Vigiar, defender e lutar: sobre direitos e intervenção nas margens do Estado.

June 15, 2017 | Autor: Tiago Lemões | Categoria: Antropología Social, Anthropologie, Direitos Humanos, Antropologia
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Vigiar, defender e lutar: sobre direitos e intervenção nas margens do Estado1.

Tiago Lemões [email protected] Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Brasil

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As questões levantadas por este artigo foram formuladas a partir de minha pesquisa de doutorado em curso, sob a orientação da antropóloga Patrice Schuch, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A pesquisa em andamento versa sobre a trama de agentes, instituições e demandas políticas que fazem da “população em situação de rua” um campo de engajamentos particulares e de intervenções múltiplas, que articulam sensibilidades, moralidades, produção de sujeitos ideais para a luta política e gerenciamento do espaço público, no contexto da mobilização política da base regional do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR) em Porto Alegre. Há dois anos tenho acompanhado e participado deste movimento, em parceria com uma equipe de pesquisadores do Núcleo de Antropologia e Cidadania, no âmbito do projeto de extensão intitulado Direitos Humanos, Moralidades e Subjetividades nos circuitos de atenção às pessoas em situação de rua”, do qual um dos objetivos principais é mobilizar a produção do conhecimento articulada ao engajamento político no cenário de ações inspiradas nos direitos humanos. O projeto é coordenado e orientado por Patrice Schuch, com a participação de Bruno Fernandes e Pedro Leite, bolsistas e acadêmicos em Ciências Sociais. Agradeço profundamente a esta equipe, sobretudo Bruno e Pedro, com os quais tenho a sorte de trabalhar, lado a lado, no cotidiano da pesquisa de campo e realizar trocas de informações e reflexões que têm sido extremamente enriquecedoras.

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Resumo: Em 2014, na ocasião de um seminário realizado pela câmara dos vereadores e destinado à discussão da “População em situação de rua e segurança pública em tempos de Copa do Mundo”, um homem de 35 anos e “morador de rua” denunciou publicamente as sessões de tortura perpetradas por policiais militares em uma madrugada qualquer nas ruas de Porto Alegre (Rio Grande do Sul, Brasil). Essa enunciação discursiva da violência estatal, desvelada na presença de um comandante militar e outras autoridades, abriu as portas para o ingresso do denunciante em programa federal de proteção aos defensores dos direitos humanos, implicando no seu afastamento provisório da cidade. Os relatos que expuseram as constantes agressões policiais naquele seminário, por conseguinte, desencadearam a constituição da Patrulha dos Direitos Humanos, composta por vereadores, advogados, promotores públicos e estudantes universitários, que percorreu as ruas da cidade para “coletar” denúncias de violência policial, física e verbal. Esse patrulhamento noturno implicou tanto em eventos performatizados da ação pública estatal (operações midiatizadas onde os agentes encarnam os papéis que representam) quanto em ações interventivas de encaminhamentos institucionais para a população em situação de rua. Partindo da descrição etnográfica destes dois eventos que se desenrolam pela via da “garantia e defesa dos direitos”, este paper conforma um esforço de reflexão sobre as práticas do Estado nas suas margens, em atenção às formas como os agentes estabelecem graus de tolerância, classificam sujeitos na dimensão moral de suas prescrições e, mobilizando a retórica dos direitos, potencializam práticas de gestão da pobreza urbana, evidenciando os múltiplos interesses e moralidades em jogo. Palavras-chave: margens, práticas estatais, direitos e moralidades.

1. Contextualização

Sabemos que a noção de direitos tem produtividade e agencia múltiplos arranjos e finalidades. O olhar etnográfico permite deslocar o caráter normativo e universal e apreender noções de direito e de justiça em movimento, numa abordagem contextualizada das práticas e discursos de sujeitos que incorporam e potencializam seus sentidos na processualidade da “vida social dos direitos” (SAILLANT, 2013) – seja numa perspectiva de demandas por reparação social e de positivação de identidades estigmatizadas, ou no tocante aos usos da retórica dos direitos no gerenciamento de determinadas populações. No cenário internacional, vemos a primazia do direito sendo associada à ideia de democracia como uma forma de mascarar políticas de aquisição de bens e saberes pertencentes a sociedades fragilizadas por violentos processos de colonização (BATES, 2013). É frente a tal contexto que se depreendem, contudo, novas linguagens e mobilizações de grupos que passam a reivindicar tanto o reconhecimento de seu “direito a ter direitos”, quanto a distribuição igualitária do poder de fala e representatividade (LAMOUREUX, 2013). 2

A partir dessa perspectiva, o esforço analítico que empregarei neste artigo parte da premissa de que o manejo de uma linguagem dos direitos da chamada “população

em

situação

de

rua”

potencializa

a

confluência

de

práticas

aparentemente antagônicas de gestão de populações e os espaços que ocupam: as que declaram defender direitos e garantir proteções; e as que se ocupam de remover aqueles grupos do espaço público urbano, em nome da segurança e da proteção social. Para tal, focalizarei minha atenção nos desdobramentos de dois eventos que se desenrolaram pela via da “garantia e defesa dos direitos”, no contexto da crescente ameaça de higienização social em Porto Alegre nas semanas que antecederam a Copa do Mundo FIFA, 2014. O primeiro evento corresponde ao seminário sobre “População em situação de rua e segurança pública em tempos de Copa do Mundo”, realizado pela Comissão de Direitos Humanos da câmara dos vereadores (CEDECONDH), em parceria com o Ministério Público (MP), a Defensoria Pública da União (DPU) a Defensoria Pública do Estado (DPERS) e a base regional do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR). O segundo foco analítico refere-se a um dos principais desdobramentos daquele seminário, representado pela conformação de um grupo de parceiros, formado por militantes, autoridades estatais e vereadores que constituíram um grupo destinado a coletar relatos de violência policial contra a “população e situação de rua” que estavam sendo considerados, até então, como boatos e rumores sem provas concretas. Nos jornais, a ação ficou conhecida como a “Patrulha dos Direitos Humanos” e a principal conclusão a que chegou, após três semanas de “patrulhamento” noturno pelas ruas da cidade, foi que, em Porto Alegre, ações de “higienização social” não estavam ocorrendo. Por uma abordagem antropológica destas práticas e discursos, busco elucidar, com descrições etnográficas e material de imprensa, como a atuação de diferentes agentes envolvidos no manejo da linguagem dos direitos humanos teve produtividade: seus principais efeitos foram a gestão social, moral e territorial da “população em situação de rua”. Para tal, destacarei as contradições, os conflitos, moralidades e interesses equacionados tanto pela elaboração de versões múltiplas sobre o Estado, quanto pela produção de categorias, nomeações e práticas legítimas de gerenciamento das margens estatais. Margens, estas, que seriam constituidoras do aparato estatal, pois, para Das e Poole (2008), é justamente na 3

administração de populações e “territórios marginais” que certas funções soberanas são aplicadas, refeitas, mimetizadas e legitimadas. É quando o Estado “se volta” para suas “populações vulneráveis” que a coprodução do legal e do ilegal, da proteção e do abandono torna-se mais evidente. Nesse sentido, tentarei traçar, a seguir, um caminho pelo qual diferentes agentes anunciavam seus deslocamentos até as margens, ao mesmo tempo em que produziam e reproduziam o próprio Estado, ao conduzirem suas intervenções no estilo centauro (WACQUANT, 2013): repressivas em baixo, sociais e com motivações humanitárias em cima, na face pela qual se apresentam ao mundo.

