator que destaca a originalidade e características próprias. São signos distintivos e tem sido usado amplamente no mercado agroalimentar, como proteção dos diferentes tipos de produtos. A partir destes signos existem estratégias de diferenciação dos produtos no mercado, como por exemplo, a agregação de valor (CERDAN et al, 2014). Para compreender o significado de IG, Krucken (2009, p.33) explica que se baseiam no conceito de terroir: “[...] são referências geográficas utilizadas para designar produtos agrícolas e alimentícios que apresentam uma ou mais qualidades relacionadas com a zona de produção”. Ressalta-se que existem outras formas de se definir e retratar terroir, e que esta definição também é variável dependente do produto em análise e da maior ou menor influência que os fatores naturais e humanos podem ter sobre sua elaboração. A IG também pode ser compreendida como um instrumento de valorização e preservação das qualidades dos produtos que provém de uma zona geográfica delimitada. Além disso, estas podem ser utilizadas exclusivamente a todos os produtores e prestadores de serviço que se encontrem na região delimitada – não sendo um direito privado, mas sim um direito de uso coletivo. Todavia, as observações e critérios estabelecidos no caderno de normas deverão ser observados (BRASIL, 1996). As IGs da vitivinicultura brasileira, são bons exemplos da forte ligação com o território que favorece o reconhecimento da IG e, como destacam Flores, Falcade e Medeiros (2010), a vitivinicultura e o terroir podem caracterizar e diferenciar cada 145

produto lhe conferindo uma identidade própria. Essa identidade pode ser materializada através das IGs que podem fomentar e desenvolver regiões, de acordo com a Figura 3. Figura 3 - Influência de fatores do meio geográfico na qualidade final do produto.

Fonte: Velloso et al. (2014, p.104).

Deste modo, o reconhecimento de uma Indicação Geográfica pode agregar valor e aferir credibilidade a um produto ou serviço. Consolidando-se este diferencial no mercado, em função das suas características, este poderá se constituir em um bem escasso e, portanto mais apreciado e valorado, pois somente poderá ser utilizado por aqueles que estiverem estabelecidos na área delimitada. Neste sentido, Vieira, Watanabe e Bruch (2012, p.14), apontam que: Uma IG pode garantir alguns benefícios econômicos, tais como agregação de valor ao produto, aumento da renda do produtor, acesso a novos mercados internos e externos, inserção dos produtores ou regiões desfavorecidas, preservação da biodiversidade e recursos genéticos locais e a preservação do meio ambiente. Entretanto, ela por si só não garante um sucesso comercial determinado. O reconhecimento de uma IG, em uma região, pode induzir a abertura e o fortalecimento de atividades e de serviços complementares, relacionados à valorização do patrimônio, à diversificação da oferta, às atividades turísticas (acolhida de turistas, rota turística, organização de eventos culturais e gastronômicos), ampliando o número de beneficiários. Assim, cria-se sinergia entre agentes locais, entre o produto ou serviço da IG e outras atividades de produção ou serviço.

Portanto, pode ser considerado que as IG´s popularizam e contribuem para o reconhecimento da região, muitas vezes colaborando para o desenvolvimento do turismo, com uma maior facilidade de marketing, tanto do produto quanto da região, inclusive com a promoção de festas regionais, apresentando-se muitas vezes como “[...]

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responsáveis

por

um

significativo

impacto

econômico

em

alguns

países,

instrumentalizando o desenvolvimento nestes” (LOCATELLI, 2007, p. 55). O Brasil possui uma grande diversidade, é rico tanto no meio biológico como natural, abrigando cerca de 20% de todas as espécies vegetais do mundo. Possui uma trajetória de grande vastidão, onde cada uma das suas regiões possui peculiaridades, aliadas as populações com suas diversidades étnicas e culturais e conhecimentos tradicionais. No país, assim como em outros países em desenvolvimento, as IGs são inseridas como parte de uma temática recente e ainda desconhecidas pela maioria de seus habitantes, onde existem comunidades e conhecimentos tradicionais, riquezas culturais e biológicas, sabores particulares, artesanatos típicos (CERDAN et al., 2014). Aliado a isto, a IG vem para fortalecer a sócio biodiversidade enquanto um patrimônio comum da humanidade. Segundo consta no site do INPI, no território brasileiro é reconhecido pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI, 59 indicações geográficas; destas 51 (cinquenta e uma) são nacionais, sendo 41 (quarenta e uma) Indicações de Procedência e 10 (dez) são Denominações de Origens; e 08 (oito) são denominação de origens estrangeiras. Estes dados constam no site do INPI, podendo sofrer atualizações a qualquer momento (INPI, 2016). A Figura 4 apresenta a distribuição das IG´s de acordo com as regiões no território brasileiro. Figura 4 - Mapa das indicações geográficas brasileiras para vinhos.

Fonte: Embrapa Uva e Vinho, alterado pelo Ibravin (2014).

Portanto, o que se tem denotado e conforme ponderam Vieira e Buainain (2011) as IGs têm sido utilizadas nos mercados agroalimentares para proteger e valorizar 147

produtos de diferentes tipos. Neste sentido, são iniciativas para que os produtos de determinados locais criem estratégias de diferenciação no mercado a partir das denominações de origem, a exemplo da qualidade do produto, agregação de valor ao produto, etc. 2.1 PENSANDO NA POLITICA PUBLICA O EXEMPLO DOS VALES DA UVA GOETHE Decorrente de uma trajetória da colonização italiana no final do século XIX, a vitivinicultura na região de Urussanga, manteve a tradição e vínculos com a produção de vinho a partir da uva Goethe, uma variedade que no cultivo e na produção de vinho sempre foi destaque na região. Primeiro foi a sua ótima adequação ao território, depois veio a notoriedade da qualidade de seus vinhos brancos. Certamente um vinho único, diferenciado e não encontrado em outro local. A partir da década de 1970, novos rumos foram em busca das referências identitárias, por meio da valorização do passado e da experiência dos imigrantes italianos. Novas vinícolas foram criadas, a exemplo da Vitivinícola Urussanga (Casa del Nonno) e a Vinícola Mazon, reiniciando-se um trabalho de organização e incentivo à produção vitivinícola (REBOLLAR et al, 2007). As vinícolas Trevisol e Quarezim já possuíam a tradição de seus antecessores e Vinícola De Nonni, foi criada após a concessão da IPVUG. Na década seguinte, os experimentos com uva e vinhos realizados pela antiga Subestação de Enologia – atualmente a Estação Experimental de Urussanga dirigida pela Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (EPAGRI) – foram retomados. A partir deste cenário, intensificado pela identificação étnica ítalo-brasileira presente na região, a produção de vinho e o turismo, cria-se em 2005 a Associação dos Produtores e Uva e Vinho Goethe (ProGoethe), o qual buscaram o reconhecimento da qualidade, tipicidade, tradicionalidade e das características exclusivas dos vinhos e espumantes de uva Goethe, por intermédio de uma Indicação Geográfica. Com o apoio do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (EPAGRI), o reconhecimento da Indicação de Procedência dos Vales da Uva Goethe (IPVUG) foi concedido em 14 de fevereiro de 2012, com o V.9, nº2, p. 138-155, ago./dez. 2016.

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registro pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). O registro foi publicado na Revista de Propriedade Industrial n°. 2145, na forma de signo nominativo, para vinho branco seco, suave ou demi-sec, leve branco seco, suave ou demi-sec, vinho espumante brut ou demi-sec obtidos pelo método tradicional e pelo método “Charmat”, vinho licoroso. A delimitação da área que compõe os Vales da Uva Goethe pode ser observada na Figura 5. Figura 5 – Delimitação da área dos Vales da Uva Goethe.

Fonte: Silva (2011) e Vieira, Garcia e Bruch (2013).

A área delimitada dos Vales da Uva Goethe está localizada nos limites que determinam a área geográfica para a produção da Uva Goethe com a qualidade IPVUG, cujos vinhedos deverão estar instalados nas áreas delimitadas. Foram definidos pelos divisores de água das bacias do Rio Urussanga e do Rio Tubarão. Os limites são formados pelas sub-bacias do Rio América, do Rio Caeté, do Rio Cocal, do Rio do Carvão, do Rio Maior que são afluentes do Rio Urussanga e o vale principal desse mesmo Rio na área delimitada sub-bacia do Médio Urussanga (Regulamento de Uso da IPVUG, 2012). As vinícolas situam-se nos municípios de Urussanga, Pedras Grandes, Cocal do Sul, Morro da Fumaça, Treze de Maio, Orleans, Nova Veneza e Içara no Estado de Santa Catarina, Brasil (VIEIRA, WATANABE; BRUCH, 2012). A partir da consolidação da Indicação Geográfica houve a promoção do desenvolvimento regional, já percebido pelos vitivinicultores da região, inclusive com a possibilidade da entrada de novos produtores (a exemplo do Villa Baldin, que vem se 149

estruturando para ser formalizada de acordo com o Manual de Uso da IPVUG), novos produtos (a exemplo do lançamento dos espumantes de uva Goethe), turismo de qualidade (várias atrações turísticas históricas e eventos na cidade), melhor arrecadação e renda a todos os segmentos envolvidos (pousadas e hotéis, restaurantes, cafés, sorveterias, etc.) na cadeia produtiva de uva e vinho. A partir da concessão do registro, os associados já estão percebendo a diferença, uma vez que as vinícolas estão presenciando o aumento da procura dos vinhos e espumantes produzidos a partir da uva Goethe, tanto pelos residentes, como por novos turistas na região. Há a percepção por parte dos vitivinicultores, quando os turistas visitam as vinícolas solicitam diretamente os vinhos e espumantes de uva Goethe, advindos da curiosidade em conhecer um produto diferenciado e com agregação de valor pela qualidade. Inclusive os associados já percebem que a receptividade dos compradores para o vinho Goethe mudou, com um crescimento médio em torno de 20% na comercialização para os vinhos e de 30% para os espumantes, segundo apresentado pelo presidente da ProGoethe. As pousadas e restaurantes estão se modernizando para receber este novo fluxo de turistas, bem como houve a criação de novos empreendimentos comerciais, na área gastronômica, para atender a demanda. Ainda, Pereira e Vieira (2014) em pesquisa realizada nos Vales da Uva Goethe, no município e Urussanga, apresentam que a região possui os elementos para o desenvolvimento do enoturismo, tendo em vista que as empresas atuantes no setor, que prestam serviços direta ou indiretamente ao turista ou ao visitante, possuem os elementos que conferem identidade e demonstram o envolvimento necessário com o lugar em que ela se encontra e com o público atendido. Possuem os elementos considerados importantes para o enoturismo: serviços turísticos de alimentação, hospedagem, transporte e eventos, patrimônio histórico e cultural os bens de natureza material e imaterial que expressam ou revelam a memória e a identidade das populações e comunidades. Portanto, o município possui os elementos constituintes do enoturismo, ou seja, o contato direto do turista com os processos produtivos, o conhecimento e a prova dos vinhos das regiões visitadas, passeios e percursos que envolvem o patrimônio paisagístico e arquitetônico relacionados à cultura da vinha e à produção do vinho. De acordo com Pereira e Vieira (2014), são estas características que colocam o turismo como uma atividade associada fundamental, não apenas pelos recursos financeiros que ela mobiliza diretamente, mas por sua capacidade como instrumento promocional das V.9, nº2, p. 138-155, ago./dez. 2016.

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regiões nas quais suas atividades se inserem, promovendo o desenvolvimento da região como um todo, considerados como pressupostos para constituir um cluster de turismo. Neste sentido, as IG’s podem ser entendida como uma política pública, pois segundo a visão de Schmidt (2008) se materializam em diretrizes, programas, projetos e atividades que visam resolver problemas e demandas da sociedade, com o apoio de diversos stakeholders. Assim, de acordo com o Quadro 3, os Vales da Uva Goethe possui parcerias com diversos stakholders dos quais ajudam a desenvolver o território com o aproveitamento do conjunto natural da região, o patrimônio histórico, o saber fazer, criando um “processo de qualificação” e que permite uma adequada colocação de seus produtos em mercados dinâmicos, as habilidades artísticas, culinárias e a tradição folclórica de uma determinada população, em busca da melhoria da qualidade de vida (VIEIRA; PELLIN, 2014; BRUCH, 2008; VIEIRA, WATANABE; BRUCH, 2012). Quadro 3 - Stakeholders x atuação IG

INFLUÊNCIA Âmbito Federal

Âmbito Estadual INDICAÇÃO PROCEDÊNCIA DOS VALES DA UVA GOETHE (IPVUG)

Âmbito Regional

Âmbito Local

ATUAÇÃO INPI MAPA EMBRAPA Universidades Federais EPAGRI Universidade (UFSC) Prefeituras Municipais Universidade (UNESC) Associação ProGoethe Associação Comercial Produtores de Uva e Vinho Pousadas Hotéis Comércio, etc...

Fonte: Elaboração própria.

Portanto, de acordo com Pellin e Vieira (2016) as IGs permitem que os territórios promovam seus produtos beneficiando a comunidade local, como uma estratégia para o desenvolvimento territorial, principalmente para produtos que possuem baixa escala de produção em razão dos métodos de produção. CONSIDERAÇÕES FINAIS No Brasil, o debate em torno das políticas públicas de valorização de produtos e serviços, principalmente os agroalimentares, a partir da concessão de registros de IGs, 151

decorrente de suas especialidades locais ainda é muito recente, haja vista que o primeiro registro foi concedido em 2002 à Aprovale para Indicação de Procedência do Vale dos Vinhedos, no Rio Grande do Sul e, posteriormente em 2012 é concedido a Denominação de Origem Vale dos Vinhedos. Assim, com a valorização dos recursos territoriais com a possibilidade do surgimento de novos nichos de mercados, nos últimos anos as indicações geográficas (IG’s) têm sido consideradas como verdadeiras políticas públicas com o objetivo de induzir o desenvolvimento de uma determinada região. Neste sentido, as IG’s podem ser pensadas como uma ferramenta de ocupação harmoniosa do espaço cultural produtivo, aliando a valorização de um produto típico e seus aspectos históricos e culturais, à conservação da biodiversidade e o desenvolvimento rural. No entanto, é importante ressaltar que uma IG por si só não garante resultados mercadológicos e de competitividade, nem para as empresas nem para a região. É necessária a gestão de variados elementos para a aquisição e agregação dos valores distintivos aos produtos e serviços. No exemplo relatado da Indicação de Procedência dos Vales da Uva Goethe para os produtores-associados da ProGoethe, a obtenção da IG pôde ampliar mercados, agregar valor aos produtos, ser um gerador de mais empregos, movimentar a economia local, bem como preservar o saber fazer, permitir que os produtores permaneçam no campo, com a expectativa para seus filhos e netos permaneçam no negócio para sobreviver. Diante deste cenário, consequentemente, possibilita-se a promoção de um desenvolvimento sustentado. E de acordo com Cerdan et al. (2016), já se percebe alguns impactos após a concessão do registro de IG: profissionalização e melhoria da qualidade do produto, investimento na condução e manejo da videira e do vinho; melhoria da renda dos produtores de uva e vinho Goethe; desenvolvimento dos mercados, venda direta e supermercados e evolução continua do enoturismo na região. Alguns pontos discutidos em reunião realizada no dia 02 de junho de 2015 na cidade de Urussanga - SC, contando com a participação de Claire Cerdan e Carolina Quiumento Velloso, pesquisadoras do Cirad/França, convergem com o acima exposto e que foram importantes aos associados da ProGoethe: diversificação e valorização dos produtos; melhorou a autoestima dos vitivinicultores e vinicultores da uva Goethe; despertou o interesse por outros produtores pela uva Goethe (despertou o interesse novos produtores artesanais do vinho Goethe); reconhecimento nacional do território; aumento da visibilidade da região (os turistas tem procurado especificamente o vinho V.9, nº2, p. 138-155, ago./dez. 2016.

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Goethe); aproximação das instituições de pesquisa (UFSC, UNESC, EMBRAPA UVA e VINHO, entre outras); aumento das pesquisas e projetos sobre a IPVUG; preservação da variedade Goethe na região e do ambiente de produção. Estes pontos corroboram com o ponto de vista de Bruch, Vieira e Barbosa (2015), quando apontam que para as pequenas regiões menos desenvolvidas, conseguir ter o reconhecimento do mercado de suas características singulares por meio do uso de um sinal como a Marca Coletiva ou a Indicação Geográfica pode ser uma interessante alternativa de inserção no mercado diante da impossibilidade dos pequenos produtores competirem com as grandes empresas, principalmente as do agribusiness, considerada como uma verdadeira política pública de inserção de pequenos produtores num mercado cada vez mais competitivo. REFERÊNCIAS BOSCO, M. G. D. Discricionariedade em Políticas Públicas: um olhar garantista da Aplicação da Lei de Improbidade Administrativa. Curitiba: Juruá, 2007. BRASIL (1996). Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996 (Lei de Propriedade Industrial – LPI). Dispõe e regula sobre direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Disponível em . Acesso em: 10 jan. 2015. BRUCH, K. L. Indicações geográficas para o Brasil: problemas e perspectivas. In: PIMENTEL, Luiz Otávio; BOFF, Salete Oro; DEL’OLMO, Florisbal de Souza. (Org.). Propriedade intelectual: gestão do conhecimento, inovação tecnológica no agronegócio e cidadania. 1ed.Florianópolis: Fundação Boiteux, 2008, v. p. -245 BRUCH, K.L.; VIEIRA, A.C.P.; BARBOSA, P. M. S. O direito fundamental à proteção dos signos distintivos: uma análise comparativa entre marcas coletivas e indicações geográficas no ordenamento jurídico brasileiro. In: Liton Lanes Pilau Sobrinho; Fabíola Wüst Zibett; Thami Covatti Piaia. (Org.). Balcão do Consumidor: Constitucionalismo, Novas Tecnologias e Sustentabilidade. 1ª. ed. Passo Fundo - RS: Editora UFP, 2015, v. 1, p. 229-254. CERDAN, C.M.T. et al. Indicação Geográfica de produtos agropecuários: importância histórica e atual. In: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Curso de propriedade intelectual & inovação no agronegócio: Módulo II, indicação geográfica / Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; organização Luiz Otávio Pimentel – 4ª ed. – Florianópolis: MAPA, Florianópolis: FUNJAB, 2014. DAGNINO, R. Gestão estratégica da inovação: metodologias para análise e implementação. Taubaté: Cabral Editora e livraria universitária, 2002. 153

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ALIANÇA, RECIPROCIDADE E COOPERAÇÃO ESTRATÉGICA: análise da rede virtual Linkedin® Rafaella Cristina Campos1 Rodrigo Cassimiro de Freitas2 João Paulo Cardoso Silva3 Mônica Carvalho Alves Cappelle4 Resumo Objetiva-se neste artigo identificar a presença ou não de mecanismos que possibilitem a estruturação de alianças estratégicas, cooperação e reciprocidade entre empresas e profissionais atuantes na rede social virtual LinkedIn®. Através da natureza qualitativa de análise de dados que prevê análise do conteúdo e do layout da página da rede social virtual LinkedIn® verifica-se que tanto para empresas quanto para candidatos a eficácia, eficiência, estrutura e intensidade dos laços e nós estabelecidos estão mais relacionados à interpretação parcial do evento de uma das partes envolvidas do que do seu contexto total e geral que é impalpável. Palavras-Chave: Redes Sociais Virtuais; Aliança; Cooperação. ALLIANCE, RECIPROCITY AND STRATEGIC COOPERATION: analysis of virtual network Linkedin® Abstract The main goal of this article is to identify the presence or absense of resouses that alow the structure of strategic alliances, cooperation and reciprocity beetween companies and candidates that are active on the social midia network called LinkedIn®. Through the qualitative nature and data analysis based on the technic contain analysis, the attend is to understand the contain and the layout of LinkedIn®, it´s evident that for the companies and for the candidates the effectiveness, efficiency, and intensity structure of the laces and nodes are not clear, so it is not possible to tell for certain that the strategic moves are effective because it is only possible to understand for complete one side of the formation of the laces and nodes, so the full knowledge is uncertain and provide doubt about the benefits in competition and cooperation in search for a new opportunity on the job market. Key Words: Social Midia Network; Alliance; Cooperation.                                                                                                                         1

Professora Efetiva da Faculdade Presbiteriana Gammon – FAGAMMON; Doutoranda em Administração na Universidade Federal de Lavras – UFLA. (Contato: [email protected]). 2 Professor Efetivo da Pontifícia Universidade Católica – PUC/MG Unidade de Arcos; Doutorando em Administração pela Universidade Federal de Lavras – UFLA. (Contato: [email protected]). 3 Estudante de Graduação em Administração pela Universidade Federal de Lavras – UFLA. (Contato: [email protected]). 4 Professora Associada da Universidade Federal de Lavras – UFLA, no Departamento de Administração e Economia - DAE. (Contato: [email protected]).  

