Victor Hugo Oliveira Marques - O problema da singularidade do tempo em Heidegger

June 13, 2017 | Autor: Revista Inquietude | Categoria: Martin Heidegger, Temporalität, Singularidade do tempo
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problema da singularidade do tempo em Heidegger

Victor Hugo Oliveira Marques1 Resumo: Um estudo filosófico do tempo é possível a partir da pergunta pela singularidade do tempo. Nesse sentido, John Sallis, em seu artigo “Another time”, apresenta Heidegger como aquele que forçou a pergunta pelo tempo em termos de uma possível singularidade. Heidegger, em sua obra O conceito de tempo, aludindo a Agostinho recoloca a questão do tempo a partir do Dasein, identificando-os. Contudo, é na ntenção primeira de Ser e tempo, isto é, intentando-se uma compreensão para Temporalität, o sentido do ser, conceito este não concretizado neste tratado, é que se torna possível problematizar a singularidade do tempo. Para tanto, apresentase uma compreensão de Sallis da Temporalität como outro tempo. Em contraposição, pode-se pensá-la de modo imanente à temporalidade do Dasein na sua ocorrência do tempo da ocupação, isto é, do tempo presente ontologicamente compreendido. O tempo de ocupação é pensado por Heidegger como abertura ao mundo que tem seu sentido na autocompreensão enquanto cura. É na compreensão do modo do abrir-se da abertura ontológica que se pensa um tempo enquanto tal. Palavras-chave: Heidegger; Temporalität; singularidade do tempo.

Graduado em Filosofia pela Universidade Católica Dom Bosco (2006). Especialista em Filosofia e Existência pela Universidade Católica de Brasília (2010). Atualmente é pesquisador do Grupo de Estudos em Filosofia (GEFIL) na área de Cristianismo, Filosofia e Sociedade pela da Universidade Católica Dom Bosco e mestrando em Filosofia pela Universidade Federal de Goiás. Bolsista Capes.

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Quando se trata do tempo enquanto problema filosófico, algumas considerações são importantes como condutoras para sua elucidação. A pergunta pelo conceito de tempo é, sem dúvida, tão fundamental quanto antiga. Juntamente com todos os desdobramentos que lhe são próprios, já consolidados pela tradição filosófica, está inclusa ainda a possibilidade de se pensar certa noção de singularidade. Essa possibilidade, no entanto, é questionada por John Sallis. Ele acredita que a partir de Martin Heidegger é possível pensar outro tempo fora de uma singularidade. Outro tempo, um tempo antes do tempo, refere-se, como diz Sallis, a um tempo que não está fundamentado na temporalidade do Dasein (Zeitlichkeit), que funcionaria, em certa medida, como temporariedade do ser (Temporalität)2. O presente artigo segue a discussão com Sallis. Ao invés de tentar identificar algum modo do tempo que não seja efetivamente fundado na temporalidade do Dasein, constituindo, desse modo, outro tempo, fazer uma leitura da relação que há entre a temporalidade do Dasein com a abertura ao ser (denominado por Heidegger de-cisão antecipadora) como modo de compreender o tempo do ser em geral (Temporalität), constituindo, assim, a originariedade do tempo. Em seu artigo “Another time”, John Sallis (2000) questiona a posição filosófica sobre o tempo de que este possa ser compreendido a partir de certa noção de singularidade. A possibilidade da questão da singularidade do tempo está vinculada àquilo que ele denomina por o tempo como tal, isto é, considerando que haja uma multiplicidade de tempos (tempo cíclico, tempo linear, tempo dos calendários e relógios, tempos religiosos, tempo passado, tempo presente, tempo futuro, etc.), se estes podem ou não ser recolhidos em uma unicidade que os abranja enquanto singular. A singularidade, portanto, é aquilo que determina o tempo enquanto tempo, assim como fez Agostinho, colocando a alma como instância protetora do tempo do não ser. É, portanto, compreender o fundamento do tempo. Contudo, a validade de tal singularidade do tempo deve ser Os conceitos de Ser e Tempo utilizados neste artigo correspondem à tradução feita pela Márcia Cavalcante editada pela Vozes..

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questionada: Pode-se ter certeza de que o tempo de um sonho, o tempo da imaginação, e o tempo da loucura podem ser todos recuperados e reintegrados num único abrangente e regente tempo? Pode-se ter certeza, ainda, que o tempo da natureza elementar é recolhido e integrado neste único tempo? Podese ter certeza que o tempo do dia e o tempo do ano, i. é, o tempo marcado pelo mais natural dos relógios, o sol, pode ser posto para coincidir, sem ressalvas, com o tempo da alma e da história? Ou poderia talvez, estar fora de qualquer tempo singular como tal, fora de qualquer tempo, considerado como constituindo tempo como tal, um traço irrepreensível de outro tempo (SALLIS, 2000, p. 174) ?

