“VIDE - O - VERSO”: Imaginação Espacial, Linguagens e Sensibilidade na Geografia Contemporânea.

July 3, 2017 | Autor: Carlos Queiroz | Categoria: Geografia, Geografía Humana, Geografia Contemporânea
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XIV  Colóquio  Ibérico  de  Geografia/  XIV  Coloquio  Ibérico  de  Geografía   11-­‐14  novembro  de  2014/  11-­‐14  Noviembre  de  2014   Departamento  de  Geografia,  Universidade  do  Minho  

“VIDE - O - VERSO” Imaginação Espacial, Linguagens e Sensibilidade na Geografia Contemporânea1 A. Carlos Queiroz Filho(a), Hadassa Pimentel Damiani(b), Ana Carolina Loureiro(c) (a)

Professor do Departamento de Geografia/Universidade Federal do Espírito Santo-UFES, [email protected] Mestranda em Geografia/Universidade Federal do Espírito Santo-UFES, [email protected] (c) Mestranda em Geografia/Universidade Federal do Espírito Santo-UFES, [email protected] (b)

Resumo A Geografia, ao olhar para o mundo contemporâneo, tem se interessado pelos pensamentos sobre o espaço, pela produção de uma imaginação espacial dada pelas imagens. Ao assumimos a compreensão de uma espacialidade inventada pelas câmeras fotográficas, narrativas de tevê e pela linguagem cinematográfica. Neste trabalho, iremos apresentar as premissas analítico-conceituais-imaginativosensíveis de duas pesquisas que estão em desenvolvimento. Pesquisa 1: os processos de produção de uma paisagem-mercadoria e a constituição de identidades visuais em lugares turísticos; Pesquisa 2: pensamento espacial e fronteiras nas geografias de cinema. Ambas atreladas à mesma preocupação investigativa, a saber, o entendimento do modo como se dá a produção de uma imaginação espacial, cultural, estética e seus desdobramentos na constituição de grandes territórios narrativos e suas paisagens políticas do mundo contemporâneo. Palavras chave: imagem – política – cultura – espaço

1. A Imagem na Geografia Contemporânea Vivemos em um contexto cujas imagens adquirem papel de grandes educadoras, utilizando fortemente os discursos imagéticos como forma de validá-las. Essas imagens assumem, assim, o caráter de expressão da própria realidade, construída por artifícios estéticos (enquadramento, cores vibrantes, foco, etc.). Além disso, participam da construção de nossa imaginação sobre o mundo, nos mostrando o que deve ser visto e direcionando os olhares. Esses discursos pautados em imagens, por terem este cunho de verdade, passam a ser um poderoso campo para as estratégias políticas que articuladas, acabam por corroborar os metarrelatos (LYOTARD, 2011) ou as grandes narrativas (MASSEY, 2008). Gianni Vattimo (1992) em seu livro A Sociedade Transparente argumenta sobre este poder dos aparatos comunicativos. A mídia na qualidade de veículo capaz de transmitir imagens em tempo “real”, “direto” do lugar unificaria/homogeneizaria a história mundial/oficial. E, agindo sobre a imaginação espacial, tais questões colocam uma problemática geográfica: “importa o modo como pensamos o espaço” (MASSEY, 2008, p. 15). 1

Este trabalho se insere no Projeto de Pesquisa “Geografia e Imagens: narrativas e novas políticas na cidade contemporânea” financiado Edital 002/2011 CNPq/FAPES-PPP.

Seguindo esse pensamento, a própria produção e exposição das imagens nos indicam algumas possibilidades analíticas: a imagem enquanto ilustração e a imagem enquanto rasura. As imagens que constituem estações de parada são aquelas que apenas ilustram um assunto, pautam nossa imaginação de modo a funcionarem como definição última, tendo como objetivo ser aceita como a própria realidade traduzida em imagem. As imagens pensadas como pontes de passagem e/ou rasuras: “promovem a constituição de percursos por outros saberes e práticas, permitindo-nos renovar e ampliar a experiência cotidiana, formulando novos discursos e falas” (OLIVEIRA JR., 2004, p. 3). Em outras palavras, as pontes estimulam as trocas entre a imagem, quem olha e o espaço. São pensamentos que passam, atravessam... um caminho que integra e já não é mais isto ou aquilo, que não exige uma postura de dualidade, no qual é possível caminhar pelas bordas, dentre os meandros. A Geografia, ao olhar para o mundo contemporâneo, tem se interessado pelos pensamentos sobre o espaço, pela produção de uma imaginação espacial dada pelas imagens, ao serem entendidas como ações políticas sobre/no mundo. Na tentativa de serem representações sobre o mundo, estas imagens ilustrativas, passa a funcionar sob o caráter de verdade única. Sendo também as imagens um produto de tais discursos, elas expressam comumente três imaginações principais sobre o geográfico, como nos aponta Doreen Massey (2008), a saber: o espaço como superfície, a inevitabilidade do processo de globalização e a oposição entre espaço e lugar. Imaginar o espaço para além dessa perspectiva, exige a reverberação de imagens-pontes, consequências de um pensamento mais “narrativo, fantástico, envolvido nas emoções e, globalmente tem menos ou nenhumas pretensões de objectividade” (VATTIMO, 1992, p.36), mais proveniente de uma “imaginação criadora” (BACHELARD, 2005). Essas seriam as condições de uma verdadeira política, no sentido dos agenciamentos coletivos e devires singulares: impulsos poéticos, estéticos e políticos de um mundo efetivamente aberto e em construção.