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INTRODUÇÃO Desde o fenômeno da globalização, há a necessidade eminente de nos conectarmos cada vez mais rápido e com maior precisão de informações. Mesmo sendo bombardeados com volumes cada vez maiores de informações e tecnologias. Inicialmente, isso aconteceu com as informações e comunicações em geral, depois este valor foi agregado às tecnologias, e hoje este comportamento é observado na geração e transmissão de informação em âmbito pessoal e profissional. Cada vez mais cresce a demanda entre as pessoas em transmitirem informações sobre seu perfil pessoal e profissional com a finalidade de se comunicarem com uma gama de empresas e de indivíduos cada vez maior, objetivando aprimoramento das técnicas e teorias de acessibilidade ao mercado e maior visibilidade interpessoal. Com a aceleração da transmissão de informação no nível pessoal e profissional, as redes vinculadas à internet, meio de maior aglomeração de informação conhecido nos dias de hoje. Observaram a necessidade de organizar as informações dos usuários e pesquisadores para não só facilitar o acesso às informações, mas também criar um padrão de preenchimento, para que todos os indivíduos que tivessem acesso à rede pudessem visualizar de forma ampla e concreta o que cada pessoa dispõe e quer informar. A partir deste movimento surgiram as redes sociais virtuais. Redes por si só consistem em alianças estratégicas entre outras empresas e outras formas e cooperação produtiva e tecnológica (BRITTO, 2002). Já redes sociais virtuais são definidas como relações não orientadas entre atores com a finalidade de cooperar entre si num objetivo estratégico comum (LEMIEUX; OUIMET, 2008). Mas com a múltipla variação de construção de redes sociais presentes na internet no dia de hoje, cada uma construiu uma aliança estratégica específica que rege a densidade e o conteúdo relacional de seus membros (nós). Existem redes sociais que têm como aliança estratégica de seus membros a exposição de perfil pessoal para vínculo afetivo, outras que a estratégia é se vincular por meio de similaridades cosanguíneas, e outras que tem como aliança estratégica a cooperação e a competição do perfil profissional. É o caso da rede social LinkedIn®. Segundo as informações contidas no site eletrônico dessa rede virtual, o LinkedIn® é uma rede profissional do mundo da internet em mais de 200 países e territórios, é uma rede de capital aberto, e com a missão de conectar profissionais e torná-los mais produtivos e bem sucedidos. Como a rede social, apesar de ter várias sedes administrativas espalhadas pelo mundo, sua central de funcionamento está  157  

 

baseada na internet. Então, seus vínculos são estabelecidos de forma aleatória e sem controle direto dos gestores da rede. Isso faz com que as conexões sejam descentralizadas, amorfas e multidimensionais. A falta de “formalidade” e o direcionamento multilateral nas formações de laços dentro desta rede social nos faz pensar: qual é a intensidade dos laços e conexões formados dentro da rede social virtual? A internet é dinamicamente informal por sua agilidade e facilidade de fazer e desfazer conexões. Nesse sentido, é possível estabelecer um vínculo profissional duradouro e eficaz através de uma rede social? Por fim, perguntamos para este trabalho: a rede social virtual LinkedIn® tem campos de informações que garantem a formação de vínculo pessoal capaz de gerar o cerne do estabelecimento da aliança estratégica: um híbrido de cooperação e de competição? O objetivo principal deste trabalho é identificar a presença ou não de mecanismos que possibilitem a estruturação de alianças estratégicas, cooperação e reciprocidade entre empresas e profissionais atuantes na rede social virtual LinkedIn®. Os objetivos específicos consistem em: primeiro, descrever quais são os recursos disponíveis na rede social virtual LinkedIn® que permitam a evidência de conexões (laços/nós); e segundo, averiguar a contraposição de elementos que permitem (des)vantagem cooperativa e reciprocidade entre empresas e profissionais. Este trabalho se torna justificável do ponto de vista científico frente ao vertiginoso crescimento das redes sociais virtuais, mas nem por isso sua viabilidade é consciente, no sentido de que o objetivo central do estabelecimento de laços e conexões para aquele tipo específico de rede social é respeitado e utilizado pelos seus usuários. É preciso estudar a estruturação das redes sociais para avaliar se suas ferramentas realmente atendem ao seu público e ao seu objetivo, efetuando laços e conexões fortes e duradouros. A estrutura do trabalho será divida em: primeiramente a introdução, conseguinte uma breve revisão de literatura para embasar as premissas da análise e surgimento das redes e redes sociais. A revisão de literatura será subdividida e três sessões, a primeira irá consistir na contextualização da construção das organizações dinâmicas e ligadas à internet nos dias de hoje, a segunda definição de redes e redes sociais, e a terceira na construção de cooperação e competição dentro de redes e redes sociais. Após este processo seguirá uma análise das ferramentas disponíveis na rede social LinkedIn®, e ao final as reflexões e considerações finais. 1 REVISÃO DE LITERATURA V.9, nº2, p. 156-175, ago./dez. 2016.

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1.1 UMA BREVE CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DAS ORGANIZAÇÕES: PADRÕES E PARÂMETROS O mercado é extremamente instável porque suas relações nem sempre são estabelecidas em confiabilidade. Além disso, a amplitude entre produtor e comprador impede o controle perspicaz das negociações. A partir da necessidade de diminuir os custos de transações e de se gerenciar estas transações mais de perto é que surgiram as organizações. Ronald Coase em 1937, além de responder o “por que da existência das organizações?” também propôs que o sistema de preços, quanto mais fechado e mais fiscalizado, permite não só maior confiabilidade nas relações organizacionais, mas também, maior resolução de conflitos e permite maiores ganhos nas relações, tanto financeiras quanto no elo relacional (BARNEY; HESTERLY, 2004). Mas, mesmo que haja uma preocupação, e ela é crescente, com relação aos aspectos relacionais e as influências pessoais dentro da organização, o que nunca vai se extinguir como influência de ambos é a geração de custos. Toda e qualquer empresa não escapa de estar inserida num mundo globalizado e numa lógica capitalista e, por isso, tem como fator proeminente na sua sobrevivência e funcionamento diário o custeio de suas transações. Já nas teorias neoclássicas e na microeconomia de Adam Smith, apontava-se a incrível habilidade dos mercados de coordenarem a produção econômica e efetuar as transações a um custo extremamente baixo e sem subsídio governamental. Visto somente desta forma parece até um regime utópico, mas a qual demanda havia esta redução de custos? Tudo era regido por uma descentralização de custeio e por uma atenção mínima às necessidades das “engrenagens humanas” que faziam a maior parte do processo produtivo até então. Com a automação das organizações a partir das revoluções industriais, o significado do trabalho e da força de trabalho mudou, mas pouco se fez para integrar as pessoas ao trabalho de forma menos mecanizada e, portanto, menos repetitiva e sofrida. Nas décadas de 30 e 40 um turbilhão se formou perante esta necessidade de agregar o homem ao processo produtivo como parte pensante das empresas. O ambiente organizacional passou a ter relevância e ganhar destaque nos estudos não só para averiguar o controle da produção e garantir maiores resultados, mas sim, senão principalmente, para garantir maior integração entre homem, máquina e organização. Com base nesta movimentação, começou-se a relevar como base de estudo e percepção de gestão, que poderia haver outros componentes externos à organização que  159  

 

influenciavam na sua construção, e, portanto, constituíam o que se denominou como ambiente organizacional (HATCH, 1997). A autora ressalta que há variáveis dentro da organização que compõe sua estrutura, componentes sutis à gestão de pessoas e ao processo produtivo tais como a forma de trabalho, os interesses, competição, parcerias estabelecidas, formas de consumo e agências reguladoras. Todas estas instâncias que impelem influência não só sobre a produção, mas também sobre o comportamento interpessoal dentro das organizações, faz com que as próprias organizações (formadas por dinâmicas humanas) gerem relações de oportunidade para se sobressair em relação às outras. As relações de oportunidade surgem como vantagem competitiva, em busca inovadora de processos organizacionais, visando estabilidade no mercado e notoriedade. A busca pela notoriedade, que ocasiona maior busca dos consumidores e, portanto, ampliar riquezas, tornando o ambiente hipercompetitivo. A competição apenas ocorre se houver base estratégica para supri-la (POTTER, 1998). A estratégia competitiva, como qualquer outra ação organizacional, vai acompanhar o desenvolvimento das ações sociais e históricas. Com mercado fechado e protecionismo, o mercado gera uma estratégia competitiva cada vez mais acirrada, tanto interna quanto na dinâmica de governos. E quanto mais aberto for o mercado, mais abrangente é a estratégia competitiva, para conseguir lidar não só com um mercado exigente nem só com uma dinâmica de governo aberta, mas também, com usuários de diversos tipos de públicos, diversificando não só o público-alvo, mas também, o tipo de estratégia adotado para atingi-lo. Não foram necessariamente os computadores que inovaram e aceleraram a ação estratégica de busca de talentos e vantagem competitiva entre as empresas, mas sim a internet. Isso porque a ferramenta internet tornou o acesso à informação extremamente mais ágil. As redes conseguem acessar seus nós (atores) numa precisão e velocidade que antes da internet não era permitido. Da mesma forma, o cruzamento de informações de uma rede para a outra se tornou mais evidente. As informações de vantagem competitiva se esvaem mais facilmente. Isso porque o veículo da internet não gera confiabilidade de informação como um acordo formal entre empresários. 1.2 AS REDES SOCIAIS VIRTUAIS: UM CAMPO PROMISSOR DE ESTUDOS. As redes sociais virtuais têm se tornado um campo repleto de possibilidades de estudo e têm recebido significativa atenção nas últimas décadas. Os trabalhos que

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analisam essas relações são diversos com focos variados, as contribuições teóricas partem de estudos antropológicos e sociológicos. Diante desse panorama, acredita-se, que as redes influenciam diretamente o comportamento dos sujeitos sociais, isso quer dizer que as suas relações sociais promovem impacto significativo na forma de interpretação de mundo dos atores. Argumenta-se que como constructo teórico, a análise de redes é um estudo recente e por esse motivo o seu campo de estudo ainda está em construção (MIZRUCHI, 2006; CARVALHO;

MARQUES;

CARVALHO,

2009;

CASTRO;

BULGACOV;

HOFFMANN, 2011). Vários fatores interferem nesse campo de estudos, fatores sociais, econômicos, culturais, psicológicos, ambientais, jurídico-legais, políticos, governamentais, dentre outros que perpassam e são transversais aos estudos de redes. Percebe-se também que esses estudos se dividem em abordagens prescritivas e descritivas, e há uma divisão de teóricos em torno dessas abordagens, alguns ficam apenas no campo das ideias, enquanto outros trazem para debate uma perspectiva mais realista sobre o fenômeno e menos benevolente, por exemplo, as abordagens críticas. As redes sociais têm se tornado um campo repleto de possibilidades de estudo e têm recebido significativa atenção nas últimas décadas. A partilha de valores e objetivos comuns entre pessoas ou organizações é denominada como rede social. Segundo Mizruchi (2006) os estudos iniciais sobre redes estão baseados na antropologia e na sociologia estrutural. A primeira com influência de Levi-Strauss e a segunda de George Simmel. Para Simmel (2006) e Powell (1990) as relações entre pessoas nas redes figuram maior importância que as normas culturais; nesse sentido as formas e padrões das relações seriam mais importantes que o seu conteúdo, ou seja, foco extremo no objetivismo; no qual o princípio básico é definido a partir da moldagem do conteúdo das relações em função da estrutura. Powell (1990), em sua obra, argumenta que as redes são formas de organização e coordenação contrárias à lógica de mercado e às estruturas hierárquicas, pois são permeadas por padrões recíprocos de comunicação e troca baseadas em confiança. Esse autor, com olhar antropológico, defende que, mesmo em ambientes hierarquizados, as redes sociais exitosas são aquelas baseadas na reputação, laços de amizade, relacionamentos de longo prazo, do ponto de vista da finalidade de sua criação e desempenho. Essas redes então demandam flexibilidade e agilidade de ajustes e, fundamentalmente, relações baseadas em confiança (PERROW, 1992; BRITTO, 2002; GRANDORI; SODA, 1995; AHUJA; SODA; ZAHEER, 2012).  161  

 

Para Perrow (1992) geração de confiança não é facilmente demonstrada e ilustrada, pois ela não poderia ser criada intencionalmente, dessa forma ela é gerada por contextos e estruturas que podem ser deliberadamente criados, encorajando a confiança. Ainda que a confiança não possa ser deliberadamente criada, ao aproximar dos estudos de Perrow (1992) em redes interorganizacionais, alude-se que existem formas de incentivar comportamentos cooperativos e inibir interesses puramente particulares para estimular a criação da confiança como, por exemplo, partilhar e discutir informações, ter experiências de ser ajudado por outro ator na rede, ampliar relacionamentos de longo prazo, aumentar o fluxo de contatos e de laços, a existência de pequenas diferenças entre poder, tamanho e posição estratégica de cada ator, giro da liderança na representação dos grupos, recompensas similares entre os atores. Mizruchi (2006) acredita que as redes influenciam diretamente o comportamento do sujeito, isso quer dizer que as suas relações sociais promovem impacto significativo na sua forma de interpretação do mundo. Verifica-se que, como constructo teórico, a análise de redes é um estudo recente. E por esse motivo, seu campo de estudo ainda está em construção, argumento aderente ao apresentado nesse trabalho. Por isso, acredita-se que as contribuições e as limitações dos estudos são variadas em função da trajetória de refinamento teórico que está em processo de desenvolvimento, a sugestão se baseia na aproximação dos estudos para tornar o corpus teórico mais sólido. O estudo dessas relações por coesão e equivalência estrutural foi amplamente amparado na literatura, no entanto floresceram críticas sobre a efetividade demonstrativa em comportamentos das relações baseadas em modelos matemáticos (MIZRUCHI, 2006). Do ponto de vista dos estudos sobre estrutura, as redes são formadas por um conjunto de nós (atores), os laços que conectam os nós, padrões, estruturas e conteúdo que resultam dessas conexões (podem ser associados com número, identificação, características dos nós, laços fortes e fracos, localização e padrão de conexões entre os nós). Portanto, a arquitetura da rede muda com a soma ou subtração de nós ou com a mudança de suas características, ou quando os lanços entre os nós são criados, dissolvidos ou modificados em termos de forma ou conteúdo (AHUJA; SODA; ZAHEER, 2012). Não é surpreendente que os avanços em tecnologia de informação promoveram avanços significativos para a difusão de redes sociais virtuais nos últimos dez anos. Uma vez que essas ferramentas encurtam a distância entre as pessoas e colaboram ao

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reativar relacionamentos e intensificar os laços via web como, por exemplo, o Facebook® é uma rede social virtual. O Facebook® reconstrói relacionamentos por meio de reativação de laços perdidos ao longo do tempo e por distanciamento geográfico. Se por um lado, os laços mais fortes podem resistir ao tempo com a intensificação dos contatos, por outro lado é inevitável o enfraquecimento daqueles que se desconectam por diversas contingências (AHUJA; SODA; ZAHEER, 2012). Salienta-se que as redes possuem três níveis de análise: os indivíduos que fazem parte do grupo, o grupo que faz parte da organização e a organização que faz parte da rede, e de acordo com o nível os resultados dos estudos serão diferentes. Há evidências que as pesquisas em redes sociais além de apresentar centralidade relacionada a todos os níveis de análise de redes, também apresenta o maior índice de centralidade de intermediação teórica, o que leva a concluir que é assunto que mais aglutina outras abordagens (BRITTO, 2002). Por esse motivo, várias outras formas de relacionamentos em rede surgem vertiginosamente. Exemplo disso é o LinkedIn®, uma rede social virtual fundamentada em interesses profissionais. As redes sociais podem atender a diversos objetivos para a sua formação, denominados antecedentes, além dos fatores de sua manutenção chamados de mecanismos de coordenação e os resultados práticos da rede que estão diretamente ao planejamento de seu surgimento (GRANDORI; SODA, 1995). Para Grandori e Soda (1995) as redes sociais são definidas através dos relacionamentos entre atores sociais que podem se formar em cenários horizontais, nos quais todos os integrantes interferem igualmente na rede do ponto de vista de poder e autoridade. No entanto os mesmos autores demonstram que essa relação pode ser assimétrica, pois alguns atores podem ser eleitos como pontos de intermediação de informações e mediação de conteúdo transacionado na rede. Em uma análise organizacional esse cenário de assimetria pode ser mais comum, pois argumenta-se que redes sociais no âmbito de redes interorganizacionais colaboram na manutenção de confiança entre seus membros, as normas do grupo podem colaborar na definição das regras de rede interorganizacional, nas quais existem ambiguidades, então criar normas morais para assuntos não tratados explicitamente para inibir oportunismos. O LinkedIn®, por exemplo, sendo uma rede social virtual com objetivos profissionais em um cenário horizontal tem funcionado como mecanismo de monitoramento dos possíveis e dos atuais colaboradores de uma organização.  163  

 

1.3 COOPERAÇÃO E COMPETIÇÃO NAS REDES VIRTUAIS. Os estudos ligados à competição estão interessados não só em entender as disputas entre as organizações, mas também, as alianças estratégicas formadas a partir desta competição dentro das redes de organizações. Existem muitas definições do que pode vir a ser competição (BARBOSA, 1999), mas há dois conceitos atrelados a competitividade que o autor ressalta que devem ser expurgados: primeiramente que competição gerada é algo ruim, e segundo que competição é antônimo de cooperação. Nas redes organizacionais, competição está ligada ao fato da rede demandar uma associação para fins de sucesso mercadológico e supremacia aos demais concorrentes. Não sugere deslealdade, não sugere falta de ética, estas abstrações são conjunturas sociais ligadas à terminologia competição e que não se aplica ao conceito clássico mercadológico e industrial do mesmo. Bem como cooperação que não significa auxílio mútuo livre de competição e livre de hierarquia, mas sim, uma aliança estratégica formada por mais de um elemento a fim de encontrar um denominador comum de competição no mercado por meio da união de vários expoentes. (BENGTSSON; KOCK, 1999). As redes sociais permitiram não só a transição da estrutura clássica de organização para o meio virtual, mas também uma gama de ligações, de conexões e laços que são imensuráveis, e que carregam entre estes caracteres marcas distintas e singulares de suas relações. A rede LinkedIn®, propõe a formação de perfil profissional e a exposição deste ao inserir o seu proprietário em um ambiente de competição e cooperação entre os laços que ele irá estabelecer em favor de si próprio ou das alianças estratégicas que formará no decorrer do tempo (essa é a proposta do site). Ao discutir o perfil profissional, atualmente, podemos dizer que esta exposição é volátil dentro das relações de competitividade e cooperação. As relações nas redes sociais são cada vez mais crescentes e ampliadas, macrossociais. Isso faz com a qualificação do perfil profissional seja cada vez mais demandada e que os vínculos profissionais sejam cada vez mais fortes (LEMOS; FREITAS DE SÀ, 2012). As influências de formação e construção deste perfil profissional são imensuráveis nas redes sociais, mas o perfil em si é que permite o contato entre os atores. Mas, não há como mensurar a veracidade, não há como estabelecer a força e o conteúdo dos laços e conexões. De acordo com Lacoste (2010) as relações verticais tendem a gerar esta dinâmica de prevalência simultânea entre competição e cooperação para que o oportunismo se instaure e haja ocorrência de maiores relações de ganho mútuo do que V.9, nº2, p. 156-175, ago./dez. 2016.

