“Violência sexual e a questão do consentimento”. Revista Psicologia Especial Violência & Sociedade, n.21, 2015, pp. 27-32

June 14, 2017 | Autor: Herbert Rodrigues | Categoria: Human Rights, Sexual Violence, Violence Against Women and Children
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GRANDES TEMAS DO CONHECIMENTO

CAUSAS

PSICOLOGIA

COMO ROMPER OS CICLOS DE VIOLÊNCIA As relações sociais e os transtornos psicológicos realimentam os processos de agressão na família e na sociedade

FILME

MEDICAMENTOS

PACO’S DIGITAL

A JUSTIÇA E A SOCIEDADE DOENTE A atividade punitiva do Judiciário está sendo modificada, mas qual seria a sentença ideal para coibir a criminalidade?

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Nº 21 - R$ 16,90 - € 10,50

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ENTREVISTA

HISTÓRIA

ESPECIAL VIOLÊNCIA & SOCIEDADE

O ASSÉDIO NA CULTURA DO SÉC. 21

Como se dá a validação de conceitos preconceituosos e equivocados na relação entre homens e mulheres

A RELAÇÃO ENTRE ADOLESCÊNCIA E INFRATORES Historicamente, os adolescentes são tidos como símbolo de rebeldia, irresponsabilidade e envolvimento com atividades criminosas

ÍNDICE 09

Mythos Editora

VIOLÊNCIA E PSICOLOGIA

Diretor-Executivo: Helcio de Carvalho Diretor-Financeiro: Dorival Vitor Lopes

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Editor-Executivo: Alex Alprim ([email protected])

ADOLESCÊNCIA E INFRATORES

Revisão: Giacomo Leone Neto

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Produtor Gráfico: Ailton Alipio ([email protected])

COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Colaboradores: Aline Christina Torres, Andrea Vilanova, Beatriz Rodrigues Sanches, Camile de Azevedo Marinho Porto, Ciro Marcondes Filho, Elena Souza, Hannah Maruci Aflalo, Herbert Rodrigues, Juliana Tonche, Layla Daniele Pereira de Carvalho, Maria Júlia Suano Bezerra de Meneses e Túlio Maia Franco.

22 CESARIANA

Gerente de Vendas/Livros: Adriana Ferreira S. Costa

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Coordenação de Consignação: Mônica A. Silva

VIOLÊNCIA SEXUAL E A QUESTÃO DO CONSENTIMENTO

Números Atrasados: Fabiana Dionísio Circulação: Antonia B. Coelho

33 VIOLÊNCIA NA CULTURA BRASILEIRA

Impressão: Gráfica São Francisco Distribuição Nacional: Fernando Chinaglia

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Reclamações, Sugestões, Dúvidas: [email protected]

ENTRE O DIREITO E A PSIQUIATRIA

46 O CONFLITO ENTRE MENTE E CORPO

(PRODUÇÃO, PROJETO GRÁFICO, DIAGRAMAÇÃO E PUBLICIDADE) Paco´s Serviços Gráficos Dir. Executivo/Projetos: Alex Alprim Dir. Financeiro: Paula Francisquini Designer-Chefe: Percila Souza Designer-Júnior: Pedro Faria Designer-Assistente: Jefferson Rodrigues, Fabiano Gomes Estagiária: Fernanda Lima

50 JUSTIÇA RESTAURATIVA VIOLÊNCIA

54 FILMES

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E

Revista de Psicologia Especial é uma publicação da Mythos Editora. Redação e Administração: Av. São Gualter, 1296, São Paulo - SP CEP. 05455-002 - Fone: (11) 3024-7707 - Os artigos aqui publicados, quando não assinados, seguem a licença de CREATIVE COMMONS, sendo vedada no entanto, qualquer reprodução ou uso que se faça desse material para fins de lucro ou financeiros; no mais, quando o artigo for assinado, seu © Copyright pertence ao autor e é dele a total e completa responsabilidade jurídica e civil sobre o mesmo. Fica proibida a reprodução total ou parcial de qualquer foto ou artigo desta revista que tenha sido assinado por seus autores. A revista não se responsabiliza por conceitos emitidos em artigos assinados. NÚMEROS ATRASADOS: temos estoque limitado de nossas publicações. Se deseja alguma edição anterior desta publicação, entre em contato com Fabiana Dionísio, pelo telefone (11) 3021-7039 ou enviando uma carta para NÚMEROS ATRASADOS: Av. São Gualter, 1296 - São Paulo - SP. PROMOÇÃO ESPECIAL: na compra de cinco ou mais revistas, a taxa de correio não será cobrada. Distribuída pela Dinap S/A – Distribuidora Nacional de Publicações, Rua Dr. Kenkiti Shimomoto, nº 1678, CEP 06045-390 – São Paulo – SP

REVISTA DE PSICOLOGIA - ESPECIAL

NOTAS ASSÉDIO MORAL Grande campanha do Ministério Público do Trabalho de São Paulo contra o assédio moral. Elena Souza* O Ministério Público do Trabalho de São Paulo lançou no primeiro semestre de 2015 uma campanha com anúncios de rádio, jornal e televisão alertando sobre o assédio moral no ambiente de trabalho. A peça publicitária para televisão foi dirigida pelo pernambucano Heitor Dhalia e apresentava um chefe fictício chamando um dos funcionários de “incompetente do mês” na presença dos colegas. Assédio moral ou violência moral no trabalho é caracterizado pela exposição continua dos funcionários a situações embaraçosas, humilhantes e violentas dentro do ambiente laboral. Para ser caracterizado como assédio moral, a violência deve ocorrer entre pessoas hierarquicamente inferiores – chefe e subordinado. Exemplos de assédio moral são pressões excessivas, piadas constrangedoras, humilhação e xingamento. Inúmeras pesquisas apontam para os perigos do assédio moral para o bem-estar psíquico daquele que sofre a violência. Casos de depressão e outras psicopatologias são comuns entre as vítimas. A vítima de assédio moral deverá se posicionar para evitar a continuidade da violência. Deve reunir provas, como gravações, e-mails, testemunhas, dentre outas evidências que comprovem o ocorrido. Deverá anotar os detalhes da situação, com horário, data e conteúdo da conversa e procurar dar visibilidade para o ocorrido, contando para os colegas. Depois deverá denunciar o assédio moral no setor de Recursos Humanos da Empresa, no Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Publico do Trabalho, Justiça do Trabalho, Comissão de Direitos Humanos e Conselho Regional de Medicina. (Fonte: http://www.sinpsi.org/ e http://www.prt2.mpt.gov.br/)

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REVISTA DE PSICOLOGIA - ESPECIAL

COMBATE AO TRABALHO INFANTOJUVENIL Ministério do Trabalho e Emprego (MTC) identificou mais de 4 mil jovens realizando trabalhos inapropriados para a faixa etária em todo o país. Elena Souza* No primeiro semestre de 2015, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) verificou a existência de 4.210 jovens entre 16 e 17 anos realizando trabalhos irregulares. O maior número de casos ocorreu no Rio de Janeiro, com 907 ocorrências. A legislação trabalhista vigente no Brasil, proíbe que crianças menores de 14 anos realizem qualquer tipo de trabalho. A partir desta idade é possível realizar atividade enquanto aprendiz, que possui algumas regras específicas, exigindo anotação da carteira de trabalho, matrícula e frequência na escola, além de orientação técnico-profissional. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) orienta que menores de 16 anos não devem realizar nenhuma atividade laboral, na medida em que pode colocar em risco a educação, a saúde e o lazer destes indivíduos ainda em formação. Contudo, essa orientação não é seguida em todos os países ao redor do globo, de tal forma que a legislação trabalhista muda dependendo do lugar. No caso brasileiro, a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) permite o trabalho a partir de 14 anos, desde que sejam observadas proteções especiais no caso dos aprendizes. Para trabalho noturno, perigoso ou insalubre a idade mínima será de 18 anos. Sabemos, entretanto, que a pobreza e a falta de fiscalização são fatores que dificultam a aplicação da lei. (Fonte: http://www.sinpsi.org/)

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VIOLÊNCIA - NOTAS

CONSULTA PÚBLICA SOBRE ROL DE PROCEDIMENTOS E EVENTOS EM SAÚDE A revisão realizada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) contou com consulta pública realizada em agosto de 2015. Elena Souza* Em agosto de 2015, o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP-SP) abriu consulta pública da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para revisão do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde. Diversas contribuições foram encaminhadas tanto por consumidores quanto por prestadores de serviço por meio de formulário online. O Rol de Procedimento e Eventos em Saúde é a lista dos procedimentos, exames e tratamentos com cobertura obrigatória pelos planos de saúde. Desde 1999, a ANS regula a lista mínima obrigatória e, a cada dois anos, a relação é modificada. A revisão é realizada por representantes de entidades de defesa do consumidor, de operadoras de planos de saúde e de profissionais de saúde. Porém, uma vez desenvolvida a proposta, esta precisa ser submetida a uma consulta pública, realizada pela página da ANS na internet. (Fonte: http://www.ans.gov.br/ e http://www.sinpsi.org/)

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VIOLÊNCIA - NOTAS

DIREITO À SAÚDE DA MULHER COM DEFICIÊNCIA A Secretaria de Direitos Humanos, de Políticas para as Mulheres da Presidência da República e o Ministério da Saúde criaram um grupo de trabalho para garantir o acesso da mulher com deficiência ao Sistema Único de Saúde (SUS). Elena Souza* Em julho de 2015, foi criado um grupo de trabalho com o objetivo de promover ações que garantam o atendimento de qualidade a mulheres com deficiência e mobilidade reduzida aos cuidados da saúde da mulher no Sistema Único de Saúde. A portaria foi publicada no Diário Oficial da União e a ação é um esforço conjunto da Secretaria de Direitos Humanos, de Políticas para as Mulheres da Presidência da República e o Ministério da Saúde. (Fonte: http://www.sinpsi.org/)

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VIOLÊNCIA - NOTAS

TRÁFICO DE PESSOAS Em agosto de 2015 ocorreu a “Semana de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas” em São Paulo. Elena Souza* Em parceria com o Ministério da Justiça, a cidade de São Paulo realizou a “Semana de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas” com o objetivo de conscientizar a população sobre o problema. Por tráfico de pessoas deve-se entender o comércio de seres humanos com o objetivo de escravização ou exploração sexual, trabalho escravo, tráfico de drogas e extração de órgãos. Em 2010, o tráfico de pessoas movimentou mais de 31 bilhões de dólares no mundo inteiro. Crianças e mulheres são as principais vítimas. No Brasil, um dos principais propósitos do tráfico de pessoas é colocar os indivíduos em situação de trabalho escravo. Entre 2003 e 2013, mais de 42 mil trabalhadores foram encontrados em situação de trabalho escravo no Brasil. Outra faceta do problema é a exploração sexual, com um grande número de casos no exterior. Muitas pessoas são atraídas por promessas de emprego e dinheiro fácil e acabam por entregar seus documentos e distanciarem-se das famílias, tornando-se vulneráveis ao tráfico de pessoas. Entre 2005 e 2011, das 475 vítimas que foram identificadas pelo ministério das Relações Exteriores, 337 passaram pela situação de exploração sexuais e 135 pelo trabalho escravo. Fonte: http://www.sinpsi.org/ e https://pt.wikipedia.org/wiki/Tr%C3%A1fico_de_pessoas

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VIOLÊNCIA - NOTAS

A CULTURA DOS LINCHAMENTOS Segundo pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP, a intolerância é o principal fator desencadeador de linchamentos no Brasil. Elena Souza* Segundo a socióloga Ariadne Natal, os linchamentos no Brasil podem ser explicados pela percepção por parte da população de que o Estado ineficiente, em conjunto com a tradição de desrespeito aos direitos humanos. Para a pesquisadora, há a percepção de que o poder público é incapaz de promover segurança pública. Tal percepção ao lado de uma cultura violenta, na qual a violência é vista como forma de resolução de conflitos explicaria os casos de linchamento no Brasil. A socióloga fez parte de uma pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos da Violência da USP que levantou os principais motivos de linchamento, indicando homicídio ou latrocínio, em primeiro lugar, crimes contra o patrimônio, em segundo, e estupros, em terceiro. Apesar de não existir um crime específico de linchamento, o ato é enquadrado em violência corporal ou homicídio qualificado, caso haja morte da vítima. (Fonte: http://www.sinpsi.org/)

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REVISTA DE PSICOLOGIA - ESPECIAL

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REVISTA DE PSICOLOGIA - ESPECIAL

VIOLÊNCIA E

PSICOLOGIA ALGUMAS REFLEXÕES DA PSICOLOGIA SOBRE O FENÔMENO DA VIOLÊNCIA.

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PALAVRA VIOLÊNCIA DERIVA DO LATIM VIOLENTIA E SUA ORIGEM ESTÁ RELACIONADA AO TERMO “VIOLAÇÃO” (VIOLARE). A ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS) DEFINE VIOLÊNCIA COMO USO INTENCIONAL DE FORÇA OU PODER FÍSICO, DE FATO OU COMO AMEAÇA, CONTRA SI, OUTRA PESSOA OU GRUPO/COMUNIDADE, QUE CAUSE OU TENHA MUITA PROBABILIDADE DE CAUSAR LESÕES MORTE, DANOS PSICOLÓGICOS, TRANSTORNOS DO DESENVOLVIMENTO OU PRIVAÇÕES. DECLARA TAMBÉM QUE A VIOLÊNCIA É UM DOS PRINCIPAIS PROBLEMAS MUNDIAIS DE SAÚDE PÚBLICA (KRUG ET AL., 2002). São tantas formas e vítimas de violência existentes nas sociedades humanas que poderíamos ficar nomeando indistintamente centenas delas. Contudo, a OMS divide a violência em três grandes categorias conforme as características de quem comete o ato de violência: Violência dirigida a si mesmo; Violência interpessoal e, por fim, Violência coletiva. A violência dirigida a si mesmo é dividida em duas subcategorias sendo elas: comportamento suicida e autoabuso. Mutilações e ideias suicidas são inclusos na categoria. Já a violência interpessoal é subdividida em violência comunitária que pode ocorrer entre pessoas sem parentesco e se caracteriza por ações aleatórias de violência, em grupos institucionais etc. e em violência da família por parceiros (as) íntimos (as). Geralmente o abuso infantil, violência doméstica e abuso de idosos entram nessa categoria. Por fim, a coletiva é subdividida em social, política e econômica e as guerras e abusos de Estado, são exemplos desse tipo de violência. (Krug et al., 2002). Embora a violência acompanhe a sociedade desde tempos imemoriais, a consciência de sua existência e dos danos que pode causar justifica a criação de códigos e leis como medida de controle e organização das sociedades. Códigos para caracterizar e punir a violência hoje em dia estão presentes em grande parte do mundo, porém o contexto cultural de cada sociedade influencia os valores que classificam o que é e o que não é violar o outro ou a si mesmo. Quanto à realidade Brasileira, estudos apontam o que a percepção de grande parte de nossa sociedade já registra, que a violência enquanto comportamento está cada vez mais presente nas relações de todos os tipos e lugares. Mas os estudos distinguem agressividade de violência,

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VIOLÊNCIA - VIOLÊNCIA E PSICOLOGIA

“Podemos perceber que a violência além de ser uma questão social também é algo próprio das pessoas à medida que estas são incapazes de transformar a agressividade em ações não negativas e que fatores determinantes do ambiente externo influenciam comportamentos.”

sugerindo que a agressividade seria uma característica de personalidade, inerente a todo ser humano, enquanto que a violência seria o momento em que o indivíduo não consegue canalizar a agressividade para atividades produtivas. O que representa desestabilização de mecanismos de contenção, impulsividade e baixa tolerância a frustrações. (Mangini, 2008, in Fiorelli, 2011). Com referência à agressividade, figuras centrais da Psicanálise, como Freud quanto Lacan, “situam-na como constitutiva do eu, na base da constituição do eu e na sua relação com seus objetos. Não negam sua existência, ao contrário, afirmam a agressividade na ordem humana, mas ela pode ser sublimada, pode ser recalcada, não precisa ser

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atuada, pois o humano conta com o recurso da palavra, da mediação simbólica” (Ferrari, 2006). Existe, contudo, uma corrente de estudiosos que, desde Winnicott (1975) concebe a agressividade como um mecanismo de defesa. Ou seja, nesta abordagem, embora seus defensores concordem com os pressupostos psicanalíticos que identificam o funcionamento psíquico como resultante de forças dinâmicas, atribuem também grande importância da dimensão relacional e de experiências externas vividas pelo individuo no desenvolvimento psíquico. (Da Luz, 2005). Podemos perceber que a violência além de ser uma questão social também é algo próprio das pessoas à medida que estas são incapazes de transformar a agressividade em ações não negativas e que fatores determinantes do ambiente externo influenciam comportamentos. Seguindo essa linhagem de ideias, os fatores determinantes do ambiente externo como influentes no comportamento também é algo que foi e é muito estudado, pois percebe-se claramente que o grupo e a cultura a que pertence o sujeito constituem a base formadora de suas percepções, ações e sentimentos determinando em grande parte seu comportamento e caráter (Lewin, 1975). Pensar a violência do ponto de vista das influências externas como condições que contribuem para o desenvolvimento do ato e pensar como administrá-la e preveni-la, nos sugere que, atualmente, no Brasil, o Estado deveria estar envolvido como nível mais complexo de representação de figura de autoridade e liderança, buscando prover e promover todas as condições básicas de saúde mental e desenvolvimento da população. Entre tais condições básicas destacam-se educação, saúde, transporte e lazer de qualidade. Na medida em que essas esferas da vida pública estão deterioradas para todos, independentemente de nível social, o conjunto de frustrações da vida diária tende a aumentar e consequentemente gerar insatisfações, revoltas, raiva e agressividade como um fenômeno social. Isso explicaria a composição das últimas passeatas no Brasil, onde estiveram presentes todas as classes sociais. Ora, os sujeitos que já sofrem o abuso do Estado e ainda podem ser submetidos à violência interpessoal (família, escola, etc.) e/ ou coletiva, muitas vezes, acabam por reproduzir a violência recebida: consigo mesmo (violência auto infligida), com os outros (violência interpessoal e coletiva) ou para aqueles que não conseguem canalizar a agressividade de maneira criativa, mas que também não são capazes de violar o outro, o possível desenvolvimento de transtornos mentais! Existem também os indivíduos que resistem e superam situações adversas e saem dos problemas mais fortalecidos. Esta é a descrição do conceito de

VIOLÊNCIA - VIOLÊNCIA E PSICOLOGIA

“A violência psicológica é descrita pelo Ministério da Saúde como toda ação ou omissão que causa ou visa a causar dano à autoestima, à identidade ou ao desenvolvimento da pessoa.”

