VIEIRA, Alberto AO ENCONTRO DAS MEMÓRIAS E DOS DISCURSOS DA AUTONOMIA INSULAR O ARQUIPÉLAGO DA MADEIRA

June 3, 2017 | Autor: Alberto Vieira | Categoria: Island Studies, Autonomy, Autonomia, Historia Da Madeira
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01 Projeto "Memória da Autonomia"

VIEIRA, Alberto AO ENCONTRO DAS MEMÓRIAS E DOS DISCURSOS DA AUTONOMIA INSULAR O ARQUIPÉLAGO DA MADEIRA

Cadernos de divulgação do CEHA. Projeto “Memória da Autonomia”/ SRETC / DRC | N.º 01. VIEIRA, Alberto, Ao encontro das memórias e dos discursos da autonomia insular. O Arquipélago Da Madeira. Funchal. Maio de 2016.

Ao encontro das memórias e dos discursos da autonomia insular – O arquipélago da Madeira

40 ANOS

DA CONSTITUIÇÃO E DAS AUTONOMIAS POLÍTICAS REGIONAIS DOS AÇORES E DA MADEIRA 23 de maio de 2016 SALA DE SÃO PEDRO DA BIBLIOTECA GERAL DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA Coordenação científica Isabel Maria Freitas Valente

Alto Patrocínio da MEP, Dra Cláudia Monteiro de Aguiar e da MEP, Dra Sofia Ribeiro

Obs.: texto da apresentação feita no dia 23 de Maio no "Colóquio 40 anos da Constituição e das Autonomias Políticas Regionais dos Açores e da Madeira", que decorreu na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra a 23 de Maio de 2016, organizado pelo Centro de Estudos Intedisciplinares do Século XX.

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Ao encontro das memórias e dos discursos da autonomia insular. O Arquipélago Da Madeira. ALBERTO VIEIRA* CEHA-SRETC-MADEIRA

ALBERTO VIEIRA. N. 1956. S. Vicente Madeira. Títulos Académicos e Situação Profissional: 2016- Coordenador do CEHA e de projetos de investigação; 2013-2015:Diretor de Serviços do CEHA; 2008- Presidente do CEHA, 1999 - Investigador Coordenador do CEHA; 1991-Doutor em História (área de História dos Descobrimentos e Expansão Portuguesa), na Universidade dos Açores; 1980. Licenciatura em História pela Universidade de Lisboa. ATIVIDADE CIENTIFICA. Pertence a várias academias da especialidade e intervém com consultor científico em publicações periódicas especializadas. É Investigador-convidado do CLEPUL-Lisboa. Membro da Catedra Infante Dom Henrique. Desenvolveu trabalhos de investigação nos domínios da História do Meio Ambiente e Ecológica, História da Ciência e da Técnica, O Mundo das Ilhas e as Ilhas do Mundo, História da Autonomia, História da Ciência e da Tecnologia, História da Escravatura, História da Vinha e do Vinho, História das Instituições Financeiras, História do Açúcar. Atualmente desenvolveu estudos e coordena projetos sobre Historia Oral /Autobiográfica, com os projetos: MEMORIAS das Gentes que fazem a História; NONA ILHA- as Mobilidades Madeirenses; AUTONOMIA. Memorias e testemunhos. PUBLICAÇÕES. Tem publicado diversos estudos, em livros e artigos de revistas e atas de colóquios, sobre a História da Madeira, dos espaços insulares atlânticos, da Nissologia/Nesologia e sobre os temas de investigação referidos acima. Informação curricular desenvolvida em: https://app. box.com/s/248a0h63 7wi5llm26o66o9bbw2kd182z.

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L’île est une terre de polémiques et de malentendus parfois volontaires! GOMBAUD (2007: 351)

A ilha da Madeira, descoberta, povoada, e até hoje quasi sem interrupção possuída pelos portuguezes, vio desde os primeiros tempos plantadas em seu territorio as mesmas instituições, e leis, por que seus povoadores se região na Europa; e era natural, que, a par das vantagens resultantes da forma representativa, e actividades de seu Governo, do espirito emprehendedor da Nação, e dos consequentes, e pasmosos descobrimentos, e conquistas, que nos submetterão o imperio dos mares, e o Commercio do Mundo, passassem ao novo solo todos os vicios de uma legislação, que a falta de muitos principios luminosos, ainda n’aquelle tempo, de todo, ou quasi inteiramente desconhecidos, tornava imperfeita. (O Funchalense Liberal, n.º1, 3 de fevereiro de 1827, p. 1)

(…) como nos Açores, sente-se na Madeira que as populações insulanas vivem num regímen de espoliação, em benefício dos interesses e das clientelas, que teem a sua sede para lá do Cabo da Roca, e que só se pensa nelas para as ordenhar, como a bojudíssimas tetas de rebanhos dóceis à voz e à vara do pastor, que as tange das eminências do Terreiro do Paço. Como nos Açores, sente-se na Madeira que - escravizados a interesses que não são os nossos, vítimas de erros que não cometemos, de desvarios em que não fomos cúmplices, de bombochatas de toda a espécie de que não comparticipámos, de administrações ruinosas em que não colaboramos, de bodos em que nenhuma migalha nos coube e de festins a cuja mesa lauta e ruidosa nos não sentamos - os Distritos Insulanos só podem encontrar o caminho do seu progresso, do seu desenvolvimento e do seu aperfeiçoamento material e social na reivindicação do direito de administrar o que lhes pertence e de usufruir o que representa a sua riqueza, e o produto da sua iniciativa, do seu trabalho e do seu esforço. Se todos assim pensamos, se todos assim sentimos, se as nossas razões de queixa são as mesmas e os mesmos os motivos que as legitimam haverá fundamento que se oponha a uma conjugação das forças madeirenses e açorianos no sentido de uma reivindicação comum (...)? Fernando Tolentino da Costa, Telegrama para Pres. Minist. e M. Finanças, Correio da Madeira 07.11.1922 CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA

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ara nós, a História e a memória da Autonomia apresenta-se sob duas formas: a memória dita oficial/institucional, que também pode ser entendida como histórica/documental, que se reporta a informação e documentação gerada no quadro político e institucional e aquela que designamos como memória pessoal/individual, fruto das vivências e anseios de cada madeirense. Não se trata de formas divergentes, na medida em que se completam e definem o quadro daquilo que foi, para nós, a História da Autonomia. A memória da autonomia deve ser entendida nessa dupla dimensão. Não podemos esquecer a aportação de Maurice Halbwachs com a ideia e conceito de memória coletiva “A memória é constituída por indivíduos em interação, por grupos sociais, sendo as lembranças individuais

resultado desse processo.”1 Neste processo de rememori1

Sobre as questões em torno da Memória Cf.; (1925), Les cadres sociaux de la mémoire. Paris: Felix Alcan; id., Alexandre, J.H. (1950), La mémoire collective. Ouvrage posthume publié. Paris: PUF; id., Middleton, David; Edwards, Derek (1990), Collective Remembering. London: Newbury Park / Ca.: Sage Publications. E a isso temos de atender que “A memória é vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações, susceptível de longas latências e de repentinas revitalizações”. Pelo que “A memória emerge de um grupo que ela une, o que quer dizer, como Halbwachs o fez, que há tantas memórias quantos grupos existem; que ela é, por natureza, múltipla e desacelerada, coletiva, plural e individualizada. A história, ao contrário, pertence a todos e a ninguém, o que lhe dá uma vocação para o universal. A memória se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto. A história só se liga às continuidades temporais, às evoluções e às relações das coisas. A memória é um absoluto e a história só conhece o relativo (NORA, Pierre. Entre Memória e História: a problemática dos lugares. In: Projeto História. São Paulo: PUC, n. 10, pp. 07-28, dezembro de 1993, p. 09).

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zação desta memória, não devemos esquecer a influência que assume na construção da identidade2. Neste contexto, fomos ao encontro da memória da autonomia, diferenciada na documentação e nas vivências individuais de cada um dos madeirenses. Relativamente à primeira, já procedemos a diversas recolhas de informação e documentais, que estão disponíveis para o público em geral e que pode ser acedida através do acervo digital da nossa biblioteca do CEHA. Da outra, porque não havia na ilha tradição do uso da História Oral, estamos a proceder às recolhas que, num futuro próximo, contribuirão para uma outra História da Autonomia. Para esta memória vivencial/pessoal, deveremos socorrer-nos das Histórias de Vida, da Autobiografia3, das Memórias e, por fim, da História Oral4, como meio de fixar essa ausência de memórias individuais5, como a voz do passado, segundo P. Thompson6. Nesta memória, temos sentimentos, ressentimentos, cheiros e sons7. É, afinal, isso que temos feito 2

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Pois “A memória não pode ser entendida como apenas um ato de busca de informações do passado, tendo em vista a reconstituição deste passado. Ela deve ser entendida como um processo dinâmico da própria rememorização, o que estará ligado à questão de identidade (SANTOS, Reinaldo Soares dos. O Encanto da Lagoa: O imaginário histórico-cultural como elemento propulsor para o turismo cultural na Lagoa Encantada. Dissertação (Mestrado em Cultura e Turismo) – Programa de Pós-Graduação em Cultura e Turismo, UESC/UFBA, Ilhéus-Ba, 2004, p. 59). Atente-se que esta visão/construção autobiográfica, defendida por LEJEUNE assume-se como uma rutura do discurso, pois que “a escrita de si assume a subjetividade de seu autor como dimensão integrante de sua linguagem, construindo sobre ela a “sua verdade”. (…) O que passa a importar para o historiador é exatamente a ótica assumida pelo registro e como seu autor a expressa. Isto é, o documento não trata de “dizer o que houve”, mas de dizer o que o autor diz que viu, sentiu e experimentou, retrospectivamente, em relação a um acontecimento (GOMES, Ângela de Castro (Org.). Escrita de si, escrita da história, 2004: 14). Mas nunca podemos esquecer que esta escrita ou visão autobiográfica é mais ampla, pois segundo Serge Doubrovsky: “Écrire sur soi, c’est écrire sur les autres” [DOUBROVSKY, Serge. «Autobiographie/Vérité/Psychanalyse» In: Autobiographiques: de Corneille à Sartre, 1988]. E que fique claro que a autobiografia moderna não nasceu em ruptura com a biografia tradicional (aliás mesmo depois de Rousseau e até hoje, ainda há autobiografias que se comportam como simples biografias), mas simplesmente como conseqüência de uma nova forma de biografia (o romance autobiográfico). (LEJEUNE,P. , L’Autobiographie en France. 1971: 463).

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Sobre a História oral em Portugal vide: OLIVEIRA, Luísa Tiago de, A História Oral em Portugal, in Sociologia, Problemas e Práticas, n.º 63, 2010, pp. 139-156.

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Diz Alessandro PORTELLI [2000. Memória e diálogo: desafios da história oral para a ideologia do século XXI. In FERNANDES, Tânia Maria.et al.(Orgs) História Oral: Desafios para o século XXI. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, p. 69)] “Acredito na história oral precisamente porque ela pesquisa a memória de indivíduos como um desafio a essa memória concentrada em mãos restritas e profissionais. E penso que parte de nosso desafio é o fato de que realmente encaramos a memória não apenas como preservação da informação, mas também como sinal de luta e como processo em andamento “.

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Thompson, Paul (#992), A voz do passado. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

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Cf. Ansart, Pierre (200#), “História e memória dos ressentimentos”,

com o projeto Memórias da Autonomia, que temos em curso na Madeira, desde 2014, fixando as memórias e vivências dos indivíduos, que fizeram no passado recente ou na atualidade, a autonomia. Atente-se na ideia de que, na atualidade, a História não se faz apenas com o recurso ao documento escrito e, cada vez mais aparecem orientações e metodologias, no sentido de alargamento da ideia e conceito de documento histórico, o que permite enriquecer, de forma evidente, o discurso. Assim, podemos afirmar que na História insular atlântica, tal como na dos espaços continentais, nos novos rumos delineados para a atual historiografia, assumem grande atualidade as questões em torno da História Oral, Histórias de Vida e Autobiografia. Paulatinamente, são delineados novos caminhos para a investigação, permitindo uma nova forma de fazer História e abrindo a possibilidade de produzir novos resultados. Mas, podemos perguntar-nos se não será isto um retorno às origens da Historiografia mundial e insular, consubstanciada neste último caso num retorno às metodologias frutuosianas da segunda metade do século XVI, que pode ser uma afirmação capaz de mover os mais mais tradicionalistas na aceitação do novo, em termos do conhecimento e das técnicas para o atingir. Assistimos, hoje, a uma mudança radical no discurso histórico e na forma de fazer a História. A História passou a ser vista de baixo8. Por outro lado, a História Oral, as Histórias de Vida e a Autobiografia são importantes, porque o Homem assumiu definitivamente o palco da História, onde todos têm lugar. A Oralidade antecede a escrita e afirma-se também como meio de divulgação e perpetuação do conhecimento. A oralidade assume um papel fundamental, mesmo na atualidade, no domínio da espiritualidade. Assim, para in Stella Bresciani; Marcia Naxara (orgs.), Memória (res)sentimento: indagações sobre uma questão sensível. São Paulo: Editora da Unicamp; 15-36; Bataille, George (1995), “Concerning the Accounts Given by the Residents of Hiroshima”, in C. Caruth (org.), Trauma: Explorations in Memory. Baltimore: London, The John Hopkins University Press, 221-235; McNamara, Robert S. (#996), In Retrospect: The Tragedy and Lessons of Vietnam. New York: Vintage Books; Seligmann-Silva, Marcio (2000), “A História como Trauma”, in Catástrofe e Representação: ensaios. São Paulo: Escuta, 71-98; Scheler, Max; Frings, M. S. (1994), Ressentiment. Milwaukee, Wis.: Marquette University Press. 8

A história vista de baixo “ajuda a convencer aqueles de nós nascidos sem colheres prata em nossas bocas, de que temos um passado, de que viemos de algum lugar. Mas também, com o passar dos anos, vai desempenhar um importante papel, ajudando a corrigir e a ampliar aquela história politica da corrente principal que é ainda o cânone aceito nos estudos históricos...” SHARPE, Jim. A história vista de baixo. In: BURKE, Peter. (org.) A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Editora da universidade Estadual Paulista, 1992. p. 41-42.)

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algumas religiões, afro-brasileiras9, por exemplo, o conhecimento transmite-se por via oral. Incluso em algumas escolas, nomeadamente ligadas ao taoismo e budismo, alguns conhecimentos não são escritos e passam-se de mestre para discípulo. Atribui-se um sentido secreto à palavra, aquilo que se designa de mudras ou palavras sagradas, que são usadas com determinada intenção. Tenha-se em conta que muitos dos textos sagrados das diversas religiões não são conhecidos na versão original dos seus mestres, mas em versões posteriores, passadas à escrita pelos seus discípulos.

mas não limitado ao indivíduo, no sentido de que ele é a expressão de algo que aconteceu no espaço e no tempo14. Na atualidade, a História Oral está cada vez mais associada a investigações no domínio da História Contemporânea.

Para além deste significado esotérico da oralidade, temos de convir que cada um poderá contar a nossa História10. É uma forma de registar a memória11 e de trazer para a História, aquilo que não está nos documentos12. É o caminho para universalizar os protagonistas da História, o que, à partida, está limitado no tempo, pois só tem lugar para a época contemporânea e com pessoas vivas13,

porâneos, ocorridos em um passado não muito remoto, isto é, que a memória dos seres humanos alcance, para que se possa entrevistar pessoas que dele participaram, seja como atores, seja como testemunhas. É claro que, com o passar do tempo, as entrevistas assim produzidas poderão servir de fontes de consulta para pesquisas sobre temas não contemporâneos.”

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Cf.: “... as Religiões Afro-brasileiras são “formuladas” por intermédio da Tradição Oral, não por incapacidade ou falta de tecnologia, mas por entender que no conceito doutrinário, sua raiz se forma na mente em primeira instância, depois se consolida em linguagem escrita, obrigatoriamente transitando antes pela oralidade (... e no início era o Verbo, a oralidade). Ao optar pela oralidade, as Religiões Afro-brasileiras sinalizam que seus fundamentos são abertos, condizentes com os avanços espirituais do próprio ser humano. A Tradição, sua constante é a continua mudança, se não em seus aspectos estruturais, de cunho espiritual, todavia todo o mais é adaptável; permite releituras e ressignificados. (RIVAS NETO, F. Espiritualidade e Ciência na Teologia das Religiões Afro-Brasileiras. São Paulo: Ed. FTU, 2010.). “A palavra proferida é investida de um poder de realização, isto porque essa palavra vem imbuída de hálito, de vida, da carga emocional, da história pessoal e do poder daquele que a profere, ao contrário do texto escrito, que guarda a palavra oferecida circunstancial e solitariamente a seu leitor, que com ela estabelece ou não vínculo de prazer, de saber e de reescritura. Já a palavra oral existe no momento de sua expressão, quando articula a sintaxe contígua através da qual se realiza. Claiton Ivan Pommerening, Oralidade e Escrita na Teologia Pentecostal: Acertos, Riscos e Possibilidades. Disponivel em: http:// www.teologiapentecostal.com/2013/06/oralidade-e-escrita-na-teologia.html. Consulta 22 de março de 2016.

10 Para Paul Thompson (A voz do passado: história oral. São Paulo: Paz e Terra, 1992. p. 44), a história oral é “Uma história construída em torno de pessoas. Ela lança a vida para dentro da própria história e isso alarga seu campo de ação [...] Traz a história para dentro da comunidade e extrai a história de dentro da comunidade. Ajuda os menos privilegiados, e especialmente os idosos, a conquistar dignidade e autoconfiança”. 11 Alistair Thomson (“Recompondo a memória: Questões sobre a relação entre a História Oral e as memórias”. In: Projeto História. São Paulo. n. 15, abril/1997:57) diz-nos que, “As histórias que relembramos não são representações exatas do nosso passado, mas trazem aspectos desse passado e os moldam para que se ajustem às nossas identidades e aspirações atuais”.

A atual historiografia releva múltiplas técnicas e métodos que valorizam a pessoa na História, com a Biografia15 e Autobiografia16, métodos adequados para a construção de Histórias de vida17, que não podem ser desvalorizados no discurso histórico.18 Há diversos caminhos que podemos percorrer para a utilização do método biográfico,

14 Para Franco FERRAROTTI (Sobre a autonomia do método biográfico. In: NÓVOA, António; FINGER, Matthias (Orgs.) O método (auto)biográfico e a formação. Lisboa: Ministério da Saúde. Depart. de Recursos Humanos da Saúde/Centro de Formação e Aperfeiçoamento Profissional, 1988. p. 17-34 p. 31, ) “Cada indivíduo não totaliza diretamente uma sociedade global, mas totaliza-a pela mediação do seu contexto social imediato, pelos grupos restritos de que faz parte, pois estes grupos são por sua vez agentes sociais ativos que totalizam o seu contexto, etc. De igual modo, a sociedade totaliza todo o indivíduo específico por intermédio de instituições mediadoras que a focalizam cada vez mais pontualmente para o indivíduo em questão.” 15 C. BOURDIEU, P. “A ilusão biográfica.” Em: FERREIRA, M. M. & AMADO, J. (coord.) Usos & abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getulio Vargas, 1996; HOSKINS, Janet. Biographical Objects: How Things Tell the Stories of People’s Lives, Nova Iorque, Routledge, 1998; LEVI, G. “Usos da biografia.” Em: FERREIRA, M. M. & AMADO, J. (coord.) Usos & abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getulio Vargas, 1996. 16 Cf. ABRAHÃO, Maria Helena Menna Barreto. (Org.). A aventura (auto) biográfica: teoria e empiria. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004; CATANI, Denice Bárbara; BUENO, Belmira Oliveira; SOUZA, Maria Cecília Cortez Christiano; SOUSA, Cynthia Pereira de. Lembrar, narrar, escrever: memória e autobiografia em história da educação e em processos de formação. In: BARBOSA, Raquel Lazzari Leite. (Org.). Formação de educadores: desafios e ontrealves. São Paulo: Editora UNESP, 2003; GUSDORF, G. (1980). Conditions and limits of autobiography. In J. Olney, Autobiography: Essays thoretical and critical. Princeton, NJ: Princeton University Press; HOWARTH, W. L. (1974). Some principles of autobiography. New Literaty History, 5(2); LEJEUNE, P. (1975). Le pacte autobiographique. Paris: Seuil; id., P. (1980). Je est un autre. L’autobiographie, de la littérature aux medias. Paris: Seuil; MIRAUX, J. P. (1996). L’autobiographie: Écriture de soi et sincérité. Paris: Nathan; NÓVOA, António; FINGER, Mathia. (Org.). O método (auto) biográfico e a formação. Lisboa: MS/ DRHS/CFAP, 1988; PINEAU, Gaston; MICHELE Marie. Produire as vie: autoformation et autobiographie. Montreal: Edilig, 1983.

12 Segundo Paul THOMPSON (A voz do passado. São Paulo: Paz e Terra, 1992: 137). “a evidência oral pode conseguir algo mais penetrante e mais fundamental para a história. [...] transformando os objetos de estudo em sujeitos”.

17 CAMARGO, Apásia; LIMA, Valentina da Rocha; HIPÓLITO, Lúcia, 1984. O método de história de vida na ontrea Latina. Cadernos do CERU, São Paulo, n. 19, p. 148-180; FERRAROTTI, Franco. Histoire et Histoires de Vie. La Méthode Biographique dans les Sciences Sociales. Paris, Meridiens Klincksieck, 1990; PINEAU, Gaston; LE GRAND, Jean-Louis. on histoires de vie. Paris: PUF, 1993; PUJADAS, Juan José. El Método Biográfico: El Uso de las Historias de Vida en Ciencias Sociales. Madrid, Centro de Investigaciones Sociologicas, 1992.

13 Pois, segundo V. ALBERTI (História oral: a experiência do CPDOC. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1990. 4). “[...] a história oral apenas pode ser empregada em pesquisas sobre temas contem-

18 HALBWACHS (2004) afirma que “A memória autobiográfica apoia-se na memória social, pois toda a história de vida faz parte de uma história geral”.

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que implicam opções de trabalho distintas: os chamados biogramas que pretendem amostragens que permitem o tratamento quantitativo; os relatos de vida, que aprofundam aspetos e etapas da vida e, finalmente, as Histórias de Vida19, que pretendem, de forma total, constituir o percurso de vida do indivíduo. Em termos concetuais, o debate tem permitido múltiplos esclarecimentos em torno desta realidade e metodologia. Assim, Norman Denzin (1989) diferencia as vidas “vividas”, “experimentadas” e “contadas”. No primeiro caso, sinaliza-se os acontecimentos vivenciados, no segundo, as imagens, sensações, sentimentos ou desejos destes acontecimentos, enquanto a última é a narrativa, que sofre influências de padrões culturais e da forma como se apresenta ao público e ao(s) destinatário(s). O método biográfico vem já da Grécia Antiga, mas ganhou um novo élan a partir do século XIX, com afirmação da história social como disciplina. Este caminho cativou diversos especialistas conhecidos, como Michel Foucault, Fernand Braudel, Lucien Febvre ou Carl Ginsburg. Hoje, a autobiografia ganhou um importante terreno na história social, dando ênfase ao quotidiano, pessoal, privado, familiar e às representações e apropriações que cada um retém. Atente-se a que as histórias de vida adotam e comportam uma variedade de fontes e procedimentos de recolha, podendo ser agrupadas em duas dimensões, ou seja, os diversos “documentos pessoais” (autobiografias, diários, cartas, fotografias e objetos pessoais) e as “entrevistas biográficas”, que podem ser orais ou escritas.

AS MEMÓRIAS DOCUMENTAIS DA AUTONOMIA Habitualmente, entendemos as questões em torno da autonomia como sendo do âmbito institucional, daí o seu registo ser documental. Ignoramos, muitas vezes, que esta se faz com pessoas e para pessoas, que, no decorrer 19 A história de vida é é definida por M. C. S. Minayo (História de vida. Narrativa de vida. História oral e etnobiografia. In M. C. S. Minayo, 2008, O desafio do conhecimento. Pesquisa social em Saúde (11ª ed., São Paulo: Hucitec. pp. 154-161). “como uma entrevista prolongada com interação entre pesquisador e informante, combinando observação, relatos introspectivos de lembranças relevantes e roteiros mais ou menos centrados em algum tema” (p. 126), enquanto Víctora, C. G., Knauth, D. R., & Hassen, M. N. A., (2000, Pesquisa qualitativa em saúde: uma introdução ao tema. Porto Alegre: Tomo Editorial. p. 67) dizem-nos que “a metodologia história de vida busca compreender o desenvolvimento da vida do sujeito e traçar com ele uma biografia que descreva sua trajetória até o momento atual”.

do processo, expressam, claramente, sentimentos e pensamentos, que não estão espelhados nos documentos, porque estes obedecem a um determinado formalismo que nos renega ou esquece. Daí entendermos que a História da Autonomia fica incompleta sem esta focalização do indivíduo que faz acontecer o processo pela autonomia e que depois o vivencia nas suas múltiplas realizações. Por outro, a questão da autonomia nunca foi consensual, no quadro político nacional. Os seus avanços ou recuos sempre geraram na sociedade político-partidária um amplo debate. Ele está patente, na opinião dos diversos protagonistas, na imprensa, mas também nos registos dos debates parlamentares nacionais e regionais20. Uma diversidade de opiniões, tendo como pano de fundo as questões financeiras, consideradas um dos “calcanhares de Aquiles” da Autonomia, são um exemplo claro dessa diferenciação e combatividade dos discursos dos madeirenses21. Afinal, a questão das autonomias insulares nunca foi um questão de consensos, gerando aceso debate e opiniões, que se expressam de múltiplas formas.