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perdas. Nas redes sociais virtuais, as relações são mais instáveis e menos perceptíveis à prevalência e mudança, por isso o oportunismo, as aglomerações e as intensidades dos laços dificilmente são detectados tornando os estudos em redes sociais ainda mais difíceis de serem estudados, e suas relações estruturais, ainda mais voláteis a qualquer tipo de reação abrupta. Há aspectos que agregam valor e significado nas questões de competição e cooperação, aspectos de estruturação das redes, principalmente das redes sociais que tem um padrão estrutural imutável pelos usuários e que não sofre influência por deles. Diferentemente das redes de organizações que sofre influência e influenciam as pessoas e sociedade. Tendo dito que as redes sociais têm um caráter enrijecido em sua estrutura, porque os campos de preenchimento e suas ferramentas de utilidade não mudam de forma circunstancial e nem por influência externa, podemos inferir que a dinâmica de competição e cooperação vai passar por um caráter amórfico, ou seja, em algumas situações específicas como o LinkedIn®, a estrutura da rede vai impedir novas dinâmicas, novas formações de vínculos por ação estratégica vantajosa. 2 METODOLOGIA DE PESQUISA O trabalho é de natureza qualitativa, tipologia exploratória descritiva e a técnica mediadora para tratar as informações escolhida foi a análise de conteúdo. Diferentemente das análises quantitativas de conteúdo, que buscam atender o critério da repetição ao evidenciar as reincidências nos discursos, na análise temática, visa-se ao critério de relevância, segundo o qual devem-se ressaltar outros aspectos dos dados sem que, necessariamente, tenha havido sua repetição no conjunto do material coletado (TURATO, 2003). A coleta de dados foi realizada a partir do acesso do site LinkedIn®. A análise realizada considerou a análise do design da página. Todas as abas, ferramentas e recursos disponíveis para a elaboração do perfil profissional e para, consequentemente, formação de laços e conexões entre diversos membros. Essas foram analisadas com o objetivo de avaliar os recursos disponíveis aos usuários da rede social LinkedIn®, a fim de se identificar a presença ou não de mecanismos que possibilitem a estruturação de alianças estratégicas, cooperação e reciprocidade entre os seus usuários. A análise dos dados foi feita mediante análise de conteúdo que, segundo Bardin (1977, p.44) “procura conhecer aquilo que está por trás das palavras sobre as quais se debruça”. Assim, buscou-se compreender os significados implícitos em palavras, frases  165  

 

ou expressões nos enunciados da estrutura do site LinkedIn®. Em outras palavras, objetivou-se compreender as relações que poderiam ser estabelecidas entre os fragmentos discursivos e o contexto institucional e histórico-social. A definição de análise de conteúdo é apresentada por Bardin (1977, p.42) como: [...] um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitem a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.

Minayo (2000) explica que a análise de conteúdo relaciona as estruturas semânticas, aquilo que foi expresso nos relatos das entrevistadas, com os significados dos fragmentos, as quais a autora denomina de estruturas sociológicas. É uma busca de articulação entre a superfície dos textos descrita e analisada com os fatores que determinam suas características: variáveis psicossociais, contexto cultural, contexto e processo de produção da mensagem (MINAYO, 2000; p. 203).

Na classificação proposta por Bardin (1979), a análise temática ou categorial é uma modalidade de análise de conteúdo de cunho qualitativo. Consiste em operações de desmembramento do texto em unidades (categorias) segundo reagrupamentos analógicos. Com essas operações, visa-se descobrir os núcleos de sentido, ou temas que compõem uma comunicação. Optou-se por análise de conteúdo neste estudo porque toda a construção será feita somente com base analítica do que o design do site propõe e do que de acordo com a técnica de análise de conteúdo é possível equiparar como objetivo alcançado entre o que o site propõe e do que os recursos do site realmente alcançam de acordo com este recurso de análise. Não serão utilizadas opiniões de usuários nem de terceiros para a construção da análise de dados em nenhum momento deste trabalho. 3 ANÁLISE DE DADOS: O CONTEÚDO E LAYOUT DO LINKEDIN® O objetivo principal deste trabalho é identificar a presença ou não de mecanismos que possibilitem a estruturação de alianças estratégicas, cooperação e reciprocidade entre empresas e profissionais atuantes na rede social virtual LinkedIn®. Para tanto, a análise de dados será a partir dos links dispostos no site do LinkedIn®. Segue abaixo a análise dividida em 4 (quatro) itens, cada um deste itens compatíveis com a distribuição em blocos do layout da página do LinkedIn®. DestacaV.9, nº2, p. 156-175, ago./dez. 2016.

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se que análise isolada não ocorrerá para o item “Página Inicial” e nem para os links de comunicação direta entre os nós, uma vez que a análise para estes itens vai depender da forma subjetiva do uso da ferramenta, na qual não é objetivo deste trabalho. 3.1 ITEM “PERFIL” O LinkedIn® é uma rede social virtual direcionada a pessoas que procuram divulgar seu perfil profissional e buscar conexões com outros profissionais e empresas por meio do uso da internet. O item “Perfil” é subdividido em 3 (três) categorias de acordo com o layout da página: 1. “Editar Perfil”; 2. “Quem Viu Seu Perfil?”; 3. “Suas Atualizações”. Iniciando uma discussão ampla destes itens, diz-se que: primeiro, há pouca inovação em relação a um currículo profissional clássico, no que diz respeito à distribuição e exigências de informações sobre o profissional. Segundo, a possibilidade de monitorar os visitantes do perfil (por meio de análises gráficas) permite o estabelecimento de conexões cooperativas entre os usuários e avaliação de reciprocidade entre os laços estabelecidos. Terceiro, o uso de recursos visuais (fotos, apresentações, etc.) são um atrativo inicial para que outros usuários e empresas busquem compreender mais sobre o perfil visualizado, possibilitando assim, o estabelecimento de alianças e a percepção das características pessoais e coorporativas que são atrativas ao foco de cadastro no site. Primeiramente, se o “Perfil” se assemelha tanto com a formatação do currículo tradicional, muitos candidatos podem não ver diferencial no site, e, portanto, não terem interesse de se cadastrar. Além disso, sem um diferencial na distribuição de informações sobre o candidato, pode não haver uma apelação para as empresas desistirem de buscar candidatos da forma tradicional e utilizarem a ferramenta LinkedIn® somente pela praticidade. A tradicional formulação do “Perfil” pode não ser tão drástica a ponto das empresas não utilizarem o sistema como base de busca de talentos, mas pode enfraquecer o diferencial de competitividade dos candidatos, que não teriam uma apresentação tão distinta com relação aos outros candidatos. Num mundo onde a criatividade e o diferencial nas primeiras apresentações à empresa contam, a formatação do “Perfil” pode não ser determinante para inclusão ou exclusão de um processo importante. As fragmentações impedem o avanço da vantagem competitiva, tanto empiricamente quanto no estado da arte (MA, 2004). A descrição do “Perfil” seguida  167  

 

fragmentada como num currículo tradicional, não diz em síntese e em suma o que ou quem aquele profissional é, e o que ele é capaz de proporcionar, que no fim é o que interessa às empresas e o que faz com que a leitura do currículo seja exaustiva nos processos seletivos. Vê-se, no “Perfil” que não há como alterar a preferência da ordem das informações dispostas. Formação acadêmica vem primeiro, depois histórico profissional e assim por diante às informações adicionais, o que pode desestimular a busca e estabelecimento de alianças entre usuários e empresas: não há como destacar os itens que são mais importantes para determinada situação. Pode haver empresas e usuários que tem preferências de visualizações rápidas de outros tipos de informações prioritárias, e por ter a estrutura enrijecida, pode haver uma perda de fidelidade perante os usuários neste aspecto. A distribuição de informações no item “Perfil” não gera qualquer diferencial dos métodos já conhecidos e por isso pode não apenas tirar a vantagem competitiva pelo aspecto inovativo que está pendente, mas também, haver o desinteresse por meio dos usuários de utilizar o LinkedIn® como recurso distinto do envio de currículo formal. Sabe-se que qualquer estrutura de rede social deve ter uma formalização no sentido de sua distribuição de informações para dar segurança e distinção ao próprio sistema (BENGTSSON; KOCK, 1999). Mas ocasionar mobilidade para casos especiais de laços fortes dentro das redes sociais pode ser não só uma vantagem cooperativa para os nós envolvidos nesta conexão, mas também, seria uma ótima fonte de informação para o gerenciador do site que teria à sua disposição maiores confirmações de conteúdo dentro dos laços, uma vez que os tipos de transação entre os nós seriam sutilmente distintos. Conclui-se, parcialmente, que o layout do item “Perfil” pouco inova com relação aos métodos de redação de um currículo tradicional, e que talvez, a real vantagem em estabelecer alianças pelo LinkedIn® seria com relação aos recursos gráficos (fotos e imagens) que atraem naturalmente o olhar, e o monitoramento da forma como as conexões entre os atores são estabelecidas, permitindo com que o usuário visualize concretamente a reciprocidade de suas ações e conexões na rede e o grau de cooperação e competição estabelecidos através de tal. 3.2 ITEM “REDE” O item “rede” subdivide-se em 2 (dois) itens: 1. “Contatos”; e 2. “Adicionar Conexão”. Inicialmente nesta discussão diz-se que: primeiro, a possibilidade de V.9, nº2, p. 156-175, ago./dez. 2016.

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visualizar os contatos profissionais verídicos gera credibilidade entre os usuários, estabelecendo alianças mais fortes. Segundo, o mapa estabelecido entre as conexões, além de mostrar os graus de separação (distância entre nós) possibilita a sustentação de vantagem de cooperação entre as conexões. O LinkedIn® permite estabelecer vários tipos de conexão classificados pelo tipo de relação vinculada aos membros. Um perfil estabelece vários tipos de conexão com outros tipos de perfil, e cada perfil (nó) pode visualizar os tipos de conexão (laços) que já foram estabelecidos. Os tipos de conectividade são imensuráveis e, portanto, o grau de influência que perpassam sobre a rede e sobre cada nó, apesar de ter extrema importância, pode até ser identificado, mas não determinado com veemência. A não conexidade, a conexidade forte, semi forte ou quase forte, são fatores determinantes não só para definir a relação entre nós, mas a estrutura da rede num todo e sua operacionalidade (LEMIEUX; OUIMET, 2008). Este mecanismo gera cooperação entre os usuários do LinkedIn® uma vez que traz auxílio de natureza pessoal entre um nó e outro para que mais conexões sejam estabelecidas por meio de graus de separação cada vez menores, menores são os graus de separação entre os usuários da rede, mais laços e nós se formam deixando a rede mais completa e intangível de suas reais consequências para o candidato. Por outro lado, ter os vínculos dos laços claramente demarcados por classificação dentro destas conexões pode gerar uma competitividade não sadia. Um nó tendo clara definição da relação entre dois outros nós (ou mais) e tendo interesse em uma parte deles, pode usar de mecanismos dentro da própria rede para desvincular os laços pré-estabelecidos. Mas isto já é uma suposição de espécie “conspiratória”. Outra dificuldade mais óbvia que pode acontecer é nas relações do trabalho já executado por algum nó dentro desta rede. Atualmente, são raras as vezes que um funcionário se estabiliza numa empresa e não busca novas chances de melhoria em outros lugares, se a empresa que este funcionário está avalia de má fé o conteúdo da relação entre seu funcionário e outra empresa, pode não só dificultar com que este funcionário adquira novo cargo em outro lugar, mas que sua atual colocação fique prejudicada. Por mais que as informações sejam distribuídas de forma objetiva (seguem o padrão do site), a análise de quem visualiza será sempre subjetiva (LEMIEUX; OUIMET, 2008). Além disso, as redes sociais agregam ainda uma impessoalidade e informalidade na transposição dos dados. As informações sobre os tipos de conexões estabelecidos muitas vezes revelam que aquele nó específico tem mais laços pessoais do que  169  

 

profissionais dentro de sua rede, muitas vezes o LinkedIn® não está sendo utilizado com os objetivos que a rede propõe. Esta mesma informalidade pode ser um critério de relevância para as empresas de caráter formal, que não aderem à impessoalidade das redes sociais virtuais. Conclui-se parcialmente que há uma dicotomia suave entre o estabelecimento de cooperação favorável e de competição desfavorável neste item de análise. Ao mesmo tempo que é interessante para os usuários utilizarem a visualização dos graus de separação e de integração entre os atores (nós), a explicitada forma destas relações, que muitas vezes tem maior benefício na sua manifestação implícita, podem gerar barreiras para os usuários e interpretação errônea das empresas com relação às intensões de alguns usuários. 3.3 ITEM “EMPREGOS” O grande destaque de ferramentas da rede LinkedIn® é o link “Empregos”. Discute-se inicialmente que a avaliação do LinkedIn® com relação à oferta de empregos para o usuário é autônoma, ou seja, a partir das competências listadas no “Perfil”, o sistema vai triar as vagas relacionadas às competências para assim permitir a visualização de vagas correlacionadas. Esta análise autônoma, para ter sucesso, necessita que o usuário tenha um avanço na auto gestão de carreira, o que é raro dadas as políticas profissionais e pessoais para a área. Só isto permite com que a listagem de competências seja verídica e não um vislumbramento. A exposição da vaga pode ocasionar não uma cooperação mas uma competição entre os nós de uma mesma conexão. Uma vez manifestado por um nó qual tipo de emprego está interessado ou está ofertando, todos os outros atores da rede vão ter acesso a essa informação, e aí, surgem relações oportunistas. Destaca-se ainda que com relação à inovação, a forma como há divulgação das vagas não preenche tal critério. Há vários outros sites que propõe divulgação de vagas até de forma mais interativa do que o LinkedIn®. Além de serem dificilmente detectadas, as relações oportunísticas não tem garantia se vão ser benéficas ou maléficas para o conteúdo do laço já estabelecido na rede, mas esta incerteza nas relações não são exclusividades das redes sociais. Mesmo se tendo consciência do tipo de conteúdo e força de laço estabelecido entre dois nós, estes mesmos nós são interligados a outros nós, e estas outras relações podem não ser entendidas e mensuradas em sua totalidade, fazendo com que a incerteza das relações permaneça (MIZRUCHI, 2006). V.9, nº2, p. 156-175, ago./dez. 2016.

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A centralidade de proximidade se manifesta no caso da ferramenta “Empregos”. A distância geodéstica diminui em função de um interesse que pode ser mútuo, mas de um interesse que existe (LEMIEUX, OUIMET, 2008). Ou seja, há interesse numa vaga que a localidade é distante com relação à localidade do nó que estabeleceu a conexão. Pode haver manifestação do interesse, mas as chances práticas de sucesso ainda devem ser avaliadas. O recurso “Empregos” também é uma manifestação de cooperação. As conexões entre os nós da rede podem indicar entre si empregos que consideram de interesse para as alianças estratégicas, ou de interesse particular de um nó para o outro, o que de certa forma também é uma manifestação da aliança estratégica. Novamente ressalta-se que as manifestações de aglomeração e oportunismo podem não ser mensuradas, mas em outras várias relações organizacionais isto se repete, mas não impede o utilitário das relações entre os nós das redes. 3.4 ITEM “INTERESSES” O item é subdivido em 3 (três) subitens, são eles: 1. “Empresas”; 2. “Grupos”; e 3. “Pulse”. Destaca-se inicialmente que o item “Pulse” pode promover uma análise congruente do usuário, entre as informações fornecidas em seu perfil e sua manifestação prática de interesses pessoais e profissionais. Tal item permite visualizar as formas de atualização do usuário e os destaques de seus interesses de leitura (se é que há). Há exibição de abas específicas de acordo com o desenvolvimento do perfil do usuário (Exemplo: “Ex-Alunos”; “Ex-Colegas”), demonstrando a autonomia do sistema em organizar de acordo com os interesses e perfil, abas informativas que facilitem o acesso do usuário e permitem melhor visualização de suas alianças. Todos estes subitens vão gerar aglomerações autônomas que ocorrem através do estabelecimento de conexões e redes de cooperação. As aglomerações são características marcantes das redes. Os aglomerados irão permitir maior índice de sobrevivência e destaque operacional dentro da própria rede (POTTER, 1999). A ferramenta “Grupos” propõe cooperação entre os laços mais fortes já estabelecidos para que novas conexões mais fortes sejam estabelecidas e com maior importância à rede do candidato. Mas não há como definir quais são os laços fortes e fracos no LinkedIn®, isso porque não há como averiguar de forma imediata e documental (talvez por meio de gráficos demonstrativos) que as informações dispostas por todos os nós são verídicas e atualizadas, isso faz com que muitas vezes, a vinculação com grupos de importância para o nó em questão, seja feita por puro tato, ou  171  

 

seja, sorte. Não há como ter certeza absoluta de qual laço vai se estabelecer como cooperador de mais outro laço forte a não ser que o desejo de vantagem competitiva seja similar, mas novamente ressaltamos, não há como definir que as informações são verdadeiras. CONSIDERAÇÕES FINAIS O objetivo principal deste trabalho foi identificar a presença ou não de mecanismos que possibilitem a estruturação de alianças estratégicas, cooperação e reciprocidade entre empresas e profissionais atuantes na rede social virtual LinkedIn®. Com a análise de dados deste trabalho e com o levantamento de literatura podese averiguar que as redes, em particular as redes sociais virtuais, perpassam aspectos muito peculiares no que diz respeito ao estabelecimento de laços, conexões e conteúdo dos mesmos. Isso porque, primeiramente, pressupor que todos os usuários da rede estão utilizando-a com objetivos comuns a todos os outros usuários é uma utopia. As relações humanas em si já são permeadas de oportunismo e incerteza, o que não garante uma homogeneidade do uso da rede, e menos ainda das ferramentas dispostas para a mesma. Dentro do mercado de trabalho, todas as relações e alianças estratégicas são permeadas pela dinâmica de cooperação e competição, e uma vez que não conseguimos estabelecê-las nem em nossas relações pessoais, nem em nossas relações profissionais, o sucesso profissional e a carreira estão comprometidos pelo individualismo. Com a avaliação das ferramentas do site LinkedIn® por meio de análise de conteúdo do layout da página, podemos dizer que há sim possibilidade de estruturação de alianças estratégicas entre os atores da rede social, mas ao mesmo tempo que há essa possibilidade ela é permeada de percalços e receios provindos do cerne da relação humana e da incerteza gerada pela distância geodésica entre os atores, impedindo pessoalidade e confiabilidade entre os mesmos. Com relação ao caráter de inovação, vê-se que é uma questão muito mais de acessibilidade e aglomeração de informações congruentes, do que do próprio sistema do site. Ou seja, o LinkedIn® inova ao agregar todas as informações compreendidas como necessárias para estabelecer relações profissionais, mas a forma como as informações de alguns itens são distribuídas nos faz pensar até que ponto a disposição destas informações causa furor pela sua estética, e não pela sua funcionalidade. Deve-se destacar que as relações de formação de aliança, reciprocidade e cooperação são mensuráveis, mas intangíveis na sua construção e sedimentação uma V.9, nº2, p. 156-175, ago./dez. 2016.

