Videogames em sala de aula: aproximações entre cultura visual contemporânea e ensino de artes visuais

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GT: Artes Visuais

Eixo Temático: Cultura Visual e ensino/aprendizagem em artes visuais

VIDEOGAMES EM SALA DE AULA: APROXIMAÇÕES ENTRE CULTURA VISUAL CONTEMPORÂNEA E ENSINO DE ARTES VISUAIS

Jordana Falcão Tavares (Faculdade de Artes Visuais - UFG, Goiás, Brasil) Pablo Sérvio (Faculdade de Artes Visuais - UFG, Goiás, Brasil) RESUMO: O alcance dos videogames na sociedade contemporânea tem sido claramente percebido quando se fala na movimentação financeira alavancada pelo setor. Entre pesquisadores, como neurocientista ou educadores, o assunto também desperta interesse. Seu uso tem sido apropriado por empresas e empreendimentos a fim de oferecer formação eficiente, segura e econômica a seus colaboradores. Entretanto, o impacto dos games incide de forma mais direta e forte sobre os jogadores, claro. A proposta desse artigo, portanto, é discorrer sobre os videogames como artefatos culturais e sua potência como pedagogia cultural1. Para tanto, abordaremos o princípio da gamificação em obras de artistas da geração dos nativos digitais para aproximar arte e educação ao refletir sobre as críticas propostas por esses artistas usando o videogame como suporte. Mas antes de tratar dos games relacionando-os à arte ou à educação, vale a pena apresentar um panorama sobre sua importância econômica e social. Palavras-chave: Videogames, Educação da Cultura Visual, Ensino de Artes Visuais.

VIDEO GAMES IN THE CLASSROOM: CONTEMPORARY VISUAL CULTURE CLOSE TO VISUAL ARTS EDUCATION ABSTRACT The importance of videogames in contemporary society has been clearly understood when speaking in leveraged financial transactions by sector. Among researchers, as neuroscientist or educators, it also arouses interest. Its use has been appropriated by companies and enterprises in order to provide effective training, safe and economical to its employees. However, the impact of the games focuses more directly and strongly on the players, of Aguirre define pedagogia cultural como sendo “um conjunto de conteúdos formativos que não são administrados pelas vias tradicionais de educação formal, mas sim pelos meios de comunicação de massa, basicamente” (2009, p. 165). 1

course. The purpose of this article, therefore, is to discuss video games as cultural artifacts and their power as a cultural pedagogy. To this end, we discuss the principle of gamification in works by artists of the generation of digital natives to bring art and education to reflect on the criticism brought by these artists using video games as support. But before we deal with games relating them to art or education, it is worthwhile to present an overview of its economic and social importance. Key words: Videogames, Visual Culture Education, Visual Arts Education

