Violência de gênero contra as mulheres com HIV/ Aids: aprimorando as respostas no Brasil

June 4, 2017 | Autor: Fernanda Lopes | Categoria: Public policies, Saude Coletiva
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Saúde Coletiva ISSN: 1806-3365 [email protected] Editorial Bolina Brasil

Villela, Wilza; Lopes, Fernanda; Nilo, Alessandra Violência de gênero contra as mulheres com HIV/ Aids: aprimorando as respostas no Brasil Saúde Coletiva, vol. 4, núm. 18, bimestral, 2007, pp. 178-182 Editorial Bolina São Paulo, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=84218405

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Violência de gênero contra as mulheres com HIV/ Aids: aprimorando as respostas no Brasil Este artigo busca discutir as articulações entre violência de gênero contra as mulheres e a epidemia do HIV/Aids no Brasil, a partir de pesquisa-ação realizado por GESTOS/PE com mulheres portadoras de HIV que têm história de violência física, sexual ou psicológica por conhecidos ao longo da vida. A análise das entrevistas mostra que as relações entre Aids e violência são complexas e organizam-se através de uma teia de mútua determinação. Neste sentido, as políticas de enfrentamento do HIV devem buscar incidir tanto sobre comportamentos individuais e práticas dos serviços de saúde quanto os determinantes estruturais, institucionais e interpessoais da violência. Descritores: Violência, Gênero, HIV/Aids, Políticas públicas. This article aims to discuss the articulations between gender based violence against women and the HIV/Aids epidemic, in Brazil, based on a qualitative study carried by GESTOS/PE with HIV positive women that had histories of physical, sexual or psychological violence in their lives. The analysis of the interviews shows that the relations between AIDS and violence are complex and organized through a set of mutual determination. In this sense, the politics of facing the HIV epidemic must focus on both individual behavior, health services and the structural, institutional and interpersonal determinants of the violence. Descriptors: Violence, Gender, HIV/Aids, Public policies. Este artículo describe las articulaciones entre violéncia de género contra las mujeres y la epidemia de HIV/Aids, en el Brasil. Es una investigación-acción hecho por el GESTOS/PE con mujeres HIV positivas con historia de violencia física, sexual o psicológica en sus vidas. El análisis de las entrevistas muestra que las relaciones entre la Aids y violéncia son complejas y se organizan a través de un juego de determinación mutua. En este sentido, las políticas de enfrentamiento de la epidemia del HIV deben tener foco en la conducta individual, como en las prácticas de los servicios de salud, y también a cerca de los determinantes estructurales, institucionales e interpersonales de la violéncia. Descriptores: Violéncia, Género, HIV/Aids, Políticas públicas.

Wilza Villela

Médica. Doutora em Medicina Preventiva. Docente do Programa de Pós Graduação em Promoção da Saúde da Universidade de Franca. Coordenadora do GT Gênero e Saúde da ABRASCO-Associação Brasileira de Pós Graduação em Saúde Coletiva. [email protected]

Fernanda Lopes

Bióloga. Doutora em Saúde Pública. Representante para HIV/Aids do Fundo de População das Nações Unidas, escritório Brasil.

Alessandra Nilo

Comunicadora Social. Coordenadora do Gestos – Soropositividade, Comunicação e Gênero, Recife, Pernambuco. Recebido: 05/10/2007 Aprovado: 11/11/2007