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vez que no ambiente das redes sociais virtuais as relações são veladas e aparentemente não contextuais, apesar do LinkedIn® dispor do recurso “Rede” que caracteriza a longitude dos laços, a sua força é inexorável. Além disso, as resultantes para empresas e candidatos são distintas, até mesmo para variáveis iguais e/ou similares. Tem-se que para as empresas, a divulgação de oportunidades e a exposição explícita de suas redes, laços e nós é favorável, uma vez que o marketing se torna espontâneo, os esforços para captação de candidatos são menores, sendo que os usuários da rede e a própria rede já fazem divulgação das oportunidades, e a avaliação prévia de alguns tipos de “Interesses” do candidato já estão à disposição da mesma. Quando há referência às relações de formação de aliança, reciprocidade e cooperação no nível dos usuários da rede social virtual LinkedIn®, destaca-se que estas relações, para garantir maior eficácia, não devem ser necessariamente explícitas, como o recurso de layout da página o faz. Todas as estratégias que o candidato lança mão ao elaborar laços e nós da rede ficam explícitas na página, e não há como selecionar o conteúdo a ser exibido, então pode abrir margem para boicote de outros candidatos que tenham o mesmo interesse, ou até abrir maior concorrência mesmo que o intuito não seja divulgação. Há casos em que as relações de cooperação e competição são enviesadas, ou seja, pela amplitude impalpável da extensão e intensidade dos laços e nós formados. A vantagem está no sigilo de informações, onde uma e não todas as partes envolvidas tem acesso total ao conteúdo público. Além disso, as motivações que estabelecem laços e nós são em seu cerne de conteúdo privado, ou seja, comente o operador humano conhece as motivações, então as leituras e compreensão espontâneas de auto análise que a rede possui pode não só ser ineficaz, mas também, prejudicial ao colaborador. Através da natureza qualitativa de análise de dados que prevê análise do conteúdo e do layout da página da rede social virtual LinkedIn® verifica-se que tanto para empresas quanto para candidatos a eficácia, eficiência, estrutura e intensidade dos laços e nós estabelecidos estão mais relacionados à interpretação parcial do evento de uma das partes envolvidas do que do seu contexto total e geral, que é impalpável. Ou seja, conclui-se para este artigo que há vantagem para as empresas que conseguem verificar laços e interesses antes de entrar em contato direto com o candidato o que poupa tempo, já as mesmas questões para o candidato não são necessariamente benéficas, uma vez que deixar as intensão e formações de laços evidentes, pode ocasionar competição e boicote, e não cooperação, nada é garantia de reciprocidade, uma vez que a natureza das redes sociais virtuais é sua movimentação não orientada.  173  

 

Nota-se também que o segredo por traz do sucesso do site LinkedIn® pode estar além das ferramentas dispostas, uma vez que é permeado pelas relações humanas que são, além de subjetivas, imprevisíveis. Não há como estabelecer de forma global até onde há eficácia das relações de aliança, reciprocidade e cooperação no LinkedIn®, tanto para os atores quanto para as empresas. Para futuros trabalhos sugere-se uma pesquisa empírica com dados primários para averiguar as suposições deste trabalho na ótica dos usuários da rede LinkedIn® REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AHUJA, G.; SODA, G.; ZAHEER, A. The genesis and dynamics of Organizational Networks. Organization Science. V.23, n.2, pp. 434-448, march/april 2012. BARBOSA, F.V. Competitividade: Conceitos Gerais. IN: RODRIGUES, S.B. Competitividade, Alianças Estratégicas e Gerência Internacional. São Paulo: Atlas, 1999. BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977. 225 p. BARNEY, J.B.; HESTERLY, W. Economia das Organizações: Entendendo a Relação Entre as Organizações e a Análise Econômica. IN: CLEGG R.; HARDY,C. ;NORD, W.R. (Ed.) Handbook de Estudos Organizacionais. Vol.3. São Paulo. Atlas, 2004. p.131:185. BENGTSSON, Maria. KOCK, Soren. Cooperation and Competition in Relationships Between Competitors in Business Network. Journal of Business and Industrial Marketing. Vol. 14, nº3, 1999. p.178:193. BRITTO, Jorge. Cooperação Interindustrial e Redes de Empresas. IN: KUPFER,D; HASENCLEVER,L. (Org.) Economia Industrial: Fundamentos Teóricos e Práticas no Brasil. Rio de Janeiro: Campus. 2002. CARVALHO, F.A.; MARQUES, M.C.P.; CARVALHO, J.L.F. Redes interorganizacionais, poder e dependência no futebol brasileiro. O&S, Salvador, v.16, n.48, Jan./Mar., 2009. CASTRO, Marcos de; BULGACOV, Sergio; HOFFMANN, Valmir Emil. Relacionamentos Interorganizacionais e Resultados: Estudo em uma Rede de Cooperação Horizontal da Região Central do Paraná. RAC, Curitiba, v. 15, n. 1, art. 2, pp. 25-46, Jan./Fev. 2011. GRANDORI, A.; SODA, G. Inter-firm networks: antecedents, mechanisms and forms. Organization studies. V.16, n.2, pp.1-19, 1995. HATCH, M.J. Organization Theory: Modern, Symbolic and Postmodern Perspectives. Oxford: Oxford University Press, 1997. p.63:100. LACOSTE, Sylvie. Vertical Competition: The Key Account Perspective. Industrial Marketing Management. Vol.41 2012. p.649:658. V.9, nº2, p. 156-175, ago./dez. 2016.

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PERFIL SOCIODEMOGRÁFICO E SATISFAÇÃO DE ALUNOS DA MODALIDADE DE ENSINO A DISTÂNCIA Bruno Zamprogno1 Alexandre Jacob2 Bartolomeu Zamprogno3 Resumo O objetivo deste estudo foi analisar a relação entre a satisfação pessoal dos alunos da EAD/UAB e o papel do tutor e dos professores, o processo de comunicação e interação e a estrutura do curso. Por meio da aplicação de um questionário estruturado para verificar a percepção dos alunos em relação a alguns objetivos do curso, para levantar o perfil sociodemográfico e para verificar a sua satisfação pessoal, os resultados deste estudo, de abordagem quantitativa, apontam que a satisfação pessoal dos alunos tem relação com o processo de comunicação e interação e com aspectos relacionados à estrutura do curso, porém não evidenciou relação com o papel do tutor e do professor, nem mesmo com variáveis de perfil. Os resultados indicam que, para melhorar a satisfação dos alunos, os gestores do curso podem, por exemplo, se atentar para a melhoria da infraestrutura dos Polos de Apoio Presencial, bem como para a capacitação dos recursos humanos necessários às fases presenciais dessa modalidade de ensino.   Assim,   mesmo   aplicando   esta   pesquisa   em   um   único   campo   de   estudo,   percebe-se que a gestão dos cursos da EAD/UAB tem como desafio garantir o que está previsto no Decreto nº 5.800/2006, ou seja, dispor de infraestrutura e de recursos humanos adequados às fases presenciais, e reformular, de tempos em tempos, o conteúdo e da carga horária das disciplinas, além de promover eventos que garantam a interação entre os alunos, de tal forma que a probabilidade de encontrar alunos satisfeitos permaneça elevada. Palavras-chave: Educação a distância. Satisfação. Gestão Pública.

SOCIODEMOGRAPHIC PROFILE AND SATISFACTION OF ONLINE DISTANCE LEARNING STUDENTS                                                                                                             1

Mestrando em Ciências Contábeis – FUCAPE Business School; Especialista em Gestão Pública – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo (IFES); Bacharel em Ciências Contábeis – Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Servidor público no Governo do Estado do Espírito Santo. 2 Mestre em Ciências das Religiões – Faculdade Unida de Vitória; Especialista em Supervisão, Orientação e Gestão Escolar – Faculdade Castelo Branco – e em Direito Civil – Centro Universitário do Espírito Santo (UNESC); Bacharel em Direito – UNESC. Professor do curso de Especialização em Gestão Pública do IFES. 3 Doutor em Engenharia Ambiental – UFES; Mestre em Estatística – Universidade Federal de Pernambuco; Bacharel em Estatística – UFES; Professor adjunto do Departamento de Estatística da UFES.

V.9, nº2, p. 175-196, ago./dez. 2016.

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Abstract The aim of this study was to analyze the relation between the personal satisfaction of students EAD/UAB and the role of tutor and teachers, the process of communication and interaction and the structure of the course. A structured questionnaire was applied to verify the perception of students in relation to some goals of the course, to raise the socio-demographic profile and to check their personal satisfaction, the results of this study, a quantitative approach, suggest that personal satisfaction students is related to the process of communication and interaction and aspects related to the course structure, but showed no relationship to the role of the tutor and the teacher, even with profile variables. The results indicate that, to improve student satisfaction, course managers can, for example, pay attention to improving the infrastructure of the Centers for Classroom Support, as well as the training of human resources to face phases of this type of education. Thus, even applying this research in a single field of study, it is clear that the management of EAD/UAB courses is challenged to ensure what is provided for in Decree No. 5,800 / 2006, ie infrastructure available and resources human suited to face phases, and reformulate, from time to time, the content and timetable of disciplines, and promote events to ensure interaction between students, such that the probability of finding satisfied students remain high. Keywords: Distance learning. Satisfaction. Public Management.

INTRODUÇÃO A Universidade Aberta do Brasil – UAB – foi instituída para desenvolver a modalidade de educação a distância – EAD, com o intuito de expandir e de interiorizar a oferta de cursos e de programas de educação superior no país, por meio de Instituições Públicas de Ensino Superior – IPES (BRASIL, 2006). Essas IPES devem ser articuladas a Polos de Apoio Presencial – PAP – que devem dispor de infraestrutura e de recursos humanos adequados às fases presenciais dessa forma de ensino (BRASIL, 2006). A UAB busca adotar iniciativas que promovam a colaboração da União com os demais entes federados, bem como criar PAP em localidades estratégicas, com o propósito de universalizar o acesso ao ensino superior e reduzir o fluxo migratório para os grandes centros urbanos (CAPES, 2016). Na UAB, há o Programa Nacional de Formação em Administração Pública – PNAP, que oferta cursos de bacharelado e de especialização destinados à capacitação de gestores para atuar no setor governamental, como forma de contribuir com a melhoria das atividades desempenhadas pelos entes federados (MEC, 2009). Nesse contexto, um desafio que os gestores dos cursos EAD/UAB têm que enfrentar está relacionado à satisfação dos discentes. Isso porque os alunos de EAD estão suscetíveis à decepção e ao desinteresse, pelo fato de estudarem de forma isolada, com pouca ou nenhuma interação com os colegas, professores e tutores, o que pode

 

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contribuir

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abandono

escolar

(FAVERO;

FRANCO,

2006;

ANAGNOSTOPOULOU et al., 2015). O processo de aprendizagem do aluno tem relação com as suas intenções com a universidade e com a área de atuação profissional que ele almeja (MAMEDE et al., 2015). Ademais, a interação no ambiente acadêmico e social da instituição resulta na redefinição de compromissos, tanto acadêmicos como profissionais (MAMEDE et al., 2015). A investigação dos motivos que contribuem para a evasão de cursos e de programas de educação pode contribuir com a proposição de políticas e de estratégias gerenciais para diminuir o abandono escolar da EAD (MOREIRA et al., 2013). Algumas das investigações acerca da evasão abordam sobre o perfil desses alunos evadidos, as taxas de evasão e os fatores que contribuíram para o abandono (SHIN; KIM, 1999, XENOS; PIERRAKEAS; PINTELAS, 2002, ABBAD; CARVALHO; ZERBINI, 2006, SIHLER; FERREIRA, 2011, PAIVA; ARAÚJO, 2013). Outras abordam sobre a eficiência da utilização de recursos públicos dos cursos EAD

(SANTOS

et

al.,

2013),

sobre

a

satisfação

dos

discentes

(ANAGNOSTOPOULOU et al., 2015) e sobre a relação entre a estrutura e o uso dos sistemas dos cursos EAD e a satisfação dos alunos (MACHADO-DA-SILVA et al., 2014). Dessa forma, não fora encontrado na revisão de literatura um modelo que associasse a satisfação pessoal de alunos da EAD/UAB e o papel do tutor e dos professores, o processo de comunicação e interação e a estrutura do curso, e que indicasse, estatisticamente, o que poderia ser realizado pelos gestores desses cursos e/ou programas para evitar o abandono escolar. Nesse cenário, o objetivo deste estudo foi analisar a relação entre a satisfação pessoal dos alunos da EAD/UAB e o papel do tutor e dos professores, o processo de comunicação e interação e a estrutura do curso. A contribuição desta pesquisa consiste em levantar o que poderia impactar na satisfação dos discentes, bem como auxiliar nas providências que os gestores desses cursos podem adotar para evitar o abandono escolar, como forma de evitar o desperdício dos recursos públicos, que são escassos para atender as demandas sociais sempre crescentes (MAIA et al., 2009). A análise de condicionantes da satisfação e do desempenho de estudantes é um bom desafio de pesquisa e a compreensão de fatores relacionados a esses assuntos é relevante para que os gestores dos cursos possam estabelecer estratégias para melhorar esses atributos (BARBOZA et al., 2014). Este estudo contribui também com a evidenciação sobre o perfil dos discentes, tendo em vista que a ausência de informações sobre os ingressantes em cursos EAD, no V.9, nº2, p. 175-196, ago./dez. 2016.

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Revista FOCO. ISSN: 1981-223X

tocante a aspectos motivacionais, cognitivos, demográficos e profissionais, bem como de hábitos e de estratégias de aprendizagem resulta em cursos abstratos (ABBAD; CARVALHO; ZERBINI, 2006). Contribui ainda, com a literatura nacional, ao utilizar um método de análise de dados adequada e pouco explorada em Administração sobre pesquisas de opinião, a regressão ordinal. Além desta introdução, este estudo é dividido em referencial teórico, metodologia, análise e discussão dos dados e conclusão. Esta indica, estatisticamente, que a satisfação pessoal dos alunos EAD/UAB, no campo de estudo verificado, tem relação com o processo de comunicação e interação e com aspectos relacionados à estrutura do curso. 1

REFERENCIAL TEÓRICO

1.1 MOTIVAÇÃO E SATISFAÇÃO O aspecto motivacional das pessoas tem sido objeto de estudo de diversas áreas da ciência, como da Psicologia, da Educação e da Administração (LÜTZ et al., 2012). A motivação funciona como uma força propulsora, tendo suas origens no interior do indivíduo, tornando-se eficaz, além do impulso que lhe é requerida, por meio de mecanismos afetivos e cognitivos, sendo suscetível ao esgotamento (RODRIGUES; REIS NETO; GONÇALVES FILHO, 2014). A motivação pode ser considerada um dos componentes mais importantes do sucesso acadêmico, além de possuir relação com características demográficas básicas (BARBOZA et al., 2014). A satisfação está associada às experiências de vida e as habilidades adquiridas pelos discentes durante a realização de um curso (BARBOZA et al., 2014). A motivação pode ser explicada por meio da satisfação e esse tema pode ajudar a entender a importância do processo educacional e de temas correlatos (GOULIMARIS, 2015). A satisfação do aluno engloba a sensação de prazer que os alunos têm quando suas necessidades de aprendizagem são atendidas por uma instituição de ensino e emana, principalmente, de sua autoestima e autoconfiança (ANAGNOSTOPOULOU et al., 2015). 1.2 EAD, SATISFAÇÃO E EVASÃO Evasão é a desistência definitiva de um curso, em qualquer de suas etapas, por uma pessoa na condição de discente (ABBAD; CARVALHO; ZERBINI, 2006). Esse  

178  

assunto tem sido discutido em várias pesquisas da área educacional e demonstra que existem problemas que são vivenciados nos cursos e nas instituições de ensino (MOREIRA et al., 2013). Shin e Kim (1999), por meio de dois processos, procuraram verificar fatores relacionados à evasão de alunos de EAD da Korea Nacional Open University. No modelo de trajetória, mediante análise de seis variáveis (tempo de estudo, atividades complementares face a face e planejamento de estudos, como variáveis endógenas, e carga horária de trabalho, integração social e disposição, como variáveis exógenas), Shin e Kim (1999) procuraram explicar o coeficiente de rendimento (CR) dos discentes. Na análise de regressão logística, Shin e Kim (1999) se utilizaram das sete variáveis do modelo de trajetória (incluindo CR) para verificar fatores relacionados à evasão. Dentre os resultados obtidos por Shin e Kim (1999), tem-se que, em ambos os processos, somente as atividades complementares face a face tiveram associação negativa com a evasão, concluindo que a interação entre as pessoas dessa modalidade de ensino contribui para o rendimento acadêmico e para as matrículas nos módulos subsequentes. Xenos, Pierrakeas e Pintelas (2002) realizaram estudos sobre as taxas de abandono e as principais causas da evasão de alunos de um curso de informática EAD da Hellenic Open University, utilizando-se de fatores classificados em três categorias: internos, externos e demográficos. Dentre os fatores internos considerados por Xenos, Pierrakeas e Pintelas (2002), têm-se os fatores motivacionais, a persistência e as influências interpessoais. Dentre os externos, têm-se a qualidade de apoio dado aos estudantes pelos tutores, os meios de comunicação, a carga horária do curso e as características do curso (XENOS; PIERRAKEAS; PINTELAS, 2002). Dentre os demográficos, têm-se a idade, o sexo e a situação familiar (XENOS; PIERRAKEAS; PINTELAS, 2002). Xenos, Pierrakeas e Pintelas (2002), dentre outros resultados, concluíram que a evasão está associada à falta de assistência adequada, ao despreparo e à demora no feedback por parte dos tutores e que existe forte correlação entre a permanência no curso e a experiência anterior na área. Abbad, Carvalho e Zerbini (2006) identificaram variáveis explicativas da evasão em um curso gratuito EAD, em nível nacional. Para Abbad, Carvalho e Zerbini (2006), ao aplicarem regressão logística, a familiaridade com os recursos eletrônicos e a baixa interação com os tutores e colegas do curso podem explicar o que diferencia os alunos que permaneceram dos que abandonaram o curso. Sihler e Ferreira (2011) constataram V.9, nº2, p. 175-196, ago./dez. 2016.

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que os discentes que tiveram maior interação com seus colegas e com os professores e tutores da EAD se sentiam mais motivados e interessados para realizarem o curso, o que acarretava na permanência para realizá-lo. Paiva e Araújo (2013), em relação a dinâmica de um curso EAD, abordam sobre a ausência de prática com o uso de tecnologias da informação e comunicação, bem como a falta de habilidade com textos acadêmicos. Para contornar as possíveis causas da evasão, Paiva e Araújo (2013) propõem alternativas (como a organização de grupos de estudos e o incentivo à promoção de encontros presenciais periódicos dos tutores/professores com os alunos) com o intuito de minimizá-la, afirmando que os esforços institucionais devem ser focados no estudante e na eficácia da oferta do curso. Santos et al. (2013) estudaram sobre a eficiência da utilização de recursos públicos necessários a implantação e operacionalização de cursos EAD em Minas Gerais, em relação à retenção de alunos, por curso, em cada um dos PAP. Constataram que os índices de evasão são significativos, que a eficiência desses recursos está associada a retenção dos discentes e que se faz necessário estimular os alunos a permanecerem nos cursos, para evitar o desperdício do dinheiro público (SANTOS et al., 2013). Anagnostopoulou et al. (2015) realizaram uma pesquisa para saber a satisfação dos discentes de um programa de pós-graduação da Hellenic Open University no que tange ao desempenho dos tutores, a interação aluno-tutor e a avaliação do curso pelos alunos. Ao analisarem essas variáveis, esses autores concluíram que houve uma correlação significativa e positiva entre a satisfação dos discentes e esses atributos. Ademais, Anagnostopoulou et al. (2015) concluem que o curso deveria ser mais bem estruturado e com uma comunicação mais clara e que cabe aos tutores ter conhecimentos

científicos,

habilidades

sociais,

técnicas

educacionais

e

boa

comunicação para promover ações criativas para estimular os discentes. 1.3 REGRESSÃO ORDINAL Quando a variável dependente assume valores discretos ou classes ordenáveis, recomenda-se utilizar um método de análise que evite a assunção de distâncias constantes entre as classes da variável (MARÔCO, 2007). Nesse sentido, o método de regressão ordinal se apresenta como uma ferramenta adequada para análise de dados desse tipo, modelando a probabilidade de ocorrência das classes em termos de probabilidade acumulada (MARÔCO, 2007).

 

180  

O software SPSS apresenta na regressão ordinal, cinco funções de ligação, que procuram relacionar a parte aleatória (P[Y ≤ k]) com a parte sistemática (X*β) do modelo (MARÔCO, 2007). Dessas funções, cita-se, conforme Quadro 1, a “Log-log complementar”, recomendada quando as classes das respostas de Y de maior ordem são as mais frequentes, e a “Logit”, recomendada quando as classes das respostas de Y são uniformes (MARÔCO, 2007). Marôco (2007) aborda que a escolha de uma função inadequada pode comprometer a significância do modelo e sua capacidade preditiva. Quadro 1 – Funções link “log-log complementar” e “logit”. “Log-log complementar” =   𝛼! −   𝑋 ∗ 𝛽

𝐿𝑛 −𝐿𝑛 1 − 𝑃 𝑌 ≤ 𝑘

𝐹 𝛼! −   𝑋 ∗ 𝛽 = 𝑃 𝑌   ≤ 𝑘 = 1 −   𝑒 !!

(!! !  !∗ !)

“Logit” 𝑃 𝑌≤𝑘 𝐿𝑛 =   𝛼! −   𝑋 ∗ 𝛽 𝑃 𝑌>𝑘 𝐹 𝛼! −   𝑋 ∗ 𝛽 = 𝑃 𝑌   ≤ 𝑘 1 = ∗ !(! 1 + 𝑒 ! !  ! !)

