Vinhetas: a representação frenética do mundo e a identidade visual-discursiva dos telejornais

June 28, 2017 | Autor: Antônio Braighi | Categoria: TV, News Analysis, Telejornalismo, Vinheta
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Imagem E DISCURSO Emília Mendes

(coordenadora)

Ida Lucia Machado Helcira Lima Dylia Lysardo-Dias (organizadoras)

Primeira edição

FALE/UFMG Belo Horizonte 2013 2

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© 2013, Emilia Mendes, Ida Lucia Machado, Helcira Lima, Dylia Lysardo-Dias

Faculdade de Letras da UFMG Núcleo de Estudos sobre Transgressões, Imagens e Imaginários Avenida Antônio Carlos, 6627. Pampulha. CEP 31270-901 Belo Horizonte – MG Tel.: (31) 3409 6054

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Vinhetas: a representação frenética do mundo e a identidade visual-discursiva dos telejornais

Giani David-Silva - CEFET-MG Antônio Augusto Braighi - UFMG

Introdução Diariamente, milhares de pessoas sentam-se diante à televisão – dispositivo que lhes dá acesso a informações sobre acontecimentos de sua região, de seu país e do mundo – consumindo imagens e informações advindas de um bombardeio midiático. Em detrimento a uma discussão sociológica mais ampla sobre as origens do fenômeno, resguarda-se às particularidades deste capítulo, ratificando que é inegável a relevante participação da televisão e dos seus produtos – principalmente os telejornais, nos hábitos cotidianos de milhões de pessoas. Assim, faz-se necessária uma apreciação não apenas social, mas uma reflexão sobre o papel discursivo que representa este tipo de programa no imaginário coletivo. Ora, demasiadamente ampla seria uma incursão aprofundada nos diferentes componentes deste gênero, e inconcebível para os limites desta seção. Assim, optamos por um trajeto que tem por objetivo entender melhor como e com que intuito são organizadas, nos telejornais, as vinhetas, elementos estético-discursivos e identitários que dão o look de cada noticiário televisivo (MOEGLIN, 1986). Os telejornais, por serem discursivamente complexos, possibilitam diferentes análises, seja de sua estrutura de conjunto, de seu estatuto e modos de construção e funcionamento, da combinação de matérias e temas, do cruzamento de gêneros discursivos, da posição que ocupa na grade programática do canal, entre muitas outras possibilidades. Aos pesquisadores, cabe um olhar atento que procure realçar as características e particularidades de cada um. Assim, talvez, possa-se contribuir para uma escolha mais consciente do telespectador, na medida em que são decodificadas e

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apresentadas as intencionalidades refletidas, por exemplo, em elementos icônicos marcantes, como os que irão ser abordados neste capítulo. No Estado de Minas Gerais, chamam à atenção as diferenças acentuadas entre três telejornais exibidos na ‘hora do almoço’. Tratam-se dos noticiários: MG TV, veiculado pela Rede Globo Minas desde 1983; Jornal da Alterosa da emissora homônima; e, Jornal Minas, da Rede Minas. Talvez, em razão do público a que se dirigem, das vinculações institucionais de cada emissora, da política de jornalismo articulada ou dos valores comungados e a serem expressos, as vinhetas, do áudio às cores, passando pelas formas e utilização dos espaços, guardam particularidades, que este capítulo visa investigar, como forma de extrair os sentidos, compreender os efeitos visados e sua intencionalidade.