Além do mais, a questão da singularidade do tempo, enquanto instância capaz de determinar o tempo como tal, remete imediatamente à questão: “que é tempo?”. Essa pergunta mostra que a singularidade do tempo não é algo tão evidente, pois a abertura da pergunta “que é tempo?” implica o modo como este é abordado, o que, na visão de Sallis, não representa uma postura única. Com efeito, é Heidegger quem mais forçou ao limite a singularidade e a identidade do tempo, afirma Sallis, uma vez que é a partir da existência do Dasein que se compreende todo e qualquer modo temporal, isto é, a partir da temporalidade. Porém, antes de apresentar os argumentos de Sallis, é necessário expor, de modo breve, a gênese do problema do tempo em Heidegger. Heidegger problematiza tanto a singularidade quanto a identidade do tempo a partir de sua preleção O conceito de tempo, de 1924. Partindo das Confissões, retoma a pergunta agostiniana3 para recolocá-la em termos “No livro XI das suas Confissões, Agostinho levou o problema até o ponto de perguntarse se a alma mesma seria o tempo. E neste ponto ficou a pergunta In te, anime meus, tempora metior; noli mihi obstrepere: quod est; noli tibi obstrepere turbis affectionum tuarum. In te, inquam, tempora metior; affectionem quam res praetereuntes in te faciunt, et cum illae praeterierint manet, ipsam metior praesentem, non eas quae praeterierunt ut fieret: ipsam metior, cum tempora metior (Confissões XI, 27). Parafraseando Agostinho: “em ti, alma minha, meço o tempo; quando te meço, meço o tempo. Não me perturbe com a questão: porque não? Não me dissuada, com uma falsa pergunta, ao olhar para ti. Não obstaculize a ti mesmo com a confusão disto de que possa ser sensação. Em ti, torno a dizer, meço o tempo; as coisas transitórias trazemte em um sentir-te (Befindlichkeit) que permanece, enquanto eles desaparecem. Eu meço o

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originários. Assim como Agostinho compreendeu que o tempo é uma “distensão” da própria alma4 – o que lhe permite possuir uma existência – e o que se mede não é uma substância temporal, mas a impressão gravada na alma dos fatos, no seu transcorrer5, Heidegger compreende o conceito de alma enquanto aquilo que se pode dizer “eu sou”6. Nesse sentido, para sua ontologia fundamental, a alma agostiniana originariamente corresponde ao Dasein: A pergunta que põe em questão o tempo é reenviada à nossa consideração do Dasein, se com ‘Dasein’ se entende o ente que nós conhecemos como vida humana, em seu ser; [...] o ente que cada um de nós é, que cada um de nós compreende na assertiva fundamental: eu sou (HEIDEGGER, 1998, p. 30).

A leitura agostiniana permite que Heidegger compreenda o Dasein como a condição de possibilidade para a própria pergunta pelo tempo, ou seja, partindo da pergunta agostiniana “que é tempo?”, segue a questão “é alguém o tempo?”, e, por fim, “sou eu o tempo?” (HEIDEGGER, 1998, p. 50). O tempo, então, é tido como o próprio Dasein, e este, por sua vez, o é enquanto temporalidade, a saber, o Dasein tem em sua constituição ontológica um ser temporal. Ora, de que modo Dasein é tempo? Heidegger explica que em si mesmo o Dasein se constitui como um sendo, isto é, um pré-cursar, um cursar a priori, enfim, uma possibilidade: “o Dasein enquanto vida humana é primariamente um ser possível, é o ser da possibilidade do não mais, certo e também indeterminado” (HEIDEGGER, 1998, p. 37). “sentir-me” na existência presente, não a coisa que passa afim de que ela surja. É o meu “sentir-me” que meço, repito, quando meço o tempo” (HEIDEGGER, 1998, p. 29-30).. 4 “Pelo que, pareceu-me que o tempo não é outra coisa senão distensão; mas de que coisa o seja, ignoro-o. Seria para admirar que não fosse a da própria alma” (AGOSTINHO, 1980, XI, 26). 5 “Meço a impressão que as coisas gravam em ti à sua passagem, impressão que permanece, ainda depois de elas terem passado” (AGOSTINHO, 1980, XI, 27). 6 “Ademais, por meio da alma ou da forma há uma unidade verdadeira que corresponde ao que em nós se denomina ‘EU’ [...] Dito metafisicamente: constitui justamente essência o fato de não podermos ser aquilo que somos sem a idéia o ser. A compreensão é constitutiva para o ser-aí” (HEIDEGGER, 1979, p. 221; 223).

