Violência e saúde mental: implicações para adolescentes

June 1, 2017 | Autor: Eliany Nazaré | Categoria: Domestic Violence, Saúde Mental, Adolescentes
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Nazaré Oliveira, Eliany; Cordeiro Eloia, Sara; de Carvalho Costa, Francisca Brunna; Cordeiro Eloia, Suzana Mara; Pereira de Sousa, Fernando Sérgio; Marques Matias, Manuelle Maria Violência e saúde mental: implicações para adolescentes Saúde Coletiva, vol. 10, núm. 60, 2013, pp. 41-46 Editorial Bolina São Paulo, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=84228212007

Saúde Coletiva, ISSN (Versão impressa): 1806-3365 [email protected] Editorial Bolina Brasil

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www.redalyc.org Projeto acadêmico não lucrativo, desenvolvido pela iniciativa Acesso Aberto

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Oliveira EN, Eloia SC, Costa FBC, Eloia SMC, Sousa FSP. Matias MMM. Violência e saúde mental: implicações para adolescentes*.

Violência e saúde mental: implicações para adolescentes* O objetivo deste estudo é compreender de que forma a violência sofrida na infância repercute na vida de adolescentes do sexo feminino, estudantes de escolas públicas. Estudo qualitativo, realizado com adolescentes de 12 a 19 anos de idade, envolvidas no contexto de violência doméstica. Foi utilizada a entrevista semiestruturada que proporcionou questionamentos sobre as dificuldades e experiências negativas da infância e qual o paralelo destas dificuldades com a situação atual. Seis categorias emergiram: abuso emocional, abuso físico, negligência emocional, marcas da violência, traumas da violência, superação da violência. Pelas respostas das adolescentes, percebeu-se maior presença da negligência emocional e do abuso físico e emocional, denotando a violência doméstica como expressão de um impasse no processo da adolescência. Diante dos resultados, recomenda-se que outros estudos e estratégias de enfrentamento deste fenômeno sejam vivenciados na sociedade, pois a violência neste grupo se apresenta como grave problema de saúde pública. Descritores: Maus-Tratos Infantis; Violência Doméstica; Defesa da Criança e Adolescente; Saúde Mental. The aim in the study is to understand how the violence experienced in childhood affects the lives of female adolescents, public school students. A qualitative study conducted with adolescents aged 12 to 19 years old, involved in the context of domestic violence. It is used a semi-structured interview that provided questions about the difficulties and negative experiences of childhood and which parallel these difficulties with the current situation. Six categories emerged from the study: physical abuse, emotional abuse, emotional neglect, trademarks violence, trauma violence and overcoming violence. For the answers of adolescents, it was noticed a greater presence of emotional neglect and physical and emotional abuse, denoting domestic violence as an expression of an impasse in the process of adolescence. Given the results, it is recommended that further study and strategies against this phenomenon be experienced in our society, being determined as a serious public health problem. Descriptores: Child Abuse; Domestic Violence; Child Advocacy; Mental Health El objetivo de este estúdio és comprender de que forma la violencia sufrida en la infancia repercute en la vida de adolescentes del sexo feminino, estudiantes de escuelas públicas. Estudio calitativo, realizado con las adolescentes de 12 a 19 años de edad, involucradas en el contexto de violencia doméstica. Se utilizó la entrevista semiestructurada que proporcionó cuestionamientos sobre las dificuldades y experiencias negativas de la infancia y cuál es el paralelo de estas dificuldades con la situación actual. Seis categorías emergieron del estudio: abuso emocional, abuso físico, negligencia emocional, marcas de la violencia, traumas de la violencia y superación de la violencia. Por las respuestas de las adolescentes, se ha percibido mayor presencia de negligencia emocional y del abuso físico y emocional, denotando la violencia doméstica como expresión de un obstáculo en el proceso de la adolescencia. Frente los resultados, se recomienda que otros estudios y estrategias de enfrentamiento de este fenómeno sean vivenciados en nuestra sociedad, ya que se viene determinando como grave problema de salud pública. Descriptores: Maltrato a los niños; Violencia doméstica; Defesa del niño; Salud mental.