O discurso da informação televisiva No contexto grego clássico, o espaço onde os cidadãos se encontravam para o debate de assuntos relacionados à administração da polis era chamado espaço público. Esse espaço concreto era a praça pública (ágora). Na concepção da ágora, a esfera pública política é idealizada e considerada um reino da liberdade. Essa se constituía no igual direito que tinham todos os cidadãos para se manifestarem, participando diretamente dos assuntos políticos (HABERMAS, 2003). Esse espaço simbólico, lugar das grandes discussões e reflexões sobre problemas sociais evolui, e com a complexidade do funcionamento da sociedade moderna, adquire novas formas e dimensões associadas ao crescente papel que as mídias passam a ocupar, o que resulta, segundo Wolton (1991, p. 95), em um “espaço público midiatizado”. A televisão, principal mídia de massa devido a sua potencialidade em alcançar um público vasto e variado, permite a entrada do espaço público na esfera privada; pode-se afirmar, como o faz Mouchon (1995, p.184), que, muita vezes, “o espaço público se constitui a partir dela e, outras, se confunde com ela”. O espaço criado pela televisão pretende-se democrático e nele poderiam conviver todas as esferas da sociedade. Assim sendo, a informação pode ser vista como: “uma narrativa de um mundo que alarga as suas fronteiras, mas que se dirige a uma comunidade particular” (WOLTON, 1991, p. 97); há uma necessidade inerente de preser-

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vação da identidade. É a identidade que garante a interpretação da informação veiculada pelo público-alvo, que nunca é o mundo todo, é sempre uma comunidade particular, nacional. O papel das mídias de informação, segundo Charaudeau (1997), poderia ser definido como a difusão de informações relativas aos acontecimentos do espaço público, valendo-se para tal de suportes tecnológicos como rádio, imprensa escrita ou televisão. Independente do veículo, considerando o ato de comunicação como o resultado da troca entre uma instância de produção e uma de recepção, e que o sentido produzido depende da relação de intencionalidade estabelecida entre elas, podem-se determinar três lugares pertinentes às mídias: lugar das condições de produção, lugar das condições de interpretação e lugar das condições de construção do discurso Apesar da influência marcante desses três espaços, interessa-nos principalmente, a discussão sobre o lugar de construção do discurso. Nesse lugar, instaura-se a problemática discursiva em si. Seres de linguagem são criados: enunciador e destinatário. Nessa instância, são vislumbrados os efeitos possíveis, que estão em sintonia com os efeitos visados pela instância de enunciação e representam possibilidades interpretativas pela instância de recepção. Uma problemática que nasce desse espaço é a relação da organização semântica das formas com as hipóteses de co-intencionalidade, que fazem com que a instância produtora tente responder a perguntas sobre a instância-alvo, tais como, entre muitas outras: “O que leva os indivíduos a se interessarem por informação fornecida pela mídia?”; “Pode-se determinar a natureza de seu interesse ou desejo?”; “Como agradar a públicos-alvos diferentes?”. Assim sendo, ao se estudar o discurso midiático, deve-se levar em consideração a estruturação semiodiscursiva do produto acabado e os discursos de representação que circulam, por um lado, na instância de produção e, por outro, no contexto sociocultural no qual está inserida a instância de recepção. Esses discursos de representação, ou imaginários sociodiscursivos, são fundamentais para o funcionamento da máquina midiática. Nesse contexto, segundo Charaudeau (1997), não se deve esquecer que as mídias de informação funcionam segundo uma dupla lógica de ação, fator determinante na transmissão de informações: econômica – o órgão de informação é uma empresa e, como tal, tem por finalidade a fabricação de um produto competitivo no mercado. É ainda o aspecto econômico que definirá outro fator de grande relevância na produção da informação:

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a tecnologia utilizada. A segunda lógica é a semiológica – todo órgão de informação deve ser entendido como uma máquina produtora de signos (formas e sentidos). Percebe-se, assim, que os telejornais, além de se ocuparem em transmitir informações para os seus telespectadores, buscam, pela utilização de suas possibilidades tecnológicas, criar identidades visuais que reflitam suas identidades discursivas. Para Pierre Moeglin (1986), essa busca é centrada na ideia de que cada jornal deve ter seu look bem definido. O look é mais do que uma questão de vestuário do apresentador ou repórteres, mais do que a postura ou a dicção, é também um assunto da cenografia, o que os leva a um problema de agenciamento de dispositivos visuais e sonoros. Todos os truques de imagem utilizados pelos TJs não acrescentam nada do ponto de vista funcional; o que, sem dúvida, é buscado através delas é a imagem – ou mais exatamente, uma imagem – que a televisão quer dar de seu jornal. Mas qual seria então essa imagem? (MOEGLIN, 1986, p.169).

