Vinicius de Moraes: No Centenário do Poetinha

June 3, 2017 | Autor: I. Carneiro de Sousa | Categoria: Brazil, Vinícius de Moraes, Contemporary Brazilian Poetry, Brazilian Popular Music
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UM DIA, casualmente, eu disse a um amigo que a guitarra, ou violão, era “a música em forma de mulher”. A frase o encantou e ele a andou espalhando como se ela constituísse o que os franceses chamam um mot d’esprit. Pesame ponderar que ela não quer ser nada disso; é, melhor, a pura verdade dos fatos. 0 violão é não só a música (com todas as suas possibilidades orquestrais latentes) em forma de mulher, como, de todos os instrumentos musicais que se inspiram na forma feminina — viola, violino, bandolim, violoncelo, contrabaixo — o único que representa a mulher ideal: nem grande, nem pequena; de pescoço alongado, ombros redondos e suaves, cintura fina e ancas plenas; cultivada, mas sem jactância; relutante em exibir-se, a não ser pela mão daquele a quem ama; atenta e obediente ao seu amado, mas sem perda de caráter e dignidade; e, na intimidade, terna, sábia e apaixonada. Há mulheres-violino, mulheres-violoncelo e até mulheres-contrabaixo. Mas como recusam-se a estabelecer aquela íntima relação que o violão oferece; como negam-se a se deixar cantar, preferindo tornar-se objeto de solos ou partes orquestrais; como respondem mal ao contato dos dedos para se deixar vibrar, em benefício de agentes excitantes como arcos e palhetas, serão sempre

lusofonias nº 02 | 24 de Junho de 2013 Este suplemento é parte integrante do Jornal Tribuna de Macau e não pode ser vendido separadamente

COORDENAÇÃO: Ivo Carneiro de Sousa

TEXTOS: Vinicius de Moraes: • Obrigado Portugal! • Soneto de criação • Soneto da Devoção • Soneto de Fidelidade • Epitáfio • Soneto de Separação • Poética • A Felicidade

Dia 01 de Julho: Os Macaenses: formação histórica, representações e funções culturais

APOIO:

Vinicius

de Moraes no centenário do Poetinha

Vinicius de Moraes: No centenário do Poetinha Ivo Carneiro de Sousa

N

Vinicius

de

Moraes em (1968-1969)

Portugal

A caminho de Roma, onde ia passar o Natal, Vinicius de Moraes e a sua nova esposa passaram alguns dias em Lisboa. Ficou célebre a homenagem organizada a 19 de Dezembro na casa de Amália Rodrigues, reunindo David Mourão-Ferreira, Natália Correia, José Carlos Ary dos Santos, Alain Oulman, Hugo Ribeiro e um microfone escondido numa jarra de flores. Seguiram-se vários espectáculos em salas lisboetas com Chico Buarque e Nara Leão. Em Fevereiro de 1969, Vinicius de Moraes voltou a Lisboa, tendo ficado famoso um recital público na Livraria Quadrante que viria a dar origem ao LP “Vinicius em Portugal”. Em 1969, a sociedade portuguesa vivia já o fim anunciado da chamada primavera marcelista que, desejada com a nomeação de Marcelo Caetano para Presidente do Conselho a 27 de Setembro de 1968, se subsumiu depressa nas estafadas conversas em família da mais conservadora continuidade. Em 1969, Portugal agitava-se e transformava-se: as crises académicas abalavam o regime quase tanto como a demorada continuação da guerra colonial nos chamados ultramares africanos de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. 1969 é também o ano da geração urbana rendida ao rock, da escandalosa mini-saia e do zipzip de Carlos Cruz, de Fialho Gouveia e do incontornável Raul Solnado (esse mesmo que pediu para se inscrever no seu túmulo “Aqui jaz Solnado mas muito contrariado!”): um verdadeiro e inovador talk-show estreado a 24 de Maio de 1969 para acabar rápido a 29 de Dezembro. Os meses passados em Portugal parece terem marcado a descoberta de um país estranho, mas convidativo, na altura largamente ignorado mesmo pelas elites brasileiras mais internacionalizadas. Regressado ao Brasil, Vinicius de Moraes publicou um pequeno texto que, tão elegante como mordaz, se afigura compreender muito rigorosamente um certo tipo histórico de Português de muita longa duração, oscilando instavelmente entre o cómico e o folclórico, chorando a saudade e cantando o fado da desgraça. Datado do Rio de Janeiro, a 15 e 16 de Junho de 1969, o pequeno artigo intitula-se “Obrigado Portugal!” (ver Caixa na pág. V).

asceu Marcus Vinicius de Melo Moraes no Rio de Janeiro, a 19 de Outubro de 1913. Se fosse vivo, faria cem anos e continuaria, decerto, a cantar essas muitas garotas de Ipanema que, em 1962, transformaram a bossa nova brasileira em hino popular na música de António Carlos Jobim. Vinicus de Moraes ficou, simplesmente, e a posteridade encontrou um dos maiores poetas, compositores e cantores dessa língua Portuguesa do Brasil que vai cruzando gostosamente os muitos recantos do mundo encruzilhados em lusofonias. Começou a escrever poesia ainda no Liceu, depois cultivada mais refinadamente quando ingressou, em 1930, na Faculdade Nacional de Direito. Vinicius de Moraes formou-se rápido, em 1933, o exacto ano em que publicou o seu primeiro livro de poemas, “O Caminho para a Distância”. À advocacia dedicou um par desinteressado de anos para ser recrutado pelo Ministério da Educação do Brasil para o cargo de censor cinematográfico. Como seria de esperar, não se rendeu demoradamente a autorizar censuras, ganhando em 1938 uma bolsa do British Council para estudar língua e literatura inglesas na vetusta e sempre prestigiante Universidade de Oxford. Casou-se em terras britânicas