2. Quando a ocasião faz a proteção.

Em 2014 o jornalista dinamarquês Mikkel Jensen esteve no Brasil para realizar um documentário sobre a Copa do Mundo, sob encomenda de uma emissora de TV internacional. As entrevistas realizadas junto a ONGs e comissões de direitos humanos no Rio de Janeiro e em Fortaleza revelaram que de 2007, quando o país foi escolhido sede da Copa, até 2012, a polícia militar carioca havia exterminado uma média de 885 cidadãos ao ano; enquanto em Fortaleza, multiplicavam-se grupos de extermínios (formados por agentes da segurança pública contratados por poderes privados) contra crianças “em situação de rua”. Em The price of World Cup2, documentário publicado por Jensen, são ouvidas diferentes vozes de um drama comum: as remoções de comunidades pobres do Rio de Janeiro e o extermínio de vidas expostas no espaço público. Noticiários internacionais também passaram a anunciar que “des SDF seraient tués pour peparer le Mondial”3 em decorrência de “una limpieza de los sin techo”4. Questionado por jornalistas brasileiros, Jensen reconheceu que suas informações não foram confirmadas pelos

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O vídeo está disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=8Er_mwgfW_Q BERSET, Flora. Le Matin. Des SDF seraint tués pour preparer le Mondial. Suisse, 24 de de julho de 2013. Disponível em:http://www.lematin.ch/monde/sdf-seraient-tues-preparer-mondial/story/23742509 4 ARIAS, Juan. El País. Miedo en Brasil a una limpieza de los sin techo por la celebración del Mundial. Disponível em: http://internacional.elpais.com/internacional/2013/04/29/actualidad/13671887 51_053079.html. 3

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órgãos públicos, e a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Ceará alegou não possuir registro de mortes de crianças nas ruas e nenhuma denúncia registrada sobre os casos relatados pelo jornalista5. A nível nacional, já no semestre de 2014, a retirada compulsória de pessoas das ruas anunciou-se em muitas cidades brasileiras, com destaque para a capital carioca, onde o Ministério Público teria identificado a retirada de “669 mendigos”6 das ruas, às vésperas da Copa do Mundo. Em Porto Alegre, embora as remoções de comunidades já fossem uma realidade há alguns anos7, a remoção compulsória de pessoas “em situação de rua” ainda ocupava a dimensão dos boatos e rumores, sobretudo entre os integrantes do MNPR8 e agentes da assistência social. A questão 5

CAMERA, Mário. Terra. CE: reporter fujão admite que não checou informação. Paris, 17 de abril de 2014. Disponível em: http://esportes.terra.com.br/futebol/copa-2014/ce-reporter-fujao-admite-que-naochecou-informacao,516f3c02c6b65410VgnVCM3000009af154d0RCRD.html 6 A prefeitura do Rio de Janeiro teria legalizado a retirada forçada de crianças, adolescentes e adultos em situação de rua a partir da aprovação, em 2011, da resolução 20 da Secretaria Municipal de Assistência Social, sob o pretexto de conter o uso de drogas no espaço público. PUFF, Jefferson. BBC Brasil. MP diz que Rio tirou 669 mendigos das ruas para Copa apesar de proibição. Rio de Janeiro, 3 de julho de 2014. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/07/140628 _rio_mendigo_wc2014_jp 7 Na capital gaúcha, 2.318 famílias haviam sido desalojadas até 2012, quando a cidade era a segunda no ranking de remoções, perdendo apenas para o Rio de Janeiro (GUTTERRES, 2014). 8 É importante assinalar que desde 1991 a questão dos “direitos” dessas pessoas vem ocupando alguns debates a partir do Movimento dos Moradores de Rua, o MDM, fundado no interior do Abrivência, antiga instituição assistencial e encabeçado por Lula, um conhecido “morador de rua”. O MDM teve como principal objetivo organizar e estimular os “abrigados” ao debate sobre a qualidade dos serviços públicos e as “alternativas possíveis”, sobretudo através da “inserção social” pela via do trabalho com material reciclável (LIMA & OLIVEIRA, 2012). Em 2004 também é criada a Associação dos Catadores Novo Cidadão (ACNC), com sede sob o viaduto da Conceição, no centro de Porto Alegre. Duas frentes guiavam seus enfrentamentos: uma postura crítica em relação às políticas municipais e ações de resistência em face dos embates gerados pela localização das atividades da associação, que incomodavam os habitantes do centro histórico da cidade. Em 2008, houve um significativo aumento da repressão policial e a ACNC foi obrigada a se afastar do centro da cidade, perdendo, assim, sua força contestatória (GRAZZIOLA, 2011). Também em 2008, numa linha de expansão do diálogo com outros movimentos sociais e assentando-se numa relação cada vez mais estreita com as mobilizações organizadas em outros estados, surge o Movimento Aquarela da População de Rua, numa perspectiva de associação das demandas dos agentes da assistência social com as reivindicações dos usuários dos serviços socioassistenciais. Em 2012 alguns exintegrantes do Aquarela (que se desarticulou em 2011), participaram do I Congresso Nacional do MNPR, realizado em Salvador e resolveram, então, criar uma base regional do MNPR em Porto Alegre, constituída por psicólogos, assistentes sociais, técnicos dos serviços de abrigagem, estudantes, pesquisadores e pessoas usuárias dos serviços assistenciais e “em situação de rua”. Atualmente o MNPR, em Porto Alegre, realiza reuniões semanais no Sindicato dos Municipários, onde seus integrantes articulam pautas da mobilização política, recebem relatos sobre a precariedade dos serviços públicos, sobre as agressões físicas e morais que doravante ocorrem nestes espaços (e mesmo nas ruas); planejam protestos e manifestações e participam de grupos de trabalho com

