Vida de Treinador
Contributos para a construção de uma filosofia
Luís Filipe Simões Cristóvão Competências e Formação do Treinador Mestrado em Treino Desportivo 2014/15
1.Introdução “O exemplo mau que fui faz-‐me agora um bom exemplo” (Samuel Úria) Pensar na construção da filosofia de treinador é, obrigatoriamente, uma viagem no tempo. Ao contrário de muitos que me acompanham neste percurso académico ou que o percorreram antes de mim, não foi um atleta de eleição nem sequer um atleta muito comprometido com a prática. Também não acredito que tenha nascido treinador ou para treinador, até porque treinador é algo que se aprende “como uma obrigação consciente entendida na linha do sei que nada sei, resultante do desenvolvimento da sua personalidade” (Lima, 2014). O que acredito, e que penso poder afirmar com alguma segurança, é que nasci com uma paixão pelo desporto que, desde muito cedo, vi como um puzzle em constante mutação, como um problema que se recoloca a cada instante, nunca possível de ficar completo e fechado. Não me desculpo com razões exteriores para o facto de, como praticante, nunca me ter sentido impelido a dar o meu máximo. A falta de incentivo familiar ou a ausência de um treinador marcante na minha passagem saltitante de modalidade para modalidade terão sido meras coincidências aliadas ao facto de sentir que o lugar onde eu poderia fazer diferença seria fora do campo. É óbvio que, como qualquer jovem, sonhei que certas coisas poderiam ser diferentes. Sonhei ser possível jogar basquetebol com um pavilhão cheio como acontecia na Física de Torres Vedras no início dos anos 90 ou andar aos pontapés na bola num qualquer campo de futebol da Primeira Divisão. Mas também cedo percebi que não o iria alcançar, não só porque me faltava o talento, mas também porque compreendi que o trabalho é algo fundamental para podermos atingir determinados objetivos. Não o conseguindo fazer dentro do campo, apontei para o fazer no lugar mais próximo dele, sentado no banco. Andava eu na Escola Secundária como aluno de Humanidades quando, por entre os livros de literatura e filosofia dei por mim a trazer para casa o livro Ser Treinador, do Prof. Jorge Araújo. Durante anos, este livro fez parte da minha biblioteca móvel que andou comigo a partir de casa dos meus pais para os diferentes locais onde vivi, como uma espécie de satélite perdido. E isto porque a maior parte dos livros que o acompanhavam eram, lá está, narrativas e poesia. Depois de completado o 12º ano, segui para estudar na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e a paixão pelo desporto era uma espécie de prazer culpado, expiado na leitura diária dos jornais desportivos e nas horas e horas passadas a ver na televisão, no estádio ou no pavilhão, competições desportivas. As pontas começaram a unir-‐se há cerca de seis anos atrás. Escritor com obra publicada, trabalhando no setor editorial, começou a custar-‐me sair da cama para ir trabalhar. Começou a não fazer sentido. E o desporto, sempre presente, começou a ganhar cada vez mais importância, começando voluntariamente a trabalhar como jornalista desportivo, envolvendo-‐me numa prática mais regular, começando a recuperar ideias de criança, conjugando na biblioteca cada vez mais
livros sobre desporto, livros esses que foram entrando por áreas técnicas, ajudando a observar melhor aquilo que via no estádio ou na televisão, a perceber melhor aquelas pessoas que estavam dentro do campo e as outras, que por ali perto andavam, no banco. O primeiro convite para me envolver ativamente com uma equipa de basquetebol surgiu quando ainda não tinha qualquer formação para o fazer, apenas o gosto, e acabou por não se concretizar por isso mesmo. O segundo convite, de forma algo surpreendente, permitiu-‐me passar uma temporada a pensar uma equipa envolvido numa equipa técnica. Dado o mote para completar a minha formação na área, fiz o Curso de Treinador de Basquetebol, inscrevi-‐me no Mestrado em Treino Desportivo, passei a respirar diariamente o desporto de forma bem diferente. O puzzle, esse, por mais que se estude e compreenda, continua em mutação, apresentando variações para as quais é, sempre, necessário encontrar resposta. Para esta experiência, conto com tudo aquilo que aprendi e refleti durante a vida, com as dúvidas e a forma de fazer perguntas que fui encontrando, com uma imensa vontade de não deixar nunca de aprender. A experiência numa equipa de formação deu-‐me ainda outras valências. A de comprovar que aquilo que nós somos é aquilo que devemos ser enquanto treinadores, que é na aproximação daquilo que fazemos na vida e no dia-‐a-‐dia que os nossos atletas nos vão reconhecer e encarar com maior admiração e disponibilidade de nos seguirem. Poucas semanas depois de me terem convidado para assumir o papel de treinador principal numa equipa de Sub-‐14 femininos, pensar na construção da filosofia de treinador é, obrigatoriamente, uma viagem no tempo. Em direção ao futuro.