Resiliência que tem sido muito estudado pela Psicologia. Por outro lado, a agressividade quando canalizada de forma produtiva pode gerar produção artística e inovações no mundo em vários âmbitos. Não obstante, percebemos que à medida que a sociedade se desenvolve, novas formas de violência surgem, como é o caso da violência cibernética que tem sido grande motivo de discussão jurídica e pública no Brasil, pois com o avanço tecnológico e o vasto acesso à internet e às redes sociais, ações de violência como o cyberbullying têm aparecido no país, inclusive causando suicídios, mas a legislação específica para punir essa nova configuração de violência é muito recente e ainda necessita adequações. A violência psicológica é descrita pelo Ministério da Saúde como toda ação ou omissão que causa ou visa a causar dano à autoestima, à identidade ou ao desenvolvimento da pessoa. Ela inclui ameaças, humilhações, chantagem, cobranças de comportamento, discriminação dentre outros (Brasil, 2001). Muitas vezes, esse tipo de violência é mais difícil de ser

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comprovada, entretanto é frequente no dia a dia das pessoas. Nesse aspecto, a violência psicológica quando cibernética pode ser mais facilmente comprovada à medida que há documento escrito dos agressores nas bases de dados dos sites e páginas da web. Podemos concluir que, na base do verdadeiro combate à violência, situa-se, portanto, a construção de indivíduos mais satisfeitos consigo próprios, mais capazes de levar as próprias vidas de maneira construtiva e tranquila, o que são fatores constitutivos de relacionamentos interpessoais e sociais de solidariedade e não de agressão. “Não fazer mal a ninguém, nem, tampouco a si mesmo. Tornar todo mundo feliz e a si mesmo também. Eis a bondade”, Bertolt Brecht (1977). * Maria Júlia Suano Bezerra de Meneses é psicóloga, especialista em Saúde Mental da Infância e Juventude pela UNIFESP, e pintora; está cursando Arte Terapia pela UNIP. e-mail: [email protected]

REVISTA DE PSICOLOGIA - ESPECIAL

ADOLESCÊNCIA E INFRATORES A VIOLÊNCIA QUE HÁ EM TODOS NÓS.

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UANDO FALAMOS EM VIOLÊNCIA LOGO PENSAMOS NO MAL, NA SOMBRA, NO MEDO, NO DESAMPARO. É ALGO QUE SE MANIFESTA EM SENTIMENTOS, NÃO CONSEGUIMOS EXPLICÁ -LA RACIONALMENTE. SEUS MOTIVOS, SUAS ORIGENS, SEUS EFEITOS, ESTÃO ENTRANHADOS NA HISTÓRIA HUMANA DESDE O PRINCÍPIO. TRATA-SE DE UMA FORÇA ASSUSTADORA E MUITO ANTIGA, À QUAL UNS RESISTEM E OUTROS SUCUMBEM. ESTÁ PRESENTE NA VIDA COTIDIANA, É TEMA DE LIVROS, FILMES E MITOS. Em nossa cultura judaico-cristã, encontramos uma das primeiras expressões simbólicas do Mal no registro bíblico de Caim matando Abel por inveja. Na caverna de Lascaux, na França, há imagens pictóricas – estima-se que produzidas há aproximadamente 15 ou 17 mil anos –, consideradas uma das primeiras representações figurativas da habilidade humana de comunicação com outros humanos; entre estas, há a imagem de um homem morto, com cabeça de pássaro e sexo ereto, assassinado por um animal, considerada uma das representações mais antigas do terror, da morte e da violência. O que faz o sucesso de filmes e séries contemporâneas como Harry Potter, Star Wars, Game of Thrones, se não a presença do Mal, apresentado como violência, de forma crua e evidente, para falar do Bem? São aspectos inseparáveis da vida. O ditado popular repete que “a escuridão é importante para fazer a luz brilhar”. Baudelaire, o poeta francês do século XIX, já declarou que “onde há o perigo, cresce também aquilo que salva”. O Mal em geral se apresenta no mal comum e está associado à prática de prejudicar os outros, especialmente os inocentes, dificultando que se defendam.

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VIOLÊNCIA - ADOLESCÊNCIA E INFRATORES

“Para Jung, a psique é o conjunto de tudo o que diz respeito à nossa personalidade: pensamentos, comportamento e sentimentos, conscientes ou inconscientes.”

Enquanto as religiões relacionam um ato mal ao pecado, a lei civil e criminal o relaciona ao extravasamento de limites jurídicos, variáveis de acordo com a cultura e o tempo histórico. Segundo Estés (2003), uma psicóloga mexicana, na cultura do curandeirismo, de seus antepassados, crê-se que geralmente uma pessoa com interesses malévolos está atormentada por sintomas da inveja, e expressam isto na imagem do estômago vazio. Estas pessoas buscam mais poder, mais status e admiração. Trata-se de uma fome que invade a psique sem que a vítima perceba. Para esta autora, como o Mal é considerado algo externo, a pessoa má teria sido tomada por ele e precisaria de ajuda para retornar ao seu centro de equilíbrio. Esta pessoa teria sido invadida por um complexo. Dizendo melhor, esta pessoa teria constelado um complexo. Para Jung, a psique é o conjunto de tudo o que diz respeito à nossa personalidade: pensamentos, comportamento e sentimentos, conscientes ou

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inconscientes. Ela serve de guia para a adaptação do sujeito ao ambiente físico e social, apresentando, em grande medida, um funcionamento autônomo. No início de sua carreira como psiquiatra, Jung (1991) desenvolveu um teste de associações de palavras com os pacientes do hospital no qual trabalhava e notou que eles reagiam de forma particular ao teste, associando conteúdo emocional pessoal específico. Ele notou diferenças no tempo e na qualidade da reação entre os pacientes e concluiu que a aglutinação e atualização de determinados conteúdos, para cada pessoa, criava uma situação que ele denominou de constelação de um complexo. Por exemplo, ao apresentar a palavra casamento, cada um reagiria de maneira positiva, neutra ou negativa de acordo com sua história pessoal ou fantasia. Este experimento foi precursor dos atuais detectores de mentira, que utilizam reações fisiológicas para obter respostas passíveis de serem conscientemente omitidas pelo sujeito.

VIOLÊNCIA - ADOLESCÊNCIA E INFRATORES

Por ser proveniente de forças instintivas, nas nossas vivências diárias o complexo escapa ao controle da consciência e pode se manifestar de forma desagradável: por meio de um comportamento rude, ridículo ou violento, por meio de reações corporais involuntárias, sempre reveladoras do sujeito. Os complexos se constituem nas vias principais que levam ao inconsciente e por meio deles é possível a abordagem de sintomas psicológicos, refratários à ação consciente do ego. Jung observou que quase sempre o consciente e o inconsciente discordam em conteúdos e tendências. Como a civilização exige um bom funcionamento do consciente, há o risco de um afastamento do inconsciente, que por isso pode irromper de maneira violenta no meio dos conteúdos da consciência, para se fazer novamente presente. O mais importante, porém, é que ele notou que os conteúdos conscientes e inconscientes possuem uma ligação entre si e quase sempre as pessoas saudáveis produzem um material psicológico que traz a tona ambos. Ele cunhou este fenômeno de função transcendente. O que é a função transcendente? É nossa capacidade saudável de traduzir em símbolos tudo o que nos afeta, ainda que não consigamos explicar racionalmente. É por meio dela que produzimos arte, literatura, conduzimos nossos interesses. É por meio dela que conseguimos equilibrar nosso lado consciente e nosso lado desconhecido e sombrio, ao qual não temos acesso direto. Nossos sonhos, segundo Jung, são produtos da função transcendente e trazem imagens que nos conectam com partes de nossa psique que sabem mais de nós do que nosso eu/ego - nossa parte consciente. Entretanto, quando não somos capazes de exercitar nossa função transcendente, nos tornamos unilaterais e corremos o risco de sermos tomados por diversos sentimentos ou urgências. A violência é uma delas. Jung (1980) chamou de sombra a soma das propriedades ocultas, das funções psíquicas mal desenvolvidas e dos conteúdos do inconsciente pessoal, isto é, aspectos obscuros, não reconhecidos pela personalidade e que por isso se tornam perigosos e muitas vezes acabam sendo projetados em outras pessoas. Isso acontece, por exemplo, quando só conseguimos ver a violência no outro e não em nós mesmos. E quando a violência é praticada por adolescentes? Primeiro, vale a pena entendermos a situação da juventude no Brasil. Na atual legislação, denominamos de criança o sujeito nascido até os 12 anos incompletos e de adolescente o sujeito que saiu da condição de criança, até completar 18 anos, quando alcança a maioridade penal, conceito que não se confunde com o de responsabilidade penal. Este último se inicia, segundo a legislação brasileira, aos 12 anos,

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momento em que o sujeito passa a ser responsabilizado, inclusive com a possibilidade de restrição de liberdade pelo período máximo de três anos, diante do cometimento de um ato infracional - outro nome que damos para o que no sistema penal adulto denominamos de crime e de contravenção penal. O conceito de menor infrator vem da época em que existia no Brasil um Código de Menores, precursor do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O primeiro Código de Menores é de 1927 e foi considerado um conjunto de leis moderno para a época. Objetivando proteger as crianças desamparadas socialmente, pouco incidia sobre as nascidas em famílias abastadas. O termo ficou, mas com a promulgação do ECA em 1990, legislação voltada para a proteção de todas as crianças, independentemente da classe social, o termo preferencial para denominarmos os sujeitos sob proteção desta lei passou a ser: crianças e adolescentes. Como somente o adolescente é responsabilizado por um ato infracional, não se fala de criança infratora e sim de adolescente infrator. Alguns autores fora do campo jurídico preferem utilizar o termo juventude, por entenderem que o conceito de adolescente no Brasil guarda certa ligação com o conceito de teenager

“Como somente o adolescente é responsabilizado por um ato infracional, não se fala de criança infratora e sim de adolescente infrator.”

VIOLÊNCIA - ADOLESCÊNCIA E INFRATORES

norte-americano, surgido no pós-segunda guerra mundial e relacionado a certa adolescência privilegiada e que passou mais e mais a ser admirada no mundo ocidental. A Organização das Nações Unidas define juventude como a população composta pelos indivíduos em transição para assumir o papel de adulto na sociedade, tanto no plano familiar quanto no profissional, na faixa dos 15 aos 24 anos. A adolescência pode ser definida como um período de passagem para o mundo adulto, e tem se tornado mais e mais longo por diversas razões: aumento do tempo de vida e consequentemente prolongamento das suas fases, necessidade de qualificação profissional mais longa ou falta de oportunidades para a pronta absorção do jovem pelo mundo adulto. Também concorre para o prolongamento do período de adolescência a falta de rituais simbólicos contemporâneos de passagem que sejam aceitos coletivamente. Em outros tempos se debutava, se fazia primeira comunhão, se celebrava o primeiro emprego. E hoje? A adolescência é o período em que nossa psique está se separando da psique dos pais – até então nosso eu/ego, que vinha se fortalecendo, aceitava bem a orientação das figuras condutoras familiares. Na adolescência, há um duplo estranhamento. Primeiro quanto aos objetos internos: nosso eu/ego consciente começa a perceber que há partes em nós desconhecidas – nossos aspectos inconscientes – e começamos a travar guerras e fazer acordos com estas nossas partes que estamos conhecendo. Isto faz nossa família ter a sensação de que não nos conhece mais, que estamos agindo de um jeito diferente do que agíamos até então. Também precisamos aprender a lidar com os objetos externos até então desconhecidos: nosso interesse se volta para o mundo e para as pessoas que habitam este mundo, que se tornam novas figuras condutoras: desconfiamos de nossos familiares e passamos a admirar o professor, o esportista famoso, o religioso, o astro de rock, o traficante de drogas do bairro, o ladrão de carros. Experimentamos ser punks, nerds, estudiosos, nos envolvemos em grupo religioso, com colegas aventureiros, com um grupo de teatro, começamos a trabalhar e temos que abandonar a escola sem completar nossa formação, experimentamos drogas em coberturas localizadas em bairros nobres ou em pancadões na periferia, ostentamos nas roupas e nos objetos de consumo – caros – que nossos pais podem comprar ou no “fluxo” do crime e do tráfico dirigindo carros furtados e usando bombetas e juliets adquiridos com o dinheiro do tráfico. Alguns autores sugerem que conceitos como adolescência ou juventude devem ser tomados no plural: juventudeS ou adolescênciaS, uma vez que a adolescência, como etapa da vida, deve “ser compreendida também como uma variante da condição

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social de classe. Isto é, sua duração e vivências ocorrem dependendo da origem social dos sujeitos e de suas condições objetivas de vida” (Trassi & Malvazi, 2010, p. 25). Outros autores sugerem que para entendermos as tendências emergentes no âmbito da cultura e da ação juvenil temos que considerá-las mediante a combinação de uma perspectiva macrossociológica, bem como das experiências individuais na vida diária. Na sociedade contemporânea, a juventude não seria mais uma condição biológica e sim uma definição cultural, com características que muitos assumem ao longo da vida independentemente da faixa etária, como: incerteza, mobilidade, transitoriedade, abertura para a mudança, todas indicando uma possibilidade de transição, o que coincide com valores contemporâneos tais como: a suspensão de compromissos estáveis, uma aproximação nômade em relação ao tempo, espaço e cultura, um excesso de possibilidades e múltiplas zonas de experiências, que ampliariam o limite do imaginário (Melucci, 2007). Ao lado da sensação de que tudo é possível, com muitas possibilidades e flutuações e pouco enraizamento, seria no presente que a juventude se fixaria e reproduziria os dilemas da construção histórica do tempo e da realidade social na contemporaneidade. Eles “anunciam para o resto da

VIOLÊNCIA - ADOLESCÊNCIA E INFRATORES

“No Brasil, a questão da violência traz insegurança a todos. A mídia noticia crimes, televisionando-os em tempo real, nos moldes de produções hollywoodianas.”