Onde, αk = representa o parâmetro de localização para as k = 1, ..., K – 1 classes de Y; X* = é a matriz das variáveis independentes; β = é o vetor dos coeficientes de regressão (declives); e = base do logaritmo natural. Fonte: MARÔCO (2007, p. 767 e 770).

2 METODOLOGIA Tendo por base o objetivo deste estudo empírico, o método empregado possui caráter descritivo, com abordagem quantitativa e corte transversal (HAIR JR. et al., 2005). Seu campo de estudo foi a turma 2014/1 do Curso de Especialização em Gestão Pública (CEGP), EAD, do Instituto Federal do Espírito Santo (IFES), tendo em vista que esse curso faz parte do PNAP/UAB (IFES, 2014). Após buscar material teórico acerca do tema deste estudo, foram levantadas informações junto à coordenação do curso sobre essa turma. Essas informações foram apresentadas na Tabela 1, de onde se extrai que o total de 225 alunos da turma 2014/1 constitui a população alvo desta pesquisa. Tabela 1 – Dados do CEGP 2014/1 do IFES/UAB. CEGP 2014/1

Vagas ofertadas (Ofert.) 250

Quantidade Alunos Alunos Matriculados Formados (Mat.) 264 225

Porcentagem Alunos Evadidos (Ev.) 39

Alunos Ev./Ofert.

Alunos Ev./Mat.

15,60%

14,77%

Fonte: IFES (2015).

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Foi estruturado um questionário com questões de múltipla escolha sobre os objetivos do curso e o perfil dos discentes, bem como sobre a satisfação dos alunos. No que tange à satisfação dos discentes, foi utilizada uma escala de Likert de cinco pontos, conforme Quadro 2. Quadro 2 – Escala de Likert para o nível de satisfação dos alunos. (1) De modo nenhum (2) Pouco (3) Moderadamente Fonte: ANAGNOSTOPOULOU et al. (2015).

(4) Suficiente

(5) Muito

O questionário foi criado no Google Forms, a fim de realizar o levantamento de dados para se chegar ao objetivo desta pesquisa. O parâmetro adotado para validar as respostas foi o do número de matrícula e de inconsistências nas respostas. A coleta de dados foi realizada no período de 17/07/2015 a 23/08/2015 e uma amostra de 116 respostas foi considerada válida. As questões de múltipla escolha sobre os objetivos do curso e o perfil dos discentes tiveram como base o Decreto 5.800 (BRASIL, 2006) e os estudos de Shin e Kim (1999), Xenos, Pierrakeas e Pintelas (2002), Abbad, Carvalho e Zerbini (2006), Sihler e Ferreira (2011), e Paiva e Araújo (2013), enquanto as que tratam da satisfação dos alunos foram adaptadas da pesquisa de Anagnostopoulou et al. (2015), conforme Quadro 3. O questionário desta pesquisa, em relação ao estudo de Anagnostopoulou et al. (2015), acrescentou a dimensão “professor”, com os mesmos parâmetros da dimensão “tutor”, tendo em vista que existe essa distinção na UAB. Quadro 3 – Escala de satisfação dos alunos EAD.

Professores

Tutor

Pessoal

Dimensão

 

Questão Estou satisfeito com a minha decisão pelo GP/EAD. Acredito que o GP/EAD atingiu minhas expectativas em um nível muito satisfatório. Acho que a qualidade do GP/EAD que segui foi melhor do que seria na modalidade presencial. Considero que o GP/EAD é mais fácil do que um na modalidade presencial. Sugeriria o GP/EAD a outras pessoas, como meus amigos e colegas. Se eu não estivesse realizando o GP/EAD e tivesse a oportunidade de me matricular neste momento, faria com muita satisfação. O tutor teve um desempenho satisfatório e eficaz no GP/EAD? O tutor sempre se mostrou disponível para atendê-lo no PAP, por telefone, nos chats, por e-mail, etc? O tutor te incentivou/ajudou no processo de aprendizado? O tutor te tratou de forma justa e respeitosa? O tutor aceitou questionamentos de forma agradável? O tutor respondeu seus questionamentos de forma clara e objetiva? O tutor deu ênfase nos pontos e conceitos mais importantes das disciplinas? O tutor demonstrou conhecimento acerca dos assuntos tratados nas disciplinas? No geral, os professores das disciplinas tiveram um desempenho satisfatório e eficaz no GP/EAD? No geral, os professores sempre se mostraram disponíveis para atendê-lo por webconferência, nos chats, por e-mail, etc? No geral, os professores te incentivam/ajudam no processo de aprendizado? Continua...  

Item X1 X2 X3 X4 X5 X6 X7 X8 X9 X10 X11 X12 X13 X14 X15 X16 X17

182  

Comunicação e interação CEGP

De maneira geral, os professores te trataram de forma justa e respeitosa? De maneira geral, os professores aceitaram questionamentos de forma agradável? De forma geral, os professores responderam seus questionamentos de forma clara e objetiva? De forma geral, os professores deram ênfase nos pontos e conceitos mais importantes das disciplinas? De maneira geral, os professores demonstraram conhecimento acerca dos assuntos tratados nas disciplinas? Os encontros presenciais foram fundamentais para a minha permanência no GP/EAD? Os encontros presenciais foram fundamentais para o meu desempenho no GP/EAD? As atividades em grupo foram fundamentais para a minha permanência no GP/EAD? As atividades em grupo foram fundamentais para o meu desempenho no GP/EAD? As atividades no ambiente virtual de aprendizagem Moodle foram fundamentais para a minha permanência no GP/EAD? As atividades no ambiente virtual de aprendizagem Moodle foram fundamentais para o meu desempenho no GP/EAD? O tutor incentivou a interação entre os alunos? A coordenação do curso promoveu encontros/palestras presenciais com todos os discentes do curso? O conteúdo das disciplinas do GP/EAD contribuiu para a minha formação pessoal? O conteúdo das disciplinas do GP/EAD contribuiu para a minha formação profissional? Os programas das disciplinas estavam claros e/ou foram esclarecidos? As atividades desenvolvidas (tarefas, fóruns, etc.) no GP/EAD estavam adequadas com o conteúdo das disciplinas? O material didático disponibilizado foi útil e adequado para minha aprendizagem? O material didático disponibilizado estava atualizado? A carga horária das disciplinas foi satisfatória?

X18 X19 X20 X21 X22 X23 X24 X25 X26 X27 X28 X29 X30 X31 X32 X33 X34 X35 X36 X37

Fonte: Adaptado de ANAGNOSTOPOULOU et al. (2015).

Esse questionário foi testado com três pessoas que exercem atividades profissionais ligadas a pesquisas acadêmicas. Posteriormente, o link que dá acesso a esse formulário, com a informação do objetivo do estudo e da garantia de confidencialidade, foi enviado, por e-mail, à coordenação do curso, para que essa encaminhasse à população alvo, a fim de que eles participassem desta pesquisa. A associação entre os valores e cada item componente das dimensões se deu conforme escala de Likert do Quadro 2. Para estipular os valores de cada dimensão, por aluno, foi calculada a mediana das respostas dos itens componentes, tendo em vista que a escala de Likert é do tipo ordinal (MARÔCO, 2007) e que esse tipo de medida estatística é a apropriada para dados desse tipo (HAIR JR. et al., 2005). Para o cálculo da mediana e nos casos de arredondamento de seus valores (nos casos em que o valor da mediana não era inteiro), foram utilizadas as funções correspondentes do Excel. Os dados referentes às questões de múltipla escolha foram tabelados. O método de regressão ordinal no SPSS foi utilizado para analisar a relação entre a dimensão satisfação pessoal e as demais dimensões da escala adaptada de Anagnostopoulou et al. (2015), bem como com as variáveis de perfil utilizadas para controlar esse modelo, do tipo dummies, conforme Quadro 4. V.9, nº2, p. 175-196, ago./dez. 2016.

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Quadro 4 – Variáveis dummies de controle. VARIÁVEIS DE CONTROLE Gênero masculino Servidor público Estado civil solteiro Estado civil casado Renda bruta familiar – até 2 salários mínimos (SM) Renda bruta familiar – entre 2 e 4 (inclusive) SM Renda bruta familiar – entre 4 e 6 (inclusive) SM Renda bruta familiar – entre 6 e 8 (inclusive) SM Renda bruta familiar – entre 8 e 10 (inclusive) SM Faixa etária – até 25 anos Faixa etária – entre 26 e 30 anos Faixa etária – entre 31 e 35 anos Faixa etária – entre 36 e 40 anos Faixa etária – entre 41 e 45 anos Faixa etária – entre 46 e 50 anos Faixa etária – entre 51 e 55 anos Fonte: Dados da pesquisa.

ABREVIATURA GEN1M SERVPUB ECSOLT1 ECCAS1 RBF0E2 RBF2E4 RBF4E6 RBF6E8 RBF8E10 IDATE25 ID26E30 ID31E35 ID36E40 ID41E45 ID46E50 ID51E55

SIM 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1

NÃO 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

  3

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

3.1 OBJETIVOS DO UAB A distribuição da população alvo, por PAP, e da amostra não probabilística desta pesquisa, por PAP de matrícula e de conclusão, foi descrita na Tabela 2. Nessa tabela, é possível observar que: mesmo sendo não probabilística, a amostra possui boa representatividade (51,56% do total); houve desistência de alunos em todos os PAP, quando se considera a quantidade mínima inicial de cinquenta matrículas por polo; e ocorreu troca de PAP por respondentes, num total de sete. Tabela 2 – População alvo e local de matrícula e de conclusão da amostra. PAP Cachoeiro de Itapemirim Colatina Domingos Martins Linhares Pinheiros Fonte: Dados da pesquisa.

Quantidade de alunos e distribuição Amostra (116 alunos) População alvo (225 Local de Local de alunos) matrícula conclusão 46

23

24

48 46 43 42

30 24 22 17

26 26 22 18

Do total de respondentes, 31 moram no município do PAP, 30 em município limítrofe ao PAP, mas não situado na Região Metropolitana da Grande Vitória  

184  

(RMGV), 50 moram na RMGV e 5 em outros municípios. Em relação ao local de trabalho, 29 trabalham no município do PAP, 32 em município limítrofe ao PAP, mas não situado na Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV), 47 na RMGV e 8 em outros municípios. Ou seja, mais de 40% dos respondentes ou moram, ou trabalham na RMGV. Em relação à infraestrutura (IE) e aos recursos humanos (RH) das fases presenciais nos PAP (ver Tabela 3), 35 alunos (30,17%) acham que os PAP dispõem de IE e de RH adequados às fases presenciais do CEGP. A maioria (69,83%) acredita que os PAP ou não têm IE adequada, ou RH adequados, ou ambos. Tabela 3 – Infraestrutura e recursos humanos do PAP. PAP Dispõe de IE e de RH adequados às fases presenciais do curso Dispõe de IE, mas não de RH adequados às fases presenciais do curso Não dispõe de IE, mas possui RH adequados às fases presenciais do curso Não dispõe de IE, nem de RH adequados às fases presenciais do curso Fonte: Dados da pesquisa.

Total 35 40 37 4

% 30,17 34,48 31,90 3,45

A oferta de vagas nesses PAP indica que, em relação à RMGV, que as IPES/UAB estão expandindo a oferta de cursos e de programas de educação superior no país. Como mais de 40% dessas vagas estão sendo ocupadas por pessoas que moram ou trabalham na RMGV, percebe-se que está ocorrendo um fluxo migratório inverso ao pretendido pelo sistema, ou seja, da RMGV para o interior do estado. Em relação à IE e aos RH dos PAP, quase 70% assinalou que esse objetivo não está sendo atendido. Isso aponta que, em relação ao que estabelece o Decreto 5.800 (BRASIL, 2006), os objetivos estão sendo atendidos em parte. 3.2 PERFIL SOCIODEMOGRÁFICO A amostra desta pesquisa (ver Tabela 4) é composta na sua maioria por mulheres (51,72%); por pessoas com idade entre 26 e 40 anos (59,48%); por pessoas casadas ou amasiadas (60,34%); e por pessoas que possuem, no máximo, um filho (77,59%). Ademais, a maioria da amostra possui renda bruta familiar de até seis salários mínimos – SM - (56,03%), sendo a faixa de renda entre 4 e 6 SM a predominante. É possível observar também que 86,21% da amostra é composta de servidores públicos, sendo o gênero feminino o predominante (45,69%). Em relação aos que não são servidores públicos, a maioria é do gênero masculino.

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Tabela 4 – Características da amostra. GÊNERO Total FAIXA ETÁRIA Até 25 anos De 26 a 30 anos De 31 a 35 anos De 36 a 40 anos De 41 a 45 anos De 46 a 50 anos De 51 a 55 anos Acima de 56 anos ESTADO CIVIL Solteiro (a) Casado (a) ou amasiado (a) Separado (a) / Divorciado (a) Viúvo (a) FILHOS Não possui filhos Possui 1 filho Possui 2 filhos Possui 3 filhos Possui mais de 3 filhos RENDA BRUTA FAMILIAR (SM = R$ 788,00) Menor ou igual a 2 SM Maior que 2 SM e menor ou igual a 4 SM Maior que 4 SM e menor ou igual a 6 SM Maior que 6 SM e menor ou igual a 8 SM Maior que 8 SM e menor ou igual a 10 SM Maior que 10 SM SERVIDOR (A) PÚBLICO (A) Sim Não

Masculino 56

% 48,28

Feminino 60

% 51,72

Total 116

2 8 20 8 7 4 4 3

1,72 6,90 17,24 6,90 6,03 3,45 3,45 2,59

5 14 11 8 11 6 4 1

4,31 12,07 9,48 6,90 9,48 5,17 3,45 0,86

7 22 31 16 18 10 8 4

20 35 1 0

17,24 30,17 0,86 0,00

18 35 7 0

15,52 30,17 6,03 0,00

38 70 8 0

26 15 10 4 1

22,41 12,93 8,62 3,45 0,86

27 22 8 2 1

23,28 18,97 6,90 1,72 0,86

53 37 18 6 2

0 14 17 9 4 12

0 12,07 14,66 7,76 3,45 10,34

4 15 15 10 4 12

3,45 12,93 12,93 8,62 3,45 10,34

4 29 32 19 8 24

47 9

40,52 7,76

53 7

45,69 6,03

100 16

Fonte: Dados da pesquisa.

3.3 SATISFAÇÃO DOS ALUNOS Inicialmente, apresenta-se o resultado do modelo de consistência interna das dimensões de satisfação, o alfa de Cronbach (α), como forma de garantir a confiabilidade dos dados (RODRIGUES; PAULO, 2012): dimensão pessoal, α = 0,71; dimensão tutor, α = 0,92; dimensão professor (PROF), α = 0,93; dimensão comunicação e interação (COINT), α = 0,84; e dimensão CEGP, α = 0,87. Durante a análise de dados, foi observado que a retirada dos valores correspondentes à variável X4 alteraria o valor do alfa de Cronbach da dimensão pessoal para α = 0,84. Porém, esse procedimento de exclusão não foi realizado, para manter os parâmetros da escala de Anagnostopoulou et al. (2015). Na sequência, foram realizados testes de regressão ordinal com o propósito de relacionar a dimensão satisfação pessoal dos alunos (variável dependente Y) com as dimensões tutor (TUTOR), professor (PROF), comunicação/interação (COINT) e o

 

186  

CEGP, bem como com as variáveis de controle. Na Tabela 5 são apresentadas as classes das respostas de Y. Tabela 5 - Resumo das classes de Y. Dimensões PESSOAL

Classe das respostas (k) 2 3 4 5

Total Fonte: Dados da pesquisa.

Frequência das respostas 2 12 36 66 116

Porcentagem 1,72% 10,34% 31,03% 56,90% 100,00%

Na aplicação do teste, foram realizadas diversas análises estatísticas, em relação à Y, como forma de estimar um modelo que seja válido e com o menor número de variáveis significativas possíveis. Dentre esses testes citam-se três: o primeiro, com as demais dimensões (TUTOR, PROF, COINT e CEGP) e com as variáveis de controle, denominado “Com controle”; o segundo com as demais dimensões, sem as variáveis de controle (“Sem controle”); e o terceiro com as dimensões cujos resultados foram significativos (“Significativas”), ou seja, COINT e CEGP. Nas tabelas 6 e 7 são apresentados os resultados dessas análises com a função Link “Log-log complementar”. Tabela 6 – Informações preliminares sobre os modelos.

Fonte: Dados da pesquisa.

Nas informações preliminares sobre os modelos (ver Tabela 6), quando se analisa o modelo “Com controle”, percebe-se, em Model Fiting Information, que o V.9, nº2, p. 175-196, ago./dez. 2016.

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modelo ajustado é melhor do que o modelo nulo a 99% de confiança, ou seja, que pelo menos uma das variáveis independentes afeta significativamente as probabilidades de ocorrência das classes de Y. No Pseudo R2 tem-se que as estatísticas são médias ou moderadas (menores que 60%). Quando do teste das linhas paralelas, verifica-se que o modelo, a 5% de significância, atende ao pressuposto da homogeneidade dos declives. Na análise “Sem controle” (ver Tabela 6), percebe-se que, à exceção do teste de linhas pararelas, os resultados são semelhantes à análise “Com controle”. O não atendimento ao pressuposto da homogeneidade dos declives é de 99% de confiança, o que indica que esse modelo deve ser descartado. Na análise do modelo “Significativas” (ver Tabela 6), percebe-se que o padrão ajustado é melhor do que o modelo nulo a 1% de significância, ou seja, que pelo menos uma das variáveis independentes afeta significativamente as probabilidades de ocorrência das classes de Y. No Pseudo R2 tem-se que as estatísticas são moderadas ou médias (menores que 40%). Em relação ao pressuposto da homogeneidade dos declives, tem-se que o modelo atende com a essa premissa com 95% de confiança. Entre os dois modelos validados de acordo com a Tabela 6, tem-se que o modelo mais significativo é o “Significativas”, tendo em vista que apresenta a menor razão de verossimilhanças, ou seja, -2LL“Significativas” (67,363) < -2LL“com controle” (146,764). Ao observar a Tabela 7, verifica-se que os coeficientes de regressão ou estimativas dos declives dos parâmetros, nas três análises citadas, indicam que somente as dimensões COINT e CEGP possuem classes significativas, ou seja, que afetam a variável Y. As duas outras dimensões, TUTOR e PROF, bem como as variáveis de controle, indicam que a satisfação pessoal dos alunos não é afetada por esses parâmetros, ou seja, eles não são estatisticamente significativos. Tabela 7 – Estimativas dos declives dos parâmetros. Dimensões [PESSOAL = 2] [PESSOAL = 3] [PESSOAL = 4] [COINT=1] [COINT=2] [COINT=3] [COINT=4] [COINT=5] [CEGP=2] [CEGP=3] [CEGP=4] [CEGP=5]

 

Com controle Est. -16,99 -14,50 -12,34 -2,51 -1,81 -1,28 -1,63 0,00 -3,92 -1,98 -1,22 0,00

Sig. 0,023** 0,051* 0,095* 0,050* 0,042** 0,101 0,021** . 0,004*** 0,001*** 0,009*** .

Sem controle Est. -7,78 -5,41 -3,46 -2,44 -2,01 -1,52 -1,44 0,00 -4,34 -1,86 -1,12 0,00

Sig. 0,000*** 0,000*** 0,000*** 0,029** 0,008*** 0,025** 0,024** . 0,000*** 0,001*** 0,009*** .

Significativas Est. -6,97 -4,75 -2,96 -2,52 -1,77 -1,61 -1,59 0,00 -3,97 -1,89 -1,37 0,00

Sig. 0,000*** 0,000*** 0,000*** 0,002*** 0,013** 0,016** 0,011** . 0,000*** 0,000*** 0,000*** .

Continua...  