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do status de cidadania das mulheres também se traduz pelo INTRODUÇÃO enfoque nos cuidados materno infantis, onde a prioridade, termo “violência de gênero contra as mulheres” indica na prática, é dada à criança, e pela falta do diagnóstico da um conjunto de situações impostas às mulheres simplesviolência como causa importante de queixas e de problemas mente pelo fato de serem mulheres. Estas situações incluem de saúde das mulheres 5. diferentes atos que resultam, ou podem resultar, em danos A epidemia do HIV/Aids é outro agravo à saúde que se ou sofrimentos físicos, mentais, morais ou sexuais à muexpande na esteira da subalternidade feminina. É bastanlher, ameaças de tais atos, coerção ou privação arbitrária te documentado o fato de que muitas mulheres estabelede liberdade em público ou na vida privada, castigos, maus cem relações de dependência com homens para garantir a tratos, pornografia, agressão sexual e incesto 1. A origem e sobrevivência própria e de seus filhos – seja por meio do justificativa social da violência de gênero está relacionadas casamento ou da venda de sexo, o que as obriga a aceitar à complexa dinâmica de poder entre homens e mulheres, facondições impostas pelo parceiro, como a prática do sexo zendo parte desta dinâmica a reiterada desqualificação das desprotegido, a múltipla parceria, e mesmo, atos de violênmulheres e a exacerbação de comportamentos baseados em cia. Do mesmo modo, têm sido reiteradamente denunciaestereótipos de gênero pelos homens, como meio de enfrendas as diversas violências de que as mulheres com HIV são tar as tensões e exigências do cotidiano2. objetos, tanto por parte da família, que as discrimina ou A violência de gênero contra as mulheres pode ser entenpassa a questionar seus comportamentos, quanto dos servidida como uma situação-limite, onde as qualidades humaços de saúde, que nem sempre conseguem manter o sigilo nas e de alteridade são recusadas às mulheres, podendo o e realizar o acolhimento necessário, ou mesmo pela falta ato de violência ser entendido como a relação de um sujeito de políticas específicas voltadas para a sua saúde sexual e com ele próprio, onde o outro não é mais considerado como reprodutiva 6. um sujeito, e sim, como objeto da raiva, do sentimento de Sendo a subalternidade feminina uma expressão da vioimpotência e do impulso agressivo. lência de gênero contra as mulheres, já está dado, em um A violência de gênero contra as mulheres não ocorre âmbito mais geral, um apenas no âmbito das primeiro nexo entre relações interpessoais. essa e a epidemia do As instituições também “A VIOLÊNCIA DE GÊNERO CONTRA AS MULHERES PODE HIV/ Aids. De fato, a dão suporte e reproduSER ENTENDIDA COMO UMA SITUAÇÃO-LIMITE, ONDE AS infecção pelo HIV em zem processos nos quais QUALIDADES HUMANAS E DE ALTERIDADE SÃO RECUSADAS ÀS mulheres pode ser enas mulheres também tendida como uma das não são valorizadas e MULHERES, PODENDO O ATO DE VIOLÊNCIA SER ENTENDIDO conseqüências da vioou consideradas sujeiCOMO A RELAÇÃO DE UM SUJEITO COM ELE PRÓPRIO, ONDE O lência, seja na dimentos de direitos no mesOUTRO NÃO É MAIS CONSIDERADO COMO UM SUJEITO, E SIM, são interpessoal, instimo patamar que os hotucional ou estrutural. mens. Do mesmo modo, COMO OBJETO DA RAIVA, DO SENTIMENTO DE IMPOTÊNCIA E No entanto, ainda são as estruturas políticas e DO IMPULSO AGRESSIVO” poucos os estudos que sociais se organizam de buscam descrever com modo a manter os primaior detalhe os movilégios masculinos. O dos como as diferentes formas de violência se articulam na diferencial de salários entre homens e mulheres que execonstrução da vulnerabilidade das mulheres ao HIV, como cutam funções semelhantes e têm as mesmas qualificações também são escassos os estudos brasileiros que analisam profissionais é o exemplo mais evidente da desvalorização como o fato de uma mulher ser portadora do HIV intensifica social das mulheres 3. as práticas de violência contra ela. Embora a violência de gênero contra as mulheres tenha a Este artigo aborda a pesquisa realizada por Gestos, ONG sua face mais imediatamente visível no âmbito das relações situada na cidade de Recife, Pernambuco, envolvendo muinterpessoais, esta representa a conseqüência limite ou palheres portadoras de HIV que sofrem violência. radigmática da dominação masculina, entendida não como a dominação de um homem em particular sobre uma mulher METODOLOGIA específica, mas como uma estrutura social complexa, que O trabalho realizado por Gestos se alinha com as práticas de situa as mulheres em uma condição socialmente inferior, produção de conhecimento denominada “pesquisa-ação”. independente do que ocorre nas suas relações interpessoais Nesta estratégia metodológica existe um profundo envolvipróximas 1. mento entre pesquisador e pesquisado, não havendo a figura Esta condição de inferioridade social tem importantes imde um observador que vai conhecer um fenômeno, arbitraria pactos sobre a saúde, sejam diretos, como no caso em que a e artificialmente considerado como estático e passivo diante submissão da mulher ao homem a impede de exigir o uso do dos seus olhos. O que existe são realidades dinâmicas, onde preservativo, por exemplo, ou indiretos, como o ocorrência pesquisador e pesquisado interagem para construir um code agravos relacionados à prática do sexo, decorrentes da nhecimento imediatamente útil na transformação das suas presunção de que a sexualidade é uma prerrogativa masvidas. culina “instintiva”, e que assim não haveria necessidade de Ao longo de dois anos (2004-2006), o Gestos tem receeducação sexual para as meninas ou para os meninos. bido para tratamento psicológico mulheres com HIV, cujo Em termos das práticas de saúde, o não reconhecimento

