vinho de talha ou vinho feito em talha.pdf

May 26, 2017 | Autor: Virgílio Loureiro | Categoria: History of Wine, History of Taste, Drinking Culture
Share Embed


Descrição do Produto

Centro Histórico de Évora

Vinho de talha ou vinho feito em talha? TEXTO VIRGÍLIO LOUREIRO

vinho de talha está deinitivamente na moda. Em França chamam-lhe vin d’argile e nos países anglo-saxónicos amphora wine. Como vinho primordial que é, feito pela primeira vez nos contrafortes do Cáucaso há cerca de oito mil anos, é hoje um símbolo dos produtores de vinhos ditos naturais. Não surpreenderá, pois, que esteja a renascer em toda a bacia mediterrânica, onde praticamente se extinguiu, e comece a ser produzido um pouco por todo o mundo vinícola, desde o Chile à Nova Zelândia e da Alemanha à África do Sul. Entre nós sempre se produziu ao sul do Tejo, desde que os romanos introduziram a técnica do seu fabrico há cerca de dois mil anos. Também terá sido feito ao norte do rio, mas nunca de forma intensiva que permitisse o enraizamento da tecnologia nos hábitos das populações e perdurasse até aos nossos dias. Nessas regiões, o lagar de pedra, a dorna e o tonel prevaleceram sobre a talha, servindo para fazer vinho desde a Alta Idade Média. Até há pouco tempo, essa distinção geográica e cultural foi indiscutível, tendo o Tejo como árbitro. Todavia, nos últimos anos, fruto das modas que vêm de fora, alguns produtores mediáticos começaram a produzir vinho em talhas no Douro, no Minho e mesmo no Alentejo, segundo conceitos e estilos distintos do tradicional vinho de talha do Alentejo. Alguns recor-

O

14 | EPICUR ESPECIAL ALENTEJO

reram, como é natural, às ferramentas da Enologia contemporânea, como a câmara de frio onde se instala a talha, para produzir brancos “frutados” a baixa temperatura, o gelo seco para evitar as oxidações, as barricas de carvalho para os condimentar, etc. Alguns dos vinhos assim produzidos são magníicos e diferentes dos produzidos com a tecnologia atual, justiicando a aposta de quem investiu neste processo de viniicação. Porém, justiica-se a pergunta: é um vinho de talha ou um vinho feito em talha? A resposta não é óbvia e imediata, particularmente para quem não conhece o verdadeiro vinho de talha e todo o ritual de produção e de consumo, por vezes milenar, que lhe está associado. O vinho de talha do Alentejo não é um mero processo de viniicação em talhas. É uma ileira extensa – infelizmente com fragilidades – que começa nos talheiros que amassam o barro e fazem as talhas, continua com os pesgadores e gateadores, que impermeabilizam e remendam as talhas, e passa pelas adegas, que têm uma estrutura e utensílios muito diferentes das restantes do país, e pelos locais de consumo, onde a taberna e a adega, muitas vezes juntas, são os preferidos e mais adequados para apreciar o vinho de talha. O consumo de vinho e a convivialidade nestes locais emblemáticos têm uma identidade muito própria, cujas raízes mergulham fundo nas mais antigas tradições mediterrânicas. O

vinho branco – amarelo dourado – ainda é o preferido de todos os alentejanos do mundo rural, mesmo após o triunfo do tinto no inal do século XX, respeitando hábitos milenares da presença romana; a baixela é distinta do resto do país; os petiscos que acompanham o copinho de vinho, muitas vezes trazidos de casa pelos clientes das tabernas são, quase sempre, de origem vegetal (maçãs, peras, marmelos, pêssegos, batatas cozidas, tomate com sal grosso e azeite, azeitonas), evocando os petiscos do simposion grego; os jogos populares continuam a ser frequentemente praticados, a maioria das vezes como pretexto para beber mais um copinho; a música e o canto estão omnipresentes, com o fado e as cantigas no Alto Alentejo e o cante no Baixo Alentejo; por im, estes locais continuam a ser quase exclusivos dos homens, lembrando-nos que todos estes rituais de consumo e convivialidade acompanharam a tecnologia de viniicação desde o extremo oposto da bacia mediterrânica. O vinho de talha continua a ser, em todas as suas facetas, a forma de airmação cultural dos homens da planície, não sendo legítimo que, a pretexto de modas vindas de fora, se comece a chamar “vinho de talha” a todo o vinho viniicado em talhas e descontextualizado da sua matriz cultural. Têm a palavra os alentejanos na defesa do seu património, e a tutela na sua regulamentação.