por procuração com Beatriz Azevedo de Melo – a primeira das suas nove esposas –, mas regressou depressa ao Brasil, ainda em 1939, quando a segunda grande guerra se transformou verdadeiramente em mundial. Passou, então, algum tempo em São Paulo para regressar ao seu Rio, desenvolvendo activa colaboração com a imprensa, somando aos textos de opinião, o conto e muita poesia. Pelos finais da década de 1940, Vinicius de Moraes era poeta reconhecido, correspondendo-se e frequentando as grandes figuras do modernismo brasileiro: Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e Cecília Meireles. Em 1943 ingressou na carreira diplomática, sendo nomeado três anos mais tarde vice-cônsul do Brasil em Los Angeles. Seguiram-se colocações em Paris, Montevideu e o regresso desejado à capital francesa. A mundivência multiplica a sua obra poética, mas também os matrimónios, casando-se repetidas vezes. Regressado ao Brasil, no início de 1964, começou a compor em parceria com Carlos Lyra, Pixinguinha e Baden Powell. Criou depois parcerias e espectáculos memoráveis com João Gilberto e Tom Jobim, o responsável por apresentar publicamente Vinicius como o Poetinha. Anos prolixos e renovadores que convidaram o poeta-músico a experimentar o teatro e o cinema. Actividades criativas a mais que, tantas vezes críticas, incomodaram a ditadura instalada no Brasil desde o primeiro dia de Abril de 1964. Apesar da enorme simpatia popular que foi crescendo à sua volta, em Abril de 1969, o também diplomata de vinte e seis anos de carreira foi exonerado do Ministério das Relações Exteriores pelo regime militar. A acusação não referia a palavra subversão, mas apenas “conduta irregular”, sendo documentadas as notícias confirmando que a ordem da sua “aposentadoria compulsória” saiu directamente do presidente militar de plantão, marechal Arthur da Costa e Silva, nos seguintes termos: “Demitam esse vagabundo”. Vinicius recebeu a informação quando se encontrava em Lisboa com a sua sexta mulher, Cristina Gurjão, a sua companheira de uma viagem verdadeiramente à descoberta de Portugal.

e o

E

m 1970, depois de um ano de matrimónio e meses de turbulento divórcio, Vinicius de Moraes casa-se com a atriz baiana Gesse Gessy, preferindo refugiar-se na Bahia, longe da intelectualidade do Rio de que queria afastar-se. É neste mesmo ano que o Poetinha começa a sua demorada parceria com Toquinho, vazada em sucessos verdeiramente clássicos, como o são, entre tantos outros, “Como Dizia o poeta”, “Tarde em Itapoã”, “Testamento” ou o muito popular “A Tonga da Mironga do Kabuletê”. Multiplicam-se nos anos seguintes espectáculos por todo o Brasil, Argentina e Europa, transformando o Poetinha num homem de espectáculo reconhecido internacionalmente, uma

O Retiro Baiano Homem de Espectáculo

sorte de star que Vinicius sempre recusou poder vir a ser. As suas apresentações públicas não se limitavam à canção, revisitando os seus poemas, conversando com as audiências, contando estórias, sentado em frente a uma mesa com uma indispensável garrafa de scotch, integralmente bebida entre cigarros muitos. Apesar do seu declarado apoio à luta e aos movimentos políticos democráticos brasileiros, Vinicius de Moraes sempre se recusou a comprometer-se politicamente mesmo quando se encontrava na fronteira do revolucionário que nunca foi. É apenas em 1979 que decide dar um passo em frente em direccção ao compromisso político, assumido e difundido publicamente: a convite do en-

tão líder sindical que foi o futuro Presidente do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, Vinicius de Moraes decide recitar os seus poemas no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Neste mesmo ano, de regresso de uma viagem à Europa, sofre um derrame a bordo do avião. Debilitado, morreu aos 67 anos, a 9 de Julho de 1980, de edema pulmonar, na sua casa, na companhia da sua nona mulher, Gilda Queirós Mattoso, e do seu inseparável Toquinho (esse mesmo que os meus filhos descobriram encantados no Youtube a cantar “Aquarela”). Não assistiu ao regresso da democracia ao Brasil, em 1985, e muito menos à eleição do seu amigo sindicalista para Presidente da República, em 2002.

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II

Segunda-feira, 24 de Junho de 2013 • LUSOFONIAS

lusofonias

Os Sonetos de Vinicius de Moraes É

possível que as muitas iniciativas anunciadas, sobretudo no Brasil, para assinalar o centenário do nascimento de Vinicius de Moraes prefiram revisitar os seus espectáculos ao vivo, as suas canções saborosas e as suas muitas gravações da “Era do LP”, agora democratimente disponíveis através do incontornável Youtube e disseminadas pelas omnipresentes redes sociais entre blogs e facebooks. No entanto, uma verdadeira homenagem centenária acabará por se esvair incompleta caso não revisite, reedite e disponibilize universalmente a sua obra poética, um marco fundamental na moderna poesia em língua portuguesa. Muito mais do que as emoções espectaculares das canções mil de Vinicius, a sua produção poética representa um corpus clássico entretecido em lusotopias a revisitar em toda a sua extraordinária policromia plástica e ontológica. Porque do Ser, do Amor, do Viver, do Destino ou da Felicidade se trata nos poemas de Vinicius de Moraes. Paradoxalmente (ou talvez mesmo não), a constelação poética editada,

de

dita e tantas vezes cantada publicamente por Vinicius prefere uma forma clássica: o soneto. Desde “O Caminho para a Distância”, em 1933, poemas dos vinte anos anos incompletos, até à sua última “Antologia Poética”, de 1977, descobre-se uma fidelidade temática e estílistica, progressivamente mais criadora até abraçar uma espécie de mística panteísta celebrando a centralidade do amor e a instabilidade da paixão. Quando publicou a sua segunda obra poética aos vinte e dois anos, “Forma e Exegese” – recriando leituras de Rimbaud, Dostoiewski, Gide, Ibsen e vários outros – e, sobretudo, com o aparecimento em 1936 de “Ariana, a Mulher”, Vinicius de Moraes impôs-se publicamente como um grande poeta moderno, pela forma e estrutura da sua poesia, mas sem querer ser um modernista. A seguir, quando estampa os “Novos Poemas”, em 1938, o Poetinha liberta-se definitivamente dos temas oceânicos e paradisíacos de uma infância deslumbrada entre os pescadores de Guanabara. Passa a cultivar para sempre uma poesia pejada de cos-