2.Quatro pilares da participação Perto do final desta última temporada sentei-‐me a pensar porque treino. Porque é que ando metido nisto? A realidade do treinador de formação em Portugal, tal como tantas outras ocupações, não está formatada para ser fácil. Existe, para além do treino, outro emprego, uma família, para quem devemos estar disponíveis. Mas é praticamente impossível que o treino, a equipa, o jogo, não acabe por contaminar quase tudo o resto que fazemos, desde um momento em que paramos para pensar a meio de um outro trabalho, até ao filme que deixámos de ir ver porque encontrámos um vídeo sobre determinado exercício que nos parece tão mais interessante. Algumas razões afloraram como as principais para querer ser treinador. A principal delas, a aprendizagem. Onde mais podemos continuar a aprender, a ser questionados, a ter que responder, com um exercício prático quase diário, no treino, ou semanal, no jogo? Em mais lado algum. O querer aprender, continuar a aprender, percebendo que esta aprendizagem é longa e, muito provavelmente, infindável, é o principal motor para querer treinar. A segunda delas são os atletas. A experiência de conviver com os atletas, de poder ser importante para eles, conduzindo-‐os e ajudando-‐os nas suas buscas individuais para serem melhores é algo que também muitas vezes no escapa na experiência da nossa vida. O querer ser um mestre para alguém acaba, então, por ter esse efeito muito forte na minha vontade de ser treinador. Aliado a esta, surge uma terceira condição, que é a da participação social na construção de algo maior. Através da formação de um jovem atleta envolvo-‐me diretamente na construção de um futuro melhor para a modalidade em que estou envolvido, participando ativamente em discussões, em debates e trocas de ideias com outros que, como eu, também querem o melhor. Finalmente, o divertimento. Coloco o divertimento como uma das razões para treinar porque não faz sentido não ser divertido chegar a um treino e poder conviver, ensinar e aprender com os jovens que estão connosco. Não será por acaso que vários autores (Allen, 2009, McGladrey, Murray & Hannon, 2010) colocam o divertimento como peça fundamental para o sucesso do processo de treino. Daí que aponto estes quatro pilares como as razões para ser treinador. Aquilo que posso aprender, aquilo que posso ensinar, aquilo que posso ajudar a produzir, o gozo que tudo isso me dá. Agora, de que forma esses meus quatro pilares se encaixam nas razões que levam os meus atletas a participar? Pela minha experiência de campo, aquilo que é mais importante para um jovem participar no basquetebol é a vontade de querer ser melhor, de fazer bem. Sobretudo numa idade precoce (11, 12, 13 anos), em que os jovens estão perante a formação da sua imagem enquanto adultos, é-‐lhes fundamental ser bons a fazer coisas. Ser bom a lançar, ser bom a passar, ser bom a defender. Cada um deles luta por ser melhor naquilo que sente capacidade para ser e diferenciar-‐se a partir daí. No fundo, eles querem aprender. Depois, estando a caminhar para essa sua afirmação pessoal, querem mostrar o que sabem. Daí ser tão importante o momento do jogo no treino ou o da competição, porque naturalmente competitivos, os jovens procuram
demonstrar aos outros as suas capacidades. De certa forma, querem “ensinar”. A perspetiva de estar em equipa é, sobretudo, a possibilidade de fazer e alimentar amizades. Muitas vezes nos escalões mais baixos a única forma de trazer uma criança para a prática do basquetebol é fazendo-‐o com os colegas da turma, de maneira a prolongar na modalidade o círculo onde se sentem protegidos. Depois, cruzando-‐se com outros meninos e meninas de outras turmas, e até de outras escolas, os atletas passam a fazer parte dos amigos do basquetebol, um sub-‐ grupo que pode até vir a ter mais influência no compartilhar dos tempos livres, porque acabam por se encontrar fora da escola, ao fim-‐de-‐semana e poder partir daí para outras “aventuras”. Eles estão também a “produzir” algo maior a partir da participação na modalidade. Finalmente, o divertimento. Se não é divertido, não vale a pena. Ouvi isso em muitos treinos, em vários pavilhões, ao longo dos últimos anos. Tem que ser divertido. O que não significa não ser exigente, não ser difícil, por vezes, não ser desafiante, quase sempre. Mas divertido. Acredito que os meus quatro pilares e os quatro pilares da participação dos meus atletas se conjugam e alinham uns nos outros.
3.Ideias para o Desenvolvimento Neste capítulo, divido aquilo que são as minhas ideias para o desenvolvimento da modalidade de basquetebol em duas partes. Numa primeira, fazendo referência ao estado da arte no atual momento, olhando para história e analisando o que julgo serem os valores vigentes e quais aqueles que deveriam ser essenciais para um desenvolvimento da modalidade no país. Numa segunda parte, exploro então quais as ideias de desenvolvimento para os meus atletas, como os coloco no centro do processo de treino e como espero que eles possam progredir. Em suma, estas duas partes acabam por se consubstanciar naquilo que são os valores e crenças-‐chave da minha filosofia de treinador. 3.1 O Basquetebol em Portugal O Basquetebol foi introduzido em Portugal pelo professor de Educação Física Rodolfo Horney em 1913 (Fernandes, 1997). De origem suíça, este professor exerceu funções na cidade de Lisboa durante doze anos. Partindo da capital, o jogo começou a ser jogado também no Porto e em Coimbra, sempre em instituições ligadas à Associação Cristã da Mocidade, tendo-‐se realizado o primeiro campeonato nacional, de forma oficiosa, em 1922, na cidade de Coimbra. A década de 20 marca a institucionalização da modalidade, com a formação das Associações de Basquetebol das três cidades referidas e também da Federação Portuguesa de Basquetebol. Em 1931, na cidade do Porto, realizou-‐ se o primeiro encontro de caráter internacional. 