Uma Máquina do tempo, do império romano ao final do manuelino m passeio pelo Centro Histórico de Évora pode ser equiparado a uma viagem no tempo. A cidade evoca vários períodos históricos, alguns anteriores à fundação de Portugal. Considerado em 1986 Património Mundial pela UNESCO, o Centro Histórico de Évora é um local único pela preservação de um vasto património urbano, referente a diversas correntes estéticas, mas é também um pretexto para compreendermos a inluência portuguesa na urbanização das antigas cidades coloniais, como São Salvador da Baía, no Brasil. O percurso pela urbe começa invariavelmente no Templo Romano, monumento símbolo da região, construído em mármore e granito e datado do século I. Nessa época, Roma baptizou a cidade de Ebora Liberalitas Julia, e sob o domínio do Império, a cidade fortiicada assumiu plenamente a sua importância militar e estratégica. A romanização de Évora terminou com a sua conquista pelos povos visigodos, aos quais se atribui a destruição parcial do Templo Romano. Seguiu-se, no ano de 714, a conquista muçulmana, que reforçaria a importância geográica e a vitalidade económica da cidade, e o período mourisco corresponderá a um alargamento do município para fora das suas muralhas. A ocupação islâmica mudou completamente a malha da cidade, substituindo a ordenação ortogonal, típica do urbanismo romano, para um ordenamento radial, de ruas apertadas e sinuosas, e que ainda perdura em locais como a Rua da Mouraria, zona onde se ixou a comunidade muçulmana após a conquista de Évora em 1165 por Giraldo Sem Pavor. A Praça do Giraldo, rebatizada em homenagem ao conquistador da cidade

U

e erguida no ano de 1571, mantém-se desde então como o coração de Évora. A monumentalidade permanece noutra imagem icónica da cidade: o chafariz central, de estilo barroco, esculpido em mármore branco e composto por oito bicas antropomóricas, abasteceu o município durante vários séculos. Uma visita a Évora não dispensa também uma passagem pela insólita Capela dos Ossos, inserida na Igreja de São Francisco, assim denominada por ser revestida de ossos, incluindo cerca de cinco mil crânios humanos. A sua construção foi empreendida por iniciativa de três frades franciscanos, como relexão sobre a transitoriedade e efemeridade da vida humana. Em alternativa à peculiar Capela dos Ossos, opção eventualmente excluída pelos estômagos mais sensíveis, haverá sempre oportunidade para descobrir a Basílica Sé de Nossa Senhora da Assunção, considerada a maior catedral medieval de Portugal. Trata-se da primeira obra que documenta

a integração de Évora na coroa portuguesa, cuja construção se iniciou em 1186. A imponência granítica revela a transição do românico para o gótico, comportando um órgão de tubos datado do Renascimento e considerado o mais antigo da Península Ibérica. Tal como outras construções medievais, a sua coniguração original foi sendo atualizada, como se pode denotar pelos traços manuelinos que adornam a adjacente capela de Nossa Senhora da Piedade, de portal tardo-manuelino em mármore, ou o cadeiral maneirista do coro alto, onde se esculpiram cenas mitológicas e naturalistas. Para além das manifestações de Arte Sacra no interior da catedral, a Sé possui um Museu de Arte Sacra, que conserva no seu espólio pintura, escultura, ourivesaria e paramentaria. Como clímax, impõe-se uma subida ao terraço da basílica, onde se usufrui da melhor vista panorâmica sobre esta cidade histórica, em recapitulação de todos os momentos de um percurso fascinante.

15

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.