Soneto Criação

Deus te fez numa fôrma pequenina  De uma argila bem doce e bem morena  Deu-te uns olhos minúsculos de china  Que parecem ter sempre um olhar de pena.  Banhou-te o corpo numa fonte fina  Entre os rubores de uma aurora amena  E por criar-te assim, leve e pequena  Soprou-te uma alma cálida e divina.  Tão formosa te fez, tão soberana  Que dar-te aos anjos por irmã queria  Mas ao plasmar-te a carne predileta  Deus, comovido, te criara humana  E para tua justa moradia  Atirou-te nos braços do poeta.

lusofonias

micidade, cantando a humanização mais íntima do amor pela mulher e da paixão dos sentidos, concretizando uma sintaxe poética que encontrava na modernização do soneto a sua forma plástica: os “Poemas, Sonetos e Baladas”, de 1946, são o paradigma deste género. Depois, a “Antologia Poética” de 1949, os “Novos Poemas II”, de 1959, e a sua derradeira compilação antológica, já distribuída em 1977, recriam coerentemente uma forma poética que, permanecendo formalmente clássica e lírica, rompera definitivamente com o pastiche da “Camoniana Brasileira” para destacar uma poética moderna, apaixonante, verdadeiramente sublime. A continuada preferência pelo soneto foi em Vinicius de Moraes um acto de coragem cultural e de independência intelectual, desafiando mesmo as autoridades referenciais do modernismo brasileiro. Recorde-se exemplarmente que, em 1950, numa célebre conferência proferida no Clube de Poesia de São Paulo, Jorge de Lima (1893-1953) – o político, físico, poeta, romancista e pintor seis vezes rejeita-

do pela Academia de Letras do Brasil – defendeu a recriação moderna das formas poéticas clássicas para elogiar os sonetos de Vinicius de Moraes. Oswald de Andrade (1890-1954) que assistia à palestra pediu a palavra indignado para zurzir contra o soneto os mesmos argumentos destruidores que o haviam celebrizado na famosa Semana de Arte Moderna de 1922, o ponto de partida histórico do primeiro modernismo brasileiro. Entre as críticas violentas que dirigiu ao soneto, a menos inofensiva contra os defensores do género clássico foi a de pretenderem aprisionar a poesia “em gaiola de OUYO” (o nome foi efectivamente gritado...). Não compreendeu Oswaldo de Andrade que se faziam sonetos, clássicos e dos mais sublimes em língua portuguesa, escritos por poetas modernos, mas em ruptura com o movimento modernista, de que o exemplo maior foi Vinicius de Moraes. Ou não serão os sonetos que se seguem uma admirável constelação de uma poesia moderna que, sem ser modernista, ganhou um lugar mais do que cintilante na literatura contemporânea em língua portuguesa?

Soneto da Devoção

Soneto de Fidelidade

Essa mulher que se arremessa, fria E lúbrica aos meus braços, e nos seios Me arrebata e me beija e balbucia Versos, votos de amor e nomes feios

De tudo, ao meu amor serei atento Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto Que mesmo em face do maior encanto Dele se encante mais meu pensamento.

Essa mulher, flor de melancolia Que se ri dos meus pálidos receios A única entre todas a quem dei Os carinhos que nunca a outra daria

Quero vivê-lo em cada vão momento E em seu louvor hei de espalhar meu canto E rir meu riso e derramar meu pranto Ao seu pesar ou seu contentamento.

Essa mulher que a cada amor proclama A miséria e a grandeza de quem ama E guarda a marca dos meus dentes nela

E assim, quando mais tarde me procure Quem sabe a morte, angústia de quem vive Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Essa mulher é um mundo ! — uma cadela Talvez. . . — mas na moldura de uma cama Nunca mulher nenhuma foi tão bela!

Eu possa me dizer do amor (que tive): Que não seja imortal posto que é chama Mas que seja infinito enquanto dure.

Epitáfio

Aqui jaz o Sol Que criou a aurora E deu luz ao dia E apascentou a tarde. O mágico pastor De mãos luminosas Que fecundou as rosas E as despetalou.

Aqui jaz o Sol O andrógino meigo E violento, que Possuiu a forma De todas as mulheres E morreu no mar.

LUSOFONIAS • Segunda-feira, 24 de Junho de 2013

III

Manuel Bandeira, Chico Buarque, Tom Jobim

e

Vinicius

Soneto da Separação

Poética

A Felicidade

De repente do riso fêz-se o pranto Silencioso e branco como a bruma E das bocas unidas fêz-se a espuma E das mãos espalmadas fêz-se o espanto.

De De De De

Tristeza não tem fim Felicidade sim

De repente da calma fêz-se o vento Que dos olhos desfez a última chama E da paixão fêz-se o pressentimento E do momento imóvel fêz-se o drama.

A oeste a morte Contra quem vivo Do sul cativo O este é meu norte.

De repente, não mais que de repente Fêz-se de triste o que se fêz amante E de sozinho o que se fêz contente

Outros que contem Passo por passo : Eu morro ontem

Fêz-se do amigo próximo o distante Fêz-se da vida uma aventura errante De repente, não mais que de repente.

Nasço amanhã Ando onde há espaço – Meu tempo é quando.

manhã escureço dia tardo tarde anoiteço noite ardo.

A

fechar, para que a visita à poesia de Vinicius de Moraes não se fique apenas pela leitura de alguns sonetos, assim libertando para sempre o Ouyo de Oswald de Andrade de toda e qualquer gaiola, não se pode deixar de reler um poema que o nosso Poetinha soube transformar num dos seus mais sentidos sucessos musicais: uma canção à Felicidade que é a nossa de podermos continuar a ler e ouvir Vinicius.

