“Vilar de Frades”: do Convento aos (seus) Lugares, dos Lugares à Paisagem

July 21, 2017 | Autor: António Pereira | Categoria: History, Archaeology, Monastic Studies
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Evolución de los espacios urbanos y sus territorios en el Noroeste de la Península Ibérica

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www.lobosapiens.net [email protected] [email protected] Primera edición abril, 2015

ISBN: 978-84-942791-8-8 Depósito Legal: LE-213-2015

*Ediciones del Lobo Sapiens es una marca de Ediciones El Forastero S.L. Autor de la ilustración de El Forastero: Sendo; autor de la ilustración de Lobo Sapiens: Pedro G. Trapiello

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“Vilar de Frades”: do Convento aos (seus) Lugares, dos Lugares à Paisagem Elvira Rebelo Direção Regional de Cultura do Norte António Sá Pereira CITCEM, Universidade do Minho Abstract The “Convent of S. Salvador de Vilar de Frades” is located in Areias de Vilar (Barcelos, Braga). National Monument since 1910 and home of the “Lóios” founded in the fifteenth century, with the establishment of the religious congregation in the late middle ages, its landscape has suffered several changes like the appearance of new places of significance and the modification of others. Our approach aims to establish a preliminary interpretation of those places, the changes that occurred through time and the central role of the convent on structuring the landscape of Vilar de Frades.





1. Introdução “O Convento de Vilar de Frades” conheceu um processo de intervenção, estudo e reabilitação que se iniciou em 1993. Volvidos mais de vinte anos, este período de tempo foi preenchido aliando-se a recuperação da componente material com a imaterial. É inegável que desta transversalidade, para além da valorização do sítio, foi dado um grande contributo para o aumento do conhecimento sobre a importância deste espaço religioso no seu contexto histórico. A partir deste enquadramento, que teve como resultado natural o aumento exponencial do conhecimento, surgiram também novas questões e novas problemáticas, que nos permitiram alargar o âmbito de estudo e ultrapassar o microcosmos do próprio espaço conventual. Tornouse evidente que o convento possuiu um lugar de destaque na construção da paisagem e que manteve uma dialética que ultrapassava os próprios muros de delimitação da sua cerca. Neste sentido, metodologicamente escudados por uma perspetiva antropológica da paisagem, encetamos na análise de alguns dos lugares existentes na freguesia de Areias de Vilar (Barcelos), mais precisamente, um conjunto de vestígios materiais de significado coletivo existentes na antiga “paróquia de S. João de Areias”. Como resultado, seguros de que a valorização do património cultural passa, sobretudo, pelo aumento do conhecimento e pela fomentação de uma investigação de continuidade. A pretensão desta primeira abordagem ao estudo da paisagem de “Vilar de Frades” passou, não só

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pela evidenciação de novas problemáticas, como também pela formulação de algumas hipóteses interpretativas que constituem, quanto a nós, um passo fundamental para a continuidade do estudo da paisagem de “Vilar de Frades”. 2. Enquadramento Histórico-geográfico “O Convento de Vilar de Frades” encontra-se situado na margem direita do Rio Cávado, mais precisamente, na freguesia de Areias de Vilar, Concelho de Barcelos e Distrito de Braga (Fig. 1). Monumento Nacional desde 1910, o percurso histórico “Vilar de Frades” está intrincadamente ligado ao fenómeno monástico-conventual e às ordens religiosas do antigo regime. A referência documental mais antiga referente a “Vilar de Frades”, data de 1059: trata-se do documento número 420 da Diplimata et Chartae, onde é referida a existência de um espaço monástico, ainda que sem especificar a sua filiação ou o seguimento de uma regra conhecida