Essa afirmação, ou melhor, questionamento, de Moeglin, faz-nos refletir sobre alguns aspectos que uma análise da macroestrutura dos telejornais poderia tentar responder: primeiro, o uso de truques de imagem e de inovações tecnológicas realmente não acrescenta nada do ponto de vista funcional (função de informar, no entender de Moeglin); segundo, retomando literalmente a questão de Moeglin: qual a imagem que os canais de televisão querem dar a seus telejornais? François Jost (1999) propõe um percurso analítico que procura vislumbrar vários aspectos do telejornal que, analisados, podem nos fornecer um retrato desse complexo meio de comunicação. Esse percurso inicia-se pela apresentação dos telejornais, foco de nossas análises.

Apresentação dos telejornais O percurso de Jost (1999) começa na análise da apresentação dos telejornais, contemplando a abertura, o estúdio, as manchetes ou sumário e o apresentador. Uma segunda análise corresponde à observação do tema que corresponde ao próprio objeto dos telejornais, ou seja, a transformação de fa-

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tos em notícias. A terceira fase da análise corresponde à hierarquização da informação, que corresponde a uma abordagem estrutural em que serão observados: a relação títulos e matérias, a aproximação temática entre as matérias, a grade programática do canal e o posicionamento do telejornal na mesma. Para este estudo, o foco se dará na análise pontual de um dos elementos que constituem a parte denominada apresentação, capaz de fornecer uma visão global, possibilitando traçar as semelhanças discursivas que aproximam e/ou distanciam os três telejornais em questão. Ao mesmo tempo, será possível, por meio dessas preferências discursivas, perceber melhor a construção da imagem de si visada pelos telejornais em questão. A abertura de um telejornal pode ser considerada como um incipit fílmico; da mesma forma que o incipit literário, sugerindo um percurso de leitura; a abertura vai introduzir o telespectador no universo da informação, investida da missão de captar (MARION, 1998, p. 163-175). Considerando a mídia televisiva, no conceito ainda do autor supracitado, como homocrônica, ou seja, o tempo de recepção é incorporado na enunciação de suas mensagens, o incipit do telejornal servirá para balizar uma mudança de contrato na continuidade ficcional e lúdica do fluxo televisivo, é anunciado um novo contrato – o da informação, logo, de caráter autentificante, lembrando Jost (1999). A abertura do telejornal pode ser vislumbrada de forma simples pela sua divisão em três fases: contato do telespectador com o mediador-apresentador; o sinal (vinheta) e o sumário (escalada de matérias). A ordem em que aparecem esses elementos em diferentes telejornais não é necessariamente essa e nem sempre a mesma. No entanto, a presença desses três elementos é parte constituinte de toda abertura, mesmo que a ênfase em um ou em outro seja diferenciada. É importante ressaltar que as estratégias de contato, apesar de diferentes, possuem um mesmo valor: o de fornecer uma identidade que, através da repetição, sedimenta-se na percepção do telespectador, capaz, por sua vez, de reconhecer o início de seu jornal seja através da vinheta, seja através da voz de seu apresentador. Focando no que interessa ao estudo ora proposto, percebe-se que as vinhetas normalmente exibem a simbologia de um mundo controlado, tornado próximo e disponível pela mediação televisiva. Representação mais ou menos análoga do mundo: planeta Terra em rotação, mapas, esferas em movimento. Afirma-se assim a terra inteira como referência do telejornal. Pela sua estilização, sua estetização infográfica, o mundo hoje é, por assim

