VESTIDOS EM EXPOSIÇÃO: ARTE E MODA NO BRASIL DOS ANOS 1960 E ALGUMAS DÉCADAS DEPOIS

June 6, 2017 | Autor: M. Bonadio | Categoria: Brazilian Studies, Museums and Exhibition Design, Visual Arts, Fashion Studies
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VESTIDOS EM EXPOSIÇÃO: ARTE E MODA NO BRASIL DOS ANOS 1960 E ALGUMAS DÉCADAS DEPOIS

Maria Claudia Bonadio (Centro Universitário Senac/SP)

Resumo: Em 1958 a Rhodia Têxtil inicia a produção de filamentos sintéticos no Brasil e a partir de 1960 e até 1970, implementa no país uma política de publicidade calcada na produção periódica de editoriais de moda, e anúncios para jornais e revistas (femininas e de variedades); e de desfiles, que conjugavam elementos da cultura nacional (música e artes plásticas), a fim de associar o produto da multinacional à criação de uma "moda brasileira". Dentre as diversas ações publicitárias realizadas no período, destaca-se a produção de padronagens têxteis por artistas plásticos para peças de roupas que eram apresentadas nos desfiles e editoriais de moda. Nesta comunicação apresento mapeamento parcial da produção dos artistas para a empresa e breve crítica sobre suas utilizações em mostras e exposições ocorridas entre 1999-2007 e especialmente na exposição itinerante Tropicália: Uma revolução cultural 1967-1972.

Palavras-chave: moda, artes plásticas, exposições e mostras, Tropicália.

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Mapeando a produção dos artistas plásticos para as promoções da Rhodia Têxtil no Brasil dos anos 1960. MASP (Museu de Arte de São Paulo) - Centro, Galeria Prestes Maia, 30 de setembro de 2003. A então prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, inaugurava numa festa para convidados, o I-Moda Brasil (Instituto Brasileiro de Moda), o qual, segundo informações institucionais, abrigaria um centro de formação sobre o setor, museu e biblioteca e através da parceria entre o MASP e a ABIT (Associação Brasileira da Indústria Têxtil) e visava “Propiciar a formação e disseminar o conhecimento e a cultura de moda e vestuário, englobando as mais diversas áreas deste segmento: criação, gestão, marketing e tecnologia.”1 Na ocasião, os convidados desfrutaram de um coquetel e puderam apreciar uma exposição de peças de vestuário pertencentes ao acervo do museu. Dentre os itens expostos os destaques eram vestidos e conjuntos cujas estampas foram criadas por artistas plásticos como: Alfredo Volpi, Aldemir Martins, Carlos Vergara, Manabu Mabe, Hercules Barsotti e Wyllis de Castro. Até onde se tem notícia, o I-Moda Brasil não vingou, pois passados mais de 6 anos, a idéia não saiu do papel e teve na citada exposição sua única ação, mesmo assim a escolha de tais peças para a abertura de uma exposição que visava marcar entre outros, a criação de um museu da moda brasileira vale reflexão. Hoje apreciadas atrás das vitrines dos museus, nos anos 1960 as peças citadas podiam ser vistas em passarelas nacionais e do exterior e também em editoriais de moda elaborados pela equipe de publicidade da Rhodia Têxtil (dirigida por Lívio Rangan2), a fim impulsionar as vendas dos filamentos sintéticos e seus derivados produzidos pela empresa, através da associação dos tecidos fabricados com essa matéria prima com a arte3 , com vistas a conquistar o “segmento ‘mais exigente’ estabelecendo concorrência tanto com os tecidos brasileiros em fibras naturais como os tecidos finos importados”.4 A idéia era ajudar a impulsionar o crescimento da indústria têxtil e da moda “nacional”, utilizando-se para tanto da cultura e da arte nacional, pois como bem observou Cyro del Nero (cenógrafo que atou criando os cenários para os shows da Rhodia apresentados na FENIT e para muitas das publicidades de moda da empresa), nos anos 60, “Moda consumia cultura brasileira”5.