(Faure, 2012: 21). É apenas nos finais do século XI, dentro daquilo que podemos apelidar de “beneditização dos mosteiros da arquidiocese de Braga” (Matos, 2001: 60), que “Vilar de Frades” passa a estar sujeito à regra de S. Bento. É também durante a ocupação beneditina que ocorre o reconhecimento do seu Couto, materializado pela carta atribuída pelo Rei D. Sancho I, possivelmente no ano de 1202 (Faure, 2012: 32). Não obstante, a instabilidade que afetou o cenóbio no século XIV levou à extinção do mosteiro nos inícios do século XV. Primeiramente reduzida a “abadia secular, sob o padroado do Arcebispo de Braga” pelo Arcebispo D. Martinho Afonso Pires, em 1400 e formalmente extinto pelo Arcebispo D. Fernando da Guerra no ano de 1425 (Vinhas, 1998: 15). Quase simultaneamente à extinção do mosteiro beneditino, em 1425 o conjunto edificado é cedido a um grupo de religiosos, onde se destacou a figura do Mestre João Vicente. Este viria a ser o principal responsável pela fundação, no mesmo ano de 1425, daquela que viria a ser oficialmente designada por “Congregação de Cónegos Seculares de S. João Evangelista” (Vinhas, 1998: 25). Comummente designada por “Lóios”, a congregação viria a manter-se em Vilar de Frades, centrada na prática da evangelização e da assistência às populações, até à extinção das ordens religiosas ocorrida em 1834, momento em que o convento é expropriado e os cónegos decidem dar por concluída a sua missão. Não obstante o carácter centralizador do convento no âmbito da formulação e evolução da paisagem, no intento que é abordar o estudo da paisagem em causa, necessitamos de definir uma área de análise que nos permitisse estudar um conjunto de ações devidamente contextualizadas. Assim, subjacente a esta noção de espaço administrativamente definido, contemplamos não só um território geográfico, mas também um território identitário. Tal como referido por C. Lisón Tolosana (1991: 45); “En cualquier comunidade, en todo grupo étnico y dimensión de la alteridade podemos dibujar el mapa cultural de la indetidad

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específica subrayando lugares sagrados y describiendo ciclos cívico-litúrgicos (…)”. Neste sentido, possuíamos já o conhecimento de que a freguesia de Areias de Vilar, na sua delimitação administrativa mais recente, englobava três antigas paróquias cuja referência remonta pelo menos ao século XI (Matos, 2001: 23). No centro o espaço do convento, assumindo um carácter central traduzido na antiga “paróquia de S. Salvador”. A poente, a paróquia de “Santa Maria Madalena” e a nascente, a antiga paróquia de “S. João de Areias”. Possuindo estes três espaços um carácter distinto entre si e cada um com uma identidade própria, foi precisamente na antiga paróquia de S. João de Areias que nos centramos com o intuito de perceber as dinâmicas existentes entre o convento e a periferia através de lugares de significado e expressão coletiva. 3. Pressupostos teóricos e metodologia



No princípio existia o Verbo; o Verbo estava em Deus; e o Verbo era Deus2. No princípio Ele estava em Deus. Por Ele é que tudo começou a existir; e sem Ele nada veio à existência (Jo 1, 1-3) E o Verbo fez-se homem e veio habitar connosco. E nós contemplámos a sua glória, a glória que possui como Filho Unigénito do Pai, cheio de graça e de verdade. (Jo 1, 14) A Deus jamais alguém o viu. O Filho Unigénito, que é Deus e está no seio do Pai, foi Ele quem o deu a conhecer (Jo 1, 18). Ver a voo de pássaro é ver a grande altitude, o que, neste contexto -Vilar de Frades: do convento aos (seus) lugares- se traduz na intenção em “ver para além do olhar”, ver “de longe” e “ao longe”, justamente ao modo do evangelista São João, patrono da “Congregação dos Cónegos Seculares de São João Evangelista”, os quais tiveram em Vilar de Frades (Areias de Vilar-Barcelos-Braga), a sua primeira casa-mãe. E porque para voar, há que encontrar um ponto de partida favorável, temos por bem apresentar o nosso, que outro não poderia ser senão o da cultura. O convento, apesar da densidade de ocupações, quando optamos por abordar a questão da paisagem sentimos que o mesmo possuía uma marcada influência na estrutura da paisagem implícita para além dos vestígios marcadamente relacionados com o seu funcionamento. Portanto, entendemos que deveríamos alargar a escala de análise (Fig. 2). “La cultura es la identidad de um pueblo; la historia, su biografia”. “La memoria, nuestra memoria, nuestra biografia, no es una metáfora de la historia, ni, a la inversa, la historia de un pueblo es metáfora de la memoria singular, de la biografia de cada uno de nosotros. Se trata de un mismo y único proceso [...]. La memoria historica está en los papeles que llamamos documentos, y está en las piedras que denominamos unas veces fósiles, otras herramientas o útiles, otras esculturas, anfiteatros, calzadas, fustes, capiteles, templos”. (Castillo del Pino, 1995). Sob a tese de que a sociedade não tem uma fundamentação exclusivamente económica e política mas, também, cultural, proliferaram, a partir dos anos sessenta, múltiplos estudos Elvira Rebelo y António Sá Pereira