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Ora, se a modalidade ontológica mais própria do Dasein é este transcurso, isto é, este movimento indicativo de ser sua própria possibilidade, logo, o ser que o constitui é um ser temporal ou a própria capacidade temporal de ser. Isso significa que o Dasein põe o tempo, pois ele mesmo é constituído como tempo. Em Ser e Tempo, Heidegger (1988, p. 45) chama para o tempo toda a centralidade de sua discussão ontológica: “o tempo é o ponto de partida do qual o Dasein sempre compreende e interpreta implicitamente o ser”, ou seja, tanto sua estrutura existencial como sua abertura ao mundo tem por fundamento ontológico a temporalidade (Zeitlichkeit), o sentido do ser do Dasein7. Além disso, é necessário também explicar a originariedade8 do tempo enquanto horizonte de compreensão do ser, ou seja, a temporariedade (Temporalität). Não obstante, de que modo ser e tempo se relacionam? Segundo Heidegger (1988, p. 45-46), de Aristóteles até Bérgson existe, na tradição filosófica, um conceito de tempo – heideggerianamente considerado “conceito vulgar de tempo” – que funciona como critério ôntico para as diversas regiões dos entes: Assim, distingue-se um ente ‘temporal’(os processos naturais e os acontecimentos da história) de um ente ‘não temporal’ (as relações numéricas e espaciais). Costuma-se opor o sentido ‘atemporal’ das sentenças ao curso ‘temporal’ de sua articulação e expressão. Em seguida, descobre-se um ‘abismo’ entre o ente ‘temporal’ e o eterno ‘supratemporal’ e se busca, sempre de novo, estender uma ponte entre ambos. ‘Temporal’ diz aqui sendo e estando a cada vez ‘no tempo’, determinação esta que, sem dúvida, é ainda bastante obscura.

Efetivamente, na acepção de ser e estar no tempo, o tempo serve de critério para distinguir as regiões e os modos de ser. Embora, explica Heidegger, até então ninguém tenha questionado como o tempo chegou a desempenhar essa função ontológica, ou seja, de que modo ele passou a No que toca à expressão “o sentido do ser do Dasein”: Cf. Heidegger (1988, §5). Já no que tange à compreensão de “sentido” pode-se dizer: “O sentido de um ente é a compreensão de seu ser” (DUBOIS, 2004, p. 58). 8 A originariedade em linguagem fenomenológica se refere “às coisas mesmas”. N. do A.. 7

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funcionar como um critério ontológico de distinção dos entes, e, a nosso ver, nem muito menos Heidegger. A compreensão ontológica heideggeriana relacionada com o tempo é elucidada brevemente, a título de compreensão, em uma obra posterior a Ser e Tempo intitulada Os fundamentos metafísicos da lógica, de 1928. Nessa preleção proferida em Marburgo, Heidegger analisa a relação do ser com o tempo de dois modos: pela implicação lógica e pela implicação ontológica. Do ponto de vista lógico ou, como ele mesmo diz, “uma indicação mais externa”, pode-se dizer que todo ente se dá ou no tempo, ou fora do tempo ou mesmo além do tempo. Ora, dizer que existem entes fora do tempo ou mesmo além do tempo é dizer que não há uma relação intrínseca entre ser e tempo. Porém, tal objeção não se sustenta, pois o que está em jogo não é o fato do ente estar ou não no tempo, pelo contrário, se o ser do ente é ou não compreendido em referência ao tempo. A qualidade não temporal do ente só a é na medida em que se refere a um modo definido de tempo. Logo, para dizer fora do tempo e além do tempo é preciso pressupor uma relação com o tempo (HEIDEGGER, 1992, p. 144). Fundamentalmente, uma relação lógica ou externa não é suficiente, mas é necessária uma demonstração que “ponha no centro a questão”, a saber, uma demonstração ontológica. Por um lado, para compreender o ser dos entes, Heidegger toma o vocábulo grego οὐσία, o ente enquanto ente. Οὐσία, na leitura heideggeriana dos gregos, pode ser determinado de dois modos: modus existendi e modus essendi. Estes são compreendidos a partir de uma relação temporal. A existência se refere ao que realmente existe, aquilo que sempre é presente (ἀεί ὄν). Já por essência se compreende aquilo que determina o ser antecipadamente como tal, o que não deixa de ser um sempre presente (ἀεί ὄν). A relação temporal aparece nessa duração contínua do ser como sempre (ἀεί), mas não só. O termo οὐσία, há pouco determinado na sua relação como sempre (ἀεί), é ainda insuficiente, não atingindo uma compreensão ontológica. Sendo assim, Οὐσία é ainda um presente não somente no sentido do sempre como um cotidiano humano, mas é um sempre como Inquietude, Goiânia, vol. 1, n° 2, ago/dez - 2010.