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As teorias de John Berger vão de encontro a esse raciocínio, pois em sua opinião, a obra de arte “sugere autoridade cultural, uma forma de dignidade, senão de sabedoria, que está acima de qualquer interesse material vulgar; uma pintura a óleo pertence ao patrimônio cultural e é um recordatório daquilo que significa ser um europeu culto.” 6 Ou seja, a associação entre moda e obra de arte, em ambos os casos citados, ampliaria o valor cultural, intelectual e nacional das peças. Outra peculiaridade relativa à exposição é o que chama a atenção nas peças não é o design ou os cuidados no acabamento – (especialmente por que a maioria destes se comparados às peças de Lavin ou Dior também expostas na ocasião, deixam muito a dever nesse aspecto) 7. São de fato as já citadas estampas os principais destaques das peças. A observação da exposição permite concluir que, num espaço onde não havia altacostura ou sequer cultura de moda8, Lívio Rangan aproximou moda e arte, colocou a “arte em desfile” e conseguiu chamar a atenção para a “moda brasileira” apresentada nos desfiles e editoriais de moda da Rhodia Têxtil, de tal forma que Cyro del Nero recorda a ânsia pela busca das novidades apresentadas no palco que freqüentemente resultavam em questões do tipo: “– Alguém deve conhecer alguém do Show da Fenit. Alguém saberá onde poderei comprar aquele tecido com os desenhos do Lula Cardoso Ayres, do Aldemir Martins ou do Manabu Mabe. Eles estão lá fazendo show para vender, não fariam tudo isso à toa.”9

Ao que o próprio ex-cenógrafos dos shows, responde: “Inútil: os tecidos, os desenhos, as cores, a elegância dos desfiles, o brilho dos shows – tudo terminava ali. Só o novo discurso da moda podia ser absorvido.”10 As galinhas d’angola e o campo de futebol de Aldemir Martins, as bandeirinhas e fachadas de Alfredo Volpi e a Op Art de Hércules Barsotti e Willys de Castro encantavam os olhos dos espectadores; mas as peças que recebiam essas estampas não eram comercializadas. Ainda hoje as obras impressionam o observador, mesmo quando apresentados ao público mal passados e iluminados11. A utilização da arte pela publicidade de moda encontra boa justificativa novamente no pensamento de John Berger, para o qual tal associação tem por objetivo suscitar o desejo de consumo, pois as propriedades inerentes à obra de arte colaboram para persuadir e lisonjear o espectador-comprador 12 . Ou seja, se por lado, algumas das peças e tecidos

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apresentados nas coleções lançadas anualmente pela empresa em seus desfiles na FENIT não eram comercializadas, por outro, a inserção dessas peças nesses eventos colaborava para o impulsionamento da venda de tecidos e peça de roupas produzidos industrialmente a partir dos filamentos fabricados pela empresa, como Tergal, Crylor, Amorella, Rhodiela, Rhodianyl entre outros.13 A parceria entre Lívio Rangan e artistas plásticos durou aproximadamente oito anos, entre 1960-1968, quando a maior parte a criação de estampas passa a ficar a cargo de membros fixos da equipe de publicidade especialmente Licínio de Almeida e Alceu Penna14. Nesse período, aproximadamente 69 artistas plásticos realizaram trabalhos para a publicidade Rhodia, a saber: Adelson do Prado, Aldemir Martins, Alfredo Volpi, Amélia Toledo, Ana Schultz, Antonio Bandeira, Antônio Maluf, Arnaldo Pedroso D´Horta, Caciporé Torres, Campos Mello, Carmélio Cruz, Carybé , Carlos Vergara, Danilo Di Prete, Darcy Penteado, Darel Valença, Domenico Calabrone, Donato Ferrari, Fayga Ostrower, Fernando Lemos, Fernando Martins, Fernando Odriozola, Francisco Bernnand, Francisco da Silva, Frederika Geelmuyden, Glauco Rodrigues, Genaro de Carvalho, Hans Haudenchild, Heitor dos Prazeres, Hércules Barsotti, Hermelindo Fiamianghi, Iberê Camargo, Isabel Pons, Ítalo Cencini, Ivan Serpa, Jacques Avadis, João Suzuki, José Carlos Marques, Kazuo Wakabayashi, Kaneko Kenichi, Leonor Mendonça, Lívio Abramo, Luigi Zanotto, Luiz Jasmin, Lula Cardoso Ayres, Maria Bonomi, Maria Leontina, Marcos Amorim, Manabu Mabe, Manézinho Araújo, Massumi Tsushimoto, Milton Dacosta, Miriam Chiaverini, Moacyr Rocha, Nelson Leiner, Nicolas Vlavianos, , Paulo Becker, Renina Katz, Ruben Valentin, Samuel Szpiegel (Samuca), Tamaki Yuji, Teresa Nazar, Tiago Amorim, Tomie Ohtake, Tomoshigue Kusumo, Toyota Fukushima, Waldemar Cordeiro, Yuji Tamaki, Willys de Castro e Ziraldo. Sem se ligar a nenhum movimento ou grupo de artistas plásticos em específico, Lívio Rangan levou aos palcos da FENIT, às passarelas de todo Brasil, a outros países e às páginas de diversas revistas nacionais15, obras de artistas das mais diversas linhagens de trabalho. Willys de Castro, Ivan Serpa e Hermelindo Fiaminghi, por exemplo, participam ativamente do movimento concretista brasileiro, o qual preconizava um “abstracionismo rigoroso, geométrico, quase matemático de intensa pesquisa formal”.16 Manabu Mabe, Iberê Camargo, Fayga Ostrower, Antonio Bandeira e Isabel Pons são filiados à abstração lírica e