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sobre cultura em diversas áreas disciplinares. A história, que se havia concentrado em aspectos demográficos, económicos e políticos, registou uma renovação muito importante que vai da história das mentalidades-Vovelle, Ariès, Duby, Le Goff, até chegar à nova história cultural, onde pontificam nomes como Chartier e Darnton (Ariño, 1997: 7-11). Ora, a acepção em que tomamos o património é, justamente, cultural, dimensão em que o património evidencia as relações entre a identidade e a história. Identidade cultural e história-sincronia e diacronia. Apesar da identidade cultural se caracterizar pelo seu carácter sincrónico aquilo que somos no aqui e agora da nossa existência presente, a sua constituição ocorre na diacronia, na história. Esta, diferentemente da cultura na qual nos movemos, tem de ser reconstruída uma vez que, ela mesma, se encarregou de se desconstruir. A reconstrução da história é uma tarefa fundamental uma vez que aquilo que, individual e coletivamente, nos faz sujeitos, é o facto de possuirmos uma história, uma memória e uma biografia (Castilla del Pino, 1995: 9). “La memoria, nuestra memoria, nuestra biografia, no es una metáfora de la historia, ni, a la inversa, la historia de un pueblo es metáfora de la memoria singular, de la biografia de cada uno de nosotros. Se trata de un mismo y único proceso [...]. La memoria historica está en los papeles que llamamos documentos, y está en las piedras que denominamos unas veces fósiles,



otras herramientas o útiles, otras esculturas, anfiteatros, calzadas, fustes, capiteles, templos” (Castilla del Pino, 1995: 12). A memória histórica, prosseguimos agora nós, está nos lugares que, antropologicamente falando, o são, isto é, que são identitários, relacionais e históricos. Ao longo de séculos, o “convento” foi tecendo -no Espaço, com as pessoas e as comunidades- uma malha de lugares que transformaram/transfiguraram o território. Donde partimos? Identidade cultural e história- sincronia e diacronia. O desafio do agora é reconstruir história, recuperar memória, afirmar uma biografia. Com base no postulado teórico referido, procuramos seguir uma metodologia de investigação apoiada no conhecimento empírico do espaço em questão, nas fontes documentais e na prospeção assistemática de vestígios de antropização da paisagem, cujo enquadramento e contextualização (da funcionalidade, do simbolismo e do significado) nos permitisse chegar ao reduto das dinâmicas ocorridas entre o convento e a sua periferia (Fig. 3). 3.1. Os lugares Para o efeito, passaremos a apresentar alguns dos casos de estudo utilizados, em concreto: as “Alminhas do Padrão”, o “Cruzeiro do Sr. Da Boa Morte” e a “Capela de S. João Batista”.

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3.2. “Alminhas do Padrão” As chamadas “Alminhas do Padrão” (Fig. 4), datadas de 1776 (Matos, 2001: 305-306) e situadas no Lugar da Devesa, num ponto de cruzamento entre o caminho para a igreja e o caminho para a barca de vilar, contemplam um marco fundamental da paisagem sacralizada do século XVIII (Fig. 5). O levantamento efetuado por Sebastião Matos (2001: 305-306) permite-nos perceber que se trata de um oratório, resultado de sucessivas reformas, que se destacam na sua construção através dos diferentes aparelhos de cantaria e alvenaria, bem executados e encimados por um alpendre em cimento recoberto com telha, em substituição de um mais antigo em madeira. O alpendre está sustentado por duas pilastras na parte traseira e duas colunas em pedra e um pedestal simples a fechar a composição. Abrigados pelo alpendre, estão dois bancos laterais e uma caixa de esmolas e grades de ferro. Nas laterais, em suporte pétreo, ostenta duas inscrições epigráficas1. A imagem inserida no nicho possuía uma cobertura policromática em todo o seu interior, com a representação de Cristo crucificado, ladeado à esquerda por S. Miguel e à direita por N. Sra. das Dores. Ao fundo, dois anjos puxavam as almas das chamas. Nas partes laterais, constava à esquerda S. José e à direita Sto. António. Na parte superior do arco, o Pai Eterno, ladeado por cabeças de anjos e a