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[TUTOR=1] [TUTOR=3] [TUTOR=4] [TUTOR=5] [PROF=1] [PROF=2] [PROF=3] [PROF=4] [PROF=5] [SERVPUB=0] [SERVPUB=1] [GEN1M=0] [GEN1M=1] [ECSOLT1=0] [ECSOLT1=1] [ECCAS1=0] [ECCAS1=1] [RBF0E2=0] [RBF0E2=1] [RBF2E4=0] [RBF2E4=1] [RBF4E6=0] [RBF4E6=1] [RBF6E8=0] [RBF6E8=1] [RBF8E10=0] [RBF8E10=1] [IDATÉ25=0] [IDATÉ25=1] [ID26E30=0] [ID26E30=1] [ID31E35=0] [ID31E35=1] [ID36E40=0] [ID36E40=1] [ID41E45=0] [ID41E45=1] [ID46E50=0] [ID46E50=1] [ID51E55=0] [ID51E55=1]

-0,04 -1,56 -0,50 0,00 -1,00 0,19 -0,54 -0,77 0,00 0,30 0,00 0,15 0,00 -0,40 0,00 -1,23 0,00 -1,37 0,00 -0,76 0,00 -0,59 0,00 -1,20 0,00 -0,95 0,00 -1,05 0,00 -0,21 0,00 -0,28 0,00 0,05 0,00 -0,39 0,00 -0,89 0,00 -1,59 0,00

0,982 0,131 0,234 . 0,597 0,862 0,451 0,149 . 0,601 . 0,683 . 0,594 . 0,094 . 0,157 . 0,210 . 0,303 . 0,067 . 0,256 . 0,434 . 0,855 . 0,797 . 0,966 . 0,735 . 0,488 . 0,301 .

0,10 -1,41 -0,51 0,00 -2,30 0,01 -0,50 -0,82 0,00 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

0,949 0,086 0,160 . 0,165 0,995 0,412 0,075 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Fonte: Dados da pesquisa. Nota: ***, ** e * representam coeficientes significativos a 1%, 5% e 10%, respectivamente.

Isso sugere que, em relação à análise apresentada da Tabela 7, o modelo “Significativas” da “Log-log complementar” é o que melhor indica a relação existente entre Y e as características relevantes dos meios de aprendizagem dessa modalidade de ensino que são destacadas na literatura, ou seja, a sua associação com as dimensões COINT e CEGP, corroborando a análise da Tabela 6. Na aplicação da “Log-log complementar”, neste campo de estudo, em relação à satisfação pessoal, destaca-se que a probabilidade de um determinado aluno estar V.9, nº2, p. 175-196, ago./dez. 2016.

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totalmente insatisfeito (classe 1 para Y) é zero. Estatisticamente, a previsão da classe 5 (muito satisfeito) foi a que predominou, com sessenta observações (51,72%), seguida da classe 4 (satisfeitos), com cinquenta e quatro observações (46,55%); e da classe 3 (nem satisfeitos, nem insatisfeitos), com duas observações (1,73%). Além disso, destaca-se que as classes previstas pelo modelo coincidiram com setenta e oito classes das respostas dos respondentes, o que equivale a 67,24% do total. Para a “Log-log complementar”, em relação ao primeiro respondente, a classe mediana foi 5 para a satisfação pessoal, 5 para o COINT e 5 para o CEGP; pelo modelo, em porcentagens aproximadas, a probabilidade dele indicar a classe 2 é de 0%, a 3 é de 1%, a 4 é de 4% e a 5 é de 95%. Em relação ao segundo respondente, a classe mediana foi 5 para a satisfação pessoal, 3 para o COINT e 4 para o CEGP; pelo modelo, em porcentagens aproximadas, a probabilidade dele indicar a classe 2 é de 2%, a 3 é de 14%, a 4 é de 48% e a 5 de 36%. Os resultados com a aplicação da função “Logit” foram similares e bem próximos aos aplicados com a “Log-log complementar”, tanto para o modelo “Com controle”, “Sem controle” e “Significativas”. Na Tabela 8, é apresentado apenas o modelo “Significativas” com a “Logit”, tendo em vista que as outras variáveis não tem relação com Y. Ao comparar os resultados dos modelos “Significativas” com a “Logit” e a “Log-log complementar” pela razão de verossimilhanças, tem-se que, por esse critério, este modelo é preferível àquele, tendo em vista que -2LL“Log-log complementar” (67,363) < 2LL“Logit” (68,326). Porém, a capacidade de acerto da previsão do modelo “Logit” (68,10%) teve um melhor ajuste em relação ao “Log-log complementar” (67,24%), o que, para este campo de estudo, torna-o relevante para relacionar a satisfação pessoal com a COINT e a CEGP. Na aplicação da “Logit”, em relação à satisfação pessoal, destaca-se que a probabilidade de um determinado aluno estar totalmente insatisfeito (classe 1 para Y) é zero. Estatisticamente, a previsão da classe 5 (muito satisfeito) foi a que predominou, com sessenta observações (51,72%), seguida da classe 4 (satisfeitos), com cinquenta e três observações (45,69%); e da classe 3 (nem satisfeitos, nem insatisfeitos), com três observações (2,59%).

 

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Tabela 8 – Informações preliminares e estimativas dos declives dos parâmetros com a “Logit”. Model Fitting Information Model Intercept Only Final Goodness-of-Fit Pearson Deviance Pseudo R-Square Cox and Snell Nagelkerke McFadden Test of Parallel Lines(a) Model Null Hypothesis General Parameter Estimates Threshold

Location

-2 Log Likelihood 112,465 68,326

Chi-Square

df

Sig.

44,140

7

0,000***

Chi-Square 33,508 29,556

df 41 41

Sig. 0,791 0,908

Chi-Square

df

Sig.

17,008

14

0,256

Estimate -7,758 -5,359 -3,108 -2,936 -2,223 -2,256 -1,858 0 -4,319 -2,403 -1,687 0

Sig. 0,000*** 0,000*** 0,000*** 0,007*** 0,012** 0,004*** 0,009*** . 0,004*** 0,000*** 0,000*** .

0,316 0,367 0,192 -2 Log Likelihood 68,326 51,318

[PESSOAL = 2] [PESSOAL = 3] [PESSOAL = 4] [COINT=1] [COINT=2] [COINT=3] [COINT=4] [COINT=5] [CEGP=2] [CEGP=3] [CEGP=4] [CEGP=5]

Fonte: Dados da pesquisa. Nota: ***, ** e * representam coeficientes significativos a 1%, 5% e 10%, respectivamente.

Para a “Logit”, em relação ao primeiro respondente, a classe mediana foi 5 para a satisfação pessoal, enquanto, pelo modelo, em porcentagens aproximadas, a probabilidade dele indicar a classe 2 é de 0%, a 3 é de 0%, a 4 é de 4% e a 5 é de 96%. Em relação ao segundo respondente, a classe mediana foi 5 para a satisfação pessoal, enquanto, pelo modelo, em porcentagens aproximadas, a probabilidade dele indicar a classe 2 é de 2%, a 3 é de 17%, a 4 é de 50% e a 5 de 30%. Para o modelo ajustado “Logit”, o logaritmo natural da probabilidade de observar uma classe de ordem inferior, relativamente a uma classe de ordem superior, diminui, à taxa dos valores dos coeficientes, devido aos coeficientes das variáveis independentes serem negativos. Por exemplo, relativamente à variável COINT, pode-se afirmar que, de acordo com o modelo para a classe nada satisfeito (1), em relação à classe omitida de referência 5, o logaritmo natural da P(Y ≤ k) / P(Y > k), onde k V.9, nº2, p. 175-196, ago./dez. 2016.

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representa o nível de satisfação, diminui 2.936. Tanto para a dimensão COINT, quanto para a dimensão CEGP, observa-se que os alunos que indicam classes de menores ordens (para essas variáveis independentes), tendem a indicar classes de maiores níveis para a variável Y. Em resumo, pela análise realizada, existem modelos estatísticos, conforme objetivo deste estudo, que associam a satisfação pessoal de alunos com dois dos atributos testados. Destaca-se que os atributos tutor e professor tratados aqui não devem ser confundidos com o processo de comunicação/interação, pois conforme o questionário, aqueles possuem relação com as disciplinas e seus conteúdos, enquanto este tem relação com outras formas de comunicação/interação diversas daquelas. Nesses dois modelos testados, que a probabilidade de encontrar um aluno dessa amostra com algum nível de satisfação é de, no mínimo, 97,41%. Mesmo que a percepção do aluno aponte que alguns objetivos do curso, testados nesta pesquisa, não estejam sendo plenamente atingidos, como a infraestrutura e os recursos humanos nas fases presenciais do curso, a maioria dos respondentes (51,72%) está muito satisfeito. Esse resultado poderia ser maior, por exemplo, caso a percepção dos discentes fosse melhor em relação aos objetivos estabelecidos no Decreto 5.800 (BRASIL, 2006), sendo um fator que pode ser mais bem tratado pelos gestores como forma de evitar o abandono escolar e, consequentemente, evitar o desperdício do dinheiro público. Os resultados desta pesquisa indicam similaridades com alguns dos estudos apresentados, no que tange ao processo de comunicação e interação (SHIN; KIM, 1999; XENOS; PIERRAKEAS; PINTELAS, 2002; ABBAD; CARVALHO; ZERBINI, 2006; SIHLER; FERREIRA, 2011; PAIVA; ARAÚJO, 2013; ANAGNOSTOPOULOU et al., 2015) e a estrutura do curso (XENOS; PIERRAKEAS; PINTELAS, 2002; SANTOS et al., 2013, ANAGNOSTOPOULOU et al., 2015). Por outro lado, sugerem que não há relação com o papel do tutor e do professor, nem mesmo com o perfil sociodemográfico, conforme foi apresentado na literatura (XENOS; PIERRAKEAS; PINTELAS, 2002, ANAGNOSTOPOULOU et al., 2015). Além disso, como o CEGP é destinado à capacitação de gestores públicos (MEC, 2009), o processo seletivo dos futuros alunos poderia ser revisto, tendo em vista que a experiência anterior na área contribui para a permanência no curso (XENOS; PIERRAKEAS; PINTELAS, 2002). Por fim, destaca-se que se os gestores do campo de estudo em análise conseguissem formar um número de especialistas superior ao número de vagas ofertadas nessa turma, a Administração Pública estaria sendo eficiente. Como

 

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isso não foi possível, cabe a esses gestores buscar e propor mecanismos para que o serviço público seja, no mínimo, eficaz, quando da realização de novos cursos.

CONCLUSÕES O objetivo deste estudo foi analisar a relação entre a satisfação pessoal dos alunos da EAD/UAB e o papel do tutor e dos professores, o processo de comunicação e interação e a estrutura do curso. Nesse campo de estudo, pela análise realizada, a relação entre satisfação pessoal dos alunos é estatisticamente significativa com o processo de comunicação e interação e com a estrutura do curso em si, não possuindo relação com as dimensões tutor e professor, nem mesmo com algumas características do perfil sociodemográfico. Assim, por meio desta pesquisa, ao propor um modelo estatístico que associa a satisfação pessoal dos alunos com as características relevantes discutidas na literatura, é possível direcionar ações e providências como forma de evitar o abandono escolar e, consequentemente, o desperdício do dinheiro público. Essas ações devem se pautar no estímulo ao processo de interação entre envolvidos nessa modalidade de ensino, bem como nos mecanismos de comunicação utilizados, além de melhorias na estrutura do curso. Além de contribuir com a gestão dessa modalidade de ensino, esta pesquisa pode ser referência e útil para outros estudos, no que tange ao método de análise. Entre as limitações deste trabalho, citam-se: a aplicação do questionário em um único campo de estudo; a utilização de uma amostra não probabilística; a possibilidade de pessoas pouco satisfeitas com o curso terem se recusado a participar dessa pesquisa; e a possibilidade de ter havido algum tipo de confusão entre os respondentes a respeito do questionário, indicando que há necessidade de maiores esclarecimentos sobre ele. Dessas limitações, destaca-se que é uma temática restrita à situação estudada, mas que pode ser explorada em outros cursos/programas, com as devidas adaptações, em estudos de opinião. Dessa forma, sugere-se: a realização de futuras pesquisas no mesmo e/ou em outros campos de estudos, ou seja, em outras Instituições Públicas de Ensino Superior que ofertam esse curso; a utilização de amostras probabilísticas; o desenvolvimento de estudos e/ou de modelos com as mesmas ou com outras variáveis, como o coeficiente de rendimento acadêmico, a carga horária do curso ou das disciplinas, a prática com o uso

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de tecnologias da informação e comunicação e a região geográfica onde os cursos são realizados. Assim, percebe-se que os cursos da EAD/UAB têm como desafio garantir o que está previsto no Decreto nº 5.800/2006, ou seja, dispor de infraestrutura e de recursos humanos adequados às fases presenciais, bem como selecionar futuros discentes das regiões interioranas, como forma universalizar o acesso e promover o desenvolvimento local. Outros pontos a serem destacados, por exemplo, são a reformulação e atualização de tempos em tempos do conteúdo e da carga horária das disciplinas e a promoção de eventos que garantam maior interação entre os alunos, de tal forma que a probabilidade de encontrar alunos satisfeitos permaneça elevada. Para isso, são necessários investimentos adequados para custear a oferta desses cursos e para minimizar o desperdício do dinheiro público.

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INCLUSÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO MERCADO DE TRABALHO: Legislação e perspectivas de profissionais que atuam como selecionadores, fiscalizadores e apoiadores Cristiano das Neves Bodart1 Eunides Paschoalina Romano2 Osiene Alves Chagas3 Resumo O Recrutamento e Seleção (R&S) de Pessoas com Deficiência (PCD’s) é uma tarefa importante da área de Recursos Humanos (RH), exigindo conhecimento, destreza e sensibilidade. Apesar de esforços, é comum as equipes de RH encontrarem dificuldades no processo de contratação de PCD’s, sobretudo relacionado ao preconceito. Nesse contexto, o presente estudo tem por objetivo averiguar a percepção dos profissionais de RH que atuam no processo R&S de PCD’s quanto ao processo de inclusão social destes, assim como ao conhecimento desses profissionais quanto a legislação brasileira vigente, bem como a percepção de profissionais que fiscalizam suas inclusões e apoiadores de PCD’s no mercado de trabalho. Para atender tal objetivo foram realizadas entrevistas a profissionais que atuam com R&S, fiscalizadores, e apoiadores desse da permanência desses profissionais no mercado de trabalho e analisadas à luz da legislação brasileira. Identificou-se que, os profissionais entrevistados estão consideravelmente conscientes da legislação vigente, da importância da inclusão social destes profissionais no mercado de trabalho e parecem estar dispostos a contribuir com esse processo. Palavras-chave: Recursos Humanos. Lei Federal. Pessoas com Deficiência. Recrutamento e Seleção.

INCLUSION OF PEOPLE WITH DISABILITIES IN THE LABOR MARKET: Legislation and perspectives of professionals who act as selectors, inspectors and supporters Abstract Recruitment and Selection (R&S) of People with Disabilities (PWD's) is an important Human Resource (HR) task of Human Resource (HR), requiring knowledge, skill and sensitivity. Despite efforts, it is common for HR staff to encounter difficulties in the process of hiring PWDs, mainly due to prejudice. In this context, the present study seeks to ascertain the perception of HR professionals working in the R&D process of PWDs as regards the process of their social inclusion , as well as the knowledge of these 1

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo/USP. Professor de Ensino de Sociologia e Fundamentos de Educação da Universidade Federal de Alagoas/UFAL. 2 Aluna do curso de MBA em Gestão de Pessoas da Faculdade Novo Milênio/FNM. 3 Aluna do curso de MBA em Gestão de Pessoas da Faculdade Novo Milênio/FNM.

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professionals regarding current Brazilian legislation, along with the perception of professionals who oversee their inclusion and supporters of PCDs in the labor market. In order to meet this objective, interviews were conducted with professionals working with R&S, inspectors, and supporters of the permanence of these professionals in the labor market and were analyzed in light of Brazilian legislation. It was found that the interviewed professionals are considerably aware of the current legislation, the importance of the social inclusion of these professionals in the labor market, and appear to be willing to contribute to this process. KEYWORDS: Human Resources. Federal law. People With Disabilities. Recruitment and Selection.

INTRODUÇÃO Apesar da preocupação manifesta na legislação nacional com as pessoas com deficiência (PCD’s) não sabemos com certeza se estes cidadãos têm acesso aos direitos e garantias que lhe são previstos e nem se temos atualmente uma conscientização dos profissionais de RH quanto a essa questão. Na Legislação brasileira já temos assegurados muitos direitos para as PCD’s, o que não significa, necessariamente, que temos um reconhecimento da importância da inclusão desses cidadãos no mercado de trabalho, muito menos se tal inclusão vem ocorrendo. Sabe-se que as mudanças são reflexos das necessidades e que sempre estamos em constante processo de adaptação. Tem-se conhecimento do grande avanço tecnológico que marca o período atual, o qual vem sendo nomeado de “modernidade líquida”, isso, sobretudo, pela fluidez das relações e fenômenos sociais (BAUMAN, 2005). Neste contexto, a mudança e a adaptação estão sempre presentes na vida cotidiana dos indivíduos, assim como a competição, a inclusão e a exclusão social. Contudo, a inclusão social no mercado de trabalho daqueles que, por algum motivo, encontram-se em desvantagem, torna-se uma necessidade humanitária para a correção das desigualdades de acesso, as quais inferiorizam e excluem os indivíduos da vida social. Partimos do pressuposto de que para se alcançar uma sociedade mais justa, é imperioso que todos tenham condições de serem incluídos de maneira satisfatória no mercado de trabalho, acolhendo suas expectativas e/ou anseios (CHIAVENATO, 2005). Com a entrada em vigor da Lei de Inclusão das pessoas com Deficiência (Lei 13.146/2015) a Pessoa com Deficiência (PCD’s) passa a ser, em regra, plenamente capaz de atuar no mercado de trabalho.

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Para normatizar essas ações e a estruturação das empresas que se enquadram como cotistas dentro dos parâmetros estabelecidos na Lei Federal nº 8.213/91, o Governo Federal promulgou, em 06 de Julho de 2015, a Lei Federal nº 13.146, o “Estatuto da Pessoa com Deficiência”, conhecido popularmente como “Lei de Inclusão Social”. Nesta foram descritas, entre outros elementos, os princípios e as regras para que as empresas e os setores de RH se adéquem, no ato da definição de cargos e vagas e do processo de Recrutamento e Seleção (R&S), às diretrizes que regulam a contratação das PCD’s. Nos parece que por diversos fatores a oferta de vagas para pessoas com deficiência (PCD’s) foi ampliada, se não por compreensão desta necessidade, por força de lei; haja visto que a “Lei de Contratação de Deficientes nas Empresas”4, popularmente conhecida como “Lei de Cotas”, determina que as empresas com 100 ou mais funcionários devem destinar de 2 % a 5% de suas vagas às PCD’s. Nesse contexto, coube ao profissional de RH ser mediador entre candidato e empresa, sobretudo na captação de candidatos qualificados para as vagas oferecidas. A Lei Federal conhecida como “Estatuto da Pessoa com Deficiência”5, no seu artigo 38, atesta que: “A entidade contratada para a realização de processo seletivo público ou privado para cargo, função ou emprego está obrigada à observância do disposto nesta Lei e em outras normas de acessibilidade vigentes”. Nesse sentido, entendemos que o profissional de R&S deve estar ciente da legislação nacional que trata da inclusão de PCD’s no mercado de trabalho. O presente estudo tem por objetivo averiguar a percepção dos profissionais de RH, fiscalizadores e apoiadores6 da inclusão social de PCD’s quanto ao seu conhecimento da legislação brasileira vigente. Para atender tal objetivo foram realizadas entrevistas semiestruturadas a profissionais que atuam com R&S, fiscalizadores e apoiadores da inclusão social de PCD’s no município de Vila Velha, ES e analisadas à luz da legislação brasileira. Para tanto, apresentamos um esboço da Legislação Federal Brasileira relacionada à inclusão de PCD’s no mercado de trabalho, buscando destacar o papel dos profissionais de Recursos Humanos. A pesquisa caracterizou-se como um estudo exploratório, descritivo qualitativo. O artigo estrutura-se em três seções, além desta introdução e das considerações finais. Na primeira seção esboçamos a evolução legalista nacional que envolve a inclusão de PCD’s no mercado de trabalho. Na segunda seção apresentamos os 4

Lei Federal nº 8.213/91. Lei Federal nº 13.146, de 06 de Julho de 2015. 6 Psicólogos, agente de saúde comunitária e assistentes sociais que atual diretamente com PCD’s. 5

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procedimentos metodológicos. Na terceira seção artigo discutimos, a partir da legislação revisada na seção anterior a concepção do profissional de RH frente à necessidade de inclusão social.