OS DISCURSOS NO NEGATIVO. Metrópoles, Ilhas e Insularidades. Há um discurso em negativo na sociedade portuguesa em torno da questão dos espaços insulares, que envolvem diversas situações, que alimentam, por vezes, o debate científico e académico. Tenha-se em conta que, no século XV, entre 1433 e 1498, as ilhas estiveram consideradas como um mundo à parte, com administração separada da coroa. Diz-se até que o infante D. Henrique queria criar um reino nas ilhas22. Mas a atitude de D. Manuel, ao reverter para a coroa a jurisdição do senhorio, acabou com esse sonho, que parece ter-se mantido adormecido, até ser retomado, de forma clara, no século XIX, quando se definem novos rumos para a administração e poder político. Podemos afirmar que, por parte das populações insulares, há uma aposta muito forte na definição de uma 20 Disso demos já conta ao nível nacional, através de uma compilação exaustiva das intervenções de madeirenses e continentais em: VIEIRA, Alberto, Coordenação): Debates Parlamentares. 1821-2010. Funchal, CEHA. 2014. ISBN:978-972-8263-81-2, vols:1 [Formato digital com folheto]. 21 Atente-se à recolha que fizemos em: VIEIRA, Alberto, Livro Das Citações do Deve & Haver das Finanças da Madeira. Funchal, CEHA, 2014. ISBN: 978-972-8263-82-9, vols:1 [Formato digital com folheto]. 22 Cf. VERLINDEN, Charles, 1966, Les Origines de la Civilization Atlantique, Neuchâtel, 1966; id., (1989). «Henri le navigateur songea-t-il a créer un “etat” insulaire?», in Revista Portuguesa de História, XII. Coimbra.

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identidade própria, que tem expressão num território diferenciado e numa História que quase sempre se alheia das suas prisões continentais. E gera-se um conflito entre continentais e insulares, por razão de uma diferente perspetiva da realidade e quotidiano, onde o espaço poderá ser um fator importante. Assim, um dos problemas evidentes acontece por influência do território, diferenciando-se dos problemas gerados nos espaços continentais. Ao que sabemos, a insularidade não é, nem pode ser, sinónimo de isolamento. Tal como nos indicam os vários estudos de que dispomos sobre o fenómeno, apenas dos espaços insulares, são vários os aspetos que contribuem para a sua expressão e definição. Desta forma, a maioria dos discursos da anti-insularidade, nomeadamente no âmbito político, acontecem por oposição a continentalidade, interioridade ou mesmo transmontaneidade, nomeadamente quando, a partir de 1976, se começou a medir, como forma de retribuição, os custos financeiros desta insularidade da Madeira e Açores. Há ainda uma outra expressão negativa, o insularismo, próximo do regionalismo, que é entendido como uma afirmação excessiva das especificidades insulares, uma plena afirmação da identidade cultural, que parece servir de justificativo, no momento de buscar algum beneficio ou vantagem no plano político23. Nas Canárias, a expressão define, ainda, os particularismos insulares das duas províncias (Tenerife e Gran Canária) que militam no sentido de ser o centro do arquipélago24. Já em Inglaterra, é entendido como a expressão da anti-continentalidade. E, por fim, na ilha de Porto Rico, significa o estado de isolamento mental da sua população25. A par disso, esta postura insular pode também ser entendida como um mecanismo de resistência ao outro não-insular e uma barreira às interferências externas, que definem o processo de globalização e que tem em vista apagar a insularidade e abrir caminho à hypo-insularidade. Esta última é entendida como um discurso da negação da insularidade, pelo simples facto de que pretende abater todas as fronteiras da ilha e continentalizar os espaços insulares26. Ao contrário, o turismo, na atualidade, visa promover o retorno ou a re-insularização dos espaços insulares,

23 BRUNET, 1993, BOUCHAR, 2004, TAGLIONI, 2010. 24 GUIMERA PERAZA, 1976; HERNANDEZ BRAVO, 1990.

através das chamadas robisonadas27. Há um desejo de ilha nos continentes, que domina o fenómeno turístico, que se lhe associa a ideia de isolamento, de um espaço perdido no tempo, como a ilha de Robison Crusoé, idealizada em 1719, mas que continua atual. Será isto a negação do discurso da anti-insularidade e o retorno forçado à ilha como espaço marcadamente insularizado para usufruto dos continentais? Será isto o retorno de Utopo de Tomás Moro, para cortar de novo as amarras que prendem a ilha ao continente e encontrar a sociedade ideal, numa época de crise dos sistemas políticos, como é a atual situação? Não podemos esquecer que a insularidade anda também obrigatoriamente associada à relação íntima que se estabelece entre o Homem e o espaço e ao modo como o condiciona e o identifica na sua ação28. Esta perceção ou conquista do espaço atua, com clareza, nas ilhas e define ao insular uma forma distinta de ser e de estar no mundo. O conceito de insularidade só apareceu a partir de 1838 e começou por ser um conceito operatório dos naturalistas, que, desde o século XVIII, estudaram, de forma afincada, as ilhas29. Com o tempo, o discurso construiu-se com nova terminologia, como insulamento, a sua reafirmação com a sub-insularidade, ou a negação com a hypo-insularidade ou, então, a visão exagerada, com o insularismo. Antonio DIEGUES30, seguindo de perto as ideias de MOLES (1982), PÉRON (1993) e MEISTERHEIM (1988) define a insularidade como: fenômenos sociais resultantes do relativo isolamento dos espaços insulares, que podem ser quantificados (distância do continente, e etc.). E acrescenta: A insularidade refere-se à identidade cultural do ilhéu diferenciada do continental, mas é resultante das práticas econômicas e sociais em um espaço limitado, cercado pelo oceano. A ilheidade é um neologismo de origem francesa utilizado para designar as representações simbólicas e imagens decorrentes da insularidade e que se expressam por mitos fundadores das sociedades insulares e lendas que explicam formas de conduta, comportamento, etc. Os diversos discursos das ciências e da política trouxeram, na segunda metade do seculo XX, a insularidade para o primeiro plano no campo da sua conceptualização. A insularidade contrapôs a continentalidade e hypo-in27 BERNARDIE-TAHIR, 2005. 28 MOLES/ROHMER, 1972; FISCHER, 1981, 1994; ALLAND, 1982.

25 SALVADOR PEDREIRA, 1971.

29 VILLATE, 1991; NICOLAS, 2001, TAGLIONI, 2003, I:18, SANTOS, 2011.

26 PERON, 1993; PELLETIER, 1997.

30 DIEGUES (1998: 51, 93).

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sularidade, enquanto outros reforçam, enriquecendo o dicionário das insularidades com novos conceitos como hiper-insularidade, insulamento, ilheidade, insularismo, ultraperiferia, ultraperificidade. No quadro atual das ciências, a ilheidade, como o modo de existir próprio das ilhas, substituiu a insularidade31. Daí que Cunha (2010) seja forçado a afirmar que a insularidade “é mais um estado de alma que uma condição geográfica”. É nesta condição que cada vez mais é entendida, apagando-se a ideia sinonímia de isolamento e a carga negativa que sempre a acompanhou. A chamada hypo-insularidade é uma forma de expressão do discurso da anti-insularidade novamente fundamentado na ideia de isolamento.32 Daí certamente NICOLAS (2001) apelar à necessidade de revisão da noção de insularidade e a afirmação que tem tido nos últimos anos o conceito de ilheidade, que acaba por se tornar a envolvente concetual mais ajustada ao discurso científico dos espaços insulares. É na política e nos discursos dos políticos que mais se faz sentir o discurso da anti-insularidade. As mudanças políticas ocorridas em Portugal, a partir de 1974, transformaram o espectro político e deram lugar a uma nova construção do espaço de administração institucional e política que colocaram em relevo o papel dos espaços insulares, aqui apenas os arquipélagos da Madeira e Açores. Portugal constrói-se agora apenas da faixa litoral da Peninsular Ibérica e da Madeira e Açores, que de ilhas adjacentes passam a designar-se regiões autónomas. É nesta dialética de relacionamento que se inicia em 1976 que são mais evidentes os discursos e afrontamentos onde se torna evidente a plena afirmação do discurso da anti insularidade. Durante muito tempo, os discursos insulares foram de hipervalorização da distância real e da situação de abandono; do outro lado, da metrópole, contrapunha-se o discurso da indiferença e da oposição, nunca expresso em palavras, mas quase só em omissões. A partir de 1822, a voz insular ganha extensão no espaço continental, através das representações dos deputados, mas os discursos estarão quase só focalizados nas ideias de isolamento ou abandono. Foi necessário um sismo nos Açores para alguém, Sousa Menezes, vir à tribuna afirmar, pela primeira vez, a palavra insularidade, aqui entendida como a caraterística

típica da “saudade e o regresso à vista imensa do mar”33. Depois, em 195234, outro deputado, Amando Cândido associa-o às dificuldades que sentiam os insulares. Aos poucos, o discurso da insularidade começa a ecoar, com muita indiferença continental, no espaço do Parlamento. Esta indiferença também poderá ser entendida como uma expressão negativa. Os deputados insulares são o seu porta-voz. A insularidade começa a servir o discurso justificativo da autonomia, em Ramiro Valadão35 ou da afirmação de uma condição especial diferenciadora do espectro continental que implica atenções especiais no plano político, como sucede no discurso de Agostinho Cardoso36. A insularidade é apresentada como algo negativo que afeta a vida dos insulares e não como entidade metafórica e nostálgica dos poetas e pensadores. Cabe aos deputados insulares a chamada de atenção para os fatores nefastos da insularidade, hiperbolizando os seus efeitos e a urgência de medidas, nomeadamente nos sectores dos transportes. Nisto colhem quase sempre o apoio da demais câmara37. A assunção destes custos pelo todo nacional também parece ser clara e nunca é posta em causa38. Finalmente, na década de setenta, o discurso da insularidade e dos seus custos associados agarra-se, de forma clara, ao discurso dos insulares no Parlamento e cativa a atenção e apoio dos demais parlamentares. O motivo que despoletou esta situação foi o debate em torno da lei 5/70 que estabeleceu a livre circulação de mercadorias entre o continente e a Madeira. A insularidade entrara definitivamente no dicionário parlamentar e assume-se como um dado fundamental do discurso insular. Na ilha, esta era vivida e sentida, mas raras vezes apercebida pelas autoridades, muitas vezes vindas do continente em comissões esporádicas de serviço, talvez para não sentirem o peso da insularidade. Será apenas a partir da década de sessenta do século XX que a palavra insularidade começou a andar na boca dos políticos locais ou dos membros do Governo de visita à ilha. A ideia que ambos fazem desta realidade é clara: de um lado, os insulares reclamam das influências negativas desta condição sobre as suas vidas; do outro, os políticos de visita sentem a pressão política desta nova realidade e fazem tudo para minorar esses efeitos e acentuar a ação governamental. 33 AHP, Diário das sessões, n.º 68, 16/01/1951, p. 256.

31 BONNEMAISON, 1991, 1997:122; KNOX, 2004; GOMBAUD, 2007: 595-635, 1001. DIEGUES, 1998: 51. 32 PELLETIR, 1995, 1997; PERON, 1993, 2005; PORTEL-VINAY, 1999; NICHOLAS, 2001; BRIGAND, 2002; DUVAT, 2006; MAGNAN, 2006; SOULIMANT, 2011.

34 AHP, Diário das sessões, n.º 131, 03/03/1952, p. 369. 35 AHP, Diário das sessões, n.º 39, 30/10/1958, p. 1229 36 AHP, Diário das sessões, n.º 81, 11/03/1959, p. 299. 37 AHP, Diário das sessões, n.º 16, p. 286. 38 AHP, Diário das sessões, n.º 24//19-02-1970, p. 430.

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A insularidade deixou de ser apenas uma realidade vivida e sentida para entrar no debate político. Há, na verdade, um conjunto de cumplicidades e silêncios que marcam o quadro político e governamental, bem como dos discursos públicos quando se enfrentam as autoridades madeirenses e as continentais. Em 1973, foram visíveis os discursos anti-insularidade dos representantes governamentais de visita. Nesse momento, porém, não se fez sentir qualquer voz a reclamar a insular, por pudor ou cortesia. Paulatinamente, a insularidade sai da gaveta e começa a assumir-se como uma arma reivindicativa dos políticos insulares. É a justificação dos atrasos ancestrais, assim como o fundamento para reclamação de mais apoios por parte do governo central. Parece haver uma consonância com o discurso dos deputados na Assembleia Nacional. De uma primeira constatação e reivindicação, passou-se à ação, de forma que, no 4º plano de fomento, as questões da insularidade da Madeira e Açores são tidas em conta. Assim, a proposta de lei 8/73 de 26 de dezembro contemplava no n.º 2 os fortes condicionalismos decorrentes da insularidade, que contou, na sua aprovação, com a anuência clara de alguns deputados continentais, como foi o caso de Armando Júlio de Reboredo e Silva, natural de

Meda. Mas vozes dos discursos anti-insularidade fazem-se ouvir e começam a ganhar forma através da oposição dos problemas derivados da interioridade e continentalidade. Desta forma, o deputado Pinto Castelo Branco39 fala de uma insularidade das regiões interiores do continente. Foi uma das poucas vozes claras do discurso anti-insularidade e que mereceu uma atenuação nas palavras doutro deputado, Mendonça Morna, que afirmava que a insularidade dos Açores ou da Madeira é bem diferente daquela outra que nos afasta do nosso interior subdesenvolvido. A partir daqui, entra no Dicionário dos políticos regionais um novo termo, os custos da insularidade, que se confundem com os custos da soberania e que serão o principal cavalo de batalha dos tempos que se avizinham com a Revolução de Abril de 1974 e a conquista da autonomia política dos espaços insulares de 1976. A terceira República trará a autonomia quase plena à Madeira e aos Açores, mas será responsável por uma importante clivagem política no entendimento e aceitação da insularidade. Há uma marca muito visível do discurso da anti insularidade, presente quer nas múltiplas intervenções parlamentares, quer na imprensa nacional. Por diversas vezes, se 39 AHP, Diário das sessões, 14-12-1973.

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levantam inúmeras vozes a reclamar contra os chamados custos da insularidade das Regiões Autónomas, a opor a continentalidade e interioridade à insularidade. O discurso da anti-insularidade, que se fazia de silêncios e posturas cúmplices ao nível governamental, ganha agora plena expressão e torna-se, por vezes, o campeão do debate político que incendeia as tribunas, os microfones ou as páginas dos meios de comunicação social. O discurso da anti-insularidade tem um rosto claro e assumido que atua em diversas frentes. Paulatinamente, vão-se esbatendo as clivagens, na medida em que o desenvolvimento dos meios de comunicação com o exterior permitem uma rápida integração no quadro nacional e quase anulam os fatores nefastos da adjacência para se afirmar o princípio da continuidade territorial. A evolução do sistema de comunicações e telecomunicações permitem esta quase plena integração e, aos poucos, foram esbatendo as clivagens, de forma que este discurso da anti-insularidade, de contraposição ao da continentalidade ficou gasto e obsoleto, não obstante ainda persistirem algumas vozes. Esta quase plena integração e ponte entre o espaço continental e insular, teve no turismo interno um fator muito propiciador e talvez o elemento gerador da unidade nacional que os políticos nunca foram capazes de construir. A Constituição de 1976 reconhece e estabelece um estatuto especial para os arquipélagos da Madeira e Açores, em que as adversidades resultantes da insularidade têm um peso significativo nas responsabilidades financeiras do Estado, no sentido de assegurar a unidade e continuidade do território nacional, aparecendo no orçamento como “custos de insularidade e desenvolvimento”. Estes princípios geram obrigações financeiras por parte do Estado que tardam muito tempo em ser medidas e sistematizadas, ficando, por isso, à mercê das negociações políticas entre os Governos Regionais e centrais. Será isto também uma das formas de expressão negativa da insularidade? Por outro lado, a entrada de Portugal na CEE foi importante no reconhecimento dos fatores adversos da insularidade e da ultraperificidade no desenvolvimento das regiões insulares. Estas situações ficaram apenas salvaguardadas nos tratados de Mastricht (1992), Amesterdão (1998), Nive e Lisboa. Recorde-se que um estudo do Planistat Europe usava o conceito de ultraperiferia como sinónimo de insularidade, no que foi criticado pelas RUPs, situação que foi ultrapassada mediante um reparo da Madeira. Esta postura pode também ser encarada como uma

manifestação anti-insularidade. Enquanto os caminhos do direito constitucional nacional e comunitário iam pela afirmação da insularidade como fator específico das condições dos espaços insulares, outros eram os caminhos do debate político-partidário, com expressão na imprensa e parlamento nacional. À insularidade e aos custos e reivindicações, por parte dos governos regionais e deputados insulares, opõe-se a continentalidade, argumentada por deputados do interior, nomeadamente do Nordeste transmontano, que pretendem chamar também a atenção para o atraso a que também estas regiões estavam votadas. A diferente interpretação ou incompreensão da insularidade, materializada na oposição de expressões, como “ilhas do interior”, continentalidade, interioridade e transmontanidade, são manifestações claras de um discurso da anti-insularidade, quase permanentemente presente, desde 1976, nas diversas bancadas dos grupos parlamentares da Assembleia da República. Atente-se para a postura unânime dos deputados insulares dos diferentes partidos, no sentido de um correto entendimento e compreensão para esta assunção por parte do Estado dos custos da insularidade, que parte de condições reais geradas pela insularidade e ultra-periferia e não apenas da condição de isolamento. A par disso, justifica-se estes custos como um meio de assegurar a continuidade territorial e a coesão social. O primeiro grito de guerra foi lançado, em 1979, pelo deputado Ferreira Lima40 e foi uma arma relevante em alguns debates parlamentares, nas décadas de oitenta e noventa. E as vozes seguem-se em catadupa. Entre 1980 e 1990, esta dialética de contraoposição persiste em intervenções de Vital Moreira, Fernando Cardote, Almeida Santos, Vilhena de Carvalho, César de Oliveira, Daniel Bastos, Pita Guerreiro, Abreu Lima, Armando Vara, Guerreiro Norte. Na década de noventa, parece ter acontecido uma pacificação no discurso anti-insularista. Tirando duas intervenções isoladas de António Martinho e Defensor de Moura, não mais vimos a oposição dos discursos da interioridade. A anti-insularidade, quer na comunicação social, quer no parlamento, muda de estratégia e transfere-se para o ataque às personalidades, realidades e situações que fazem o discurso autonómico. Incidem, abertamente, na ideia dos espaços insulares como despesistas e os seus governantes como maus utilizadores dos dinheiros públicos advindos à custa da insularidade. Atente-se, por 40 AHP, Diário das sessões, 12/22/03/1979, pp. 1493-1494.

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exemplo, às inúmeras vezes em que a figura do presidente do Governo Regional da Madeira é trazida, pelas mais diversas razões, à tribuna. Embora o campo da política seja, entre nós, o domínio mais fértil para entender as formas de expressão da anti-insularidade, importa de realçar que a insularidade e os seus opositores não se manifestam apenas aqui. São múltiplas as suas formas de expressão. Neste caso, deveremos realçar a Literatura e a teoria literária, onde quase sempre se confunde com ilheidade41. Quer na Madeira, quer nos Açores, a insularidade interveio de diversas formas junto de poetas e escritores. Aqui não é apenas a ideia de isolamento que domina, mas, acima de tudo, o modo de ser e estar do insular em que o mar, as fronteiras naturais estabelecidas pela linha de costa são determinantes. Daí o debate em torno do conceito de açorianidade e, mais recentemente, de madeirensidade ou madeiridade. Outro aliado do discurso da anti-insularidade é o pensamento anti-regionalista. O anti-regionalismo é um movimento do centro, da capital do Estado e mesmo do distrito ou arquipélago, no sentido do estabelecimento de um poder autocrático. O regionalismo aparece nas periferias como revolta, face às distâncias que o separam dos centros de decisão, do progresso e bem-estar. Onde as dificuldades do meio geográfico definem formas acentuadas de isolamento que faz apagar, destes espaços, a presença dos decisores políticos, há um movimento de contestação, de afirmação das identidades locais cimentadas por uma elite cultural e política. Imperam as fronteiras humanas que contribuem para uma construção diversa do discurso político e dos elementos materiais e espirituais diferenciadores. Por outro lado, e tendo em conta que esta temática não está esgotada, não é correto afirmar cientificamente que, numa região, a manifestação do regionalismo é maior do que noutra42. O movimento regionalista foi uma manifestação que ganhou forma no primeiro quartel do século XX e que chegou a toda a periferia de Portugal. Foi a força vivificadora das regiões, da identificação e afirmação da sua cultura e valores, face a um Estado autocrático que fazia do Terreiro do Paço, em Lisboa, o seu umbigo, o centro do mundo. 41 MIRANDA, 1961; PIRES, 1979; PAVÃO, 1988; MATA, 1991; SALUSTIO, 1998, VEIGA, 1998, CAMACHO, 1999; BAPTISTA, 2007. 42 Vem isto a propósito de Fernando TAVEIRA (2005) afirmar para os Açores, certamente baseado no volume de estudos realizados, a maior manifestação do regionalismo. É certo que para os Açores temos manifestação fortes deste discurso regionalista, de forma muito calara na literatura, com expressões claras ao nível etno-cultural, como destacam ENES (1996), CORDEIRO (1995).

A região é uma forma de olhar e criar o espaço. É uma construção do discurso científico e político, que se pode materializar num espaço geográfico e que se afirma por critérios objetivos da História, Linguística, Economia, Política e Etnografia. Daqui resulta a multiplicidade das variantes do discurso do regionalismo e anti-regionalismo. Atente-se a que, no debate científico e no discurso académico, o ênfase vai para o regionalismo político, literário, arquitetónico e económico. Enquanto os primeiros fazem apelo ao local, à região, no sentido restrito, aqui, este movimento, que se afirmou a partir da década de oitenta do século XX, apela à formação de grupos regionais de países, no sentido de estabelecer políticas económicas de coordenação, que favorecem o comércio à escala regional, atuando como uma forma de coesão económico-social dos Estados envolvidos. No campo da Literatura e da Língua, temos ainda de distinguir aquilo que se entende por regionalismos, isto é, palavras e expressões com assento e criação local, do regionalismo como produção literária que se afirma nas diversas formas de expressão pela valorização do local e das suas formas de expressão. Paul BOIS (1960) afirma que a região é uma construção da História e não da Geografia. Desta forma, o regionalismo é o mecanismo histórico que está na origem e afirmação da região, entendida como um espaço simbólico, definido pelo homem, delimitado pela política e que se constrói no tempo pela sua ação diferenciadora das demais regiões que o delimitam ou com as quais se enfrenta. O discurso regional é a construção e identificação da região através da língua ou dos dialetos, dos usos, tradições e costumes que fazem a essência da regionalidade. Expressa-se no combate político pela defesa dos interesses do espaço em questão, do esbater das barreiras da centralização através de formas políticas de administração intermédias que, em termos institucionais, se materializam em municípios, províncias, regiões autónomas ou estados federados. Desta forma, apresenta-se como uma manifestação clara contra as desigualdades da política de revolta contra o estado central e, enfim, de diabolização do Centro. A consciência regional constrói-se e afirma-se através dos movimentos e grupos regionais, das políticas de afirmação da Região através da História Regional e Local, dos congressos regionalistas, da criação literária enfocada na região, na criação de espaços culturais e museológicos43. O anti regionalismo surge, assim, como a de-cons43 VEGIER, 1977, GRAS, 1982.