1932 é um ano marcante para a modalidade, com a fundação da Federação Internacional de Basquetebol (FIBA), da qual Portugal é um membro fundador. Subentende-‐se, assim, que nos atos fundadores da organização da modalidade, Portugal teve voz ativa e presença. No entanto, dentro de campo, as coisas passaram-‐se de forma diferente, com Portugal a participar apenas na sétima edição do Campeonato da Europa, em 1951, por convite, mas a entrar na primeira edição da Taça dos Campeões Europeus em 1958, com a equipa do Barreirense a representar o país. Pode dizer-‐se que a modalidade acompanhou a evolução do desporto organizado ao ritmo do resto do país, revelando-‐se os seus treinadores como figuras centrais do processo evolutivo da mesma, notando-‐se o interesse na “compra de bibliografia” (Lima, 2014) ou participação em clinic’s com treinadores internacionais. Nos anos 90, o basquetebol português viveu os anos de maior expressão mediática, com a organização da Liga Profissional e a carreira internacional do Benfica nas provas europeias a ser um motivo agregador de praticantes para a modalidade. Nos anos 2000, esse crescimento deu frutos com a segunda participação num Campeonato da Europa, em 2007, mas marcou também o princípio do declínio da modalidade que vive, nos dias de hoje, um momento marcado pelo abandono de clubes referência na principal divisão, bem como um decréscimo dos participantes nos escalões de formação. Dentro deste quadro, podemos e devemos valorizar a procura de novos participantes como uma das principais obrigações dos responsáveis das equipas,
sejam eles dirigentes ou treinadores. Sem ter referências atuais de nomeada, ao nível mediático ou das competições seniores, o papel de intervenção local de clubes e associações redobra a sua importância. Alguns núcleos históricos subsistem como referências ao nível da participação, com equipas como o Vasco da Gama, o Académico do Porto ou o CPN, no Distrito do Porto, Illiabum e Esgueira no Distrito de Aveiro, Algés no Distrito de Lisboa ou Barreirense no Distrito de Setúbal, a cruzarem-‐se com outros projetos mais recentes -‐ Quinta dos Lombos, Clube de Basquetebol de Queluz ou Estoril Basket, exemplos do Distrito de Lisboa -‐, como espaços de referência para a prática da modalidade para rapazes e raparigas. Mas também se deve sublinhar a importância de outros clubes que, por todo o país, são referências locais para a prática da modalidade. No que toca ao desenvolvimento dos atletas e de um estilo de jogo para as equipas nacionais, esse papel tem estado confinado às equipas técnicas nacionais que, no trabalho de seleções e do Centro de Alto Rendimento, tendem a desenvolver um modelo de jogo que possa ser trabalhado ao longo do ano nos clubes. Esse trabalho está, nos nossos dias, ainda num nível algo incipiente, com as próprias seleções a fazerem adaptações momentâneas às gerações de jogadores que estão ao seu dispor. Isso parece indicar que, mais do que uma ideia de desenvolvimento do praticante do basquetebol, vivemos em tempos que tentam adaptar-‐se às contingências de ter este ou aquele tipo de jogador. Na minha visão, este seria um dos pontos que necessitaria de mudanças profundas. Um modelo de jogo definido para as seleções nacionais deveria ser trabalhado e aplicado às diferentes equipas, tentando aproveitar aquelas que são as vantagens do jogador-‐tipo nacional. Com uma constituição física, em média, menor do que os seus concorrentes europeus, o jogo português deveria apostar na velocidade, no trabalho intenso do drible e na construção de uma mentalidade defensiva de pressão contínua, de forma a tentar tornar menores as desvantagens sentidas nas provas europeias. Ao nível das seleções, tem sido visto uma melhoria nas equipas femininas, com a presença das três representações (Sub-‐20, Sub-‐18 e Sub-‐16) na Divisão A, ao contrário das equipas masculinas, todas elas na Divisão B europeia. Esse facto prende-‐se, na minha opinião, com a existência de uma geração mais forte de atletas nas equipas femininas, mas também a da sua chegada precoce a níveis competitivos mais elevados. Como exemplo, refira-‐se que na atual convocatória da Seleção Nacional de Sub-‐18 Masculinos apenas dois atletas têm experiência na principal divisão do Basquetebol Português (LPB), enquanto na Seleção Nacional de Sub-‐18 Femininos são nove as atletas com experiência na Liga Feminina. Criar possibilidades competitivas mais exigentes para os jogadores a partir de idades mais jovens -‐ sobretudo ao nível de clubes, proporcionando subidas de escalão e participação em competições frente a equipas estrangeiras nos escalões de Sub-‐14 e Sub-‐16 -‐ será um caminho obrigatório para regressar, de forma consistente, a um momento em que o basquetebol nacional possa medir-‐ se com outras potências europeias.
Finalmente, um dado que poderá também modificar a competitividade do nosso basquetebol é a capacidade de colocar jovens atletas em equipas estrangeiras. Atualmente, é crescente o número de jovens masculinos, mas, sobretudo, femininos, a atuar em equipas norte-‐americanas, Liceus e Universidades, permitindo isso a melhoria do nível das nossas seleções nacionais e também um benefício de mais minutos competitivos para os jogadores que acabam por ficar nas equipas nacionais e um exemplo a atingir para todos aqueles que queiram evoluir na modalidade. Alargar metas e possibilidades de objetivos -‐ não só o jogar na LPB, mas poder participar em competições europeias ou representar equipas de outros países -‐ permite um quadro de maior participação e envolvimento de todos aqueles que vivem na modalidade, sendo obrigatório a apresentação desses exemplos a um cada vez maior número de jovens atletas. 