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presente em cada agora realmente dado, isto é, “um aspecto temporal em sentido de presentidade” (HEIDEGGER, 1992, p. 145). Desse modo, tanto a duração cotidiana como a presentidade do ser permitem falar de traços temporais do mesmo. Por outro lado, há ainda outro modo de averiguar ontologicamente o caráter temporal do ser. Segundo Heidegger, Aristóteles considera o ser como um “anterior” (πρότερον) aos conhecimentos e aos entes. Essa anterioridade atribuída ao ser é de caráter essencial e não lógico, o que permite dizer, de algum modo, em termo ontológico moderno: a priori. Dizer a priori implica dizer também a posteriori, ou seja, atribuir aprioricidade ao ser é compreendê-lo intrinsecamente dependente do tempo, e isso apenas em sentido ontológico, e não cronológico. Essa compreensão denota que o conceito de tempo aqui explicitado por Heidegger não corresponde à definição comum de tempo no sentido de cronologia, ou mesmo datação das mudanças observáveis. Ao contrário, o tempo identificado como a priori tem o sentido ontológico que lhe confere o estatuto de condição de possibilidade para a compreensão do ser, como se nota em Ser e Tempo. O sumário apresentado no §8 de Ser e Tempo não tinha, como meta final, apenas a analítica existencial da temporalidade do Dasein; pelo contrário, pressupunha um movimento originário: partindo da temporalidade, enquanto sentido do ser do Dasein, para a própria constituição ontológica do tempo, enquanto horizonte de toda e qualquer compreensão do ser, a temporariedade. Para compreensão melhor o quem vem a ser estas duas estruturas, é necessário distingui-las fenomenologicamente. De acordo com Heidegger, em Ser e Tempo, a questão do ser, muito mais que uma pergunta quiditativa, é uma questão que se interessa pelo sentido do ser. O sentido é “o contexto no qual se mantém a possibilidade de compreensão de alguma coisa, sem que ele seja explicitado ou tematizado, visualizado” (HEIDEGGER, 2000, p. 117). O mais importante de se trazer à luz a questão do ser é determinar em que perspectiva se deve repousá-la para que o ser se mostre em si mesmo, já que dizer que algo tem sentido é tornar acessível em seu ser (HEIDEGGER, 2000, p. 118). Isso, de fato, www.inquietude.org

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caracteriza a perspectiva fenomenológica de sua ontologia. Considerado isso, Heidegger enfatiza que o sentido do ser tem por horizonte de compreensão e interpretação o fenômeno da temporariedade, e, para que esse fenômeno se desentranhe, deve se partir da analítica existencial do Dasein, de modo que se determine por primeiro sua temporalidade. A temporalidade é o que determina ontologicamente o Dasein na sua constituição de cura (Sorgen). Esta, por sua vez, diz respeito ao si-mesmo do Dasein, pois, além desta se constituir na “totalidade existencial de toda estrutura ontológica do Dasein” (HEIDEGGER, 1988, p. 257), é, ainda, “a constituição ontológica da autoconsciênia do Dasein” (HEIDEGGER, 2000, p. 117). Destarte, como compreender a temporalidade enquanto sentido do ser do Dasein de modo que, a partir dela, se compreenda o caráter temporal do ser? O Dasein determinado enquanto cura é um ente que se caracteriza em seu poder-ser, ou seja, é um ente que ontologicamente se constitui como possibilidade. Para Heidegger, o poder-ser ou sua possibilidade não alude à compreensão metafísica do não-ser ou do vir-a-ser; senão, implica em dizer que o Dasein escolhe ser próprio (se mover na e pela abertura ao ser) ou ser impróprio. Propriamente, a escolha do Dasein se lhe abre em três modos: na compreensão (Verstehen), na disposição (Befindlichkeit) e no discurso (Rede). Uma compreensão em sentido próprio – enquanto abertura ao ser – é caracterizada pelo movimento ôntico do querer-terconsciência (Gewissen-haben-wollen), isto é, o ente do qual está constituído o Dasein tem a faculdade de “ouvir o clamor” de sua consciência do ponto de vista ôntico. Esse ato ôntico estabelece a diferença ontológica9, no sentido de que projeta o ente Dasein a si-mesmo na abertura de seu ser (HEIDEGGER, 2000, p. 85). Este querer-ter-consciência se perfaz em uma disposição caracterizada como angústia (Angst). Esta, em sentido próprio, é assim O conceito de “diferença ontológica”, a saber, a diferença entre Ser e Ente, cunhado por Heidegger em sua obra posterior A essência do fundamento (1929), já havia sido pressuposta em Ser e Tempo.

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interpretada: “A angústia, porém, é que permite que se mantenha aberta a ameaça absoluta e contínua de si mesmo, que emerge do ser mais próprio e singular do Dasein” (HEIDEGGER, 2000, p. 50). É a partir da angústia que o Dasein se dispõe frente ao nada da existência (impossibilidade da possibilidade) se lhe abrindo ao ser mais próprio, o ser-para-morte. Por fim, o Dasein se abre em um discurso silencioso (Verschwiegenheit). O Dasein, diante do clamor da consciência e da impossibilidade imputada pela angústia, exprime um discurso silencioso, sinal de sua estranheza no cotidiano do mundo. É no não-falar, no discurso silencioso, que o Dasein se abre a um discurso que lhe possibilita o acesso ao ser. Assim, tanto a compreensão do querer-ter-consciência, a disposição da angústia, quanto o discurso silencioso são modos de ser do Dasein que lhe conferem a possibilidade de se abrir ao ser. Essa abertura (Erschlossenheit), assim determinada, é denominada de-cisão (Entschlossenheit): “Chamamos de decisão essa abertura privilegiada e própria, testemunhada pela consciência no próprio Dasein, ou seja, o projetar-se silencioso e prestes a angustiar-se para o ser e estar em débito mais próprio” (HEIDEGGER, 2000, p. 86). A de-cisão, enquanto abertura mais própria, está diretamente ligada à possibilidade mais própria do ser do Dasein, isto é, na estrutura existencial do Dasein enquanto de-cisão se tem a condição de possibilidade ao acesso de seu ser mais próprio. Essa possibilidade, em seu sentido mais próprio, é caracterizada em seu modo de ser-para-morte: “o ser originário do Dasein para o seu poder ser desentranhou-se como ser-para-morte, ou seja, para a possibilidade característica e privilegiada do Dasein” (HEIDEGGER, 2000, p. 98). O Dasein é, em alguma medida, ser-para-morte. O ser-para-morte, na medida em que se constitui esta possibilidade em sentido próprio, vem ao encontro do Dasein na abertura modalmente determinada como antecipação (Vorlaufen): “a possibilidade da impossibilidade sem medida da existência” (HEIDEGGER, 2000, p. 45). Originariamente, tem-se o modo como o fenômeno da temporalidade do Dasein se desvela. Diz Heidegger (2000, p. 95): “a temporalidade é experimentada de modo originário no ser-todo em sentido próprio do www.inquietude.org