IV

Segunda-feira, 24 de Junho de 2013 • LUSOFONIAS

A felicidade é como a pluma Que o vento vai levando pelo ar Voa tão leve Mas tem a vida breve Precisa que haja vento sem parar A felicidade do pobre parece A grande ilusão do carnaval A gente trabalha o ano inteiro Por um momento de sonho Pra fazer a fantasia De rei ou de pirata ou jardineira Pra tudo se acabar na quarta-feira Tristeza não tem fim Felicidade sim A felicidade é como a gota De orvalho numa pétala de flor Brilha tranquila Depois de leve oscila E cai como uma lágrima de amor A felicidade é uma coisa boa E tão delicada também Tem flores e amores De todas as cores Tem ninhos de passarinhos Tudo de bom ela tem E é por ela ser assim tão delicada Que eu trato dela sempre muito bem Tristeza não tem fim Felicidade sim A minha felicidade está sonhando Nos olhos da minha namorada É como esta noite, passando, passando Em busca da madrugada Falem baixo, por favor Pra que ela acorde alegre com o dia Oferecendo beijos de amor

lusofo

Tom Jobim

e

Vinicius

de

Moraes

em

Brasília

“Obrigado, Portugal” Vinicius de Moraes

A

gentileza humana parece ter feito seu último reduto em Portugal. E quando eu falo em gentileza, dou-lhe quase a acepção medieval de amor cortês, de medida, de mesura. É um povo que não levanta a voz, e ninguém pense que por covardia, mas por uma boa educação instintiva e um senso de afetividade. Essa desagradável invenção moderna, o berro, não encontra forma vocal na garganta de um português. Hitler, Mussolini ou Lyndon Johnson jamais poderiam governar esse “jardim d’Europa à beira-mar plantado”, onde se fala baixo, ama-se com fervor e chora-se nas despedidas. Essa tristeza, de que nós brasileiros somos os novos legatários, tem uma ancestralidade que vem de muitas dominações, muita submissão forçada, muito fatalismo histórico e geográfico. Povo afeito às guerras - ainda hoje as mantém no Ultramar - parece ele sofrer de um silencioso heroísmo na paz, como se a Desgraça, essa invisível espada de Dâmocles lenta e diariamente forjada pelo Destino, pudesse a qualquer momento cair-lhe sobre a cabeça. Quase humilde no trato pessoal, logo verificará quem o conhecer melhor que não se trata de servilismo, e sim de uma necessidade de não fazer vibrar além do necessário os frágeis fios que suspendem imanentemente os Maus Fados sobre sua existência. E é talvez por esse motivo que seus bons fados também são tristes, sempre a carpir as penas do viver e do amar. Isto é tão mais curioso quanto, apesar de pobre e subdesenvolvido em sua grande maioria, o português é um povo saudável e de bom aspecto, com boa pele e dentes magníficos, bem certo fruto de uma alimentação mais adequada: nada como o brasileiro menos aquinhoado das regiões pobres do país, no geral malsão e banguela, além de irónico e desconfiado por mecanismo de descrença e autodefesa. A propalada “burrice” do português simples e iletrado nada mais é que uma forma sa-

onias

dia e vegetativa de ser (ou não ser, como queiram). Foi minha mulher quem matou a charada: “Eles não são burros”, disse-me ela. “Eles apenas desconhecem que têm inteligência.” E a decantada “esperteza” ou “inventiva” do pária brasileiro nada mais é que o antivírus da forma crônica da

ignorância e indigência em que vive, tendo que se virar mesmo de fato para não juntar os calcanhares. O pária brasileiro tem que lutar não só contra os indesejáveis cromossomos da desnutrição; a dor de dentes endêmica e a cachaça de má qualidade, até um tipo de ensino - e isso quando é muito afortunado - em que lhe baralham a cabeça com uma língua cheia de preconceitos semânticos e acentos desnecessários - isso porque há decênios os cartolas da linguística nas duas pátrias teimam em não simplificá-la, quem sabe para justificar a continuidade de seus jetons e sua dolce vita acadêmica. Eu confesso que depois desta minha última viagem, e de um contato intermitente de três meses

Vinicius

e

Jards Macale

com sua gente, Portugal seria o único país da Europa onde eu poderia viver fora do Brasil: com eventuais incursões à Itália. Que adiantam o superdesenvolvimento e a kultura (assim mesmo com k) de um povo, como dois ou três que eu conheço, se neles a relação humana torna-se cada dia mais difícil e indesejável diante de um outro tipo de ignorância bem mais perigoso a longo prazo, como esse da reserva e falta de diálogo; da submissão a preconceitos econômicos falsos na verdadeira escala de valores; do aburguesamento progressivo e da mesmificação do mais pessoal dos meios de comunicação, que é a linguagem? Que qualidade é mais a prezar no ser humano, se não for a gentileza, o gosto de conviver, a boa vontade em cooperar, em socorrer, em dar-se um pouco em tudo o que se faz, desde trabalhar a amar, desde comer a cantar, desde criar no plano intelectual a fazer no plano industrial ou agrícola? Obrigado, Portugal! No contato de tuas gentes, teus escritores e teus artistas, teus estudantes e teus simples - teu povinho das brancas aldeias! - eu senti que há ainda muito isso que cada dia mais falta ao mundo: carinho e sinceridade. Represados, talvez, nas latentes como o sangue sob a pele, e prontos a romper a crosta criada a duras penas, ao longo de um passado tão cheio de sacrifícios e infortúnios. Obrigado, Lisboa, terra tão boa, gente tão gente, casas tão casas, amigos tão como já não se encontra. Obrigado, Coimbra que me recebeste em tua Academia e em teu Convívio e que me puseste uma velha capa sobre os ombros. Obrigado, Porto, onde teus estudantes quiseram não me deixar trabalhar em boate, porque não sabem ainda que a poesia e a canção têm de estar em toda parte (mas obrigado pelo gesto, estudantes do Porto!). Obrigado, Óbidos, que pareces feita no céu, tão linda e pura como uma avozinha menina que ainda usasse flores silvestres na cabeça. Obrigado, Évora, mãe alentejana de Ouro Preto, cidade onde mais que nenhuma outra se sente o Brasil colonial, o Brasil do Aleijadinho, cidade perfeita de gentil austeridade. Obrigado, Monserraz, que, esta não quero ver nunca mais porque se a ela voltar nela hei de ficar, entre seus muros brancos e seus homens e mulheres do mais franco olhar. Obrigado, Portugal. Resta sempre uma esperança. Eu voltarei.” LUSOFONIAS • Segunda-feira, 24 de Junho de 2013