3.2.Os meus atletas Os meus atletas são a minha equipa. A minha equipa é uma expressão atual e uma promessa futura para o clube onde eu estou. A história do clube é importante para aquilo que cada um de nós, os envolvidos na estrutura do clube e da equipa, pode desenvolver. Independentemente disso, a filosofia que procuro para os meus atletas basear-‐se-‐á, sempre, numa perspetiva inclusiva das várias vertentes da sua formação. Com refere Allen (2009), “coaches often miss the point that the pillars are not consecutive, they are concurrent”. Ou seja, os níveis psicológico, emocional, físico e técnico devem evoluir a par e passo. Os atletas são o centro do processo de uma equipa. São eles a parte mais importante e são as suas necessidades e capacidades que lideram a organização e o planeamento do treino, do jogo e da temporada. Compreendendo a sua forma de participar na equipa e na modalidade, devemos ter a capacidade de programar e desenvolver a partir do grupo de atletas que temos connosco. Não podemos ensinar a paixão, mas podemos influenciar positivamente o apego do jovem à modalidade. A primeira conquista de um treinador é o envolvimento emocional do atleta com a equipa. Alguns, como já dissemos, chegam através dos amigos, outros através das ligações dos país à modalidade, outros apenas pela conveniência do local ou do horário dos treinos no dia-‐a-‐dia ocupado dos pais. Consolidar estas diferentes origens em redor de um projeto comum deve ser trabalhado através dos valores como a amizade e a responsabilidade, com o treinador a preocupar-‐se com os interesses do seu jogador, a demonstrar compreendê-‐los e a participar ativamente no desenvolvimento desses, seja através da conversa, seja através da sugestão de situações que conjuguem esses interesses com os interesses da equipa. Num passo seguinte, devemos conseguir que essa ligação se estenda da equipa para a modalidade. Numa equipa de jovens, temos por certo que apenas uma percentagem mínima poderá atingir um nível para vir a ser um praticante de topo na modalidade, jogando, por exemplo, na equipa sénior do clube. No entanto, todos os outros poderão manter-‐se ligados à modalidade de forma
fundamental, como possíveis treinadores, seccionistas, dirigentes, apoiantes ou adeptos das equipas do clube. Para isso é fundamental que a sua ligação à modalidade seja intensa e as suas experiências associadas ao basquetebol sejam positivas. A nível psicológico, numa equipa do escalão de Sub-‐14, estamos perante jovens que procuram a sua afirmação individual separadamente ou, muitas vezes, por oposição aos pais. Não é assim caso raro encontrar jogadores que têm, perante o seu treinador, maiores momentos de partilha do que com os próprios país. O treinador deve estar ciente disso mesmo e ser parte ativa no apoio psicológico do jovem atleta, compreendendo a forma como se posicionar para ser uma influência positiva. Jackson (2014) tem uma posição curiosa sobre este assunto, revelando que raras vezes consegue um treinador impor a mudança aos seus jogadores, devendo posicionar-‐se como fonte de inspiração para essa mudança. Psicológica e mentalmente os desafios são enormes e só um treinador apostado em atualizar-‐se a cada momento pode ter um papel preponderante junto dos seus atletas. De notar, associado a este ponto, que não podemos transportar todas as experiências enquanto jogadores ou enquanto treinadores há mais anos, para o momento atual das nossas equipas. Estamos perante gerações que nasceram num quadro social e cultural diferente -‐ os nossos jogadores nasceram já depois da massificação da internet -‐ e a sua realidade tem também exigências que devemos saber compreender. A nível físico, é obrigação do treinador ter um conhecimento profundo das atividades dos seus atletas, conhecendo e acompanhando os seus programas de Educação Física na escola, bem como outras possíveis atividades que tenham durante a semana, já que não raras vezes os atletas nestes escalões praticam mais do que uma modalidade. Os programas de treino devem estar adaptados a estas contingências. Para além disso, dever-‐se-‐á procurar aproveitar as janelas de oportunidade das capacidades motoras para desenvolver uma base que possa vir a ser desenvolvida ao longo da carreira futura do atleta. A velocidade e a força específicas do basquetebol são dois dos objetivos a serem trabalhados nos diferentes exercícios e planos do treino, fomentando a possibilidade dos nossos atletas poderem ter uma vida saudável e também poder vir a estar em condições de aproveitar uma oportunidade futura como praticante da modalidade. A nível técnico, todos os jogadores deverão ser expostos a um quadro de desenvolvimento das suas capacidades, não especializando em demasia as funções dos atletas no quadro da equipa. O objetivo primordial no escalão de Sub-‐14 passará por permitir o aumentar das capacidades técnicas dos atletas, ao nível do drible, do passe, do ressalto, tornando o jovem atleta o mais completo possível dentro do seu quadro de possibilidades. Tendo em conta que, neste escalão, estamos também a passar por um processo de crescimento do atleta, vemo-‐nos obrigados a prestar muita atenção às capacidades coordenativas e de adaptação às alterações corporais derivadas da maturação, pelo que esse trabalho poderá ocupar também uma boa parte do processo de treino. Ao nível tático, olhamos para os nossos jogadores como aprendizes da modalidade, tentando, ao longo da época, aumentar a complexidade dos nossos
treinos e jogos, apresentando princípios, regras e variantes próprias da modalidade. É fundamental, também, proporcionar aos jovens atletas outras expressões da modalidade, convidando-‐os a assistir a jogos das equipas de escalões superiores do clube, procurando propiciar oportunidades para assistir a jogos ao vivo de outros níveis competitivos (LPB e Competições Europeias), alimentando as possibilidades de assistir a outras provas internacionais através da televisão e da internet. A possibilidade de passar tempo a ver basquetebol é uma das ferramentas mais interessantes e importantes para o desenvolvimento dos conhecimentos sobre a modalidade e também para a compreensão das leituras necessárias de forma a poder evoluir no processo de treino e jogo. Deve sublinhar-‐se o papel do treinador no acompanhamento do desenvolvimento dos atletas nas diferentes vertentes. Ao técnico cabe um papel de adulto responsável da atividade, pelo que as suas ações e reações devem pautar-‐se por esses princípios. A adaptabilidade do treinador aos seus atletas é essencial para o desenvolvimento pacífico e construtivo do processo de treino e jogo, bem como para o atingir dos objetivos. A paciência perante a realidade de estarmos a falar de crianças e jovens em idade precoce deve também marcar presença em todo o processo, aliada a uma disciplina e exigências que são crescentes, realistas e acompanham as possibilidades daqueles que estão a nosso cargo. É fundamental que o treinador tenha um posicionamento maduro perante as diferentes situações com que se vai deparar. Em resumo, esperamos que os atletas venham a ser, no final da temporada, jovens mais confiantes nas suas capacidades e perfeitamente integrados nos hábitos, princípios e valores da equipa. Queremos que os atletas tenham desenvolvido laços com os seus colegas e treinadores, mas também com a modalidade, acreditando poder vir a ter um papel ligado à mesma no seu futuro. Pretendemos ainda que o atleta tenha, ao nível físico, potenciado todas as suas capacidades motoras, aprofundado as suas capacidades coordenativas e melhorado o seu reconhecimento tático da modalidade dentro das possibilidades que tem no seu escalão etário e na sua exposição à modalidade. 