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passou a ser o centro das discussões a partir do final de março, quando, em reunião do movimento, Veridiana, militante e técnica da FASC9, relatou ter ouvido de um taxista a informação de que pessoas estavam sendo confinadas em galpões construídos no município de Viamão, na região metropolitana. A notícia produziu inquietações alarmantes e na semana seguinte o Ministério Público foi acionado. Em pouco tempo, novos atores e rumores entraram em cena. Lideranças de outros movimentos sociais, vereadores, Ouvidoria de Segurança Pública (OSP), ONG’s, técnicos de programas de defesa de direitos humanos da capital e da região metropolitana aproximaram-se para um diálogo mais intenso com os integrantes do MNPR, que já afirmavam que a higienização social corria solta em Porto Alegre e que “o maior violador de direitos humanos era o Estado”10. Os rumores sobre os galpões de Viamão, no entanto, deram o tom da especificidade e visibilidade necessária para ampliar a discussão e consolidar uma rede institucional que se formara naquele momento. Essa trama de parceiros passou a reforçar a ideia de que os relatos precisavam ser preenchidos com informações concretas e dados precisos. Ou seja, era necessário sair da esfera dos rumores e construir fatos – algo ainda distante da alçada dos que habitavam as ruas da cidade pelo mesmo motivo que os levariam a denunciar: a continuidade das agressões no espaço público. Neste contexto, não demorou muito para que a câmara de vereadores, por meio da CEDECONDH (então presidida pelo vereador petista, Alberto Kopittke) promovesse um seminário de discussão entre o MNPR e autoridades estatais11. O evento, intitulado “População em situação de rua e segurança pública em tempos de Copa do Mundo”, ocorreu um mês após o surgimento dos rumores sobre os galpões de Viamão e se constituiu num espaço

diferentes órgãos e instituições voltados à questão da política social da “população em situação de rua” na cidade. 9 Fundação de Assistência Social e Cidadania de Porto Alegre, responsável pelos serviços e programas socioassistenciais na cidade. 10 Nas reuniões, informações sobre ferros colocados em bancos de praça, ação truculenta da guarda municipal no interior de abrigos e albergues e os relatos de aglomeração forçada de “pessoas em situação de rua” em determinados lugares da cidade, foram argumentos para tal constatação, proferida por João de Deus, coordenador regional do MNPR. 11 Estiveram presentes na mesa de discussão o Ministério Público, a FASC, a Brigada Militar, a Polícia Civil, a Guarda Municipal, o Jornal Boca de Rua, o MNPR, o Centro de Referências em Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado (DPU) e vereadores do PT e do PSOL.

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onde casos de violência policial e suspensões arbitrárias das instituições de acolhimento foram publicamente relatados por “pessoas em situação de rua”. Na mesa de abertura, Francisco Vieira, sub-comandante da brigada militar, estava fardado, visivelmente nervoso e atendendo ligações no celular. Aos inúmeros casos de abuso de autoridade relatados no seminário, ele foi categórico em afirmar que “existe falta de preparo de muitos policiais, mas isso é uma minoria que não pode ser generalizada”, reiterando, também, que as denúncias precisavam chegar até a BM para que providências fossem tomadas. O presidente da FASC, Marcelo Soares, garantiu – em meio aos gritos de “nós que sabemos o que passamos” e “na frente da câmera você fala bonito” – que “não haverá higienização em Porto Alegre, pois isso não passa de um boato”, assinalando que o seu compromisso seria com a “população em situação de rua”. Em seguida, a diretora técnica da FASC, Marta Borba, apresentou slides com dados sobre os serviços de acolhimento, com número de vagas e atendimentos mensais adaptados às tipologias de vulnerabilidade dos usuários, como abusos de drogas, ausência de recursos materiais e rompimento de vínculos afetivos. Por sua vez, a promotora pública, Liliane Pastoriz, na esteira de uma tendência nacional de engajamento do MP com a defesa de direitos da categoria em questão, revelou: “eu aprofundei os estudos sobre a realidade de vocês. Vocês são pessoas invisíveis da sociedade, expropriados de tudo e sem noção de público e privado. O que é público para nós, é privado para vocês” 12. No entanto, os relatos de agressões diversas multiplicavam-se por entre a performatividade estatal. Diego, homem branco de aparentemente 35 anos, afirmou que fora agredido por policiais quando vendia artesanato nas escadas de uma igreja e que, ao tentar denunciar, fora avisado na delegacia que certamente sofreria as consequências na pele13. Richard, militante do MNPR, por sua vez, alegou ter presenciado uma cena de agressão perpetrada pela guarda municipal, cujos agentes teriam utilizado arma de choque contra um usuário que acabara de sair do banho em uma instituição de acolhimento. Outros relatos de violência acumulavamse e interrompiam por repetidas vezes a fala das autoridades à mesa. Mas, curiosamente, apenas um deles teve destaque e acabou por forçar o início de mais

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Tal sentença interpretativa e classificatória ainda seria repetida muitas vezes por Pastoriz em programas de entrevistas e em audiências públicas. 13 Diário de Campo. 08/05/2014.

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um capítulo nessa história toda. Wagner, homem de cabelos e olhos escuros, fala mansa e movimentos lentos, inscreveu-se para falar. Posicionou-se de costas para o major Vieira, de frente para a plateia e para os flashs e gravadores da imprensa local, para, então, silenciar a todos: “Estupraram e mataram a minha irmã quando ela tinha 14 anos. Depois que o cara saiu da cadeia eu me vinguei e matei ele, mas já cumpri a minha pena. Hoje eu estou estudando e nunca mais cometi crimes. Mas mesmo assim eu sou espancado pela polícia só porque eu sou ex-presidiário e morador de rua. É o Stevie [apelido de um policial] e mais dois que me machucam toda vez que eles me pegam. Já sumiram com dois conhecidos meus. Jogaram eles no rio Guaíba com tijolos no pescoço. Disseram que se eu denunciar o próximo vai ser eu... e eu não sei nadar” (DIÁRIO DE CAMPO, 08/05/2014).

Após o relato de Wagner, generalizou-se a ideia de que a denúncia era grave e precisava ser apurada. O major Vieira alegou não saber do caso e novamente afirmou que estes relatos precisavam chegar ao conhecimento da BM, mas garantiu que aquele “suposto abuso” seria apurado pelos órgãos fiscalizadores. Os vereadores Alberto Kopittke, do PT, e Fernanda Melchionna, do PSOL, solicitaram que fosse garantida a proteção de Wagner, que a partir de então ficou sob a responsabilidade de Consuelo, advogada e integrante do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos14 (PPDDH), que já participara das reuniões do MNPR há pelo menos um mês. Alguns encaminhamentos foram firmados no encerramento das discussões: a qualificação permanente da polícia militar e civil, a criação de indicadores sobre o número de óbitos de “moradores de rua” e a constituição de uma comissão permanente encarregada de coletar denúncias individuais e dar continuidade ao debate durante o período da Copa. Essa comissão seria composta pelos vereadores presentes, vinculados à CEDECONDH, pelo MNPR, pelo PPDDH, pela OSP, por pesquisadores e estudantes universitários e pelo MP, na figura da promotora Liliane Pastoriz. Era o crepúsculo de muitos outros debates públicos e ações midiatizadas sobre a questão da retirada ou permanência da “população em situação de rua” nos espaços públicos de Porto Alegre.

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Programa criado em 2004 pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Em 2007, tornou-se uma política nacional por meio do Decreto Presidencial nº 6.044/07. Sua proposta de ação inclui medidas que visem a proteção de pessoas que estejam em “risco” ou ameaça em decorrência da atuação na defesa dos direitos humanos. Além da proteção da integridade física dos defensores, o programa, por meio de suas equipes técnicas, empenha-se na superação das “causas” que geram as situações de risco.