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trução da Região, pela afirmação da Nação ou do mundo globalizado, mas que, na prática, se afirma pela sua centralidade em relação à periferia. Entre nós, há um peso muito evidente do campo da política na afirmação do anti regionalismo, pelo facto de sermos um país jacobino e marcadamente centralista. A ideia de Terreiro do Paço é a expressão deste centralismo, tanto para insulares como para continentais. A política centralista do Estado esbate permanentemente contra esta aspiração das regiões, de ordem administrativa, política e geográfica de ganharem expressão, o que poderá significar um processo de progresso e afirmação para além das suas fronteiras, reais ou formais. Parece contraditório que, no mundo cada vez mais globalizado, se insista nesta ideia de região, mas é este processo da aldeia global que apela a este olhar de dentro para fora e que cria aquilo que se chama de neo-regionalismo. O regionalismo é o discurso da periferia, em combate com os macrocéfalos centros de decisão e domínio. É por isso que se afirma e se exacerba em espaços ou regiões mais periféricos, afastados do centro ou isolados da demais envolvência social e política que as envolve. Daí a sua forte expressão transmontana e insular. Não será por acaso que as primeiras casas regionais aparecem como expressão desta periferia na capital. Em 1905, tivemos a casa de Trás-os-Montes e Alto Douro e, passados dois anos, a da ilha da Madeira44. A presença da Casa da Madeira chega até Lourenço Marques, onde teve expressão entre 193769. Depois, nos anos 20, a exacerbação do regionalismo gerou novas casas, contando com o apoio do madeirense José Vicente de Freitas, então presidente da Câmara de Lisboa. Cedo, o Estado Novo se apercebeu da sua importância, convertendo-as em sustentáculo do nacionalismo e unidade nacional, integrando-as no movimento corporativo, criando, em 1945, o Conselho Superior do Regionalismo Português45. As casas regionais e os congressos regionais integram-se no Estado Novo unitário e convertem o discurso regionalista à ideia de unidade da nação46. Não será isto uma forma disfarçada de anti regionalismo? Esta intervenção do Estado Novo reformula o regionalismo, não apenas em termos políticos e institucionais, mas também em termos da arquitetura, surgindo a casa portuguesa ou regional de Raul Lino, com esta expressão do falso regionalismo no movimento arquitetónico. É certamente nas ilhas que esta expressão do regio44 MELO, 2007.

nalismo mais se torna visível. Há um discurso insular da regionalidade que se afirma pela presença do mar, pela definição clara das fronteiras que o mar traçou. E este ganhou diversas formas de expressão e reforça-se ainda mais em espaços arquipelágicos, como as Canárias e os Açores, por exemplo. Dentro do arquipélago, constrói-se vários discursos de centralidade que conduzem a múltiplos a afrontamentos e à dificuldade em construir uma unidade arquipelágica. São expressões exacerbadas de regionalismo, ou então uma forma disfarçada de anti-regionalismo, uma vez que pretende afirmar a centralidade de uma ilha em relação às demais. Esta ideia de centralidade, que estará na origem dos conflitos inter-ilhas, que se agudizam nos séculos XIX e XX, aparece documentada na obra de Gaspar Frutuoso, em finais do século XVI, quando afirma: A ilha de Tenerife dizem que foi a quarta conquistada e é logo a segunda ilha depois de Gran Canaria, mais principal de todas as outras, ainda que La Palma o seja nas escalas das armadas e navegações, como amtre estas ilhas dos Açores, a mais rica e principal é esta ilha de S. Miguel, pois ela rende só mais que todas as outras juntas, mas a ilha Terceira, além de ser mais principal por ser a cabeça do bispado, o é também por a razão das escalas, armadas e navegações que ali vão terem diversos tempos.47 Atente-se a que esta conflitualidade pela capital foi evidente para os Açores, no período de 1766 a 1833 e, nas Canárias, entre 1833 e 1927, altura em que Angra, na Terceira e Santa Cruz, em Tenerife, assumiram a posição de cidades capitais do governo em cada um destes arquipélagos. Neste quadro, deverá situar-se os múltiplos afrontamentos entre a Terceira e S. Miguel, como entre Tenerife e Gran Canária, que ganham expressão prática no quadro político e institucional. Esta situação não é de hoje, nem fruto da evolução do quadro político e económico do século XIX, pois apresenta raízes ancestrais. A afirmação do movimento regionalista não se firmou apenas no combate pela autonomia ou descentralização político-administrativa. Os seus arautos, porque intelectuais, foram personalidades que se destacaram no estudo e promoção da História e da cultura e procuraram aí o cimento para a consolidação das suas aspirações. Momentos políticos ou efemérides são aproveitados para promover esta opção, como foi o caso da Madeira com as comemorações do IV Centenário do Descobrimento do arquipélago, que decorreu nos anos de 1922 e 1923. Ligado a isto, está a publicação do Elucidário Madeirense (192122) pelo padre Fernando Augusto da Silva, que se afirma

45 Sobre as casas regionais Cf.: ALVES, 1998; FORTE, 1996. 46 Cf. CARTROGA, 2005.

47 1966, Livro Primeiro das Saudades da Terra, Ponta Delgada, 91.

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como um repositório do saber madeirenses, regional, que contribui para reforçar a imagem e a ideia de região, aqui entendido como arquipélago/região48. Ainda em consonância com este discurso, que foi responsável por uma significativa produção historiográfica, temos a defesa e o combate pela autonomia. Mas, a construção do regionalismo procura diversos alicerces dentro do discurso científico, cultural e literário. A par da afirmação destas políticas e movimentos em prol da região, desenvolvem-se os estudos locais e regionais. A História local e regional ganha evidência e diferencia-se da nacional. Constrói-se o panteão de heróis regionais. A afirmação de Portugal como um país autocrático está bem presente na ideia de Terreiro do Paço. As regiões, excetuando a situação dos arquipélagos da Madeira e Açores, não são espaços de poder e de administração. Tão pouco foi possível avançar com um projeto de regionalização, seguindo o exemplo dos demais países europeus. É certo que, em 1991, se publicou uma lei quadro das regiões, mas ficou bem claro, no referendo sobre a regionalização, realizado em 1998, qual a opção político-partidária que vingou e fez apagar o processo de regionalização. Foi então manifesto um movimento anti-regionalista que partiu do centro para a periferia e conseguiu reforçar os mecanismos político-institucionais da centralidade. Este discurso apresentou-se, por diversas vezes, na comunicação social e no parlamento nacional como uma manifestação elementar de anti-autonomia dos Açores e da Madeira, criando e exacerbando imagens dos espaços insulares despesistas como a antevisão do que seria o país.

DEMONIZAÇÃO DOS CONTINENTES. A ilha define-se, desde o início, como o mundo do madeirense, símbolo da sua capacidade de vencer os desafios quotidianos e da sua afirmação perante mares e continentes. Desta forma, ela é o sonho, a imagem do paraíso terreal, enquanto o continente é a diabolização da terra. O Diabo e o Inferno são identificados com o continente e com tudo o que existe de mau. Já a ilha é o Paraíso, o local de repouso dos deuses. Na ilha, fala-se de continente e não de metrópole e esta utilização parece ter uma intencionalidade negativa. A diabolização ganha forte expressão na imprensa, a partir da Revolução Liberal. Mais recentemente, no período conturbado de 1975, os continentais foram, de forma pejorativa, identificados como “cubanos”. Embora Cuba seja uma ilha, mas grande, aqui é identificada como uma 48 BRANCO, 1989: 270-306.

expressão do continente que, em termos políticos, pretende copiar um regime político dessa outra ilha, em que a maioria das elites não se revê. O continente é a negação da fruição da riqueza gerada pelos insulares, a rejeição da capacidade de autogoverno ou autonomia. Daí a expressão popular que diz: “do garajau para cá manda quem cá está”. E o Terreiro do Paço é a imagem mítica dessa dominação e exploração. E, segundo O Patriota Funchalense, a autonomia é um discurso de afrontamento à metrópole, simbolizada pelo Terreiro do Paço, onde se centrava as principais instituições do poder do Estado. Aí afirmava Nicolau Caetano Pita, em 1 de dezembro de 1821: “[…] a sorte da infeliz Madeira he a de enteados. A escravidão consiste em viver algum sujeito absolutamente à vontade de outrem; uma província, que deve sujeitar seus interesses aos da metrópole, que a seu termo a não interessa, deixa de ser província, é de facto colónia e vive escrava.” O Diário de Notícias, a 9 de fevereiro de 1888, publicava: A Madeira foi sempre para a metropole uma especie de mina cujos filões nem mesmo depois de esgotados deixaram de ser explorados soffregadamente. Porque afinal os discursos da autonomia, da antiautonomia e do anticontinentalismo são o do dinheiro. No imaginário madeirense, esta necessidade de estabelecer um corte com o continente está bem clara em expressões e discursos, que, no caso da tribuna parlamentar, não deixam de ter pronta resposta, através da expressão de um pensamento negativo que apresenta os madeirenses como vivendo à custa do continente ou incapazes de dispor de formas de governo próprio, no quadro da descentralização política. Marcello Caetano afirmava que para que haja descentralização é preciso existirem recursos financeiros e gente capaz de os gerir. O escol madeirense só agora começa a revelar alguns dirigentes dignos dêsse nome. Até aqui a política local era de puro estilo antigo, feita para consolidar influências à custa dos favores pessoais. (...) os caciques deixavam-se levar na torrente e arvoravam-se em procuradores de todos os descontentamentos junto do Poder Central. E rematava: O distrito do Funchal suporta, em tese, a autonomia, mas a sua grande carência é de escol dirigente [...] Hoje, este debate ganhou dimensão na sociedade, alimentado por blogues e pelos espaços de opinião da maioria dos canais de informação. Fica claro que o continente, tomado como sinónimo de Portugal continental, representa o mau que oprime e

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mantém cativos, que rouba a riqueza através dos impostos. O parlamentarismo, a partir de 1821, foi uma forma de os ilhéus darem expressão ao seu discurso anticontinental, tal como a imprensa que se publica de cariz regional. Aliás, o primeiro jornal, O Patriota Funchalense, publicado a partir de 2 de julho de 1821, é uma expressão disso. Aí ganham letra de forma as primeiras reivindicações autonomistas, como as acusações contra a exploração, de modo especial de âmbito financeiro, do “continente”. Desta forma, em 1869, José Silvestre Ribeiro encarna esse pensamento madeirense, ao afirmar no Parlamento que Nós como portuguezes estamos promptos e temos obrigação rigorosa de partilhar os encargos que pesam sobre o continente, mas não temos as vantagens, não temos os confortos, nem os melhoramentos que têem os habitantes do continente do reino. Depois, em 1880, José Feliciano Teixeira volta a afirmar que A Madeira, que tem os mesmos deveres que as provincias do continente, tambem podia e devia ter os mesmos direitos a entrar na communhão dos mesmos gosos, no goso dos mesmos bens que as outras provincias continentaes.

Em 1934, Oldemiro César, numa reportagem sobre a visita do ministro do Comércio, afirmava: Depois, o regresso com muitas promessas e nenhumas certezas, que o tempo convertia em tristes desilusões, assim criando entre Portugal isolado no Atlântico e o Poder Central do continente um mal-estar contínuo e irritante que a ninguém aproveitava nem mesmo a processos e habilidades políticas de outros tempos. A ideia da descoberta associa-se sempre à de autonomia, sendo esta última considerada uma segunda descoberta que poderá significar o corte de laços negativos que ligam a ilha ao continente desde o séc. XV. O corte quererá significar que a ilha tem capacidade e condições de auto governação. Mas, como se dizia em 1911, nas páginas do Diário de Noticias do Funchal, A autonomia nunca se exerceu desassombrada de peias do poder central e muitos dos encargos permanentes foram creados por imposições dos governos da metrópole.

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ALGUNS DISCURSOS E PRÁTICAS POLÍTICAS NO NEGATIVO: Adjacência das ilhas atlânticas como a morte do sonho da autonomia.

O facto de os arquipélagos da Madeira/Porto Santo e Açores estarem no mesmo espaço oceânico, que foi um eixo fundamental para a expansão europeia, deveria ser gerador de maior proximidade entre os interesses seculares das populações de ambos os arquipélagos, cuja História registou muitas situações semelhantes, o que parece nunca ter acontecido de forma clara. Desde o século XV, tivemos várias tentativas no sentido de estabelecer uma maior aproximação e complementaridade de interesses e políticas, o que foi quase sempre negado por uma das partes. A afirmação de uma identidade e a busca da diferença estão quase sempre presentes perante esta realidade, no discurso político madeirense, a partir da revolta liberal. Um dos aspetos mais evidentes em torno do sistema tributário é o desajustamento em relação à sociedade e à política do arquipélago. O facto de estarmos perante uma ilha com uma identidade própria, cujos mecanismos de inserção no processo económico e comercial do espaço Atlântico, se diferenciam do todo nacional, implica que, por vezes, as formas de tributação sejam lesivas até mesmo para o próprio Estado. Durante muito tempo, a vereação, através de procuradores e missivas enviadas às instituições centrais, foi porta-voz dos interesses e desta necessidade de adaptação da política tributária à realidade local. A partir de 1820, abrem-se novas oportunidades, no sentido da Madeira fazer ecoar a sua voz, quer através das Cortes, quer da imprensa escrita do Funchal ou mesmo de Lisboa. Mesmo assim, o resultado nunca foi satisfatório. Note-se que, em muitas circunstâncias, este olhar conduz apenas ao estabelecimento de taxas ou impostos específicos, como sucedeu com o imposto das estufas, em 1803. Mas também temos casos de exceção, em relação à carga tributária, como sucedia até 1839, com o pescado e cereais e que foi revogada49. De acordo com a voz do deputado madeirense Lourenço José Moniz (1789-1857), estas situações eram fundadas sobre as particulares circunstâncias de seu terreno, clima, produções, e outras50. Esta voz 49 De acordo com as cartas de lei de 6 de abril e 14 de setembro de 1837, as ilhas adjacentes gozavam de um privilégio especial quanto aos cereais, situação que foi revogada pela carta de lei discutida na Câmara dos Deputados a 29 de abril de 1839. Ver Diário da Câmara dos Deputados, sessão 29 de abril de 1839, p. 287. 50 Diário das Cortes, n.º 15, sessão de 24 de abril de 1839, p. 208. Sessão n.º25, de 07 de maio de 1839, p. 415; sessão n.º82, de 16 de julho de

em prol das especificidades madeirenses ou da exceção perante a lei ter-se-á tornado num dos principais pontos de ordem dos deputados insulares. Em muita da legislação, vinha mesmo expressa a seguinte recomendação: “as disposições dos artigos antecedentes não são aplicáveis às provincias da Madeira, Açores, e do ultramar, a respeito das quaes serão adoptadas providencias especiaes”.51 É em torno destes debates em que vêm à baila as questões dos madeirenses e açorianos, pela voz dos seus deputados, notando-se, por distintas vezes, algum afrontamento e, de vez em quando, uma desconsideração pelas especificidades dos espaços em questão. A ideia de adjacência tinha sido estabelecida na Constituição de 1822 para designar a situação dos arquipélagos da Madeira e Açores, de forma a diferenciá-los das colónias52, implicando uma situação de continuidade geográfica e política, que persistiu até à Constituição de 1976, altura em que os arquipélagos passaram a designar-se de Regiões Autónomas. A ideia de adjacência não cai bem aos insulares e parece ter uma carga pejorativa. Daí a preferência, entre os pares insulares, pela expressão das ilhas da Madeira e Açores. Tão pouco aos pares do reino estas poderão ser consideradas como colónias, pois, segundo o deputado Sá Nogueira, “desejo que se tenha em vista que a Madeira e os Açores devem sempre ser consideradas como fazendo parte integrante de Portugal, e apesar de separadas do resto do Reino, quando se fala de Ultramar, nunca se comprehendem a Madeira nem os Açores. É preciso haver cautella nisto, porque com difficuldade poderemos tomar medidas legislativas a respeito do Ultramar, quando a administração das ilhas Adjacentes é em tudo a mesma ou similhante á de Portugal”53. O mesmo volta a afirmar noutro momento que (…) a Madeira e Açores formam parte 1839, pp. 1508-1510. 51 É pelo menos desta forma que fica determinado na proposta de lei eleitoral de 1840. Cf. Diário da Câmara dos Deputados, n.º19, sessão de 25 de janeiro de 1840, p. 156. 52 Todavia, temos indicações do uso da designação em datas anteriores, como se poderá ver do documento sobre o contrato do tabaco de 1752: Condições do Contracto do tabaco destes Reinos e ilhas adjacentes,... Lisboa. 53 Diário da Câmara dos Deputados, sessão de 11 de março de 1837, publicado em Aditamento ao Diário do Governo nº63, n.ºp. 11. Sucede que, em 1841, quando se discutia a situação da aprovação dos orçamentos das câmaras municipais, em que ficou consignado que na Madeira e Açores, seria aprovado pelas comissões distritais, um deputado do reino, reconhece esta diferença afirmando que “Não é um privilegio que se dá á Madeira; não é principio excpcional, que se pertende introduzir na Lei, é o reconhecimento de um facto geográphico, que ninguem pode desconhecer, é um facto que todas as leis reconhecem...”, Diário da Câmara dos Deputados, sessão n.º23, de 30 de julho de 1841, p. 364.

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do Reino de Portugal, e o ultramar é differente, porque só forma parte da Monarchia Portugueza (....).54 Em contradição com este discurso, temos o de Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque que é perentório: (…) chegou ao ponto de se estabelecer em lei, que fossem consideradas Provincias do Reino, e não partes ultramarinas delle, tanto as ilhas dos Açores como as da Madeira; como se homens e as suas leis podessem eliminar a parte do Oceano, com que a Natureza separou de Portugal aquelles archipelagos. (...) Podem dar-se comunicações promptas entre as Provincias continentaes do Reino, onde as noticias e as providencias podem até correr telegraphicamente; mas quanto á ilha da Madeira é isso rigorosamente impossivel; não podendo ella estar por consequência debaixo das vistas hodiernas e da immediata solicitude do poder Executivo central, isto é, do Ministério. Por estas considerações é para mim evidente a necessidade de que na ilha da Madeira exista um modo de Governo e Administração adaptada a estas circunstâncias. É indispensável existir alli uma Auctoridade Executiva, que satisfaça de prompto ás necessidades urgentes da Provincia, sem hesitações nem amiudadas e longas referências ao Ministerio no Continente. (...) que se forme, em uma palavra, um systema de Governo e Administração adequado aquella Provincia, embora diverso daquelle, que se acha adoptado ao Continente do Reino.55 A designação de ilhas adjacentes existe na Carta Constitucional de 1826 e nas constituições de 1838, 1911, 1933. Também os documentos de caráter administrativo e que determinam a reforma da administração assim o referem: lei 1967, de 30 de abril de 1930, designada de lei de bases da administração do território e ilhas adjacentes; decreto-lei n.º 37501, de 31 de dezembro de 1940, que estabelece a autonomia dos distritos das ilhas adjacentes. Esta ideia está perfeitamente definida pelo Governo e reforçada no parecer da câmara corporativa ao decreto-lei de 1938, que altera o regime de autonomia dos distritos insulares. Aí refere-se: Na verdade, se por um lado, como no relatório se diz, parece desnecessário insistir na conveniência de um regime administrativo insular diverso do adotado para o continente, visto estarem (os dois Arquipélagos dos Açores e da Madeira separados de Portugal continental pelo oceano, longe, portanto, das vistas diretas governantes e ligados a Lisboa por comunicações marítimas muito espaçadas (sobretudo com os Açores) e cons54 Diário da Câmara dos Deputados, sessão de 14 de julho de 1840, p. 209. 55 Diário da Câmara dos Deputados, sessão de 13 de janeiro de 1843, p. 62.

tituírem um grande número de pequenas ilhas que não mantêm entre si laços de tam estreita cooperação como por vezes se pensa, mas Que são solidárias pela posição geográfica, pelo estado social e pelas necessidades dos seus habitantes, cuja índole e modo de viver diferem bastante dos do maior número das populações continentais, por outro lado - e convém nunca o esquecer - formam as ilhas adjacentes um todo com o continente, é o mesmo o seu sistema de administração e governo, como o mesmo é o grau de civilização dos habitantes e de progresso social. Por isso, o caminho a seguir deve ser o da proposta: aplicar às ilhas adjacentes o regime do Código Administrativo, com as alterações que as suas condições peculiares imponham. Esta tem sido, de resto, a orientação tradicional 56. O único facto que conta nesta adjacência é o geográfico que, ao homem, se torna impossível nestas circunstâncias ultrapassar. A ponte que se estabelece é apenas jurídica e não real. Daí ser reconhecido, desde 1895, que...a distância a que ficam do continente e, portanto, do Poder Central, e a pouca frequência das comunicações, são, com efeito, circunstâncias especiaes e poderosas que explicam e legitimam esta aspiração autonómica, ou seja este reconhecimento real de efetivar a adjacência. Desta forma, a descentralização e a desconcentração de funções, que definem este regime administrativo insular é considerado ajustado às políticas centralizadoras que, segundo a mesma Câmara, não se deixam vislumbrar pelos ideais centralizadores, tendo em conta...a unidade de pensamento e de ritmo que deve caracterizar hoje as relações entre a administração central e a administração local, entre a administração geral e a administração particular. E conclui-se pela defesa e fundamentação do Estado centralizador e autocrático: … a vida moderna, os progressos técnicos modernos e a moderna facilidade de comunicações revelam-se incompatíveis com uma descentralização demasiado larga, mormente num país como o nosso que, ostentando com orgulho o titulo de Nação primogénita da Europa, sem dúvida é também, senão a mais, pelo menos uma das mais unificadas nações do mundo57. Qual então o segredo escondido na intenção do legislador quando afirma a adjacência dos distritos insulares? O próprio articulado da lei de 30 de abril de 1938 revela-o do seguinte modo: Formam as ilhas adjacentes um todo com o continente, é o mesmo o seu sistema de admi56 LEITE, J. G. Reis, 1987, A Autonomia dos Açores na Legislação Portuguesa, Horta, p. 242. 57 LEITE, 1987, p. 247.

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nistração e governo, como o mesmo é o grau de civilização dos habitantes e de progresso social: seria, pois, contrário ao bem comum consagrar uma forma egoísta de plena autonomia financeira que parecesse realizar a desintegração do Estado de uma parte do seu território metropolitano58. Mas, já em 1843, algumas figuras ilustres da ilha, entre as quais o Conde de Tojal, haviam submetido um relatório às Cortes em que referiam, ao contrário do que era comum, a necessidade de diferenciar a realidade socioeconómica da ilha na hora de legislar. Ora, isto deveria acontecer, porque segundo diziam: o grande principio da igualdade da lei de sorte nenhuma encerra em si o da identidade de legislação para todos os lugares e objectos, quando circunstâncias peculiares aconcelhão, ou antes exijem, disposições especiais. Neste caso está o commercio da ilha da Madeira. Os vinhos, que são a maior producção da ilha, são quasi a sua unica riqueza; porque o terreno ao mesmo tempo que é tão proprio para produsir vinhos de uma naturesa especial e superior não admitte outra cultura, que de longe se assemelhe em valor e importância. Mas esta grande riquesa só a promove a exportação; e o grande valor dos vinhos da Madeira não provem do consumo no paiz ou no territorio portuguez; mas sim do que lhe dão os estrangeiros. É por este motivo que os interesses daquella ilha pedem que seja colocada em circunstâncias, em que os seus vinhos achem facil e certa a exportação, e que os estrangeiros sejão atrahidos ao seu mercado. (...) A distancia em que a ilha da Madeira está dos outros pontos da monarquia, colloca-a em circunstancias taes, que se não pode temer que a legislação commercial, por eu for governada, tenha influencia damnosa para outros lugares. Nem poderá recear-se suspensão de consumo de manufacturas portuguesas, porque a prosperidade geral da ilha não deixará de contrabalançar o effeito da redução dos direitos.59 Aquilo por que temiam os madeirenses e que sempre esteve presente na voz das autoridades locais, dos de58 LEITE, 1987, p. 229. 59 VIEIRA, Alberto, 1993, História do Vinho da Madeira, pp. 263-266. A este propósito: “Por este principio he que este soberano Congresso sanccionou a prohibição da entrada dos cereaes. Em utilidade dos povos decretou que absolutamente fosse prohibida a importação da agua-ardente neste reino, e há de a mesma respeitavel Assemblea insistir que seja admittida na Madeira? Se a prohibição foi util para Portugal, não o he ainda para a Madeira? A lei he igual para todos, e há de fazer-se esta excepção daquella provincia para sua total ruina? Ainda digo mais, neste recinto se decidiu que fosse no Brazil prohibida a entrada de vinhos estrangeiros, quando alguns dos seus representantes insistião na liberdade da importação: e na Madeira quando as suas comarcas, os seus negociantes, os seus proprietários, finalmente todo o povo pelos seus deputados clamão contra aquella importação, deverá o Congresso sanccionala!” 1822: Deputado Maurício José Castello Branco Manoel, Diário das Sessões, n.º 40, 25 de junho, pp. 545-549.

putados e de distintas formas de escrita na imprensa local, prende-se com o facto desta perda de identidade trazer reflexos negativos para a vida económica e social da ilha. Isto, porque a Madeira, embora por ficção lhe chamem Provincia do Reino, é uma ilha, em tudo differente não só do continente, como também das outras ilhas adjacentes. Os seus interesses não lhe podem vir pelo methodo com que os de lá se alcanção.60 Estas vozes persistem no tempo e saem da boca de diversas individualidades de dentro e de fora do sistema político. Ainda, na década de sessenta, continuava a reclamar-se dessa diferença e da necessidade da sua assunção, pois que Os problemas da Madeira tem particularidades que não podem ser esquecidas e que plenamente justificam uma organização especial, dotado de uma certa independência e liberdade de movimentos, baseada nas realidades geográfica e turística que é o arquipélago, embora sujeita a orientação e fiscalização do órgão central. 61Esta ideia é reforçada em discurso do deputado Agostinho Cardoso: Madeira apresenta adentro do país uma individualidade económica muito diferenciada.62 As leis gerais do País eram, muitas vezes, adequadas às condições da metrópole, mas prejudiciais aos espaços 60 1842, Relatório da Comissão estudo efeito da Pauta na Madeira, 17 de de dezembro, in O Defensor, n.º161, pp. 2-4.A ideia de província associa uma relação e ligação institucional entre os distintos espaços que assim são designados. Não obstante esta surgiu em termos administrativos apenas em 1832, a política parlamentar já associava esta aos espaços, reportando-se em 1822 o deputado Castello-Branco de forma clara em relação entre a Madeira: “A provincia de Madeira hé uma provincia de Portugal. As provincias umas com as outras da mesma nação, estão em eguaes circunstancias de dois irmãs, e nunca foi, nem será justo, que um irmão se complete com a fortuna de outro até reduzido à extremidade.” Entretanto a 17 de novembro de 1821 Nicolau Caetano Pitta afirmava no Patriota Funchalense: “ficámos elevados à categoria de província no nome, mas que de facto somos tratados como colónia”, para se concluir em 1 de dezembro que “a sorte da infeliz Madeira he a de enteados”. Esta relação é melhor evidenciada em outra opinião do ano seguinte: “A escravidão consiste em viver algum sujeito absolutamente à vontade de outrem; uma província, que deve sujeitar seus interesses aos da metrópole, que a seu termo a não interessa, deixa de ser provincia, é de facto colónia e vive escrava”. Esta ideia de província, associada á Madeira, persiste na cultura e tradição da década de 20 do século XIX. Assim em 1821 um relação que relata os acontecimentos do Funchal tem por título: “Carta Escripta a hum sugeito da Provincia da ilha da Madeira,....”, Lisboa. Em 1832, o governo no exílio na ilha Terceira estabeleceu a reforma da administração criando as províncias ou prefeituras, que tinha à frente um perfeito e a Junta Geral. Neste quadro administrativo estavam incluídas as possessões ultramarinas, mas cedo se verificou que esta unidade nacional de administração não poderia funcionar. Esta situação durou pouco tempo, pois com a reforma de 1835 passaram a vigorar os distritos. Esta designação foi recuperada com a constituição de 1933 para os distritos do continente, mas persistiu apenas até 1959. 61 1954: Parecer da Câmara Corporativa, citado por Gastão Figueira, Diário das Sessões, n.º46, 19 de março, p. 769. 62 1961: Agostinho Cardoso, Diário das Sessões, n.º5, p. 141.