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LEGISLAÇÃO QUANTO A INCLUSÃO DE PCD’s NO MERCADO DE TRABALHO Foi a partir do século XX que começamos a identificar conquistas favoráveis ao

combate à discriminação e à luta por garantias e direitos das PCD’s. Muitos foram os movimentos, nomeadamente, impelidos pelo cenário internacional. Na década de 1940, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, iniciou-se um amplo debate sobre os direitos de igualdade, como fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. Tais movimentos se fortaleceram por volta dos anos de 1970, período que observou-se a maior participação direta de pessoas com deficiência, sobretudo, por meio da campanha internacional “Nada sobre Nós sem Nós” (LANNA JR., 2010). Ao final dos anos 1970 cresceu a consciência que resultaria no movimento político das PCD’s. É consenso que as políticas públicas têm um papel importante a desempenhar no fortalecimento da nação e o exercício pleno da cidadania de todos os cidadãos. No Brasil, tais conquistas são bem recentes e em curso. Em razão do desprezo vivido e da discriminação, que se desdobraram em exclusão social, (LANNA JR., 2010) e das oportunidades políticas abertas pela contexto do processo de redemocratização (BODART, 2016), muitos deficientes se motivaram a organizar-se em grupos, a fim de, promover movimentos e ações coletivas em prol de igualdade social, programas e leis que corroborassem para a inclusão social de PCD’s. As oportunidades políticas abertas no Brasil após a redemocratização vem sendo apropriada por muitos movimentos sociais que lutam por direitos até então negados (BODART, 2016). A Constituição Federal Brasileira (1988) foi um marco importante no avanço à proteção dos PCD’s por parte do Estado. Segundo Lanna Jr. (2010), durante os debates da Constituinte, os grupos formados por pessoas com deficiência tiveram vez e voz, o que possibilitou que a nova Constituição lhe trouxesse ganhos significativos. Até aquele momento, no Brasil, se encontrava apenas a Emenda n° 12, à Constituição de 1978, conhecida como “Emenda Thales Ramalho”, que assim foi redigida:

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É assegurado aos deficientes a melhoria de sua condição social e econômica especialmente mediante: I. Educação especial e gratuita; II. Assistência, reabilitação e reinserção na vida econômica e social do país; III. Proibição de discriminação, inclusive quanto a admissão ao trabalho ou ao serviço público e a salários; IV. Possibilidade de acesso a edifícios e logradouros públicos.

Já a Constituição Federal (1988) veio afirmar, em seu Art. 23, que: É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: II – cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas com deficiência”. A atenção à saúde, assistência pública, proteção e garantias das pessoas com deficiência são de atribuição comum tanto da União, como dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios.

Ribeiro (2010) assevera que a Carta Magna, de 1988, compreende os valores sociais do trabalho como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito (art. 1º, IV) e que a base da ordem social tem por objetivo o bem-estar e a justiça social (art. 193), rejeitando qualquer forma de discriminação preconceituosa em relação ao salário e aos critérios de admissão, predizendo a reserva de mercado, tanto na esfera pública (art. 37, VIII), como no âmbito privado, por meio de “cotas” a serem completadas por funcionários com deficiência ou reabilitados pela Previdência Social. A proposta não é um amparo social marcado pela compaixão, mas da garantia de oportunidade de trabalho, de valorização das capacidades e habilidades, a fim de que possam conquistar renda própria, de forma, a isentar o Estado e a sociedade de sustentá-la. Assim, garantindo-lhe dignidade e promovendo sua inclusão social. Esta alternativa constitucional enfatiza o papel social da empresa, e que a incluso social não pode ser entendida como uma despesa e, sim, a criação de oportunidades profissionais, possibilitando as PCD’s colaborarem, por meio de suas competências, com a empresa e com a sociedade em geral (RIBEIRO, 2010). A Constituição Federal de 1988 abriu caminho para outras regulamentações legais em prol dos PCD’s, tais como a Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989. Tal dispositivo legal, ainda em vigência, dispõe sobre o apoio às pessoas com deficiência e sua integração social, caracterizando os crimes por discriminação, as punições e as regras a serem seguidas nas áreas de formação profissional e do trabalho. Outras leis sucederam a essa. A Lei Federal nº 7.853, por exemplo, trata da integração social da PCD’s e do papel da Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa com Deficiência (CORDE)7, da tutela jurisdicional de acuidades grupais ou difusas desses sujeitos e as responsabilidades do Ministério Público.

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Atualmente Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos das Pessoas com Deficiência.

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O princípio constitucional (1988) contém a fiança de vaga no serviço público ao sujeito com deficiência, desempenhado a missão, do mesmo modo, constitucional de inclusão social (art. 203, IV, parte final), propiciando concretude ao ideal de equidade de ascensão ao mercado de trabalho (no caso ao serviço público), à renda, diminuindose as altercações existentes e o preconceito (RIBEIRO, 2010). Em 11 de dezembro de 1990 foi aprovada a Lei nº 8.112, a qual dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das Autarquias e das Fundações Públicas Federais, tratando dos direitos das PCD’s. Em seu Art. 5º, § 2º ficou estabelecido que Às pessoas com deficiência é assegurado o direito de se inscrever em concurso público para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que tenham; para tais pessoas serão reservadas até 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas no concurso.

A Lei nº 8.112 veio a assegura aos PCD’s o direito a concorrer, via concurso público, a cargos compatíveis as suas deficiências, reservando-os uma cota de 20% das vagas oferecidas em edital. Em 30 de agosto de 1991 foi baixada a Instrução Normativa nº 5 orientando a fiscalização do trabalho das PCD’s. Em 10 de novembro de 1999, foi promulgada a Lei nº 9.867 tratando da criação e no laborar das Cooperativas Sociais, sendo apontando a necessidade do ingresso de PCD’s no trabalho. Em 10 de dezembro de 1997, foi aprovada a Lei nº 9.527, a qual concede horário especial ao servidor portador de deficiência, quando comprovada a necessidade por junta médica oficial, independentemente de compensação de horário. O Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999 foi outro avanço importante, pois regulamentou a Lei nº 7.853, (24 de outubro de 1989), dispondo sobre a “Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência”, consolidando as normas de proteção e equiparando as oportunidades profissionais com a reabilitação, formação profissional e qualificação do PCD´s, para o mercado de trabalho. E, finalmente, se teve a aprovação da Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015. Esta, conhecida como a “Lei de Inclusão Social”, veio no sentido de assegurar e promover a igualdade social no exercício dos direitos e das liberdades fundamentais ao PCD’s. No artigo 27, da Convenção da Organização das Nações Unidades sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006), temos garantido o livre-arbítrio de opção de trabalho, dispondo sobre a conformação física e atitudinal das localidades de trabalho, a formação profissional, o equitativo salário em conjunto de equidade com 202

algum outro cidadão, as condições seguras e benéficas de trabalho, sindicalização, garantia de livre ação no trabalho independente, empresarial ou cooperativado, ações afirmativas de ascensão de promoção ao trabalho privado ou público, penhor de progressão profissional e salvaguarda da profissão, capacitação e reabilitação profissional, amparo contra o trabalho constrangido ou escravo, etc. Nota-se no Brasil um avanço significativo no quadro legislativo que envolve direitos e garantias das PCD’s. Contudo, sabemos que isso não garante uma efetiva inclusão social, sobretudo, no mercado de trabalho. Por esse motivo, averiguar a consciência dos cidadão quanto a inclusão social de PCD’s é fundamental para se compreender as configurações estabelecidas e em transformações. Devido ao avanço no campo jurídico, temos hoje maior clareza quanto as definições conceituais que envolvem esse tema. Buscando compreende-los, buscamos na legislação essas definições. O Artigo 2º, da Lei de Inclusão Social8, define a pessoa com deficiência como: Aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

Tal definição dialoga com aquela definida pela Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiências (ONU, 2006). O Manual do Sistema de Informação e Atenção Básica (SIAB) do Ministério da Saúde define deficiência como: O defeito ou condição física ou mental de duração longa ou permanente que, de alguma forma, dificulta ou impede uma pessoa da realização de determinadas atividades cotidianas, escolares, de trabalho ou de lazer. Isto inclui desde situações em que o indivíduo consegue realizar sozinho todas as atividades que necessita, porém com dificuldade ou através de adaptações, até aquelas em que o indivíduo sempre precisa de ajuda nos cuidados pessoais e outras atividades (SIAB, 2000, p. 15).

De acordo com o Decreto nº 3.298/99, art. 3º, aprovado pelo Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CONADE), a definição de deficiência “é toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano”. A deficiência pode ser permanente ou não; quando não, o indivíduo não é considerado deficiente para a Lei de Cotas, não podendo integrar o quadro de funcionários de uma empresa por meio de tal dispositivo legal. A deficiência 8

Lei Federal no13.146/2015

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permanente é definida pelo Decreto nº 3.298/99, art. 3º, parágrafo II, como “aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou tem probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos”. Pessoas incapazes podem ser consideradas como deficientes para a inclusão na Lei de Cotas, verifica-se, a seguir, a descrição válida para incapacidade no referido decreto: Incapacidade por sua vez, é conceituada como redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida (DECRETO nº 3.298/99, art.3º, III).

Além da clareza conceitual necessária, é importante que haja regulamentações claras que venham a nortear o processo de inclusão social de PCD’s no mercado de trabalho. A Lei Federal nº 13.146 de 06, de julho de 2015, dispõe as regras de comportamento do RH no R&S de PCD’s: III – Da Inclusão da Pessoa com Deficiência no Trabalho em seu Art. 37. Constitui modo de inclusão da pessoa com deficiência no trabalho a colocação competitiva, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, nos termos da legislação trabalhista e previdenciária, na qual devem ser atendidas as regras de acessibilidade, o fornecimento de recursos de tecnologia assistiva e a adaptação razoável no ambiente de trabalho.

Os artigos 37 e 38, da Lei Federal nº13.146, constituem o modo de inclusão da pessoa com deficiência e o comportamento (diretrizes) do profissional de RH na prática de sua função. Como se pode observar, trata-se de uma legislação muito recente. O Estatuto da Pessoa com Deficiência, de dezembro de 2006, em seu art. 13, afere que “todo ser humano tem direito à vida e o Estado adotará as medidas necessárias para assegurar seu efetivo exercício pela pessoa com deficiência, em base de igualdade com os demais”. Contudo, sabemos que a legislação em um país onde existem “leis que pegam” e “leis que não pegam”, a jurisdição de uma causa não é garantia para o direcionamento de condutas e mudanças de mentalidades. Por esse motivo, o presente artigo se propõe averiguar o que pensam profissionais de RH que atuam no processo de R&S. O conceito de recrutamento que aqui adotamos é aquele desenvolvido por Scott Snell e George Bohlander (2013 p. 158), para quem recrutamento é o “processo de localizar indivíduos em potencial que possam trabalhar para uma organização e 204

encorajá-los a se candidatar a vagas já existentes ou, então, antes que elas sejam abertas.” Esses mesmos autores aferem que o RH deve estar preparado para uma nova diversidade no mercado de trabalho, com métodos de recrutamentos que sejam eficientes na captação de talentos e desenvolvimento das classes minoritárias que incluem as pessoas com deficiências. O RH deve estar em contato direto com comunidades, organizações e grupos que estão envolvidos com esses profissionais em sua formação ou habilitação e reabilitação para tornar seu recrutamento mais eficaz e apropriado, sobretudo sem discriminação e preconceitos. A garantia de acesso ao trabalho para as PCD’s é prevista, tanto na legislação internacional, como na brasileira. No Brasil, as cotas de vagas para pessoas com deficiência, foram definidas na lei no 8.213 de 1991, porém, só passou a ter eficácia no final de 1999, quando publicado o decreto n° 3.298 determinando que as empresas com mais de cem empregados contratem pessoas com deficiência, segundo as seguintes cotas: empresas com 100 a 200 empregados, 2%; com 201 a 500 empregados, 3%; com 501 a 1.000, 4% e; com mais de 1.000 funcionários, 5%. Apesar de não existir multas para a não realização dessas cotas, o crescimento da consciência social e a ação fiscalizadora do Ministério Público têm ampliado o número de empresas que atuam de acordo com a legislação, estimulada a manter – e até superar, em alguns casos – o número de vagas destinadas a pessoas com deficiência previstas na lei. O Brasil ratificou duas normas internacionais para se compreender o conceito de deficiência física. Desta maneira, essas normas ganharam status de leis nacionais, sendo elas: Convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT)9 e a Convenção da Guatemala10. Ambas tratam da proteção legal para pessoas com limitações físicas, sensoriais, mentais, não restritas a estas, que as limitem de exercer uma atividade normal da vida. A Lei no 8213/91 possui mais de vinte anos e conseguiu elevar o número de deficientes físicos inseridos no mercado de trabalho. Porém, ainda de uma forma muito tímida. Observa-se que mesmo com este tempo de vigência, muitos empresários ainda recebem autuações do Ministério do Trabalho, por não a atenderem.

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Convenção realizada em 1983, em Genebra, em prol da Reabilitação Profissional e Emprego de Pessoas Deficientes. 10 Convenção interamericana de combate a discriminação de PCD’s realizada na Guatemala em 28 de maio de 1999.

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PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Para proporcionar uma maior profundidade de análise, a partir da compreensão

do contexto do problema e oferecer um panorama mais amplo sobre a situação, a abordagem metodológica desta pesquisa caracteriza-se como um estudo qualitativo. Para tanto, foram realizadas entrevistas semiestruturadas e análise documental (legislação). Tabela 1 - Perfil dos entrevistados.

Entrevistado E1 E2 E3 E4 E5 E6 E7 E8 E9 E 10 E 11

Sexo Fem. Masc. Masc. Fem. Fem. Fem. Fem. Fem. Fem. Fem. Fem.

Empresa11 Ministério Trabalho Santos Supermercados SINE – Vila Velha - ES Souza Assessoria RH Seleção Consultoria RH Prefeitura Vila Velha Prefeitura Vila Velha Prefeitura Vila Velha Prefeitura Vila Velha Prefeitura Vila Velha Prefeitura Vila Velha

Cargo Auditora Fiscal Gerente RH Gerente Geral Assessora Gestão Assistente Social Agente Saúde Comunitário Agente Saúde Comunitário Agente Saúde Comunitário Assistente Social Coord. de Projeto Social Psicóloga

Fonte: Elaboração própria.

Observando a tabela 1, nota-se que o perfil dos entrevistados é relativamente heterogêneo quanto o local de atuação profissional, envolvendo indivíduos do setor público e privado, o que possibilita maiores possibilidades de análise e generalização dos resultados, ainda que esse não seja o objetivo da presente pesquisa. Todas as entrevistas foram realizadas no município de Vila Velha, localizado na Região Metropolitana da Grande Vitória, no estado do Espírito Santo. As entrevistas foram realizadas no local de trabalho de cada um dos envolvidos, sendo estruturadas por questões abertas, sendo as respostas anotadas pelos pesquisadores no momento das entrevistas. A gravação em áudio só foi permitido pelo E 3, por esse motivo só apresentamos transcrições literais desse entrevistado. Nossa proposta é, a partir da legislação existente, analisar as perspectivas de cada um dos profissionais entrevistados.

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Para as empresas privados utilizamos nomes fictícios a fim de evitar qualquer tipo de constrangimento.

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AS PCD’S E O PROCESSO DE R&S: A concepção do profissional de RH, de fiscalizadores e apoiadores da inclusão de PCD’s quanto à necessidade de inclusão social No caso de recrutamento e seleção (R&S) de PCD’s, é comum os profissionais

de Recursos Humanos (RH) enfrentarem o obstáculo da falta de adaptação das empresas em integrar esses profissionais às novas exigências de mercado. Sendo inclusão social a aceitação das pessoas com suas diferenças e/ou suas deficiências sem que haja discriminação ou reservas, observam-se duas vertentes de atuação para o cumprimento deste termo: adequação do ambiente externo, físico estrutural e a orientação e educação do pessoal, desde os gestores aos setores operacionais, na aceitação dos colaboradores com deficiências. A Lei Federal nº 13.146, de 06 de julho de 2015 dispõe sobre as regras de comportamento do setor e do profissional de RH no R&S de PCD’s. Em sua seção III, intitulada “Da Inclusão da Pessoa com Deficiência no Trabalho”, em seu Art. 37, encontramos o seguinte trecho: [...] constitui modo de inclusão da pessoa com deficiência no trabalho a colocação competitiva, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, nos termos da legislação trabalhista e previdenciária, na qual devem ser atendidas as regras de acessibilidade, o fornecimento de recursos de tecnologia assistiva e a adaptação razoável no ambiente de trabalho.

Como atesta Almeida (2009), as PCD’s têm o direito de estar plenamente incluídas na sociedade. Para esse autor (2009), a inclusão está intimamente conexa à acessibilidade e a apreciação de emoções, atos e ansiedades no apreender e selecionar os candidatos. O R&S deve acorrer observando os preceitos éticos e morais, mobilizando uma mistura de método, conhecimento e sensibilidade. É comum ouvirmos que o profissional de RH deve buscar um composto de satisfação entre empresa e candidato, o que nem sempre fica claro; contudo, terá que interpretar e aplicar fundamentado em seu conhecimento para não fugir de um posicionamento ético e de responsabilidade. A inclusão social das PCD’s tornou-se uma questão presente no corpo jurídico brasileiro, contudo, as pessoas não mudam suas mentalidades do dia para noite, sendo a mentalidade de um povo algo que se transforma por meio do trabalho de conscientização/educação (BAUMAN, 2005). É claro que a legislação de um país é fruto, em muitos casos, da mentalidade da época. Nesse sentido ficamos animosos, ainda que há muito que compreender. V.9, nº2, p. 197-216, ago./dez. 2016.

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Após vinte cinco anos da promulgação da Lei no8213/91, temos a sensação de que houve um aumento significativo de deficientes físicos inseridos no mercado de trabalho. Buscamos neste trabalho averiguar a consciência dos professionais de RH que atuam no processo de R&S, tomando como análise as entrevistas realizadas a 11 profissionais dos setores público e privado. De acordo com a E 1, auditora no “Projeto de Inclusão de Pessoa com deficiência” no atual Ministério do Trabalho e Previdência Social (antigo Ministério do Trabalho), este setor foi instituído para verificar o cumprimento da Lei Federal de Cotas que define as cotas de contratação de PCD’s pelas empresas com mais de 100 funcionários Segundo a entrevistada há um setor fiscalizador como esse em cada um dos estados brasileiros. De acordo com a E 1, no Espirito Santo, o programa teve início em 2008 e, o setor conta com dois fiscais. No início do processo de verificação do cumprimento da Lei de Cotas, foram fiscalizadas as empresas que tinham em seu quadro funcional acima de 1000 funcionários. Foram feitas as verificações e os fiscais atuaram em caráter informativo. Hoje o setor já atua em caráter de punição ao não cumprimento da Lei Federal de cotas e as multas são aplicadas de acordo com a capacidade de cota, ou seja, por cabeça em descumprimento no valor mínimo de R$ 2.143,04 per capta. A entrevistada buscando exemplificar essa atuação, disse que se um dada empresa tem como obrigação abrir cota para oito funcionários PCD’s mas contrata apenas cinco, é cobrada a ela multa pelos três funcionários não contratados. Esta fiscalização é feita através da análise do quadro funcional e verificada toda a documentação do funcionário e as condições de trabalho oferecidas pela empresa. Segundo a E 1, auditora fiscal do Ministério do Trabalho, não tem chego a ela denúncias de discriminação no ato da contratação que tivesse sido praticado por parte dos profissionais de RH das empresas. Contudo, atesta que, pela falta de adaptação das empresas à mobilidade dos PCD’s, a oferta do mercado é ainda reduzida. No Estado do Espirito Santo, por exemplo, poucas empresas se adaptaram à acessibilidade e mobilidade de cadeirante. Segundo a auditora fiscal entrevistada, grande parte dos PCD’s não tem apresentado interesse em arrumar um emprego, às vezes, por opção da família e por saber das limitações existentes quanto as adaptações dos espaços físicos à PCD’s. Geralmente, os que buscam o mercado de trabalho estão à procura de mudança de vida, elevação da autoestima e o fato de sentirem-se úteis e produtivos.