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Dasein, no fenômeno da de-cisão antecipadora”. Isso significa que é o modo de compreensão do ser, cujo Dasein é aberto, que possui uma perspectiva temporal, haja vista que o ser do Dasein – o ser-para-morte – implica em dizer que o Dasein é ser-para-o-fim. Dizer do fim é expor o movimento ontológico do Dasein em sua abertura para poder-ser-todo, poder-ser-para-morte. Esse movimento, ontologicamente compreendido, da abertura do Dasein ao seu ser é o que se expressa por temporalidade. A temporalidade do Dasein é, portanto, o modo de se compreender as relações efetivadas na abertura entre o Dasein e o seu ser. Mas isso ainda não responde à pergunta pela originariedade do tempo. A última frase de Ser e Tempo lê-se assim: “Será que o próprio tempo se revela como horizonte do ser?” (HEIDEGGER, 2000, p. 252). Essa consideração pressupõe que Heidegger apontaria um movimento da temporalidade do Dasein para aquilo que ele anunciou no §5 enquanto tarefa ontológica fundamental, ou seja, determinar de modo originário o sentido do ser e de seus modos e caracteres a partir do tempo – a temporariedade do ser. Haveria, portanto, uma distinção originária entre o modo de se dar o sentido do ser do Dasein (temporalidade) e o modo do sentido do ser em geral se constituir (temporariedade). Como isso não se sucedeu, nem muito menos foi indicado em Ser e Tempo, a compreensão do ser mediante a temporariedade é retomada por Heidegger em outras obras como Registros sobre temporariedade (1925-1927)10, Os problemas fundamentais da fenomenologia (1927), e, por fim, na conferência bem posterior, intitulada de Tempo e Ser (1962). Apesar de possuir o mesmo título da terceira seção da primeira parte de Ser e Tempo, seção esta não realizada, a conferência de 1962 já não mais possui ligação com o tratado de 1927. A despeito das tentativas posteriores de Heidegger de se compreender o ser a partir da temporariedade, esta compreensão permaneceu obscura. Não obstante, este modo de tematizar o tempo pretendido em Ser e Tempo e não concretizado por Heidegger tem sua relevância na medida em que HEIDEGGER, M. Aufzeichnungen zur Temporalität. In: PARVIS, E., HERRMANN, F-W., MALY, K. FIÉDER, F. Heidegger Studies. Politics, Violence, Reticence and the Hint of Be-ing. Berlin, v.14, 1998. 10

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determinaria o tempo em sua forma mais originária. É a partir da intuição heideggeriana da temporariedade (Temporalität) que Sallis questiona a possível singularidade do tempo que em Ser e Tempo se dá como a temporalidade do Dasein. Para Sallis, o fenômeno da temporariedade pode ser interpretado como outro tempo, que necessariamente não está fundamentado na temporalidade do Dasein. Ainda que este projeto – da temporariedade do ser – não tenha sido efetuado por Heidegger, em sua distinção com a temporalidade do Dasein, prossegue Sallis, é possível encontrar uma compreensão originária do tempo a partir dos próprios textos de Heidegger. Consoante este comentador, a temporalidade do Dasein no pensamento de Heidegger de Ser e Tempo é compreendido na ordem do fundamento. Ela é condição de possibilidade não somente da compreensão do ser do Dasein, mas da própria ocorrência (Geschehen) do Dasein11. Por isso, é tida por fundamento da própria história: Em um sentido, temporalidade do Dasein é pré-histórico, é anterior à história. Nisto, anterioridade refere à ordem do fundamento: temporalidade é o que torna possível a ocorrência (Geschehen) do Dasein, e por fim, é o que funda a história em todos os vários sentidos. Porém, precisamente por estar neste sentido pré-histórico, a temporalidade como tal é completamente histórica. O tempo do Dasein é tempo histórico (SALLIS, 2000, p. 182-183).