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gestual, enquanto Kazuo Wakabayashi, Tomie Othake, Tomoshsige Kusuno e Yuatuta Toyota pertencem ao expressionismo abstrato.17 Ao que pude apurar, infelizmente, a maior parte dos vestidos com estampas, ou totalmente criados por artistas plásticos para as promoções publicitárias da Rhodia se perderam 18 . A comparação entre as peças pertencentes ao acervo do Museu e àquelas apresentadas em fotografias nos editoriais de moda produzidos pela publicidade da Rhodia e veiculados nas revistas [O Cruzeiro (1960-1962), A Cigarra (1960), Manchete (19631964) e Jóia (1965-1968)] e no catálogo do show Momento 68 (1968), leva a crer que apenas aproximadamente 35% dessas estão sob a guarda do MASP, uma vez que as pesquisas realizadas até agora levantaram 220 peças19 e o catálogo do museu tem apenas 7820. Apesar idéia de convidar artistas plásticos para estampar peças apresentadas nas promoções da Rhodia ter partido de Lívio Rangan, a doação destas ao MASP só ocorreu durante a gestão de seu sucessor no cargo de diretor de publicidade da empresa, Luiz Seráphico21 (que naquele período integrava o conselho do MASP) em 1972, quando um desfile de moda com as peças aconteceu nas dependências do Museu para marcar a doação.22 Segundo o ex-gerente de orientação de moda da Rhodia, Carlos Mauro na ocasião da doação: “foi feito um inventário do que havia dos diferentes shows e (...) foi feita toda uma triagem foi caracterizado o que seria histórico que foi doado ao MASP, uma outra parte ‘não histórica’, eu sugeri se a Rhodia não poderia dar ao Naum Alves de Souza que tinha o Pod Minoga? Então isso foi também uma parte para o Naum.”23

Questionado sobre os critérios que classificariam as criações em “históricas e não históricas”, respondeu: “Os históricos eram característicos de integração da Rhodia com artistas plásticos. Eles desenhavam estampados, a Rhodia mandava estampar junto à clientela de estamparias e os tecidos eram doados para jovens costureiros que faziam suas criações, costureiros de diferentes Estados do Brasil. Os não históricos eram roupas bonitas no estilo hollywoodiano, ou de um corpo de baile, usados por umas bailarinas.”

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Vestidos em exposição

Além da exposição citada, peças do acervo integraram também diversas mostras e exposições realizadas nos últimos 10 anos. Sem pretender realizar um mapeamento totalizante da circulação de tais peças e fotografias, é possível afirmar que pelo menos sete mostras e exposições fizeram uso destas, dentre as quais três retrospectivas de artistas que elaboraram padronagens têxteis para a empresa e três mostras temáticas. Na retrospectiva de Hércules Barsotti realizada no MAM-SP, Não-cor cor (São Paulo, 24 a setembro a 24 de outubro de 2004), dois vestidos estampados pelo artista para a Rhodia apareciam expostos ao lado de obras realizadas em suportes mais tradicionais. No catálogo, as padronagens de tecidos realizadas pelo artista são citadas como formas de transformar Op Art em moda, numa alusão a importância da ação para industrialização do estilo, uma vez que o mesmo texto destaca que “A Op Art transformada em moda preto e branco, insurge na Feira Nacional da Indústria Têxtil (FENIT), em 1966, ano de profundas transformações da moda e dos estilos de vida.”24 Também a retrospectiva Amilcar de Castro e Willys de Castro, realizada entre maio e agosto de 2009, no Centro Cultural Maria Antônia (São Paulo) exibiu quatro vestidos criados pelo segundo para as promoções da Rhodia e que hoje pertencem ao acervo do MASP, além de fotografias que registravam a inserção de peças do artista em editoriais de moda e no calendário de 1968 (no qual modelos interagiam com obras de diferentes artistas a cada mês do ano). A exposição Teresa Nazar na Vanguarda Paulista (1965-1975), realizada no Museu de Arte Brasileira da FAAP (São Paulo, 30 de março – 13 de maio de 2005) também deu destaque ao trabalho da artista plástica para a Rhodia através de duas fotografias ampliadas: A primeira trazia um vestido-objeto em acrílico e aço inox criado por Teresa Nazar para o show Momento 68 (coleção Barbária) e a segunda era uma campanha veiculada em diversos periódicos nacionais em 1969, por ocasião da comemoração dos 50 anos da Rhodia no Brasil e que apresentava Teresa Nazar em meio a diversos artistas que produziram para a empresa, dentre os quais Nicolas Vlavianos, Fernando Lemos, Carmélio Cruz, Kaneko Kenichi, Tomoshigue Kusumo.