“pomba” do Espírito Santo. Apesar da “origem” das alminhas ser amplamente conotada como uma forma de cristianização do culto romano aos deuses lares, a instalação destes oratórios no território nacional, geralmente em locais públicos ou de passagem, pensa-se remontarem ao século XVII e à figura do P.e Luís Álvares de Andrade que terá iniciado a prática de pintar e distribuir imagens de almas no purgatório por locais públicos (Rodrigues, 2010: 87-88). Efetivamente, as “Alminhas do Padrão” parecem constituir um marco fundamental na construção da paisagem sacralizada do século XVIII, dando aso ao aparecimento de um novo lugar de significado coletivo e materializando, quer a vertente evangelista dos cónegos de S. João Evangelista, quer as diretivas do Concílio de Trento para a disseminação da doutrina do purgatório, tal como o seu ensinamento e pregação em todas as partes, com o intuito de acreditação e conservação pelos fiéis cristãos. Os traços de erudição alusivos ao século XVIII e o paralelismo com um oratório em tudo semelhante localizado na freguesia de manhente, construído a ex-voto de um cónego de vilar, indiciam tratar-se de uma ação específica dos cónegos de vilar para cumprimento das referidas diretivas (Matos, 2001: 305-306).

Lado direito: LEMBRA-TE DE MIM AGORA | QUE EU DE TI NUNCA ME ESQUEÇO | OU REZA OU NOS DÁ UMA ESMOLA | QUE SEMPRE A DEUS POR TI PEÇO. Lado esquerdo: O TU | QUE VAIS CAMINHANDO | E DE MIM MESMO ESQUECIDO | REPARA E APLICA O SENTIDO | VÊ QUANTO ESTOU PENANDO. 1

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Aparte o intuito, por tradição a representatividade destes oratórios estabelecia ainda um ponto de interação com a paisagem, conseguida através da relação hagiográfica entre a população loca e os seus santos devotos (Rodrigues, 2010: 102). 3.3. “Cruzeiro N. Sr. Da Boa Morte” Se as “Alminhas do Padrão” parecem refletir um momento bastante específico do período moderno e do fomento das disposições resultantes do Concílio de Trento, o “Cruzeiro do Senhor da Boa Morte” (Fig. 6), por outro lado, parece refletir a capitalização popular ou o resultado da assimilação da doutrina tridentina a posteriori. Situado no Lugar da Devesa e junto ao aqueduto do convento, o cruzeiro enverga uma imagem de cristo crucificado. Subjacente a esta devoção, o auspício de uma “boa morte” com todos os sacramentos constituía uma prioridade espelhada na sacralização de determinados lugares, neste caso pontos de encruzilhada, que por costume careciam de proteção comumente



conferida através da “apotropaicização” da paisagem (Fig. 7). Englobando este lugar, entre a “Capela de São João” e as “Alminha do Padrão” está documentada a existência de uma Via-Sacra, com catorze estações e da qual ainda subsistem algumas cruzes e bases (Matos, 2001: 301) (Fig. 8). Desta forma, abre-se assim a possibilidade de o “Cruzeiro do Nosso Senhor da Boa Morte” possa traduzir uma reutilização de uma das estações da via-sacra no decurso da época moderna, dando a este lugar uma sobreposição de distintas funcionalidades, práticas e significados na diacronia. Por definição, a Via Sacra consiste num trajeto, fisicamente demarcado, que tem como objetivo a reconstituição simbólica da paixão de Cristo. A sua origem supõe-se estar relacionada com uma prática medieval difundida pelos franciscanos que apenas terá conhecido a sua forma fixada em catorze estações no século XVII (Marques, 2000: 577). Aprofundando ainda mais a sobreposição, se tivermos em consideração a conjugação de elementos como a presença da cerca do convento a delimitar a paróquia de “S. Salvador”, o topónimo “Devesa”, bem como a existência da “paróquia de S. João Batista” documentada já a partir do século XI, é notória uma confluência de delimitações territoriais (Fig. 9). A viasacra e o cruzeiro, neste contexto, podem ainda constituir uma possível reutilização moderna de marcas de delimitação e identificação da fronteira paroquial de S. João Batista, cuja extinção administrativa no decorrer do século XV com a instituição do “Convento de Vilar de Frades”, pode ter promovido a mudança e o aparecimento das referidas funcionalidades. 3.4. “Capela de S. João Batista” A “capela de S. João Batista” (Fig. 10) assume caráter essencial para a compreensão da paisagem de Vilar de Frades entre as épocas medieval e moderna. Essencial na formação da identidade de S. João de Areias, a capela terá constituído o primeiro elemento central em