3.3.Valores e Crenças-‐Chave da Filosofia do Treinador Um bom treinador deve ter um conhecimento histórico da sua modalidade, compreendendo a sua evolução ao longo dos tempos, bem como saber posicionar-‐se no estado atual da mesma. A capacidade de analisar e concretizar um ponto-‐de-‐vista sobre o estado da arte do basquetebol é essencial para o seu posicionamento frente aos seus atletas, frente aos dirigentes e adeptos, mas também perante os seus adversários. Deve o treinador também elaborar análises sobre os quadros competitivos em que está inserido, compreendendo como estes potenciam ou prejudicam o desenvolvimento desejado para os seus atletas. Um bom treinador deve ser alguém com capacidade de influenciar aqueles que o rodeiam, seja pelo seu conhecimento da modalidade, seja pelo conhecimento que detém da vida em geral. A sua educação e competências são chaves para serem utilizadas ao longo da temporada e na perspetivação de futuro para os atletas que trabalham consigo. As necessidades do atleta devem estar no topo do seu
quadro de prioridades, devendo o seu papel incluir, em casos em que essa questão se coloque, o encaminhamento do seu atleta para uma outra equipa ou modalidade onde pense poder desenvolver melhor as suas capacidades e formar-‐ se enquanto desportista. Um bom treinador detém também alargados conhecimentos das capacidades físicas e coordenativas dos seus atletas, procurando manter-‐se atualizado sobre a investigação feita nestas áreas e procurando exemplos de boas práticas nas equipas de maior rendimento, de forma a poder adaptá-‐las e aplicá-‐las no seu programa de treinos. Deve também manter o mesmo entendimento no que toca ao desenvolvimento tático da sua modalidade, desenvolvendo uma capacidade de questionamento sobre o quadro atual da mesma e uma perspetiva das tendências de futuro. Um bom treinador respeita e compreende a função de cada um no seu grupo, liderando com um espírito de cooperação entre todas as partes, responsabilizando cada jogador com um papel claro e definido na perseguição dos objetivos da equipa. Impõe uma regra que deve ser seguida de forma disciplinada por todos aqueles que estão consigo, promovendo um ambiente de clareza nas suas decisões. Tem ainda a responsabilidade de se preocupar com todos aqueles que pertencem à sua equipa, alargando o seu campo de ação para lá da modalidade em si, reconhecendo que, no atleta, há uma pessoa com as suas necessidades, ambições e problemas. Um bom treinador é alguém em quem um atleta terá sempre que confiar, sendo este o elemento unificador das vontades da equipa e o regulador do cumprimento das mesmas.
4.Sucesso No desenvolvimento de uma filosofia, deve o treinador ter bem claro o que é, para si, o sucesso. Nesse trabalho de definição de objetivos, deve incluir não só o sucesso da sua equipa, mas também o seu sucesso pessoal, enquadrando neste aquilo que é a sua formação e as suas competências. Essencial para a boa concretização destes princípios é também a sua motivação e a forma como ela se expressa e renova a cada passo. 4.1.O sucesso do atleta O treinador não procura a definição de sucesso no dicionário. Procura-‐o nas suas ações e nos resultados destas. Assim, o sucesso da sua equipa está marcado para um futuro a médio ou longo prazo, onde será possível olhar para o percurso feito pelos seus jogadores e compreender aquilo que estes atingiram. Acima de tudo estará a capacidade destes jogadores para desenvolverem os seus projetos de vida, a nível pessoal, familiar, académico e profissional. O sucesso que eles tiverem nesse futuro é o sucesso que o treinador procura para eles. Poderá acontecer que alguns destes atletas venham a ter uma carreira no desporto profissional. Nesse caso, procure-‐se encontrar neles os exemplos que inspirados, acerca da sua capacidade de acreditar em si próprio, de se relacionar com os outros, de respeitar a modalidade e de aplicar as capacidades físicas, técnicas e táticas que a mesma exige. Tudo o que esses atletas conseguirem será fruto de uma disciplina e exigência que eles compreenderam e adaptaram para si e esse é um sucesso que deverá ser festejado pelo seu treinador. Até ao culminar desse processo, os atletas terão várias possibilidades de passar por momentos competitivos onde lhe será exigida a prestação das suas habilidades sob uma intensa pressão. O facto de cada atleta ser capaz de a enfrentar, respeitar e ultrapassar, independentemente do resultado expresso no marcador, deve ser entendido como sucesso. A importância do processo é um dos meios mais próximos para avaliar o sucesso. A capacidade de manter os atletas envolvidos, de os ver regressar semana após semana para os treinos, de entender pelos seus feitos na escola e em casa que estão motivados para estar presentes e que colocam a equipa no topo das suas prioridades deve ser encarado como sucesso. No nível mais básico desta análise, o sorriso na face dos atletas ou o seu reconhecimento da importância de um exercício ou de uma palavra para ser melhor do que era antes,deve ser encarado como sucesso. 4.2.O sucesso do treinador É fundamental para o sucesso todas as experiências que se teve na vida. As experiências sociais e culturais a que foi exposto na carreira escolar e também através das leituras realizadas. Os exemplos que se pode conhecer, analisar e integrar naquilo que é a nossa autoimagem.