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insulares, que estavam pendentes de condições especiais, fruto da sua posição geográfica oceânica. Custou e ainda custa a entender que esta condição oceânica diferencia os espaços insulares de regiões continentais. Também nunca foi entendido que esta diferença implicava, por vezes, legislar de forma individual. Porque, na verdade, aquilo que interessará aos Açores poderá não ser melhor solução e vice-versa. Esta situação fez-se sentir, de forma especial, com os diversos regimes das pautas alfandegárias, que sempre foram desenhados em conformidade com a situação e interesses dos portos continentais e quase sempre em desfavor das ilhas, nomeadamente da Madeira, que perde competitividade face às Canárias, no apoio à navegação, do mesmo modo que sofre medidas lesivas quanto à proteção do comércio do seu vinho. Se a ideia da adjacência foi uma tentativa de forçada em termos políticos de retirar a identidade aos arquipélagos da Madeira e Açores, a afirmação, por etapas, foi o princípio para a sua recuperação no discurso político que fez com as ilhas passassem de adjacentes para a definição de uma região com identidade diferenciada.

AÇORES - MADEIRA - AUTONOMIA DE CONFLITOS OU CONSENSOS? A paz e harmonia que infunde a literatura não se repete no quadro económico e político. Pois, ontem como hoje, os espaços insulares nunca estiveram em consonância quanto aos objetivos políticos e outros que fossem, no sentido de uma maior capacidade de intervenção e reivindicação nas instâncias nacionais. Desde o século XV que se denota uma situação de afrontamento e de falta de consonância em objetivos comuns, ditada, em certa medida, por um processo histórico e económico distinto. Depois, a Revolução Liberal e o debate político determinaram o resto e estão na origem de um fosso entre ambos os arquipélagos. A atribuição da autonomia a alguns distritos açorianos, com a ausência da Madeira, foi um dos primeiros rastilhos desta via de distanciamento, no plano político. A par disso, o quase secular desentendimento ficaria por aqui se, acaso, não fosse usado para usufruto de dividendos políticos e económicos junto das autoridades metropolitanas. Em 1822, o Patriota Funchalense insiste na ideia da Madeira ter sido a primeira a aderir à causa liberal e a ter

assento na Assembleia Constituinte, mas a última a ser atendida. Por outro lado, o deputado Maurício José Castello Branco acusa o congresso de esquecer a Madeira em favor de Cabo Verde e dos Açores: “As ilhas dos Açores, as de Cabo Verde, merecerão já a contemplação, e úteis providencias deste Congresso, e acaso serão ellas mais dignas dos desvelos, e cuidados dos representantes da nação? Serão mais interessantes á Monarquia portugueza? Achar-se-hão em mais apuradas e criticas circunstancias? Certamente não. A lei he igual para todos, a Madeira he filha como as outras, os seus povos merecem igualmente a beneficiencia dos pais da patria, elles não deixarão de lamentar a sua desgraça, considerando-se em abandono.” 63 Na segunda metade do século XIX, são insistentes as referências a um favorecimento dado aos Açores, expresso em apoios financeiros, materializados em obras públicas, em desfavor da Madeira, que se apresentava com uma maior participação nas finanças do Estado, sem as devidas contrapartidas. 63 Diário n.º 30, 10-VI-1822, p. 400.

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Como corolário de tudo isto, temos, em 1894, a concessão da autonomia administrativa a dois dos distritos que, para os madeirenses, surgiu como algo inexplicável e que conduzirá inevitavelmente a alguns desabafos na imprensa funchalense: “para os Açores tudo; para a Madeira nada !”64 Inúmeras vezes, entre o último quartel do século XIX e a República de 1910, ouvimos ecoar esta reclamação, face à diferente postura do Estado para com os dois arquipélagos, colocando a Madeira em segundo plano. Apuram-se os dados da receita e despesas, fazem-se comparações e, no final, conclui-se por esta injustiça na postura distinta do Estado para com as ilhas. São múltiplas as vozes madeirenses que se levantaram contra isto. Entre elas, deveremos reverenciar a de Manuel José Vieira65, em discurso proferido na “Câmara dos Senhores Deputados” da Sessão de 13 de fevereiro de 1884, em que pede maior equidade na distribuição do dinheiro para os dois arquipélagos. Por fim, aquilo que terá sido a principal gota de água deste afrontamento - a concessão, em 1894, da autonomia administrativa aos distritos de Ponta Delgada e Angra do Heroísmo, com o esquecimento da Madeira. Atente-se ainda que foram raras as vezes, entre 1821 e a atualidade, que os deputados da Madeira e Açores ao parlamento nacional, atual Assembleia da República, estiveram de acordo no estabelecimento de medidas comuns para ambas as regiões, excetuando as normas constitucionais da autonomia. A principal nota desta situação é a de que a Madeira e os Açores, embora arquipélagos com estatuto semelhante, raras vezes se entenderam e se uniram na luta por fins comuns. São percursos históricos similares, mas opções e formas práticas de políticas, por vezes, divergentes, pelo que a maior parte das conexões humanas e económicas que se estabelecem são forçadas, por múltiplas circunstâncias, sem nunca merecerem um total e mútuo acordo. 64 Diário de Noticias.14.XII.1894. 65 Diz ele: “Pode alguem admirar-se que nós, ilhéus, nos indignemos contra a metropole, e contra os da metropole porque em troca dos 1000.000$000 a 120000$000 réis com que annualmente os presenteamos, e de o sangue dos nossos irmãos, não têem com retribuir-nos senão com tributos que cada vez mais se aggravam, ou então com cholera-morbus, como aconteceu em 1856?!.… No período de dez annos, contribuiu a ilha da Madeira para o imposto de tonelagem, com 71000$000 réis, e os Açores, em igual período, com 41000$000 apenas. Trata-se de distribuir uma verba importante, como é a que se destina aos pharoes, dá-se 55000$000 para os Açores, e nem um real para o Funchal. Não queria que se desse exclusivamente para a ilha da Madeira; mas queria que se fizesse a distribuição com equidade.1884, Vieira, Manuel José, Discurso proferido na Câmara dos Senhores Deputados da Sessão de 13 de fevereiro de 1884, Lisboa, I. Nacional, pp. 9, 16.

Uma das primeiras dissonâncias acontece com os discursos políticos de ambos arquipélagos, que nunca foram geradores de consensos. Os espaços insulares nunca estiveram em consonância de objetivos políticos e outros que fossem, no sentido de uma maior capacidade de intervenção política e reivindicativa nas instâncias nacionais. Não obstante o povoamento deste arquipélago contar com a presença de inúmeros madeirenses, parece que muitos destes viram as costas à sua terra natal. Desde o século XV que se denota esta situação de afrontamento e de falta de consonância em objetivos comuns, ditado, em certa medida, por um processo histórico e económico distinto. Depois, a Revolução Liberal e o debate político ditaram o resto e quase que cavaram um fosso entre ambos os arquipélagos. Este quase milenar desentendimento ficaria por aqui se, acaso, não fosse usado para usufruto de dividendos políticos e económicos. Na segunda metade do século XIX e da centúria seguinte, são insistentes as referências a um favorecimento dado aos Açores, expresso em apoios financeiros, materializados em obras públicas, apesar da Madeira apresentar um esforço financeiro mais relevante nas finanças nacionais. A este propósito, convém referenciar o protagonismo de madeirenses e açorianos nos mais altos cargos da nação, na qualidade de Ministros, Presidentes da República ou outras situações que permitissem uma ação consentânea com os interesses da sua terra natal.66 Em relação aos madeirenses, não há notícia de que tenham assumido alguma postura de favorecimento da Madeira, mesmo em condições especiais. Já no caso dos Açores, são conhecidas as polémicas e as acusações do seu favorecimento, por muitos sectores políticos madeirenses e, de forma insistente, pela imprensa67. Não é apenas a postura de Hintze 66 Recorde-se que a Presidência da República esteve em mãos de açorianos (Manuel de Arriaga e Teófilo Braga), entre 24 de agosto de 1911 e 5 de agosto de 1915. Depois disso, tivemos o caso de Hintze Ribeiro por três vezes com funções governamentais 98. Já a presença de madeirenses é quase nula. Assim, a par das passagens efémeras do General José Vicente de Freitas pela Presidência do Conselho de Ministros (18 de abril de 1928 a 8 de julho de 1929), de Manuel Gregório Pestana júnior no Ministério das Finanças (22 de novembro de 1924 e 15 de fevereiro de 1925), temos a notar a ação de João Gualberto de Oliveira (1788-1852), 1º Barão e 1º Conde de Tojal que foi secretário de Estado dos Negócios da Fazenda, por diversos momentos (1/06/1837 a 16/04/1838, 12/03/1841 a 08/06/1841, 24/02/1842 a 20/05/1846, 20/02/1847 a 22/08/1847). Noutro âmbito, podemos ainda considerar a figura de António Sebastião Spínola (1875-1956), Inspetor Geral de Finanças de 1941 a 1945, que foi também chefe de Gabinete do Dr. Oliveira Salazar e João Pinto da Costa Leite no Ministério das Finanças. 67 Mesmo assim, na Madeira, foram celebradas a suas exéquias fúnebres: Elogio fúnebre, proferido nas exéquias... celebradas na Sé do Funchal a 2 de setembro de 1907. Mas, em 1894, afirmava-se: “… Estar há cerca de um anno a opprimir, a esmagar com penhoras e processos fiscaes os desgraçados contribuintes d’este districto, para

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Ribeiro que é criticada mas, acima de tudo, o insistente favorecimento dos Açores68. Inúmeras vezes, entre o último quartel do século XIX e a República de 1910, ouvimos ecoar esta reclamação face a esta diferente postura do Estado para com os dois arquipélagos, colocando a Madeira em segundo plano. Apuram-se os dados da receita e despesas, fazem-se comparações e, no final, conclui-se por esta injustiça na postura distinta do Estado para com as ilhas. São múltiplas as vozes madeirenses que se levantam contra esta postura distinta do Estado. Insiste-se, mesmo, no favoritismo dado aos Açores neste tipo de investimentos. Em 3 de setembro de 1892, o Diário de Notícias era perentório: “Enquanto as ilhas açoreanas possuem uma vasta rede de magníficas estradas, que em certos pontos, como na Terceira, chegam a ser excessivas—na Madeira não temos viação regular que comunique as freguesias rurais entre si e com a capital do distrito, sendo as vias de transito na mor parte das populase ir esbanjar esse dinheiro em Veniagas e corrupções eleitoraes, é um crime que brada aos ceus; é a ultima pá de terra lançada sobre o cadaver verminado de uma situação politica que hade passar á historia coberta da maldição dos madeirenses opprimidos e ludibriados. Que quer o governo e os seus delegados n’esta malfadado archipelago, do qual o snr. Hintze Ribeiro disse que era rico e que só teria direito a ser servido nas suas reclamações depois de se acharem satisfeitos os Açores e outras ilhas Portuguezas? Quer impôr aos madeirenses, offendidos e espoliados pela metropole a lista dos seus anoucos, d’aquelles serventuarios submissos que lhe hão de apoiar incondicionalmente todas os dislates e abusos do poder, sem que posssam conseguir para a Madeira cousa alguma... Corruptor, desprezivel! Os teus mandatarios votaram ao mais triste abandono a terra que nos foi berço; tiraram-nos a pelle com as garras aduncas do fisco; que nos deixem ao menos a liberdade do voto, que nos respeitem a honra!...” (1894: Diário de Notícias, n.º 5086, 25 de janeiro, p. 1) E temos ainda: ”…A Madeira e sempre a expoliada, e em quanto os poderes publicos a contemplam com os beneficios insignificantes e obras mesquinhas, tem para os Açores larguezas de mão como a de 3500 contes de reis no grande porto d’abrigo de Ponta Delgada; em quanto que no Funchal mandou construir essa ridicula parodia da pontinha, que até nasceu aleijada, para que se tornasse ainda mais cara e mais mesquinha, depois de correcta e...diminuida. É tempo de se attenderem os interesses maritimos da Madeira, sejam quaes forem os assumptos que com elles se prendam...”(1894: Diário de Notícias, 21 de novembro.) 68 “...vê se que o archipelago açorianno gosa de garantias economicas e de melhoramentos publicos muito superiores aos dispensados pelos governos centraes ao archipelago madeirense. A razão d’esta injustiça é o que cumpre investigar, a quem, embora no campo especulativo das theorias pretenda anullar a causa, para destruir os effeitos...É esta, e não podia ser outra, a razão por que os Açores progridem em quanto nós madeirenses ficamos para trás, marasmados na mais torpe indifferença.... Por isso faltam-lhes muitas cousas e entre ellas o deixar de depender de um systema governativo que faz a ruina de todos os povos sujeitos á sua funesta jurisdição....Demos á politica madeirense uma nova orientação - a da independencia e da dignidade civica. Emancipemo-nos da tutela nefasta da politica do poder central, que já não é sem tempo; e rompemos de uma vez para sempre com essa ignobil tradição do burgo podre...” 1894: Diário de Notícias, n.º5960, 5 de janeiro, p. 1.

ções rurais, tão escassas e perigosas, abeiradas de abismos medonhos, que afoitar-se alguém a percorrê-la, o mesmo é que arrastar um perigo de morte. (...) A Madeira que não tem obras públicas importantes, que não possui estradas e tem inconcluídas as suas levadas de irrigação, envia do produto amargo das suas pesadas contribuições dinheiro para se concluírem as obras públicas dos Açores!!!”. Manuel José Vieira faz as contas das finanças retributivas do Estado: No período de dez anos, contribuiu a ilha da Madeira para o imposto de tonelagem, com 71000$000 réis, e os Açores, em igual período, com 41000$000 apenas. Trata-se de distribuir uma verba importante, como é a que se destina aos faróis, dá-se 55000$000 para os Açores, e nem um real para o Funchal. Não queria que se desse exclusivamente para a ilha da Madeira; mas queria que se fizesse a distribuição com equidade69. Esta injustiça incendeia a sociedade funchalense e faz com que se lavrem inúmeros protestos, sendo o matutino Diário de Notícias70 o principal porta-voz, neste mo69 1884: VIEIRA, Manuel José, Discurso proferido na Câmara dos Senhores Deputados da Sessão de 13 de Fevereiro de 1884, Lisboa, I. Nacional, pp. 9, 16. 70 “… os nossos irmãos açorianos estão em maré de felicidades, bafeja-os à aura protectora do poder, que lhes abre com mão generosa o cofre das graças, realisando as medidas mais reclamados pelas necessidades d’aquelle archipelago. Abstractamente considerado é um acto de justiça pelo qual o governo so pode merecer os nossos aplausos: Porém so a par dos Açores existem outras ilhas não só igualmente ainda mais necessitadas d’essas providencias governativas e o governo vota caprichosamente a um ostracismo inqualificavel, então o nosso animo revolta-se cheio de justissima indignação contra essa parcialidade abnoxia que podendo entender aqueles beneficios nos que mais d’elles carecem, faz de uns filhos predilectos, e de outros os páreas desherdados. O archipelago da Madeira está na ultima hipothese. É o filho segundo d’este morgado prodigo que se chama monarchia Portugueza. Para os Açores propõe o governo ao parlamento medidas de alta importancia e de enorme dispendio. Manda concluir dois portos artificiaes, em que se tem gasto e vão gastar ainda milhares de contos de reis, projecta a construcção de novos portos. Decreta o estabelecimento da franquia aduaneira em tres ou quatro ilhas d’aquella archipelago. Estabelece alli moeda forte; manada construir pharoes nas costas maritimas. Para a adopção d’estes providencias, rompe com a rotina, põe de parte as difficuldades financeiras e reune os deputados açorianos em conferencias especiaes tendentes a alivitrar os melhores expedientes na solucção do progresso material d’aquellas ilhas, habilitando-as para a grande posição que lhes está reservada como porto de escala de navegação, depois da abertura do canal de Panamà. Muito bem procede assim um governo illustrado e emprehendedor. Mas porque razão se não adapta igual norma de proceder em relação ao archipelago Madeirense? Porque não são convidados os nossos representantes para um Estado sério e defenitivo das medidas que urgentemente estão sendo reclamadas pela desgraçada situação em que se encontra esta terra? (…) Acesso os representantes da Madeira, mandados eleger pelo governo não merecem a este a consideração que se dispensa aos deputados dos Açores? Os madeirenses deixam ir ao parlamento todos os deputados cujos os nomes lhes foram impostos na lista governamental, nem sequer a representação das minorias o governo deixou livre á opposição! Então, pois, representando em côrtes o districto do Funchal os amigos, a gente da confiança da situação, será por isso mesmo que o governo desconsidera eses deputados, continuando a votar a Madeira ao despreso mais completo

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mento, dos anseios de muitos madeirenses e a principal bandeira contra esta desigual retribuição do Estado. E, insiste-se, em 189471, nesta situação: Ninguem desconhece que o archipeago madeirense é um dos mais descurados districtos do paiz, pelo que toca a melhoramentos publicos e a protecção dos altos poderes do estado, para cujas as despezas é um dos primeiros a contribuir com importantes sommas (...) O povo madeirense, ordeiro e submisso, acata todas as determinações superiores, paga todas as imposições tributarias, até ao sacrificio, contribue, rigorosamente com o imposto do sangue, preenchendo todos os contingentes que lhe cabem no exercito e na marinha - e todavia não ha povo tão desprotegido, se não deprezado, pelos poderes tutelares do estado! Para tudo este archipelago ser excepcionalmente engeitado e para até na politica sofre a nefasta influencia da pessima tutela metropolitana não se lhe permittindo, que elega deputados que não sejam os indicados pelos governos centraes! Compara-se agora tudo isto com o que sucede em relação aos Açores e Pasmeremos do contraste (...) E no dia seguinte volta-se a insistir neste diferendo: vê se que o archipelago açorianno gosa de garantias economicas e de melhoramentos publicos muito superiores aos dispensados pelos governos centraes ao archipelago madeirense. A razão d’esta injustiça é o que cumpre investigar, a quem, embora no campo especulativo das theorias pretenda anullar a causa, para destruir os effeitos...É esta, e não podia ser outra, a razão por que os Açores progridem em quanto nós madeirenses ficamos para tras, marasmados na mais torpe indifferença (....) Por isso faltam-lhes muitas cousas e entre ellas o deixar de depender de um systema governativo que faz a ruina de todos os povos sujeitos á sua funesta jurisdição....Demos á politica madeirense uma nova orientação - a da independência e da dignidade cívica. Emancipemo-nos da tutela nefasta da politica do poder central, que já não é sem tempo; e rompemos de uma vez para sempre com essa ignóbil tradição do burgo podre...72 e revoltante? Estranha anomalia! Mas se assim é o remedio torna-se fácil, e nós opportunamente o indicaremos. A Madeira está dez vezes mais decadente e arruinado do que os Açores…” 1887, Diário de Notícias, 21de junho. 71 1894, Diário de Notícias n.º 5068, 4 de janeiro, p. 1. 72 1894, Diário de Notícias n.º 5069, 5 de janeiro, p. 1. E acusa-se Hintze Ribeiro: “… Estar há cerca de um anno a opprimir, a esmagar com penhoras e processos fiscaes os desgraçados contribuintes d’este districto, para se ir esbanjar esse dinheiro em Veniagas e corrupções eleitoraes, é um crime que brada aos ceus; é a ultima pá de terra lançada sobre o cadaver verminado de uma situação politica que hade passar á historia coberta da maldição dos madeirenses opprimidos e ludibriados. Que quer o governo e os seus delegados n’esta malfadado archipelago, do qual o snr. Hintze Ribeiro disse que era rico e

Estes gritos, porém, não ecoaram muito distante, não chegam a Lisboa, nem aos ministérios, nem aos ouvidos dos políticos com poder de decisão. E, se chegam, quase todos se fazem de surdos e querem renegar a existência de um povo e de um arquipélago que clama e reclama por justiça nas políticas e finanças. Quão distantes estamos no tempo, mas próximos nas realidades e nas injustiças políticas e financeiras. Alguns deputados madeirenses acabaram por perder o ímpeto inicial, deixando-se aliciar por cargos e posições de relevo na vida nacional, esquecendo, por vezes, as suas origens. É um facto singular que requer um estudo. Alguém saberá explicar a razão pela qual muitos destes, uma vez instalados no continente, perdem as suas raízes, esquecendo o espaço que os viu nascer, e assumindo, quase sempre, um discurso contra a Madeira? Outros candidatam-se por círculos eleitorais do continente, perdendo assim o vínculo à sua ilha. A mesma postura parece não existir nos açorianos, que se mantêm fiéis e defensores dos interesses da sua terra. Atente-se, ainda, que estes últimos, quando em cargos governamentais, atuam de forma favorável em favor das suas ilhas, caso, por exemplo, de Hintze Ribeiro. Os Açores detêm uma situação de privilégio com a sua representação parlamentar. De acordo com decreto de 8 de outubro de 1836, que estabelecia a existência de 27 circunscrições e a eleição de um deputado por cada 25 a 30.000 habitantes, este arquipélago elege 8 deputados enquanto a Madeira apenas 473. Na lista dos deputados da Madeira encontramos muitas personalidades madeirenses que se misturam com outras do Continente, em representação dos partidos74. que só teria direito a ser servido nas suas reclamações depois de se acharem satisfeitos os Açores e outras ilhas Portuguezas? Quer impôr aos madeirenses, offendidos e espoliados pela metropole a lista dos seus anoucos, d’aquelles serventuarios submissos que lhe hão de apoiar incondicionalmente todas os dislates e abusos do poder, sem que posssam conseguir para a Madeira cousa alguma… Corruptor, desprezivel! Os teus mandatarios votaram ao mais triste abandono a terra que nos foi berço; tiraram-nos a pelle com as garras aduncas do fisco; que nos deixem ao menos a liberdade do voto, que nos respeitem a honra!… “1894, Diário de Notícias,n.º5086, 25 de janeiro, p. 1. 73 Atente-se que tivemos vários madeirenses que assumiram posições de destaque na política nacional, ocupando cargos no governo nos Ministérios da Marinha, Guerra/Exército, Colónias, Negócios Estrangeiros. De entre estes, destacamos João Gualberto de Oliveira (1788-1852), o Barão e Conde do Tojal. Ainda não podemos esquecer que Lourenço José Moniz e António Aluísio Jervis de Atouguia (1797-1861) foram Presidente da Câmara dos deputados, respetivamente em 1838 e 1841. 74 De entre estes, destacam-se Luís Vicente Afonseca (1803-1878) e o conselheiro José Moniz Lourenço (1789-1857), que ocuparam respetivamente, durante trinta e quatro e vinte anos, as funções de depu-

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A leitura das atas da sessão parlamentar permite entender a razão do projeto de lei dos deputados madeirenses em 1900. Fundamentam as suas reivindicações no facto de que a favor do Funchal militam as mesmas rasões que determinaram o decreto com força de lei de 2 de março de 1895 a conceder aos Açores certa autonomia administrativa; não sendo justo, portanto, que seja negado aos povos da Madeira um regimen que tanto está concorrendo já para o engrandecimento e felicidade dos districtos de Ponta Delgada e Terceira, onde elle está em pratica com o maior applauso d’estas importantes povoações. A solidariedade deve estar presente tanto para os Açores como para a Madeira e por isso este sistema de descentralização é submetido para apreciação com a indicação no artigo 1º: É o governo auctorisado a conceder ao districto do Funchal, o regimen especial de administração creado para os districtos dos Açores pelo decreto de 2 de março de 1895 nos seus precisos termos e da mais legislação subsequente75. Como resultado desta reivindicação, em 1901, foi promulgado um decreto do poder central concedendo ao Distrito do Funchal uma autonomia administrativa, a exemplo do que havia sucedido em 1895 com os distritos dos Açores. A falta de unidade entre os arquipélagos da Madeira e dos Açores, no que respeita à defesa de interesses comuns e reivindicação de autonomia administrativa. Os deputados açorianos, quando reivindicavam regalias para os Açores, sempre incluíam a Madeira, falando, muitas vezes, em nome dos dois arquipélagos; o mesmo se não pode dizer dos deputados madeirenses. O deputado madeirense Pedro Pita chegou a ameaçar na Câmara de Deputados que se para conseguir o que era de justiça para a Madeira eram necessárias atitudes separatistas, à semelhança dos Açores, os madeirenses também enveredariam por esse caminho; os deputados açorianos foram mais além: reclamaram, com clareza, e sem necessidade de ameaças autonomia administrativa para os dois arquipélagos. Na discussão duma proposta de lei do Governo de criação dum imposto sobre o tabaco, a reverter para as Câmaras Municipais, os deputados açorianos opuseram-se em nome da defesa da indústria tabaqueira de Ponta Delgada e dos postos de trabalho; os deputados madeirenses não se solidarizaram, invocando a necessidade de receitas dos municípios. tado. Outros há que se destacaram como presidentes da Câmara dos Deputados: António Jervis de Atouguia (1797-1861), Conselheiro Lourenço José Moniz (1789-1857) e Manuel José Vieira (1836-1912). 75 VIEIRA, Alberto, Debates Parlamentares • 1821-2010. As vozes contra e a favor do Arquipélago da Madeira, Funchal, CEHA, 2014, 88-89.