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A presença das peças nas exposições indica o reconhecimento, por parte de seus curadores acerca da importância da iniciativa da Rhodia para a promoção da interação entre arte e design de moda no Brasil dos anos 1960, que provavelmente ocorre em razão dimensão dessa colaboração (que provavelmente não foi superada por colaborações posteriores entre artistas plásticos e a moda), e também da ampliação da visibilidade e do valor simbólico das peças elaboradas em razão da doação dos vestidos ao museu. Portanto, se nos anos 1960, os artistas foram convidados (mediante pagamento) a criar estampas e vestidos-objetos para as promoções da empresa a fim de lhes conferir prestígio de grife – “a marca que não muda a natureza material do objeto, mas a natureza social do objeto”25- anos mais tarde, tal participação é apropriada pelos curadores das mostras para conferir ainda mais prestígio aos artistas. As peças estampadas pelos artistas foram utilizadas ainda em duas mostras realizadas no Itaú Cultural. Em Arte/Consumo (São Paulo, 19 de novembro 1999 – 03 de fevereiro de 2000) na ocuparam todo um andar do instituto e compuseram o módulo “Metamorfoses do consumo” (curadoria de Cyro del Nero). Já O Preço da Sedução (SP, Março-Maio 2004), trouxe dois vestidos do acervo, o primeiro em voile de nylon de Fernando Martins e o já citado vestido Op Art preto e branco em tela sintética de Hércules Barsotti, ambos expostos no 3o módulo e mais precisamente em uma vitrine representativa da moda dos anos 1960, na qual dividiam espaço com um vestido de Courrèges pertence ao acervo do Museu Histórico Nacional. Também a mostra comemorativa de 50 anos do nylon no Brasil, organizada no stand da Rhodia na São Paulo Fashion Week em julho de 2005, mostrou algumas peças da coleção. Mais recentemente a exposição itinerante Tropicália: uma revolução na cultura brasileira (1967-1972), que passou por 5 museus e 4 países também apresentou peças da coleção Rhodia do MASP. Os usos dessas pelas na mencionada exposição e seu material de divulgação merece uma breve reflexão.26

Usos e abusos da produção dos artistas plásticos para as promoções da Rhodia: a exposição Tropicália: Uma revolução cultural (1967-1972).