sociedade que outras dimensões da experiência humana são possíveis” (Melucci, 2007, p. 39). No Brasil, a questão da violência traz insegurança a todos. A mídia noticia crimes, televisionando-os em tempo real, nos moldes de produções hollywoodianas. A sensação de impunidade nos atinge e confusos, começamos a sentir medo. Os crimes cometidos por adolescentes reverberam com destaque neste meio, ainda que em menor número do que os crimes cometidos por adultos e levam a grande maioria da população a temê-los – e tomarem certas posições, como ser favorável à redução da maioridade penal, ainda que na contramão do que vem ocorrendo no resto do mundo (Monteiro, 2015; Época, 2015). No caso do Estado de São Paulo, uma recente pesquisa feita pelo Ministério Público sobre o total de adolescentes cumprindo medida socioeducativa de internação na Fundação CASA pela prática de crimes hediondos – que incluem homicídio, latrocínio, sequestro entre outros, sempre com a presença de violência e que, por esta razão, ensejam a restrição de liberdade – concluiu que este número corresponde a 3% das cerca de 1600 internações ocorridas no período pesquisado (Guandeline, 2015). Por outro lado, um estudo publicado este ano (Waiselfisz, 2015) mostrou que o homicídio

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é a principal causa de morte entre adolescentes de 16 a 17 anos, sendo a morte, na maioria das vezes, causada por arma de fogo. Quando se olha para etnia e condições socioeconômicas destes jovens assassinados, descobre-se que em 93% dos casos a vítima é do sexo masculino e que são três vezes mais negros do que brancos a morrerem desta forma; em grande parte, estas vítimas possuem baixa escolaridade. Esse perfil é muito parecido com o dos adolescentes infratores cumprindo medida socioeducativa. Logicamente, é necessária ampla discussão sobre os altos índices de violência em nosso país, mas ao que parece, quando se trata de adolescentes, estes se configuram mais como vítimas do que como autores da violência que nos circula. Características desenvolvimentais esperadas para esta faixa etária tornam a expressão da adolescência um tanto quanto turbulenta, ainda mais quando seus estereótipos, expressos tanto no Born to be wild quando no brasileiro Como é bom ser vida louca, ganham tanta admiração na nossa sociedade. Contudo, a criminalização da vida louca e a aceitação da vida selvagem do jovem bem nascido é um recorte a se considerar. Talvez o cumprimento dos aspectos protetivos preconizados pelo ECA, ainda subutilizados, em vez dos movimentos recentes de endurecimento da punição juvenil, tragam melhores frutos na construção de uma sociedade democrática e mais pacífica. O ECA, passados 25 anos de sua promulgação, sequer chegou a ser aplicado em sua totalidade. O afã punitivo geralmente atinge apenas a violência que vemos projetada nos outros. Quando projetamos o Mal do mundo nos nossos jovens, geralmente naqueles excluídos socialmente, talvez estejamos errando tanto quanto os jovens que se entregam à violência. Talvez estejamos falhando na tarefa de prestar atenção a quais complexos estamos nós próprios constelando. O que conduz nossas ações? Vingança? Descaso? Medo? Crença na educação e fé no futuro destes jovens? Nos vemos ao lado deles, ou os vemos como aqueles que podem ser descartados? E nosso estômago? Está vazio e quer devorá-los, inveja a liberdade deles em entrarem em contato com o Mal ou temos a coragem de aceitá-los e iniciar a tarefa de ajudá-los a escolherem o retorno ao equilíbrio? * Aline Christina Torres é psicóloga judiciária do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e professora do curso de especialização em Psicologia Jurídica do Instituto Sedes Sapientiae, módulo Adolescente em Conflito com a Lei. e-mail: [email protected]

REVISTA DE PSICOLOGIA - ESPECIAL

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COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A UM LONGO PERCURSO “Todas las calles significan todas las posibilidades de experimentar algún tipo de violencia. Y todas las calles representan todas las formas de violencia que puedes imaginar en un micro segundo si es que eres mujer” (…).

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PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO DE MULHERES E HOMENS ESTÁ PERMEADO DE VIOLÊNCIA. A VIOLÊNCIA É UM FENÔMENO AMPLO COM DIFERENTES ASPECTOS E OPERA EM TODOS OS NÍVEIS DA VIDA HUMANA, DE FORMAS DIFERENTES PARA MULHERES E HOMENS. ENQUANTO ESTES SÃO VÍTIMAS PREFERENCIAIS DA VIOLÊNCIA EM ESPAÇOS PÚBLICOS, SOBRETUDO SE SÃO JOVENS NEGROS ATÉ 30 ANOS, AS MULHERES SÃO ALVOS DA VIOLÊNCIA COMETIDA POR PESSOAS DE SEU NÚCLEO DE CONVIVÊNCIA, EM GERAL COMPANHEIROS E EX-COMPANHEIROS. A ideia de que aqueles que violentam as mulheres são desconhecidos que as abordam à noite na rua é recorrente. Isso realmente acontece, mas está longe de ser o padrão dos casos de violência contra a mulher. Esse fato demonstra que a reificação (a transformação do corpo em um objeto inanimado, desprovido de autonomia e vontade) do corpo das mulheres permite que elas sejam consideradas propriedade das pessoas com as quais mantêm relações, o que torna muito mais difícil o reconhecimento dessa violência e sua denúncia.

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VIOLÊNCIA - VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

A complexidade do fenômeno da violência familiar contra a mulher não pode ser compreendida de maneira desarticulada do lugar que ela ocupa em um contexto mais amplo de violência estrutural, cuja intersecção com outros fatores determinantes das desigualdades sociais, como as condições de classe, raça e orientação sexual é determinante. A violência contra a mulher no espaço doméstico representa uma experiência específica centrada na conversão de meras diferenças em relações hierárquicas desiguais, gerando práticas de dominação, exploração e opressão. Esse tipo de violência é a expressão máxima da sociedade sexista em que vivemos e amplia-se na proporção direta em que o poder masculino é ameaçado. No Brasil, o debate sobre a violência contra as mulheres foi marcado pela criação do SOS Mulher, no final da década de 1970 em São Paulo por um grupo de feministas. Naquela época, o movimento de mulheres utilizou o slogan “quem ama não mata” como forma de protesto contra os inúmeros assassinatos de mulheres que estavam sendo denunciados e contra a impunidade dos assassinos, que usavam o argumento da legítima defesa da honra, afirmando que matavam por amor. Além disso, reivindicavam políticas públicas que contribuíssem para o combate à violência. Na década de 1980, como resultado das reivindicações do movimento feminista, foram construídas inúmeras políticas públicas voltadas especificamente para o combate à violência contra as mulheres. O Estado rompeu a barreira do espaço privado e a ideia de que “em briga de marido e mulher não se mete a colher” foi duramente criticada. Nessa época, foram criadas as Delegacias da Mulher, que ainda hoje, apesar de suas limitações, representam importante espaço de denúncia. Já nos anos 1990, com a maior participação das mulheres nos governos locais e nos conselhos participativos, houve a ampliação dos serviços de atendimento a partir de uma perspectiva feminista. Isso gerou a necessidade de uma articulação tanto nacional quanto internacional das políticas de combate à violência contra a mulher, o que levou à realização de inúmeras conferências. O tema da violência se institucionalizou não somente no movimento feminista, mas também nas agendas governamentais. Entre os desdobramentos recentes da percepção da centralidade da violência interpessoal contra as mulheres, destacam-se a aprovação da Lei 11.340/2006, a qual tipifica a violência doméstica e familiar, e as mudanças recentes no Código Penal, sendo a aprovação da Lei 8305/14 o último avanço no sentido de punir assassinos de mulheres. Há duas redes de serviços voltadas para o atendimento de mulheres em situação de violência que se articulam: a rede de enfrentamento à violência e a rede de atendimento às mulheres. A rede de enfrentamento à violência contra as mulheres diz respeito à atuação articulada entre as instituições/serviços

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governamentais, não governamentais e a comunidade, visando ao desenvolvimento de estratégias efetivas de prevenção e de políticas que garantam o empoderamento das mulheres e seus direitos humanos; a responsabilização dos agressores e a assistência qualificada às mulheres em situação de violência. A rede de atendimento faz referência ao conjunto de ações e serviços de diferentes setores (em especial, da assistência social, da Justiça, da segurança pública e da saúde), que visam à ampliação e à melhoria da qualidade do atendimento; à identificação e ao encaminhamento adequado das mulheres em situação de violência; e à integralidade e à humanização do atendimento. A rede de enfrentamento é composta por: agentes governamentais e não governamentais formuladores, fiscalizadores e executores de políticas voltadas para as mulheres (organismos de políticas para as mulheres, ONGs feministas, movimentos de mulheres, conselhos dos direitos das mulheres, outros conselhos de controle social, núcleos de enfrentamento ao tráfico de mulheres, etc.); serviços/programas voltados para a responsabilização dos agressores; universidades; órgãos federais, estaduais e municipais responsáveis pela garantia de direitos (habitação, educação, trabalho, seguridade social, cultura); e serviços especializados e não especializados de atendimento às mulheres em situação de violência (que compõem a rede de atendimento às mulheres em situação de violência). Os serviços telefônicos de denúncia de violência fazem parte desta rede de atendimento, entre os quais se destacam a Central de Atendimento à Mulher, Central Ligue 180, e o Disque Direitos Humanos, Disque 100. Esses dois canais de denúncia têm escopos diferentes, uma vez que a Central Ligue 180 está voltada para a orientação de mulheres no Brasil e em três países no exterior (Espanha, Itália e Portugal). Para ambos os serviços, há um aumento constante dos números de atendimento, o que denota a importância do trabalho desenvolvido por eles no tratamento das vítimas de violência.

VIOLÊNCIA - VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Além dos canais telefônicos de denúncia, há também os serviços de atendimento como as delegacias especializadas no atendimento à mulher, os juizados e as especializados, os centros de referência de atendimento às mulheres vítimas de violência, além dos demais serviços de atendimento à população como os CRAS e os CREAS, os órgãos gestores das políticas públicas para as mulheres onde eles existem e os grupos e organizações da sociedade civil. No site da Central Ligue 180, há a lista completa dos órgãos e serviços de atendimento às mulheres por unidade da federação, basta acessar: https://sistema3.planalto.gov.br//spmu/ atendimento/atendimento_mulher.php Desde a criação da Lei 11.340/2006, há um processo de ampliação dos serviços jurídicos voltados para o atendimento das mulheres vítimas de violência. Entre 2006 e 2012, foram criados 61 varas ou juizados exclusivos. Eles estão distribuídos em todos os estados da federação e têm como foco julgar e aplicar as medidas cabíveis aos processos de violência contra a mulher, tanto os baseados na Lei Maria da Penha, quanto em outros procedimentos não diretamente previstos pela Lei 11.340/2006. No entanto, é importante destacar que a implementação dessas políticas públicas, embora de inquestionável avanço e relevância para o combate à violência contra a mulher, se dá ainda dentro de uma lógica machista que expõe as mulheres a situações de opressão em seus momentos mais vulneráveis. Nos momentos de denúncia, por exemplo, as mulheres são submetidas a questionamentos que seguem a lógica de culpabilização da vítima. Portanto, há ainda um longo percurso a ser percorrido para que as mulheres vivam em condições de igualdade. Por isso, é necessário reafirmar a importância de construção de um sistema de políticas públicas articulado, da atuação indispensável de um movimento feminista crítico e do desafio de envolver cada vez mais os distintos setores da sociedade brasileira, assegurando o protagonismo das mulheres, na mudança das relações de discriminação e desigualdade presentes tanto na vida pública quanto no mundo privado. * Beatriz Rodrigues Sanchez é mestranda em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. É formada em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, além de pesquisadora do Grupo de Estudos de Gênero e Política (Gepô) do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo. ** Hannah Maruci Aflalo é doutoranda em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. É mestra em Sociologia pela Universidade de Brasília e possui graduação em

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Quadro Figura 1 – Número de varas/juizados exclusivos criados por ano.

(Fonte: O Poder Judiciário na aplicação da Lei Maria da Penha, 2013)

Figura 2: Distribuição nacional de varas/juizados exclusivos por Estado.

(Fonte: O Poder Judiciário na aplicação da Lei Maria da Penha, 2013)

Ciência Política pela Universidade de Brasília. É também pesquisadora do Grupo de Estudos de Gênero e Política (Gepô) do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo. *** Layla Daniele Pedreira de Carvalho é doutoranda em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. É mestra em Sociologia pela Universidade de Brasília e possui graduação em Ciência Política pela Universidade de Brasília. É também pesquisadora do Grupo de Estudos de Gênero e Política (Gepô) do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo.

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CESARIANA UM MEIO PARA UM FIM OU UM FIM EM SI MESMO?

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Fotodivulgação: Flickr - Flickr-Emery Co Photo

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M TEMPOS DE LIDERANÇA NO RANKING MUNDIAL DE NASCIMENTOS, VIA PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOS, PRECISAMOS FALAR SOBRE VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA. O CONCEITO É DEFINIDO INTERNACIONALMENTE COMO QUALQUER ATO OU INTERVENÇÃO DIRECIONADO À MULHER GRÁVIDA, PARTURIENTE OU PUÉRPERA, OU AO SEU BEBÊ, PRATICADO SEM O CONSENTIMENTO EXPLÍCITO E INFORMADO DA MULHER E/OU EM DESRESPEITO À SUA AUTONOMIA, INTEGRIDADE FÍSICA E MENTAL, A SENTIMENTOS, OPÇÕES E PREFERÊNCIAS. Aqui, partimos do pressuposto de que a alta taxa de partos realizados no Brasil por meio de intervenções cirúrgicas, como cesáreas e episiotomias (incisão efetuada na região do períneo), é fruto de uma relação de poder assimétrica entre dois grupos distintos, um profissional e um leigo, estabelecida a partir da autoridade atribuída ao primeiro, que detêm o conhecimento técnico-científico dos saberes e das práticas necessárias ao segundo. Nesse caso, quanto maior a desproporção, maior o gradiente de poder. Quando lidamos com a manipulação de informações retidas por um grupo de indivíduos – e não no sentido pejorativo, mas no manuseio mesmo de conhecimentos específicos –, estamos lidando com a criação e efetivação de tipos representacionais de uma parcela da realidade social. Howard Becker considera que todos eles fornecem um retrato parcial, porém, adequado a alguma proposta. Na dimensão organizacional entre usuários e produtores desses tipos de representação, deixamos de lado muito, de fato a maior parte, da realidade. Dessa forma, mesmo discursos objetivos professados pelos profissionais da saúde, são eminentemente parciais e proponentes. Nenhuma informação é capaz de abarcar a completude de suas formas, e devemos ter isso em mente. Nesse contexto, a autonomia, opções e preferências da parturiente devem ser asseguradas pela equipe médica, composta por profissionais que são porta-vozes desses conhecimentos enquadrados e codificados por eles mesmos. Para Goffman, sempre haverá destaque ou turvação de algum aspecto nesse processo, e aí reside o germe desse tipo específico de violência obstétrica. Essa análise não pretende abarcar a complexidade de todas as variáveis que perpassam o fenômeno, tampouco suas diversas ramificações, proponho aqui uma reflexão, a partir de um breve levantamento de dados e pesquisas científicas, sobre um dos (diversos) fatores que produzem a alta taxa de intervenção médica nas maternidades do Brasil – justamente por ser esse índice um dos vários tipos de violência obstétrica que se mantêm ocultos. Primeiramente, vamos contextualizar o conceito de violência. Para Foucault, a violência pode ser um instrumento utilizado nas relações de poder, mas não um princípio básico de sua natureza. Ao que nos referimos como violência obstétrica, sob o ponto de vista aqui estabelecido, é fruto de uma relação entre duas ou mais pessoas mantidas em um equilíbrio

VIOLÊNCIA - CESARIANA

instável de forças. A dicotomia que irá traduzir essa perspectiva provém da relação médico(a)/paciente, pretendendo abranger toda a categoria dos profissionais da saúde e pacientes de um modo geral, particularmente do gênero feminino. Nas palavras de Foucault, a atuação do poder se manifesta através de aspectos sutis, e não necessariamente negativos, mas também produtivos: “em si mesmo o poder não é violência nem consentimento, o que, implicitamente, é renovável. Ele é estrutura de ações; ele induz, incita, seduz, facilita ou dificulta; ao extremo, ele constrange ou, entretanto, é sempre um modo de agir ou ser capaz de ações. Um conjunto de ações sobre outras ações”. Dessa forma, o que está em jogo aqui é a natureza das relações de poder presentes na dicotomia da qual partimos, na qual um dos polos retém ou monopoliza aquilo de que os outros necessitam, e quanto maior a necessidade do outro, maior é a proporção de poder detida pelos primeiros. Essa configuração pode ou não recorrer ao uso da violência. O importante é tomarmos a relação como fundamentalmente hierarquizada, em virtude da autoridade técnico-científica do médico sobre o corpo da paciente. Tomando a assimetria que está em jogo, poderíamos dizer que é probabilisticamente maior a tendência de que essa característica seja concretizada quando tratamos de um grupo específico de pacientes do gênero feminino. Rotineiramente nos deparamos com estereótipos relacionados à mulher que se sustentam no âmbito das emoções, da irracionalidade, e dos afetos não controlados, em contraposição à figura “O importante é tomarmos a relação como fundamentalmente hierarquizada, em virtude da autoridade técnico-científica do médico sobre o corpo da paciente.”