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*** Para refletir acerca dos desfechos do seminário, pode ser pertinente considerar que a “ocasião faz a proteção”. Ao retomar as falas de representantes da BM, do MP e da FASC, não é exagero sugerir que no mesmo instante em que aquelas autoridades (com distintas motivações para ali estarem) nomeavam, classificavam e disseminavam saberes, estatísticas e sensibilidades sobre os direitos da “população em situação de rua”, atualizando a compreensão de um “problema social”, também construíam e legitimavam aquilo que representam: o Estado. Ao mesmo tempo em que criavam as realidades que enunciavam (FOUCAULT, [1979] 2014) e encarnavam o papel público que representam (PINHEIRO-MACHADO, 2008), também produziam “ideias de Estado” sobre si (BLÁZQUEZ, 2012): um MP com promotores sensíveis ao tema, uma FASC comprometida com a defesa dos que habitam as ruas, e uma BM com dois ou três agentes sem preparação, que não representavam a conduta geral de seus contingentes. Nesse cenário performático, no qual o Estado fala para, com e sobre as suas margens (DAS & POOLE, 2008) os desfechos da enunciação pública e midiatizada de uma trajetória de sofrimento, como a de Wagner, parece ter potencializado ideias tão produtivas sobre direitos, cidadania e segurança pública, pois sobre o seu testemunho estes conceitos ganharam materialidade e ressonância. Aquele testemunho (noticiado nos jornais como o “depoimento mais impactante”) mobilizou, certamente, uma cadeia de valores compartilhados. Wagner amarrou, em sua fala, conceitos e sentimentos difusos sobre justiça, família, infância, crime e violência que, de certa forma, concederam inteligibilidade e coerência à sua narrativa: uma memória de experiências perversas a ser revivida e comunicada a outrem, uma vida a ser exposta e uma verdade dita perante um público a ser convencido (SAILLANT, 2013). A imediata inserção de Wagner em um programa de proteção, entre tantas outras denúncias, nos remete, outrossim, à prevalência de uma economia moral nos processos de avaliação do outro, quando a exibição da comiseração substitui a garantia de direitos enquanto uma obrigação do Estado (FASSIN, 2014). Nestes termos, não podemos esquecer de duas coisas ditas por ele: “já cumpri minha pena” e “hoje estou estudando”. Estas afirmações, 9

que encarnam a “recuperabilidade” como um dos princípios fundamentais do espaço estatal (SCOTT, 2013), relacionam-se com a incitação à responsabilidade individual, que marca um regime mais amplo de governamentabilidade neoliberal no qual os sujeitos são encorajados a otimizar, anunciar e comprovar suas escolhas individuais15 (HILGERS, 2013). Sem a coexistência de específicos valores e moralidades, saberes e regimes de governo, talvez o depoimento de Wagner não teria alcançado tamanha amplitude. Mas não somente por isso: suas revelações despiram as contradições e incompletudes das garantias proclamadas naquela mesa de autoridades. Quando tudo parecia boatos e rumores; quando gestores garantiam que não haveria higienização social na cidade; quando se atribuía excepcionalidade aos casos de violência policial, Wagner aparece para zombar de verdades afirmadas, ao mesmo tempo em que o seu caso serviu, posteriormente, para reforçar a ideia de que aquelas situações de violência eram isoladas. A solicitação imediata de sua proteção era só o início das contradições discursivas que desembocariam, voluntariamente ou não, no cruzamento de ações de defesa de direitos com esforços municipais para a remoção dos “indesejáveis” do espaço público.

3. É na madrugada que a constituição é rasgada. “Eu sou morador de rua e tenho direito a ter direitos”. Esse era o lema da campanha lançada pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) em parceria com o Centro Nacional de Defesa dos Direitos da população em situação de rua e Catadores de Materiais Recicláveis16 (CNDDH), com o objetivo de fortalecer 15

Esse contexto não é novo para os grupos em questão, pois é a partir destas referências que certos “saberes das ruas” foram aprimorados: na conformação do merecimento da ajuda alheia, a exposição de um corpo debilitado ou a explicitação de uma vontade de “mudar de vida”, pelo discurso da superação, estruturam as formas como a “população em situação de rua” enxerga-se nos espelhos sociais que lhes disponibilizam (LEMÕES, 2014). 16 O CNDDH foi implantado em 2011 pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos (SNDH), em atendimento às demandas conjuntas do MNPR, do MNCR e do Fórum Nacional da População de Rua. Conforme folder explicativo lançado este ano pelo CNDDH, a dinâmica de atuação do Centro, por meio de seus Núcleos de Defesa dos Direitos Humanos (NDDH) em 440 cidades, abrangendo todos os estados brasileiros (com exceção de Roraima) consiste na sistematização de dados e produção de conhecimento sobre violações e planejamento de formações e capacitações que viabilizem a eficácia das denúncias.

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a atuação do MP na garantia de direitos da referida “população”. Em 26 de maio, pouco menos de 20 dia após a denúncia de Wagner, o Ministério Público Federal (MPF) anunciou a “Semana de mobilização nacional em defesa das pessoas em situação de rua”, período no qual foram realizadas audiências públicas e concedido ampla divulgação sobre o tema na mídia e nas redes sociais. Na mesma semana, o MPF lançou as “Diretrizes de atuação do Ministério Público Brasileiro em Defesa das Pessoas em Situação de Rua durante a Copa do Mundo de 2014”, com minutas de recomendações sobre a ação policial e a abordagem social nas cidades sede dos jogos, no objetivo declarado de “evitar abusos” e construir processos de “saída das ruas” pelo acesso à rede socioassistencial17. Levou apenas um dia para que a Promotoria de Justiça e Direitos Humanos do Rio Grande do Sul publicasse orientações baseadas nas diretrizes do CNMP. Assinada pela promotora Liliane Pastoriz, a recomendação reproduz parte do conteúdo presente no documento federal, selecionando os pontos atinentes à abordagem policial18.

Uma semana depois, o jornal Zero Hora, de circulação

estadual, publicou uma entrevista com Pastoriz, intitulada: “Promotoria orienta que sem-teto deixem as ruas de Porto Alegre”. Segundo o jornal19, a promotora solicitou que órgãos e instituições intensificassem as abordagens para auxiliar os “moradores de rua” na procura de albergues, no objetivo de evitar que se tornassem vítimas da violência. Alguns integrantes do MNPR demonstraram indignação diante daquelas 17

O documento, assinado por promotores e procuradores das esferas estaduais e federais, integrantes da Comissão de Defesa dos Direitos Fundamentais do CNMP, contem orientações visando, sobretudo, regular as abordagens socioassistenciais e policiais durante o período em questão, além de solicitar a impetração, por parte do MP, de habeas corpus para fazer cessar a restrição à liberdade, baseada na contravenção penal de vadiagem. 18 Dentre as recomendações mais significativas, estão as seguintes: a obrigatoriedade do uso de crachás de identificação pelos agentes policiais e da assistência social; o impedimento de ações vexatórias e de apreensão ilegal de documentos pessoais; a inocorrência de restrições de liberdade calcadas em preconceitos sociais; garantia do acesso aos locais oficiais de competição aos que os utilizavam como espaço de moradia e sustento; o zelo por uma abordagem humanizada e multidisciplinar, sendo que qualquer ação de gestão do espaço público deveria ser acompanhada por agentes dos serviços de abordagem social; o imediato repasse ao MP dos dados pessoais de todos os ingressos nos serviços de acolhimento municipal no período da Copa. O documento também dispôs sobre a internação compulsória, que só deveria ser decretada pelo juiz vigente, levando em conta as condições de salvaguarda do paciente, dos demais internos e dos funcionários. 19 ELY, Lara; SILVA, Rossana. Zero Hora. Promotoria orienta que sem-teto deixem as ruas de Porto Alegre. Porto Alegre, 3 de junho de 2014. Disponível em: http://zh.clicrbs.com.br/rs/portoalegre/noticia/2014/06/promotoria-orienta-que-sem-teto-deixem-as-ruas-em-porto-alegre 4517180. html