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Quando uma PCD ingressa no mercado seu benefício ofertado pelo Governo Federal é temporariamente suspenso, sendo o mesmo retornado em caso de deixar o trabalho. Contudo, há ainda um desconhecimento quanto a essa suspensão e possibilidade de retorno do benefício, o que inibe muitas PCD’s a ingressarem no mercado de trabalho. Contudo, alguns desejam mudar suas rotinas, não temendo a suspensão do benefício. É importante não olvidar que se antes era mais complicado retomar o benefício no caso de demissão, hoje a suspensão e o retorno são automáticos de acordo com as informações no sistema, o que proporciona maiores garantias as PCD’s e rapidez no processo (E 1). As afirmações da E 1 evidencia que, sob sua perspectiva, que as limitações da inclusão social de PCD’s no mercado de trabalho não está nos profissionais de RH, mas nas dificuldades de adaptações das empresas e a insegurança das PCD’s. O E 2, profissional de RH, afirma que eles fazem questão de seguir as regras de conduta exigidas na Lei e mantém as contratações, sempre que possível, acima da cota estabelecida pela legislação. Entretanto, o grande problema é a falta de profissional qualificado no mercado. Os candidatos mais qualificados buscam as grandes empresas, o que dificulta a contratação de PCD’s em empresa de porte médio e pequeno. A E 2, que atua em uma empresa do porte médio, uma rede de supermercados, afirma que a empresa onde atua busca informar as vagas existentes por meio de quadros de avisos nas lojas e via comunicação aos demais funcionários, para possíveis indicações. Buscam também no SINE e nos Setores públicos especializados. Os candidatos que se apresentam para as vagas, em sua grande maioria, são contratados. Afirma essa mesma entrevistada que as contratações são de acordo com a capacitação do candidato e a disponibilidade da vaga. A E 2 afirma ainda que a maioria dos PCD’s trabalham na frente de loja, como embalador, repositor ou operador de caixa, e as vagas são oferecidas sempre para o período matutino. A empresa oferece esses suporte e apoio para o desenvolvimento de sua função, além de treinamentos com as equipes e funcionários para o sucesso da inclusão e da superação de barreiras e dificuldades que possam surgir. Todos os funcionários concorrem de forma igualitária as vagas do plano de carreira da empresa respeitando o perfil vocacional e o interesse do mesmo, assim como participam de todas as atividades e projetos. Nota-se que existe, na empresa onde atua a E 2, uma conformidade com a legislação, uma vez que existe a preocupação em adequar o horário de atuação das PCD’s.

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Uma fala do E 3, gerente do SINE de Vila Velha-ES nos pareceu bastante importante para a compreensão da realidade que envolve daquele município. Segundo ele, São muitas as vagas destinadas a PCD’s e hoje, com a demanda do empresário para adequação a Lei Federal de Cotas é maior que a oferta de mão de obra. Por exemplo: no mês de outubro de 2015, as empresas solicitaram cento e vinte profissionais PCD’s, haviam apenas sessenta cadastradas no sistema e todas foram encaminhadas, destas pessoas, nenhuma delas foi aprovada a nenhuma das vagas. E ele atribui essa desproporcionalidade em primeiro lugar, a falta de qualificação seguida do desinteresse da pessoa e até da própria família que opta pelo recebimento do benefício do Governo que é equivalente ao salário de mercado, assim, passa a evitar problemas com locomoção e adaptabilidade e na maioria das famílias não se tem disponibilidade para ficar por conta do PCD.

Segundo as agentes comunitárias de saúde que atuam nas áreas 34 e 35, da Região 05 do município de Vila Velha-ES, e assistem cerca de 548 famílias, o percentual de PCD’s é de cerca de 2% desse público e, destes apenas 1% tem condição de trabalho, porém a família geralmente prefere mantê-los com o benefício do Governo Federal à inseri-los no mercado.de trabalho. A justificativa para essa postura é quase sempre à dificuldade de locomoção. Uma assessora de Gestão e Qualidade de uma empresa de S&R, E 4, afirmou que todos ainda estão se adaptando a esta nova realidade. Para ela as dificuldades não se limitam apenas a locomoção, acessibilidade ou aceitação deste novo profissional no mercado, mas de adaptação e conhecimento legal por parte de médicos, os quais quando avaliam as PCD’s costumam emitir laudo médico que não identifica a deficiência com o CID correto, o que acarreta desconforto na hora da seleção. Segundo ela essa situação pode gerar problemas, tais como o recrutador não tratar adequadamente o candidato ao emprego, uma vez que não conhece a especificidade daquela PCD, podendo vir a compreendido como um tratamento discriminatório por parte do recrutador. Ainda de acordo com a E 4, as empresas que buscaram informação e conscientizar seu corpo diretor e seus colaboradores para uma nova politica de comportamento apresentam melhor relacionamento entre seus funcionários e uma inclusão mais efetiva. Nota-se, na fala dessa entrevistada sua preocupação não só em conhecer a legislação pertinente, como também indicar que as empresas possam colocálas em prática; não como obrigação, mas como estratégia para melhores desempenhos nas relações interpessoais. De acordo com a E 5, assistente social em uma empresa de consultoria que há 6 anos presta serviços de encaminhamento e R&S de PCD’s, as grandes empresas capixabas seguem a legislação quanto a contratação de PCD’s. Segundo ela, no 210

processo de seleção as regras são seguidas e adaptadas às necessidades do candidato com agendamento antecipado. A empresa que a E 5 atua oferece suporte especial para adequar a deficiência a entrevista a fim de evitar transtornos e desconforto para o candidato. Para evitar deslocamentos desnecessários das PCD’s os profissionais do setor de R&S fazem uma “pré-entrevista” por meio do telefone, isso quando a deficiência não é auditiva. No Setor de Inclusão Social da Prefeitura de Vila Velha-ES conversamos com a assistente social, E 9, com a Coordenadora do Projeto de Inclusão Social, E 10, e com a psicóloga, E 11. Todas elas destacaram a falta de estrutura e treinamentos para se incluir no mercado de trabalho os PCD´s daquele munícipio. Para elas, as empresas ainda não estão preparadas para receberem os PCD´s, assim como também não estão os setores públicos. Mencionam as comuns dificuldades de acesso em hotéis, clubes, igrejas, escolas e nas repartições publicas. Para elas a dificuldade de mobilidade dificultam as PCD’s a se incluírem no mercado de trabalho. Observando as entrevistas realidades, nota-se que os profissionais que atuam no processo de seleção ou em órgãos mais próximos ao mercado de trabalho parecem, ainda que destacadas diversas dificuldades, animosos quanto ao processo de inclusão de PCD’s no mercado de trabalho, bem como significativamente conscientes. Contudo, ouvindo profissionais responsáveis pelo setor de assistência social do município de Vila Velha-ES notamos que estes estão menos otimistas quanto a inclusão de PCD’s no mercado de trabalho. Acreditamos que essa diferença de perspectiva pode ser, em parte, explicada pelo fato de que os funcionários do Estado, por serem assistencialistas, tem, quase sempre, seu olhar para o deficiente em detrimento das empresas, logo tenderão a exigir mais energicamente avanços na observância da legislação. A partir das entrevistas realizadas a profissionais entrevistados buscamos identificar as principais dificuldades existentes no processo de inclusão de PCD’s. Assim,

produzimos

um

quadro

(Quadro

1)

a

fim

de

sistematizar

essas

dificuldades/limitações.

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Quadro 1 – Principais dificuldades destacadas pelos entrevistados para a inclusão de PCD’s. Principais dificuldades destacadas Ajustamento da estrutura física da organização Localizar profissional portador de Deficiência com capacitação no mercado Grau de risco de acidentes no ambiente de trabalho Preparativo do nível de Gestão para lidar com as diferenças Altos custos com os profissionais especializados em desenvolver os Profissionais Portadores de Deficiências Adaptação dos colegas de trabalho para recebe-los Falta de qualificação profissional de PCD’s Caracterização imprecisas de laudos médicos Deficiência na mobilidade urbana que dificulta chegar ao local de trabalho Fonte: Elaboração própria.

Nota-se que a inclusão de PCD’s não é apenas uma questão legislativa, perpassa por ela, assim como pela deficitária adequação dos espaços físicos das empresas, da dificuldade de locomoção e a persistente ideia de que é melhor ficar em casa recebendo apoio do Governo. Em síntese, notamos três grupos com perspectivas e/ou focos diferentes quando tratamos de inclusão de PCD’s. i) os profissionais que atuam órgãos que atuam no gerenciamento de contratação de PCD’s; ii) profissionais de RH que atuam diretamente na prática de R&S e; iii) assistentes sociais do setor público. Quadro 2 – Principais focos destacados pelos entrevistados. Grupos de profissionais Profissionais que atuam órgãos que atuam no gerenciamento de contratação de PCD’s Profissionais de RH que atuam diretamente na prática de R&S Assistentes sociais do setor público.

Sistematização dos discursos Avanço das empresas em adequar-se a legislação ao contratar PCD’s Dificuldades estruturais internar das empresas que dificultam a contratação de PCD’s Deficiência na adaptação da estrutura física das empresas e dos espaços públicos.

Fonte: Elaboração própria.

Percebemos que todos os profissionais entrevistados são conhecedores da legislação existente, bem como apoiadores de sua observância. Contudo, conforme destacado no quadro 2, as dificuldades para essa legislação seja eficientemente observada são diferentes. Observando os três focos dados nas entrevistas, podemos aferir que são complementares e que cada um dos atores evidencia o que lhes é mais próximo. 212

CONSIDERAÇÕES FINAIS Observando a importância do RH e a legislação vigente, observamos que esse profissional caracteriza-se como um mediador entre empresa, profissionais com deficiência, e as leis federais vigentes. Nos parece ser ele uma espécie de elo que liga mercado de trabalho e PCD’s. Aferimos que o profissional de RH precisa estar apto e atento os deveres de suas atividades, as quais estão norteadas pela legislação. Tal aptidão e atenção é fundamental para que as PCD’s possam ser incluídas no mercado de trabalho, bem como para orientar os gestores para que estes adequem suas instalações a esses profissionais. Notamos que, dentre os entrevistados, existe um consciência clara dos direitos das PCD’s e os deveres das empresas e dos profissionais que atual com R&S. Em suma, os profissionais entrevistados reconhecem que a Lei Federal de inclusão social visa estabelecer de forma clara as regras e procedimentos que devem ser obrigatoriamente seguidos pelos profissionais de RH no R&S de PCD’s, objetivando os meios mais eficazes e as ferramentas mais propicias para facilitarem a identificação e a inserção de mão de obra qualificada proveniente das classes minoritárias. Observando os aspectos discutidos neste artigo, torna-se imprescindível que todos os envolvidos nesta temática se conscientizem de tal maneira a permitir que os meios necessários para que haja, aos PCD’s, plena condição do exercício da atividade laboral, o que é garantido em lei. Trazer à tona a questão da tarefa do profissional de RH no processo de inclusão de PCD’s por meio de trabalhos como este é possibilitar momentos de reflexão em torno desse tema tão urgente e importante. Os profissionais que atuam com R&S devem estar qualificados e conscientizados a fim de encontrar meios eficazes e oportunos para mediar de forma assertiva as relações entre candidato e empresa, trazendo para si a obrigação de identificar onde alocá-los em atividades e local que lhes permitam sentirem-se inclusos e parte de um organismo, independentemente de suas características físicas e mentais. A empresa aberta a inclusão, agrega valor ao seu ambiente, valor este cultural, social e econômico. O RH preparado e consciente consegue viabilizar, em consonância com a legislação federal vigente, a parceria ideal entre empresa e funcionário, sendo assim, mediador e parceiro nesta longa e difícil empreitada.

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A equipe que executa a seleção, o RH, deve estar capacitado para viabilizar, sobretudo, a contratação das pessoas com deficiência. Os profissionais que participaram desta pesquisa demonstraram estar conscientes quanto a legislação existente e seu papel no processo de inclusão de PCD’s. Ainda que apontem limitações diferentes no processo de inclusão de PCD’s, suas perspectivas nos parecem conscientes e complementares. Para os entrevistados, tem havido uma evolução quanto a percepção dos profissionais de RH e das empresas em relação a inclusão de PCD’s. É certo que há limitações, mas o cenário parece ser mais animador, sobretudo por observar que os profissionais de RH entrevistados estão ciente da legislação e de seu papel desse processo. Identificamos que eles acreditam na importância de abrir espaços no mercado de trabalho para os PCD’s e que a tarefa, embora árdua, é tida como recompensadora. É certo que esta pesquisa apresenta limitações que precisam ser superadas em pesquisas futuras, como por exemplo, é necessário também dar voz as PCD’s. Contudo, este artigo nos possibilitou realizar diversas reflexões e compreensões do que pensam os profissionais de R&S, bem como a apresentação de um esboço da legislação que nos possibilita estarmos animosos quanto ao futuro, ainda que com muitos obstáculos a ser superados.

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ENTREVISTA COMUNICAÇÃO EMPRESARIAL NA MODERNIDADE: uma entrevista com a Dra. Cláudia Paes Borba. Entrevistador: Alessandro Gomes1

A entrevistada dessa edição é a professora Cláudia Paes Borba. Ela é graduada em jornalismo, mestre e doutora em Administração pela PUC/RS. Atualmente é professora do curso de Publicidade e Propaganda da Faculdade Novo Milênio de Vila Velha no Espírito Santo. Ministra atualmente as disciplinas de Marketing Estratégico e Comunicação Empresarial. Na conversa com a Dra Cláudia foi colocado em pauta um dos grandes assuntos da gestão moderna, se comunicar de maneira eficiente, dentro e fora da empresa, diante de tantas transformações tecnológicas, bem como ser criativo na relação com os públicos. Alessandro Gomes: Para começar, vamos entender melhor as diferenças entre comunicação interna e comunicação externa. Cláudia Paes Borba: A comunicação interna e a externa fazem parte do processo de comunicação empresarial. Enquanto a comunicação interna baseia-se em criar ações de comunicação para os diferentes setores da empresa, promovendo informações para funcionários e agentes internos da organização, a comunicação externa apoia-se em criar estratégias de comunicação da empresa para diferentes públicos como outras empresas do mesmo setor, fornecedores, distribuidores, colaboradores e clientes de uma forma geral. A diferença está no tipo de público em que a empresa está comunicando algo. 1

Professor do departamento de Comunicação da Faculdade Novo Milênio, bacharel em Comunicação Social, com habilitação em Radialismo, especialista em Gestão em Assessoria de Comunicação e mestre em Análise do Discurso midiático.

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Alessandro Gomes: O avanço das tecnologias e as novas técnicas de comunicação, em especial a comunicação eletrônica e as redes sociais, têm provocados constantes mudanças na forma como as empresas se comunicam com os seus públicos? Cláudia Paes Borba: Sim com certeza. As novas mídias tem possibilitado às empresas a utilização de novos canais de comunicação junto ao seu público, possibilitando com isso, novos formatos de comunicação, com tipos diferenciados de mensagens adequados a esses veículos. A comunicação eletrônica é por natureza bastante dinâmica e se propagada de forma muito frenética, sem os mesmos “controles” de veículos tidos como “tradicionais”, exigindo, assim, das empresas uma postura de comunicação muito mais ágil. Essa postura mais ágil, porém, acabará se refletindo também em formatos de comunicação até então praticados. Alessandro Gomes: A integração entre os diversos setores da empresa pode facilitar o processo da comunicação?

Cláudia Paes Borba: Com certeza. Uma empresa cujos setores conseguem agir em conjunto, de forma harmônica, possui uma maior facilidade de expor suas estratégias de comunicação. A união entre departamentos da empresa, por exemplo, facilita o processo de uma comunicação interna, com maior clareza e agilidade, pois todos os envolvidos estão falando da mesma coisa e conhecem de igual forma o assunto que está sendo tratado. Alessandro Gomes: Entendendo o marketing integrado como uma ferramenta de estratégia, como ele pode contribuir na construção de uma comunicação institucional eficiente? Cláudia Paes Borba: O marketing integrado é a utilização das ferramentas de marketing (4 p`s) de forma conjunta reforçando as ações estratégias de comunicação da empresa. O uso de ferramentas de marketing possibilita às empresas uma melhor percepção de seus públicos, suas potencialidades e fragilidades institucionais, possibilitando a criação de programas de comunicação (internos ou externos) mais efetivos e que atendam aos objetivos da empresa e as necessidades dos seus V.9, nº2, p.217-220, ago./dez. 2016. pp. 217-220.

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consumidores. Alessandro Gomes: Guardando as diferenças entre as empresas, o que não pode ser esquecido quando o assunto é comunicação interna? Cláudia Paes Borba: O que é primordial em uma comunicação interna é o estabelecimento de regras, da forma de como as ações de comunicação internas serão criadas, emitidas e recebidas. Estabelecer também quem serão os responsáveis por essa comunicação. Ou seja, organizar e deixar bem claro o processo de comunicação. Alessandro Gomes: Algumas empresas, como é o caso da Nestlé, tem investido em eventos como ferramenta de exposição da marca e de manutenção da imagem. Produzir ou apoiar eventos é mais eficaz do que a publicidade tradicional? Cláudia Paes Borba: Eu acredito que esse tipo de ação não se sobreponha à publicidade tradicional e, sim a complemente. Eu creio na eficácia de comunicação, que vai trabalhar com a marca e a imagem da empresa, a partir da execução de ações conjuntas de publicidade, da utilização de diferentes veículos de comunicação, por exemplo. A escolha que uma empresa faz para o uso de um tipo de publicidade para seus produtos em um determinado momento, no entanto, depende do objetivo de comunicação definido pela empresa e pode ser eficaz para aquela determinada situação. Estudiosos de comunicação organizacional como Margarida Kunsch, reforçam essa questão de que comunicação empresarial é um processo feito de diferentes elementos, de diferentes formas, de diferentes canais e a eficiência do processo se dá pela necessidade e objetivo daquela comunicação. Alessandro Gomes: Qual é a relação da comunicação empresarial com a responsabilidade social? Cláudia Paes Borba: Ser responsável socialmente é ser um grande observador de ações que impactam na sociedade, que se refletem nos consumidores, zelando para o bem comum, criando políticas de ações que prezem a qualidade de serviços e produtos, zelando pelo meio ambiente e pela sociedade de forma geral. A comunicação praticada pelas organizações deve também refletir sobre isso, de forma a adequar ações para melhor empreender ações de responsabilidade social. V.9, nº2, p.217-220, ago./dez. 2016. pp. 217-220.

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Alessandro Gomes: Diante da competitividade do mercado atual, especialmente em momento de crise, as empresas devem apostar em seus funcionários como capital humano, ou seja, como força comunicadora pensante, e não apenas como mão de obra? Cláudia Paes Borba: Perfeitamente. Os funcionários das empresas fazem parte do processo de comunicação. São agentes de comunicação, possibilitando que os setores das empresas interajam, contribuindo também para criar ações de comunicação da empresa para o mercado. Em momentos de crise a comunicação é essencial para as empresas como força estratégica que pode impulsionar novos negócios e clientes. Os funcionários tornam-se participantes ativos das relações organizacionais. Alessandro Gomes: Na administração moderna o gestor deve saber delegar tarefas e compartilhar informações. Isso contribui para fomentar a noção de pertencimento, do funcionário em relação a empresa? Cláudia Paes Borba: Com certeza. No momento em que a empresa compartilha informações ela está compartilhando suas ações, expondo seus objetivos e recriando no dia a dia sua missão. O funcionário acaba fazendo parte realmente da empresa, vestindo a camisa e atuando ativamente em diferentes ações propostas pela empresa. Quando o funcionário está integrado com os propósitos da empresa, esse “pertencimento” fica bastante aparente. Alessandro Gomes: Pensar e estabelecer a melhor mensagem para os diversos públicos é um grande desafio das empresas. Diante dessa afirmação, ainda existe espaço para o gestor curioso, para aquele que pensa a comunicação sem a ajuda de um profissional da área? Cláudia Paes Borba: Na minha opinião, espaço sempre vai existir para a curiosidade, mas para aquele gestor que possui o “feeling” da comunicação, um sentimento forte sobre determinada atitude que deva ser tomada, não simplesmente um curioso. Mas mesmo assim, são atitudes de poucos. Creio sim na importância de um profissional da área, na sua qualificação essencial para o processo de comunicação das empresas.

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