1. Introdução A proposta de reflexão que apresento por meio desse artigo surge a partir das leituras, dúvidas e debates contidos num projeto maior de doutorado. A pesquisa que deu origem a esse recorte tem por objetivo compreender que sentidos para juventude crianças e jovens atribuem às construções promovidas por um jogo eletrônico desenvolvido para uma marca de refrigerantes. Aqui, entretanto, a ideia é pensar a incidência dos videogames na sociedade de modo geral, desde as cifras que faz circular no mercado econômico, passando pela influência que tem inclusive sobre o processo criativo daqueles que foram/são conformados por sua lógica, até chegar às provocações que são capazes de iniciar sob o olhar de mediadores/educadores. Para desenvolver tais argumentos, o texto se divide em 3 grandes tópicos. No primeiro, apresento um pouco da história dos videogames, o surgimento do conceito de gamificação e resultado de pesquisas feitas sobre as aprendizagens advindas da interação com eles. O segundo tópico trata sobre educação da cultura visual, explicando quais os seus interesses e como pode colaborar no ensino de artes contemporâneo. Por fim, no último tópico, tomo a produção de Cory Arcangel para exemplificar problematizações possíveis nas salas de aulas de arte a partir de obras que usam o videogame como suporte. 2. Games: destaque econômico, relevância social. 2.1 Um breve panorama histórico e econômico sobre os videogames. A história dos videogames, como veremos, toca muitas vezes a de experimentos militares. Os primeiros jogos eletrônicos surgiram nos anos 50 em instalações militares americanas com o intuito de explorar as possibilidades dos computadores da época. Entretiam muitos visitantes e funcionários, mas nunca deixaram aquelas bases (OLIVEIRA, 2010). Só nos anos 60 estudantes do Massachusetts Institute of Technology criaram o Spacewar, jogo em que cada jogador controla uma nave espacial tentando destruir-se mutuamente num espaço sem gravidade. O sucesso fez com que o jogo passasse a ser instalado ainda na fábrica em computadores domésticos (MATOS, 2012). Desde então os avanços tecnológicos permitiram a criação de jogos cada vez mais complexos, aplicativos para dispositivos móveis, como celulares e tablets, e a interação remota entre jogadores por meio da rede. As novidades não param de crescer, bem como a quantidade de jogadores, o tempo e a energia investidos nessa atividade. Em seu livro lançado em 2011, Jane McGonigal, pesquisadora e entusiasta do tema, constatou que os jogadores espalhados ao redor do mundo gastam juntos 3 bilhões de horas por semana em games. Naquele ano, ela contabilizou que

somente em World os Warcraft, ou WOW, haviam sido investidas 6 milhões de anos até então. WOW é o tema da segunda maior enciclopédia colaborativa virtual do mundo, perdendo em número de verbetes apenas para a wikipedia. Revertendo esses números em cifras, vemos que os jogos eletrônicos são muito mais lucrativos que o cinema. Call os Duty 3, que narra uma guerra entre americanos e russos em 2016, vendeu só no dia de seu lançamento, em 2011, 400 milhões de dólares enquanto o campeão de bilheterias de cinema do mesmo ano, o último filme da série Harry Potter, arrecadou 381 milhões (VENTICINQUE E SOLLITO, 2012). 2.2 Entendendo a gamificação. Além – ou a partir - da vultuosidade de tempo e dinheiro que a indústria dos games mobiliza por si mesma, outros setores tem reconhecido vantagens em aplicar o princípio dos jogos em suas atividades. A esse fenômeno dá-se o nome de gamificação. O termo foi usado pela primeira vez por empresas de mídias digitais (DETERDING ET AL, 2011) para designar a influência dos videogames no cotidiano. De modo mais específico, gamificar é “aplicar mecanismos dos games a atividades que não são jogos para mudar o comportamento das pessoas”2 (BUNCHBALL, 2010, p. 2). Esquematicamente, gamificar é aplicar os princípio dos jogos a atividades oferecendo diversão como recompensa a realização de tarefas gerando engajamento no sujeito que interage. Essa dinâmica por ser usada no mundo dos negócios, da política, educação entre outros, para gerar participação e envolvimento. Usos industriais, militares e acadêmicos também tem acontecido porque “simuladores de jogos são muito eficientes (e economicamente viáveis) para o treinamento de soldados, pilotos, motoristas, pois evitam que o ser humano coloque em risco a própria vida em um treinamento inicial de algo perigoso e pouco conhecido” (MENDES, 2006, p. 10). O exército americano vai além do uso dos jogos para simular situações de combate em treinamentos. As forças armadas apelaram para a diversão e todo o encantamento3 presente nos jogos eletrônicos para criar America’s Army, um game que reproduz a vida militar desde o treinamento até as intensas batalhas. A gamificação tem sido empregada também a disciplinas escolares para facilitar o aprendizado, já que por meio de jogos, sejam eles digitais ou não, os estudantes aplicam os conteúdos a situações simuladas de realidade (SHAFFER et al, 2004, p. 4 e 5). Entretanto, os jogos educativos são minoria frente aos títulos de entretenimento e é preciso refletir sobre o que esses games são capazes de ensinar. . 2.3 O que alunos jogadores tem aprendido. Pensando sobre o que os jogos podem ensinar, Correa (2010) questionou jovens estudante do ensino médio sobre o que aprendem jogando The Sims4. Além 2

No original: “gamification applies the mechanics of gaming to nongame activities to change people’s behavior”.