Tal como na Câmara de Deputados, também no Senado se expressaram divergências de interesses entre Madeirenses e Açorianos, o que, naturalmente, dificultou o projeto de luta comum para ampliação do regime autonómico, que veio a nascer no final de 1922 mas que brevemente se verificaria tratar-se dum nado-morto. Também nesta Câmara, se ouviram, algumas vezes, deputados açorianos a incluir a Madeira quando reivindicavam benesses para os Açores ou quando alertavam para os problemas específicos comuns; a inversa, porém, diga-se em abono da verdade, não se verificou. O conflito com maior visibilidade, entre os dois arquipélagos, verificou-se relativamente ao decreto que proibia os navios estrangeiros de transportarem carga para a Madeira e os Açores. Os senadores madeirenses reivindicavam o fim do decreto, alegando que o mesmo estava a acarretar a diminuição de navios no porto do Funchal, com prejuízo para o turismo; os senadores açorianos, por sua vez, alegavam que o fim do decreto arruinaria a Companhia Nacional de Navegação e a diminuição das comunicações marítimas entre as ilhas açorianas. Levantou-se-nos, então, uma outra questão: até que ponto as regiões autónomas da Madeira e dos Açores permaneceram unidas nas reivindicações feitas aos sucessivos governos centrais? A verdade é que – mesmo sem uma análise detalhada deste assunto – nos pareceu que não. Nem sempre os deputados dos dois arquipélagos falaram a mesma linguagem. Em vários momentos, se pôs em causa as diferenças geográficas entre os dois: de duas para nove ilhas e consequentes questões de insularidade e, no caso dos Açores, de mais distância e isolamento relativamente a Lisboa e aos centros de decisão. Em outros momentos, porém, sentiu-se a solidariedade ilhoa: na discussão do Orçamento de 1985, por exemplo, a intervenção do deputado Correia de Jesus segue nesta direção: O Orçamento do Estado deverá, assim, e antes de mais, assegurar a integral cobertura das despesas correntes da administração regional, na medida em que se mostrem insuficientes as receitas próprias; deverá proporcionar os meios financeiros requeridos pelas necessidades de investimento, de modo a garantir o desejável crescimento económico das regiões autónomas, de acordo com as políticas definidas pelos órgãos de governo próprio; deverá contemplar os instrumentos de natureza fiscal e o regime de crédito adequados às realidades insulares; deverá, finalmente, dotar as regiões autónomas com as verbas necessárias ao suporte dos custos de insularidade.76 76 AHP, Diário n.º 42, 26-01-1985: pp. 1626-1633.

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A eleição, a 26 de novembro de 1882, de Manuel de Arriaga como deputado pelo círculo da Madeira poderá ser entendida como uma tentativa de quebrar a tensão latente no discurso e políticos insulares, mas não terá surtido efeito. Manuel de Arriaga era a divisa que unia os madeirenses - e que pretendiam ver os seus problemas defendidos de forma séria e honesta - contra o poder central, assumindo o papel de defensor das aspirações madeirenses. A presença do “deputado do povo”, no Parlamento, não gorou as expetativas dos madeirenses, pois nas sessões legislativas de 1883 e 1884 fez chegar aí as principais reclamações quanto aos problemas económicos, às reformas administrativas e ao incessante movimento de emigração77. Com a República, o Dr. Manuel de Arriaga volta novamente a ser eleito em 1911 para a Assembleia Constituinte pela Madeira. Não é pacífica a questão dos custos da insularidade. Ela é colocada em várias direções: da Metrópole relativamente à Madeira; da Madeira em relação à Metrópole e inclusivamente entre a Madeira e os Açores, quer num sentido, quer noutro, se bem que de forma mais velada. Geralmente, o que corta a solidariedade que une as Regiões Autónomas que conhecem as dores uma da outra, é o dinheiro que lhes é destinado para quebrar as insularidades. Muitas vezes, são questões de critério: será que o facto de, nos Açores, haver maior dispersão geográfica implica maiores custos sociais e financeiros? Outras vezes, porém, outras razões – talvez de ordem político-partidária – introduziram clivagens na distribuição das verbas do Estado e causaram na Assembleia algum desconforto. Na III República, fixámo-nos na busca da autonomia e encontrámos sonhos velhos, ambições novas, conquistas efetivadas e outras que, até aos dias de hoje, continuaram projetos. Se, por um lado, a Madeira conseguiu a sua autonomia política e administrativa, por outro, ainda luta por segurar as rédeas da sua economia e das finanças que a suportam. Afinal, a autonomia consagrada na Constituição não era propriamente aquela que os madeirenses desejavam e que [alguns] deputados defenderam, com palavras acesas, nas Tribunas da Assembleia. Ao longo dos anos, nas várias revisões por que passou a Constituição Portuguesa, a(s) autonomias foram seguindo progressos e retro77 Cf. VERÍSSIMO, Nelson, “O Deputado do Povo Manuel de Arriaga (1882)”, Islenha, N.º 1, Julho-Dezembro de 1987, pp. 45-52.:id., “O Deputado do Povo Manuel de Arriaga (1882-1884)”, Islenha, Nº 4, Janeiro-Junho de 1989, pp. 52-58.

cessos, corrigendas e adendas que nunca satisfizeram, por completo, as aspirações dos povos insulares. Da parte dos deputados continentais, sentimos, muitas vezes, a falta de compreensão desta coisa de ser ilhéu, de viver estacionado no meio do mar e de sofrer, ao longo de séculos, a distância líquida do mar, o esquecimento, o abandono e o ostracismo do Terreiro do Paço – lugar de todas as decisões. Encontrámos, de parte a parte, sobretudo em momentos mais quentes, alusões ao separatismo, referências a palavras ditas por deputados ou governantes ou escritas em jornais, indiciadoras de alguma falta de solidariedade nacional – evocada sobretudo nas alturas em que se discutiu orçamentos, dívidas, empréstimos ou leis que, de algum modo, diferenciavam as regiões que compõem o país. Tivemos ainda a perceção de que os Açores e a Madeira nem sempre falaram a mesma linguagem, sobretudo, e uma vez mais, no que se reporta a questões de índole económico-financeira, nomeadamente na definição de verbas para suprir os custos de insularidade. Passaram, mesmo, mensagens de descriminação entre os dois arquipélagos: ora se beneficiava um, ora outro, conforme o partido que estava à frente do Governo Central, ou mudava o Governo Regional dos Açores, situação que não ocorreu na Madeira, nos anos que demarcaram este nosso estudo. Ao longo desta análise, interrogámo-nos, ainda, sobre a forma como os representantes da Região Autónoma da Madeira – porque esta questão só começou a desenhar-se no nosso espírito a partir da leitura dos diários de 1976 – se organizavam na defesa dos interesses do seu arquipélago. Nem sempre sentimos a união dos deputados sociais-democratas e socialistas, nesta empresa de serviço àqueles que os haviam elegido, livremente. Tivemos a sensação de que questões eleitoralistas ou partidárias falaram mais alto, em momentos em que parecia mais eficaz abraçarem juntos as causas ilhoas, dispersando as suas energias numa espécie de debate paroquial [e a expressão é de um deputado madeirense, no calor da discussão]. Sentimo-lo, por exemplo, em assuntos relacionados com distribuição de verbas, com a necessidade de construção de infraestruturas, verbalizados em acusações de chantagem, de clientelismo e de despesismo, sobretudo em épocas pré ou pós-eleitorais. Vimo-nos confrontados com conceitos antagónicos que marcaram muitos discursos: à reivindicação de uma autonomia mais completa, opunha-se o discurso separatista e independentista a lembrar tempos em que se lhe associavam palavras [e atos] como terror e violência; na busca da possibilidade de definir os próprios caminhos, os CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA

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deputados encontraram barreiras como Centralismo, solidariedade nacional, portugalidade; ao conceito de insularidade contrapôs-se, muitas vezes, o de isolamento. Onde se guarda o significado dos silêncios de certos partidos [de direita ou de esquerda, conforme a conjetura], no que respeita à defesa da(s) ilha(s)?

AUTONOMIA E FINANÇAS. UM CONTECIOSO QUE NÃO ACABA. A autonomia é um conceito muito amplo em termos políticos e jurisdicionais. Para entender esta ligação às finanças, deveremos acompanhar a sua evolução, tendo em conta as implicações que apresenta em termos da estrutura e gestão dos recursos financeiros. Neste quadro, torna-se necessário diferenciar quatro momentos. O período inicial de ocupação do território, que vai de 1433 a 1497, com a definição do sistema de senhorio, que sucede à plena afirmação das instituições régias e, depois, a partir de 1901, com a autonomia limitada das juntas gerais, que deu lugar, em 1976, ao Governo Regional da Madeira e a um novo sistema político administrativo, mas não de plena autonomia financeira, como veremos. São inúmeras as dificuldades que se nos deparam numa investigação e estudo sobre a História Financeira.

Primeiro, somos confrontados, por lei de 20 de março de 1907, com dois tipos de contas: a conta do ano económico, que ficava aberta por cinco anos, e a conta de gerência, encerrada anualmente, devendo ser o registo das operações contabilísticas e financeiras do ano económico. Entretanto, pelo decreto 3519 de 8 de maio de 1919, estes prazos foram alterados, ficando a conta aberta apenas dois anos. Em seguida, o decreto com força de lei 18381, de 24 de maio de 1930, veio a determinar que estas deveriam ser encerradas 45 dias após o terminus do ano económico. Ora acontece que esta situação conduz a que os valores apresentados em distintos documentos apresentem dados díspares, por serem informações reunidas ou juntas, no decorrer do tempo. Mesmo assim, não é justificável a existência de algumas disparidades, aliás muito frequentes, que encontramos na apresentação dos dados contabilísticos. O facto foi devidamente referenciado, nomeadamente na imprensa, sem até hoje termos entendido a razão de tão evidentes diferenças numéricas. Também uma deficiente informação contabilística faz com que certos dados da receita e despesa da Madeira divulgados na imprensa e em algumas publicações, em princípios do século XX, não estejam corretos. Segundo uma informação comparada da Receita e Despesa do Tesouro na Madeira, entre os anos económicos de 1874-75 e 1913-14, a Madeira apresentaria um saldo negativo nos anos económicos de 1888-89 a 1891-92. Sucede que esta situação não cor-

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responde à realidade dos dados apurados. Mas a Madeira nunca apresentou qualquer saldo negativo. A riqueza gerada pelas pesadas e inúmeras tributações sempre suplantou a magra despesa ou investimento do Senhorio, da Coroa ou do Estado. Em muitas situações, aparecem dados de acordo com o ano civil, o que nos impede a sua contabilização, de acordo com a situação oficial determinada para as contas, a que seguimos no levantamento dos dados. A isto, junta-se uma outra, comum na documentação oficial do continente, que se refere à insistente dificuldade em diferenciar os dois arquipélagos, na escrituração contabilística de receitas e despesas, o que nos impede, em muitas situações, de saber qual a importância atribuída à Madeira. Insiste-se na ideia de que a informação contabilística disponível é muito dispersa e impossibilita, muitas vezes, o estabelecimento de séries e impossibilita uma avaliação real das contas. Daí que a tarefa de reconstituir e conhecer o movimento das finanças da região não é fácil. As informações estatísticas oficiais só estão disponíveis a partir do século XIX e, mesmo nesta centúria, os dados são, muitas vezes, escassos. Para os séculos anteriores, os dados são avulsos e não permitem, em algumas situações, as necessárias seriações. Faltam os livros dos contadores da Provedoria da Fazenda, os registos completos da Alfândega, assim como os dos diversos tributos e impostos. A organização contabilística do orçamento e conta surge apenas a partir da década de trinta do século XIX. Nem sempre os números que se apresentam são o retrato da realidade. Inúmeras situações determinam o recurso a variáveis que permitem descobrir outra situação que se esconde por detrás dos números. Para nós, sempre se afigurou desajustada a despesa consignada nos orçamentos para o funcionamento das estruturas militares na Madeira. Aliás, fomos colhidos de surpresa na análise dos dados, ao sermos confrontados, por muito tempo, com uma despesa elevada. Que razão assiste a tal? Estamos perante algo idêntico ao sucedido ao período da união das duas coroas, em que a Madeira, entre 1582 e 1640, teve de arcar com as despesas da presença e da manutenção da chamada força do presídio, com 400 praças, o que provocou uma situação de rotura no tesouro da Fazenda Real na ilha. A instabilidade política do século XIX transformou a Madeira num espaço de desterro para os militares opositores, como uma forma de desafogar os quartéis do continente, com o envio de batalhões para a ilha. Entre 1823 e 1919, tivemos a estância na ilha de diversos batalhões de Caçadores e de Infantaria, alguns deles com mais de

400 praças, cuja manutenção será assegurada e paga pelos cofres do Tesouro, na Ilha. Atente-se que o Batalhão de Infantaria n.º 12 esteve no Funchal, entre os anos de 1837 e 1847. Para este período, a despesa efetiva da Madeira é superior, na medida em que conta com a necessidade de assegurar a manutenção desta despesa, que não lhe pertence. A despesa do Ministério da Guerra na Madeira, a partir do orçamento de 1833, é a mais elevada de todas as rubricas ministeriais na ilha, chegando a representar mais de metade da despesa. Esta situação em que os cofres madeirenses assumem as despesas dos destacamentos de forças militares ocorre desde épocas anteriores e, já em março de 1824 e apenas neste mês, temos referência à despesa de 10.183$381, representando já 55% da despesa da Madeira. São encargos escriturados na despesa da ilha mas que não lhe pertencem, porque resultam de forças destacadas de forma eventual e que, depois, perduram no tempo. A isto deveremos juntar outra realidade muito comum nos espaços insulares, que se prende com o contrabando de mercadorias proibidas e o descaminho dos direitos. A informação sobre estas atividades ilícitas vem do século XV é contínua, dando a entender ser muito comum nas ilhas. Esta será uma forma muito habitual dos insulares se furtarem aos excessivos direitos que penalizavam alguns produtos de importação e exportação; era também um modo de combate ao regime de monopólio de produção e venda de alguns produtos, como o sal, o tabaco, a urzela e o sabão. Para alguns produtos com peso especial nas exportações, é possível estabelecer uma estimativa das situações de descaminho aos direitos, através de análises comparadas com os valores da produção e consumo, com os da exportação. Assim, para as ilhas, algumas mercadorias, como o sal, o sabão e a urzela, que estavam sujeitos ao regime de monopólio de produção e comércio, foram alvo de múltiplas situações de contrabando, que em muitas situações é considerado como superior a um quarto do total das transações. A Autonomia, concedida em 1895 a alguns dos distritos dos Açores e em 1901 à Madeira, poderá muitas vezes ser entendida como uma possibilidade de avanço e de afirmação dos espaços insulares, dando-lhe os meios para o seu autodesenvolvimento. Tudo isso não passou de um sonho com parcas expressões nos diplomas oficiais. Recorde-se o debate e a intervenção de diversos políticos insulares, entre finais do século dezanove e o findar do primeiro quartel da centúria seguinte, em que se reivindicaram e apresentaram propostas de autonomia política e financei-

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ra que tardaram a concretizar-se. Insulares e continentais enfrentam-se, frequentemente, sobre estas questões e parece haver, muitas vezes, medo dos primeiros em cortar este laço umbilical e, dos outros, em perder o domínio e controlo político e financeiro. E parece que ainda hoje persistimos todos neste dilema. É óbvio que estas condições nunca satisfizeram madeirenses e açorianos e, ao longo do tempo, foram surgindo propostas de alargamento da autonomia financeira. Na década de vinte, surgiram diversas propostas nesse sentido. Assim, para os Açores, Francisco d’ Athayde de Faria e Maia apresenta, em 1921, um projeto onde contempla, no campo financeiro, como receita distrital os impostos ou rendimentos de todas as origens e designações, gerais ou locais que neles se cobrarem ou arrecadarem... Desde o século XIX que a principal questão no debate e reivindicação da autonomia se prende com as finanças. Ainda hoje a questão financeira continua a estar na origem do principal contencioso das autonomias insulares. A cobrança dos impostos e a aplicação do produto líquido não reverte em benefício da região que tanto dele necessita. Esta ideia persiste e domina o debate. Em 1882, lia-se no Distrito do Funchal que o governo só se lembra desta terra para levantar do seu cofre central o produto de tanto sacrifício. Esta reclamação chegou à Assembleia pela voz de Manuel José Vieira, em intervenção de 7 de maio de 1883: sabemos que fazemos parte do reino de Portugal única e exclusivamente para quinhoarmos nos encargos que se renovam ou baptizam com nomes diferentes mas que sempre se acrescentam. Já em 1887, no Diário de Notícias, surge o apelo à união e à luta por todos os meios e incessantemente a fim de se conseguir dos poderes públicos a reparação que nos é devida por meio de obras e providências legislativas que nos assegurem um futuro, não diremos brilhante, mas de modesta prosperidade. No mesmo jornal, surge em 1924, a mesma acusação de forma clara: é preciso que os madeirenses unidos pelo mesmo pensamento façam ver de um modo irrecusável aos governos de Lisboa, que são mais alguma coisa do que matéria colectável (...) o povo da Madeira é um povo livre (...) não é escravo nem burro de carga. Em 1931, em plena euforia da revolta, o discurso dos cabecilhas ia ao encontro desta aspiração dos madeirenses em administrar as suas receitas em benefício próprio. Em manifesto aos madeirenses datado de 21 de abril, apelava-se à sua adesão à revolta pois o seu triunfo permitirá falar com liberdade e firmeza, para pedir, para exigir do governo que as suas receitas próprias cá fiquem durante largos anos, a fim de

com elas serem executadas obras importantes e de grande necessidade, há largos anos, reclamadas, mas sempre postas de parte, para satisfação de caprichos pessoais e de ódios políticos. Tal como afirmava o Notícias da Madeira, em 28 de abril de 1931, apenas 1/3 das receitas dava para resolver as necessidades da região. Deste modo, tal como proclamava Pestana Júnior, aquilo que a Madeira precisava era de uma mais larga autonomia administrativa e o gozo de uma maior parte dos seus rendimentos. O diferendo entre a metrópole e as ilhas sobre questões financeiras e tributárias atinge o seu ponto culminante com o Estado Novo e, a partir de 1974, com o Estado Democrático. A intervenção de Salazar, no sentido do saneamento das finanças públicas, acontece em momento de grande efervescência nos espaços insulares, onde duas convulsões populares geraram alguma antipatia por parte do governante, em relação à Madeira e aos madeirenses. Já a revolta de abril de 1974 abriu o caminho para uma nova realidade nas relações entre a metrópole e o continente que culminará, em 1976, com a criação da Região Autónoma, com Parlamento e Governo Regional. É uma realidade política diferente, mas nem por isso as questões financeiras deixarão de marcar o diferendo entre a região e a metrópole. Por parte desta, está sempre latente a pretensa ingratidão das ilhas e a ideia de que as mesmas não se mostram disponíveis para o esforço nacional de recuperação financeira e que aquelas estão, permanentemente, a reivindicar apoios financeiros.

EXPRESSÕES E COMBATES POR UMA AUTONOMIA FINANCEIRA. O Infante D. Henrique, por carta da doação de D. Duarte, de 26 de setembro de 1433, tornou-se o Senhorio das ilhas, recebendo, por isso, o pleno direito à sua posse, usufruto e administração, que passava pela distribuição das terras, estabelecimento de regimentos para o governo das capitanias, em termos de administração económica, fiscal e judicial e definição das culturas mais adequadas aos seus objetivos e que assegurassem maior rentabilidade como os cereais, a vinha, o pastel e os canaviais. Desde muito cedo que se estabeleceram mecanismos de controlo e arrecadação daquilo a que ficaram conhecidos como os direitos senhoriais. A figura do almoxarife está testemunhada em 1452 e, em 1477, surgiu a alfândega. Sabemos que o rendimento auferido pelo senhorio era elevado e precisava de ser bem administrado na sua perceção. Hoje, porém, a quantificação deste contributo financeiro da Madeira e Porto Santo é impossível,

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por falta de registos documentais, mas a informação avulsa permite afirmar que estas ilhas foram, desde o início, um contribuinte ativo. Nas finanças da Ordem de Cristo e da Casa do Infante, o tributo madeirense era de 1.500.000 reais, correspondendo a 40,54% do total dos rendimentos da sua casa senhorial. João de Barros refere, ainda, que o mestrado da Ordem de Cristo auferia da Ilha, anualmente, mais de sessenta mil arrobas de açúcar. Por aqui se confirma que a Ilha tinha um peso significativo nas finanças da Ordem de Cristo e da Casa do Infante. Uma das primeiras medidas alcançadas pelo Senhorio foi a isenção, por parte da Coroa, da dízima das exportações que se fizessem para o Reino. Era um incentivo à fixação de colonos na Ilha, que se manteve durante muito tempo e de que os madeirenses nunca abdicaram, considerando-a, certamente, como um privilégio perpétuo para a sociedade do século XV. Tenha-se em conta que esta política de isenção da dízima, no movimento de exportações e importações entre o arquipélago e o continente português, para além de favorecer as ligações aos portos do reino e o consumo dos produtos nacionais, contribuiu para estabelecer vínculos de dependência com a metrópole em termos do comércio externo da Ilha, situação que se tornará desfavorável em muitas situações. Por outro lado, levará a que uma importante e significativa receita local, nomeadamente da exportação do açúcar, fique nas alfândegas de Lisboa, Porto e Viana do Castelo, por onde se exportava muito deste produto para os principais mercados europeus. Não temos conhecimento de que o Senhor tenha feito qualquer investimento produtivo, por exemplo, em infraestruturas, à exceção das muito rudimentares alçapremas do Infante, nos primórdios da exploração açucareira. Pelo contrário, temos de referir as insistentes queixas por falta desta falta de investimento para a modernização e adequação das infraestruturas aos serviços que prestavam. Aos moradores, ficou reservada a tarefa de preparar os terrenos para arroteamento imediato, com a construção de muros de sustentação das terras e da abertura de levadas para o regadio, pelo que, inicialmente, a concessão de terras só seria possível àqueles que tivessem posses para tamanho investimento. A Madeira estava a pouco mais de 50 anos de ocupação e a cultura dos canaviais entrava no seu momento de apogeu. Daqui resulta a importância e valorização em que era tida no património financeiro do Reino. A construção

dos Paços do Concelho foi feita com financiamento próprio do concelho através dos rendimentos da imposição do vinho. O projeto de construção de cerca e muros, concretizado mais tarde, parte, também, de fontes de financiamento próprias que oneram, de novo, as populações. Não há os apoios substanciais que se esperariam por parte do Senhorio. Depois desta fase, dá-se a plena afirmação das estruturas de poder régio, com particular incidência para os ligados às finanças. A coroa apostou ainda na regulamentação rigorosa das estruturas fiscais, através dos forais do almoxarifado da alfândega (1499), do Funchal, Machico e Santa Cruz (1515). Esta medida foi antecedida, em 1497, da abolição do senhorio, fazendo reverter para a coroa todo o património madeirense. A presença da coroa e das instituições que a representam, ao nível da justiça e da fiscalidade, consolidaram-se nos anos seguintes, posto que esta Ilha era uma das primeiras e principais fontes de riqueza de que a coroa não queria prescindir. A ideia da Ilha, como um das principais riquezas da coroa, parece estar na origem de toda esta atuação. Foi sob este signo que, em 1497, o mesmo fez reverter para o património da coroa, de forma indelével, a Madeira, reservando-se o direito de reforma dos arcaicos forais que regulamentavam a fiscalidade, pela necessidade de adequar os regimentos à nova realidade socio económica. Assim, em 4 de julho de 1499, tivemos foral e regimento para a alfândega. A partir de então, a Fazenda Real, em momento algum, prescindia deste contributo madeirense e continuou a usar de todos os meios para sacar a riqueza gerada no arquipélago, através dos tributos existentes, alguns deles específicos da Ilha, assim como do apelo a permanentes empréstimos e fintas. Esta política de constante solicitação do esforço tributário dos madeirenses foi prejudicial à Madeira, gerando laços de cada vez maior dependência e de um atraso secular, manifesto aos mais diversos níveis, mas acima de tudo expresso no estado de degradação dos edifícios das instituições da Coroa, das igrejas e capelas. O direito de padroado era um compromisso e encargo assumidos pelo Rei, que raras vezes o honrou. A coroa atuou de todas as formas, no sentido de evitar o chamado açúcar cativo, isto é, o açúcar subtraído ao pagamento dos tributos régios, nomeadamente aos quintos e às dízimas de saída. Para isso, foi estabelecido um apertado sistema de controlo que começava nos canaviais, continuava no engenho e terminava à saída do porto. Assim, como forma de controlar e de prever a receita, determinou-se a regra do estimo da produção de açúcar dos CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA

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diversos proprietários de canaviais. Continuam a fazer falta muitos dos dados da receita e despesa, tão preciosos para estabelecer análises comparativas e aferir, de forma clara, aquilo que foi o contributo financeiro dos madeirenses para a construção do mundo português de então. Mas a ninguém restará qualquer dúvida que, mesmo com os poucos dados numéricos disponíveis, podemos afirmar que a Madeira foi sempre um contribuinte ativo, em termos de Homens e de dinheiro para a construção do Portugal continental e imperial. Em todos os momentos, os madeirenses estiveram abertos e disponíveis a esta participação nos desafios financeiros, sem esquecer o pesado esforço que lhes era exigido. Em 1497, a vereação funchalense mandou rezar uma missa de ação de graças a Santo António por ter saldado mais um empréstimo, na mira de que fosse o último, mas a política de pedidos e empréstimos não parou e continuou a ser um importante ónus para as finanças do arquipélago. Assim, a pressão fiscal sobre produtos de alta rentabilidade poderá ter muitas vezes, em situação de livre concorrência com outros mercados, produtos, efeitos negativos. Em princípios do século XVI, a concorrência dos açúcares dos mercados da Madeira e Canárias esteve sujeita a esta situação que se reverteu deforma desfavorável para a Madeira. Na época senhorial, o donatário considerava-se o proprietário do espaço da Ilha e, portanto, tudo o que recebia dos povoadores que haviam aceitado dadas de terras eram um tributo, fruto de direito de posse. Daí a ideia de direitos e não de tributos senhoriais. Na verdade, estamos ainda longe da ideia de imposto ou tributo, como algo que se impõe com determinada função social, económica, cultura ou em troca de alguns serviços. Mas esta ideia medieval dos direitos senhoriais continuará presente por muito tempo até à época liberal. É importante assinalarmos a situação, uma vez que esta forma de encarar a situação tributária não implicava uma postura retributiva que, quando acontecia, era apenas a título de dádiva ou esmola. Temos inúmeros testemunhos destas situações no reinado de D. Manuel, certamente aquele que, de entre todos os monarcas, mais lucro obteve com a economia madeirense, mas também aquele que se mostrou mais magnânimo para com o arquipélago. Aqui devemos insistir na ideia de que a contrapartida a este contributo dos madeirenses estará quase só na política de ofertas esta­belecida por D. Manuel I, que em muito aumentou o património artístico da Madeira.