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declarações, que pareciam apoiar a “limpeza” das ruas. Na semana seguinte, a Defensoria Pública da União (DPU), por meio de nota de imprensa assinada pela promotora Fernanda Hahn, manifestou crítica aberta e direta à recomendação do MP, alegando repudiar qualquer ação de higienização humana 20. A promotora Liliane Pastoriz, por sua vez, explicitou repúdio à matéria da Zero Hora, afirmando que suas declarações foram distorcidas e, em reunião com a comissão formada a partir do seminário, declarou: “Eu estou ofendida com essa matéria e não vou aceitar que digam que eu estou promovendo higienização! Mas a gente leva um susto porque nunca viu tanta gente na rua! É preciso pensar que permanecer nas ruas é uma postura política para pressionar a prefeitura a abrir mais vagas para vocês. Eu não estaria aqui se pensasse diferente de vocês, mas fiquei preocupada, vocês conhecem a polícia melhor do que eu” (DIÁRIO DE CAMPO, 04/06/2014).

Na mesma reunião, o vereador Alberto Kopittke manifestou, também, o seu repúdio às declarações publicadas e defendeu a permanência das pessoas nas ruas sob a proteção do MP. Em sua fala, o petista argumentou que a origem da violência no Brasil é institucional e que “é na madrugada que a constituição é rasgada”, reiterando que o monitoramento da ação policial é dever do MP e que, diante das proximidades do início dos jogos, era necessário responsabilizar-se. Nesse momento o vereador disponibilizou seus números telefônicos para os integrantes do MNPR e sugeriu uma ação conjunta que inicialmente foi chamada de “ronda”, formada por pequenos grupos que sairiam à noite pelas ruas da cidade no intuito de coletar relatos de abuso policial. No dia seguinte, o mesmo vereador concedeu uma entrevista ao portal de notícias G1, figurando como coordenador do grupo formado por representantes do MP, da Defensoria Pública Estadual, de vereadores e movimentos sociais, que comporiam a “Patrulha dos Direitos Humanos”. A declaração de Kopittke ao G1 não poderia ser mais emblemática: “O que temos identificado é um problema histórico antigo de agressões que são cometidas por policiais. Isso não é uma prática comum da Brigada Militar, mas ação de dois ou três policias, recorrentes na região central da cidade”.

A admissão de uma violência

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MARTINS, Jomar. Consultório Jurídico. DPU reage a recomendação do MP de recolher morador de rua em Porto Alegre. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2014-jun-11/dpu-reage-recomendacaomp-recolher-morador-rua

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institucional e de um “problema histórico”21 passa a ser anunciada ao lado de uma individualização deste problema, causado pelo “desvio de conduta” de “dois ou três policiais”.

Imagem 1: “Para prevenir abusos, grupo visita moradores de rua”. Jornal Zero Hora. Porto Alegre, 6 de junho de 2014.

Ao todo, foram realizadas cinco intervenções do grupo durante a noite, distribuídas ao longo do mês de junho. A primeira “saída de campo” da Patrulha ocorreu dois dias após o seu anúncio pelo vereador. Algumas horas antes da ação, o grupo de autoridades participou da reunião do MNPR, ocasião na qual o MP, a DPERS, a DPU, a CEDECONDH e a Ouvidoria de Segurança Pública (OSP) foram unânimes em reificar a incondicionalidade de dados precisos sobre os relatos de abuso policial.

Assim, Patrícia, a representante da OSP, uma mulher loira de

aproximadamente quarenta anos, orientou que as pessoas denunciassem as agressões, mas que fizessem a denúncia pelo menos com descrição física dos policiais. Roberto, que se apresentou como “morador de rua” e que na ocasião participava das reuniões do MNPR-RS pela primeira vez, questionou: “alguém aqui já sofreu agressão policial? Eu já apanhei muito sem nenhum motivo. E se esse ou

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CANOFRE, Fernanda. G1, RS. Patrulha avalia risco a moradores de rua antes da Copa em Porto Alegre. Porto Alegre, 7de junho de 2014. Disponível em: http://g1.globo.com/rs/rio-grande-dosul/noticia/2014/06/porto-alegre-tem-patrulha-para-avaliar-situacao-de-moradores-de-rua.html

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aquele denunciar a violência, nós todos seremos protegidos? Por isso que muita gente não liga para a ouvidoria”22. De fato, o contraponto de Roberto já havia sido colocado por muitos integrantes do MNPR e, ainda assim, a questão das “provas concretas” era reiterada. Fernanda Bassani, psicóloga de formação e coordenadora técnica da CEDECONDH, alegou já ter trabalhado em presídios, onde conheceu muitos policiais e aprendeu que a grande maioria não compactua com essa violência contra a “população de rua”. No mesmo dia, a assessora de imprensa do MP declarou que até o momento não existiam denúncias protocoladas, “apenas relatos de movimentos sociais sobre o assunto”23. Com isso, a ênfase em “dados concretos” e “descrições detalhadas”, assim como a atribuição da violência estatal ao desvio de conduta de poucos policiais, marcam o primeiro dia da “Patrulha dos Direitos Humanos” em Porto Alegre. A articulação destas questões teve papel fundamental nos resultados apresentados pelo grupo sobre suas atividades. Para melhor elucidar seus desfechos, descrevo, a seguir, o segundo episódio de “patrulhamento” noturno, ocorrido na noite de 9 de junho, do qual tive a oportunidade de participar24.