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torno da ocupação medieval do espaço, bem como o principal ponto de referência na paisagem medieval de S. João de Areias (Fig. 11). Tendo sido matriz da “paróquia de S. João”, tal como refere a documentação, entre os séculos XI e XIII (Matos, 2001: 176), estamos assim perante um espaço que possui uma longa diacronia ocupacional. Na sua génese terá estado um templo pré-românico, subserviente da transição da época romana para a Idade Média. Trasladado para o altar-mor em meados do século XX, o arco e colunas de cariz românico terão pertencido à entrada da capela-mor da igreja românica do século XIII (Matos, 2001: 176). Com a anexação da paróquia ao convento no século XV, tal como se verifica na “paróquia de Sta. Maria Madalena”, ocorre a perda do seu estatuto para a igreja do convento, devota a S. Salvador, e a consequente relegação a capela. No entanto, o culto manteve-se de forma regular, como por exemplo no dia do padroeiro e no século XVIII, no seguimento da Contra-Reforma, é ainda possível de ser observada a regularidade da sua utilização através da instituição da “confraria da N. Senhora das Dores”. 4. Conclusão



Em jeito de conclusão, passaremos a tecer algumas considerações sobre esta primeira abordagem a “Vilar de Frades” enquanto paisagem histórica, cultural e vivencial. Em primeiro lugar, parece-nos evidente que a atual paisagem assenta numa ocupação do tipo rural de raiz medieval, verificando-se um aumento dos espaços sacralizados a partir do século XV. Provavelmente, este será um dos resultados mais visíveis da intervenção religiosa, económica e social dos cónegos de “Vilar de Frades”. Intervenção que possui maior preponderância na materialização das disposições da Contra-Reforma. Estes resultados são visíveis, não só pelo aparecimento de novas devoções e formas de sacralização do espaço, mas também pela aceitação e permeabilidade das populações, tal como nos mostram as Memórias Paroquiais de 1758 (Capela e Borralheiro, 1998: 76-77), os “vizinhos” de S. João de Areias “(…) com os tempos foram crecendo atrahidos de bom exemplo doutrina e esmolas dos conegos evangelistas”. Assim, podemos afirmar que a amplitude territorial visível na paisagem de “Vilar de Frades” representa um fenómeno posterior ao século XV, momento em que as antigas paróquias medievais de “S. João Batista” e “Sta. Maria Madalena” são anexadas ao convento. Unificado este território, a integração das duas comunidades com identidade própria podem ter exigido do convento um espaço de convergência e mediação destas realidades distintas. Ainda também no contexto dos cónegos enquanto agentes de intervenção direta, ressalta também sua a postura perante as transformações ocorridas no espaço. Apesar da anexação, da alteração estatutária e mesmo a suplantação de significados, a congregação revela ter seguido uma postura de conservação, quer na manutenção dos espaços mais representativos (capelas), na manutenção da devoções e acima de tudo, na identidade das comunidades. Como exemplo,