Silverstone retoma a noção “encantamento” de Alfred Gell (1988) que afirma que as pessoas criam formas de exercer controle sobre as ideias e ações de outras para propor que as tecnologias também encantam e assim controlam ideias e ações de seus usuários (SILVERSTONE, 2005). 3

4

The Sims é um jogo on line que simula a vida real. Nele os jogadores assumem o papel de personagens que interagem com a família, vizinhança, trabalho e outros aspectos cotidianos da vida. A primeira versão foi lançada

de decodificar símbolos e organizar ideias, ela identificou que os jogadores citam entre as habilidades desenvolvidas, o reconhecimento de padrões, a orientação espacial e a seleção de informações pertinentes frente a vários estímulos simultâneos, entre outras. A autora observa que a ideia de decodificar sinais se aplica, inclusive, à linguagem em que o jogo opera, pois a aquisição de princípios de inglês (presentes em comandos sonoros ou escritos na tela) está listada entre as competências que os jogadores dizem trabalhar e desenvolver. Mendes (2006) soma aos aprendizados que os videogames proporcionam saberes históricos e geográficos e ainda saberes mitológicos e ficcionais. Esses saberes estão relacionados à temática ou ao pano de fundo em que se constrói a narrativa do jogo. Como exemplo, ele cita o Endgame - jogo no qual 16 capitais de países da Europa estão sob ameaça terrorista e, para não seguir pistas erradas, é preciso ter noção de suas localizações. Cita, também, God of War – em que o jogador encarna Kratus e luta contra os deuses do Olimpo e criaturas mitológicas. Cláudio Mendes (2006, p. 10), ao analisar e construir relações entre jogos eletrônicos e o conceito foucaltiano de subjetivação, lista algumas preocupações sobre o que os games são capazes de ensinar: (...) os jogos eletrônicos são considerados artefatos nada inocentes. Eles, segundo a literatura, educam de alguma forma: educam para o consumo (CABRAL, 2001); educam para a violência (CHILDREN & THE MEDIA, 2002; JOGOS DO MILÊNIO, 2001; AGUIAR, 2002); educam para os papéis de gênero (CHILDREN & THE MEDIA, 2002). De uma forma ou de outra, os estudiosos reafirmam seu papel pedagógico (PROVENZO JR. 1997; LOPES, 2000; PIRES, 2002)

O autor centra sua análise nas relações que se estabelecem nas comunidades de jogadores e seu entorno (lojas, revistas, sites e programas dedicados a eles). Ele destaca dois aspectos da aprendizagem promovida pelos games: os jogos educam para o consumo à medida que hard e softwares se tornam rapidamente obsoletos e exigem atualização, e educam o corpo condicionando-o para uma economia de gestos e habilidades necessárias à interação com personagens e cenários (MENDES, 2006). Alves, em seu estudo sobre jogos e violência, relata sobre os aprendizados comentados por seus colaboradores: Percebe-se nas narrativas dos autores e atores que se aprende porque há interação com o objeto do conhecimento, nesse caso, os games, que demandam respostas rápidas diante de constantes desafios que exigem soluções para os problemas, desenvolvendo estratégias, raciocínio lógicomatemático e um pensamento hipertextual, caracterizado por conexões e associações com diferentes janelas (ALVES, 2005, p.209).