V

Economias... Reúne

estudos e análises sobre o desenvolvimento económico dos

Países

de

Língua Portuguesa

e a sua cooperação com a

República Popular

da

China

CHINA Presidente Guebuza com Xi Jinping

O

Presidente de Moçambique, Armando Guebuza, visitou a China no passado mês de Maio a convite do Presidente Xi Jinping. Herdeiros de uma relação fraterna que remonta aos primórdios do movimento de libertação anti-colonial em Moçambique, no Presidente de Moçambique Armando Guebuza com Xi Jinping princípio da década de 1960, os dois presidentes acordaram em ampliar a cooperação portes transcontinental, a que se somou o pedido de económica e comercial entre os dois países que, ac- ajuda bem mais concreto na construção de uma rede tualmente, se situa a níveis ainda modestos. Moçam- de universidades e escolas politécnicas capaz de cobique pretende encontrar entre empresas públicas e brir as necessidades de educação superior. Para além dos encontros mantidos com as autoriprivadas chinesas parte importante dos cerca de 10 dades presidenciais e governamentais em Pequim, biliões de dólares necessários para a concretização o Presidente Armando Guebuza participou na ceride uma série de projectos de desenvolvimento da mónia de abertura do Segundo Fórum Mundial de rede viária, linhas férreas e portos permitindo transCultura de Taihu, em Hangzhou, para depois reaformar o país em plataforma comercial e de trans-

224

milhões para

N

Segunda-feira, 24 de Junho de 2013 • LUSOFONIAS

ANGOLA

CABO VERDE infra-estruturas

o seguimento da 5ª Cimeira África/Japão (TICAD-V), concretizando a grande ofensiva económica, comercial e de cooperação japonesa em África, o primeiro ministro de Cabo Verde, José Maria das Neves, anunciou que a ajuda do Japão a Cabo Verde deve atingir 224 milhões de dólares americanos. Desta verba geral, 160 milhões de dólares dirigem-se ao financiamento de um importante projecto de dessalinização, armazenamento e transporte da água para toda a ilha de Santiago, na qual, recorde-se, vive mais de 56% da população do arquipélago. Os restantes 64 milhões de dólares visam apoiar um grande projecto de distribuição de energia eléctrica em seis ilhas cabo-verdianas: Santiago, São Vicente, Sal, Fogo, Maio e Santo Antão. Para além destes apoios estatais, o primeiro ministro de Cabo Verde reuniu com a empresa japonesa Japan Tune que, ligada às pescas, pretende aumentar os investimentos na ilha de São Vicente, contribuindo para a construção no Mindelo de um grande centro logístico de suporte da crescente frota pesqueira japonesa no Atlântico. Depois dos acordos de financiamento e cooperação estabelecidos com sucesso com a China, Singapura e Turquia, os anunciados investimentos japoneses contribuem para ampliar a diversificação das relações económicas externas de Cabo-Verde, assim limitando a excessiva dependência de um único parceiro ou região económicos. Ao mesmo tempo, estes acordos entre Cabo-Verde e o Japão colaboram para esclarecer o crescente interesse das grandes economias asiáticas pelos diferentes recursos naturais africanos, pelo que o largo crescimento da presença da China no continente é agora acompanhado por uma cada vez maior ofensiva comercial e de cooperação também do Japão, da Índia e da Coreia do Sul, a que se somam o aparecimento dos primeiros investimentos e parcerias importantes de Singapura, da Malásia e da Indonésia em África. Uma transformação a seguir com atenção.

VI

lizar uma importante visita de contactos económicos em Xangai. Procurando atrair o empresariado da grande megapólis chinesa para investir mais decididamente no desenvolvimento económico em curso em Moçambique, destacou-se em termos concretos o encontro mantido com o Grupo Kingho. O seu presidente do Conselho de Administração, Qing Huahuo, revelou que está interessado em investir em Moçambique na exploração do carvão mineral de Moatize, em Tete, bem como na construção de mais um porto na baía de Sofala e uma linha férrea ligando esta futura infra-estrutura portuária àquela região mineira. Os contactos do Presidente Armando Guebuza em Xangai revelam a importância de se compreender cabalmente as múltiplas escalas em que se tem vindo a desdobrar o processo de globalização. Com efeito, escalas sub-nacionais formadas por zonas metropolitanas e grandes cidades em rápido crescimento económico e desenvolvimento tecnológico, como é o caso evidente de Xangai, oferecem oportunidades imperdíveis de atracçáo de investidores e formas de cooperação económica em que se mobilizam tanto autoridades regionais e municipais como grupos empresarias que ganharam dimensão global.