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masculina, racional e objetiva. Esse estereótipo possui uma tendência ainda maior de ser reforçado no período de gestação – afinal, “são os hormônios falando”. Logo, estamos tratando de uma relação de poder duplamente qualificada: médico(a)/paciente e médico(a)/paciente do gênero feminino. O ponto de partida aqui estabelecido é o número alarmante produzido pela pesquisa “Mulheres brasileiras e Gênero nos espaços público e privado”, divulgada em 2010, pela Fundação Perseu Abramo: uma em cada quatro gestantes sofre algum tipo de violência durante o parto. Embora não ocorra no Brasil o mesmo que em países como Argentina ou Venezuela, onde a violência obstétrica é reconhecida legalmente como um crime cometido contra as mulheres, e como tal deve ser prevenido, punido e erradicado; o Ministério Público de São Paulo instaurou inquéritos públicos para investigarem as práticas nos hospitais e maternidades do estado. Parto dessa iniciativa para elucidar alguns exemplos qualificados como violência obstétrica: cesariana sem indicação clínica e sem o consentimento da mulher; impedimento da entrada de acompanhante escolhido pela parturiente; procedimentos que incidam sobre o seu corpo, causando dor ou dano físico, como, por exemplo, soro com ocitocina sintética para acelerar o trabalho de parto por conveniência médica, exames de toque sucessivos e por diferentes profissionais, privação de alimentos, episiotomia, imobilização de braços e pernas etc. Ainda, são exemplificados alguns mitos reproduzidos às mulheres para justificar uma cesariana sem indicação clínica: bebê muito grande, muito pequeno, ou “passando da hora”, mulher com baixa estatura ou quadril estreito (“não tem passagem”), cordão enrolado no pescoço, pé do bebê “preso na costela” da mãe, pouco líquido amniótico, cesariana anterior, deficiência ou mobilidade reduzida, falta de contrações ou dilatação (fora do trabalho de parto), hemorroidas, hepatite, cardiopatia etc. Segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), entre o total de partos realizados no Brasil com planos de saúde, 84% são cesáreos, enquanto no Sistema Único de Saúde (SUS), a porcentagem é de 40%. Levando-se em conta tanto a rede pública quanto a privada, a cesariana representa 55% dos nascimentos no país. A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que a taxa desse procedimento não ultrapasse os 15%. Diante disso, duas questões devem ser levantadas: por que produzimos taxas tão altas de cesarianas, e por que as taxas da rede privada representam mais que o dobro do procedimento comparado ao atendimento público? A pesquisa “Trajetória das mulheres na definição pelo parto cesáreo”, realizada pela Fiocruz, entre os anos de 2006 e 2007, acompanhou 437 mães que deram à luz no Rio de Janeiro, via atendimento privado. Ao início da gestação, 70% delas não preferiam

VIOLÊNCIA - CESARIANA

cesáreas, mas 90% dos bebês acabaram por nascer assim, e em 92% dos casos, antes de a mulher entrar em trabalho de parto. O obstetra especialista em parto humanizado, Jorge Kuhn, afirma que “a grande culpada pelo boom de cesarianas foi a mudança do modelo obstétrico. Antigamente o modelo era centrado na obstetriz. O médico era chamado nos casos de complicação. A transformação do parto domiciliar em hospitalar, na década de 1970, aumentou a incidência de cesarianas. É lógico que esse índice também cresceu por outras razões,  como gravidez múltipla, idade avançada e riscos reais ”. O obstetra explica que outro fator importante foi a entrada dos convênios médicos nos planos de parto. “Eles perceberam que para vender planos de saúde, um bom argumento era o de que a mulher faria o pré-natal com o mesmo médico que faria o parto e isso é a maior cilada, porque o médico prefere ficar no consultório a sair para ganhar tão pouco. Dizem que a mulher escolhe a cesariana, mas o parto normal é desconstruído no consultório consulta a consulta. Frases como “nossa, mas esse bebê está crescendo muito” dão a conotação subliminar de que a mulher não poderá ter parto normal. Circular de cordão, bacia estreita, feto grande, feto pequeno, pouco líquido, muito líquido, pressão arterial alta, diabetes, nada disso é indicação de cesariana. Foi se criando o conceito de que o corpo da mulher é defeituoso e requer assistência. Que ela precisa ser cortada em cima ou embaixo para poder parir”. A pesquisa “Nascer no Brasil: Inquérito Nacional sobre Parto e Nascimento”, produzida pela Fiocruz e pelo Ministério da Saúde, abrangeu 266 maternidade públicas e privadas em 191 municípios do país e entrevistou 23.940 mulheres entre os anos de 2011 e 2012. Segundo o levantamento, quase 90% das crianças nascidas via convênios médicos vieram ao mundo por

meio de cesarianas, enquanto 72% das mães desejou um parto normal no início da gravidez. A pesquisa indica, ainda, que a própria mulher que resolve esperar o trabalho de parto é hostilizada e o risco de sofrer violência torna-se ainda maior. Os dados apontam também que 53,5% das mulheres que tiveram seu parto vaginal foram submetidas à episiotomia. A recomendação da OMS é de restringir o uso da técnica para que as taxas não ultrapassem 10%. A pesquisa “A formação em obstetrícia: competência e cuidado na atenção ao parto”, publicada em 2007, afirma que “o ‘ponto do marido’, no linguajar médico, significa um ponto que é dado durante a costura da episiotomia para ‘apertar’ a abertura da vagina um pouco mais do que estava antes de fazer o corte. É assim chamado, pois se baseia na crença, sem qualquer fundamentação científica, de que a vagina se alargaria com a gestação e o parto e que, deixando-a mais apertada com este ponto, a vida sexual seria mais satisfatória para os homens”. A médica e professora, Melania Amorim, uma das principais referências brasileiras na luta pela humanização do parto, acredita que as altas taxas são derivadas, entre em outros motivos, do “discurso daqueles que se baseiam na onipotência médica do ‘faço assim há 30 anos e sempre deu certo’ e na crença de que o corpo da mulher é essencialmente defeituoso e depende da intervenção médica para parir”. Recorrendo a Bourdieu, proponho um diálogo entre a violência obstétrica e o conceito de violência simbólica, que, “suave, insensível, invisível a suas próprias vítimas, se exerce essencialmente pelas vias puramente simbólicas da comunicação e do conhecimento, ou, mais precisamente, do desconhecimento, do reconhecimento, ou em última instância, do sentimento”. Com o paradoxo da doxa, o sociólogo aponta para a perpetuação de uma ordem estabelecida, que,

“Diante disso, duas questões devem ser levantadas: por que produzimos taxas tão altas de cesarianas, e por que as taxas da rede privada representam mais que o dobro do procedimento comparado ao atendimento público?”

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por meio de práticas de dominação, permite que condições de existência intoleráveis sejam vistas como aceitáveis ou até mesmo naturais. As próprias mulheres aplicam à realidade em que se veem envolvidas os esquemas de pensamento que são produto da incorporação dessas relações de poder. Por conseguinte, seus atos de conhecimento são atos de reconhecimento prático, de adesão dóxica, crença que não tem que se pensar e se afirmar como tal, e que “faz” a violência simbólica que ela sofre. O efeito da dominação simbólica se exerce não na lógica pura das consciências cognoscentes, mas por meio dos esquemas de percepção e de avaliação, e fundamentam, aquém das decisões da consciência e dos controles da vontade, uma relação de conhecimento obscura e a ela mesma. As expectativas dos profissionais da saúde são mais reconhecidas socialmente do que as da própria paciente, de modo que ela mesma aceita a subjugação de suas preferências diante das recomendações médicas, dada a legitimidade científica atribuída aos seus conhecimentos e técnicas. Esse processo permite que a mulher seja alvo da violência obstétrica, configurando uma submissão “extorquida e espontânea”. Foucault aponta para a relação estreita entre poder e saber nas sociedades modernas, produzindo verdades circunscritas numa rede de dominação. As relações de poder acompanham as dinâmicas sociais, sendo construídas socialmente e legitimadas por meio das instituições. Nesse diálogo, podemos pensar na verdade inerente aos discursos dos profissionais da saúde como um sustentáculo de relações de poder que podem efetivar práticas de violência obstétrica. Para o filósofo, é possível adestrar o corpo humano por um poder disciplinar através do controle detalhado e minucioso de gestos, comportamentos e hábitos. O poder disciplinar pode ser verificado em diversas fases do parto, seja pela via da organização do espaço, com sobreposição dos partos hospitalares em relação aos domiciliares; seja por meio do controle do tempo adequado, adiantando o parto com o agendamento de uma cesárea, ou acelerando o parto vaginal com ocitocina sintética, estourando a bolsa artificialmente ou a descolando-a; seja ao se operacionalizar a vigilância contínua dos diversos profissionais de saúde a acompanharem o parto – acompanhantes mais certos do que aquele escolhido pela mulher, usualmente impedido de entrar na sala. Esse processo implica a vulnerabilização das parturientes em face da vontade do profissional, que estabelece os critérios “adequados” para a realização do parto segundo o saber das técnicas estudadas e por meio do poder que aquele saber atribui. Podemos concluir que os altos índices de procedimentos cirúrgicos no parto não podem ser inteiramente atribuídos à livre escolha da parturiente ou à indicação clínica dos médicos, mas à natureza da relação estabelecida entre os dois polos. A definição

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“Podemos concluir que os altos índices de procedimentos cirúrgicos no parto não podem ser inteiramente atribuídos à livre escolha da parturiente ou à indicação clínica dos médicos, mas à natureza da relação estabelecida entre os dois polos.”

weberiana do conceito de poder traduz em poucas palavras o que tento dizer aqui: “toda probabilidade de impor a própria vontade, numa relação social, mesmo contra resistências, seja qual for o fundamento dessa probabilidade”. Apesar de existirem casos em que as práticas cirúrgicas tornam-se estritamente necessárias, as pesquisas indicam uma manutenção indiscriminada, produzindo um tipo específico de violência sobre os corpos e mentes das mulheres brasileiras. O agravante dessa realidade é a tenacidade de suas práticas que rotineiramente são efetivadas sem se reputarem violentas. Justamente pela capacidade de se camuflar e silenciar seus danos, esse tipo específico de violência pode ser chamado de simbólico (quando não físico, de fato): aparentemente invisível, torna-se um perigo por não se fazer evidente. Tornase legítimo por articular um saber específico, encadeado a um poder invisível que só atinge concretude por meio de relações sociais que os reproduzem sem se perceber. Tempos difíceis para quem acredita na autonomia das mulheres sobre os seus corpos. * Camille de Azevedo Marinho Porto é bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), exbolsista de Iniciação Científica no Núcleo de Cidadania, Conflito e Violência Urbana (IFCS/UFRJ) e atual Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA/UFRJ). e-mail: [email protected]

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VIOLÊNCIA

SEXUAL

E A QUESTÃO DO CONSENTIMENTO O CONSENTIMENTO SÓ SE REALIZA SE A PESSOA SOUBER O QUE ESTÁ CONSENTINDO E SE TIVER LIBERDADE PARA DIZER SIM OU NÃO.

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ARA QUE UM DISCURSO DE VERDADE SE IMPONHA COMO REALIDADE, E PARA QUE PRÁTICAS POSSAM SER NORMATIZADAS, FAZ-SE NECESSÁRIO QUE ALGUMAS NOÇÕES ORGANIZADORAS DEEM SENTIDO A ESSE DISCURSO. A NOÇÃO DE CONSENTIMENTO É, SEM DÚVIDA, UM DOS MAIS IMPORTANTES GABARITOS DE INTELIGIBILIDADE NA COMPREENSÃO DAS PRÁTICAS SEXUAIS NAS SOCIEDADES OCIDENTAIS. O CONSENTIMENTO DEVE SER ENTENDIDO COMO NOÇÃO QUE ORGANIZA A ÉTICA DAS RELAÇÕES SEXUAIS E, AO MESMO TEMPO, DÁ SENTIDO AOS DISCURSOS SOBRE O SEXO. Há um entendimento geral em nossa sociedade de que qualquer tipo de contato sexual só pode ocorrer por meio do consentimento e que qualquer outra forma de sexo é considerada

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ilegal, violenta, crime e/ou tabu. A definição mais comum de abuso sexual é caracterizada pela ausência de consentimento – o estupro é justamente considerado crime por se tratar de ato sexual não consentido pela pessoa. Logo, o sexo entre adultos e crianças deve ser considerado crime pelo fato de não haver consentimento. Por essa razão, o artigo 217-A do Código Penal brasileiro define como “estupro de vulnerável” qualquer “conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos”. Desse modo, o abuso sexual infantil é visto como mal que envolve horror e repulsa justamente por se tratar de ato sexual não consentido. O que está em jogo nas leis e nas representações sociais não é saber se algumas crianças consentem o sexo, uma vez que o contato sexual entre adultos e crianças é comumente menos coercitivo que o estupro, pois, em alguns casos, as crianças aparentemente consentem e até colaboram com o agressor. Então, a pergunta que fica é: se dissermos que é legítimo o sexo com

VIOLÊNCIA - VIOLÊNCIA SEXUAL

consentimento, isso não legitimaria o sexo consentido entre adultos e crianças? No entanto, o consentimento só se realiza a partir de dois elementos básicos: a pessoa deve saber o que está consentindo e precisa ter liberdade para dizer sim ou não. A ideia, praticamente consensual, é de que as crianças são incapazes de consentir o sexo com adultos por causa de sua condição de vulnerável e de tutelada. Por esses motivos, o contato sexual entre adultos e crianças não pode ser admitido, segundo os padrões morais das sociedades ocidentais, porque exige consentimento. Acredita-se que a criança, muitas vezes, não tem liberdade de dizer sim ou não a um adulto, tanto do ponto de vista legal quanto do ponto de vista psicológico. Do ponto de vista legal, a criança está sob a autoridade de um adulto e não tem livre escolha. Do ponto de vista psicológico, a criança tem dificuldade em dizer não a um adulto, sobretudo porque o adulto normalmente detém todos os tipos de recursos em suas mãos: afeto, comida, dinheiro, abrigo e segurança. Nesse sentido, a condição da criança é como a de um prisioneiro, por estar completamente rendida nas mãos de uma autoridade ou instituição. Por isso, a maioria dos casos em que parece haver sexo consensual pode ser apenas uma resposta ao poder exercido pela pessoa em posição de autoridade. Sabemos que no Brasil a idade mínima de consentimento é de 14 anos. Existem projetos em tramitação na Câmara que propõem a alteração do Código Penal brasileiro para determinar que, mesmo em caso de possível consentimento (presente na jurisprudência da justiça brasileira especialmente nos casos de prostituição infantil), não haja a descaracterização de crime e nem o abrandamento da pena quando ocorrer uma relação sexual com menores de catorze anos. A ideia é tornar qualquer forma de contato sexual com menores de 14 anos automaticamente em crime de “estupro de vulnerável”. Na Espanha, até abril de 2013, a idade de consentimento para relação sexual ou mesmo casamento estava entre as mais baixas do mundo: 13 anos de idade para o sexo e 14 anos para o casamento. Mas alegando questões de saúde e de segurança, o Ministério da Saúde espanhol propôs aumentar a idade mínima do casamento para 16 anos. E o parlamento espanhol ainda está discutindo nova idade mínima para o consentimento sexual. Já em outros países europeus a idade para o consentimento varia entre 14 e 16 anos. Em todos os continentes, a idade de consentimento varia bastante em termos de definição. Observamos que na América do Sul, por exemplo, temos os seguintes cenários: Brasil,

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Chile, Colômbia, Equador e Peru são países que estabelecem a idade para sexo consensual aos 14 anos; na Argentina, 13 anos; Uruguai, 15 anos; Venezuela, 16 anos. E ainda há casos curiosos como o do Paraguai, que estabelece 14 anos para sexo heterossexual e 16 para homossexual, e da Bolívia cuja situação depende da puberdade. Evidentemente em países africanos e asiáticos a variação é maior por causa da própria complexidade e do tamanho desses continentes. Há casos extremos como o de Camarões em que não há qualquer lei ou regulamentação sobre idade mínima de consentimento, passando por Angola, cuja idade é de 12 anos, até o Egito que estabelece os 18 anos como idade mínima de consentimento, além de serem ilegais as relações homossexuais e a prática de prostituição. Em outros países islamizados, como o Irã, qualquer forma de sexo que não esteja circunscrito no interior do casamento heterossexual é ilegal,

“Acredita-se que a criança, muitas vezes, não tem liberdade de dizer sim ou não a um adulto, tanto do ponto de vista legal quanto do ponto de vista psicológico.”