4. O condomínio horizontal.

Naquela segunda-feira à noite o frio era intenso em Porto Alegre. Por volta das 20h encontrei Consuelo, do PPDDH, Patrícia e Joel, ambos da OSP. Fui pego por eles na Avenida Borges de Medeiros, em um veículo institucional da Secretaria de Segurança Pública. De imediato, saímos da Borges de Medeiros e entramos na Avenida Ipiranga, onde Consuelo notou que muitos “moradores de rua” já haviam saído dos locais onde costumavam dormir. Na mesma Avenida, na altura do cruzamento com a Rua Santana, avistamos três rapazes que conversavam no meio 22

Reunião do MNPR. Diário de campo de 06/06/2014. VARGAS, Bruna. Zero Hora. Para prevenir abusos, grupo visita moradores de rua a partir desta sexta na capital. Porto Alegre, 6 de junho de 2014. Disponível em: http://zh.clicrbs.com.br/rs/portoalegre/noticia/2014/06/para-prevenir-abusos-grupo-visita-moradores-de-rua-a-partir-desta-sexta-nacapital-4520224.html 24 No dia 06 de junho, foram visitados os seguintes locais: Praça da Matriz, viaduto da Beira Rio e alguns pontos da Avenida Antônio de Carvalho. Já no dia 9 de junho, a equipe esteve no Parque da Redenção, na Praça Garibaldi, na Usina do gasômetro e em um terreno baldio situado na esquina da Rua João Alfredo com a Érico Veríssimo. 23

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do canteiro de acesso a uma das pontes sobre o Arroio Dilúvio. Descemos do carro. Ao

notar

a

aproximação

da

equipe,

um

deles

afastou-se

rapidamente,

desvencilhando-se de Consuelo, que, em vão, tentava alcança-lo. Um segundo jovem, após a nossa apresentação, disse que “não estava na rua” e desceu para a parte mais escura sob a ponte. Marcelo, um jovem branco de 27 anos, foi o único que ficou onde estava e aceitou conversar, enquanto bebia café em uma garrafa plástica. Natural de Viamão, ele contou que trabalhava com material reciclável e às vezes dormia naquele local, onde a polícia costumava, segundo ele, agir com violência: “outro dia eles abriram a cabeça de um colega meu e até levaram os meus documentos, mas eu não denuncio porque sei que depois eles se cobram” 25. Em dado momento, avistamos mais três pessoas sob a ponte, que foram se aproximando lentamente e muito desconfiados. Um deles, homem baixo, branco e com longa barba, já sabendo de nossas intenções, explicou que ali é o único espaço onde podem ficar tranquilamente e, mesmo assim, são agredidos com frequência, mesmo “não fazendo mal a ninguém”. Patrícia, já sinalizando a despedida, entregalhes seu cartão com nome e telefone, informando que poderiam entrar em contato quando precisassem e que suas identidades não seriam reveladas. Entramos no carro e, ainda estacionados, Consuelo comenta: “mas esses aí não são de rua, são usuários de drogas ou traficantes”. Partimos para um terreno baldio na rua João Alfredo com a Érico Verissimo, local onde, conforme informações de muitos integrantes do MNPR, as “pessoas em situação de rua” e famílias removidas de algumas vilas estavam sendo supostamente enviadas pela BM. Já nas proximidades do terreno, Patrícia entra em contato, pelo celular, com outra equipe que informa já ter visitado aquele espaço minutos atrás. Mesmo assim, resolvemos descer e observar discretamente. O terreno de esquina, em formato triangular, estava cercado com tapumes de madeira e, ao fundo, por paredes das residências de uma rua posterior. Algumas barracas improvisadas com lona e madeira foram dispostas ao longo daquelas paredes, assim como alguns colchões ao chão, separados por pedaços de madeira. O local realmente escondia a presença daquelas pessoas, numa região de muita circulação de veículos e pouca iluminação. Antes de partirmos, Patrícia observou que, de fato, era um “local tranquilo para ficar”. 25

DIÁRIO DE CAMPO, 9 de junho de 2014.

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Encontramos outra equipe já na altura da Usina do Gasômetro, localizada no circuito turístico da cidade, às margens do Rio Guaíba. Fernanda Bassani, da CEDECONDH, Reinaldo Santos, do Boca de Rua26 e outras duas assessoras do vereador Kopittke já nos aguardavam. Todos juntos, então, nos dirigimos para a estrutura paralisada de um aeromóvel sob a qual descansavam três homens, em colchões, cobertores e papelões. Esses companheiros jaziam ao chão, cercados por mochilas, sacos plásticos, restos de comida, uma mesa improvisada para sustentar talheres, copos, potes plásticos, algumas frutas, garrafas de bebida, além de um carrinho utilizado em coleta de material reciclável. Esses elementos materiais, ainda que improvisados, pareciam nos informar que aqueles sujeitos já haviam se instalado há algum tempo no local. Pareciam estar tranquilamente dormindo quando chegamos. O mais velho deles, de aproximadamente 50 anos, notou a nossa presença e logo nos apresentamos. Fernanda, então, perguntou sobre a relação com a polícia, ao que aquele senhor esclareceu que até o momento não teriam sido expulsos porque haviam negociado com os policiais, “provando” que não usavam drogas, que estavam apenas trabalhando e, portanto, não incomodariam ninguém. No entanto, o som de sirenes, mesmo que ouvidos ao longe, produziam um clima tenso, enquanto Fernanda argumentava que seria mais prudente que eles dormissem em albergues e abrigos da cidade, pois mais cedo ou mais tarde seriam removidos pela polícia. Aquele mesmo senhor explicou que nos locais de atendimento não o deixariam entrar com o seu principal meio de sustento: o carrinho de coleta. Um segundo sujeito, que até então estava com a cabeça coberta, entrou na conversa. Ele havia chegado na cidade há poucas semanas, vindo do interior do Rio Grande do Norte, e de imediato disse que gostaria de dormir em outro lugar, sobretudo pelo frio daquela noite, mas que seria mais urgente levar o terceiro homem para o albergue, que até 26

Fruto de um descontentamento por parte de algumas jornalistas com as tendências da imprensa gaúcha, o jornal Boca de Rua foi criado em 2000, dois anos após a fundação, por parte daquelas jornalistas, da Organização Não-Governamental para Informação, Cidadania e Educação (ALICE). Essa organização teve, desde o início, objetivos de desenvolver projetos tanto voltados para as questões sociais quanto vinculados à discussão sobre ética e democratização da imprensa no Brasil (JAENISCH, 2007). O Boca de Rua, um dos projetos da ALICE, se constituiu a partir de um contato das jornalistas com um grupo de sujeitos “em situação de rua” que, à época, estavam estabelecidos na Praça Dom Sebastião, centro de Porto Alegre. A partir destas interações iniciais, o primeiro número do jornal foi lançado ainda em 2000, por ocasião do I Fórum Social Mundial. Desde então, o Boca de Rua assume o papel de dar ressonância às “vozes de uma gente invisível”.

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então permanecera deitado, sem falar, com a cabeça ao lado de uma pequena panela com macarrão instantâneo. Estava aos cuidados de seus amigos, há três dias sem conseguir comer e com fortes dores estomacais. A descoberta de um “doente” entre o grupo foi crucial. Agora, era uma “vida em risco” que estava em jogo e foi o que, de certa forma, autorizou a iniciativa quase incontestável de leva-lo ao hospital. Entre as muitas conversas paralelas que surgiam a partir de então, pude ouvir as duas assessoras comentando o impacto que a situação lhes causara, sobretudo pelo trio estar dormindo sobre papelões, cercados por “lixo” e expostos ao frio. Enquanto isso, Fernanda e Consuelo tentavam, a todo modo, convencê-los a buscar abrigo institucional e ajuda médica. O mais relutante era o dono do carrinho de coleta, que não queria abandonar seu instrumento de trabalho. Foi nesse momento que Fernanda sugeriu: “quem sabe, então, vocês vão para aquele terreno com tapumes, onde a polícia está deixando ficar e que é quase um condomínio horizontal”, referindo-se ao terreno baldio, para onde muitos já haviam sido encaminhados. “Eu não vou pra lá me juntar com gente que usa drogas” respondeu o homem, ainda sentado ao chão. Nesse instante, a terceira equipe, formada pelos acadêmicos Pedro Leite e Gabriela Jacobsen e pela promotora Fernanda Hahn, da DPU, chegou ao local. Éramos, então, onze pessoas em pé ao redor de três ao chão. Multiplicavam-se sugestões para “resolver o caso” até que, enfim, aquele que estava doente aceitou ser conduzido ao Pronto Socorro pela promotora Fernanda. Em pouco tempo, o serviço de abordagem social foi acionado e em quinze minutos já contávamos com outra equipe no local, agora formada por agentes municipais que conduziriam o restante do grupo para o albergue municipal – isso após convencê-los a deixarem o carrinho de coleta escondido sob uma lona plástica.