Mais

reservas em moeda estrangeira

E

m intervenção realizada no Fórum do Sector Produtivo e Empresarial do Kwanza Sul, o Ministro da Economia de Angola, Abrahão Gourgel, anunciou que o país acumulou reservas em moeda estrangeira que permitem cobrir praticamente oito meses de importações. Em termos seriais, o responsável angolano recordou que estas reservas se situavam no final de 2009, no auge do impacto da crise financeira internacional, em 14,6 mil milhões de euros, chegando agora, no final de Abril deste ano, a 26,9 mil milhões de euros, o que representa cerca de um terço do PIB de Angola. O ministro destacou ainda o progresso na estruturação de um modelo de desenvolvimento sustentável para o qual a queda em 2012 da inflacção para um dígito, ficando abaixo dos 10%, representa um dado também psicológico relevante, a par com a classificação de risco ao nível BB- unanimemente atribuída pelas três principais agências de rating soberano. No entanto, o Ministro da Economia sublinhou a dimensão menos positiva de um crescimento económico que continua excessivamente dependente dos produtos petrolíferos, lembrando que mais de 97% das exportações angolanas são de petróleo bruto, 2% fazem-se de diamantes, participando outros recursos minerais, agrícolas e industriais numa percentagem quase residual. Adiantou, por isso, Abrahão Gourgel, que “também aqui o objetivo é a diversificação. No caso do sector petrolífero, aumentar o valor acrescentado das exportações e o início das exportações de gás natural. Nos demais produtos, especialmente em sectores minerais e de recursos naturais, pretende-se um mais amplo aproveitamento das nossas vantagens comparativas de custos no contexto internacional”.

lusofonias

China

BRASIL

Presidente

vai aumentar importações

A

produção doméstica da PETROBRAS em óleo e gás natural aumentou para 1.924 milhões de barris por dia, quando se anuncia o início das operações de extracção de crude na nova plataforma da bacia de Santos. Recorde-se que a Bacia de Santos, localizada na plataforma continental brasileira entre a Bacia de Campos, a norte, e a Bacia de Pelotas, a sul, alargando-se, assim, desde o litoral sul do Estado do Rio de Janeiro até ao norte do Estado de Santa Catarina, abrange uma área de 352 mil quilómetros quadrados. Desde 2007, a Petrobras identificou enormes acumulações de petróleo e gás natural em águas profundas sob uma espessa camada de sal, apresentando volumes recuperáveis entre 5 a 8 biliões de barris de petróleo de boa qualidade associados a gás natural. A seguir, no final de 2010, a área de Tupi e Iracema foi declarada viável economicamente: a área exploratória de Tupi passou a designar-se Campo de Lula e Iracema passou a se chamar-se Campo de Cernambi . Desde Agosto de 2012, o campo piloto de Lula começou a produzir 95 mil barris por dia. A bacia de Santos vai, assim, significar a segunda área extractiva mais importante do Brasil, contribuindo para transformar o país num dos grandes exportadores de petróleo globais. Trata-se de um desenvolvimento que irá certamente concorrer para aumentar as transacções comerciais com a China, cujas importações do Brasil são dominadas a 79% por produtos petrolíferos, minerais e soja. Neste último caso, a República Popular da China anunciou oficialmente a aprovação de três variedades transgénicas do Brasil, o que contribuirá para um aumento exponencial das importações chinesas nesta área.

PORTUGAL Dilma em Lisboa

A

rápida visita de dois dias, entre 10 e 11 de Junho, da Presidente do Brasil, Dilma Rousseff, a Portugal concretizou apenas a assinatura de três acordos formais. A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES), do Brasil, e o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), assinaram um acordo “com vista à equivalência, reconhecimento e revalidação dos graus e títulos académicos nas áreas de Arquitectura e das Engenharias”, em nível de graduação. O acordo de cooperação atende a uma reclamação constante da parte portuguesa cujo Governo vinha reclamando a sua assinatura, após a falta de aplicação de entendimento entre entidades universitárias dos dois países sobre o tema, assinado em Agosto do ano passado. Dilma Rousseff esteve reunida com Cavaco Silva no Palácio de Belém, tendo os dois Presidentes, no final do encontro, feito um comunicado conjunto à imprensa, no qual Dilma Rousseff agradeceu o empenho de Portugal à eleição do embaixador brasileiro Roberto Carvalho de Azevêdo, de 53 anos, para a direcção-geral da Organização Mundial do Comércio. Dilma destacou ainda a cooperação dos dois países na área de educação e de ciênmpliando a sua cooperação na Guiné-Bissau, cia e tecnologia, dando como exemplo, além largamente centrada na construção de infra-esdo memorando que garante a presença de truturas e grandes edifícios governamentais, a China brasileiros no Centro de Inovação em Biotecanunciou que vai construir o Palácio da Justiça do país nologia de Cantanhede, perto de Coimbra, lusófono até finais de 2014. Orçado em cerca de 11 o acordo para que pesquisadores brasileiros milhões de euros, o edifício é uma importante contritenham acesso ao laboratório de nanotecnoCentro de Formação do Fórum de Macau concluiu buição para a estabilização das estruturas da justiça na logia da cidade de Braga. “Esses dois eventos através da Faculdade da Educação Contínua da UniGuiné-Bissau, como sublinhou o presidente do Supremo são exemplos concretos do patamar de reversidade da Cidade de Macau (mais conhecida simplesTribunal de Justiça guineense, Paulo Sanhá que, juntalacionamento na área de educação”, declamente por City) um “Colóquio de Turismo e Indústria mente com o Procurador-Geral, Adbu Mané, assinaram rou. Numa reunião de uma hora com Cavaco de Convenções e Exposições para os Países de Língua o importante acordo com os representantes da China. Silva, Dilma Rousseff disse ter expressado o Portuguesa”. O colóquio-curso de formação reuniu 28 O Palácio, a ser erguido de raiz na zona de Brá, na peri“desejo de que estejam mais próximos os participantes provenientes das autoridades, profissioferia de Bissau, num terreno situado ao lado da embaimomentos que vão levar a uma retomada do nais e técnicos dos serviços de turismo e da indústria de xada de Angola e do Palácio do Governo, também conscrescimento e, portanto, da melhoria da siconvenções e exposições de Angola, Brasil, Cabo Verde, truído pela China, deverá ter quatro blocos onde vão tuação para as populações europeias”. Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e Timor-Leste, asfuncionar a Procuradoria-Geral, o Supremo Tribunal de Cavaco Silva, por seu turno, salientou que sim como da China e de Macau. Desde a sua inauguraJustiça, o Tribunal de Contas e o Tribunal Administratia cooperação entre Brasil e Portugal “pode ção, a 30 de Março de 2011, o centro de formação do vo. O ministro da Justiça guineense destacou, por isso, estender-se a todos os domínios”. O preFórum de Macau tem sido elemento relevante na troca que se trata de “um grande projeto para a construção sidente português também fez questão de de experiências e de cursos especializados entre Macau, de uma cidade judiciária”, com a qual a Guiné-Bissau incentivar investimentos brasileiros e disa China e os Países de Língua Portuguesa, esperando-se terá um palácio que “honrará o poder judicial”. O mise desejar que a viagem de Dilma Rousseff que esta actividade possa prosseguir qualificadamente nistro lembrou que, com a construção do Palácio da “contribua para alertar os empresários braem áreas fundamentais também da economia, das soJustiça, a China completará todos os órgãos de sobesileiros para as potencialidades de Portuciedades e das culturas das lusofonias. rania, uma vez que construiu o Palácio do Governo e o gal”. Mais uma vez, Cavaco Silva veio a púPalácio da República danificado durante a guerra civil blico manifestar apoio à pretensão brasileide 1998/99, mas que ainda não foi entregue às autoridades guineenses. O reprera de ocupar uma vaga permanente no Conselho de Segurança da Organização sentante do governo chinês no acto de assinatura do acordo para a construção do das Nações Unidas e ao estabelecimento de um acordo de livre comércio entre Palácio da Justiça, Yuan Wei, disse que o seu país pretende ver reforçados os laços a União Europeia e o Mercosul, temas muito caros aos dirigentes brasileiros. de amizade com a Guiné-Bissau, país que espera venha a ter uma estabilidade duradoura. Entre as obras emblemáticas na Guiné-Bissau construídas pela China destacam-se também a Assembleia Nacional, o Estádio Nacional, o Hospital Militar de Bissau e o principal hospital da zona norte do país, situado em Canchungo.