Para o médico e neurocientista Ramon Cosenza (2009) há ganhos significativos quanto à plasticidade cerebral daqueles que chama de nativos digitais. Nativos digitais (PESCADOR, 2010), ou screenagers (RUSHKOFF, 1999 in ALVES L., 2005), são parte de uma geração nascida a partir fim do século XX, extremamente familiarizada com tecnologias e telas, como TVs, games, computadores, smartphones etc. Eles dominam a linguagem digital desde que nasceram, estão continuamente conectados entre si por meio da internet, produzem

em 2000, hoje existem versões temáticas, como a medieval, cinema e anos 70, 80 e 90. Na versão Ikea Home Stuff os jogadores podem mobiliar e decorar a casa com produtos disponíveis na rede lojas Ikea.

e consomem informações de forma rápida e descontinua, e costumam dividir seu interesse e atenção entre muitas ações simultâneas (PESCADOR, 2010). Cosenza explica que essa geração tem a memória operacional 5 constantemente desafiada ao realizar várias tarefas ao mesmo tempo. Por outro lado, a pesquisa aponta que os múltiplos estímulos oferecidos pelas novas tecnologias, como o videogame, exigem demais dos cérebros dos nativos digitais, tornando difícil processar tantas informações. Além disso, quando a atenção se alterna rapidamente entre diferentes focos há “um retardo nas respostas e a uma perda na eficiência de processamento da informação” (COSENZA, 2009, s/p), ou seja, a dedicação a cada uma das tarefas em execução diminui. O autor também constata que há maior propensão à obesidade e diminuição das habilidades interpessoais entre os nativos digitais. Observa, ainda, que a recompensa imediata conseguida nos jogos torna os nativos digitais impacientes no que se refere a atividades que exigem concentração, como a leitura de textos longos e atenção durante as atividades escolares. Sobre a falta de interesse pela escola, Lee e Hammer (2011) afirmam que, nos Estados Unidos, todos os anos pelo menos 1,2 milhão de alunos deixam de concluir o ensino médio e a falta de compromisso é um dos principais motivos. No Brasil, a evasão chega a cerca de 3,5 milhões de alunos do ensino médio (dados de 2005) e as principais justificativas são a necessidade de entrar no mercado de trabalho, falta de transporte ou doenças, mas, também, o desinteresse (LOPES, 2010). As soluções para manter os alunos brasileiros dentro das escolas passam principalmente por questões estruturais, mas é importante também criar estratégias que os envolvam com o ensino e lhes recompensem de forma mais clara do que apenas a expectativa de “um futuro melhor”. Lee e Hammer (2011) sugerem que a gamificação do ensino pode ser de grande valia porque gera engajamento, proporciona aprendizados aplicados e, sobretudo, valoriza o exercício da tentativa e erro, princípio da pesquisa empírica. Enquanto a gamificação não chega à escola, cabe a professores e pesquisadores refletir sobre como aproximar-se dessa tendência tão cara a toda uma geração de nativos digitais em sala de aula. No próximo tópico apresentaremos artistas que usam os games como suporte para suas obras e como essas peças podem gerar reflexões nas salas de aulas de arte. 3. Games e educação da cultura visual: o que professores de arte podem aprender. É preciso ter em mente que não consideramos antagônica a relação entre videogames e artes. E ao sugerirmos uma aproximação entre eles, bem como propostas pedagógicas que a contemplem, estamos nos baseando na educação da cultura visual. Longe de oferecer propostas prontas, métodos ou mesmo se fixar como uma disciplina, essa abordagem se apresenta como “uma maneira de pensar e abordar imagens e artefatos que instituem sentidos e significados para e com esse 5

Memória operacional ou memória de trabalho é a capacidade de manter na consciência as informações necessárias para realizar uma tarefa em andamento, como extrair o sentido geral de um parágrafo ao final de sua leitura, por exemplo (CONSEZA, 2009).