VIOLÊNCIA - VIOLÊNCIA SEXUAL

isso significa dizer que a idade mínima de consentimento, a prostituição e a homossexualidade estão fora de cogitação. Independentemente do contexto utilizado como exemplo, há algumas questões jurídicas, apoiadas nas definições médicas, que entendem a criança como sujeito posicionado assimetricamente em relação ao adulto – daí o papel-chave da noção de consentimento. Por essa razão, a criança não seria capaz de consentir livremente a prática sexual. Os juristas também lançam mão da psicologia ao entender que a criança, no fundo, é envolvida em jogos de sedução propostos pelos abusadores com o intuito de passar a impressão de que a criança busca o envolvimento com o adulto. Acredita-se que as crianças são geralmente carentes de afetos e, pela falta de maturidade, são manipuladas pelo abusador. Apoiado no ideal iluminista de indivíduo, o consentimento é o critério que define a legitimidade

“O consentimento como direito individual está ligado ao movimento feminista e à luta das mulheres contra a violência sexual.”

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ou não do ato e a legalidade ou não da relação sexual. O consentimento opera como direito que a criança, por ser tutelada, está impedida de exercer. O consentimento como direito individual está ligado ao movimento feminista e a luta das mulheres contra a violência sexual. O parágrafo 96 da Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial Sobre a Mulher, realizada em Beijing (China) em 1995, responsável pelo desencadeamento da linguagem sobre os direitos sexuais diz que: “Os direitos humanos das mulheres incluem os seus direitos a ter controle sobre as questões relativas à sua sexualidade, inclusive sua saúde sexual e reprodutiva, e a decidir livremente a respeito dessas questões, livres de coerção, discriminação e violência. A igualdade entre mulheres e homens no tocante às relações sexuais e à reprodução, inclusive o pleno respeito à integridade da pessoa humana, exige o respeito mútuo,

VIOLÊNCIA - VIOLÊNCIA SEXUAL

“Os direitos sexuais, como frutos de debates internacionais e exercício dos direitos humanos, diz respeito principalmente aos direitos das mulheres, aos direitos reprodutivos, (...).”

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o consentimento e a responsabilidade comum pelo comportamento sexual e suas consequências” (ONU, “IV Conferência Mundial sobre a Mulher - Ação para a Igualdade, o Desenvolvimento e a Paz”, 1995). Pode-se dizer que as noções chaves desse parágrafo são “responsabilidade”, “respeito”, “consentimento” e “igualdade”. Esses conceitos “são vistos como condição de possibilidade para o exercício legítimo dos direitos de liberdade sexual reivindicados nesse cenário político. Daí a condição de liminaridade das interações sexuais intergeracionais envolvendo menores, devido ao caráter ‘naturalmente’ assimétrico dessas interações e à condição especial desses sujeitos, considerados (ainda) irresponsáveis para consentir livremente em relações sexuais e serem mais vulneráveis à ‘violência’ e a outros ‘riscos’” (Lowenkron, 2012, p. 38). Os direitos sexuais, como frutos de debates internacionais e exercício dos direitos humanos, diz respeito principalmente aos direitos das mulheres, aos direitos reprodutivos, ao reconhecimento das diversas identidades sexuais, e excluem as crianças. Além disso, e para além da violência física, o abuso sexual infantil viola a noção liberal de liberdade individual. E mesmo que as crianças não tenham plena liberdade individual, por serem consideradas vulneráveis, a ideia de tutela regula a restrição de uma sexualidade infantil, convertida automaticamente em crime. Nesse caso, a ideia de consentimento é suspensa e, em seu lugar, aplica-se a noção de vulnerabilidade. Teoricamente, qualquer pessoa seria vulnerável, uma vez que a noção em latim, vulnerabilis, significa “o que pode ser ferido ou atacado”. No entanto, nossa sociedade entende que certos grupos sociais, em determinadas condições, encontram-se submetidos e estruturalmente impotentes em relação a outros grupos, daí a necessidade incontingente de proteção contra os riscos externos. A centralidade da noção de consentimento deve ser entendida, portanto, como gabarito de análise que fornece inteligibilidade às relações sexuais e se impõe como norma. No curso Em defesa da sociedade (1999), Foucault apresenta a centralidade da sexualidade no poder de controlar os sujeitos e na força de normatização dos indivíduos, pois se trata de poder sobre a vida, de poder “anátomo-político do corpo humano”. Foucault se refere ao biopoder, que não substitui o poder disciplinar, pelo contrário, os dois mecanismos de poder continuam juntos produzindo efeitos normativos sobre o indivíduo e a população. Um dos exemplos dessa dupla atuação, em especial, é a sexualidade: “de um lado, a sexualidade,

VIOLÊNCIA - VIOLÊNCIA SEXUAL

“O sexo no mundo ocidental para ser legítimo, não basta ser adulto, heterossexual e reprodutivo: exige que seja seguro e consentido.”

enquanto comportamento exatamente corporal, depende de um controle disciplinar, individualizante, em forma de vigilância permanente [...]; por outro lado, a sexualidade se insere e adquire efeito, por seus efeitos procriadores, em processos biológicos amplos que concernem não mais ao corpo do indivíduo mas a esse elemento, a essa unidade múltipla constituída pela população” (Foucault, 1999, p. 300). No fundo, o elemento que circula entre o biopoder e a disciplina, entre o corpo e a população é a norma. Segundo Foucault, “a sociedade de normalização é uma sociedade em que se cruzam, conforme uma articulação ortogonal, a norma da disciplina e a norma da regulamentação” (Foucault, 1999, p. 302). A noção de consentimento é central justamente porque opera como norma social com força imperativa de lei. O sexo no mundo ocidental para ser legítimo, não basta ser adulto, heterossexual e reprodutivo: exige que seja seguro e consentido. Já o abuso sexual infantil pode ser entendido como

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abuso de poder e de negação da criança como sujeito de direito, por violar a norma sagrada do consentimento e transgredir o ideal de pureza angelical da infância. Mas no caso do abuso sexual infantil ainda tem mais uma problemática: trata-se do poder do adulto, em sua maioria masculino, que ignora a norma social do consentimento, cuja masculinidade estereotipada sustenta o poder patriarcal, perpetua os atos de dominação, naturaliza a violência real e simbólica; além de manter a ideologia cristalizada de gênero e de infância, que norteia as representações sociais sobre a sexualidade contemporânea. * Herbert Rodrigues é doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP). Possui graduação em Ciências Sociais (Bacharelado e Licenciatura) pela USP e mestrado em Antropologia Social também pela USP. Em 2012, foi Visiting Scholar da University of Massachusetts (UMASS/Amherst). Atualmente, realiza pesquisa de Pós-doutorado no Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV-USP). e-mail: [email protected]

REVISTA DE PSICOLOGIA - ESPECIAL

VIOLÊNC IA NA

CULTURA BRASILEIRA NO CASO BRASILEIRO, AS TRÊS VARIÁVEIS DA VIOLÊNCIA FUNDADORA (O AGIR INDIFERENTE, O AGIR VÂNDALO E O AGIR CÍNICO) REPRODUZEM-SE NO COTIDIANO, SENDO QUE, NA ATUAL CONJUNTURA SOCIAL E POLÍTICA, OBSERVA-SE UM ACIRRAMENTO DAS FORMAS URBANA E DIGITAL DA VIOLÊNCIA.

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A

VIOLÊNCIA É INERENTE AO HOMEM E SUA AÇÃO EM SOCIEDADE. OCORRE QUE, UMA VEZ SANCIONADA PELA MORAL, PELOS COSTUMES E PELA NECESSIDADE DA ÉPOCA, SEU NOME MUDA PARA “AÇÃO NECESSÁRIA” VISANDO À REALIZAÇÃO DE ALGUM OBJETIVO MAIOR. Assim, não existe propriamente a violência, ela é antes um tipo de relação que se cria entre dois polos, um com poder sobre o outro, em que o polo dominante exerce impunemente sua liberdade de dominar o outro. A não violência, paradoxalmente, não seria o relacionamento entre as partes desprovido de abuso ou exercício impune da dominação, mas a situação em que a dominação estaria regrada segundo

VIOLÊNCIA - VIOLÊNCIA NA CULTURA BRASILEIRA

“De qualquer forma, o convívio humano em comunidades ou na sociedade maior é marcado por diversas formas de violência, isto é, de intervenções do outro sobre a vida e o comportamento de membros isolados, com vistas a submetê-lo a normas e padrões vigentes, ou então a poderes e arbítrios diversos.”

normas socialmente sancionadas. A burocracia, por exemplo, domestica a violência, submetendo nossa situação de inferioridade a canais impessoais de dominação, cujos comandos nos são imperceptíveis. Violência tampouco se relaciona com o conceito de “paz”. Etimologicamente, paz relaciona-se com pacto, um marco para fixar limites ou incursões inimigas. Contudo, influenciado pela cultura cristã, paz passou a ser caracterizada como ausência de conflito, concordância, mesmo harmonia, interpretação idealizada, marcada por princípios positivistas (e românticos) de que os homens poderiam conviver pacificamente sem se incomodarem uns aos outros. Mas não é bem assim. A lógica da sociedade humana funciona diferentemente. Os homens buscam assegurar seu poder, seus bens, assim como ampliá-los de forma a garantir maior domínio, fato esse que gera novamente conflito com os demais, que buscam os mesmos objetivos. Desta forma, impera a tensão entre as partes, cada uma temerosa do poder da outra e não a paz. Esta, ao contrário, só se estabelece a partir da violência em que o outro lado é batido, liquidado ou exterminado, excluindo-se, assim, o perigo de uma reação contrária. A paz, portanto, não é nada muito ingênuo nem puro; ela encerra em si um componente de violência, de liquidação das oposições. Não existe um conceito único de violência para as sociedades humanas. Ele varia conforme a norma social vigente. O que era violência no passado, hoje

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pode não mais sê-lo, e, inversamente, atos que hoje para nós são extremamente violentos, no passado, por se orientarem segundo prescrições religiosas, morais ou políticas, não eram vistos como tal. De qualquer forma, o convívio humano em comunidades ou na sociedade maior é marcado por diversas formas de violência, isto é, de intervenções do outro sobre a vida e o comportamento de membros isolados, com vistas a submetê-lo a normas e padrões vigentes, ou então a poderes e arbítrios diversos. Sobrevive a regra de forçar o outro a aceitar a imposição do que tem mais poder e domínio. E, para que isso se confirme, valem os castigos físicos, a imposição da dor, do sofrimento, mas também as sanções burocráticas que, da mesma forma, agem como elementos de coação e de inibição. E, muitas vezes, o contexto da violência cria um quadro sem saída, como foi o caso dos criminosos de guerra – por exemplo, o julgamento de Eichmann em Israel – tido como paradigmático. Fora do momento do III Reich, o carrasco nazista era um homem absolutamente comum, como qualquer outro. A máquina de destruição hitlerista criava o cenário e o ambiente em que esses personagens devessem trabalhar com a maior eficiência. No fim, como todos diziam, “estavam apenas cumprindo ordens”, comportamento que em verdade é exigido em todas organizações militares. Só se poderia inculpar o criminoso de guerra por sua consciência, pelo fato de não ter exercido o imperativo categórico de quem, no fundo

VIOLÊNCIA - VIOLÊNCIA NA CULTURA BRASILEIRA

de sua reflexão existencial, teria chegado ao “Isso eu não faço!”. Contudo, mesmo isso o levaria ao beco sem saída da situação de guerra, pois, em cenários de sociedade radical, da mesma forma, seria condenado por deserção e desobediência civil. Na cultura brasileira, a violência fundadora – aquela que se instalou sobre bases escravocratas, colonialistas, segregacionistas – está na raiz dos relacionamentos tradicionais de classe, como se vê continuamente reproduzidos na educação das camadas médias e altas da sociedade, em que a relação com o pobre, o negro, o nordestino, por exemplo, é marcada por distanciamentos bruscos de convivência. O Brasil não é, de forma alguma, um país de harmonia de classes ou de raças. O Brasil é um país da intolerância, que nos últimos anos resolveu “sair do armário”. O que nós temos – e que nos ilude - é um resquício da servilidade colonizada, que faz com que no trato com o público as pessoas reproduzam o modelo de simpatia propiciatória favorável aos negócios. No caso brasileiro, as três variáveis da violência fundadora (o agir indiferente, o agir vândalo e o agir cínico) reproduzem-se no cotidiano, sendo que na atual conjuntura social e política, como se verá adiante, observa-se um acirramento das formas urbana e digitais da violência. O agir indiferente, que é marcado pelos atos arbitrários de pessoas ou organizações detentoras de algum tipo de poder; ela exime seus praticantes de prestar contas a quem quer que seja e os permite agir de maneira plenamente livre, visto que estão seguros de que não serão punidos. Observa-se esse tipo de prática em conglomerados empresarias, redes de bancos, mas também em quadrilhas formadas por policiais, nas organizações que contratam matadores, nas empresas que se usam do trabalho escravo, que dizimam populações indígenas com armas e bombas, que liquidam políticos, jornalistas ou defensores do meio ambiente. O agir vândalo é observado no Brasil atual por meio das diversas formas de destruição do patrimônio público ou de instituições da sociedade. É o caso dos incêndios criminosos em favelas para promover o esvaziamento das ocupações e o uso do espaço para incorporadoras subirem novos edifícios. É também o caso dos massacres de presidiários, de trabalhadores sem terra, mas também a ação criminosa das torcidas organizadas, dos grupos de extermínio, da perseguição e morte de pessoas consideradas “incômodas”, como os moradores de rua, travestis, homossexuais, menores suspeitos de ser criminosos, etc. O agir cínico é mais comum na ação do crime organizado, do tráfico das favelas e periferias urbanas, aparentemente funcionando como “benfeitores da comunidade”, mas também nas empresas, na administração pública, nos lobbies de políticos,

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religiosos, e hoje particularmente em grandes meios de comunicação, como a imprensa escrita, redes de rádio e televisão, que se impõem de forma violenta e como máquina informativa contra determinados grupos ou personalidades políticas que lhes desagradam, blindando outros e fazendo uso da chantagem da liberdade de imprensa como garantidora e legitimadora de seus atos. A sociedade de fato se contrapõe o tempo todo à sociedade de direito, sendo que esta última tem sido usada de forma constantemente casuística, fato esse que leva a uma consideração do direito e da justiça no Brasil de forma bastante relativa. A frase de Getúlio Vargas, “aos amigos tudo, aos inimigos a lei” ilustra plenamente o caráter submisso da instituição jurídica, fato esse notório nos últimos anos de acirramento ideológico-partidário no Brasil, pela ação tendenciosa de ministros na definição e na avaliação de quem deveria ser perseguido e condenado segundo princípios pessoais e de acordo com seu próprio engajamento político. Da mesma forma, fatos que no passado não sugeriam uma situação de violência são taxados hoje como tal: a biopolítica, espécie de agir cínico, invade a subjetividade de cada um para impor normas de como se comportar, como se vestir, como viajar, o que falar e o que calar, em suma, interfere

“O Brasil não é, de forma alguma, um país de harmonia de classes ou de raças. O Brasil é um país da intolerância, que nos últimos anos resolveu ‘sair do armário’.”