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dizer, já midiatizado, reconfigurado, disponível para ser narrado. O mundo é captado, apreendido, digitalizado em sua totalidade analógica. O domínio de sua representação funciona como metáfora do domínio da informação. A vinheta é a marca do telejornal, exercendo a função fática, chamando o telespectador para assistir ao programa. Normalmente é composta de imagem trabalhada com efeitos especiais e música característica. Através da vinheta, tem-se uma primeira percepção do ethos discursivo estabelecido pelo telejornal. Pode-se observar que os cenários dos telejornais também têm recebido tratamento especial, daí a importância de sua caracterização para melhor compreender qual a identidade que cada telejornal procura estabelecer para si. Da cenografia do teatro grego antigo ao contemporâneo, passando pelo desenvolvimento de técnicas no teatro clássico renascentista, às incorporações e articulações cinematográficas, têm-se, nos cenários televisivos, elementos decorativos que expressam ideias e valores. O cenário é a ambientação, é a porta que faz o telespectador entrar no mundo da informação. Como o cenário do teatro, ele busca inserir o público em outro universo, no caso específico, o universo responsável por fazer conhecer o que de mais importante está acontecendo no mundo todo. O cenário do estúdio testemunha tanto quanto as vinhetas, a imagem que o telejornal procura construir para si. Essa imagem normalmente vai reforçar o caráter de seriedade e avanço tecnológico do jornal. Se, de um lado, o cenário está em função da busca de credibilidade através de um processo de referenciação (nós estamos aqui, e, ao vivo, vamos te informar), ele , assim como a vinheta de abertura, possui forte apelo estético funcionando como elementos de captação, de sedução. Ambos refletem o que o jornal é capaz de fazer tecnológica e esteticamente para valorizar ainda mais a informação a ser transmitida. Outra categoria relevante na apresentação dos telejornais e que se insere como elemento que ajuda a compor o cenário é o apresentador. Com o passar do tempo, o apresentador passou a ter função central nos telejornais. É ele quem estabelece a relação de proximidade entre a instância telejornal e o telespectador por meio eixo Y-Y (olhos nos olhos). Para Véron (1983), este profissional mudou ao longo do tempo e, na contemporaneidade, representa o encontro dos olhares se torna o eixo que sustenta a construção do “corpo” midiatizado do enunciador. Os operadores desse sistema modalizam a fala e constroem um elo com o telespectador. Os gestos podem criar uma distância em

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relação ao que é dito (reforçada pela distância linguisticamente imposta) permite ao mesmo tempo de estabelecer uma identificação com o telespectador; “a distância calculada engendra a confiança, a crença” (VÉRON, 1983, p. 112-113).

Nesse lugar, a abordagem dos planos, ou seja, do posicionamento do objeto filmado no visor da câmera, permite também a percepção das relações proxêmicas estabelecidas pelo telejornal entre o apresentador e o telespectador e, por que não, também com o cenário. Cada enquadramento revela e esconde uma determinada face do cenário que, limitada pelo zoom das câmeras, compõe o que é dito pelo apresentador, revelando uma determinada intencionalidade. Nesse contexto, chama a atenção a semiopragmática, sobretudo os níveis de análises propostos por Dominique Chateau (1983)1 para a película fílmica, distinguindo quatro planos de realidade a serem considerados em uma análise: o nível icônico; o diegético; o nível plástico2; e o nível profílmico. Vicent Amiel (1989, p.104), buscando a análise das práticas televisivas e baseando-se em Chateau, propõe três níveis de análises: cenografia, filmagem e edição. Pode-se distinguir, segundo esse autor, a encenação em três momentos, cujo encadeamento cronológico e a importância variam segundo o meio. Primeiro tem-se a montagem da cena, disposição dos objetos, luz, personagens (cenografia); o segundo momento é o da filmagem, em que são decididos os planos, as tomadas, os ângulos etc. Por fim, a edição, a escolha, no caso do telejornal, da sequência das notícias, ou, internamente em uma reportagem, da sequência da narrativa, do momento das entradas de depoimentos, entre outros. Pode se resumir o que foi dito acima no quadro:

Pode-se perceber, então, que são várias as escolhas que devem ser feitas em todos esses momentos. Escolhas que, apesar de, às vezes, não serem tão intencionais ou conscientes, constituem um espaço estratégico para o enunciador regular suas intencionalidades e seus recursos discursivos. Assim, a televisão tem um lado voltado para fora, o mundo exterior, o mundo dos fatos e da recepção e um voltado para si mesma, para o estúdio e para as condições de produção de seus programas, como afirma Charaudeau (1998, p. 249): “A televisão não é um conceito. Ela é um objeto empírico do qual é necessário fazer um objeto de análise, um objeto empírico, heterogêneo e um objeto de análise plural”. A heterogeneidade da televisão é intrínseca ao seu funcionamento no qual interferem e se mesclam vários fatores de ordem técnica, econômica, profissional, política, ética etc. Ainda, segundo Charaudeau (1998), quando observada do ponto de vista interno, como produtora de signos, ela é alvo de, pelo menos, três análises diferentes: uma análise orientada para o conteúdo, procurando estudar a maneira como ela reconstrói o que se produz no espaço social; outra orientada para a forma, cuja preocupação é descrever as categorias iconovisuais, verbais e sonoras utilizadas em seu processo de produção; e a terceira orientada para a comunicação, a televisão vista como uma máquina de comunicar, com uma finalidade de troca social em circunstâncias específicas. No entanto, nenhuma dessas problemáticas pode ser tratada de forma purista; o que se percebe é a predominância de uma ou outra análise dependendo da disciplina. Interessado na relação entre o proposto pela segunda linha de análise (nível icônico) e pela terceira (nível comunicacional), este trabalho traz considerações sobre as escolhas formais utilizadas por três importantes telejornais na composição de suas vinhetas, no intuito de apreender os possíveis efeitos visados pela instância produtora e a imagem discursiva (ethos) do telejornalismo construída a partir da análise simbólica dessas escolhas.

Vinhetas em três tempos... MG TV 1

apud HANOT, 2002, p.22. Em que o espectador avalia no conjunto de signos miméticos, os traços técnicos (cor, contrastes, luz, etc). 2

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A Rede Globo de Televisão, depois de promover várias mudanças na vinheta dos “praça TV”, telejornais regionais da emissora, adota o modelo analisado como referência para todos os noticiários exibidos por afiliadas nos

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estados brasileiros. A padronização, então, é parte de um projeto identitário vinculado ao “padrão” Globo de jornalismo e que, assim, não faz nenhum tipo de remissão às questões locais e/ou regionais – a não ser pela assinatura relacionada à unidade federativa em que a atração é exibida.

Figura 1: vinheta de abertura do MG TV (GLOBO MINAS, 2010).

Em um olhar sobre o recorte de imagens feito acima a partir da vinheta do MG-TV, pode-se perceber uma linha para o agenciamento dos elementos sígnicos que nos permite verificar efeitos de sentidos possíveis que ajudam a compreender certa imagem do jornalismo praticado por essa emissora. Podemos falar de emissora, no caso a Globo, e não somente do telejornal em questão, uma vez que a vinheta, como dissemos, é a mesma para os diversos jornais regionais exibidos em todo o país. A única alteração é justamente a que marca o estado: a sigla MG, neste caso. Na primeira imagem da seleção acima, são vistas placas que parecem sobrevoar um espaço, em tom azul. No centro deste espaço encontra-se uma área escura, sugerindo que as placas saem deste centro obscurecido, e se movimentam em direção a um espaço iluminado. Além deste movimento centrífugo, ocorre ainda uma reorganização da cena. As placas, que pareciam traçar movimentos aleatórios, passam (segundo quadro) a se organizar em pilhas, deixando-nos entrever, ao fundo, um horizonte claro. No terceiro quadro, evidencia-se a figuração de uma cidade e seus arranha-céus e marca-se ainda mais fortemente a