Em diversas circunstâncias, é manifesta uma tradição não retributiva por parte da Coroa, mesmo nas suas obrigações. As grandes obras de construção da praça, paços do concelho, cadeia, igreja fazem-se, em princípio, à custa dos moradores, através de taxas, do seu trabalho braçal e de algumas das chamadas esmolas da coroa. Sucedeu assim com as obras do Hospital da Misericórdia do Funchal, com a Sé do Funchal e com as cadeias. O mesmo se passa com as obras de fortificação, tão importantes para segurança dos moradores e para a salvaguarda da soberania e dos interesses financeiros da coroa. Até mesmo a imposição do vinho, criada em 1485 para acudir às principais despesas do município, acabou por ser usada pela coroa com outras finalidades. Hoje não restam dúvidas de que a Madeira foi um contribuinte ativo para os cofres da coroa, mas que poucas vezes sentiu o retorno útil da sua riqueza. Raras ou nenhumas foram as ocasiões em que o saldo das contas foi negativo e que obrigou ao socorro da coroa. Todavia, quando este apoio acontece é feito através de empréstimo com retorno. Os encargos definidos pela despesa fixa da coroa na Ilha eram, por norma, muito reduzidos. Tenha-se em conta os dados disponíveis para o período de 1501 a 1537, em que a despesa de funcionamento com o almoxarifado começou por ser apenas 20$000 para subir, na década de trinta, para cerca de 90$000 réis. Depois, para os anos de 1581 e entre 1602 e 1618, temos, de novo, uma situação semelhante, pois, de uma despesa global com os ordenados do clero e funcionários, superior a 7 contos, temos que apenas 2 contos se referem aos funcionários da justiça e fazenda real, sendo o demais para o clero e funcionamento das igrejas. O projeto de expansão e afirmação colonial portuguesa teve custos elevados que foram sendo suportados com financiamentos estrangeiros, bem como pela riqueza gerada nos novos espaços de ocupação, como foi o caso da Madeira. Daqui resulta uma ação humana e financeira difícil de quantificar. Assim, na primeira metade do século XVI, as despesas com o socorro e a manutenção das praças africanas são mais um encargo que os madeirenses assumem pela proximidade. Algumas destas praças, como Mogador e Safim, estavam na dependência quase direta da Madeira, de forma que, em 1506, o Monarca ordena aos almoxarifes e recebedores na Ilha que satisfaçam todos os pedidos de Diogo de Azambuja, no que concerne às obras da Fortaleza de Mogador. E a participação e investimento dos madeirenses nas campanhas africanas não se ficaram apenas pelo século XV, pois continua nos seguintes, participando

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a ilha, de forma assídua, com mantimentos e homens para a defesa das praças, face às investidas muçulmanas. Mais uma intervenção de vulto dos madeirenses acontecerá, mais tarde, no Brasil. Homens e meios financeiros acudiram ao resgate do Brasil da ocupação holandesa. No período da união peninsular, as terras brasileiras estiveram a saque de corsários franceses, ingleses e holandeses. A Coroa, a exemplo do que havia sucedido com o senhorio, tem direito ao usufruto da riqueza gerada pelos madeirenses. Desde os primórdios que se estabeleceu uma espécie de contrato de colonia entre o Senhor /a Coroa com os madeirenses, obrigando-os a realizar todo o tipo de benfeitorias e ao pagamento ao dito proprietário da Madeira, muito mais que a demidia das suas produções e riqueza. Por parte dos primeiros colonos, foi feito um esforço hercúleo, no sentido de adaptar a orografia da ilha às condições das distintas práticas agrícolas, raras vezes devidamente compensado com a parte que sobrava das suas colheitas. Para muitos dos madeirenses, o sentimento que persiste, ao longo desta época, manifestado em distintas situações e momentos, é de perfeito saque por parte da Coroa, a exemplo do que sucedera, em 1566, com o assalto francês. Mesmo assim, neste saque, a Fazenda Real foi a menos beliscada pelos roubos, na medida em que os cofres foram postos a salvo, no Caniço, em tempo útil. É esta ideia de uma Coroa ou instituições da Fazenda Real, que vão desde a Alfândega à Provedoria, sempre atuante em termos do lançamento dos mais diversos tributos e surda ao apelo dos súbditos e contribuintes, que ficou evidenciada atrás. As rendas da Madeira não atuam, apenas, como fator de relevo nas finanças dos cofres nacionais, são também usadas como moeda de troca, no quadro das relações diplomáticas internacionais, nas primeiras décadas do século XIX. A Madeira é entregue a forças ocupantes, como serve de garantia a empréstimos, ou é apontada como solução para a dívida nacional através da sua venda. Isto prova e reforça o papel da Madeira, no quadro das finanças nacionais. Senão, veja-se, em 1801, o empréstimo de nove milhões de cruzados feito com a garantia dos dízimos e demais rendas reais da Madeira. Depois, em 1809, noutro empréstimo de 600.000 libras, os ingleses receberam como garantia os rendimentos das alfândegas da Madeira e Açores; em 1832, de 300.000 libras esterlinas, voltando a usar os rendimentos da Madeira, como forma de hipoteca. A partir de 1820, abrem-se novas oportunidades, no sentido da Madeira fazer ecoar a sua voz, quer através das Cortes, quer da imprensa escrita funchalense ou mesmo

de Lisboa. Mesmo assim, o resultado nunca foi satisfatório. Em muitas circunstâncias, este olhar conduz apenas ao estabelecimento de taxas ou impostos específicos, como sucedeu com o imposto das estufas, em 1803. Mas também temos casos de exceção em relação à carga tributária, como sucedia até 1839 com o pescado e cereais, e que foi revogada em 1839. Um dos fatores que propiciaram uma atitude desfavorável face ao sistema tributário vigente prende-se com o facto de este ser alheio à realidade local e insensível às distintas calamidades que assolavam a ilha. Por outro lado, uma das evidências do sistema tributário liga-se ao retorno, em termos da satisfação de alguns anseios da população. Teremos algumas formas de tributação que são consignadas para determinados fins e, aí, a questão está arrumada. O problema acontece quando se estabelecem impostos e adicionais também com finalidades específicas, mas que, por serem gerais do país, nunca chegam à Madeira. Para esta época, tivemos momentos de esplendor, mas também de grandes dificuldades, como as aluviões de 1803 e 1842, em que o Estado não se mostrou tão magnânimo quanto deveria ser na sua intervenção e apoio, como o provam os orçamentos e contas do Estado a partir de 1833. Os trinta contos enviados em 1842, para acudir as despesas com a aluvião, de pouco serviram. Por lei de 1761, a Madeira uniformizou o seu sistema tributário com o do continente, deixando de existir situações específicas, relativamente a este aspeto. Isto gerou dificuldades de administração financeira devido às diferentes realidades do continente e das ilhas que, no caso das pautas aduaneiras, tornam mais real a expressão dos problemas de uma lei definida com desconhecimento da realidade das distintas e diferenciadas regiões. A ideia de associar as ilhas e os arquipélagos à metrópole através da designação de adjacentes foi uma medida fatal, com consequências inevitáveis na economia e no sistema tributário. A possibilidade de intervenção dos insulares na Câmara dos Deputados, através de deputados eleitos, foi uma oportunidade de afirmação desta diferença e identidade, mas não um reconhecimento, de facto, da diferença que a lei procurava a todo o custo combater. Em 1895, surgiu a autonomia, primeiro para alguns distritos dos Açores, sob a forma de restauração das antigas juntas gerais, com intervenção específica em termos administrativos e financeiros. Depois, em 1901, a Madeira acompanhou o processo. Mas tudo ainda estava em aberto em termos de uma plena valorização dos espaços insulares, tendo em vista a CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA

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capacidade de autogoverno. Após a reforma tributária da década de quarenta do século XIX, teremos outras em 1911 e 1922, mas as alterações mais significativas no sistema só irão acontecer a partir de 1928, com a intervenção do Doutor Oliveira Salazar. Mais uma vez, o compasso do tempo político não se coaduna com o do sistema tributário. A República, em 1910, não significou qualquer rutura com as Finanças e contabilidade vigentes, a exemplo do que havia sucedido com a Revolução Liberal de 1820. A viragem no sistema acontece, a partir da década de trinta, com as reformas de Mouzinho da Silveira, que tiveram apenas expressão prática e constitucional, com a reforma da Fazenda de 1843. Entretanto, na década de trinta, na sequência das reformas realizadas pelo Governo Provisório da ilha Terceira, tivemos, em 1832, a substituição do Tribunal do Erário Régio pelo Tribunal do Tesouro; em 1833, algumas reformas da Fazenda Pública e das alfândegas, mas foi a partir de 1843 que se deu a viragem do sistema, que teve continuidade nas reformas da Contabilidade e Fazenda Pública em 1854, 1869, 1870, 1881, 1891, 1907. A partir de 1901, a Madeira passou a contar, a exemplo dos Açores, de autonomia administrativa com o restabelecimento da Junta Geral. Todavia, as condições de instabilidade política deste primeiro quartel do século XX, associadas às limitadas competências e capacidades financeiras da Junta, não permitiram que, deste novo regime administrativo, surgissem intervenções tão favoráveis quanto eram as esperanças dos autonomistas madeirenses. Tanto mais que a década de vinte, aproveitando a evocação do quinto centenário do descobrimento da Madeira, foi um momento de debate por mais e melhor autonomia, revelando a insatisfação da elite política da ilha. A Autonomia poderá muitas vezes ser entendida como uma possibilidade de avanço e de afirmação dos espaços insulares, dando-lhe os meios para o seu auto desenvolvimento. Tudo isso não passou de um sonho com parcas expressões nos diplomas oficiais. O debate e a intervenção de diversos políticos insulares, entre finais do século dezanove e o findar do primeiro quartel da centúria seguinte, em que se reivindicaram e apresentaram propostas de autonomia política e financeira tardaram a concretizar-se. Insulares e continentais enfrentam-se, frequentemente, sobre estas questões e parece haver, muitas vezes, medo dos primeiros em cortar este laço umbilical e, dos outros, em perder o domínio e controlo político e financeiro. E parece que ainda hoje persistimos todos neste dilema.

Desde a Revolução Liberal de 1820, ficou patente a reivindicação, por parte da Madeira, de leis de exceção porque considera ser uma região diferente que se sente lesada com a legislação geral. Ora, isto só acontece em situações de descentralização política, coisa que tardará muito a ser materializada. As leis gerais do País eram muitas vezes adequadas às condições do país, mas prejudiciais aos espaços insulares, que estavam pendentes de condições especiais, fruto da sua posição geográfica oceânica. Custou - e ainda custa - a entender que esta condição oceânica diferencia os espaços insulares de regiões continentais. Também nunca foi entendido que esta diferença implicava, por vezes, legislar de forma individual. Porque, na verdade, aquilo que interessará aos Açores poderá não ser a melhor solução para a Madeira e vice-versa. Esta situação fez-se sentir, de forma especial, com os diversos regimes das pautas alfandegárias, que sempre foram desenhados em conformidade com a situação e interesses dos portos continentais e quase sempre em desfavor das ilhas, nomeadamente da Madeira, que perde competitividade face às Canárias, no apoio à navegação, como sofre por medidas lesivas quanto à proteção do comércio do seu vinho. Ainda em 1921 se faziam sentir os efeitos nefastos desta política tributária niveladora das ilhas pela legislação da metrópole. O Decreto n.º 7822, de 22 de novembro, havia estabelecido um imposto de comércio sobre a navegação em que se incluía uma taxa de entrada para os turistas, com imposto especial de 20% sobre o valor das passagens e o pagamento dos direitos em libras. Foi contra isto que se manifestaram, de novo, os deputados madeirenses, exigindo a sua suspensão por ser gravoso para o turismo que era já a principal riqueza. A proximidade das Canárias obrigava a medidas desagravantes e que chamassem os navios ao porto do Funchal. Fora isso que acontecera, aquando da criação do imposto de farolagem, que foi suspenso na Madeira, como com as leis de 23 de abril de 1880 e 21 de maio de 1896, que definiram vantagens especiais para os vapores que fizessem escala no Funchal. A partir de 1895, ficou definida uma situação distinta para os espaços insulares em termos administrativos, mas não legislativos. E esta ainda estava muito distante da aspiração dos insulares, para as ilhas adjacentes. De acordo com o citado diploma, a junta geral do distrito tem a seu cargo administrar os bens e interesses peculiares do districto, promover e realizar todos os seus melhoramentos moraes e materiaes, que por disposição de lei não estejam especialmente incumbidos a outras corporações ou auctoridades. O capítulo terceiro trata da Fazenda e Con-

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tabilidade distrital, onde fica determinada a matéria que nos interessa no momento. Assim, no quadro das receitas ordinárias, determina-se o rendimento de bens próprios, juros de papéis de crédito e fundos consolidados, dividendos de ações de bancos e companhias, rendimento de estabelecimentos distritais, as multas, o produto líquido das despezas de cobrança, das contribuições directas arrecadas no distrito, predial, industrial, de renda de casas e sumptuária, e seus adicionaes, ou das que as substituirem. Acresce ainda uma rubrica específica de impostos, chamados de distritais, que consistem em uma percentagem addicional às contribuições directas do estado, predial, industrial, de renda de casas e sumptuaria, ou áquellas que as substituírem, não podendo exceder 15 por cento. O quadro da despesa é definido pelo funcionamento de diversos estabelecimentos, institutos e serviços distritais, os vencimentos dos funcionários que estavam dependentes do cofre distrital, a manutenção dos edifícios públicos distritais. Com a República, não se estabeleceram alterações significativas ao sistema vigente. A lei n.º 88 de 7 de agosto de 1913, quanto aos distritos da Madeira e Açores, confirma o que está estabelecido no decreto de 2 de março de 1895, nomeadamente nos artigos 28, 29, 30, 31 e 32. Apenas se acrescenta no parágrafo 6 que As Juntas pagarão ao Estado, como compensação pela cobrança das contribuições, 5 por cento das quantias arrecadas, cuja dedução será feita em cada ordem de entrega de receitas, assinada pelo inspector de finanças. A partir de 1922, a situação da ilha não era distinta dos anos anteriores, mas tinha o condão de ter sido o momento escolhido para a comemoração do quinto centenário do descobrimento da Madeira. Este foi o argumento para fazer despertar o espírito autonomista e regional dos madeirenses. No dia em que for decretada a completa autonomia, ter-se-á descoberto a Madeira pela segunda vez afirmava Pestana Reis no Diário de Notícias, 20 de outubro de 1922. Em outubro e novembro de 1920, o Dr. Eduardo Antonino Pestana, entusiasmado com os resultados positivos da realização, em várias localidades do Continente, de Congressos Regionais, iniciativa que partira do então diretor do Diário de Notícias, de Lisboa, Dr. Augusto de Castro, reclama insistentemente, no Diário de Notícias, do Funchal, a necessidade de idêntica iniciativa na Madeira. O objetivo do congresso, a realizar na Ilha, era produzir um levantamento dos principais problemas com que se debatia a sua terra natal e criar uma comissão para reclamar as soluções necessárias junto dos parlamentares madeirenses e dos ministérios do Terreiro do Paço, em Lisboa. Isto é,

criar um grupo de pressão madeirense em Lisboa. Entre finais de 1922 e princípios de 1923, gerou-se no Funchal um clima eufórico de debate em torno do alargamento da Autonomia. Mas o debate fez-se e algumas ideias haviam demonstrado que, sem a colaboração da classe política da Madeira e do Continente, não era possível fazer avançar o parco regime autonómico de 1901. A classe política da Madeira, dependente das estruturas e dos favores da continental, estava dividida. Por outro lado, as forças vivas madeirenses, não só não sabiam bem o que queriam como estavam também acomodadas. A ideia de autonomia era agora distinta daquela que tínhamos tido em finais do século XIX. A influência inglesa conduziu à reivindicação de uma ampla autonomia que, segundo se dizia em 9 de novembro de 1921, deveria ter apenas na bandeira a única ligação com a Mãe Pátria. Para o movimento autonomista madeirense dos anos vinte, muito contribuiu a atitude do então Presidente da Comissão Executiva da Junta Geral, o Dr. Fernando Tolentino Costa que, aproveitando a passagem do Presidente da República, António José de Almeida a 9 de outubro de 1922, no regresso do Brasil, lançou o desafio no sentido do alargamento da autonomia. O facto teve eco na imprensa local e fez com que o movimento autonomista ganhasse novo alento. A Junta Geral, tomando a liderança do processo, enviou um ofício para as Juntas Gerais dos Açores (Ponta Delgada e Angra do Heroísmo), propondo congregação de esforços e concertação de ações sobre este objetivo, convocando uma assembleia de madeirenses, donde saiu uma comissão autonomista, que se reuniu pela primeira vez a 21 de dezembro de 1922, na sede da Associação Comercial do Funchal. Foi aqui que o Dr. Manuel Pestana Reis apresentou o texto das Bases da Autonomia, que vem publicado na brochura das Comemorações do 5º Centenário da Descoberta da Madeira (1922). Com a proposta de estatuto em debate, pretendia-se estabelecer, pela primeira vez, a coexistência dos poderes legislativos e executivo. Surgia, assim, o conselho legislativo eleito entre as câmaras e associações de classe, que podia legislar no domínio regional. Apenas lhe estariam vedadas as questões referentes ao exército, relações com o estrangeiro, formação do governo, justiça e ensino. O quadro institucional completava-se com o conselho executivo, eleito pelo legislativo, com a função de superintender as finanças, fiscalizar o orçamento e superintender os serviços e obras públicas. A representação do governo no distrito continuaria a ser feita pelo governador civil, nomeado mediante consulta ao conselho executivo. Ao mesmo seCADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA

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riam acometidas funções de fiscalização e assistência aos diversos órgãos da administração. Uma das reivindicações mais destacadas foi o direito à fruição em benefício próprio das receitas arrecadadas. A Madeira deveria deter a sua total administração, ficando ao Estado apenas o direito a uma quantia fixa para cobrir os custos da cobrança. Esta autonomia era entendida pelo próprio Manuel Pestana Reis (1922) como uma forma de desconcentração política e administrativa e ia ao encontro de anteriores propostas surgidas nos Açores, da autoria de Aristides da Mota (1892) e Francisco de Ataíde Manuel de Faria e Maia (1921). Durante este momento, o intercâmbio dos projetos autonomistas de ambos os arquipélagos foi um facto e, de novo, promovido pelo Presidente da Junta. Em dezembro de 1922, uma representação de Ponta Delgada, chefiada por Luís de Bettencourt e Câmara e José Bruno Carreiro, chega à Madeira, seguindo-se, em janeiro do ano seguinte, a presença de Frederico Augusto Lopes da Silva, de Angra. No ano imediato, na Madeira, também a temática da autonomia está em alvoroço. Evoca-se o quinto centenário da descoberta da Madeira e todos ou quase todos clamam por um nova descoberta, materializada em mais e melhor autonomia. Um dos pontos assentes do projeto autonomista apresentado por Manuel Pestana Reis (1894-1966) era a questão financeira. A revolução de 28 de maio de 1926 foi saudada por muitos setores da sociedade madeirense que depositaram nela as suas esperanças de mudança. A primeira alteração ocorreu com o decreto n.º 15.035 de 16 de fevereiro de 1928, que ia ao encontro de algumas das reivindicações no campo financeiro. A receita da cobrança da contribuição predial rústica e urbana, contribuição industrial, imposto de aplicação de capitais e imposto de transações, eram receita da Junta e usados em benefício da região, ficando o Estado com apenas 1% desta para despesas de cobrança. A 31 de julho, com o decreto nº 35.805, voltou a alterar-se a situação. Este decreto, assinado pelo então Ministro das Finanças, Dr. Oliveira Salazar, marca o princípio do fim do combate autonomista das ilhas. Antes, aumentara-se a receita dos distritos, agora, impõem-se novos encargos, com o alargamento da descentralização a serviços dependentes dos Ministérios do Comércio, Agricultura e Instrução, Governo Civil, Polícia Cívica, Saúde, Assistência, Previdência. Sem capacidade para acabar com a autonomia, acede às aspirações autonomistas, transferindo alguns serviços que conduzem à asfixia financeira das Juntas. As reformas do Governo da Ditadura não satisfizeram a ambição dos regionalistas.