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Inicialmente é necessário apontar um paradoxo, pois apesar do título indicar que a mostra enfocava o período 1967-1972 (e de fato isso ocorre em boa parte do material do material exposto e veiculado no catálogo), alguns dos vestidos e fotos que mostravam peças estampas por artistas plásticos exibidos na mostra e em seu catálogo foram produzidas anteriormente ao período citado (como por exemplo, as peças elaboradas para a coleção Brazilian Fashion Team de 1966 que aparecem na fotografia da foto originalmente veiculada na edição de julho daquele ano da revista Jóia e apresentada na página 184 do catálogo). Num primeiro momento há de se aventar a possibilidade do curador utilizar tais peças e imagens como forma de observar que mesmo antes do surgimento do movimento, era possível observar uma visualidade tropicalista latente junto à moda e as artes produzidas no Brasil. Mais nesse caso nos depararíamos com outro problema, pois dentre as imagens selecionadas estão diversas roupas estampadas por Aldemir Martins, Fernando Lemos, José Carlos Marques, Tomoshigue Kusuno e Willys de Castro, entre outros artistas (alguns dos quais sem nenhuma identificação no catálogo 27 ) que não costumam ser associados ao movimento e cujos trabalhos pouco dialogam com os de Hélio Oiticica, Lígia Clark, Lígia Pape e outros artistas cuja produção é comumente associada ao Tropicalismo nas artes. Apesar de reunir importantes textos críticos acerca dos diversos aspectos (música, cinema, artes plásticas e literatura) do movimento (ou momento28) tropicalista, não há no catálogo nenhum texto acerca das peças de roupas e fotografias das promoções da Rhodia selecionadas para a exposição, a lacuna salta aos olhos, especialmente quando se observa o destaque dado a “moda tropicalista” nas chamadas para a exposição veiculadas nos sites de alguns dos espaços que a abrigaram: “Major festival of art, music, theatre and dance, celebrating Tropicália – the cultural revolution that re-defined Brazilian art, politics, music and fashion in the 1960s and beyond”.(Barbican Centre)29 “Tropicália, one of the most significant cultural movements to emerge from South America in the last five decades, marked a true revolution in Brazilian music, visual arts, theater, and cinema, while also influencing advertising, fashion, and television.” (Museum of Contemporary Art of 30 Chicago)

Não é intenção deste texto debater sobre a amplitude do impacto das roupas e aparências usadas pelo Tropicalistas na moda brasileira, mas é importante frisar que se os

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cabelos desgrenhados, as roupas indianas, o plástico e as estampas psicodélicas ganharam espaço nas revistas de moda e caíram no gosto dos brasileiros no final dos anos 1960, é exagero atribuir tal transformação exclusivamente à atuação dos músicos ligados ao movimento, uma vez que a maior parte dos elementos que compunham o visual de seus principais expoentes como Gal, Caetano, Gil e os Mutantes, era também associado (e derivado) da cultura hippie que no mesmo período ganhava amplitude em todo o Ocidente. Também é importante observar que apesar da publicidade da Rhodia ter se apropriado do tema e de seus principais atores (Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa e Os Mutantes) em diferentes ocasiões, os figurinos usados por estes nas promoções das quais participaram nem sempre estava em consonância com aqueles usados nas apresentações em festivais, TVs e shows31. Como por exemplo, no show Momento 68: A Tropicália (apresentado na FENIT em 1968) que teve a dupla Caetano Veloso e Gilberto Gil, como suas atrações principais. O figurino utilizado por eles durante o show foi duramente criticado por Caetano Veloso em sua autobiografia Verdade Tropical, uma vez que os ternos brancos usados por ambos no show-desfile e também por Gilberto Gil no editorial de moda Tropicália: ou Yes nós temos bananas (Jóia, abril de 1968), eram a materialização do figurino tropicalista proposto por Nelson Motta em sua Cruzada Tropicalista. 32 Segundo Caetano Veloso, o conceito de Tropicalismo apresentado no show da Rhodia era uma “desagradável caricatura”, pois: “Não apenas os nossos números eram entreatos dos desfiles, como os textos eram de uma assintonia atroz como nosso estilo e tudo o que nos interessava. Os figurinos que tínhamos que usar eram horrivelmente estilizados (sem que faltassem os horrendos ternos ‘tropicalistas’) e as piadas ditas pelos dois apresentadores eram caretas.” 33

A crítica do músico está em acordo com a opinião de Celso Favaretto, para quem elementos como o terno branco de tropical, o charuto e o chapéu palhinha, o lenço de três pontas no bolsinho do paletó, representariam uma redução do Tropicalismo à extravagância, o que esvaziaria o movimento de seu sentido polêmico e agressivo34. A dissonância entre a opinião dos atores e críticos do Tropicalismo em relação à apropriação do tema pela publicidade da Rhodia e o consequentemente uso fotografias e peças de roupas estampadas pelos artistas contratados nos anos 1960 por essa empresa na exposição Tropicália e também os muitos usos que tais peças já mereceram, incluindo aí a própria exposição da galeria Prestes Maia evidenciam que: 9

“Os atributos intrínsecos dos artefatos, é bom que se lembre, incluem apenas propriedades de natureza físico-química: forma geométrica, peso, cor, textura, dureza etc. etc. Nenhum atributo de sentido é imanente. (...) Por certo, tais atibutos são historicamente selecionados e mobilizados pelas sociedades e grupos nas operações de produção, circulação e consumo de sentido. Por isso, seria vão buscar nos objetos o sentido dos objetos.35