Sallis percebe a relação entre temporalidade e historicidade do Dasein efetivado por Heidegger na perspectiva da singularidade do tempo, ou seja, a historicidade do Dasein é recolhida e fundamentada pela temporalidade do mesmo. Todavia se, por um lado, diz Sallis (2000, p. 184), a temporalidade do Dasein é anterior à história, pois se constitui um fundamento para esta, por outro a historicidade não está fora da temporalidade: A ocorrência do Dasein é a movimentação específica deste ente em sua ex-tensão temporal, ou seja, entre o seu nascimento e morte (HEIDEGGER, 2000, p. 179). O que funda a ocorrência é o que se compreende por historicidade do Dasein. N. do A.

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[...] enquanto temporalidade é condição de possibilidade da historicidade (e, por isso, da história) nada é outro senão historicidade, nada se situa a parte e neste sentido, anterior à historicidade. O tempo do Dasein é, como tal, tempo histórico. E, desde o tempo do Dasein, é tempo originário, isto poderia ser, em análise final, não tempo pré-histórico.

Temporalidade é a própria historicidade do Dasein12. Na verdade, o que Sallis mostra é que em Heidegger a historicidade do Dasein que o abrange em seu contexto histórico ontologicamente compreendido, ao invés de se constituir um tempo independente do Dasein, em si mesmo outro tempo (interpretação da história feita pelos historicistas), é, na verdade, a própria temporalidade do Dasein. Outro modo de compreender o tempo na ontologia de Heidegger, analisado por Sallis em sua relação com a temporalidade, é a intratemporalidade (Innerzeitigkeit). Esta é, segundo a leitura desse comentador, um fenômeno temporal que permitiria limitar a coincidência entre temporalidade e historicidade do Dasein. A intratemporalidade diz respeito ao tempo das coisas, pois tanto a natureza viva como a morta só é no tempo. Este tempo, cujas coisas naturais ocorrem, é distinto da história. Mesmo diferente da historicidade do Dasein, a intratemporalidade, como explica Sallis, não escapa de ter como fundamento a temporalidade do Dasein, pois a natureza possui seu sentido ontológico na estrutura existencial do Dasein enquanto ser-nomundo. Por isso, afirma Sallis que historicidade e intratemporalidade são equivalentemente originárias, ou seja, reforça a tese da singularidade do tempo em Heidegger. Há ainda, consoante Sallis, outra distinção sutil entre temporalidade e historicidade: o tempo de ocupação (die besorgte Zeit). Este, por pertencer ao modo de ser do Dasein, também é fundamentado na temporalidade. Para Sallis, a ocupação do Dasein junto ao mundo é heideggerianamente compreendida como abertura a este mundo e aos entes que lhes vem ao seu encontro. Estes são, para o Dasein, não objetos de conhecimento, mas “Para se comprovar que e como a temporalidade constitui o ser do Dasein, mostrou-se o seguinte: enquanto constituição ontológica da existência a historicidade é, ‘no fundo’, temporalidade” (HEIDEGGER, 2000, p. 213).

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manuais que são compreendidos, interpretados e linguistificados no Dasein, em seu modo de ser aberto ao mundo. A compreensão do sentido dos entes é, para o Dasein, o projetar-se de si mesmo no próprio horizonte do mundo, que lhe constitui como modo de ser. Em toda compreensão de sentido, o Dasein se autocompreende. O tempo de ocupação do Dasein é, portanto, em alguma medida, um tempo de autocompreensão: O tempo da ocupação é, precisamente, a forma, pela qual, a temporalidade é antes definida em si, através da autointerpretação e da autoexpressão, que ocorre na ocupação da circunvisão. O tempo da ocupação é a forma que autointerpretada a temporalidade, a presume na esfera da ocupação da circunvisão (SALLIS, 2000, p. 186).

Assim, no tempo da ocupação, enquanto abertura ao mundo, o Dasein é doador de tempo duplamente: a si mesmo, enquanto ele é constituído de temporalidade e em seu ser-para com os manuais. O tempo de ocupação não revela também outro tempo, haja vista que é fundamentado na temporalidade do Dasein. Haveria, então, um tempo que não se submete a essa temporalidade do Dasein se constituindo outro tempo? Para Sallis há. É a partir da própria percepção de Heidegger (2000, p. 214) de uma incompletude do fenômeno da temporalidade do Dasein – em não se ater ao fenômeno do tempo do mundo em sentido ontológico – que Sallis infere a possibilidade de outro tempo, que funcionaria como a temporalidade do ser. Na afirmação de Heidegger (2000, p. 231), “De início, o tempo se mostra no céu, ou seja, lá onde impessoalmente se encontra quando se é orientado por ele de forma natural, a ponto de o tempo se identificar com o céu”. Sallis (2000, p. 188) entende que este tempo dado no céu ou mesmo sendo identificado nele não é recolhido pela temporalidade do Dasein, ou seja, é anterior a ele: “mostrando a si no céu, tempo – este outro tempo, este uranic time – é anterior ao tempo que o Dasein dá si na ocupação circunspectiva, anterior para tal um grau que é do céu que o tempo é primeiro dado a esta específica esfera”. Nessa perspectiva, tal comentador vê, mediante este tempo do céu, uma possibilidade de se refutar a tese de que o tempo deve ser problematizado www.inquietude.org