2. Imagem e Imaginação Criadora Bachelard, no livro A Poética do Espaço, fala de uma “imaginação criadora” e de uma “imagem poética” como testemunhos de uma alma que se pôs em movimento, ao habitar uma grafia desprendida de prefigurações ou, aquilo que ele vai chamar de “circuitos do saber”. Não seria aqui uma oposição apressada à lógica da razão, num risco ingênuo de reafirmar dualidades já tão clichês com o binômio razão-emoção. Para o autor, ela é indício e pressuposto de uma dignidade humana, nos termos que poderíamos falar de uma singularidade autoral, índice daquele que a produziu. Essa é uma questão que tem ganhado outros tons na contemporaneidade.

Se Bachelard afirma que “numa imagem poética a alma afirma a sua presença”, a tendência nossa talvez seja questionar, em princípio, as imagens, pela própria característica que a coloca em questão (a realidade objetiva a qual ela está submetida) Mas, e se pensarmos numa outra poética ou, melhor dizendo, numa outra forma de poética ou de se fazer poesia, assumindo esse contexto de profusão das imagens como sendo o “lugar-comum”, a “forma” conhecida e percebida? O próprio Bachelard nos permite a pergunta quando diz que “a alma vem inaugurar a forma, habitá-la, comprazer-se nela” (BACHELARD, 2005, p. 06). A forma hoje não é mais agenciada pela ideia do original e sua cópia, mas pelas cópias (muitas, multiplicidade) e suas potencialidades de se produzir um original na singularidade daquele que toma para si a imagem e faz dela seu poema. É quase como se estivéssemos dizendo que não é mais possível falar de uma situação em que “o poema nos toma por inteiro (BACHELARD, 2005, p. 07)” e sim, que escolhemos nos fazer, por inteiro, no poema. Com isso, deliberadamente, colocamos “a liberdade no corpo da linguagem” (BACHELARD, 2005, p. 11). Ao ser arrastada para outros locais de sentido, a palavra (ou aqui também consideradas as imagens e suas geografias), que antes era função precípua de “razões de fixação, forças de centralização” (BACHELARD, 2005, p. 12), passam a potencializar um pensamento desapegado de fixidez. Isso se dá na condição do aumento das perspectivas e horizontes explicativos e sensitivos, em face daquilo que se põe diante do mundo e toma para si o desafio de promover “aptidões” poéticas, tais como a da lata suja, do amor pelos restos, da palavra como composição do silêncio, de uma grafia “invencionática” (BARROS, 2010). É o “verso” (forma-poema) bachelardiano. Coloca em movimento a imagem fixa, o “atomismo da linguagem” (BACHELARD, 2005). Nesses termos, a afirmação axiomática escorrega. Coloca a dúvida e o inusitado como a novidade de seu corpo. Seria como o “vide - o - verso” da música Diariamente, da cantora brasileira Marisa Monte. Muitas funcionalidades rapidamente atribuídas e praticamente inquestionáveis. No fim, as coisas mudam: Para viagem longa: Jato / Para difíceis contas: Calculadora / Para lápis ter ponta: Apontador / Para o outono, a folha: Exclusão / Para embaixo da sombra: Guarda –Sol / Para todas as coisas: Dicionário / Para ferver uma sopa: Graus / Para a luz lá na roça: 220 volts / Para vigias em ronda: Café / Para limpar a lousa: Apagador / Para uma voz muito rouca: Hortelã / Para trancar bem a porta: Cadeado / Para quem não acorda: Balde / Para a letra torta: Pauta / Para os dias de folga: Namorado / Para quem se comporta: Brinde / Para saber a resposta: Vide - o – Verso / Para você o que você gosta / Diariamente “Vide - o - verso”: pode ser o “girar o folhetim instrucional para ver a parte de trás”, mas também, virar “o” verso; virar, tal qual o verso; virar um verso: ser-poesia. Quando isso ocorre, a função/finalidade de