E ainda que a circulação a inserção dos objetos nas coleções de museus e a conseqüente circulação destes em exposições e mostras acabam muitas vezes por torná-los “elementos de uma nova escrita” 36, permitindo a construção (verdadeira ou não) de novos significados muitas vezes desconectados com suas significações iniciais. 1

http://masp.art.br/default.asp?PG=EXP&IT=22 (acessado em 03/05/2004) Livio Rangan (1933-1984), italiano que chega ao Brasil em 1953. Inicialmente atua como professor de latim do Colégio Dante Alighieri e repórter do jornal Fanfulla. Nesses tempos começou a organizar grandes espetáculos de ballet e passou a percorrer empresas em busca de patrocínio. Apresentou seus projetos à Rhodia, ganhou a simpatia dos diretores da empresa e foi contratado para atuar como gerente de publicidade, cargo que exerceu até 1970. 3 Em 1958, a Companhia Química Rhodia Brasileira, através de sua subsidiária Companhia Brasileira Rhodiaceta, obtém a exclusividade das patentes para a fiação das fibras de poliéster no Brasil, através de um acordo firmado junto à Imperial Chemical Industries, da Inglaterra. A partir desse ano e até 1968 – quando se instala no país sua primeira concorrente de peso: a Safron Teijin - a empresa torna-se “um monopólio virtual sobre o segmento de produção das fibras sintéticas uma vez que produzia fibra de poliéster, filamentos de nylon 6.6, poliéster e fibras acrílicas (CORRÊA e MONTEIRO FILHA, 2002). 4 DURAND, José Carlos. Vestuário, gosto e lucro. In: Ciências Sociais hoje. São Paulo, Cortez, ANPOCS, 1985 p. 44. 5 Cf: Catálogo da exposição: Cotidiano/Arte: O consumo. Disponível em www.itaucultural.org.br (acessado em 02/05/2004) 6 BERGER, Jonh et alli. Modos de ver. Lisboa, Edições 70, 19 P. 139. 7 Exceção feita àquelas criadas para as promoções da Rhodia pelos estilistas Dener e Jorge Farrè. 8 Ver BONADIO, Maria Claudia. O fio sintético é um show: Moda, política e publicidade (Rhodia S.A. 1960-1970). Tese de doutorado em História. IFCH, Unicamp, 2005. 9 NERO, Cyro del. Metamorfoses do Consumo. In: Cotidiano/Arte: O consumo. (Catálogo de exposição realizada entre 19 de novembro de 1999-06 de fevereiro de 2000) São Paulo: Itaú Cultural, 1999. s.p. 10 Idem. 11 Os vestidos expostos apresentavam marcas de dobras, alguns estavam com o zíper estourado, ou costuras desfazendo e algumas vitrines estavam com as luzes queimadas – o que dificultava a observação dos detalhes. em algumas peças. Observo também que não havia informação sobre a curadoria da exposição. 12 BERGER, John. Op. cit. P. 139. 13 Dados do IPEA (Instituto de Planejamento Econômico e Social) demonstram que tal estratégia provavelmente foi eficiente, pois a nova matéria-prima foi rapidamente aceita no mercado consumidor: em 1960 o consumo aparente de fibras sintéticas no Brasil era de 5.731 toneladas, cinco anos mais tarde, esse número quase triplica, somando 15.041 tls., e saltando para 56.640 tls. em 1970. Os números dizem respeito ao consumo aparente de nylon, nylon 6, nylon 6.6 e poliéster. Cf: RIBEIRO, A. C. M.; SILVA FILHO, A. P. Perspectivas da Indústria Petroquímica no Brasil. Brasília: IPEA, 1974. pp. 102-103. 14 Alceu Penna (1915-1980) ganhou destaque em razão da seção Garotas que entre 1938-1964 assinou na revista O Cruzeiro e pelas ilustrações de moda veiculadas no mesmo período nessa revista e também em A Cigarra (ambas publicadas pelos Diários Associados). Na Rhodia atuou como estilista e criou diversas coleções para a empresa entre 1960-1970. Licínio de Almeida era diretor artístico de publicidade da Rhodia. Ambos e também Cyro del Nero, chegaram a criar padronagens têxteis para as promoções da empresa. Até o momento foram computadas 18 estampas criadas por Alceu Penna (sendo uma em peça pertencente ao acervo 2