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reconhecimento e encaminhamento para a instituição não se podem ser sintetizadas com uma descrição do entrecruzadá por meio dos serviços de saúde, mas por meio de serviços mento de situações de liminaridade que as expõe, simultâde apoio social a crianças, mulheres ou famílias envolvidas nea e reciprocamente, ao HIV e à violência como refere uma das entrevistadas: “falar em situações de violência. da violência geralmente Essas mulheres chegam a “AO LONGO DE DOIS ANOS (2004-2006), O GESTOS é uma coisa tão compliGestos com duas marcas: o cada, você convive mais TEM RECEBIDO PARA TRATAMENTO PSICOLÓGICO HIV nos seus corpos, a viocom ela do que você goslência nas suas vidas, como MULHERES COM HIV CUJO RECONHECIMENTO E taria..” vítimas, autoras ou sobreviENCAMINHAMENTO PARA A INSTITUIÇÃO NÃO SE DÁ De fato, para muitas ventes. O trabalho realizado na POR MEIO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE, MAS POR MEIO DE mulheres, a convivência com a violência está instituição pretende recomSERVIÇOS DE APOIO SOCIAL A CRIANÇAS, MULHERES inscrita nas suas histópor identidades e reconstruir OU FAMÍLIAS ENVOLVIDAS EM SITUAÇÕES DE rias, uma violência que histórias de vida, de modo a que o HIV e a violência deiVIOLÊNCIA. ESSAS MULHERES CHEGAM A GESTOS COM inclui tanto a violação corpo, e a violação xem de ser os eixos centrais DUAS MARCAS: O HIV NOS SEUS CORPOS, A VIOLÊNCIA do de sentido de proteção de uma vida que se move NAS SUAS VIDAS, COMO VÍTIMAS, AUTORAS OU e afeto que toda criança circularmente no seu ennecessita para aprender torno, para passar a ser um SOBREVIVENTES” a proteger-se também. O momento, episódio ou exfragmento que se segue, periência ao lado de outras escolhido ao acaso denpossíveis. As entrevistadas tiveram protegidos os seus direitos e fo- tre vários semelhantes, ilustra o que está sendo dito: “a miram informadas, com posterior consentimento, de acordo nha infância foi meio difícil. A minha mãe me largou e meu pai. Ai fui morar com meu pai. A minha madrasta me tratou com a Lei 196/96. muito mal. Maltratava-me, espancava e me batia. Ai minha mãe foi me buscar. Só que ela morava com um homem que RESULTADOS era alcoólatra. O homem bebia e botava todo mundo pra As mulheres e suas vidas As reflexões aqui apresentadas têm como mote as histórias correr dentro de casa... às vezes a gente dormia na rua“. Neste contexto de desproteção, o diagnóstico do HIV, emde vida de 26 mulheres que usam os serviços de Gestos, coletadas a partir de entrevistas realizadas especificamente bora assuste pelo que sinaliza como possibilidade de maior para este fim. As mulheres que deram seus depoimentos têm discriminação, também aparece, para muitas, apenas como entre 25 e 50 anos de idade, autodefinem-se predominante- mais uma das vicissitudes de uma vida desde sempre atribumente como brancas ou pardas, têm, em média, três filhos ou lada. “Eu não me espantei muito não. Porque eu queria que mais, e não estão inseridas no mercado formal de trabalho. Todas nascidas pobres, com dificuldade de se manter na es- Deus descobrisse e me dissesse logo o que era que estava me matando. Aí eu descobri que estava com HIV. Eu não conto cola, pouco capacitadas para o mercado de trabalho. À exceção de três, todas as demais referem experiência de meu problema. E se souberem que eu estou com isso, vão violência ou maltrato na infância, incluindo violação sexual dizer que eu sai com homem, sai com isso, aquilo outro...“ Desproteção, solidão, desesperança. Marcas deixadas e espancamento, humilhação e trabalho forçado. Quase todas abandonam a casa dos pais ainda na ado- pelo crivo da violência vivida, aguçadas pela violência da lescência para escapar desta situação, e uma parcela signi- discriminação sofrida pelo HIV, produzidas, ambas, nas fímficativa se envolve com o comércio sexual e com o uso de brias de uma relação social injusta entre homens e mulheres, substâncias quando vivendo em situação de rua. A gravidez que, embora penalize a ambos, adquire contornos específiocorre precocemente, e apenas com duas das entrevistadas cos quando se trata de mulheres, dada a transcendência da esta gravidez se dá dentro de uma relação formal e estável. desigualdade de gênero. As famílias de origem sejam violentas ou não, assumem um papel crucial na criação dos filhos, e muitos são criados pe- INTERPRETANDO A REALIDADE las avós. O diagnóstico da infecção pelo HIV surpreende e O que foi mostrado aponta para uma relação complexa entre desespera, como se a luta cotidiana pela sobrevivência não violência e infecção pelo HIV, onde a complexidade é dada, desse tempo para pensar nos riscos. Ou se os riscos fossem em parte, pelo fato de existir uma crença profundamente arminimizados pela necessidade de garantir algum abrigo, al- raigada no imaginário social de que a sexualidade e a resguma atenção, algum amor... Após a surpresa do diagnóstico, posta agressiva são comportamentos privados e “naturais”, o medo de revelar. E são os inúmeros relatos de humilhações como remanescentes humanos de instintos animais, sendo, e preconceitos vividos em função da soropositividade. Para portanto, refratários a práticas que evocam prioritariamente algumas, as exigências do tratamento terminam por impor a cognição 7. certa disciplina e ordem na vida. Para outras, esta disciplina Outra dificuldade reside no fato de que, embora as cone ordem também vêem e são vividas como violência, o que seqüências da violência e da infecção pelo HIV recaiam foracompanha tristeza e solidão. temente sobre o setor saúde, a sua dinâmica de produção, ao Vidas singulares de pessoas singulares que, no entanto, envolver mais dimensões sócio-culturais que propriamente