VIOLÊNCIA - VIOLÊNCIA NA CULTURA BRASILEIRA

de forma normativa sobre aspectos e dimensões que antes estavam livres da coerção social. Derivada das instituições de recolhimento de pessoas tidas como “doentes” (loucos, desajustados, viciados, marginais) em sanatórios, hospitais, prisões, estende-se na contemporaneidade para toda a população, buscando homogeneizar toda sociedade e ceifar comportamentos e opiniões incômodos. No caso brasileiro, funciona um curioso paradoxo com respeito à sexualidade. Visto pelo exterior como um país particularmente lascivo do ponto de vista erótico, já que tanto no Carnaval quanto nas praias as mulheres aparecem com vestimenta mínima, praticamente nuas, a nudez propriamente dita – que, em si, não contém nenhum componente erótico – é vista como “atentado ao pudor”, sendo por isso criminalizada e punida. Nas últimas décadas cabe destacar formas particulares da violência brasileira que justificam a afirmação de que o Brasil não é um país tranquilo, sereno ou que saiba conviver com as diferenças. Ao contrário, desde a irritação com vizinhos, com motoristas no trânsito, com populações pobres que adquirem direito de coabitar espaços públicos com pessoas de classe média, até a violência organizada, deparamo-nos hoje com uma sociedade praticamente sem controle, em que a polícia e as instituições de repressão ou são manipuladas com fins políticos, ou são corruptas ou são insuficientes para dar conta da disseminação generalizada da violência no país. Temos aí, então, três formas da nova violência na cultura brasileira: violência totalitária obscura, violência profanadora e violência suicidária. O primeiro tipo de violência é o da violência promovida por agentes “invisíveis” e sua presença é nebulosa, indeterminada, quase mística. Muitas vezes, esse poder transcende o próprio poder de Estado, como é o caso de corporações internacionais, cuja sede é desconhecida mas que compram, administram, regulam

“A violência profanadora hoje em expansão no Brasil se realiza em diversos ambientes sociais, cujo mais conhecido é o da internet.”

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grandes empresas em operação no país; é o caso da espionagem internacional dos governos exercida por grandes empresas de informática; foi o caso da violência exercida pela Fifa, instalando-se num país, impondo regras próprias, não raro em contradição com a legislação do país hospedeiro. A situação não é apenas brasileira, ao contrário, estende-se por todo o planeta. Nossa participação aí está nas práticas importadas de exploração do trabalho, de intervenção em instituições de formação, em suma, na influencia nefasta sobre a própria cultura brasileira. De certa forma, o uso abusivo do espaço público, dos painéis, até mesmo do céu como veículo de mensagens que se impõem à vista do cidadão comum funcionam como formas de imposição de mensagens não consentida, não solicitada nem autorizada, invadindo o direito do outro de não receber coisa alguma. Além de impor uma leitura forçada, essas práticas em alguns casos transcendem o mero aspecto comercial e mercadológico, poluindo os espaços visuais com mensagens particularistas, ideológicas, religiosas, algumas vezes agressoras da própria cultura em que se instalam. A violência profanadora hoje em expansão no Brasil se realiza em diversos ambientes sociais, cujo mais conhecido é o da internet. Profanação é a implosão do segredo de cada um, de sua própria individualidade na administração do prazer, da alegria, do desejo. Crescem os casos de bullying no país, em que um namoro ingênuo, inconsequente ou banal passa, ao terminar, a ser utilizado como chantagem à pessoa que quis romper, instaurando uma nova e perversa violência em todos os ambientes da sociedade, prejudicando diretamente as meninas e acirrando sua condição de inferioridade. Os sites pessoais da internet facilitam a exposição pública das pessoas em suas formas mais íntimas. O que era antes apenas pornografia, a saber,

VIOLÊNCIA - VIOLÊNCIA NA CULTURA BRASILEIRA

a eliminação do campo intermediário entre o desejo e o ato sexual – campo esse marcado pela sedução, pelas artimanhas da conquista, pela engenharia do prazer – e sua substituição pela rudez bruta da penetração, da masturbação, da felação, hoje alcança, nas redes sociais, dimensões hiperpornográficas, onde não se coloca mais nenhuma inibição ou zona obscura nas regiões erógenas. A devassa total repercute dissolvendo o princípio do prazer e levando ao ascetismo – observação do corpo como algo do mal, diabólico, e entrega a uma vida praticamente assexuada – de caráter neurótico. Profanação acontece também nos ambientes de crença religiosa em que se instalou toda uma máquina evangélica determinada a expurgar da nossa cultura outras formas de religiosidade, como visto recentemente no apedrejamento da jovem que professava a crença no candomblé. Ela ocorre também no abandono das cidades, dos edifícios, dos parques, em suma, na prática de deterioração consentida dos espaços que poderiam acolher o próprio trânsito e a permanência de pessoas. Com isso, promove-se a particularização do espaço público com a multiplicação de shoppings centers: o que era antes da população (sua rua, sua praça, seu convívio social livre e aberto) é substituído pelo convívio pasteurizado e asséptico dos shopping centers, em suas fantasias obsessivas de uma sociedade purificada da miséria, da sujeira, da historicidade, espécies de mundo artificial idealizados pela moral burguesa. Por fim, a violência suicidária é aquela que

é marcada pelo desinteresse do poder público em manter as mínimas condições de sobrevivência da população. Em São Paulo, o desleixo do governo estadual em administrar a crise da água tem pelo menos dez anos. Em escala menor, a própria população participa do processo de destruição, com a irresponsável poluição dos rios, a ocupação de mananciais, o depósito de lixo e de entulho em vias públicas, instigando a contaminação da comunidade próxima. Da mesma forma, a destruição de ônibus em movimentos sociais age contra a própria população, mas, em última instância, se legitima enquanto violência reativa – a contraparte da violência fundadora – pela indiferença cínica e sistemática do Estado em relação ao protesto popular. A soma dessas múltiplas formas de violência levou, nas últimas décadas, à corrosão das estruturas mínimas de civilidade que ainda eram comuns no pós-guerra. Acresce-se a isso o fato de que a cultura eletrônica intensificou processos de neutralização da cidadania, reforçando a noção de que “não somos nada”, “não temos nenhuma força política”. As Jornadas de Junho de 2013 haviam surgido como uma forma plenamente possível de deter a ação indiscriminada de poderes, grupos e agentes da violência vândala, cínica ou indiferente. Não obstante, diferente do que aconteceu no quadro espanhol, os defensores do status quo, da reação e do conservadorismo apropriaram-se desse formato, resgatando -o para a preservação da violência. Nesse sentido, as classes médias dos grandes

“Profanação acontece também nos ambientes de crença religiosa em que se instalou toda uma máquina evangélica determinada a expurgar da nossa cultura outras formas de religiosidade (...).”

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VIOLÊNCIA - VIOLÊNCIA NA CULTURA BRASILEIRA

“Os conglomerados financeiros e empresariais preferem fechar os olhos diante da ascensão desses governantes e deixam que a população civil faça sua própria justiça, sob o silêncio dos poderes públicos.”

centros brasileiros atuaram em forma de solidariedade à violência, à corrupção e à impunidade, ao abandonarem sua posição costumeiramente apática e saírem às ruas para somarem ao coro de golpistas, oportunistas, a toda uma orquestração de instigação de violência promovida por grupos radicais, policiais e policialescos, figuras que erguem em praça pública bandeiras criminosas e totalitárias. Fica notório nesses momentos que quem dá o respaldo e o esteio à corrupção generalizada das grandes empresas, das facções da bala e da bíblia no Senado, dos lobbies de corrupção, em sua peregrinação pelo cerceamento das liberdades e das conquistas democráticas. Historicamente observou-se que o avanço das forças populares que batalhavam pela extensão dos direitos civis, pela distribuição de renda, pela justiça social, ao sofrer reveses por parte do poder tradicional constituído e corrupto, foi objeto de ações desmesuradamente radicais e sanguinárias por parte desses representantes da reação. Viu-se isso na Espanha de 1936, no Chile de 1973 e em menor escala em outros países que tentaram virar a mesa do secular poder dos tiranos e opressores. Para estes, a democracia foi feita para que eles se substituíssem no uso da máquina pública e da corrupção, vendendo a versão de que o regime serviria a todos. Contudo, quando seu controle lhes escapa, a violência não tem limites.

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Tem sido frequente nos últimos cem anos que as classes médias sejam mobilizadas em favor de tiranos e déspotas. Os conglomerados financeiros e empresariais preferem fechar os olhos diante da ascensão desses governantes e deixam que a população civil faça sua própria justiça, sob o silêncio dos poderes públicos. Os meios justificam os fins, dizem, e para isso toleram mandatários, que irão sujar as mãos com o sangue dos perseguidos, desaparecidos ou exterminados. Em última análise, sua liberdade enquanto empresa é paga pelo aprisionamento da democracia e a utilização do Estado de direito. Um lucro macabro, destilado do estrangulamento do direito de todos. É o que se vê hoje enquanto tendência no Estado brasileiro. A intolerância dos velhos oligarcas e donos do poder foi notória em 2014 quando substituíram os formatos da discussão político-eleitoral pela contra-argumentação - ou antiargumentação - do jogo emocional. A emocionalidade foi utilizada na Alemanha da década de 1930 para solapar as estratégias propagandísticas dos comunistas, maior partido operário da época. A emoção, na política, instiga, por derivação, as ações de violência, visto que ambas apoiam-se na irracionalidade. Além disso, o discurso emocional opera com clichês, pensamentos estereotipados que bloqueiam as formas argumentativas do discurso. É, por isso, abertura para a agressão, a estupidez e a violência. Nota-se o caso, por exemplo, da circular de médicos de São Paulo sugerindo a esterilização em massa da população nordestina, exatamente por esta exercer seu direito democrático. A partir desse período, assim, desencadeou-se, no Brasil, a liberação autorizada das múltiplas formas de violência, que hoje são defendidas pelo agir de formato cínico por políticos, incluindo a supressão das leis que favorecem a integridade da mulher, o direito de casamento dos homossexuais, e vantagens civis diversas que a democracia permitiu. Na conjuntura atual, tanto o agir vândalo como o indiferente estão à flor da pele, ávidos para retomar o aparelho de Estado e punir alguns amadores em matéria de corrupção, exatamente pela sua própria incompetência no assalto ao bem público. A orquestração da violência no Brasil atual, desautorizando a população na eleição de seus governantes, é sintoma de um possível tsunami político sem precedentes, instigado pela emocionalização da política e pela violência consentida, rondando nossa sociedade já tão estraçalhada. * Ciro Marcondes Filho é professor titular da Escola de Comunicações e Artes da USP, doutor pela Universidade de Frankfurt, pós-doutor pela Universidade de Grenoble. Detentor da Cátedra UNESCO de Divulgação Científica. Coordenador do FiloCom – Núcleo de Estudos Filosóficos da Comunicação. Publicou mais de 40 livros em jornalismo, televisão, política, filosofia e cultura. É tradutor do alemão, do inglês, do francês e do espanhol.

REVISTA DE PSICOLOGIA - ESPECIAL

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REVISTA DE PSICOLOGIA - ESPECIAL

ENTRE O DIREITO E A

PSIQUIATRIA O QUE RESTA DE MANICOMIAL EM NÓS?

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OCÊS SABIAM QUE ATÉ POUCO TEMPO NO PAÍS ERAM INTERNADOS EM HOSPITAIS PSIQUIÁTRICOS TODA SORTE DE PESSOAS CONSIDERADAS “ANORMAIS”? DESDE USUÁRIOS DE DROGAS ATÉ PORTADORES DE TRANSTORNO MENTAL, PASSANDO POR PESSOAS CONSIDERADAS SUBVERSIVAS SEJA POR SUA OPÇÃO POLÍTICA, SEJA POR ORIENTAÇÃO SEXUAL? NESSES HOSPITAIS, TAMBÉM CONHECIDOS COMO MANICÔMIOS, HOMENS E MULHERES SE ENCONTRAVAM EM CONDIÇÕES DEGRADANTES DE EXISTÊNCIA, SEJA POR MAUS-TRATOS, SEJA PELA CONSTANTE MEDICALIZAÇÃO DE SUAS VIDAS. O fato de serem diferentes daquilo que é considerado “normal”, já bastava para que fossem internados. Em um dos maiores manicômios do país, o Hospital Colônia localizado no munícipio de Barbacena em Minas Gerais, estimava-se que 70% dos atendidos [internados] não sofressem de doença mental. Apenas eram diferentes ou ameaçavam a ordem pública. Por isso, o Colônia tornou-se destino de desafetos, homossexuais, militantes políticos, mães solteiras, alcoolistas, mendigos, negros, pobres, pessoas sem documentos e todos os tipos de indesejados, inclusive os chamados insanos. (Arbex: 2013, p.25-26). Alguns dos internos recebiam a alcunha ‘Ignorado de Tal’. Muitas ignoradas eram filhas de fazendeiro as quais haviam perdido a virgindade ou adotavam comportamento considerado inadequado para um Brasil, à época, dominado por coronéis e latifundiários. Esposas trocadas por amantes acabavam silenciadas pela internação no Colônia. (Arbex:2013, p.30). Como veremos a seguir, depois da reforma psiquiátrica no Brasil, intensificada a partir da década de 80, houve uma série de avanços no campo da saúde mental (o desmantelamento de alguns Hospitais-Colônias como o de Barbacena, foi um deles), no entanto ainda há certos vestígios de velhas práticas nesses novos tempos. Há problemas muito sérios nos chamados “hospitais de custódia” (onde os indivíduos condenados por um crime e declarados insanos cumprem suas penas, sem tempo determinado até receberem a alta psiquiátrica). Assim como em algumas instituições públicas e privadas de saúde, as quais continuam adotando o modelo da internação, bem como procedimentos clínicos agressivos tais como a eletroconvulsoterapia

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VIOLÊNCIA - ENTRE O DIREITO E A PSIQUIATRIA

“A loucura é um assunto que nos desperta muita curiosidade, esse tema foi e ainda é muito abordado na literatura, no cinema, em séries de televisão, assim como na universidade.”

(mais conhecida como eletrochoque) e a psiconeurocirurgia (a lobotomia). A loucura é um assunto que nos desperta muita curiosidade, esse tema foi e ainda é muito abordado na literatura, no cinema, em séries de televisão, assim como na universidade. Ao pensar na imagem do “louco” nos vem à cabeça uma sequência de estereótipos, figuras assustadoras ou abobadas. É evidente que estas imagens partem do nosso próprio preconceito e, no fundo, de nossa insegurança em perder as rédeas da Razão. Afinal quem nunca foi chamado(a) de “maluco(a) ”, ou achou que “perdeu a cabeça”, com alguma coisa? A loucura e a razão são partes da vida social. Diferentes pensadores notaram a constituição da loucura enquanto desvio, através de processos de acusação, estigmatização 1 e produção de identidades. As definições: “drogado” ou “doente mental”, segundo essa corrente teórica, não seriam apenas uma acusação ao sujeito cujo comportamento é classificado como

anormal ou desviante, mas uma definição de fronteiras simbólicas do que a sociedade exclui como um comportamento admissível. Como esclarece o antropólogo Gilberto Velho em um de seus escritos: A doença mental na nossa sociedade é a categoria mais abrangente que classifica os comportamentos perturbadores, permitindo o mapeamento e, portanto, um controle sobre os desvios. O drogado e o subversivo estão implícita ou explicitamente acusados de doença, pois, ao questionarem os domínios e criticar os papéis, põem em dúvida uma ordem e concepção de mundo que devem ser vistas como naturais e indiscutíveis (Velho: 1981, p. 64). Isto é, segundo esses autores, um comportamento só seria taxado como anormal ou desviante a partir de uma correlação de forças entre um grupo dominante – acusador – e um grupo dominado - receptor do rótulo de desviante – (Becker: 2008). O desvio, portanto, seria construído socialmente a partir da interação de

1 - O sociólogo Erving Goffman define estigma enquanto: “a situação do indivíduo que está inabilitado para a aceitação social plena” (Goffman:1988, p.4).