GUINÉ-BISSAU China constrói Palácio da Justiça

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MACAU

Apoio ao turismo lusófono

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TIMOR LESTE Xanana nas Filipinas

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primeiro ministro de Timor Leste, Xanana Gusmão, à frente de larga comitiva governamental, acaba de concluir a sua importante visita às Filipinas, parte de um périplo pelo Sudeste Asiático destinado a granjear apoios para a entrada formal do país na ASEAN. Para além deste aspecto político, a visita ficou marcada pelo interesse de Timor-Leste em poder passar a ser fornecedor de petróleo às Filipinas. O primeiro ministro timorense recordou que a Companhia Petrolífera de Timor Leste associada a parceiros italianos e japoneses conseguiu assegurar 24% da futura exploração de petróleo e gás numa área marítima a 240km de Díli e a 500Km de Darwin, na Austrália. Prevê-se que esta exploração possa valer cerca de 11,7 biliões de dólares, contribuindo para os projectos em andamento de construção na zona de Suai de complexo de refinação em solo timorense. O primeiro ministro timorense pretende divulgar estes projectos junto dos países do Sudeste Asiático, entre os quais vários procuram os recursos minerais indispensáveis para o seu desenvolvimento económico e industrial. Deste modo, a economia liga-se ao político-diplomático para tentar assegurar a muita procurada entrada de Timor-Leste na ASEAN que, a concretizar-se, permitirá através deste país lusófono a especialização de uma ponte de contactos importantes com uma área económica emergente do mundo.

lusofonias

LUSOFONIAS • Segunda-feira, 24 de Junho de 2013

VII

Publica

textos de estudo e opinião sobre a diversidade cultural das Lusofonias

Todos sabemos o que está ainda por cumprir do vaticínio que o poeta Jorge de Sena atribuiu a Luís de Camões, e que dizia o seguinte: “que da ilha rasgada pela história uma única ilha se fizesse, sem separação de miséria e de luxo, onde todos de igual modo pudessem da felicidade fazer morada”

Ideias

Mia Couto*

Celebrar o que há ainda por fazer S

empre pensei que, em ocasiões como esta, se deve fugir ao estereótipo dos agradecimentos e dedicatórias. Os prémios não se dedicam, partilham-se. E aqui nesta sala estão algumas das pessoas que partilham comigo esta distinção: a minha mãe, Maria de Jesus; a Patrícia, minha mulher; os meus filhos, Mário, Luciana e Rita. Estão aqui familiares e amigos que representam o universo dos afectos com quem, dentro e fora de Moçambique, fui tecendo a minha obra. Está aqui o meu editor desde o primeiro momento, o Zeferino Coelho, que se ocupou em que eu não me ocupasse em outras coisas e me concentrasse naquilo que eram os prazeres do labor da escrita. Todos estes familiares e amigos são co-autores dos meus livros. Mas há alguém com quem quero partilhar especialmente este momento que é o meu pai, Fernando Couto. Foi ele que me ensinou não apenas a escrever poemas, mas a viver em poesia. Este prémio pertence a esse sentimento do mundo que ele me legou como uma sombra que resta mesmo depois de tombar a última árvore. Partilho, finalmente, este momento com a gente anónima de Moçambique, essa multidão que fabrica a nação viva e sonhadora que venho celebrando desde há mais de trinta anos. Parte dos moçambicanos que, junto comigo, assinam os meus livros não sabem escrever. Muitos não sabem sequer falar português, mas guardam no seu quotidiano uma dimensão mágica e poética do mundo que ilumina a minha escrita e que encanta a minha existência. Toda esta nação de gente tão diversa faz-se aqui representar pelo embaixador de Moçambique, o meu compatriota Jacob Jeremias Nyambir, a quem eu saúdo especialmente, e também como companheiro da luta de libertação nacional pela independência de Moçambique. Caros amigos, esta cerimónia poderia também ocor-