Fundamental também todas as experiências que se teve ao longo do desenvolvimento das amizades e conhecimentos. Todo o conhecimento sobre o ser humano que se transporta faz parte do próprio sucesso e contribui para que possa estar preparado para ajudar os outros a alcançá-‐lo. Importante, sem dúvida, todo o processo formativo no basquetebol e no treino desportivo. O reconhecimento de princípios, estudos e investigações, a sua análise, o teste da sua inclusão nos processos de trabalho, a experiência de tentar -‐ falhar e tentar de novo. A construção do eu treinador enquanto expressão do eu pessoa faz parte do próprio sucesso e da capacidade para conduzir e inspirar aqueles que estão connosco a atingir o seu sucesso também. O sucesso do treinador é sempre um sucesso partilhado com o dos seus atletas e o dos seus colaboradores. Por isso se diz que um treinador ganha com a equipa, mas perde sozinho. 4.3 Motivações A motivação de um treinador está, muitas vezes, ligada aquilo que ele pensa poder atingir. Apesar de, como referido anteriormente, o ser treinador ser algo que foi desejado desde cedo, mas que demorou a concretizar, passou, essencialmente, pela motivação pessoal não encontrar pontes suficientes com uma realidade que me pudesse conduzir a esse ponto. Jackson (2014) refere que no início, quando passou a assumir mais contornos da sua personalidade no processo do treino, se preocupava que os seus jogadores considerassem como estranha a sua postura. Mas é confortável encontrar exemplos de grandes treinadores, como John Wooden, que também estudou línguas e era um leitor ávido, conhecedor profundo da Filosofia (Jenkins, 2014). O espaço do treino está cada vez mais aberto para quem reconhecer as suas forças e fraquezas e se inclua no processo de aprendizagem e melhoria constante. As minhas motivações prendem-‐se bastante com essa ideia inicial e inocente do ser treinador. Mas foram sendo construídas e completadas com a experiência de vida. O saber que posso ser treinador assumindo os meus princípios e a minha personalidade, compreender que todo o saber acumulado é hoje uma poderosa arma para enfrentar os desafios desta função e alimentar a ideia de que através de tudo isso posso ser uma influência positiva para aqueles que se estão a formar é uma dádiva inigualável que não posso recusar a colocar em prática. No fundo, é como se a minha filosofia de vida se acabasse por revelar fundamental para ser, no futuro, um bom treinador. Como referem Collins, Barber, Moore & Laws (2011), “recognizing that coaches are the providers and interpreters of sport experience, coaches’ philosophical beliefs are central to the climate they create.” É esse o caminho da minha motivação.
5. Contexto Não me parece que faça sentido falar e desenvolver uma filosofia de treinador sem pensar que o contexto será sempre uma influência enorme naquilo que se virá a materializar na ação. Os elementos que mais sofrem perante o contexto, na minha opinião, são os que estão relacionados com o modelo de jogo, já que estes acabam por ser, em boa parte, definidos a partir das características dos jogadores disponíveis. Para mim, esse é um dos grandes desafios do treinador de formação e o aspeto onde ele poderá acabar por desenvolver de forma mais intensa as suas capacidades. Quando falamos de equipas seniores, temos sempre a possibilidade de estar a falar de equipas que são escolhidas pelos treinadores, dentro de determinadas condições momentâneas impostas pelo clube. Mas no caso da formação, e sobretudo nos dias de hoje em que nas equipas de formação, de uma forma geral, não existem suficientes praticantes para que se possa selecionar os mais aptos em tão tenra idade, o treinador deverá estar preparado para analisar e decidir a partir de um contexto concreto que lhe é apresentado. Pertence ao capítulo do contexto tratar do modelo de jogo e das relações entre o treinador, os adjuntos, os seccionistas e os dirigentes. 5.1.Um Modelo para o Jogo Ao estar à frente de uma equipa de formação, sobretudo falando-‐se de uma equipa de Sub-‐14 femininos, a ideia do modelo de jogo não pode separar-‐se do processo em que cada atleta está inserida com vista ao seu futuro na modalidade. Assim, a forma como a equipa joga é, neste momento, apenas uma consequência do seu processo coletivo de aprendizagens. Estando ainda a cerca de dois meses do início regular dos trabalhos, comecei já a fazer uma análise prévia à equipa, sendo que existem quatro atletas que, de forma regular, já fizeram parte do plantel das Sub-‐14 no ano anterior, com mais alguns elementos a terem tido, também, a oportunidade de treinar e jogar num número de partidas inferior. Está assumido desde o início de que este será um grupo que andará a diferentes velocidades. Para as jogadoras mais evoluídas, o nível de complexidade poderá ser maior, aproveitando desde já algum trabalho que foi realizado com elas nos anos anteriores. Não existindo, ainda, um modelo de formação do clube -‐ algo que está em projeto para ser trabalhado durante este ano -‐, a partilha de ideias entre os dois treinadores que estarão com as equipas de Sub-‐14 a cargo, masculinas e feminina, tenderá a alinhavar a base desse modelo para a formação e para o jogo. Assim, a nível ofensivo procuramos que os nossos atletas possam entender, neste escalão, o peso da sua tomada de decisão no sucesso da equipa. Fomentando um bom trabalho a nível técnico para o drible, corrida, ressalto e lançamento, espera-‐se que os jogadores tenham as bases necessárias para fazer a sua evolução. A nível defensivo, proclamamos a importância de uma defesa