mundo cultural-eletrônico-digital” (MARTINS E TOURINHO, 2011, p. 57). A educação da cultura visual admite a importância de ampliar o repertório de imagens a serem abordadas pedagogicamente para além daquelas tradicionalmente incluidas em livros de história da arte e leva especialmente em conta visualidades do cotidiano dos alunos. Cabe ressaltar que esta preocupação não renega a presença da arte. Até mesmo porque, como diz Eleanor Heartney (2002) foram os artistas ligados ao debate sobre o pós-moderno e à conclusão de que “nossa compreensão do mundo é baseada, antes de mais nada, nas imagens mediadas” que requisitaram o direito de propor reflexões sobre este cotidiano visual (p.7). Neste sentido também a Educação da Cultura Visual, propõe debates sobre fenômenos e artefatos visuais que já foram ignorados pelo currículo, estudando seus usos e efeitos sensíveis e sociais. Investiga, também, a potência educativa desses artefatos para os indivíduos, situando a escola como espaço de interseção entre alunos e educadores, espaço onde se pode indagar, perceber e aprender através de formas distintas de cotidianidade (NASCIMENTO, 2010). Para Hernández (2011), a escola precisa ser repensada para se tornar um local de produção de conhecimento conjunto entre professores e alunos, bem como um local de produção de conhecimento com sentidos, ou seja, relacionados com a vida cotidiana. Para tanto, o autor propõe a aproximação da educação da cultura visual do ensino de artes. Atento, contudo, a provisoriedade do campo, Hernández (idem, p. 44) sugere uma educação da cultura visual que aja para questionar narrativas presentes nos currículos a fim de construir colaborativamente saberes que façam discentes e docentes “interrogar e expandir os sentidos do desejo de aprender sobre si mesmos, os outros e o mundo”. Duncum (2011, p. 16) corrobora com o posicionamento acerca de uma mudança necessária no ensino, sendo o de artes seu principal foco. Seus argumentos se baseiam tanto na avassaladora emergência das novas tecnologias de informação quanto na vida social mediada pelo capitalismo. Para Duncum (idem, p. 17): [A] tecnologia tem proporcionado uma proliferação da imagem sem precedentes que revolucionou por completo, aparentemente em um piscar de olhos, nossa paisagem visual. (...) Eis que a proliferação de imagens, ao mesmo tempo em que resulta de novas tecnologias, é também motivada pela combinação de demanda econômica e necessidades humanas assentadas sobre novos arranjos sociais.

Assim, a grande maioria das imagens presente na vida escolar dos alunos deixou de ser artística e passou a ser comercial. São “representações que corroboram posições sociais existentes, as quais são comumente sexistas, racistas, xenófobas e homófobas, bem como marginalizam e objetificam os deficientes mentais e físicos, e assim por diante” (idem, p.20). Logo, é preciso incluir nos debates sobre arte e imagem em sala de aula temas que toquem o interesse do alunado não apenas por seu apelo hedonista, mas principalmente por ser parte de seu cotidiano e colaborar para questionar as construções em torno de narrativas hegemônicas. Hernández (2011, p.44) sugere criar uma nova narrativa para a escola a partir da educação das artes e da cultura visual em que: (a) propiciem-se situações e experiências nas quais se possa aprender a estabelecer vínculos entre imagens, objetos, artefatos relacionados com experiências culturais do olhar e coloca-los em relação aos seus contextos de produção, distribuição e recepção, além de com as experiências dos sujeitos; (b) investiguem-se os

efeitos dessas relações nas construções subjetivas de diferentes audiências e instituições produtoras e divulgadoras de cultura visual; tudo isso com a finalidade de (c) estabelecer processos de compreensão que permitam detectar regularidades e diferenças e desvelar as posições de poder sobre as quais o conhecimento construído se estabelece; ao mesmo tempo em que (d) possibilite elaborar/criar narrativas visuais, por processos e meios diversos, nas quais se ponha em evidência a capacidade de resistência, autoria e ação dos aprendizes.

Também por meio da educação da cultura visual o paralelo entre games e ensino de artes que traçamos com esse artigo tentar romper com a ideia de que: Os estudantes, em geral, são vistos como ignorantes, desinformados e alienados culturalmente (...) só devem escutar, obedecer e seguir o que está sendo proposto. Aliás, formar sujeitos obedientes é o que historicamente se difundiu e prepondera como uma missão, não divulgada ou não explicitada, para as escolas (NASCIMENTO, 2010).