Eliany Nazaré Oliveira [email protected] Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Docente na Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA) Sara Cordeiro Eloia [email protected] Enfermeira. Pós-graduanda em Educação na Saúde-UVA. Pós-graduanda em Gestão de Sistema e Serviços de Saúde-UVA. Enfermeira no setor de Neurologia da Santa Casa de Sobral. Francisca Brunna de Carvalho Costa [email protected] Enfermeira. Pós-graduanda em Enfermagem do Trabalho pelas Faculdades INTA. Recebido: 02/09/2011 Aprovado: 03/08/2012

Suzana Mara Cordeiro Eloia Acadêmica de Enfermagem pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA, Sobral, Ceará. Fernando Sérgio Pereira de Sousa [email protected] Enfermeiro. Mestrando em Saúde Pública pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Manuelle Maria Marques Matias Acadêmica de Enfermagem pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA, Sobral, Ceará. .

* Trabalho financiado pela Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP) sob o título: “Maus Tratos e Violência na Infância: repercussões na vida e saúde mental de adolescentes do sexo feminino”

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INTRODUÇÃO definição de violência contra crianças e adolescentes que se acredita ser a mais apropriada para compreensão e abordagem individual e coletiva é aquela que a define como todo ato ou omissão praticado por pais, parentes ou responsáveis que – sendo capaz de causar dano físico, sexual e/ou psicológico à vítima – implica de um lado numa transgressão de poder/dever de proteção do adulto e, de outro, coisificação da infância, isto é, numa negação do direito que crianças e adolescentes têm de serem tratados como sujeitos de direitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento1. Pelo número de vítimas e a magnitude de sequelas emocionais que produz, a violência adquiriu um caráter endêmico e se converteu num problema de saúde em vários países. Nesse sentido, é necessário o envolvimento e preparo de profissionais de outras áreas, como da educação, dado a conjuntura complexa e desafiante da violência. Como resposta da inter-relação desses setores, é fundamental que os serviços (escolas, centros de saúde e da ação social) e os profissionais de todos os níveis e categorias reconheçam que devem se inserir no processo, na identificação de condições de risco ou de violência vigente e na atenção às vítimas2,3. Em se tratando dos aspectos de morbidade por violência contra crianças, o âmbito familiar é o locus privilegiado destes atos sociais infligidos quase sempre pelos próprios pais ou responsáveis e exercidos de forma variada, através de violência física, sexual e psicológica, abandono intencional e negligência, ou seja, por um conjunto de atos violentos denominados maus-tratos4. O fato de a violência ocorrer no meio doméstico pode levar à desestruturação familiar, cuja manutenção é referência para o desenvolvimento afetivo, psicológico e social. Pode-se dizer que a violência doméstica rompe o vínculo de confiança básica para o desenvolvimento da vida em família, entrando na seara das relações familiares e seus significados5. Neste contexto, encontram-se as crianças e adolescentes, por sua total falta de defesa e dependência do adulto, o que os tornam hierarquicamente menos poderosos e, por conseguinte, sujeitos aos maus-tratos com maior frequência6,7, resultando em consequências graves à sua saúde, que podem se manifestar em curto, médio ou longo prazo6,8,9.

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A necessidade de investigar melhor tal problemática se justifica pela significativa parcela da população, em especial, adolescentes do sexo feminino, sofrerem algum tipo de violência doméstica no decorrer de suas vidas. Diante disso, pode-se dizer que este fenômeno decorre da interação de vários grupos de fatores socioeconômicos, culturais e psicológicos das pessoas envolvidas. Assim, o objetivo deste estudo é compreender de que forma a violência sofrida na infância repercute na vida de adolescentes do sexo feminino, estudantes de escolas públicas. METODOLOGIA Considerando os objetivos deste estudo, optou-se pela abordagem qualitativa, porque permite compreender a realidade concreta, os fenômenos e os processos sociais, tornando-se adequada para os estudos das práticas de saúde e das relações que se estabelecem entre sujeitos10. Os dados foram coletados através de entrevistas semiestruturadas, áudio-gravadas em local privativo e mediante a permissão dos sujeitos, com duração de 30 minutos, em média, sendo analisadas e caracterizadas de acordo com os tipos de violência sofridos pelas adolescentes. Foram quatro as questões norteadoras: 1) Faleme um pouco sobre as dificuldades que você teve enquanto crescia; 2) Quais as consequências dessas experiências negativas na sua vida? 3) Qual a relação que você faz dos problemas atuais com os que viveu na sua infância?; 4) Como você se sente hoje? Desenvolvida em dez escolas públicas do Município de Sobral – Ceará, esta pesquisa somou 39 adolescentes, do sexo feminino de 12 a 19 anos, selecionadas a partir de instrumentos anteriores que as identificaram como vítimas de violência enquanto cresciam, após ser utilizado o questionário sobre traumas na infância, adaptação do Childhood Trauma Questionnaire. No entanto, determinaram o estudo 29 dessas meninas por fornecer informações que interessaram para análise. Assim, optou-se pela amostragem por saturação por ser uma ferramenta conceitual empregada nos relatórios de investigações qualitativas em diferentes áreas no campo da saúde11,12. No contato com a adolescente, respeitouse o seu interesse em participar do estudo, os quais se apresentavam os objetivos da investigação, bem como o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, garantindo o