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biológicas, foge, de alguma forma ao que é mais usualmente magnitudes distintas, teriam um grande potencial de enfrenabordado pelo setor saúde. Isto exigiria intervenções de fato tamento da díade HIV - violência de gênero contra as muintersetoriais e interdisciplinares, o que não é uma prátilheres no Brasil, a saber: ca comum ou fácil de ser concretizada. Ao mesmo tempo, - Garantir a implementação da Lei Maria da Penha, que exige uma teorização sobre o fenômeno que permita uma regula as questões relacionadas à violência de gênero contra compreensão mais abrangente das suas múltiplas faces, de a mulher; modo a possibilitar a formulação de estratégias para o seu - Consolidar as redes de serviços de atenção e apoio às enfrentamento. mulheres em situação de violência, considerando aspectos O eixo teórico que permite pensar ações de enfrentamentransdisciplinares e multiprofissionais; to da relação sinérgica entre violência e HIV é a idéia de - Aumentar o número de delegacias especiais para atendeterminantes sociais do processo saúde doença, que aponder os casos de violência contra a mulher; ta para elementos de ordem econômica, social, ambiental, - Identificar fatores simbólicos e materiais que influenideológica e cultural, que influenciam a qualidade e os esciam negativamente a qualidade das ações e a prestação tilos de vida e afetam a situação de saúde das populações. dos serviços, sobretudo para mulheres residentes em áreas As desigualdades entre os gêneros poderiam ser pensadas menos desenvolvidas, adolescentes e jovens, membros de como determinantes macro estruturais das epidemias do HIV grupos historicamente discriminados e /ou socialmente exe da violência, enquanto a pobreza, o racismo e o moraliscluídos; mo sexual apareceriam como determinantes conjunturais, - Aprimorar a qualificação profissional para uma maior operando de modo à agudizar os efeitos das desigualdades humanização e profissionalismo de agentes dos serviços púde gênero. blicos de saúde e segurança no atendimento de mulheres De fato, as sociedades e sua modernidade determinam o vítimas de violência; futuro dos corpos e das mentes daqueles que as compõem. - Estimular as mudanças organizacionais e de comporEm razão disso, as noções de gênero, de raça e de pobreza tamento nos serviços públicos de saúde de modo a fortalesão intrínsecas às sociedades modernas, operando no senticer a abordagem de direitos humanos (emancipatória e de do de organizar a circulação social dos corpos, seu acesso orientação não-discriminatória); a bens materiais e simbólicos, inclusive recursos de auto- Incluir o tema saúde sexual e reprodutiva (SSR) em toproteção. dos os processos formativos de profissionais que atuam nas Esta assertiva é confirmada quando se verifica que nas Delegacias Especiais de Atendimento às Mulheres; sociedades modernas, a Aids atinge com maior intensidade - Executar ações intersetoriais e pluriinstitucionais de foros grupos historicamente excluídos da riqueza social, bem ma integrada; como aqueles culturalmente discriminados. Ou seja, grupos - Garantir a adoção efetiva da perspectiva da igualdade que são objeto de processos de violência estrutural, mas de gênero e direitos humanos, em todos os processos edutambém institucional e interpessoal, como as populações cativos que envolvem homens e mulheres em todas as faixas negras, os homens homossexuais, as pessoas usuárias de etárias, adequando-os às realidades locorregionais; substâncias e as mulheres. - Aumentar a participação masculina nos debates e ações Neste sentido, as políticas de enfrentamento do HIV dede prevenção à violência de gênero contra as mulheres; vem buscar incidir tanto sobre comportamentos individuais - Reconhecer a violência como um fator de vulnerabie práticas dos serviços lidade ao HIV, prinde saúde, como tamcipalmente entre as bém sobre os determulheres; “DESPROTEÇÃO, SOLIDÃO, DESESPERANÇA. MARCAS DEIXADAS minantes estruturais, - Executar o plano PELO CRIVO DA VIOLÊNCIA VIVIDA, AGUÇADAS PELA VIOLÊNCIA institucionais e internacional de combaDA DISCRIMINAÇÃO SOFRIDA PELO HIV, PRODUZIDAS, AMBAS, pessoais da violência8. te à feminização da Mais do que por uma Aids; NAS FÍMBRIAS DE UMA RELAÇÃO SOCIAL INJUSTA ENTRE relação de causalida- Reconhecer as HOMENS E MULHERES QUE, EMBORA PENALIZE A AMBOS, de, violência e HIV, ardesigualdades sociais, ticulam-se em uma reADQUIRE CONTORNOS ESPECÍFICOS QUANDO SE TRATA DE incluindo aquelas balação de contigüidade seadas em gênero, MULHERES, DADA A TRANSCENDÊNCIA DA DESIGUALDADE DE e superposição, onde a raça, etnia e idade, GÊNERO” interação de diferentes como determinantes vetores de violência da infecção pelo HIV, estrutural e instituciomorbidade por Aids e nal, como apontado acima, criam condições propícias para violência; a eclosão de situações de violência interpessoal e para a - Ampliar o debate público sobre os direitos das mulheres disseminação do HIV. como parte do repertório de direitos humanos, consideranSendo reconhecido que um problema complexo, exige do o direito de acesso à informação; soluções igualmente complexas, pode-se arriscar uma pri- Desenvolver e ampliar a divulgação de produtos de meira agenda de ações que, incidindo em pontos diferentes comunicação que discorram sobre os temas: lei Maria da da questão, envolvendo atores diversos e podendo assumir Penha, saúde integral, saúde sexual e reprodutiva, saúde da