O madeirense Quirino de Jesus, ainda que muito próximo de Salazar na definição da política económica e financeira, não conseguiu demovê-lo quanto à sua visão da autonomia. Ele defendera que a autonomia insular era definida pelo caráter financeiro e económico, só se podendo afirmar com reformas financeiras. Na sua ideia de divisão administrativa, o Distrito cederia lugar à Província, que passaria a ter ao comando um Governador-geral, residente, de nomeação governamental. A ele juntava-se a Junta Geral de Província e o Conselho de Governo. O primeiro era composto de procuradores eleitos pelas Câmaras Municipais, associações, professores e chefes de serviço das repartições públicas, enquanto o segundo seria presidido pelo governador, integrando vogais eleitos de entre os procuradores e chefes dos serviços. A Constituição, aprovada em 11 de abril de 1933, estabelecia para as ilhas uma administração especial (artigo 124 § 2º), só regulamentada pela lei n.º 1967 de 30 de abril de 1938, que está muito distante destes propósitos. No preâmbulo da lei, refere-se que a geografia obrigou esta descentralização e desconcentração, em benefício dos povos e com vantagem para a boa administração. As reclamações dos insulares levaram a que o governo da ditadura atendesse, em 1928, com alterações significativas, através da descentralização de muitos serviços, não obstante terem chovido reclamações, porque as receitas eram insuficientes, continuando o legislador a negar a possibilidade de usufruto total das receitas fiscais: Formam as ilhas adjacentes um todo com o continente, é o mesmo o seu sistema de administração e governo, como o mesmo é o grau de, civilização dos habitantes e de progresso social: seria, pois, contrário ao bem comum consagrar uma forma egoísta de plena autonomia financeira que parecesse realizar a desintegração do Estado de uma parte do seu território metropolitano. Acusa-se as anteriores medidas, dizendo-se que foi excessiva a liberdade conferida às juntas em 1928, pois a descentralização sem a tutela governamental podia ser um princípio para uma má gestão. Deste modo, manteve-se a descentralização existente, passando, todavia, a ser fiscalizada pelo Governo Civil e tutelada pelo governo. Nesta reforma do estatuto, surge como novidade a função de coordenação económica da Junta, que tinha expressão ao nível do planeamento apenas nos planos trienais. Esta problemática motivou um debate público, no Funchal, em janeiro de 1968, sob a epígrafe “I Semana de Estudos sobre problemas sociais económicos do desenvolvimento”. Como corolário desta reivindicação, foi publicado, em 11 de março de 1969, o decreto-lei n.º 48 905 que estabeleceu e regulamentou o Planeamento Regional, CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA

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função que ficou a cargo da Junta Geral, no que mereceu a contestação de todos os setores. Quando o Prof. Marcelo Caetano substituiu Salazar, a 27 de outubro de 1968, era evidente a expetativa dos insulares quanto às reivindicadas alterações do estatuto. Esta possibilidade havia sido admitida pelo próprio Presidente do Conselho de Ministros quando, em dezembro de 1969, visitara a Madeira. Na verdade, a década de sessenta foi, de novo, um momento de debate da autonomia, sendo o Comércio do Funchal o porta-voz destes anseios. Aqui, para além da visível asfixia financeira das juntas, insistia-se na necessidade de um plano de desenvolvimento regional, que chegou à Assembleia Nacional a 5 de abril de 1963, pela voz do deputado madeirense Agostinho Cardoso. As eleições para a Assembleia Nacional, de 26 de outubro de 1969, acontecem no decurso do debate do processo autonómico e o ideário autonómico foi assumido pelos candidatos da oposição democrática. Durante muito tempo, as reivindicações dos madeirenses assentam no retorno do dinheiro dos seus impostos para a realização de obras necessárias ao desenvolvimento da ilha que, em muitas situações, acabarão por trazer retorno ao Estado. Com um programa de regadio, amplia-se a área agrícola e os tributos também; com a construção de portos, cais e embarcadouros, são garantidas as condições de circulação de pessoas e produtos, mecanismo eficaz de animação da agricultura e mercado. Por fim, o porto principal no Funchal, com condições de apoio à navegação livre de taxas tributárias é uma esperança para os madeirenses que veem nele a possibilidade de uma grande escala oceânica e de desembarque de turistas. Tudo isto era conhecido e sabido, mas continuavam a tardar as soluções. As populações continuavam isoladas nos seus locais de nascimento, muitas vezes, alheias a tudo. A vinda ao Funchal era um acontecimento ocasional e de grande comemoração. Desde o primeiro quartel do século XIX, que se manifestam reclamações dos madeirenses, no sentido do Estado intervir na Madeira através de obras públicas para a abertura de caminhos, levadas e canalização das ribeiras. A crise agrícola e comercial faz despertar o olhar crítico de muitos madeirenses e amplia a imagem de uma terra abandonada à sua sorte, sem ninguém que a acuda. A descentralização estabelecida para os distritos dos arquipélagos da Madeira e Açores [1895 - Ponta Delgada, 1898 - Angra do Heroísmo, 1901- Funchal, 1939 -Horta] estabelece o princípio das finanças regionais. De acordo

com os Decretos e respetivos estatutos, as receitas das Juntas Gerais resultam de contribuições diretas [predial e industrial, impostos profissional e de aplicação de capitais] e seus adicionais, contribuições indiretas. A partir de maio de 1974, alterou-se o espetro político da região, manifestando-se à luz do dia vários grupos políticos de cariz regional e promotores da autonomia que deram vigor ao movimento autonomista que ganha forma com o Estatuto Provisório da Madeira de 29 de abril de 1976. Depois, o ato eleitoral para a Assembleia Regional, a 27 de junho, abriu o caminho para a afirmação do processo constitucional, com a atribuição da autonomia político-administrativa consagrada na Constituição que foi aprovada a 2 de abril de 1976. Tenha-se em consideração que, a partir de 1986, a realização de todos os empreendimentos, que permitiram a total mudança do arquipélago só foi possível com o apoio financeiro da Comunidade Económica Europeia. Sem isso, nada do que temos hoje seria possível. Foi a adesão de Portugal à CEE que facilitou à Madeira o financiamento das obras necessárias e o superar das dificuldades proporcionando um desenvolvimento integrado. Com a Constituição de 1976, foram instituídas as Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores que passam a usufruir de poderes financeiros e administrativos que se expressam na autonomia patrimonial plena, com poderes de planeamento e orçamentais próprios. Desta forma, a Secretaria das Finanças elabora e submete à aprovação da Assembleia Legislativa Regional o plano, orçamento e contas. O Estatuto provisório, aprovado pelo Decreto-Lei 318-D/76, de 30 de abril, estabelece já a possibilidade de a Região legislar e regulamentar sobre impostos regionais (art.136º), assim como criar adicionais aos impostos (art.137º) e de adaptar o sistema fiscal nacional vigente às caraterísticas da RAM (art.138). O alargamento desta faculdade irá permitir que a Região possa usar esta capacidade legislativa em termos fiscais para criar condições de competitividade fiscal que permitam captar novos investimentos, nomeadamente para o Centro de Negócios da Madeira. Ao nível das autarquias, a Constituição de 1976 determina, de forma clara, a independência orçamental e patrimonial. A Lei n.º 1/79, de 2 de janeiro, é uma Lei das Finanças Locais em que são aumentados os recursos e poderes financeiros dos municípios e das freguesias. Nela se estabelece um regime distinto para as finanças locais. Seguiram-se alterações, pelo Decreto-lei n.º 98/84 de 29 de março, mas que vigoraram durante pouco tempo, uma vez que, pelo Decreto-lei n.º 1/87, se procedeu a uma nova

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regulamentação das finanças locais que lhes atribuiu uma participação nas receitas do IVA e do imposto de Siza. As receitas fiscais dos municípios são resultantes de impostos autónomos [contribuição autárquica, sisa, imposto sobre veículos e imposto de mais-valia], algumas participações [definidas pelo Orçamento do Estado taxas e impostos] taxas e derramas. A contribuição autárquica surgiu por Lei n.º 106/88 de 17 de setembro. Entretanto, quanto às transferências das verbas para a Região, refere-se que o Estado estabelecerá, no orçamento (na rubrica “Encargos Gerais da Nação”), os valores a transferir para a região, de acordo com com o princípio da solidariedade nacional (art.º 56). A partir de 1981 (Resolução n.º 310/80. DR 200/80 SÉRIE I de 1980-08-30), ficou estabelecida uma fórmula de financiamento do orçamento regional, assente na capitação da despesa pública. A partir da revisão Constitucional de 1982, foram reforçados os poderes tributários das regiões, permitindo dispor das receitas cobradas. Para a RAM, temos, desde 1980, pelo Decreto-Lei n.º 500/80, uma situação especial em termos fiscais, com a criação da Zona Franca da Madeira que, a partir de 1987, está na dependência da Sociedade de Desenvolvimento da Madeira Sa., que conta com os seguintes serviços: Zona Franca Industrial, Serviços Internacionais, Registo Internacional de Navios e Serviços Financeiros/Centro Offshore. Em 1990, o mesmo governo aprovou o projeto do terminal marítimo da Zona Franca do Caniçal. A entrada de Portugal, na CEE, em 1986, impôs limitações ao funcionamento das zonas francas comerciais dentro do espaço comunitário. Em 1990, o governo aprova o projeto do terminal marítimo da zona franca do Caniçal. A zona franca foi um fator significativo do desenvolvimento da região, capaz de captar receitas que permitiram o seu financiamento. Todavia, as limitações impostas fizeram que a mesma perdesse importância, sendo, na atualidade, um dos principais problemas do diferendo entre a RAM e o Governo Central. A partir da revisão Constitucional de 1982, foram reforçados os poderes tributários das regiões, permitindo dispor das receitas cobradas. A lei n. º9/87 de 26 de março institucionaliza o poder tributário próprio destas duas regiões autónomas. A falta de controlo sobre o sistema tributário e a sua arrecadação, associados à insuficiência de recursos financeiros, por parte do Estado, para satisfazer as necessidades de funcionamento das instituições, nomeadamente do setor da Saúde e Educação, criavam insistentes problemas de tesouraria às finanças regionais, obrigando à constantes recursos a empréstimos. Os anos de 1985 e 1986 foram de particular signifi-

cado para esta conjuntura de difícil execução orçamental, que levou à negociação de um programa de reequilíbrio financeiro com o Governo da República. Pela Resolução 9/86 de 16 de janeiro, o Governo mandatou o Ministro da República e o Ministro das Finanças de estabelecerem com o Governo Regional um programa de reequilíbrio financeiro da RAM, assinado a 26 de fevereiro de 1986. Depois, a 22 de setembro de 1989, houve um novo programa de recuperação financeira até 31 de dezembro de 1997, que se repercute já no orçamento regional do ano de 1990. As relações financeiras entre as regiões autónomas da Madeira e Açores foram regulamentadas por legislação específica. A Lei 19/83 de 13 de dezembro autoriza o estabelecimento do regime das finanças regionais, que acontece por Lei 13/98 de 24 de fevereiro, conhecida como Lei de Finanças das Regiões Autónomas, revogada pela Lei n.º 13/98, de 24 de fevereiro. O impacto mais significativo do período democrático decorreu de uma intervenção resultante da integração de Portugal na Comunidade Económica Europeia e não da obrigação, que ao Estado era devida pela lei e pela Constituição, de colmatar as assimetrias de desenvolvimento económico da Região. Esta determinação constitucional deveria significar o saldar da dívida de mais de quinhentos anos de fruição dos recursos do arquipélago, sem contrapartidas adequadas e em consonância com a receita dos impostos ali cobrados. A 5 de junho de 1985, a Assembleia Regional da Madeira aprovou a integração da RAM no processo de adesão de Portugal à CEE, o que veio a acontecer, em pleno, a partir de 1 de janeiro de 1986. A resolução do Parlamento Regional reconhece as vantagens da adesão para o progresso económico e o reforço do contributo insular para a formação da comunidade. A nova situação não relega para segundo plano as especificidades das duas regiões autónomas, antes as reforça, através da coesão económica e social, consignadas no tratado de adesão, assinado a 12 de junho de 1985. Recorde-se que, em 1988, a comunidade, perante o memorando apresentado pelas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, aprovou um programa de medidas específicas, no sentido da sua plena integração no mercado único. Foi o princípio do reconhecimento do “Estatuto Especial das Regiões Ultraperiféricas” consagrado no tratado de Mastricht, com a Declaração comum sobre as Regiões Ultraperiféricas. A aposta comunitária na política regional favoreceu o aparecimento de programas financeiros, dos quais a Madeira, a partir de 1986, passou a poder usufruir. Neste sentido, surgiu em 1985, o Fundo Europeu para o Desenvol-

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vimento Regional (FEDER). Em 1991, o Tratado da União Europeia estabeleceu a política regional e de coesão, criando o Comité das Regiões e o Fundo de Coesão. A Madeira recebeu no primeiro e segundo quadro comunitário de apoio (entre 1986 e 1999) 176,7 milhões de contos e, no terceiro (2000-2006), 140 milhões de contos.

o orçamento apresenta um déficit de 2.017.730 contos porque ainda não é conhecida a verba a estabelecer no Orçamento do Estado, mas a Região entende assim, por considerar imperioso o cumprimento do plano de investimentos, deixando em aberto a possibilidade do seu financiamento através de um empréstimo.

As medidas de correção dos desequilíbrios internos de desenvolvimento e a política de coesão comunitária, asseguradas pelos diversos quadros comunitários78 e o fundo de coesão, para além de outros apoios no âmbito dos diversos programas comunitários79, asseguraram à Madeira os meios financeiros necessários para vencer as ancestrais dificuldades de desenvolvimento económico.

Em 1981, agrava-se ainda mais a situação financeira e orçamental, pelo volume de serviços que tinham sido regionalizados, no decurso do ano anterior, sem a devida contrapartida financeira, assim como pela aprovação tardia, em abril, do Orçamento de Estado. Desta forma, a Madeira não teve alternativa e o seu orçamento foi apenas aprovado em maio. A mesma situação de precariedade dos meios orçamentais justifica o deficit de 7,274.081 contos, explicado pela evolução crescente da própria autonomia regional80. Em 1983, o orçamento só foi aprovado em junho do ano de execução, pelas mesmas razões. Aqui ocorre uma nova situação, com o decréscimo das transferências do Orçamento do Estado, que veio a agravar o défice em 14.976.482 contos. A despesa é justificada pela transferência de serviços, sem a necessária contrapartida financeira, bem como da necessidade de vencer o atraso da região, através de grandes obras estruturantes.

Um dos principais problemas da política governativa prende-se, neste momento, com a disponibilidade de verbas, por parte do orçamento do Estado, para cobrir as carências resultantes da transferência dos serviços, assim como das políticas de investimento que se tornavam necessárias estabelecer para acatar o atraso secular a que a ilha tinha ficado votada. A conta de 1978 apontava um crescimento da despesa em 124,75%, enquanto o da receita se limitava a apenas 57,4%. Ora, esta situação de rutura financeira situa-se, muitas vezes, fora do alcance da região, ou porque o Estado não procedeu à definição do valor das transferências em orçamento de Estado, ou porque a Madeira não dispõe de quaisquer mecanismos fiscais que permitam resolver os seus problemas. No decurso das décadas de setenta e oitenta, os orçamentos da Região são apresentados de forma tardia, porque se aguarda pela aprovação do Orçamento Geral do Estado, em que ficará estabelecido o valor das transferências, uma vez que a receita dos impostos e taxas - que vem dos tempos da Junta Geral e que foi reforçada com o estatuto provisório de 1976 - era claramente insuficiente para cobrir os encargos com a transferência dos serviços, nomeadamente do ensino e saúde. É certo que o Estatuto (art.º 56) define o princípio da solidariedade nacional quanto ao apoio financeiro do Estado para cobrir as despesas, mas as contingências da conjuntura de crise política implicavam que esta garantia tardasse ou não surgisse. Neste quadro, restava à Região o recurso ao endividamento interno para cobrir os investimentos necessários à execução do plano regional que, de acordo com o mesmo estatuto (art.º 58), deveriam ser definidos por diploma do Governo da República. Em 1980, 78 Assim tivemos o I QCA 1989-1993; II QCA-1994-1999. 79 PEDAD, FEDER, POSEIMA (1992), FEOGA e FSE.

Já em 198381, no sentido de vencer estas dificuldades orçamentais e financeiras, o Governo Regional expressa a sua intenção de lutar para que fosse encontrado um critério mais justo, que permita à Regiões Autónomas recuperar o atraso económico e social em que se encontram relativamente ao Continente, o mais breve quanto possível, mas sem que isso constitua uma penalização para as disponibilidades financeiras. Assim, será presente durante o corrente ano ao Governo Central, proposta de alteração do actual critério de cobertura do défice da região,... A par disso, aponta-se a necessidade de reformas da política monetária e financeira, para que as Regiões possam adotar a assunção plena dos direitos e responsabilidades que a Constituição consagra neste domínio (alínea n) do artigo 229). Pois só assim, a Região poderá no futuro ter uma estrutura financeira que lhe permita avançar firmemente na consolidação da sua autonomia política e económica. A lei do orçamento do Estado 42/83, de 31 de dezembro, consagra a possibilidade da Região se endividar em 5 milhões de contos, para poder colmatar os constantes défices orçamentais. Mas, em sede do orçamento 80 Relatório, Proposta de Orçamento Geral da Região Autónoma da Madeira para 1981, Funchal, 1981. p. 2. 81 Relatório, Proposta de Orçamento Geral da Região Autónoma da Madeira para 1983, Funchal, p. 3.

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regional de 1984, volta a insistir-se na ausência de contrapartidas financeiras por parte do Estado, em face da transferência dos serviços, pelo que o investimento dos últimos sete anos só havia sido possível mediante o recurso ao crédito interno. Insiste-se na ideia de que Uma política orçamental verdadeiramente autónoma só será concretizada quando todas as componentes do orçamento regional estiverem sob o domínio dos órgãos de governo próprio da Região. Por outro lado, (...) Sobre o Estado recaem determinadas obrigações, aliás, constitucionais, no que respeita à recuperação do atraso económico estrutural em que a Região se encontra devido à ausência ancestral de qualquer política séria de desenvolvimento regional da iniciativa do poder central. O diferendo financeiro continua em 1985, acusando-se o Governo Regional de ter criado, em finais do ano anterior, acrescidas dificuldades financeiras que obrigaram ao aumento do défice e do endividamento da Região. Deste modo, insiste-se na necessidade de alteração dos critérios de transferências do Orçamento do Estado para a Região Autónoma da Madeira.82 A principal receita da região incidia nos impostos, sendo os diretos de maior peso. Para o período compreendido entre 1976 e 1988, temos como impostos principais a Contribuição Industrial, o Imposto Profissional, o Imposto de Capitais, o Imposto Complementar, o Imposto sobre Sucessões e doações, a Sisa. Já a partir de 1989, passam a ter destaque o Imposto sobre o Rendimento das pessoas Singulares (IRS) e o Imposto sobre o Rendimento das pessoas Coletivas (IRC), como reflexo das mudanças ocorridas com o sistema tributário português. No grupo dos indiretos, teremos IVA, ISP, Selo, Transações Internacionais, Estampilhas Fiscais, Imposto sobre Transações, Imposto de Consumo de Tabaco, Imposto sobre venda automóvel, Imposto sobre Bebidas Alcoólicas e cerveja. Com a Lei 13/98 de 24 de fevereiro, Lei de Finanças das Regiões Autónomas, fica consagrada a salvaguarda das receitas geradas na RAM e definida e regulamentada a possibilidade de estabelecer adicionais até 10% aos impostos (artº.36), a adaptação do sistema tributário às especificidades da RAM (artº.33, 37), assim como da fórmula e das regras que passarão a definir as transferências do Estado (art.º33). Como resultado desta situação, o Orçamento de 2001 estabeleceu alterações às taxas de IRS e IRC cobradas na RAM83. 82 Relatório, Proposta de Orçamento da Região Autónoma da Madeira para 1985, Funchal, 1985, p. 10. 83 E a Lei Orgânica 1/2007, de 19 de fevereiro, aprovou a nova Lei de

Assim, o valor das transferências passa a estar baseado na população (artº.37). Também o IVA deixa de ser transferido de acordo com uma capitação estabelecida, para ser o valor de facto cobrado. As regras das transferências financeiras foram estabelecidas nos art.º 19 e 51 e foram regulamentadas pela Portaria n.º 1418/2008 de 9 de dezembro. Com a revisão Constitucional de 1982, foram reforçados os poderes tributários das regiões, permitindo-lhe dispor das receitas cobradas. A lei n.º 9/87 de 26 de março institucionaliza o poder tributário próprio destas duas regiões autónomas. Com o orçamento de Estado de 2005, foi adotado o mecanismo da capitação subjacente à afetação da receita de IVA pelas Regiões Autónomas, o que se repercutiu num aumento destas receitas em 6,9%. A partir de 2007, em conformidade com as alterações vigentes, a receita do IVA deixou de ser feita por capitação. Esta alteração terá conduzido a uma quebra da receita da Madeira em 22,5 milhões de Euros. Já com a lei orgânica 1/2010 de 29 de março, na definição do valor das transferências, é tida em conta a população, o número de ilhas, a distância entre a capital do país e o local mais distante, com claro favorecimento dos Açores. Tenha-se em conta que o n.º 3 do artigo 21.º da Lei n.º 13/98, de 24 de fevereiro, refere que em caso algum poderá ser adoptado um modo de cálculo que origine um menor montante de receitas do que o auferido pelo regime vigente [capitação]84. Daqui resulta, por exemplo, que a receita de IVA da RAM, em 2007, não poderia ser inferior aos 315,579 milhões de euros. Recorde-se que o compromisso do Orçamento do Estado de 2005, de definição do mecanismo de capitação subjacente à afetação da receita do IVA na RAM, traduziu-se num aumento da receita para os cofres da região em 6,9%. Com o orçamento de 2007, a cobrança do IVA deixa de depender da capitação para ser o valor de facto cobrado. Há indicações no sentido de um sistema tributário diferenciado para atenuar os custos da insularidade85. Em 2004, a taxa de IRC passou de 27% para 22,5%. Anualmente, o decreto legislativo regional que aprova o orçamento estabelece a taxa de imposto prevista no n.º 1 do artigo 80º do Código do IRC a vigorar na região86. A crise Finanças das Regiões Autónomas e estabeleceu algumas alterações, consideradas penalizadoras para a RAM. 84 Compromisso corroborado pela redação da alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da Lei Orgânica n.º 1/2007, de 19 de fevereiro. 85 O artigo 5.º do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001/M, de 20 de fevereiro, na redação e sistematização dada pelo Decreto Legislativo Regional n.º 30-A/2003/M, de 31 de dezembro, estabelece a possibilidade de a RAM alterar a respetiva taxa. 86 O artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 3/2001/M, de 22 de fevereiro, na redação dada pelo Decreto Legislativo Regional n.º 30-A/2003/M, de 31 de dezembro, consagra a redução das taxas do

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financeira e as regras estabelecidas pelo Memorandum da Troika obrigaram o Governo Regional a rever esta situação diferenciada da cobrança do IRC e IRS87. A plena autonomia tributária e financeira só foi alcançada em 2005. A partir de 2 de fevereiro de 2005, de acordo com o Decreto-lei 18/2005, de 18 de janeiro, o Governo Regional passou a exercer a plenitude das competências, no que concerne às suas receitas fiscais próprias e a poder controlar todos os atos necessários à sua administração e gestão. Estas mudanças traduziram-se num aumento da receita fiscal. Esta política de maior justiça nas transferências na RAM levou a Assembleia Legislativa Regional a estabelecer um grupo de trabalho para apurar as receitas em falta, de forma a ser estabelecido um método de arrecadação, controlo e transferência das verbas a que a RAM tem direito. Também foi constituída uma comissão de inquérito para averiguar se os bancos com sede no continente a exercer a sua atividade na Madeira, reportam, de forma devida, as receitas geradas na Região para efeitos de imposto. Os resultados apontaram para uma incorreta afetação da receita fiscal à RAM. Daí a necessidade de sensibilização das entidades, com sede fora da Região, mas que exercem, aqui, atividade para a necessidade do preenchimento correto dos modelos de entrega dos impostos, nomeadamente IRC, IRS e imposto de Selo. No ano seguinte, também por Resolução desta Assembleia, foi sugerida a revisão da Lei das Finanças Regionais, que estava prevista para 2001, mas que, na verdade, só veio a acontecer em 2006, traduzindo-se em perdas para a Madeira. A aluvião de 20 de fevereiro de 2010 levou a que vários artigos desta lei fossem suspensos e que fosse publicada a Lei de Meios (Lei Orgânica n.º 2/2010, de 16 de junho) que estabelece o financiamento para o apoio e reconstrução dos danos causados pelo temporal na RAM. Os Fundos Estruturais e o Fundo de Coesão são os instrumentos financeiros da política regional da União Europeia, cujo objetivo é reduzir as diferenças de desenvolvimento entre as regiões e os Estados-Membros, participando, assim, plenamente, no objetivo de coesão económica, social e territorial88. Para acelerar a convergência económiimposto sobre o rendimento das pessoas singulares. Anualmente, o decreto legislativo regional, que aprova o orçamento, estabelece a taxa de imposto prevista no artigo 68º do CIRS a vigorar na região. 87 Através do Decreto Legislativo Regional n.º 20/2011/M. DR 246 SÉRIE I de 2011-12-26. 88 Fundos Estruturais: o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional [FEDER] que apoia, desde 1975, a realização de infraestruturas e investimentos produtivos geradores de emprego, nomeadamente destinados às empresas; o Fundo Social Europeu [FSE], instituído em 1957, que apoia a inserção profissional dos desempregados e das categorias da população desfavorecidas, financiando, nomeadamen-

ca, social e territorial, a União Europeia instituiu um Fundo de Coesão, em 1994. Este fundo destina-se aos países cujo PIB médio, por habitante, é inferior a 90% da média comunitária. O Fundo de Coesão tem, por finalidade, conceder financiamentos, a favor de projetos de infraestruturas, nos domínios do ambiente e dos transportes. Contudo, o apoio do Fundo de Coesão está sujeito a determinadas condições. Se o deficit público de um Estado Membro beneficiário exceder 3% do PIB nacional [regras de convergência da União Económica e Monetária], nenhum novo projeto será aprovado enquanto o deficit não estiver, novamente, sob controlo. O Fundo Europeu de Desenvolvimento, que é, desde 1959, um instrumento da ajuda comunitária de cooperação no desenvolvimento dos Estados ACP e dos países e territórios ultramarinos [PTU], é estabelecido por cinco anos. Destina-se a promover o investimento e a contribuir para reduzir os desequilíbrios entre as regiões da União. Os financiamentos prioritários visam a investigação, a inovação, as questões ambientais e a prevenção de riscos, enquanto os investimentos em infraestruturas continuam a ter um papel importante, nomeadamente nas regiões menos desenvolvidas89. te, ações de formação. 89 No setor primário, temos, desde 1 de janeiro de 2007, o fundo europeu agrícola de desenvolvimento rural [FEADER] criado para aumentar a competitividade dos setores agrícola e florestal, para melhorar o ambiente e a gestão do espaço rural, apoiando o ordenamento do território e para promover a qualidade de vida e a diversificação das atividades económicas nas zonas rurais. A reforma da Política Agrícola Comum [PAC], de junho de 2003 e de abril de 2004, definiu o Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural [FEADER], instituído pelo Regulamento [CE] 1290/2005, para reforçar a política de desenvolvimento rural da União Europeia. O FEADER é, juntamente com o FEAGA [Fundo Europeu Agrícola de Garantia], um dos dois instrumentos de financiamento da Política Agrícola Comum [PAC] que substituem, desde 1 de janeiro de 2007, o FEOGA - secção Orientação e o FEOGA - secção Garantia, respetivamente. O Fundo EUROPEU DAS PESCAS [FEP] foi um fundo criado para o período 2007-2013 para facilitar a aplicação da Política Comum da Pesca e apoiar as reestruturações necessárias ao sector. Ao nível da Região Autónoma da Madeira, tivemos o INTERVIR+ [2007/-], o Programa Operacional de Valorização do Potencial Económico e Coesão Territorial da RAM, aprovado pela Comissão Europeia, através da Decisão C [2007] 4622 de 5 de outubro, de 2007 e que tem por objetivo assegurar o crescimento da economia regional, o emprego, as políticas de proteção do ambiente, a coesão social e o desenvolvimento territorial. Este programa é cofinanciado pelo FEDER [Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional]. RUMOS - Programa Operacional de Valorização do Potencial Humano e Coesão Social da RAM, cuja versão final aprovada, pela Comissão Europeia, em 26/10/2007. Ao nível da RAM, deveremos considerar o PIDDAC-PROGRAMA DE INVESTIMENTOS E DESPESAS DE DESENVOLVIMENTO DA ADMINISTRAÇÃO CENTRAL, que corresponde, no Orçamento, à parte referente aos investimentos e o PIDDAR- PROGRAMA DE INVESTIMENTOS E DESPESAS DE DESENVOLVIMENTO DA REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA, a designação formal para a concretização anual da estratégia delineada no Plano de Desenvolvimento Económico e Social [PDES], para o período de 2007 a 2013.