cada objeto desliza para o “o que você gosta”, que por sua vez, é atrelada ao “diariamente”, passando a ter o tempo como sua natureza primeira. Esse seria o “não-saber” de que fala Bachelard. Diz o autor que essa é “uma condição prévia” da poesia. O que encontramos em comum na poesia de Manoel de Barros, na música de Marisa Monte e nas reflexões de Bachelard é uma espécie de defesa de um pensamento autônomo, que passa pela concepção de uma vida feita como arte, “uma espécie de emulação nas surpresas que excitam a nossa consciência e a impedem de cair no sono” (BACHELARD, 2005, p. 17), um “despertar o ser adormecido nos seus automatismos”. E continua: “O mais insidioso dos automatismos, o automatismo da linguagem, deixa de funcionar quando penetramos nos domínios da sublimação pura” (BACHELARD, 2005, p. 18). Notemos que Bachelard, ao citar o poeta, não propõe uma dicotomia entre a imaginação reprodutora e a produtora, como se fossem duas coisas distintas e facilmente identificáveis. Na verdade, essa diferenciação se resume apenas ao modo de fazer, de agir, de promover a própria imaginação e, por conseguinte, é o que irá adjetivá-la de um modo ou de outro, que são palavras-alegorias para dizer das muitas grafias que inventamos para traduzir nossa vida na terra. Elas – grafias – são (podem ser) subservientes às “ideias tranquilas”, “ideias definitivas”, como nos coloca o próprio Bachelard; mas também, nos seus termos, (podem ser) um “ato de liberdade”. As duas pesquisas descritas a seguir são buscas e tentativas de mergulhar nas imaginações espaciais estabelecidas e delas, produzir intensidades e sensibilidades que nos convoquem e nos incitem uma grafia autônoma. Na primeira delas, trabalhamos com a categoria “paisagem”, cujo objetivo era o de compreender como uma dada intervenção política no território produzia uma estética correspondente, tanto na paisagem, como no próprio lugar enquanto experiência do viver. Portanto, nosso objetivo inicial é o de analisar o processo articulado entre imaginação espacial-paisagem-lugar, a partir do tripé políticaestética-experiência. Na sequencia, será produzido um “caderno de viagem”, com a intenção de discutir as ideias de “multiterritorialidade” (HAESBAERT, 2004) e “realidade como versão” (VATTIMO, 1992). A segunda pesquisa irá tratar da constituição de uma paisagem fílmica como metodologia investigativa para a compreensão do papel estético-político da produção de uma dada imaginação espacial pela linguagem cinematográfica. Especificamente, a análise objetivou compreender a relação entre os locais narrativos (espacialidade existente no filme) e os lugares geográficos por eles aludidos (espacialidade fora do filme). Para isso, analisamos o filme “Cinema, Aspirinas e Urubus” (2005)2 e construímos “pontes de

2

“A história se passa no sertão nordestino de 1942 e conta a história de Johann (Peter Ketnath), um alemão que para fugir da Segunda Guerra Mundial, veio trabalhar como vendedor de aspirinas nas cidades do interior do Nordeste. Dirigindo seu caminhão, ele conhece Ranulpho (João Miguel), um nordestino que está tentando chegar a Rio de Janeiro e a procura de trabalho. Um encontro que mudar as vida de dois homens”. (In: http://pt.wikipedia.org/wiki/Cinema,_Aspirinas_e_Urubus)

significado” com outras imagens (imaginações espaciais) por meio dos conceitos de “permanência”, “repercussão” e “ressonância” (BACHELARD, 2005).