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linha do horizonte. A seguir (quarto quadro), destaca-se, invadindo este espaço, em primeiro plano, uma placa com a sigla MG. Ao fundo desta logo vemos diversas telas que podem tanto nos conduzir aos lares antenados às notícias ou, ainda, à imagem dos olhos de uma libélula, atentos aos mínimos movimentos do mundo fatual, prontos para trazer à luz os acontecimentos. A proposta pode ser a de apresentar o telejornal enquanto uma instituição que observa toda a região, por cima, de modo isonômico e soberano, dando conta de todos os acontecimentos do quadrante ao qual representa. Para tanto, a cor azul é predominante, transmitindo sobriedade. Este tom também está relacionado à verdade, muito comum e adequado para este tipo de programa televisivo. Não obstante, o amarelo que compõe a assinatura do noticiário, traz a ideia de luz à “TV”, janela luminosa que propõe dar conta da apresentação e esclarecimento dos acontecimentos sociais da cidade formada abaixo da logomarca do telejornal. Aos poucos, a metrópole desaparece e o fundo se transforma, remetendo a um conjunto de pixels de uma tela. As imagens são acompanhadas por uma trilha orquestrada, com uma batida ritmada, mais aguda, ao fundo. Ao final, a assinatura do programa surge com dois efeitos sonoros: o primeiro parelho a entrada da placa que recebe a inscrição “MG” e o seguinte acompanhando a formação das figuras ao fundo, que formam a sigla “TV”. Se considerarmos a hipótese de que a vinheta constitui-se como um gênero de apresentação do programa, logo, gênero fundamental para a construção identitária do telejornal, pode-se dizer que o jornalismo apregoado pelo MG-TV imputa-se as funções de observação, seleção e organização dos acontecimentos, deixando-nos inferir também, por meio dessas funções, que as escolhas realizadas são intrínsecas ao fazer jornalístico, logo sua visão, mesmo que multifacetada, é parcial e particular.

Jornal da Alterosa A vinheta de abertura do Jornal da Alterosa (JA) tem nas cores vermelho e amarelo os tons que identificam o programa. Não obstante, esses são os mesmos matizes da emissora . O que se percebe, de início, é a proposta, cíclica, de identificação. Na medida em que o jornal adota os tons da rede, traga para si os valores da mesma, no momento mesmo em que se incide sobre a instituição as ideias que a atração adota e exprime.

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Figura 2: Vinheta de abertura do Jornal da Alterosa (ALTEROSA, 2010).

A figura do globo terrestre, recorrente neste tipo de arte, é também adotada pelo JA, esse por sua vez, apresentando os oceanos em vermelho mais escuro e os continentes em tom pastel. A esfera é circundada por espessas e ligeiras faixas, nas cores vermelho e amarelo e com textura metalizada, que remetem a matérias primas presentes no Estado de Minas Gerais, tais como o ouro e o ferro. Além dessa referência às riquezas do Estado, ao metal podem ser associadas características como a resistência e a durabilidade. Aliadas ao movimento circular e ágil dessa estrutura em torno do mundo, percebe-se certa cristalinidade que permite a luz transpassar tanto o mundo como a faixas que o circundam, refletindo-se em alguns pontos, como, por exemplo, na logo JA. Esses elementos acima descritos remetem a uma visão de jornalismo pautada na confiabilidade, na agilidade, na amplitude e na transparência das notícias. As imagens trazem a marcação em destaque do Brasil nas Américas e do Estado de Minas Gerais no Brasil, dando a ideia de globalidade; por mais que o foco das matérias esteja nas regiões supracitadas, há um intercâmbio entre o que acontece no mundo, adotando a consciência de que acontecimentos ao redor do planeta influenciam em questões locais. No entorno do globo, aparecem palavras-chave temáticas, com destaque para as expressões “jornalismo” e “entretenimento”, uma vez que são as de mais fácil leitura durante o movimento da arte. Podemos nos indagar