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determinados grupos desviantes e grupos acusadores. “Assim, a credibilidade e o direito de ser ouvido estão diferencialmente distribuídos pelos níveis do sistema” (Becker:2007, p. 123). Neste sentido, em relação ao fenômeno que conhecemos como loucura, poderíamos propor que, sendo um desvio, a loucura também é construída socialmente. Apesar de ser definida pelo saber biomédico como algo estritamente biológico ou individual, ela também é uma invenção cultural, como propõe o teórico francês Michel Foucault: O reconhecimento que permite dizer: este é um louco, não é um ato simples nem imediato. Repousa, de fato, num certo número de operações prévias e sobretudo neste recorte do espaço social segundo as linhas da valorização e da exclusão. Quando o médico acredita diagnosticar a loucura como unifenômeno de natureza, é a existência deste limiar que permite portar o julgamento de loucura. Cada cultura tem seu limiar particular e ele evolui com a configuração desta cultura. (Foucault: 1975, p.62). Dessa forma, para melhor entendermos como esse fenômeno se atualiza culturalmente no país, nós faremos uma pequena incursão histórica para nos darmos conta do que foi ou permanece incluído ou excluído como loucura. No final da década de 70, motivado pelo surgimento de diferentes pensamentos denominados de antipsiquiátricos 2, intensificou-se no Brasil o movimento antimanicomial que reivindicava mudanças no modelo de saúde mental então adotado no país. A política pública nesse setor era marcada por um modelo de intensa medicalização e institucionalização dos chamados “doentes mentais” em manicômios que os impunham a condições degradantes de existência e os expunham a todos os tipos de abusos. A partir da intensificação da luta antimanicomial, o movimento alcançou mudanças efetivas no cenário político nacional. Em 1989 o então Deputado Federal Paulo Delgado, pelo projeto de lei nº 3.657, propôs uma revisão legislativa sobre essa matéria. Em 1990 o Brasil tornou-se signatário da Declaração de Caracas que recomendava a reestruturação da assistência psiquiátrica. Mas foi apenas em 2001 é que a Lei Federal 10.216 foi aprovada e instituiu, ao menos em termos normativos, a reforma psiquiátrica no país, promovendo uma reorientação da Política Nacional de Saúde Mental. Através das linhas gerais delineadas na Lei 10.216, estimulou-se a emissão de portarias – instruções normativas de caráter

administrativo – pelo Ministério da Saúde de forma a consolidar as diretrizes da reforma psiquiátrica. E com o incentivo à desinstitucionalização dos usuários de serviços de saúde mental, mediante o desmantelamento gradual dos manicômios, foram criadas formas substitutivas de tratamento não manicomial, tais como: a residência terapêutica (moradias destinadas a abrigar egressos dos manicômios e os dos hospitais de custódia que cumpram os requisitos legais); os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) (além de tratarem os denominados legalmente como “portadores de transtorno mental”, não só através da medicalização, mas também através da psicoterapia e oficinas terapêuticas, também visam a integração entre o paciente, sua comunidade e família); os consultórios de ruas e as unidades de acolhimento (abrigo temporário, com acompanhamento de equipe de saúde). É importante destacar que recursos públicos, antes destinados exclusivamente aos hospitais psiquiátricos, tem se direcionado cada vez mais aos CAPSs. Conforme nota do Governo Federal (publicada em outubro de 2014), desde a reforma psiquiátrica houve uma redução de 17% do total de hospitais especializados em “A partir da intensificação da luta antimanicomial, o movimento alcançou mudanças efetivas no cenário político nacional.”

2 - Apesar de se referir à antipsiquiatria, são muitas e diferentes as correntes de pensamentos classificadas como antipsiquiátricas, algumas divergem entre si, mas que convergem com a ideia de que “existe uma ‘verdade’ da loucura que não se deve reprimir, mas, pelo contrário, ouvir afim de que ela não se degenere em ‘doença mental’” (Laplatine:2010, p.169).

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psiquiatria [...] em 2010 eram 215 e, em 2014, [...] 178.[...] Em contrapartida, estão em atuação no país [no ano de 2014] 2.129 CAPs (Centros de Atenção Psicossocial), 695 Residências Terapêuticas, 60 Unidades de Acolhimento, 119 consultórios de rua e mais 800 leitos em Hospitais Gerais para atendimento a essa população. (Brasil, disponível online, acessado em 22 de julho de 2015). Embora devamos reconhecer os efeitos positivos da implementação dessas mudanças, o modelo de internação não foi completamente abandonado e ainda subsistem clínicas públicas ou privadas em que as velhas práticas, em sua maioria abusivas, continuam acontecendo. Nesse “novo” cenário, podemos pensar que, embora de forma menos intensa que outrora, duas lógicas institucionais distintas cumprem um papel importante no processo de estigmatização da loucura, principalmente nos casos de internação compulsória: a do judiciário e a do saber psiquiátrico. O direito enquanto um saber normativo avalia o conflito social de uma maneira muito específica. No âmbito jurídico é muito comum “Embora devamos reconhecer os efeitos positivos da implementação dessas mudanças, o modelo de internação não foi completamente abandonado e ainda subsistem clínicas públicas ou privadas em que as velhas práticas, em sua maioria abusivas, continuam acontecendo.”

a expressão “reduzir a termo” para explicar o processo pelo qual determinado conflito é traduzido em um formato jurídico. Seja através de um documento jurídico, seja na tentativa de extrair do conflito, pelo profissional que atua dentro dessa lógica, categorias jurídicas para a formulação e estruturação de um caso. Como afirma o antropólogo Luís Roberto Cardoso de Oliveira (2010): “a prática do ‘reduzir a termo’ no Brasil [...] [exclui] da avaliação judicial aspectos importantes da disputa na ótica dos litigantes, afetando a compreensão do contexto mais amplo onde se situa o conflito”. (Cardoso de Oliveira: 2010, p.454-455). Essa lógica jurídico-burocrata é, muitas vezes, evocada em processos de administração de conflitos em que as instituições policiais e/ ou judiciárias são acionadas para promoverem as chamadas internações compulsórias formas de internação psiquiátrica reguladas pelo órgão judiciário e previstas pela Lei 10.216, mencionada anteriormente – recentemente utilizadas também para justificar a internação forçada de usuários de crack para o tratamento do uso de drogas (Coelho & Oliveira: 2014). Nesse sentido, o liame da loucura (Foucault:1975), ou seja, as práticas culturais que são incluídas ou excluídas – nesse caso pelos agentes públicos – enquanto loucura continuam equiparando (para fins legais) o uso de drogas à “doença mental” reproduzindo as mesmas práticas abusivas de antes da reforma psiquiátrica. Por outro lado, o saber psiquiátrico tem um papel fundamental no processo de estigmatização da loucura através da produção de diagnósticos nos moldes da lógica biomédica, na qual “implica, de imediato, uma circunscrição sintomática da perturbação, que dirá respeito a um comportamento, ou a um conjunto de comportamentos observáveis e mensuráveis sobre os quais deverá se ater a terapêutica”. (Russo & Henning; 1999, p.48). Essa outra lógica que podemos chamar de psicopatológica (visto que se destina, através do saber biomédico, a compreender as perturbações psíquicas como fenômenos biológicos) se inscreve em uma forma distinta de percepção do sofrimento psíquico em relação a outras intervenções alternativas, como a proposta pela psicanálise, por exemplo. Embora a psicanálise também receba críticas de diferentes pensadores, como Foucault (2010), por, assim como a psiquiatria, ser tensionada por modelos normalizadores, repressivos, do comportamento humano. Esses saberes, como veremos, atuam

3 - Vale destacar que atualmente não podemos mais analisar os complexos terapêuticos e patológicos apenas a partir da ótica da cura, as “[t]ecnologias médicas contemporâneas não buscam simplesmente curar doenças uma vez tendo elas se manifestado, mas controlar os processos vitais do corpo e da mente. Elas são, concluo, tecnologias de otimização. ” (Rose:2013, p.32).

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por lógicas distintas. O antropólogo François Laplantine nos chama atenção que “toda a ação médica”, em sentido amplo, se esforça em tentar “estabelecer uma ligação entre um complexo patológico (o doente ou órgão doente) e um complexo terapêutico (o tratamento adequado que deve ser prescrito)” (Laplatine: 2010, p.161) 1. No entanto, para o autor essa ligação se daria de formas distintas de acordo com dois modelos: o alopático e o homeopático. O modelo alopático de tratamento visa eliminar completamente a causa da doença através de intervenções médicas absolutamente contrárias ao aspecto elementar dessa doença. Por exemplo, “se o doente se mostra agitado, prescrevem-lhe sedativo; (...) se ele tem febre, um antitérmico” (Laplatine: 2010, p.162). Para o autor, a biomedicina contemporânea teria uma característica alopática, já que privilegia esses modos mais agressivos de intervenção médica. Nesse sentido, podemos pensar que a Psiquiatria estaria incluída no modelo alopático. Já que, de acordo com esse saber, ao chegar-se em um diagnóstico, determina-se uma série de

fármacos e/ou procedimentos terapêuticos que visam a resolver os conflitos intrapsíquicos dos rotulados “doentes mentais” atacando frontalmente os sintomas por eles apresentados, com o objetivo de regular seus comportamentos. Já, em relação ao modelo homeopático, podemos pensar que ele engloba um modo de se pensar o tratamento de uma determinada doença através da reativação dos sintomas que essa doença causa, agindo no mesmo sentido que a doença e não pelo seu contrário, como é a alopatia. Para o autor, a psicanálise estaria incluída no modelo homeopático, pois “tem por objetivo resolver os conflitos intrapsíquicos sem atacar frontalmente os sintomas por uma intervenção exterior (neurolépticos [substâncias que têm efeito sedativo], antidepressores, eletrochoque, neurocirurgia), mas agindo no sentido da sua reatualização”, isto é, através da “reativação dos problemas que sofre o indivíduo”, (Laplantine: 2010, p. 168), e não pela simples eliminação desses problemas. Devemos destacar que esses modelos facilitam o nosso entendimento da questão, mas na

“O modelo alopático de tratamento visa a eliminar completamente a causa da doença através de intervenções médicas absolutamente contrárias ao aspecto elementar dessa doença.”

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“Por meio dessa espécie de tradução do sofrimento psíquico em uma doença mental, perde-se de vista a dimensão simbólica da perturbação cuja experimentação pessoal do paciente é pouco valorizada em relação ao saber médico.”

prática médica, algumas vezes, esses aspectos se misturam. Esse é o caso da psiquiatria e a psicanálise, por exemplo, o domínio do saber psicanalítico no Brasil era exercido oficial e institucionalmente até os anos 70 predominantemente por médicos -psiquiatras (Russo: 2002), atualmente ainda há psiquiatras adeptos da psicanálise e outros que são críticos a essa prática. No entanto, é preciso notar que no “processo de constituição do diagnóstico ocorrem negociações, tácitas ou explícitas, avaliações dos enunciados produzidos e do agente que os produz, mas que na formulação ‘científica’ do diagnóstico ficam eliminadas. Deste modo, a esse diagnóstico construído lhe é outorgado um critério de ‘objetividade’” (Bonet: 1999, p. 140). Portanto, para formular-se um diagnóstico (caráter objetivo) promove-se uma descontextualização social, afetiva e cultural da perturbação experimentada pelo sujeito (caráter subjetivo), promovida pelo saber médico em sua produção (Bonet: 1999; Duarte: 1994). Dessas práticas resulta-se a redução e simplificação de um sujeito a um tipo psicopatológico, como o esquizofrênico, bipolar, deprimido, dentre outras categorias estigmatizantes. Por meio dessa espécie de tradução do sofrimento psíquico em uma doença mental, perde-se de vista a dimensão simbólica da perturbação cuja experimentação pessoal do paciente é pouco valorizada em relação ao saber médico. Desse modo, podemos extrair que a relação psiquiatra-paciente é também uma relação de poder (Foucault: 2010) que tem o efeito de redução de um sujeito complexo a um doente mental, justificando-se, dependendo do quadro patológico, sua internação. Neste momento, pós-reforma psiquiátrica, ou melhor, diante de sua consolidação,

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resta-nos, assim como ao movimento antimanicomial, repensarmos a própria noção de “doença mental” condenada já em sua origem, como afirma Foucault: “[o] que se chama ‘doença mental’ é apenas loucura alienada” (Foucault: 1975, p.61). E garantirmos, muito além dos direitos dos usuários dos serviços de saúde mental – que ainda se encontram sob ameaça – uma “loucura liberada e desalienada, restituída de certo modo a sua linguagem de origem” (idem). Trata-se, portanto, de questionar o próprio fundamento do estigma de “doente mental”: a loucura pensada a partir do status de doença que retira do sujeito, reduzido à “doença”, sua autonomia em prol de um ethos civilizatório. Ora, continuar pensando a loucura alienada em doença mental é estender a violência manicomial para fora dos muros dos hospitais psiquiátricos e continuar tolerando internações arbitrárias. O saber psiquiátrico e o saber psicopatológico, como um todo, ao se constituir sobre as categorias de comportamento organizado/desorganizado, regular/irregular, normal/anormal e suas gradações – assim como as intervenções jurídico -policiais acabam por pressupor uma classificação ideal e homogênea de comportamento que não corresponde com a particularidade de cada um. Afinal, de perto quem é normal? * Túlio Maia Franco é bolsista CAPES do Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da UFRJ (PPGSA/ UFRJ). Bacharel em Direito pela UFF. Membro do Laboratório de Etnografia e Interfaces de Conhecimento (LEIC/UFRJ). Pesquisador vinculado ao INCT - InEAC (Instituto de Estudos Comparados em Análise Institucional de Conflitos). Pesquisa na área de interseção da Antropologia do Direito e da Antropologia da Saúde, especialmente sobre saúde mental. e-mail: para contato: [email protected]

REVISTA DE PSICOLOGIA - ESPECIAL

O CONFLITO ENTRE

MENTE

E

CORPO

OS DISTÚRBIOS PSICOSSOMÁTICOS SÃO UM GRUPO DE MANIFESTAÇÕES QUE AFETAM DIRETAMENTE O CORPO DO DOENTE, COM A PRESENÇA DE LESÕES NOS ÓRGÃOS, OU NA SUPERFÍCIE DA PELE, MAS SEM UMA ETIOLOGIA, UMA CAUSA PASSÍVEL DE SER IDENTIFICADA PELOS MÉTODOS CLÍNICOS.

A

EXPERIÊNCIA HUMANA COLOCA EM EVIDÊNCIA QUE, PELO NOSSO CORPO, PASSAM AS ONDAS DO TEMPO, DA CULTURA E DA LINGUAGEM, A VIDA QUE LEVAMOS. E nele se depositam registros daquilo que vivemos, sem que haja qualquer juízo de valor, sem distinção entre bem e mal, entre bom e mau. Foi a partir de um certo modo de observar, ouvindo o que se passava com o corpo das histéricas no século XIX, que Freud abriu as portas para um novo e absolutamente original modo de entender o sofrimento mental que se manifestava por sintomas apoiados no corpo. A perspectiva freudiana introduziu um modo de entender o sofrimento psíquico em seu enlace com as mais variadas manifestações corporais. Podemos encontrar nos relatos de Freud acerca de seus primeiros casos a presença de sintomas corporais tais como paralisias e cegueiras, em que não havia uma relação da perda da função com qualquer comprometimento de base orgânica, ou mesmo a presença de lesões nos órgãos que pudessem justificar o aparecimento de tais alterações. Com a invenção da psicanálise criou-se também o que está presente e hoje já faz parte do vocabulário do senso comum: a concepção do inconsciente, ou subconsciente, como caiu na língua do povo. Com a noção de inconsciente, a partir do início do século passado, Freud nos apresentou um lado de nossa experiência que não pode seguir as explicações racionais que tentamos dar para nossos atos. E, ao mesmo tempo, retirou do campo do puro mistério, ou das crendices, alguns comportamentos que não encontravam sentido na cultura até então. Ele nos fez ver que há um sentido presente nas manifestações bizarras que nos atropelam, como esquecimentos, como dizer o que não se quer dizer, não conseguir dizer o que se gostaria de dizer, ou dizer algo que não se sabe bem de onde veio. Mas o que nos interessa aqui é destacar que o corpo não está fora disso. Ele demonstrou, com seu método de cura, no qual há

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a possibilidade de acesso ao sofrimento pela palavra, uma íntima vinculação das experiências vividas pelas pacientes e o aparecimento dos sintomas, inclusive daqueles cujas manifestações implicavam em perdas no nível das funções corporais. A psicanálise nasce desse encontro de Freud com o corpo das histéricas, nos revelando que os sintomas vinculados ao sofrimento mental não deixam o corpo de fora. Nem na histeria, nem na neurose obsessiva, ou em qualquer outra categoria diagnóstica. O corpo participa como fonte e alvo de um mal-estar que ganha amplamente, na vida contemporânea, matizes de um sem-nome de sensações estranhas que se disseminam pelo corpo: aperto no peito, aperto na garganta, palpitações cardíacas, falta de ar, tremores e temores, entre tantos outros sem relação com qualquer dano fisiológico. Todas estas manifestações ligadas a certo desvio de função, ou alteração dos sinais naquilo que é esperado como funcionamento corpo, nos revelam, sobretudo, que corpo e mente não estão separados como quer a nossa vã filosofia ocidental. René Descartes, pensador moderno, representante da filosofia racionalista, instaura sobre a concepção de homem uma cisão que, a partir do século XVII, sustentará na cultura um modo de entendimento para o comportamento humano sobre o qual se forjará a idéia do corpo-máquina, separado do pensamento. Muito se produziu sobre as bases da cisão cartesiana, aliás, a própria possibilidade do homem ser tomado como objeto de estudo nas ciências é tributária disso. Michel Foucault, em seu livro O nascimento da clínica, nos adverte a respeito da entrada do discurso científico no cerne da outrora arte da medicina, destacando a abertura de um acesso inédito ao corpo humano a partir da fundação da clínica moderna entre os séculos XVIII e XIX. Temos, a partir “René Descartes, (...), instaura sobre a concepção de homem uma cisão que, a partir do século XVII, sustentará na cultura um modo de entendimento para o comportamento humano sobre o qual se forjará a ideia do corpo-máquina, separado do pensamento.”