***

É fato que aquelas pessoas relutaram em abandonar o sono aparentemente tranquilo e entrar em espaços institucionais onde a normatização de corpos e condutas é uma realidade que muitos buscam negar ao máximo. Ali estavam porque haviam negociado com os agentes da segurança, evidenciando suas intenções positivas e a ausência de uso de drogas, fato que serviu, também, como principal 17

justificativa para não se esconderem no “condomínio horizontal”. Mesmo assim, estavam em uma zona potencialmente turística e, logo, seriam removidos. Não imaginavam, porém, que seria tão cedo e nem que as motivações para tal viriam da insustentável situação na qual nos deparamos com o outro supostamente sofrendo, com dores, com frio, alimentando-se de restos e em condições de vida e higiene que questionam nossos hegemônicos limites corporais, espaciais, morais e que perturbam regras, valores e identidades (RUI, 2014). Assim, são compreensíveis os esforços dos integrantes da “patrulha” em levar aquele trio de amigos para uma cama quente e confortável ou para os cuidados médicos. Tais motivações “humanitárias” ficariam por aqui, não fosse a onipresente preocupação com a violência policial, com a fuga de uma agressão garantida, com soluções guardadas em esconderijos de tapume de madeira. Para Fassin (2014) a avaliação do outro está cheia de paixões e sentimentos, e ocorre em um contexto no qual a compaixão e repressão enlaçam as mãos – como nos processos de gestão de imigrantes na Europa, em que o humanitário engloba o político a partir da combinação de políticas de ordem e políticas de sofrimento que visam, de um lado, a proteção da polis e, de outro, o tratamento compassivo aos “escondidos” em campos de exceção (FASSIN, 2014). Com isso, se “não há cuidado sem controle” (AGIER, 2008 p.14), também não há cuidado sem a construção de zonas de proteção que conformam espaços de confinamento e evitação. Ao estudar a ação do governo humanitário em campos de refugiados dispostos sobretudo na África do Norte, Agier (2008) constatou que a gestão dos “indesejáveis” envolve um processo complexo de produção lexical e estatística de categorias identitárias e de espaços que lhes são associados e mobiliza duas forças conjuntas: o humanitário e o repressivo, articulados em um dispositivo de controle sobre fluxos migratórios de toda sorte. Nessa maquinaria, o humanitário adquire duas caras. A primeira (pública) corresponderia à imagem cosmopolita de compaixão, de valores e ideais focalizados na ajuda aos refugiados; a segunda (privada), porém, remete à segregação como condição necessária para o acesso à ajuda externa que, na dimensão cotidiana de suas ações, insere seus beneficiários numa eterna espera: nem repatriamento, nem reintegração, apenas esparsos retornos forçados (AGIER, 2008).

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Mas o que isso tudo tem a ver com a “Patrulha dos Direitos Humanos”? Não estávamos em contexto de campos de refúgio e, tampouco, de organizações internacionais de ajuda humanitária. Visualizamos, todavia, que, ao fim e ao cabo, as pessoas estavam sendo removidas da região central da cidade, afastadas, encurraladas, aterrorizadas entre ameaças, boatos, rumores e violência física real. Aqui não é exagero reforçar, como insiste Wacquant (2013) no papel do Estado na distribuição social e espacial da marginalidade urbana, sobretudo porque suas dimensões penal e social visam a mesma “população” (apreendidas no fosso de uma estrutura socioespacial polarizada) e se utilizam das mesmas técnicas: cadastros, vigilância, classificações depreciativas e sanções graduais. Lembremos, então, que os agentes da assistência social foram fortemente recomendados pelo MP a acompanhar as abordagens policiais e “ajudar as pessoas a buscar abrigo” em Porto Alegre. Claro, agentes dos serviços social e policial não realizavam abordagens em conjunto o tempo todo. Mas ambos, à sua maneira, receberam recomendações para fazer o que já fazem há muito tempo: gerir o espaço público em nome da ordem urbana e da limpeza social, muitas vezes vestidas com discursos de cidadania e proteção e, no caso específico aqui tratado, com garantias inflamadas sobre “direito a ter direitos” “direito de permanecer nas ruas” e “proteção contra abusos e higienização social”. Práticas e discursos constituidores de um dispositivo de segurança social que busca prevenir os riscos que ameaçam a reprodução da vida e da cidade, equacionando expulsão e recolha em nome da “limpeza das ruas” e da “proteção social” (DE LUCCA, 2008). A disseminação discursiva da garantia de proteção e de direitos, por parte dos representantes que compunham a “Patrulha dos Direitos Humanos”, parece ter cumprido o papel de “humanizar” aquela equação prática entre “limpeza” e “proteção”, amenizando seus efeitos sobre o reconhecimento público de que Porto Alegre estava servindo de palco para ações higienistas. No máximo, a cidade teria sido cenário de “ações isoladas” que precisavam ser apuradas com informações concretas e não, apenas, com “relatos de movimentos sociais”. Nesse sentido, o “condomínio horizontal” pode nos falar um pouco mais. A construção ou a permanência de uma “estrutura de campo”, como sugere Fassin para o contexto de imigração europeia, corresponderia a uma resposta específica a um problema de ordem pública, calcada na instituição de pequenos territórios de 19