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em termos de singularidade, ou seja, ser posto em uma instância que lhe sustente enquanto tal. No caso de Heidegger, a singularidade se daria na ordem do fundamento da temporalidade do Dasein. Entretanto, o tempo do céu abre questões como se este pode ser ou não fundamentado pelo Dasein. O não esclarecimento de Heidegger dessa questão leva Sallis a se posicionar frente a uma leitura que considera o tempo do céu como outro tempo anterior à temporalidade do Dasein, funcionando como uma temporariedade do ser. O que discutiu até agora com a leitura de Sallis é a possibilidade de se pensar a temporariedade do ser enquanto outro tempo, um tempo que é anterior à temporalidade do Dasein. A pergunta que fica é: se a tentativa de Heidegger é tematizar o tempo sob a perspectiva ontológica sem cair na tentação de levá-lo para uma metafísica teológica13, mas tentar percebêlo a partir de certa imanência ontológica, até que ponto teria Sallis razão em postular a temporariedade do ser identificando-a como outro tempo, sem ferir o projeto heideggeriano? Sallis não explicita propriamente no que consiste esse outro tempo, apenas que este não está fundado na temporalidade do Dasein. Portanto, problematizar a temporariedade como outro tempo poderia ser objetado por se considerar uma interpretação dualista, postura esta negada por Heidegger. Sendo assim, é possível, ainda, pensar a temporariedade? Propõe-se como contraponto a Sallis uma discussão da “Se o tempo encontra seu significado na eternidade, então, ele deve ser compreendido a partir desta. Com isto, são prefigurados o ponto de partida e o caminho a se seguir: da eternidade ao tempo. Pôr o problema neste modo é bom, desde que, nos dispomos do ponto de partida indicado, i. é, que conheçamos e compreendamos com suficiência a eternidade. Se a eternidade tivesse que ser qualquer coisa diversa do perpétuo vazio, “do sempre” [ἀεί], e se Deus tivesse que ser a eternidade, então, o modo sugerido de considerar o tempo poderia permanecer nesta aporia até quando não se soubesse de Deus, até quando não se soubesse perguntar por ele. Se o acesso a Deus é a fé, e se aceitar a eternidade, não é outra coisa que fé, então, a filosofia não mais poderá ter a eternidade nem fazer um uso metodológico possível para discutir a perspectiva do tempo. A filosofia não poderá mais eliminar aquela aporia. É o teólogo, de fato, o conhecedor adequado e competente do tempo; e se a memória não me engana, a teologia tem a ver com o tempo em muitos aspectos” (HEIDEGGER, 1998, p. 23). 13

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temporariedade do ser, não refutando a singularidade do tempo em Heidegger; pelo contrário, é justamente nesta que é possível pensar um modo de compreender a temporariedade. Para tanto, é importante retomar um conceito heideggeriano denominado de-cisão antecipadora. Conforme Heidegger (2000, p. 86), a de-cisão é “essa abertura privilegiada e própria, testemunhada pela consciência no próprio Dasein, ou seja, o projetar-se silencioso e prestes a angustiar-se para o ser e estar em débito mais próprio”. A de-cisão, portanto, é um modo privilegiado de abertura, é como um in-stante ontológico, (HEIDEGGER, 2000, p. 221). Nesse modo de ser o próprio Dasein é que se projeta, como um mergulhar em seu ser que lhe abre em sua temporalidade. Por sua vez, o conceito abertura pode ser assim definido: Abertura em geral pertence essencialmente à constituição ontológica do Dasein. Abrange a totalidade da estrutura ontológica que explicitou no fenômeno da cura [Sorgen]. À cura pertence não apenas o ser-no-mundo, mas também o ser e estar junto aos entes intramundanos. Juntamente com o ser do Dasein e a sua abertura se dá, de maneira originária, a descoberta dos entes intramundanos (HEIDEGGER, 1988, p. 289).

Dito isso, a de-cisão é uma estrutura existencial do Dasein, enquanto abertura, que, de modo próprio, se comporta como a totalidade ontológica do mesmo, o que corresponde ao conceito heideggeriano de cura, o si-mesmo. Ademais, antecipação (Vorlaufen in), para Heidegger (2000) é outra estrutura, relativa ao ser-para-morte do Dasein. É o modo de ser do Dasein que o suporta em sua própria condição de possibilidade: “Ao desentranhar numa antecipação esse poder-ser, o Dasein se abre para si mesma, no tocante à sua extrema possibilidade” (HEIDEGGER, 2000, p. 46). Ambas as estruturas existenciais de-cisão como a antecipação são compreendidas como aberturas do Dasein que o remetem ao seu simesmo. Este si-mesmo só é possível ser desentranhado em seu modo de ser aberto da qual o Dasein se temporaliza14. Essa abertura implica em um 14 “A temporalidade não é, de forma alguma, um ente. Ela nem é. Ela se temporaliza [...] nos modos possíveis de si mesma” (HEIDEGGER, 2000, p. 123).