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mulher e da menina, combate à violência de gênero e à discriminação; - Apoiar ações de articulação das redes da sociedade civil para o enfrentamento da violência de gênero contra a mulher, em todas as fases do ciclo de vida, em especial a mulher negra9. CONSIDERAÇÕES FINAIS Inspirados pelo trabalho realizado por Gestos, onde o atendimento psicológico a mulheres vivendo com HIV desvelou histórias em que a imbricação entre diversos níveis de violência constituem o cenário de disseminação do HIV, buscou-se desenvolver um processo de pesquisa-ação que pudesse apontar caminhos teóricos para o entendimento da relação violência - HIV, e caminhos práticos para o seu enfrentamento. Para tanto, a narrativa da vida de 26 mulheres foi lida e interpretada à luz dos conceitos de violência de gênero contra as mulheres e de determinação social do processo saúde-doença. Com base nesta leitura, a violência de gênero contra as mulheres foi assumida, nas suas expressões estrutural, institucional e interpessoal, como a materialização das desigualdades de gênero. Ao mesmo tempo, a epidemia do HIV, que afeta as mulheres em função dos entraves que estas experimentam na negociação do sexo protegido, do estatuto de confiança e cumplicidade que rege as parcerias amorosas, da sua dependência financeira do parceiro e da dupla moral que rege os comportamentos sexuais de homens e de mulheres, foi assumida também como agravo à saúde decorrente da desigualdade entre os gêneros 10. Além das dificuldades das mulheres em negociar o preservativo e demais pontos citados, é também notável o vácuo de políticas dirigidas a homens heterossexuais, visando sua saúde sexual e reprodutiva, o que confirma a expansão do HIV com base na cultura de gênero. Do mesmo modo, inexistem políticas dirigidas a qualquer homem, independente da sua orientação sexual, que o estimule a refletir sobre comportamentos assumidos com base em estereótipos de gênero, como os atos de violência, uso de substâncias e o sexo desprotegido, dentre outros, e as repercussões destes comportamentos sobre a sua saúde. A violência de gênero contra as mulheres adquire papel importante na determinação do processo saúde-doença, tanto das mulheres quanto dos homens, que tendem a exacerbar seus comportamentos violentos como insígnias de masculinidade exatamente na mesma medida da sua