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do MASP); 1 estampa e 1 vestido-objeto criados por Cyro del Nero e 5 estampas criadas por Licínio de Almeida (sendo 3 em peças que pertencem ao acervo do MASP). 15 Após a apresentação na FENIT (Feira Nacional da Indústria Têxtil), toda a equipe da Rhodia viajava para realizar desfiles e editoriais de moda em países estrangeiros (que seriam divulgados em revistas nacionais). Sobre esse tópico ver: BONADIO, Maria Claudia. A revolução no vestuário: publicidade de moda, nacionalismo e crescimento industrial no Brasil dos anos 1960. MOSAICO - Revista do Mestrado em História, v. 2, p. 73-86, 2009. 16 GABRIELLI, Murilo Fernandes. A construção da identidade nacional na arte dos anos 1960 e 1970. In: MADEIRA, Angélica e VELOSO, Mariza. Descobertas do Brasil. Brasília: UNB, 2001 P. 297. 17 FABRIS, Annateresa. Do concretismo à arte-guerrilha: aspectos da arte brasileira nos anos 50 e 60. in: Arquivo em Imagens, número 5. São Paulo, Arquivo do Estado/Imprensa Oficial, 2001. P. 11 18 Como os vestidos-objetos em metal, criados por Domenico Calabrone, Cyro Del Nero, Tereza Nazar, Caciporé Torres, Luigi Zanotto, Dontato Ferrari e Samuel Szpiegel e Nicolas Vlavianos para a coleção Barbária e apresentada durante o show-desfile Momento 68. 19 Os números foram levantados a partir de pesquisa realizada nas fotografias (e suas respectivas legendas) veiculadas nos editoriais de moda que divulgavam as coleções da Rhodia Têxtil nas revistas O Cruzeiro e A Cigarra (Diários Associados), Manchete e Jóia (Bloch Editores), nos catálogo dos shows-desfiles apresentados na FENIT e no catálogo dos vestidos da Coleção que pertence ao MASP. É possível que novas peças estampas por artistas plásticos ainda sejam encontradas nas edições dos anos 1960-1961 das revistas O Cruzeiro e A Cigarra, essas foram pesquisadas majoritariamente na Biblioteca Municipal Mário de Andrade, entretanto os microfilmes desses anos estavam pouco legíveis, o que não permitiu a leitura de todas as legendas. Na próxima etapa da pesquisa esse levantamento deverá ser realizado no MASP (que possuí coleções completas das revistas). As revistas consultadas e os dados referentes aos catálogos constam na bibliografia. 20 Em levantamento realizado em 2006, foi possível contabilizar 78 vestidos doados pela Rhodia para o Museu, mas destes apenas 71 estavam tinham suas estampas criadas por artistas plásticos, sendo algum destes com classificação em aberto, como por exemplo, a ficha 44 C3 na qual o campo estampa traz apenas o nome Fernando e uma interrogação a lado, ou a ficha 49 C2, cujo campo estampa traz os nomes Carmélio Cruz e Hércules Barsotti seguido de uma interrogação, o que evidencia dúvida em relação à autoria. É possível que os outros 7 vestidos também tenham tido estampas elaboradas por artistas plásticos, mas para responder a essa pergunta seria necessário elaborar um banco de dados que cruzasse as informações do catálogo do Museu com as imagens levantadas em catálogos e revistas – trabalho que está em andamento. Observo ainda que em alguns casos a informação do catálogo do Museu não confere com aquela encontrada nas revistas e catálogo dos shows da Rhodia, nesses casos optei por considerar as informações encontradas nas primeiras, uma vez que a doação dos vestidos ao museu ocorreu em 1972, num período em que o idealizador das promoções Lívio Rangan, não estava mais na Rhodia, portanto é possível que tenha ocorrido alguma imprecisão na associação entre vestido e autoria na ocasião da doação. 21 Entrevista concedida à Maria Claudia Bonadio em 27 de novembro de 2002, na residência do entrevistado localizada na cidade de São Paulo. 22 Sabe-se que a coleção constitui a maior parte do acervo do Masp sobre indumentária, a qual segundo Júlio Neves contava até outubro de 2003 aproximadamente 100 peças. Cf: http://www.estadao.com.br/arquivo/arteelazer/2003/not20030109p608.htm, acesso em: 03 de outubro de 2003. Segundo informações do site do museu Em 1972, ”cerca de 140 modelos foram incorporados ao acervo do museu e desde então nunca mais expostos ao público no MASP.”cf: www.masp.br (acessado em 03/05/2004) 23 Entrevista concedida à Maria Claudia Bonadio em 27 de novembro de 2001, na residência do entrevistado localizada na cidade de São Paulo. 24 Não-cor cor. Hércules Barsotti. São Paulo: 24 de setembro a 24 de outubro de 2004. 25 BOURDIEU, Pierre. Alta Costura e Alta Cultura. in: Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983. p. 160. 26 A exposição passou pelos seguintes museus: Museum of Contemporary Art (Chicago, 22 de Outubro de 2005 - 08 de Janeiro de 2006), Barbican Art Gallery (Londres, 15 de fevereiro – 21 de maio de 2006), Das Haus der Kulturen der Welt (Berlim, 10 de junho – 09 de julho de 2006) e Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (07 de Agosto – 30 de setembro de 2007).