Ao trazer um objeto de diversão tão presente no universo dos alunos para diálogos, o que se espera é tanto motivar os estudantes por meio de conteúdos significativos em seu cotidiano quanto relacionar esses conteúdos a questões pedagógicas necessárias na contemporaneidade, como consumo ou gênero, entre tantos possíveis. 4. Games e arte: uma relação pedagógica possível e atual Quando atentamos para as exposições de arte mais visitadas de 2014, vemos como as mais expressivas: Obsessão Infinita - da japonesa Yayoi Kusama, montada na capital paulista por dois meses, com 522 mil visitantes (ROCHA, 2014), e a Bienal de São Paulo - com um público de 472 mil pessoas em três meses de duração (FUNDAÇÃO BIENAL, 2015). Já o Museu do Videogame Itinerante, exposto em um shopping de Campo Grande – MT por uma quinzena do mesmo ano, recebeu 162 mil visitantes (OLIVEIRA, 2015). As proporções entre a quantidade de visitantes e o período de cada mostra revelam que Obsessão Infinita teve uma visitação diária média de 8,7 mil pessoas, a Bienal recebeu 5,2 mil pessoas por dia e pelo MVI passaram cerca de 10,8 mil visitantes a cada dia. Esses números reiteram a estima dos nativos digitais pelos videogames em detrimento das artes “tradicionais” e, consequentemente, a necessidade professores e pesquisadores pensarem a relação entre esse artefato visual e o universo da arte hoje. De forma análoga a Andy Warhol - que produzia imagens em série para referir-se à indústria cultural em meados do século XX - ou Cindy Sherman – que criava autorretratos como diferentes mulheres em paralelo ao fortalecimento do movimento feminista pelos anos 70 e 80, artistas contemporâneos tem buscado suporte nas novas tecnologias para produzir e refletir sobre as consequências que elas nos tem imposto. Uma leva de nativos digitais está subvertendo as máquinas que lhes acompanharam desde a infância para propor obras que questionam a lógica com que tais máquinas trabalham. O site do coletivo Video Game Art Gallery – VGA reúne uma boa mostra de trabalhos de artistas que usam os jogos eletrônicos como suporte. O VGA foi fundado em 2013 por Jonathan Kinkley e Chaz Evans. O primeiro é historiador de arte e tem mais de 10 anos de experiência em museus, já o segundo é artista, historiador, professor, além de trabalhar com programação criativa, webart e games

(VAG, 2015). A proposta da galeria é valorizar o uso cultural do que considera um dos principais meios de comunicação do século XXI: o videogame. Mostras, estudos e comércio estão entre as atividades da galeria que conta com um time de quase 20 artistas dedicados à linguagem dos jogos eletrônicos. O paralelo entre os jogos e arte ou educação é claro em vários dos títulos apresentados no site, como em Manifold Garden (figura 1), de William Chrys. Descrito como um jogo cuja estética é inspirada nos desenhos de M.C. Escher, em Manifold Garden o jogador se com depara desafios baseados em questões de física. Em Lumino City, Luke Whittaker produz um game a partir da técnica de stop motion animando personagens feitos artesanalmente à base de cola e papel em que o chiaroscuro (estética renascentista) marca a identidade visual do jogo (VAG, 2015). Os exemplos citados indiciam mesmo que sutilmente possibilidades de se trabalhar com videogames em sala de aula – tanto como artefato de interação como disparador de debates sobre os conteúdos curriculares, pois sua descrição deixa patente a relação com arte, por exemplo. Figura 1 - Manifold Garden, de William Chrys