3. Sobre as pesquisas Pesquisa 1: A intenção é evidenciar que a paisagem é um pensamento social construído, e ainda, a expressão de uma “imaginação espacial” (MASSEY, 2008). A isto, aproximam-se as reflexões de Collot (2013) que compreende a paisagem como mediador, uma interação entre o local, sua percepção e sua representação, “a paisagem como um fenômeno, que não é nem uma pura representação, nem uma simples representação, nem uma simples presença, mas produto do encontro entre o mundo e um ponto de vista”(p.18). Entendida como verdade, a paisagem, é apropriado pelas “políticas espaciais” que lançam mão de processos de padronização estético-experiencial. Destacamos o turismo e a patrimonialização como exemplos. Eles agem com e por meio de uma imaginação espacial que reduz as multiplicidades de formas, sensibilidades e pensamentos à uma narrativa única dos lugares. Propusemos uma desterritorialização (derivação de sentido) dessa perspectiva de “guia”, a exemplo da reflexão feita por Queiroz Filho (2012), sobre a produção de relatos de viagem como estratégia de pensar outras geografias dos lugares-paisagens, que buscou “rasurar a ideia de relato como cópia, descrição, representação. Nossos relatos assumiriam a própria viagem como exploração e descoberta, antes e depois de sua produção...” (QUEIROZ FILHO, 2012, p. 107). Na pesquisa em questão, o modo como pretendemos realizar isso consiste na elaboração de um Caderno de Viagens, onde teremos estéticas diversas pautando a produção dos relatos dos viajantes, que serão as alegorias espaciais para pensarmos os conceitos de intencionalidade, versão e narrativa. Nossa viagem terá como destino a cidade de Muqui, situada no interior do Espírito Santo (Brasil). Essa escolha se deve pelo fato desse lugar ter sido recentemente tombado como “patrimônio cultural” e o processo de transformação da paisagem-guia ainda está em fase inicial. Pesquisa 2: No texto intitulado Rio Acima: percursos pelo filme Apocalipse Now, o autor aproxima a literatura e o cinema. Para tanto, ele utiliza três obras da cultura, são elas: um livro chamado O coração da Treva do escritor inglês Joseph Conrad e dois filmes do cineasta americano Francis Ford Coppola que são denominados respectivamente de Apocalipse Now e O Apocalipse de um Cineasta. O que essas narrativas têm em comum é a viagem pelo interior de um local ficcional conhecido como floresta em meio a um contexto de guerra. Há uma tensão entre os locais narrativos, tanto da literatura quanto dos filmes que provoca o deslocamento do lugar e do tempo geográfico e cria uma abertura para que por meio de sua análise, descrição e reflexão das narrativas Oliveira Jr. (2002) trilhe novos e outros percursos geográficos dentro dessas obras. Produzindo, desse modo, uma versão autoral a partir delas, ou seja, uma forma de

resistência. Desta maneira, encontramos amparo para aproximar duas linguagens em nossa pesquisa de mestrado, são elas: o cinema e a pintura, conforme foi dito anteriormente. O filme escolhido é uma produção brasileira de 2005, dirigida por Marcelo Gomes, intitulada Cinema, Aspirinas e Urubus. As obras pictóricas são do século XVII feitas por um artista do período barroco chamado Frans Post. Pensando num movimento que vai do filme enquanto lugar-paisagem para a pintura tomada como estética, problematizamos: quais implicações políticas expressas nesse modo de imaginar o espaço por intermédio das imagens do cinema que apresentam uma forma estética proveniente da pintura? As imagens que escolhemos miram o mundo sob o prisma do cinema e da pintura. Essa continuação, essa repercussão da linguagem, de seus traços e marcas provêm da pintura e são encontrados nas imagens contemporâneas, do cinema e do filme em questão. Pela repetição desse recurso simbólico (a luz e o brilho em alusão ao sol e também à coloração), utilizado na construção das pinturas e mais recentemente do cinema, nossos olhos são educados e aprendemos a ler e a significar essas marcas.

4. Bibliografia Livro Bachelard, G. (2005). A Poética do Espaço. São Paulo: Martins Fontes. Barros, M. (2010). Memórias Iventadas: as infâncias de Manoel de Barros. São Paulo: Planeta. Collot, M. (2013). Poética e Filosofia da Paisagem. Trad. Ilda Alves et all. Rio de Janeiro: Ed. Oficina Raquel. Haesbaert, R. (2004) O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiterritorialidade. Rio de

Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. Lyotard, J-F. (2011). A Condição Pós-Moderna. Trad. Ricardo Corrêa Barbosa. Rio de Janeiro: José Olympio. Massey, D. (2008). Pelo Espaço: uma nova política da espacialidade. Trad. Hilda Pareto Maciel e Rogério Haesbaert. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. Vattimo, G. (1992). A Sociedade Transparente. Trad. Hossein Shooja e Isabel Santos. Lisboa: Relógio D’Água. Artigo de revista impressa Oliveira Jr., W. M. (2002). Rio acima: percursos pelo filme Apocalipse Now. Educação e Sociedade, Campinas - SP, v. 78, p. 287-295. Artigo de revista electrónica Queiroz Filho, A. C. (2012) Desviando Olhares: estéticas-políticas dos relatos de viagem. Geograficidade [Online] V. 02. Disponível em: http://www.uff.br/posarq/geograficidade/revista/index.php/geograficidade/article/view/57 [Acesso em 07 de setembro de 2014] Anais de Evento Científico Oliveira Jr., W. M. (2004). As Fotografia e a Instituição do Lugar Onde se Vive: notas sobre linguagem fotográfica e atlas municipais escolares. Anais do 12 Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino – Endipe. Curitiba, Brasil.

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