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No debate político, as questões financeiras continuam a ser o calcanhar de Aquiles da nova autonomia. Todavia, deram-se passos significativos no sentido de a Região passar a ter o controlo do sistema financeiro, o que permitiria uma gestão certamente mais racional e sem os sobressaltos das últimas décadas. Mas, entretanto, a crise mundial chegou e colocou um travão neste processo. A conclusão do processo da plena transferência financeira e tributária, que se vinha fazendo de forma atribulada nos últimos anos, parou, aguardando melhores dias. O debate político e partidário ateia novas guerras e conflitos, fazendo, de novo alimentar o diferendo das autonomias, das relações entre o Estado e a Região. Os princípios constitucionais de solidariedade são esquecidos e parece que o impasse gerado pelas questões financeiras deu origem a um novo retrocesso, comprometendo as autonomias. A transferência de competências financeiras e tributárias foi, ao longo dos últimos trinta e cinco anos de autonomia, uma das principais questões que materializou o diferendo entre as regiões e o Governo Central e que ainda hoje não está resolvido em definitivo. Quando todo o processo parecia estar bem encaminhado, em termos da Região passar a dispor de plena, ou quase plena, intervenção na gestão financeira e tributária, eis que a crise económica e financeira internacional e nacional fizeram retroceder no processo em curso, sendo as suas consequências políticas ainda imprevisíveis. O principal contencioso das autonomias insulares relaciona-se com a autonomia financeira e tributária. A ideia de um Estado avaro e incapaz de ver a realidade regional prolonga-se no tempo e ainda hoje está presente neste diferendo. As ilhas conseguiram inúmeras conquistas em termos constitucionais, mas a prática governativa e legislativa tardou, aguardando, ainda, por soluções práticas. Na década de setenta, quando se traçavam os alicerces do atual processo autonómico, já se insistia nesta realidade das limitações da autonomia financeira como um entrave ao processo de crescimento indispensável para esbater as assimetrias com o continente. Assim, já no orçamento da região de 1979, apontam-se as armas contra As limitações impostas pelo âmbito da autonomia até agora conseguida, não permitem definir uma política fiscal, de crédito, monetária, financeira e cambial própria que contribuísse para um desenvolvimento económico

adequado às necessidades da região.90 Chegados aos anos oitenta, com o culminar de um processo de transferência de serviços e despesas adjuntas, sem a respetiva contrapartida financeira, era inevitável o colapso. Daí o orçamento de 1984 apontar a miragem de Uma política orçamental verdadeiramente autónoma, que só será concretizada quando todas as componentes do orçamento regional estiverem sob o domínio dos órgãos de governo próprio da Região e que reflete uma ausência do Estado em honrar os compromissos constitucionais: Sobre o Estado recaem determinadas obrigações, aliás, constitucionais, no que respeita à recuperação do atraso económico estrutural em que a Região se encontra devido à ausência ancestral de qualquer política séria de desenvolvimento regional da iniciativa do poder central.91 Entretanto, começaram a dar-se alguns passos significativos neste diferendo das relações financeiras entre as regiões autónomas da Madeira e dos Açores. A Lei 19/83 de 13 de dezembro concede autorização ao Governo para estabelecer o regime das finanças regionais. Mas a distância em relação à meta final era ainda grande pois, no orçamento de 1990, afirma-se que A região não controla as variáveis que afectam a cobrança quer dos impostos directos quer dos impostos indirectos e que determinam a respectiva evolução. Essas variáveis são fixadas pelas leis do OE, limitando-se a Região, a receber os respectivos impostos cobrados pelo Estado na Região. A sua previsão, por isso, acaba por ser mais difícil do que seria se a Região procedesse à respectiva cobrança.92 Em vésperas da aprovação da Lei 13/98 de 24 de fevereiro, a Lei de Finanças das Regiões Autónomas, o orçamento da Região de 1997 continua a mandar recados a Lisboa: a regionalização, melhorando a eficiência e a equidade das Finanças públicas, tem de contribuir para uma melhor performance da economia da Madeira, pelo que o modelo de financiamento dos orçamentos regionais deverá permitir às Regiões Autónomas aproximarem-se do nível médio de rendimento do continente, de igualdade de oportunidades e de igual qualidade de aprovisionamento de serviços e bens públicos. A definição das relações financeiras entre o Estado e as Regiões Autónomas tem assim de ser feita em respeito pela Autonomia Regional e num quadro do reforço da coesão económica e social nacional e 90 Relatório, Proposta de Orçamento Geral da Região Autónoma da Madeira para 1980, Funchal, 1979, p. 7. 91 Relatório, Proposta de Orçamento da Região Autónoma da Madeira para 1984, Funchal,1984, pp. 2, 3. 92 Relatório, Orçamento da Região Autónoma da Madeira para 1990, Funchal, 1990, p. 2.

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da solidariedade do Estado.93

Autónoma da Madeira para 2005, Funchal, 2004, p. 23.)

A nova centúria parece trazer novo alento aos discursos e práticas financeiras. O orçamento de 2002 alimenta esta esperança, ao afirmar que O inicio do processo de regionalização dos serviços de finanças permitirá importante evolução na gestão, controlo e apuramento da receita tributária, possibilitando uma maior arrecadação de verbas.... A região não dispõe ainda de todos os instrumentos que lhe permitam exercer um controle efectivo.94

Em 2006, de novo em vésperas de uma nova regulamentação das relações financeiras entre o Estado e a Região, denuncia-se o incumprimento do Estado que, no orçamento de 2006, não assegura as transferências das componentes custos da insularidade e desenvolvimento económico, apontando-se responsabilidades a assumir: O aprofundamento da autonomia em matéria fiscal, revela-se um instrumento de política essencial para que o Governo Regional possa prosseguir uma estratégia de desenvolvimento sustentada, promovendo a maximização da eficiência fiscal adaptando o sistema fiscal à condições cada vez mais especificas da economia regional, num principio de unidade diferenciada.96

À medida que avançam as negociações, a esperança renova-se e acalenta-se cada vez mais em 2003: O início do processo de regionalização dos serviços de finanças permitirá importante evolução na gestão, controlo e apuramento da receita tributária, possibilitando uma maior arrecadação verbas já que, a modernização dos serviços, quer em meios humanos, quer materiais, permite antever uma gestão mais eficaz e eficiente de todo o processo, desde a colecta à fiscalização, esperando-se um mais correcto e amplo cumprimento fiscal por parte dos cidadãos e empresas. A equidade e justiça fiscal, assim como a garantia de que são disponibilizadas à região todas suas receitas, continuam a constituir a principal preocupação do Governo Regional nesta matéria. Tudo isto porque a região ainda não dispõe ainda de todos os instrumentos que lhe permitam exercer um controle efectivo, competindo ao Governo Central controlar a arrecadação das receitas a nível nacional e a sua contabilização, procedendo posteriormente à sua distribuição pelas três circunscrições fiscais correspondentes: Madeira, Açores e continente.95 Em 2005, sabemos da existência de um grupo de trabalho, tendo em vista o apuramento das receitas fiscais em falta, circuitos de cobrança, controlo, gestão e afectação às regiões, com significativos resultados ao nível de apuramento de montantes por regularizar na correcção dos métodos de arrecadação, controlo e transferência de verbas para os cofres regionais. Foi, ainda, constituída uma comissão de inquérito, na Assembleia Legislativa Regional, para averiguar se os bancos que têm sede no continente e exercem a sua actividade na região Autónoma da Madeira entregam aos cofres da Região as receitas fiscais devidas. As conclusões do relatório demonstram uma vez mais a não correcta afectação da receita fiscal à Região, onde é efectivamente gerada. (Proposta de Orçamento da Região

O inevitável aconteceu. Em 19 de fevereiro de 2007, pela lei orgânica 1/2007, o Parlamento aprova a Lei das Finanças Regionais, revogando a Lei n.º 13/98, de 24 de fevereiro. Aqui ficam definidos os impostos, pertença da Região e os mecanismos de avaliação do valor das transferências, de acordo com a população. Perante isto, o Governo Regional apresenta a sua demissão a 21 de fevereiro, obrigando a novas eleições regionais onde conquista uma folgada maioria absoluta. Tudo parece, então, voltar ao princípio, no diferendo financeiro das autonomias. Ainda de acordo com a Portaria 1418/2008, estabelece-se a fórmula de apuramento do IVA e a sua transferência em duodécimos. Esta nova situação implica uma perda de 22,5 milhões de Euros em relação ao sistema de capitação de 1998. Ao Estado, cabe o direito de 2% das transferências do IVA, a título de compensação pela utilização dos seus serviços. Já no caso dos impostos alfandegários, a sua transferência é mensal. Nova alteração desta lei aconteceu pela lei orgânica 1/2010 de 29 de março. O legislador insiste na ideia de que A autonomia financeira regional desenvolve -se no quadro do princípio da estabilidade orçamental, que pressupõe, no médio prazo, uma situação próxima do equilíbrio orçamental. (n.º 1, do artº. 6º). Isto abre o mote para o estabelecimento de regras apertadas quanto ao endividamento, que passa a estar sujeito a um valor máximo, e as suas violações sujeitas a penalizações.

93 Relatório, Orçamento da Região Autónoma da Madeira para 1997, Funchal, 1997, pp. 1-2. 94 Relatório, Orçamento da Região Autónoma da Madeira para 2002, Funchal, 2002. 95 Relatório, Orçamento da Região Autónoma da Madeira para 2003, Funchal, 2002.

96 Relatório, Orçamento da Região Autónoma da Madeira para 2003, Funchal, 2002.

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AS MEMÓRIAS ORAIS E INDIVIDUAIS DA AUTONOMIA A História Oral surgiu na década de cinquenta como forma de valorização das memórias e recordações do individuo97. Com a criação da Associação de História Oral, em 1966, abriu-se caminho para a afirmação desta nova técnica de recolha da informação oral. A popularizaçāo da História Oral nos EUA tornou-se mais clara com a publicaçāo de “Roots: the Saga of an American Family” (1976)” de Alex Haley. O livro e a série televisiva lançaram o sucesso de História pessoal e da genealogia. E é desta primeira que se alimenta a História Oral. A História Oral é entendida como um método de recolha e preservação da informação histórica, através do re97 Atente-se na definição de História Oral: A História Oral é as memórias e recordações da gente viva sobre o seu passado. (T. Sitton, G. Mehaffy e O.C Davis Jr, Oral History, Austin, 1983). Foi em 1985 que tivemos oportunidade de contactar pela primeira vez com esta nova disciplina. A convite do Multicultural Centre of Toronto participamos numa conferência sobre a emigraçāo portuguesa. Aí foi-nos dado conhecer alguns frutos da História Oral que nos permitiram ir ao encontro dos pioneiros madeirenses da emigraçāo para Toronto, que infelizmente haviam já falecido. Tudo isto foi possivel com a organizaçāo do arquivo de História Oral apostado em fixar os testemunhos e a saga da emigraçāo, afinal os alicerces da História deste país.

gisto de vivências e acontecimentos vividos pelos testemunhos ou entrevistados. A sua realização obedece à técnica da entrevista, mas não pode ser considerada como um ato jornalístico. Os seus métodos conferem a quem quer que seja a possibilidade de acesso a esse registo. Esta última situação implica a existência de um Laboratório e Arquivo de História Oral. A divulgação dos resultados poderá ser feita através de exposições, publicações em suporte papel e digital. A criação de um espaço de divulgação na Internet é fundamental para a consolidação desta componente divulgativa. A História Oral entrou já nos meios académicos e científicos, afirmando-se como mais uma forma de construçāo do discurso histórico. Desde a sua generalizaçāo no continente americano, nos anos 50, a História oral alastrou a todo o mundo, cativando investigadores e professores. A História Local é um dos campos onde a História Oral tem plena aplicação, com excelentes resultados, se tiver em conta as regras formais da sua realização. Através dos testemunhos dos residentes mais idosos, é possível resgatar múltiplos aspetos da História local, nomeadamente do quotidiano dos últimos cem anos, ou mesmo de períodos anteriores, se for caso de a memória oral estar CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA

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muito desenvolvida e ter havido tradição de transmissão. A partir daqui, será possível historiar os acontecimentos mais importantes da localidade que, muitas vezes, não têm lugar ou não merecem registo da documentação oficial. Além disso, poder-se-á reconstituir o quotidiano, com usos e costumes, de diversas épocas, através de testemunhos, registos fotográficos e objetos materiais. Hoje, o caminho desta metodologia de trabalho adotada por muitos historiadores já vai longa, pois foi em 1948 que Allan Nevins, historiador da Universidade de Colúmbia, se serviu desta técnica para registar as memórias de personalidades importantes da história norte-americana. Depois, passou-se para as memórias de pessoas em geral, relacionadas com uma determinada situação ou acontecimento. A História e o seu discurso personalizam-se e aparecem registados testemunhos, como fontes de situações ou acontecimentos de destaque ou não, relatados na primeira pessoa, numa situação em que todos contam. A História é vista de baixo e de cima e ninguém é esquecido ou apagado no seu protagonismo e presença. Estamos perante uma revolução do discurso historiográfico que passa acima de tudo pela sua democratização em termos dos agentes fazedores da História, como dos testemunhos que lhe estão na origem. Paulatinamente, o documento, dito quase só como fonte histórica perde o primado da sua afirmação, para ser obrigado a conviver com distintas fontes e testemunhos. Aos poucos, o discurso personalizado escondido sob a capa da documentação oficial ganha um rosto e uma voz. E a História e os acontecimentos, pelo menos os da época contemporânea, passam a ter vários rastos e diversas perspetivas e formas de ver. Há um enriquecimento e um melhoramento do discurso histórico por força desta nova circunstância. Tardou muito até que esta nova forma de fazer a História merecesse acolhimento nos meios universitários europeus. E, ainda hoje, quando se fala ou se faz a História com o recurso a esta metodologia de recolha de informação, ainda há muitos que murmuram, por incapacidade de reconhecerem e de se adaptarem aos novos tempos e métodos. Atente-se ao caso português, onde esta quase não existe e, passados já quase sessenta anos, em que proliferam associações, congressos e seminários de debate do tema, como publicações periódicas, livros e teses de mestrado e doutoramento, ainda continuamos a pensar como

se nada disto existisse ou fosse ciência e - pior do que isso - a escarnecer ou maldizer os projetos. Hoje, a História não se resume aos testemunhos da tradição escrita. Sendo assim, como entender a História dos Povos sem escrita ou que basearam a sua transmissão através da tradição oral. Por outro lado, a História, enquanto ciência dos homens, não deve preocupar-se apenas com as grandes personalidades, mas com todos, que são, afinal fatores do processo histórico em formas distintas. Assim, a Historiografia, na segunda metade do século XX, deu um avanço significativo no âmbito dos conteúdos, dando voz aos “sem história”, sem expressão historiográfica e documental. A História da gente é a expressão perfeita desta nova realidade da História individual no discurso histórico. A História Oral surgiu na década de cinquenta como forma de valorização das memórias e recordações do indivíduo. Com a criação, em 1966, da Associação de História Oral abriu-se caminho para a afirmação desta nova técnica de recolha da informação oral. São múltiplos e variados os exemplos em que esta disciplina pode e merece ser aplicada. No caso vertente da História da Madeira, temos alguns acontecimentos importantes do nosso século onde ainda existem testemunhos presenciais que rapidamente podem desaparecer. É o caso, por exemplo, da Revolta da Farinha de 1931, da Revolta do Leite de 1936, dos primeiros momentos da transformação política de 1974. Decorridos 40 anos sobre a conquista da atual Autonomia da Madeira, em resultado da Revolução Democrática de 25 de Abril de 1974, torna-se urgente a recolha de memórias / depoimentos orais daqueles que, direta ou indiretamente, concretizaram ou participaram neste longo processo. Na atualidade, a História faz-se com documentos escritos, mas também com todos os elementos disponíveis. É sempre um discurso inacabado. Hoje a História oral está cada vez mais valorizada. Alguns países até já contam com museus de História oral, como por exemplo a Espanha. Muitas decisões são tomadas sem deixar documentos, daí a necessidade de recolha desses depoimentos. A História é a soma de todas as histórias possíveis e sabe-se, à partida, que os depoimentos recolhidos não serão, necessariamente, coincidentes. Caberá ao historiador e ao leitor formar uma opinião acerca deles. A História da Autonomia que teve momentos marcantes no final do século XIX, na década de vinte do século XX, quando se comemorou os 500 anos da Descoberta da Madeira, ressurgiu, em 1969, com o grupo de madeirenses

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que escreveu uma “Carta a um Governador” e concorreu às eleições nacionais desse ano e tem o seu apogeu após abril de 1974. Há um acervo importante de documentação, jornais, manifestos e cartazes. Mas, porque entendemos que algo falta nestes acervos, parece-nos que a História Oral poderia colmatar essa ausência de pessoas e memórias ou testemunhos de vivências individuais, pelo que, em 2014, iniciamos uma recolha sistemática de testemunhos orais, que pretendemos seja a memória oral da História da Autonomia na Madeira98. Neste âmbito, pretende-se valorizar a História da Autonomia, através dos seus protagonistas diretos e indiretos avaliando a sua atuação, auscultando personalidades dos vários quadrantes político-partidários, governantes, ex-governantes, sindicalistas, ativistas partidários, deputados e ex-deputados na Assembleia da República e Assembleia Regional da Madeira. Mas também ouvir o povo anónimo, procurando descortinar a forma como acompanhou o processo da Autonomia, os seus anseios e, quiçá, as suas frustrações. O objetivo final é constituir um arquivo de memória que sirva para a História da Madeira e da Autonomia e a afirmação desta e que permita, em 2026, avançar como uma outra História da Autonomia na Madeira. Nos arquivos oficiais, estão salvaguardados todos os documentos das instituições e os jornais, diários e/ou semanários guardam a informação da vivência diária dessa presença ou ausência da AUTONOMIA. Na demais imprensa, falada e televisionada, esperemos que não se apague o arquivo dessa memória registada através da informação e debate da realidade política e dos temas mais destacados. Falta, porém, a memória ou testemunho de todos nós. O registo dos nossos anseios no porvir da autonomia e as desilusões posteriores pela falta de cumprimento daquilo que sempre aspiramos nesta viragem política. E, porque nem todos tiveram possibilidade de, de viva-voz, dizer e fazer registar, de diversas formas, para memória futura, decidimos avançar com um arquivo-memória da AUTONOMIA feito na primeira pessoa. Damos a todos a possibilidade de fazer o registo oral dos seus anseios, júbilo e frustrações perante este momento tão importante. Num primeiro momento, queremos apenas o registo oral de tudo isso, a que queremos juntar depois memórias e testemunhos exaustivos, ilustrados com imagem. É nosso objetivo criar um arquivo distinto da autonomia, do período de vivência que se inicia em 1976, em 98 Em 2016 temos já recolhidos diversos depoimentos e uma diversidade de informação. Poderá ter uma ideia do projeto em: http://memoriadasgentes.ml/autonomia/autonomia-o-projeto/.

termos políticos e institucionais, mas também de experiências e reivindicações anteriores. Queremos criar uma outra memória, não oficial da autonomia, que possa complementar esta. Queremos um registo da autonomia de todos e para todos. No decurso dos últimos dois anos fizemos o registo do testemunho oral, dos abaixo nomeados, por entendermos, que, por uma razão ou outra, teriam algo a dizer e que o seu testemunho à partida seria importante99. Não há possibilidade de registar todos os testemunhos. Mas continuamos disponíveis para recolher muitos mais, que se disponibilizem e tenham Historias ou algo a dizer.

CONCLUSÃO A Memória da Autonomia não se pode dissociar desta dupla dimensão coletiva/institucional e de vivência individual. O testemunho daqueles que vivenciaram ou intervieram diretamente no processo permite recriar e entender doutra forma o passado. A vantagem da História Contemporânea está precisamente nesta faculdade de podermos conversar com os protagonistas e saber da sua opinião, anseio, esperanças e desilusões, havendo necessidade de fixar a memória, sobre a forma de registo biográfico, autobiográfico ou da História, o que implica a criação de um Arquivo Digital, capaz de perpetuar essa memória. É isso que fazemos com a memória da autonomia.

99 Lista de entrevistados até 30 de abril de 2016: Abreu, João Carlos; Afonso, José Duarte; Amador, José Maria; Andrade, Maria Adília; Aragão, António Mimoso; Barros, Renato; Barroso, José Manuel; Caldeira Ferreira, David; Cardoso, José António; Carita, Rui; Carvalho, José; Correia de Jesus, Manuel; Costa, Victor; Crisóstomo de Aguiar, João; Drumond, Gabriel; Fagundes, José; Faria Paulino, Francisco; Ganaça, Maria; Gonçalves, Eulógio; Gonçalves, João Isidoro; Gouveia, Gregório; Lizardo, João; Loja, António Egídio; Lucas, João; Machado, João; Marote, Rui; Marques da Silva, António; Martins Júnior, José; Martins, Bernardo; Melim, Helder; Melo, Luís; Mota Torres, José Carlos da; Nepomuceno, Rui; Neves da Costa, Maria Margarida; Nóbrega, António José (Meirim): Nóbrega, Virgílio; Nunes, Leonel; Oliveira, Arlindo; Paquete de Oliveira, José Manuel; Paulos, Angelo; Pereira, Américo; Pereira, Conceição: Pereira, Virgílio Higino; Pestana, António Jorge; Pestana, Rita; Relvas, Gabriela; Rodrigues, Emanuel; Sampaio, António Henriques; Silva, José Manuel; Silva, Maria Gorete; Silva, Vicente Jorge; Tavares, Mário; Teixeira, João; Veloza, Ricardo; Vieira, Guida.

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ara nós, a História e a Memória da Autonomia apresenta-se sob duas formas: a memória dita oficial/institucional, que também pode ser entendida como Histórica/documental, que se reporta a informação e documentação gerada no quadro político e institucional e a aquela que designamos como memória pessoal/individual, fruto das vivências e anseios de cada madeirense. Não se trata de formas divergentes, na medida em que se completam e definem o quadro daquilo que foi, para nós, a História da Autonomia. A Memória da Autonomia deve ser entendida nessa dupla dimensão. Não podemos esquecer a aportação de Maurice Halbwachs com a ideia e conceito de memória coletiva “A memória é constituída por indivíduos em interação, por grupos sociais, sendo as lembranças individuais resultado desse processo.” Neste processo de rememorização desta memória, não devemos esquecer a influência que assume na construção da identidade.

Projeto "Memória da Autonomia"

Centro Estudos de História do Atlântico (CEHA) Rua das Mercês, nº 8, Funchal Tel: 291 214 970 • Fax: 291 223 002 email: [email protected] página web: http://ceha.gov-madeira.pt/ blogues: http://memoriadasgentes.ml/ http://memoriadasgentes.ml/autonomia

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