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Como por exemplo os vestidos apresentados na página 186 (da esquerda para a direita) 4º. vestido, estampa de Moacyr Rocha; 5º. vestido, estampa de Fernando Martins; 6º. Vestido, estampa de Frederika Geelmuyden, e o 8º. vestido, estampa de Glauco Rodrigues. 28 Termo usado por Flora Sussekind para definir “as formas de criação, de convergência e de intensa contaminação mútua no âmbito da produção cultural brasileira de fins dos anos 60 e início da década de 70.” Para a autora o termo se adéqua melhor a situação do Tropicalismo, uma vez que a palavra “movimento” pressupões uma organização pragmática de idéias que não se aplicar ao diversos (artes, cinema e música) grupos que compõem o que hoje se costuma chamar de Tropicalismo. SUSSEKIND, Flora. Coro, contrários, massa: a experiência Tropicalista e o Brasil de fins dos anos 1960. in: BASUALDO, Carlos. Tropicália: uma revolução na cultura brasileira (1967-1972). São Paulo: Cosac & Naif, 2007, p. 31. 29 Disponível em: acesso em 13/09/2009 30 Disponível em: acessado em 13/09/2009 31 A partir de 1968, diversos artistas ligados ao Tropicalismo participam das promoções da Rhodia, a saber: Gilberto Gil (editorial de moda Yes, nós temos bananas e show Momento 68: A Tropicália, FENIT 1968), Caetano Veloso (show Momento 68), Os Mutantes (show Moda Mutante, X Feira Nacional de Eletrodomésticos), Rita Lee (show Nhô Look, XI Feira Nacional de Eletrodomésticos e Gal Costa (show Stravaganza, FENIT, 1969). 32 Texto publicado em 5 de fevereiro de 1968 no jornal Última Hora. Segundo seu autor, o “manifesto” não passava de um “bestialógico, absolutamente caótico que misturava passadismo e cafonice para gozar os nacionalistas, os tradicionalistas e ironizava o mau-gosto nacional e o bom gosto intelectual (hoje o texto integra coletâneas e site da tropicália). O texto imaginava uma festança para celebrar o Cinema Novo, o Teatro Oficina, os discos de Gil e Caetano, “o movimento artístico que não tinha sido articulado nem tinha nome, mas estava em pleno andamento, com tantas novidades e tanta potência” e descrevia com bom-humor e minúcias o cardápio, a música, a decoração e o figurino da festa. A festa nunca aconteceu. Mas a “Cruzada” teve grande repercussão entre a imprensa (merecendo réplica e tréplica) o que tornou o manifesto bastante popular. MOTTA, Nelson. Noites Tropicais. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000. Pp.169-170. 33 VELOSO, Caetano. Verdade Tropical. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 204. 34 FAVARETTO, Celso. Tropicália: Alegria, alegoria. 35 MENEZES, Ulpiano T. Bezerra de. Memória e cultura material: documentos pessoais no espaço público. Memória e cultura material: documentos pessoais no espaço público. In: Revista de Estudos Históricos. nº 21, 1998/1. Disponível em: , acesso em: 17/09/2009. 36 SANTOS, Myrian Sepúlveda. Políticas da Memória na Criação dos Museus Brasileiros. in: CHAGAS, Mário de Souza e SANTOS, Myrian de Souza. Cadernos de Sociomuseologia, no. 19, 2002. Pp.99-120. disponível em: , acesso em: 17/09/2009.

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