Imagem disponível no site da Video Game Art Gallery

Uma relação direta entre videogames e o ensino de artes foi materializado por meio de “A mansão de Quelícera”. Bahia et al (2014, p. 9) relatam a criação de um jogo pensado para promover “o desenvolvimento de um ambiente digital promotor da fruição artística para o público infanto-juvenil”. Os jogadores em idade escolar são convidados a entrar na mansão da feiticeira Quelícera e desvendar mistérios que levam ao contato com obras de artistas clássicos, como Arcimboldo ou Bosch. Entre 2008 e 2009, A mansão de Quelícera integrou o Guia de Tecnologias Educacionais, publicação do Ministério da Educação que recomenda tecnologias educacionais para serem usadas em salas de aula. Além do jogo, o projeto conta com um site de apoio a pais e educadores. “São mais de 300 laudas de hipertextos que estabelecem relações entre imagens, conceitos, informações do game, verbetes de um glossário, site dos museus proprietários das obras citadas e muito mais” (idem, p. 11). Embora indicado pelo MEC, A mansão de Quelícera não está disponível para

todos os interessados, pois faz parte de um projeto específico do estado de Santa Catarina. Não é difícil, entretanto, encontrar artistas cujos trabalhos baseados na lógica dos games possam disparar reflexões. É o caso Cory Arcangel, exemplo que tomaremos para pensar sobre jogos, arte e educação. 4. De nativo digital para nativo digital: obras de Cory Arcangel e reflexões para sala de aula Nascido no fim dos anos 70 em Nova York, Arcangel trabalha com vídeo, música, performance, programação e videogame. Ele é um expoente de artetecnologia tendo exposto seus trabalhos em importantes galerias e museus, tais como Museum of Contemporary Art (Miami), Hamburger Bahnholf (Berlim) e Whitney Museum of American Arte (Nova York), sendo o segundo artista mais jovem da história da instituição a ser convidado para ocupar um andar inteiro de exposição (LISSON GALLERY, 2015). Entre seus trabalhos de destaque estão aqueles em que subverte a programação de games, como em “Super Mario Clouds”, de 2002. A partir do clássico Super Mario Brothers, Arcangel removeu grande parte do cenário e suprimiu a interação, deixando apenas o pano de fundo azul do céu com nuvens atravessando lentamente a tela. Em seu site, o artista disponibiliza um tutorial ensinando como hacker o jogo (ARCANGEL, 2015). Em Super Slow Tetris, o artista alterou o código do jogo para discutir a pressa e o imediatismo de nosso tempo. No original, o jogador deve encaixar blocos de diferentes formatos a fim de formar linhas que desaparecem. A atividade requer noções espaciais, uma vez que as peças podem ser giradas para que o encaixe não deixe espaços vazios. Além de pontuar ao completar linhas, o jogador é recompensando também se impõe velocidade aos blocos. Já na versão de Arcangel cada bloco leva cerca de 8 horas até chegar à base da tela, mesmo os movimentos laterais são demorados, tornando a interação extremamente maçante. Acompanhar o trajeto, segundo ele, “é enlouquecedor” (ARCANGEL, 2015). O clássico revisitado por Arcangel aborda questões extremamente pertinentes ao nosso tempo e à escola de modo específico. É possível afirmar que jogos como Tetris estão associados a uma sociedade que quer treinar nossos sentidos, sensibilidade e cognição a respostas/reações cada vez mais velozes. Em oposição, a opinião do pedagogo portugués Antonio Nóvoa (2010) é a de que a escola “deve ser capaz, isso sim, de reintroduzir a calma e a serenidade no espaço escolar” (p.39) ao invés de investir em uma competição com a sociedade hiper-sensacionalista, como a descreve Singer (2004). As tecnologias e o estilo de vida contemporâneo cobram cada vez mais resultados instantâneos, realização de várias tarefas ao mesmo tempo e conexão ininterrupta seja nos círculos sociais ou profissionais. Esse ritmo afeta até mesmo crianças e adolescentes. Uma pesquisa realizada em 2006 mostrou que enquanto realizavam as atividades escolares, 84% dos adolescentes americanos escutavam música, 42% assistiam TV e 21% faziam duas ou mais atividades ao mesmo tempo em que estudavam. Segundo o Cosenza (2009): O envolvimento nessa quantidade de tarefas múltiplas, com seu fluxo contínuo de informação, requisição de ações paralelas e mudança contínua do foco de atenção, produz alterações no cérebro dos

indivíduos que a elas se submetem. Naturalmente, com o treino, eles passam a ter maior habilidade. Essas pessoas desenvolvem, por exemplo, uma atenção periférica mais eficiente e conseguem responder mais rapidamente aos estímulos visuais.