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se estas duas perspectivas almejam demonstrar as principais atrações da emissora – informação e entretenimento. Mas não podemos deixar de perceber uma sugestão à relação intrínseca, no telejornalismo, entre as estratégias de credibilidade e de captação. Ao final, emerge a assinatura do programa: “JA”, com o rodapé “Jornal da Alterosa” na mesma tonalidade predominante na vinheta. Em um rápido movimento, há uma inversão da sigla do noticiário, revelando a sua outra face: “AL”, em referência direta ao nome da emissora. A prática da auto-referencialidade se faz presente novamente. Na fusão, o globo terrestre some, dando lugar à assinatura do telejornal, ampla, onipotente, aclarada por feixes de luz que emanam de direções distintas e se refletem na marca em destaque. Destaca-se ainda que a centralização espacial das assinaturas do Jornal (JA) e da emissora (AL) em substituição ao globo terrestre, o que evidencia uma imagem da dimensão especular pretendida pelo telejornalismo, pela qual o conhecimento dos fatos do mundo seria proporcionado pela sua capacidade de representá-lo. Além disso, a assinatura JA demonstra a relevância do tempo presente para o processo de transmissão da notícia, a enunciação se faz aqui e agora, as notícias veiculadas respeitam a um dos princípios justificadores da noticiabilidade dos fatos: a atualidade. Mais curta do que as demais aqui analisadas, a vinheta do JA também apresenta imagens de modo muito acelerado. O áudio acompanha a dinâmica da arte, com destaque para os efeitos agudos parelhos às faixas que circundam o globo terrestre, em relação à agilidade na cobertura do telejornal.

Jornal Minas A abertura do Jornal Minas apresenta o vermelho como cor predominante, além dos tons em escala de cinza. Esta disposição, assim como na TV Alterosa, remete a um projeto de comunicação visual da emissora , apresentando-se então como prática auto-referencial e de reforço identitário, aparentemente mais da emissora do que do telejornal. Não se pode deixar de ressaltar que a identidade da emissora se associa ao imaginário de mineiridade, retomado pelo triângulo vermelho – símbolo da bandeira do Estado – que tridimensionalmente gira em torno de si mesmo gerando a forma cônica.

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Figura 3: Vinheta de abertura do Jornal Minas (REDE MINAS, 2010).

Além disso, percebe-se que, com a assinatura do programa surgindo ao final, fazendo alusão à logomarca da emissora, exerce-se novamente a auto-referencialidade, provavelmente, no intuito de transferir os valores da instituição para o noticiário, ainda que este processo também seja reflexivo, na medida em que o telejornal, na ratificação das perspectivas de isonomia, seriedade, ampla cobertura, atualização constante, entre outras, espaça esta imagem para a Rede Minas. Esses valores podem ser compreendidos por meio das metáforas do joguete que a vinheta aloja – ou faz menção, com elementos distintos, tais como um relógio, um obturador de câmera, além de mapas e coordenadas geográficas, instaladas como que em um monitor de controladores de voo ao fundo. Estas imagens são articuladas de modo acelerado, dando dinamicidade à vinheta. Outro elemento que acentua a composição é o áudio, orquestrado, com marcações agudas ritmadas, em toda a duração do vídeo, e inserção de batidas mais fortes, em passagens e no encerramento da arte. A vinheta apresenta a cadência acelerada (seja pela emergência do vermelho, seja pelo ritmo do áudio, na vinheta) dos jornalistas em busca dos