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é possível verificar-se num retábulo datado de meados do século XVIII existente numa das capelas laterais, onde na temática das “Almas” inseridos elementos representativos das antigas paróquias medievais de “Sta. Maria Madalena” e “S. João Batista”. Esta alusão remete-nos, por um lado, diretamente para as duas paróquias medievais e por outro lado, para o facto de o próprio espaço litúrgico “refletir” a paisagem através da correlação entre a representação de santos devotos e a hagiotoponímia (Fig. 12). Para encerrar, consideramos importante referir aquela que nos parece ser a maior contribuição do estudo destes lugares para a compreensão dos grandes eixos ordenadores da paisagem. Subjacente ao termo paisagem cultural (Fadigas, 2007: 162), verifica-se, entre outros, a existência de um tipo de paisagem que “(…) sofreu um processo evolutivo interrompido num dado momento do passado, mas cujas características essenciais se mantêm materialmente visíveis”. Efetivamente observa-se a ocorrência de um fenómeno semelhante em “Vilar de Frades”, sendo o momento de rutura o século XV. Anteriormente à centúria de 400 ocupava “S. Salvador de Vilar de Frades” uma casa do tipo monástica, que por inerência da regra e da clausura, resultava num espaço isolado com pouca interação e agregação com os lugares exteriores (Fig. 13). Com a fundação da “Congregação dos Cónegos Seculares de S. João Evangelista” verificase um fenómeno precisamente inverso. A anulação da clausura e perpetuidade dos votos, bem como a passagem para uma tipologia de convento, conduziu à construção de um território (Fig. 14) com base numa dialética de interação com os lugares periféricos ao convento, passando o mesmo a repercutir-se nesses lugares. Bibliografia Ariño, A. (1997): Sociología de la cultura. La constitución simbólica de la sociedad. Ed. Ariel, Barcelona. Fadigas, L. (2007): Fundamentos Ambientais do Ordenamento do Território e da Paisagem. Edições Sílabo, Lisboa. Faure, F. (2012): Casa de Deus e de Homens. Uma leitura arqueológica do Convento de S. Salvador de Vilar de Frades. Dissertação de Mestrado. Universidade Fernando Pessoa, Porto. Capela, J. V. e Borralheiro, R. (1998): Barcelos nas Memórias Paroquiais de 1758. Câmara Municipal de Barcelos. Castilla del Pino, C. (1995): “La Memoria y la Piedra”, Patrimoni: Memòria o malson?. Diputación de Barcelona, Barcelona. Lison Tolosana, C. (1991): “Variaciones en Torno al Problema de la Identidad in Cadernos do Noroeste”, Homenagem a Luis Polanah, Vol. 4. Nº 6-7: 41-47. Matos, S. (2001): Areias de Vilar e o seu Património. Ed. de Autor. Barcelos. Marques, F. (2000): A Renovação das Práticas Devocionais. História Religiosa de Portugal. Círculo de Leitores, Lisboa: 558-601.

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Rodrigues, O. (2010): As Alminhas em Portugal e a Devolução da Memória. Estudo, Recuperação e Conservação. Dissertação de Mestrado em Arte, Património e Teoria do Restauro. Universidade de Lisboa, Lisboa. Vinhas, J. (1998): A Igreja e o Convento de Vilar de Frades. Das Origens da Congregação dos Cónegos de São João Evangelista (Lóios) à Extinção do Convento. 1425-1834. Junta de Freguesia de Areias de Vilar, Barcelos.





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Figura 1. Localização geográfica do Convento e fachada da Igreja de “Vilar de Frades”.

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Figura 2. Levantamento da área correspondente ao convento (C.S.S.J.D. - 1959).

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Figura 3. Esquematização da metodologia de investigação.

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Figura 4. Perspetiva geral das “Alminhas do Padrão” pormenor do oratório.



Figura 5. “Alminhas do Padrão”: Localização espacial.

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Figura 6. Perspetiva geral do cruzeiro.

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Figura 7. “Cruzeiro do Sr. Da Boa Morte”: Localização espacial.





Figura 8. Via-Sacra: Reconstituição do percurso.

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Figura 9. Reconstituição da delimitação da “paróquia de S. João”.





Figura 10. Fachada da capela e cabeceira com elementos românicos reutilizados da antiga Igreja Matriz.

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Figura 11. “Capela de S. João Batista”: Localização espacial.

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Figura 12. Retábulo do séc. XVIII da “Capela das Almas”. Igreja do “Convento de Vilar de Frades”.

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Figura 13. Organização das paróquias medievais de “Vilar de Frades”.

Figura 14. Delimitação atual de Areias de Vilar.

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