exceção, justificada por uma situação emergencial que faz da junção de pessoas uma solução aceitável (FASSIN, 2014). Sem a pretensão de arriscar comparações com o contexto europeu, gostaria apenas de sugerir que o consenso informal de que a “polícia estava deixando as pessoas ficarem”, de que “era um lugar tranquilo para ficar”, fez com que aquele espaço de relativo confinamento servisse, a um só tempo, como campo de tolerâncias e evitações, onde aquelas existências eram toleradas mediante a condição de serem evitadas, empurradas para um escuro incerto de uma espera duvidosa pela violência, pelo deslocamento forçado ou pela “proteção social”. A despeito disso tudo, Porto Alegre, publicamente, livrou-se do fantasma da higienização social. Onze dias após a experiência acima descrita, o jornal digital Sul21 publicou uma matéria intitulada: “Grupo que avalia situação de moradores de rua durante a Copa descarta higienização em Porto Alegre”. Novamente, Alberto Koppttike é o porta voz na afirmação de que “não há nenhuma denúncia concreta [...] o que percebemos é a ocorrência de problemas históricos como a violência policial, especialmente de dois brigadianos [PM’s] que ficam no centro da cidade, mas nada específico sobre a Copa”. Ainda assim, o mesmo vereador reconheceu a existência de “registros de retiradas de moradores de rua dos pontos turísticos, por meio de ameaças, porém, deixando-os ficar em locais de pouca visibilidade, como terrenos cobertos com tapumes”27. Com essas declarações é como se pudéssemos visualizar o fechamento de um percurso publicizado do Estado às suas margens e o quanto esse deslocamento, assentado na proteção em consideração aos direitos humanos, foi extremamente produtivo. Produziu Estado, produziu classificações, explicitou moralidades e potencializou a gestão da pobreza urbana sob a roupagem da humanização, da defesa, da proteção. Assim, as operações lançadas pela “patrulha” explicitaram a multiplicidade de atores envolvidos na mediação, denúncia e rejeição que envolve a gestão de determinadas “populações” (RUI, 2014). Um olhar mais próximo e uma cadeia complexa de tensões espaciais e sociais se desvela, dinamizada pela violência policial, pelo poder midiático, pelas estratégias de sujeitos ávidos para a concorrência de cargos públicos – complexidade de atores, interesses políticos e 27

PASINATO, Nicolas. Zero Hora. Grupo que avalia situação de moradores de rua durante a Copa, descarta higienização em Porto Alegre. Porto Alegre, 21 de junho de 2014. Disponível em: http://www.sul21.com.br/jornal/grupo-que-avalia-situacao-de-moradores-de-rua-durante-a-copadescarta-higienizacao-em-porto-alegre/

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práticas de visibilidade estatal potencializadas por pessoas “em situação de rua”, os espaços que ocupam e os discursos ambíguos que mobilizam.

5. Considerações e desfechos finais

Imagem 2: Folheto produzido pela Patrulha dos Direitos Humanos (acervo do autor).

O folheto acima foi distribuído aos militantes do MNPR durante algumas reuniões de discussão sobre o contexto da Copa do Mundo. Juntos a este folheto, os cartões com nome e telefones daquelas autoridades eram, também, distribuídos não só nas reuniões do MNPR, mas também durante as abordagens realizadas pela “patrulha”. Eram nas reuniões que, novamente, as coisas mudavam de figura: “quando encontrados por policiais, é uma surra a mais”, declarou Patrícia, da OSP, a respeito dos cartões telefônicos capturados por policiais no bolso dos abordados28. 28

Vale acrescentar que esse fenômeno já havia se anunciado quando, um dia após a realização do seminário no qual Wagner declarou as agressões, a polícia realizou uma abordagem violenta em alguns equipamentos de abrigagem municipal. A relação entre estes dois eventos, o seminário e a

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Um dia antes da publicação da matéria pelo Sul21, na qual a higienização foi descartada, os integrantes do MNPR realizaram uma reunião de avaliação sobre as ações da “Patrulha”. Margarete, apoiadora do movimento e técnica da rede assistencial, ponderou que até o momento a relação com os policias estava “tranquila”. Mas a contraposição à “tranquilidade” das ruas apareceu de forma imediata em muitos relatos naquela reunião de 20 de julho: Edisson, militante de 29 anos, em “situação de rua”, disse ter presenciado, na noite anterior, a ação de um “camburão que levou todo mundo que estava sem documento”. Mateus, advogado e apoiador do MNPR, acrescentou que em Sapucaia do Sul, região metropolitana, houve um aumento de 20 para 200 “pessoas em situação de rua” e que “a maioria disse ter vindo de Porto Alegre”. Mas por onde estaria Wagner no meio disso tudo? Poucas notícias soubemos além daquelas proferidas em tom de preocupação por Consuelo, advogada responsável por sua inserção no PPDDH. Segundo ela, Wagner estava causando problemas a si mesmo, pois não se adaptara às regras do programa de proteção, que incluíam contato mínimo com o mundo externo e permanência em uma cidade do interior. Posteriormente, ela retornou às reuniões do MNPR para pedir ajuda na localização de Wagner, que havia “fugido” da proteção oferecida pelo programa. Em 11 de junho, Consuelo e Wagner apareceram juntos em uma festa de aniversário que realizamos ao ar livre para Cícero, militante do MNPR. Naquela tarde de festejos, que ocorreu no Largo do Zumbi, centro de Porto Alegre, três policiais apareceram a cavalo e, segundo Wagner, um deles era o Steve. Ao vê-lo, Wagner entrou em pânico e foi aconselhado por Consuelo a não demonstrar medo nessas horas, pois “seria pior”. No final daquele ano, porém, Edison seria o porta voz de uma notícia preocupante: a barraca onde Wagner dormia nas ruas fora queimada por Steve. Os “inquilinos” do “condomínio horizontal” também foram “despejados” assim que a poeira baixou. Passado um mês, a instalação daquelas pessoas no terreno baldio foi anunciada como um problema que impedia o “sonho da casa própria” de um dos mais importantes grupos teatrais da cidade, que aguardavam a construção, pela prefeitura, da sede para a instalação de um centro experimental de atores. No abordagem truculenta, nunca foi investigada a fundo, mas os acontecimentos já anunciavam que suas motivações andariam juntas nos próximos meses: proteção e repressão.

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dia 30 de julho, as famílias que lá estavam (muitas originárias de remoções forçadas que ocorreram durante a Copa), foram “convidadas a se retirarem” com a presença da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, da Guarda Municipal e da FASC. Alguns grupos resistiram, mas teriam sido “convencidos” por assistentes sociais a saírem do local com a garantia de vagas em abrigos. Assim que partiram, as barracas improvisadas foram demolidas.

Imagens 3 e 4: “Ocupação de terreno impede obras da Terreira da Tribo na Cidade Baixa”. Jornal zero Hora. Porto Alegre, 23 de julho de 2014.

Quanto mais Estado, mais abuso estatal? Quanto mais aparatos de proteção e ajuda emergencial, maior a ameaça? Taniele Rui, em pesquisa sobre a trama social que envolve o consumo de crack, constatou, em diálogo com outras investidas etnográficas, que é justamente a presença das forças estatais que produz o 23

sentimento de abandono entre os usuários de crack, sobretudo quando os responsáveis pela garantia de uma ética do espaço e do uso da substância são presos ou fogem. Ironicamente, aqui, o excesso de Estado produz o abandono e isso nos permite questionar se o exagero de práticas e discursos de proteção e denúncia de violência de toda sorte não produziria, também, o transbordamento da repressão estatal e a complexificação de tessituras de evitação, tramadas por enunciações ambíguas e muito produtivas quando se trata de “gerir os indesejáveis” (AGIER, 2008). Agora, faz muito mais sentido considerar as palavras tanto de Edisson, militante do MNPR, quanto de Fassin, antropólogo francês: para o primeiro, “quanto mais querem ajudar, mais nos tiram”; para o segundo, a expressão da ajuda aos indesejáveis “traz menos benefícios a essas figuras que a nós mesmos, uma vez que demonstramos o quão humano realmente somos” (FASSIN, 2014, p. 17).

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Vernissages

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