agressiva, tecnicamente evoluída ao nível da sua posição básica, executada a campo inteiro. Queremos, com isso, possibilitar aos nossos atletas a participação num jogo onde a velocidade é primordial e as boas decisões, ao nível do passe, do lançamento ou da progressão em drible sejam tomadas de forma consciente. Pretendemos assim que o modelo de jogo prepare os jogadores para serem inteligentes na utilização dos seus recursos e para serem coletivos na forma de procurar vencer os jogos. Caminhar nesta evolução deixará uma marca para que nos anos futuros, evoluindo de mão dada com estes princípios para níveis de complexidade mais elevados, se possa falar de uma identidade de formação e numa existência de um modelo para o clube. O contexto atual coloca-‐nos naquele que pode ser visto como um ponto de partida para termos este modelo de jogo impregnado na mentalidade de cada um dos jogadores. Para além disso, sendo um escalão onde temos, ainda, muitas atletas que estão aqui a iniciar a prática na modalidade, o modelo vai acabar bastante influenciado por aquilo que as próprias jogadoras já sabem fazer. Mas o caminho a percorrer é o de oferecer-‐lhes todas as possibilidades para que o seu crescimento venha a atingir os níveis máximos possíveis. 5.2.Os adjuntos e os seccionistas Uma vez mais, tendo em conta as restrições impostas pelo clube e pelo facto de estarmos num escalão de formação, o encontrar de treinadores-‐adjuntos e seccionistas é enormemente influenciado pelo contexto. Para além de estarmos a formar jogadores, estamos também a formar treinadores, pelo que a escolha de um treinador-‐adjunto acabará por ser feita dentro do quadro de jogadores de escalões mais velhos, entre aqueles que demonstram a vontade e a capacidade para abraçar uma tarefa destas. Para o adjunto deve também ser programado um plano de ação, com vista a que este esteja sempre integrado nas decisões da equipa, tenha conhecimento das mesmas pela voz do treinador em primeira mão e se sinta como um verdadeiro adjunto e não apenas mais um elemento. Durante o treino e o jogo o treinador-‐ adjunto deve ter uma missão específica, que possa ser, mais tarde, analisada e melhorada, consoante a forma como a cumpre e o grau de autossatisfação atingido. O treinador deve confiar no adjunto para ser o seu substituto, quando a situação se impuser, mas sobretudo deve ter no seu adjunto um responsável que assuma funções claras na equipa. Ao nível da formação, é importante que o adjunto esteja motivado para poder assegurar a preparação de elementos da equipa que, eventualmente, estejam num grau menos evoluído da sua prática, de forma a tentarmos nivelar, o quanto antes, os elementos do plantel. É também importante que tenha uma personalidade que lhe permita estar mais próximo dos jogadores, compreendendo e reportando os sinais dados pelo grupo, que muitas vezes estará mais disponível para comunicar uma insatisfação ao adjunto do que ao treinador que ele vê como responsável pela partição do tempo de jogo. Também no jogo é fundamental que o adjunto esteja preparado para assumir um papel
interventivo junto dos jogadores que estão no banco, bem como assistindo o treinador nas suas decisões. Finalmente, caberá também ao adjunto ajudar na supervisão dos planos de treino e de jogo, sugerindo mudanças e evoluções ao líder da equipa. Quanto ao seccionista, a este nível, fala-‐se quase sempre de um pai de um jogador ou jogadora que demonstra interesse em dar mais alguns tempo à equipa. Caberá ao treinador selecionar, entre os pais, aquele que tenha a disponibilidade, mas também a cultura desportiva, para acompanhar a equipa em todas as situações. Cabe ao seccionista a gestão de processos administrativos da equipa, bem como o acompanhamento da mesma em todos os jogos e deslocações. É importante, também, que o seccionista tenha claro para si que não é um treinador e não intervém tecnicamente na equipa em nenhum momento. 5.3.Dirigentes Neste ponto, é seguro que um treinador não escolhe nunca os dirigentes do clube onde está inserido, mais acontecendo o contrário. Da parte do treinador, deverá exigir ao dirigente responsável total clareza em relação aos objetivos da equipa, bem como as funções que lhe caberão durante a época desportiva. O dirigente deve ser convidado a estar presente nos jogos, de forma a poder observar no local as atitudes, comportamentos e ensinamentos eleitos pelo treinador. Respeitando a definição de objetivos e funções atribuídas no início da temporada, o treinador deverá comunicar ao dirigente, ao longo do ano, o ponto da situação do cumprimento das mesmas, bem como situações passíveis de virem a ser alteradas devido a constrangimentos assinalados no decorrer da época.
6.Avaliação É fundamental que o treinador tenha definido, no início de cada temporada, estratégias de autoavaliação que possam vir a ser colocadas em prática, de forma a poder aquilatar o grau de cumprimento dos seus planos, bem como as melhorias pontuais que devem sempre ser parte integrante e consciente do plano. Dentro do grupo, o treinador encontrará sempre vozes que poderão ajudar à sua análise e avaliação. A equipa técnica, com o seu treinador-‐adjunto, bem como os jogadores do plantel, serão sempre mensageiros claros das suas satisfações e frustrações, pelo que através dessa medida, poderá o técnico ter uma ideia clara da evolução do dia-‐a-‐dia. É também fundamental que o Coordenador Técnico da equipa possa, em algumas situações, assistir a treinos ou jogos e a comentar planos de treino de forma a conseguir ter uma segunda opinião fundamentada. Dentro deste caso, existe também a possibilidade de poder contar com colegas com quem se desenvolveu uma relação de confiança, convidando-‐os para assistir a um treino ou a um jogo, discutindo posteriormente situações que podem ser revistas ou melhoradas. A utilização do vídeo é de grande valia nestas situações. Poder gravar os jogos oferece a oportunidade de rever decisões e clarificar ideias que poderão ter ficado truncadas pela situação do jogo. Por outro lado, o vídeo também serve como ferramenta para avaliar a atitude que se tem no banco, pelo que nos casos em que for possível, seria interessante poder proceder à filmagem no lado oposto ao banco, para avaliarmos postura e sinais corporais do treinador. Com os planos executados, deve-‐se também manter uma análise corrente às unidades de treino realizadas, apontando no final de cada uma as situações a melhorar ou a rever, bem como aquelas que tenham acabado por redundar numa sensação de êxito. Formulando, dessa forma, uma autoavaliação de cada unidade de treino, deveremos compará-‐las com a assiduidade dos jogadores para podermos concluir acerca da qualidade do nosso planeamento e, uma vez mais, proceder às adaptações necessárias.