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anonimato das respostas. As adolescentes assinaram o aceite e autorização da divulgação e publicação dos resultados. Foram identificadas pela letra “E” seguida por um número correspondente à ordem de realização das entrevistas. Para definir as categorias utilizou-se de pesquisas bibliográficas. Além de livros, foram consultadas publicações de artigos nas principais revistas científicas, partindo dos seguintes descritores: violência doméstica, infância e saúde mental. Foram apresentadas, inicialmente, as narrativas de cada depoente e, em seguida, para se obter uma compreensão do grupo como um todo, das narrativas foram criadas categorias, as quais foram classificadas com base na temática relatada. Esta pesquisa foi aprovada pela Comissão de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA, com Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE), sob n° 3873.0.000.039-07, além de auorização do Secretário de Educação do Município de Sobral – CE. RESULTADOS Do paralelo entre a literatura que aborda os tipos de violência e as respostas das adolescentes, emergiram seis categorias do estudo: abuso emocional; abuso físico; negligência emocional; as marcas da violência; traumas da violência; e superando a violência. A seguir, relacionam-se as categorias com as falas mais expressivas das adolescentes: Abuso Emocional Houve a presença marcante de sentimentos de tristeza, envolvendo a rejeição, discriminação, ausência e separação dos pais: Um problema que tive foi a separação dos meus pais, porque ele usa droga... Ele usa todo tipo de droga (...) eu cresci sabendo disso, pior que foi (...) (E27) (...) e também meu pai gosta mais da minha irmã porque ela se parece mais com ele, ela é assim branca. Aí ele às vezes dizia pra mim, eu não gosto de você porque você é negra. (E4) Quando os pais ou parentes se referiam às meninas por meio de ataques verbais, ou outros sentimentos que humilhavam ou diminuíam a pessoa, ficou explícita uma expressão de sentimento forte, como algo que marcou a fase de sua infância e que, atualmente, persiste na memória de forma negativa: Minha tia, que morava comigo, sempre me chamou de coisa ruim...vagabunda, sem vergonha, que eu não presto. (E3).

Abuso Físico As afirmações das adolescentes que se direcionavam ao abuso praticado intencionalmente por pessoas que estão em relação de poder, as quais se utilizando da força, de fato ou como ameaça, causam ou têm muitas probabilidades de causar lesões, morte, dano psicológico, e transtornos do desenvolvimento12, foram classificadas de abuso físico: Quando eu era criança, eu era muito pobre, tinha eu, minha mãe e meu pai numa casa de barro. Ele (pai) bateu em mim e na minha mãe e quebrou tudo. E minha mãe me bate de chinelo e de corda, ela é bruta. (E8) (...) por isso que passei não tenho muita intimidade de chegar pra ela (mãe) e contar tal coisa, porque se ela não concordar comigo ela vai me bater. Ela já chegou a me bater, me dar tapas no meu rosto que quase sangrava meu rosto. (E13) Uma vez que meu pai chegou e eu tava deitada numa cama, aí ele rebolou a cama e eu quase morria. (E27) Negligência Emocional A negligência emocional se apresentou quando não houve interesse para com as necessidades da criança e da adolescente em seu processo de desenvolvimento: Meu pai bebe muito, aí ele comprava comida e deixava nos bares, e eu e meus irmãos, e todo mundo ficava com fome. (E21) (...) não gostava de mim (...)porque eu nasci mulher e ele (pai) queria era homem e eu fui mulher(...)já minha mãe ia pra praça do centro e me levava na bicicleta e eu ficava no canto só vendo ela trair meu pai e ela tava ainda com meu pai. (E8) As adolescentes se queixaram da falta de calor humano e amor: (...) eu queria mais atenção, eu acho que ela (mãe) dá mais atenção ao meu padrasto. (E27) Eu vou logo dizendo que eu sou filha adotiva. Eu tive um pouco de dificuldade, porque eu via que minha mãe, né, tinha mais olhos pros filhos dela (adolescente se emociona e chora), ela comprava mais coisas pros filhos dela, e eu ficava com um pouco de ciúme. (E28) Minha mãe sempre deu mais carinho pra minha irmã, e ainda dá. (E14) Marcas da Violência As marcas da violência foram reveladas através de vários sentimentos de revolta e sofrimento: (...) e eu fico revoltada com toda a situação que vivo. (E24) Pelas lembranças ruins e que jamais serão apagadas da memória:

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Algumas lembranças ruins que eu tenho do passado Algumas frases revelaram formas positivas de eu acho que eu não vou conseguir esquecer nunca. encarar e enfrentar as dificuldades do passado (E1) relacionadas à violência sofrida: Dentre o grupo pesquisado, houve Só penso hoje em estudar bastante e me formar expressões de insatisfação da maneira como se para ser uma enfermeira. (E6) vive hoje: Eu recebo o apoio dos meus amigos que me ajudam Para a minha vida ficar bem, hoje, eu gostaria que com a amizade sabe. E me sinto uma pessoa o meu pai deixasse de beber e que ele e a minha otimista e corajosa (...) hoje eu sei que não é por mãe se separasse. Porque o casamento deles tá todas as dificuldades que vivo, que eu vou desistir praticamente acabado. Eles só vivem discutindo daquilo que quero ser. Quero ser estilista. (E18) por bobagem. (E7) Sempre quero trabalhar pra conseguir algo na Falta de perspectivas: vida, pra ajudar minha mãe. (E11) Eu acho que não vale a pena desabafar com alguém. Eu creio em Deus, eu já participei de grupo DISCUSSÃO de oração, mas foi só por entrar, mas eu saí logo. Percorrendo as questões abordadas nesse estudo, (E27) parece crucial entender a violência doméstica Traumas da Violência como um fenômeno complexo, que envolve todos Foi perceptível, nessas adolescentes, o excesso de os integrantes do núcleo familiar e não se timidez e falta de equilíbrio: restringe a um indivíduo ou a uma relação Qualquer coisinha eu fico nervosa, às vezes meu pai específica. Logo, estratégias de enfrentamento bebe né(...)aí o meu medo é esse quando ele bebe eu deste fenômeno deve ser prioridade nas nem durmo em casa, eu vou pra casa da minha avó. discussões globais por se determinar como grave Eu tenho trauma disso. O problema que eu tenho, é problema de saúde pública. porque eu sou muito tímida. Pra falar a verdade, eu Dentre as narrativas, três categorias tenho até medo de arrumar um namorado hoje em foram mais relatadas pelas adolescentes, a dia, só por causa disso. negligência emocional e o (E27) abuso físico e emocional, nos Só penso hoje em Manifestaram, quais muitas delas nem também, atitudes percebiam que eram vítimas estudar bastante e me desagradáveis: desses maus tratos talvez por formar para ser uma Já pensei em usar droga. Pra estarem condicionadas a ver dizer a verdade eu já usei. essa situação como a única enfermeira. (E23) realidade possível. Eu recebo o apoio dos Outro ponto importante a Distintas meus amigos que me chamar atenção foi a adolescentes expressaram extrema carência ou sentimentos de tristeza, ajudam com a amizade dependência, somada à angústia, insegurança, medo e sabe. E me sinto uma desvalorização e baixa rejeição, afirmando que ainda auto-estima: não superaram esse momento pessoa otimista e (...) por conta disso e difícil de suas vidas, fazendo corajosa (...) hoje eu sei principalmente das brigas disso suas vertentes de que não é por todas as eu sou uma pessoa quase convicções. Desta forma, a que negativa com as minhas violência pode ser dificuldades que vivo, coisas que eu faço sabe. Eu considerada como expressão que eu vou desistir tenho dificuldade de me de um impasse no processo relacionar e me comunicar da adolescência, uma ameaça daquilo que quero ser. com as pessoas. Ninguém tanto interna (emanando em pode falar um pouquinho especial do ataque da parte mais alto que eu já fico angustiada. (E16) dos objetos internos, ataque do qual o adolescente O sentimento de medo se fez presente na se sente vítima) quanto proveniente dos objetos maioria dos discursos: externos (do ambiente, mas às vezes também de Eu me tornei uma pessoa medrosa em relação de seu próprio corpo púbere). Assim, é preciso ver uma pessoa bêbada. Isso me dá um certo ajudar a adolescente a encontrar os recursos temor(...)minha mente é muito fechada por causa psíquicos para enfrentar essa ameaça, no sentido disso. (E7) de que o problema a ser resolvido não está nela, Superando a Violência mas diante dela13. Saúde Coletiva 2013; 10 (59):41-46