“AS RELAÇÕES INJUSTAS ENTRE HOMENS E MULHERES TAMBÉM AFETAM OS HOMENS, EM ESPECIAL OS HOMENS NEGROS, HOMENS GAYS E OS HOMENS POBRES. NO ENTANTO, AS PARTICULARIDADES DESTA AFETAÇÃO, E AS ESTRATÉGIAS DE PROTEÇÃO E RESISTÊNCIA QUE PODEM SER ACIONADAS SÃO DISTINTAS, QUER SE TRATE DE HOMENS OU DE MULHERES, DEVENDO SER OBJETO DE INVESTIGAÇÕES/ INTERVENÇÕES ESPECÍFICAS” vulnerabilidade social. Nas histórias das mulheres foram recorrentes os relatos das mortes por Aids e também por homicídios, das prisões, dos espancamentos e das humilhações sofridas por estes parceiros autores de violência, incapazes de reconhecer o outro (a outra, ela, a companheira, filha, enteada, sobrinha, vizinha) e a sua própria vulnerabilidade. Além de ser determinante, a violência de gênero contra as mulheres tem um forte impacto direto sobre sua saúde, em especial sobre a infecção pelo HIV e o curso da Aids. No entanto, isto não significa que as ações para o enfrentamento da violência ou da epidemia do HIV devam ficar restritas ao setor saúde. Ao, contrário, o enfrentamento da violência de gênero contra as mulheres exige ações distintas, articuladas entre diferentes setores da sociedade, de modo a facilitar que as mulheres assumam um maior controle sobre as suas vidas e que os homens possam refletir sobre a sua condição de autores de agressão, no sentido da mudança de mentalidades. Exata é uma condição essencial para a redução das desigualdades entre homens e mulheres, dispositivo sócio-cultural que atua como catalisador, tanto da violência quanto da epidemia do HIV. Assim, é necessário lembrar que as relações injustas entre homens e mulheres também afetam os homens, em especial os homens negros, homens gays e os homens pobres. No entanto, as particularidades desta afetação, e as estratégias de proteção e resistência que podem ser acionadas são distintas, quer se trate de homens ou de mulheres, devendo ser objeto de investigações/ intervenções específicas. ■

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