rer na ilha de Moçambique onde Luís Vaz de Camões viveu durante dois anos. Ali, o poeta morou pobre, desamparado e sem amigos. Ali, em solo moçambicano, o poeta fez a última revisão de “Os Lusíadas”. Dois anos é muito tempo para alguém que apenas sabia viver em paixão. Talvez ali, ele tivesse encontrado amores desses que ele chamava de “amores capazes de fazerem do amador a coisa amada”. Pode ser que, nas praias do Índico, vivam hoje moçambicanos que trazem no seu sangue o sangue do poeta português. Pode ser, enfim, que outras imortalidades mais mortais e mundanas se juntem ao nome de Luís Vaz de Camões. Nunca o saberemos, como nunca saberemos nunca as mais de mil possíveis leituras do nosso destino comum. Não fosse a intervenção de um amigo, que curiosamente se chamava Couto, talvez Camões tivesse ficado para sempre naquele exílio africano. Foi Diogo do Couto que lhe pagou a passagem de regresso a Lisboa. Não tivesse sido assim, e aconteceria com ele aquilo que, séculos depois, sucedeu com o poeta luso-brasileiro António Tomás Gonzaga que viveu, amou e ficou sepultado na mesma ilha de Moçambique. Não fosse a fugaz casualidade de uma visita de um amigo, poderíamos não ter hoje a grande obra épica lusitana. Aqui faço uma confissão, uma espécie de um parêntesis: que esta exaltação de alguém que, afinal, é um improvável parente meu, de um Couto, se destina apenas a puxar lustro a este clã dos Coutos num mundo em que ter família conta tanto como no tempo de Camões “Os Lusíadas” não teriam igualmente sobrevivido se tivessem suscitado um parecer desfavorável da censura da Inquisição que estava acima da decisão do rei de Portugal. O censor do Santo Ofício licenciou a edição do livro, mas teve ainda algumas reservas por

causa da referência que o poeta fazia aos deuses da chamada gente pagã. O censor acabou por ceder pela razão que passo a citar: “fica, porém, sempre salva a verdade da nossa santa fé pois que todos os deuses dos gentios são demónios”. Estamos longe desses tempos, mas não sei se estamos tão afastados dos desconhecimentos, preconceitos e medos sobre os outros, e sobre os deuses que esses outros se sonham. Não temos a censura da inquisição, mas temos outras censuras sem nome, que nos patrulham o pensamento e nos domesticam a ousadia da mudança, essa mudança que Camões tanto cantou como sendo a substância da vida e do tempo. Falei da Ilha de Moçambique enquanto metáfora desta constelação de nações que falam Português, mas que não são faladas de igual maneira por esse idioma. Esquecemos por vezes que essas nações integram povos que falam outras línguas, que vivem outras culturas e outros deuses. Somos, enfim, produto de uma história que se fez só por metade. Da narrativa do nosso passado faltam a voz e o rosto dos que, afastados da escrita, não puderam registrar outras versões dos nossos encontros e desencontros. Talvez os escritores de hoje possam resgatar as vozes que ficaram esquecidas e ocultas. Todos sabemos o que está ainda por cumprir do vaticínio que o poeta Jorge de Sena atribuiu a Luís de Camões, e que dizia o seguinte: “que da ilha rasgada pela história uma única ilha se fizesse, sem separação de miséria e de luxo, onde todos de igual modo pudessem da felicidade fazer morada”. Pensamos que um prémio serve para celebrar o que já fizemos. Prefiro pensar que se trata de celebrar o que há ainda por fazer, e quanto nos falta realizar a todos nós para que seja mais viva e mais verdadeira esta família que celebramos na nossa língua comum. *Discurso do escritor moçambicano na cerimónia solene de aceitação do Prémio Camões-2013

Os Heróis

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á muito que se discute se um herói é mesmo herói, ou se é herói para toda a gente. Há aqueles que são heróis para uns e vilões para outros. Há os que são fabricados pelas circunstâncias e os que são impostos de fora. Mas há também os que se põem a jeito, os que se fazem. E correm muito para parecer. Por estes dias estamos a assistir ao surgimento de novos heróis, à força. E o momento parece propício. Há holofotes acesos. Então temos manifestantes genuínos, ou seja, gente comprometida com causas (não se julga aqui o seu mérito). Gente com ideias e que acredita nelas. Que quer vê-las vencer. Temos também os que se deixam levar pela onda, embarcam e vão indo, muitas vezes protagonizando actos “heróicos”.

VIII

Luís Fernando* Fala-se aqui da sempre inconformada juventude, quer os jovens que que-

Segunda-feira, 24 de Junho de 2013 • LUSOFONIAS

rem virar tudo do avesso, como dos que querem revolucionar melhorando as coisas estabelecidas. A isso também tem que se chamar progresso. Há depois os heróis de ocasião, ou forçados. Então temos gente incompetente que aproveita bem as luzes, que sai de casa sem nada saber e volta heróica. Nem sempre o heroísmo é fruto de uma acção de despreocupada dádiva aos outros, à humanidade. Há heróis calculistas, dos que repetem sem parar frases que não lhes pertencem e nunca citam os seus autores. Os que convocam a imprensa antes de se fazerem ao jogo. Há gente que quer ser famosa remando contra, e gritando bem alto. Há os que de convicção apenas têm a de serem conhecidos, famosos, ainda que dizendo

barbaridades, insultando, instigando, porque há gente que apoia quem grite. Basta gritar, basta insultar. Corremos o risco de termos no futuro a governar as nossas empresas e o nosso país pessoas completamente incompetentes - funcional, técnica e socialmente -, apenas porque souberam colocar-se debaixo do feixe de luz e recitar o que os outros disseram antes. Está na moda querer ser herói. E o pior é que há gente disposta a financiar e a aplaudir. Ai de nós se não nos acautelarmos de alguns heróis de bolso que se vão forjando por aí. Ai de algumas organizações que os vão promovendo… mas para estas tanto faz, há que justificar o próximo pedido de financiamento. *Director-Geral do semanário “O País” de Angola

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