7.Comunicação As ideias base da filosofia do treinador devem ser isoladas e comunicadas aos colaboradores, jogadores e respetivos encarregados de educação, de forma a ficar claro para todos qual o ponto de partida para o planeamento da temporada. As reuniões prévias com os diversos elementos serão uma boa oportunidade para expor ideias, princípios e objetivos, cativando cada um para a participação no mesmo. Cada treino é uma oportunidade para aprofundar elementos da filosofia, na forma como nos relacionamos com os jogadores, como preparamos as situações e responsabilidades do treino, como interagimos com os encarregados de educação antes e depois do treino. A postura durante o processo de treino é também fundamental para que a filosofia seja um plano de ação e não apenas um papel que fica esquecido. Respeitar, a cada momento, as nossas ideias, é ser-‐se capaz de mantê-‐las sempre na consciência a cada momento. Os momentos competitivos são também fundamentais para poder continuar a reforçar o papel da filosofia. Uma vez mais a postura, mas também o discurso adoptado antes, durante e depois dos jogos, a forma como nos relacionamos com os árbitros e os adversários e a atenção que damos a cada pormenor acaba por influenciar positiva ou negativamente a crença do nosso grupo nas ideias que defendemos na nossa filosofia. Em suma, a nossa filosofia não tira férias, nunca está de folga, nem tem a possibilidade de aceitar exceções. É bom lembrar que uma má atitude, por momentânea e curta que seja, poderá influenciar enormemente a forma como nos olham e respeitam, pelo que um treinador, como líder de um grupo, deve estar bem consciente da sua responsabilidade ao assumir o papel para o qual é convidado.
8.Futuro Uma filosofia de treinador não tem conclusões, mas tem futuro. Apontar para o futuro é poder entender para onde irão evoluir as nossas ideias e de que forma elas encontrarão eco naquilo que irá acontecer durante a nossa ação prática. No que toca à participação, é essencial continuar a atualizar a ideia dos quatro pilares da participação. A partir desta construção teórica, o seu contínuo testar com os jogadores que se cruzarem connosco poderá permitir um aprofundamento das ideias, bem como um crescimento interno desta estrutura que é aplicável, a meu ver, a toda e qualquer modalidade. Poderá ser através destes pilares que se virá a construir um modelo de participação que unifique treinadores e atletas. No que toca ao desenvolvimento, caberá ao treinador incluir-‐se nas reflexões e discussões relativas ao futuro da modalidade no país, podendo colaborar com as suas análises para o apontar de caminhos e soluções que voltem a colocar o basquetebol entre as modalidades mais participadas e com capacidade de afirmação não só no país como nas suas participações internacionais. No que toca ao desenvolvimento dos atletas, deverá ir sofrendo adaptações consoante mudem, ou não, as análises do estado da arte do basquetebol no país, para além de poderem sofrer um aprofundamento no caso de se alterar o escalão que se tem à nossa responsabilidade. Os valores e crenças do treinador são opções mais profundas e pessoais, mas que, como qualquer coisa, beneficiarão sempre da sua análise e melhoria. O crescimento enquanto pessoa é essencial para que o treinador em mim possa ter um trabalho válido e consequente. Se o sucesso do atleta e do treinador tem pouco ou nada a ver com os resultados intermédios que se vão alcançando, é também bom sublinhar que tudo aquilo que existe ao longo do caminho deve ser aproveitado como motor para o desenvolvimento e o aprofundar de sensações. Uma equipa que ganha jogos, mesmo não sendo esse o seu objetivo principal num momento de formação, é uma equipa mais satisfeita e disponível para ver aumentado os níveis de exigência e complexidade. A ideia de sucesso deve ser trabalhada e aprofundada nesses termos, de maneira a podermos, cada vez mais, ter um processo de sucesso inserido numa rota competitiva satisfatória. Já as motivações pessoais para o manter-‐se ligado à modalidade têm também raízes profundas e, apesar de estarmos a falar de uma situação em que o treino não é o principal carreira profissional do treinador, é por aqui que os desafios se tornam, ano após ano, capazes de oferecer uma maior realização pessoal. As questões ligadas ao contexto devem ser revistas ano após ano. Aquilo que um clube ou uma equipa nos pode colocar na frente muda, radicalmente, a forma como nos devemos posicionar perante ela. Mesmo imaginando que, na temporada que segue a esta, se mantiver praticamente a mesma equipa no mesmo clube, é bom perceber que o contexto evoluiu para diferente premissas que devem ser atendidas e revistas, de forma a que os nossos planos se passe dentro da mais exigente proximidade à realidade.
Já no que toca à avaliação e comunicação da filosofia, é um processo evolutivo que vai conquistando novas nuances ano após ano, fruto das experiências acumuladas, das situações vividas, dos acontecimentos assistidos. Ainda que sendo fruto de acertos e direcionada para que os seus efeitos possam ter um maior rendimento, os princípios de avaliação e comunicação são sólidos e perenes. Finalmente, dentro do futuro, analisamos o nosso próprio futuro. Consolida-‐se, em nós, a vontade de poder criar um trajeto dentro da formação de homens e mulheres dentro do fenómeno desportivo, ora alimentando o desenvolvimento de talentos que surgem no nosso clube ou são detetados nas suas proximidades, ora vivendo o crescimento de pessoas que se poderão tornar úteis à sociedade e, em última análise, também à modalidade. Não existindo em Portugal um quadro competitivo profissional que ofereça, aos treinadores, uma evolução para uma oportunidade de se experimentar viver, em exclusividade, para o treino, situação essa em que a opção pela supervisão do treino pudesse ser uma opção válida para trabalhar no contexto de uma equipa de alto rendimento, o continuar a evoluir dentro da formação parece-‐me, neste momento, o futuro mais concreto e capaz de me oferecer satisfação. Obviamente que, no futuro, continuaremos a avaliar e a testar o próprio futuro, sempre encontrando novas respostas para as velhas perguntas que sempre perseguiram aqueles que têm no treino a sua paixão.
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