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mergulhar em si mesmo, enquanto de-cisão antecipadora; esse si-mesmo é compreendido como temporalidade. Portanto, conclui Heidegger (2000, p. 95): “Fenomenalmente, a temporalidade é experimentada de modo originário no ser-todo em sentido próprio do Dasein, no fenômeno da decisão antecipadora”. Em sentido mais próprio, a determinação ontológica do tempo do Dasein é originariamente doada pela abertura do mesmo em seu si mesmo, isto é, na estrutura ontológica da cura (seu poder ser-todo) se desentranha a temporalidade. E isso só ocorre porque o Dasein é um modo de ser aberto. Agora, de que modo a abertura se compreende como abertura? Como a abertura pode ser compreendida de modo a se comportar como tal? É no agora, compreendido ontologicamente como in-stante (HEIDEGGER, 2000, p. 221), que o Dasein se abre a si e ao mundo. Essa é uma intuição que desde 1924, em sua obra O conceito de tempo (1998, p. 43). já havia sido posta: “O Dasein é isto de que se toma cuidado: O Dasein é o seu presente. Tudo isto que encontra no mundo, o encontra enquanto instante no agora; encontra assim também o tempo que o Dasein a cada volta é, mas que é como presente”. Nessa abertura do Dasein, entendida propriamente como de-cisão antecipadora, se dá o fenômeno da temporalidade e no instante dessa abertura o agora ontológico, que não depende diretamente do Dasein, pois é intrínseco ao abrir-se da abertura, que torna possível o ser se desvelar. Ou seja, o abrir-se da abertura do Dasein é determinado por um modo temporal do in-stante. O Dasein é abertura, mas o ser se desvela como o próprio abrir-se da abertura, pois não há temporalmente instantes separados entre a abertura e o seu abrir, isto é, o ser ocorre no in-stante. Este determina temporariamente o dar-se do ser na abertura do Dasein, enquanto de-cisão antecipadora. Se o fenômeno da temporalidade do Dasein se desentranha na abertura do Dasein ao seu ser, já que o ser, em sentido mais próprio, se mostra como ser-para-morte, e disso decorre o acento dado por Heidegger ao tempo ontológico futuro (o porvir) como mais originário; o in-stante da abertura, como o abri-se da abertura, se mostra como o responsável Inquietude, Goiânia, vol. 1, n° 2, ago/dez - 2010.

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pela compreensão temporal do dar-se do ser, recaindo um acento para a atualidade do dar-se do ser. O porvir como a ekstase – determinação dos modos de ser da temporalidade originária do Dasein – só o é na medida em que aquilo que caracteriza a liberação da temporalidade possa ser compreendido, ou seja, o abrir-se da abertura do Dasein temporariamente compreendido como in-stante. É claro que essa leitura não resolve por definitivo a questão, neutralizando ulteriores indagações quanto a sua validade. Todavia, esta é apenas uma possibilidade de se pensar a temporariedade do ser, não como um novo tempo, mas como um modo originário que possibilita a própria manifestação fenomenal da temporalidade do Dasein.

Abstract: A philosophical study of time is possible starting from the question of the singularity of time. This way, John Sallis in his article “Another time” presents Heidegger as the one that forced the question of time in terms of a possible singularity. Heidegger, in The concept of time, alluding to Augustine, places the issue of time being from Dasein, identifying them. However, it is the primary intention of Being and Time, by bringing up an understanding for Temporalität, the meaning of being, concept not pursued in this treatise, is that it becomes possible to develop the theme of singularity time. To do so, it presents a Sallis’ understanding of Temporalität as another time. In contrast, it can think of it so immanent temporality of Dasein in its occurrence time of the occupation, that is, understood ontologically present time. The occupancy time is thought by Heidegger as an opening to the world that has as its meaning of self as a cure. It is in understanding the way of opening up of the ontological openness that time is perceived as such. Key-words: Heidegger; Temporalität; singularity of the time.

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Referências AGOSTINHO. Confissões; De magistro. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1980. (Coleção Os Pensadores) DUBOIS, C. Heidegger: introdução a uma leitura. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. HEIDEGGER, M. Ser e Tempo. 2. ed. Tradução de Márcia de Sá Cavalcanti. Petrópolis: Vozes, 1988. Parte I. ______. Ser e Tempo. 7. ed. Tradução de Márcia de Sá Cavalcanti. Petrópolis: Vozes, 2000. Parte II. ______. Il concetto di tempo. 2. ed. Milão: Adelphi, 1998. _____. Conferências e escritos filosóficos. São Paulo: Abril Cultural, 1979. _____. The metaphysical foundations of logic. Tradução de Michael Heim. Bloomington: Indiana University Press, 1992. SALLIS, J. Another time. In: FAULCONER, J. E.; WRATHALL, M. A. (Eds.). Appropriating Heidegger. New York: Cambridge University Press, 2000.

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