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fatos. Além disso, pretende demonstrar o amplo monitoramento e ciência do que está acontecendo no ‘aqui e agora’ da região. Essa busca é, no entanto, amparada pela sobriedade e acuidade, valor demonstrado pelos tons em cinza, base fundamental para a inquietação apresentada pelo vermelho. As camadas em tons cinza vão se sobrepondo, em referência implícita ao assentamento dos acontecimentos que compõem a nossa memória. O acúmulo das notícias resulta no registro e preservação do processo histórico. O movimento circular alude à coexistência entre o tempo mítico (o tempo que volta sobre si mesmo) e o tempo cronológico, linear. O tempo da narrativa dos acontecimentos que opõe o passado/presente se alinha ao tempo do eterno recomeço em que essa diferença não é relevante. Assim o telejornal é um lugar em que se inscreve a história, contada pela narrativa dos acontecimentos, por outro lado, ele também se inscreve na nossa memória como espaço em que tudo está sempre recomeçando estamos todos os dias em contato com o presente, sempre novo e sempre igual. As diferentes camadas que compõem a imagem cônica remetem às várias perspectivas do movimento jornalístico/histórico, assim, diferentes pontos de vistas parecem ser instaurados, visando garantir a imparcialidade, característica relevante na imagem de um jornalismo sério. O eixo central, a partir do qual se movem as diversas camadas do cone, aponta para o controle do telejornal sobre as informações. Isso é evidenciado pelo nome do jornal que surge a partir do centro de irradiação da linha editorial.

Considerações finais Os telejornais encontram-se em um ambiente de forte concorrência, em um contexto de estratégias de conquista, captação e fidelização de um público. Nesse sentido, buscam uma imagem que os particularizem e os destaquem dos demais. Em um primeiro nível de interpretação, pode-se ver, nessa profusão de imagens na tela, a expressão da abertura da televisão sobre o mundo, a região, a cidade, simbolicamente reforçada pela repetitiva imagem de figuras geográficas, evidenciando a auto-imagem de janela para o mundo, capaz de decodificar e direcionar as mensagens vindas de todas as partes e destinadas aos telespectadores (MOEGLIN, 1986).

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Essas aberturas exercem ainda um forte grau de captação, ao mesmo tempo em que, através do domínio da técnica eletrônica, transmite uma imagem de savoir-faire, o que pode vir a alcançar, aliado a outros fatores, a credibilidade. Um recurso constante em todos os telejornais foi o apelo ao movimento, seja do globo, seja das próprias informações que saltam do mundo para a tela, de um relógio estilizado ou mesmo da logomarca. A dinamicidade evocada por esse recurso por um lado evidencia que o tempo não para, que as coisas estão acontecendo aqui e agora e, por outro, a imagem de um jornalismo dinâmico e alinhado ao movimento frenético dos acontecimentos e das informações. As vinhetas devem ser entendidas em sua dimensão espetacular como a consagração do uso de novas tecnologias, metáforas do progresso, símbolos da modernidade midiática. Os efeitos de ficção visados por tais recursos reforçam a força de captação dos telejornais que, nesse momento, têm o seu foco desviado do compromisso de transmissão da realidade dos fatos para outra realidade, a de serem programas televisivos. Por meio das vinhetas, percebe-se a simbolização do mundo tornado próximo e acessível através da mediação televisiva. A utilização de representações icônicas geográficas (mapas, composição das cidades, globos) demonstra o universo de referência dos jornais, que estilizado através de recursos infográficos se mostram enquanto espaços captáveis e captados pela tecnologia midiática. Se todos os telejornais procuram reforçar a sua identidade, a sua marca, eles o fazem diferentemente. O MG TV segue um padrão de vinheta que advém da relação institucional com a Rede Globo, demonstrando estar alinhada a uma perspectiva macro, de jornalismo que se propõe sério, funcional, estruturado. O Jornal da Alterosa, por sua vez, recorre a ideia de um noticiário em sintonia com o que acontece em todo o planeta, ligando o Estado de Minas Gerais ao Brasil e ao mundo, com atualizações constantes e rápidas. Já o Jornal Minas representa, em sua vinheta, a importância dada à dinamicidade, à amplitude e aos aspectos temporais de uma cobertura jornalística, assim como a referência ao regionalismo, evidenciando o seu pertencimento a uma emissora estatal. Uma análise mais definitiva da imagem de si construída pelo telejornal em seu procedimento de apresentação dependeria de uma abordagem dos demais elementos que compõem esse quadro, como os cenários e o papel do apresentador. Não tendo sido esse o objetivo desse texto, deixamos essa discussão para novos trabalhos.

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