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Como evidenciado, a violência repercute psicologicamente na adolescência, causa dor, sofrimento, desestrutura a vida e o futuro, gera violência, tem o poder de cercear o processo de crescimento e desenvolvimento do adolescente como pessoa14, e implica numa relação de poder, em que o mais forte domina o mais fraco15. No entanto, é sabido que a criança e o adolescente necessitam da presença de adultos que exerçam sua autoridade de maneira confiável, para que possam desenvolver recursos internos e externos que os habilitem a estabelecer relações solidárias no seu convívio social16 e para tanto, faz-se necessário a reestruturação da família fundamentada em relações mais simétricas entre homens e mulheres, entre pais e filhos, que possibilite mudança na conformação dos comportamentos sociais. É preciso que se tenha consciência de sua história de violência e que pessoas significativas ofereçam novos modelos de interação e inter-relações que desconstruam as representações ancoradas no poder de um e submissão do outro, como meio de permitir a construção de relações familiares respeitosas e mais saudáveis17,18. Os achados mostraram, ainda, relatos de enfrentamento das dificuldades relacionadas à violência ao abordar a categoria “superando a violência”. Há concordância de que a violência e suas diversas manifestações podem gerar consequências negativas, como também sentimentos de superação e que os comportamentos e atitudes de pessoas que estiveram presentes durante a infância e crescimento dessas jovens influenciam em sua formação e na maneira de enfrentar as consequências. Importante também refletir que na fase da adolescência uma boa qualidade na saúde mental é um dos fatores principais para um estilo de vida saudável e que a mulher, por ser o sexo mais frágil, requer maior atenção e preparação psicológica. CONCLUSÃO Essa pesquisa possibilitou visualizar algo que tem muito a ser explorado, a violência e maus-tratos contra a criança e as repercussões na vida e saúde mental de adolescentes. De acordo com a literatura abordada, os aspectos culturais são fatores importantes para o comportamento de pais e cuidadores de crianças e adolescentes, tendo como consequência, em muitos casos, o abuso de poder do mais forte sobre o mais fraco. A pesquisa confirmou que os agressores em geral

são os que têm maior poder sobre a vítima, os pais e parentes próximos. A violência contra a criança é um fenômeno peculiar, extenso e intenso, que merece estudos aprofundados e bem contextualizados, dada à diversidade cultural, social e econômica dos subgrupos. Embora o universo analisado neste estudo tenha sido composto basicamente por adolescentes estudantes de escolas da rede pública, sabe-se que os maus tratos e a violência doméstica não ocorrem somente nesse grupo. Para entender os determinantes de uma situação envolvendo essa temática é importante considerar também a dependência emocional e os aspectos culturais associados. Algumas alternativas podem interferir nestes efeitos danosos no percurso de vida dessas adolescentes. Pode-se citar a identificação precoce do mau-trato, com ajuda dos profissionais da saúde, professores, psicólogos, e outros componentes da sociedade. Obviamente que a identificação e abordagem só poderão ser feitas se as pessoas conhecerem os fatores que favorecem o aparecimento da violência, os diferentes tipos, as principais manifestações e as formas de apresentação. Também se põe em questão, o fato de quando e onde a problemática da violência doméstica e suas categorias relevantes devem ser trazidas para discussões amplas dentro da sociedade, de modo a avaliar o prejuízo que a manutenção do silêncio sobre os maus-tratos no ambiente doméstico acarreta ao desenvolvimento as adolescentes do sexo feminino. É necessário aprofundar o conhecimento sobre esse tema, na sua diversidade de enfoques, de forma a abrir perspectivas para projetos de intervenção que visem desde prevenir esse tipo de problema até a remediar situações já existentes, com a finalidade de melhorar a qualidade de vida e saúde mental das adolescentes envolvidas. Como alerta final, não se deve perder a perspectiva da escassez de informações existentes sobre a violência doméstica e familiar. Há uma urgência de discussões sobre as prioridades e rumos de programas de investigação na área, identificando as lacunas existentes a cada passo da fase de atuação. É importante a função social da militância na área da infância e juventude, na luta pela diminuição das violações dos direitos e pela responsabilização das instâncias pertinentes, sejam elas da sociedade civil ou do poder público. Neste contexto, este artigo cumpre sua função: de denúncia e alerta para o tema.

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