Entretanto, fazer mais coisas ao mesmo tempo não significa fazê-las todas bem. A atenção é dividida e o treinamento (mesmo não proposital) que essa rotina impõe torna enfadonhas as tarefas que exigem mais envolvimento, como leituras. Outro problema de quem se acostuma a trabalhar com tarefas múltiplas em um ambiente tecnologicamente avançado é que o cérebro habitua-se a gratificação imediata. Qualquer demora passa a ser motivo de desagrado e impaciência. Acostumados a esse tipo de estimulação, os jovens tendem a considerar entediante o estudo e a leitura de um texto mais extenso, o mesmo acontecendo com as aulas tradicionais (idem).

Além da superficialidade no aprendizado ou o fastio quanto às atividades mais duradouras, o pesquisador indica que uma exposição continua, sem acompanhamento e sem limites, ao computador pode inibir a interação social. Os contatos pessoais, por seu turno, são importantes para desenvolver aspectos cognitivos, como a aquisição de vocabulário (idem). Assim, Super Slow Tetris aponta para reflexões relevantes na atualidade como a ansiedade por resultados, importância do convívio social e a disponibilidade para comprometer-se com trabalhos mais demorados, como a própria leitura, base da aquisição de conhecimentos. 5. Concluindo Longe de criticar as atuais práticas dos professores de artes, a reflexão que tentei propor por meio da aproximação entre videogame, educação da cultura visual e ensino de arte, tem por objetivo ampliar as ferramentas de atuação pedagógica. Tendo em conta todas as dificuldades que se apresentam aos docentes, tais como cumprimento de carga horária, falta de estrutura escolar, desinteresse por parte dos discentes, entre tantos, trabalhar com um artefato que, além de dinâmico, é familiar e cativante para os alunos pode se apresentar como uma maneira de mobilizá-los e oferecer-lhes um ensino mais relacionado com o cotidiano. Vale ter em mente que a educação da cultura visual tem entre suas preocupações a formação de cidadãos críticos, capazes de duvidar, questionar e ressignificar o meio em que vivem. Ao incorporar conteúdos externos aos currículos aos debates escolares, professores e educadores estamos reconhecendo que a educação é processo contínuo, não restrito a espaços ou assuntos prédeterminados. Também estamos contribuindo para valorizar os saberes dos nossos alunos, bem como oportunizando-lhes a reflexão sobre como educação, arte, mídia e divertimento são responsáveis por sua (con)formação. Referências bibliográficas AGUIRRE, Imanol. Imaginando um futuro para a educação artística. In MARTINS, Raimundo; TOURINHO, Irene (Orgs.). Educação da cultura visual: narrativas de ensino e pesquisa. Santa Maria: Editora UFSM, 2009. ALVES, Lynn. Game Over: jogos eletrônicos e violência. São Paulo: Futura, 2005. ARCANGEL, Cory. Disponível em: . Acesso 15/09/15.

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Currículos dos autores Jordana Falcão Tavares é Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Arte e Cultura visual da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás. É mestre pelo PPG em Arte e Cultura Visual e Especialista em Teoria da Comunicação e da Imagem pela Universidade Federal do Ceará. http://lattes.cnpq.br/7668115661963834 Pablo Petit Passos Sérvio é Bolsista do Programa Nacional de Pós Doutorado (CAPES) no Programa de Pós-graduação em Arte e Cultura visual da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás. É Doutor e Mestre pelo PPG em Arte e Cultura Visual e Especialista em Teoria da Comunicação e da Imagem pela Universidade Federal do Ceará. http://lattes.cnpq.br/1358162078604076

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