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de então, a investigação médica sustentada sobre as bases de um método que se apoiará essencialmente na materialidade do corpo, mas no corpo morto, no cadáver. O acesso ao “cofre negro do corpo”, como destaca Foucault em seu estudo, instaura uma relação entre as doenças e as lesões deixadas nos órgãos, alcançáveis, verificáveis nas autópsias que atestavam o valor científico da medicina, por meio do método anatomopatológico. A cisão mente-corpo sustentou a entrada da medicina no nascente discurso científico. E, sobretudo, promoveu a concepção e o desenvolvimento de todos os recursos médicos, com seus instrumentos de exame e investigação que hoje têm acesso ao interior dos corpos vivos. Por outro lado, esse olho absoluto que enxerga nossas entranhas promoveu entraves em nossa relação com o corpo e afeta o olhar que temos para com o que se passa em nossa vida, através de nosso corpo. Ler a vida a partir dos parâmetros da morte, do corpo sem vida, parece não permitir acesso ao que há de vida no corpo e que não cabe na grade de leitura da ciência. Lacan, leitor de Freud, afirmará que foi justamente nessa fratura, nesta disjunção, que Freud soube recolher o que já não se enquadrava no discurso da medicina moderna sobre o corpo. Afinal, o que as histéricas apresentaram a Freud foi exatamente um corpo que não cabia na anatomia, e ele soube ver e ouvir o que se colocava como o corpo vivo na experiência do sofrimento psíquico. Nos relatos das pacientes, Freud reconheceu descrições de localização de dores e afecções funcionais que não se encaixavam no crivo de lesões orgânicas. Vale destacar que Freud era neurologista e, portanto, capaz de realizar uma avaliação criteriosa. Isto implica em dizer que não se pode afirmar que qualquer descrição pouco loquaz de um paciente a respeito de um sofrimento apoiado no mal-estar do corpo deva ser tomado como índice de um quadro subjetivo, de um sintoma histérico, por exemplo. As queixas orgânicas merecem atenção e investigação antes de se lançar sobre elas um diagnóstico psicanalítico. Qualquer atitude reducionista é nefasta, o cuidado que a clínica exige é o de que estejamos atentos à complexidade que a vida representa e não há vida sem corpo. Freud nos apresentou a uma realidade demarcada pela articulação entre o psíquico e o somático, articulando os afetos e o corpo. Desvelou no sofrimento uma dimensão patológica, diante da qual o doente poderia encontrar saídas por meio das metáforas e representações, através dos efeitos do método clínico fundado na palavra e na presença do psicanalista como instrumentos fundamentais para alcançar o sentido envolvido nos sintomas. A direção do tratamento implicaria, portanto, na interpretação que incidiria sobre a mensagem inconsciente cifrada na construção sintomática de cada paciente. No entanto, existem afecções que

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“curto-circuitam” os parâmetros de leitura, quer seja da psicanálise, quer seja da medicina. Trata-se de um grupo de manifestações que afetam diretamente o corpo do doente, com a presença de lesões nos órgãos, ou na superfície da pele, mas sem uma etiologia, uma causa passível de ser identificada pelos métodos clínicos, por mais sofisticados que sejam os recursos de investigação médica. Ainda que todo o saber acumulado permita descrever minuciosamente as alterações orgânicas envolvidas nesses quadros, todo esse saber não produz uma resposta eficaz capaz de curar o doente. A presença da lesão nos indica uma perspectiva bem diferente das manifestações sintomáticas que vínhamos abordando até aqui. A articulação mente-corpo continua como paradigma, mas no campo das doenças psicossomáticas, não há metáfora, há lesão, há risco de morte quando a progressão da doença não encontra possibilidades de tratamento. A concepção de doença psicossomática é tão antiga quanto a própria psicanálise e contemporânea à introdução do discurso da ciência na medicina clássica. A medicina psicossomática surge como abordagem para os casos que não se enquadravam nos parâmetros da medicina tornada científica, sustentada por uma perspectiva de leitura centrada nas alterações orgânicas sem recurso aos elementos ditos de ordem psíquica. O ramo psicossomático surge como tentativa de reintegrar mente e corpo, dentro de uma concepção de adoecimento que pretenderia ler de maneira integral o ser humano. A ideia central é de que fatores psíquicos poderiam perturbar o corpo de modo a feri-lo, produzindo lesões nos órgãos. Mas não basta incluir os aspectos emocionais nos fatores causais, para que algo possa mudar no tratamento desses pacientes que têm seu corpo prejudicado de maneira efetiva. Há um risco nisso, afinal conceber uma doença propriamente orgânica, com a presença de lesões e alterações fisiológicas, atribuindo-lhe uma causa de ordem psíquica, coloca muitas vezes o paciente na posição de culpado em relação ao seu sofrimento. Quem nunca ouviu a expressão: “Fulano fez um câncer”? Sem entrarmos nos pormenores conceituais quanto à interrogação se o câncer seria ou não de ordem psicossomática, vemos uma série de equívocos nisso. Regularmente esses pacientes chegam em busca de ajuda, em geral, encaminhados pelos médicos que veem seu campo de ação restringido pela impossibilidade de mobilizar os aspectos psíquicos envolvidos em determinados sofrimentos orgânicos, quer como causa ou mesmo como consequência de uma doença grave. No entanto, atribuir esse nível de responsabilidade quanto ao surgimento de uma doença ao próprio doente é promover, na maioria das vezes, outros sofrimentos. Uma concepção acerca do adoecimento orgânico que pretenda articular os fatores psíquicos e somáticos não poderá deixar de fora os fatores ambientais,

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os fatores hereditários, os fatores históricos da vida de alguém, e por aí vai. Na ausência de uma causa definida, a maioria das doenças, sobretudo, quando não podem ser referidas a um agente como, por exemplo, um vírus ou uma bactéria, conduzirá a uma leitura multifatorial, sem que isso seja efetivamente esclarecedor acerca da causa. Pelo contrário, parece suspender esta questão e convocar a uma abordagem que precisa partir de uma nova posição dos especialistas em relação ao seu próprio saber. A medicina hoje é capaz de identificar as doenças, de mapear com números e imagens um diagnóstico de maneira precisa, mas isso não basta, não garante a possibilidade de um tratamento eficaz. Mesmo dirigindo um olhar cada vez mais fundo ao interior do corpo, quer seja através dos mais sofisticados exames de imagem ou na dosagem de elementos microscópicos, substâncias presentes nos fluidos corporais, nas estruturas internas às células, a resposta ao sofrimento pode não ser encontrada aí. Como vemos atualmente com os avanços quotidianos da tecnologia médica, o que pode ser considerado lesão articula-se a uma perspectiva muito alargada que atravessa as gerações, encarnando-se em hipóteses de hereditariedade, fundadas em descobertas genéticas, ainda que não haja um saber acabado sobre tudo isso. Um exemplo contundente e profundamente polêmico, que esteve presente na mídia há pouco mais de um ano, foi a decisão de uma atriz famosa pela mastectomia como medida preventiva, baseada na alta probabilidade de vir a desenvolver um câncer de mama. Não vamos aqui discutir de maneira leviana a decisão desse sujeito, apoiada no acompanhamento de seus médicos. Mas o que nos salta aos olhos são os procedimentos cada vez mais freqüentes de manipulação dos corpos apoiados em decisões, de um ou mais protagonistas, sem relação a um fato orgânico instalado. Paradoxalmente hoje se age sobre o corpo em busca de alívio psíquico. Assim, a separação entre o que se passa no corpo e o que se passa ao nível psíquico não se mantém,

“O ramo psicossomático surge como tentativa de reintegrar mente e corpo, dentro de uma concepção de adoecimento que pretenderia ler de maneira integral o ser humano.”

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“Assim, a separação entre o que se passa no corpo e o que se passa ao nível psíquico não se mantém, não há como distinguir de maneira evidente até onde vai um e onde começa o outro.”

não há como distinguir de maneira evidente até onde vai um e onde começa o outro. A vida de cada um dá provas disso. Trata-se de um fato que deve nos orientar na abordagem dos pacientes acometidos por doenças que coloquem em primeiro plano a impossibilidade de localizar e atacar um agente, como no caso das doenças psicossomáticas, que podem ser agrupadas em torno de alguns diagnósticos, mas que escolho aqui não abordar de modo classificatório. O que a abordagem desses casos nos ensina, diante das limitações da terapêutica médica e da fragilidade dos resultados dos tratamentos – já que são doenças cujas reincidências são parte do próprio prognóstico –, é que há um saber sobre o sofrimento do doente que virá dele e que nos ajudará a tratá-lo, nos ajudará a ajudá-lo. Vale ressaltar que há muito a se fazer, apesar de partirmos de uma abordagem complexa. As pessoas que sofrem com esse tipo de manifestação podem alcançar sucessos terapêuticos, afirmo isto a partir de minha própria experiência como psicanalista ao longo de vinte anos. Insistir sobre estas questões é um modo de reintroduzir a pergunta sobre o que se passa em nosso corpo e cria uma perspectiva que não nos permite reduzir sua complexidade ao simulacro que vemos através de radiografias, imagens de ressonâncias, taxas disso ou daquilo. Além disso, pouco se leva em consideração o risco de distorções produzidas por aparelhos mal calibrados ou falhas na leitura das imagens, ainda que não se tenha uma clareza maior do que a própria crença de que o corpo é aquilo que se vê através da tela. O corpo vivo, que pulsa de desejo, que arde de paixão, que sucumbe de tristeza, que treme de medo, que vibra de alegria não se encaixa nas imagens inertes e fragmentadas que nos chegam através das máquinas que pretensamente capturariam e revelariam a verdade de nosso corpo. O avanço tecnológico é fundamental para a promoção de recursos e procedimentos de cuidado cada vez mais eficazes, mas também demonstra a fé da medicina contemporânea na técnica, na maquinaria investigativa que atualmente vem eclipsando em grande escala a figura do clínico, como aquele que sabe ouvir o sofrimento do doente. Geralmente essas doenças percorrem com o

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sujeito o tempo de sua vida, convocam diversos saberes, solicitando leituras que comportem a pluralidade inscrita em sua etiologia inespecífica. Várias são as teorias na história da medicina psicossomática, mas o que persistem são os impasses, os insucessos terapêuticos, e também a insistência daqueles que se dedicam aos que sofrem com estas manifestações, que de forma regular ou irregular perpetuam-se na vida das pessoas. A exigência de cuidados mais ou menos intensivos requer do paciente um olhar que o leve a interrogar-se sobre o que se passa em seu corpo, em sua vida. Acolher o sofrimento de alguém é também incluir o doente no seu tratamento. Não se trata de tomar a responsabilidade reduzindo-a a uma culpabilização iatrogênica, mas sim dar lugar ao que na dor de cada um pode haver de captura para aquele que sofre, muitas vezes impedindo-o de abrir mão do seu próprio sofrimento. Perturbando certezas, interrogando verdades, convocando a interlocução entre as especialidades, estas manifestações se impõem ao saber na clínica, e exigem a abertura a abordagens multidisciplinares. Assim, os distúrbios psicossomáticos, cuja nomenclatura já revela impasses na própria classificação, nos indicam que nenhum saber será capaz de operar de modo eficaz isoladamente. Entre o “psico” e o “somático” não há pura e simplesmente uma continuidade, ao mesmo tempo em que não podemos tomar cada uma destas dimensões de maneira isolada. É o paradoxo da própria vida que se revela nos impasses cotidianos, nas paixões que podem animar, mas também devastar nossa existência, ainda que por algumas semanas. Essa matéria de que somos feitos pede algo de nós para se realizar. A psicanálise ensina sobre a justa medida daquilo que escapa ao nosso saber, mas que é preciso fazer caber para que possamos dar lugar em nossas vidas àquilo de que somos feitos. * Andrea Vilanova é psicanalista, doutora em Psicologia Clínica pela PUC-RJ e membro da Escola Brasileira de Psicanálise (EBP) e da Associação Mundial de Psicanálise (AMP). É professora associada do ICP – Instituto de Clínica Psicanalítica do Rio de Janeiro – EBP e professora, supervisora e orientadora do Curso de Especialização em Clínica Psicanalítica do Instituto de Psiquiatria IPUB / UFRJ. e-mail: [email protected]

REVISTA DE PSICOLOGIA - ESPECIAL

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JUSTIÇA RESTAURATIVA E VIOLÊNCIA UM NOVO CAMINHO PARA A ABORDAGEM DOS CONFLITOS INTERPESSOAIS.

É

BASTANTE PROVÁVEL QUE OS PROFISSIONAIS QUE TRABALHEM HOJE COM O SISTEMA PÚBLICO EDUCACIONAL, OU QUE ATUEM EM NOSSO SISTEMA DE JUSTIÇA JUVENIL, JÁ TENHAM OUVIDO FALAR EM JUSTIÇA RESTAURATIVA. Esse modelo alternativo de administração de conflitos, que privilegia no processo a reparação do problema ocasionado pelo conflito, ao invés da punição do ofensor, tem recebido cada vez mais atenção em nosso país, sendo alvo de intensos debates e pesquisas, bem como objeto de ampla divulgação por parte de seus defensores. A justiça restaurativa vem sendo utilizada por diversos países desde a década de 1970, mas chegou a nosso país no ano de 2005, quando foram inaugurados três projetos piloto com apoio institucional e financeiro do Ministério da Justiça, através da Secretaria de Reforma do Judiciário, e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Estes projetos foram implantados em São Caetano do Sul-SP na área da infância e juventude e integração com o sistema público de ensino, Núcleo Bandeirante (Distrito Federal), mais especificamente no Juizado Especial Criminal e Porto Alegre-RS aplicado na Vara de Execuções de Medidas Socioeducativas na área da Infância e Juventude. Em dez anos de aplicação do modelo de justiça restaurativa no Brasil, houve muitas discussões, alguns retrocessos e muitos avanços. Trabalhos acadêmicos resultantes de pesquisas foram publicados, alguns programas de justiça restaurativa deixaram de existir em alguns locais em que se tentou implantar este modelo, ao passo que novos programas têm surgido nas mais diversas regiões do país. É importante destacar que o foco destas iniciativas têm sido conflitos que se originaram nas escolas e que envolvem geralmente crianças ou adolescentes.

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O objetivo destes programas é evitar que estes conflitos sejam criminalizados e cheguem até o sistema de justiça juvenil. Dessa forma, estes programas têm sido pensados a partir de parcerias entre as respectivas varas de infância e juventude das regiões em que se pretende iniciá-los, juntamente com as secretarias de educação destas localidades. Vale lembrar também que por este mesmo motivo as principais lideranças dos programas hoje têm sido os próprios juízes das varas de infância e juventude.

MAS, AFINAL, O QUE É JUSTIÇA RESTAURATIVA? É difícil definir a justiça restaurativa em termos mais circunscritos, já que até mesmo entre seus especialistas não existe um consenso sobre suas definições. É possível, entretanto, afirmar que estamos falando basicamente de um modelo alternativo de administração de conflitos que objetiva reparar os danos e relações que foram afetadas pela emergência de um conflito, diferentemente do que o nosso modelo de justiça comum faz que é centrar-se sobre o ato infracional e sua punição. Cabe destacar que a utilização neste artigo do termo administração ou gestão de conflitos é proposital e diverge da definição corrente na bibliografia que usualmente coloca a justiça restaurativa nos termos de um “modelo alternativo de resolução de conflitos”. A preferência por outros termos acontece já que resolução presume o fim ou a solução do conflito, algo que nem sempre é alcançado, ou muitas vezes nem sequer desejado pelas partes em disputa. Para alcançar seus objetivos ligados à restauração dos laços sociais rompidos, a justiça restaurativa propõe formas mais consensuais de tratamento do conflito, momentos nos quais as partes podem se manifestar em mesmo patamar de igualdade, com

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oportunidades iguais de fala, contando para isso com a ajuda de um terceiro imparcial, cujo papel no procedimento reside mais em facilitar o diálogo que julgar, como normalmente acontece no sistema de justiça oficial. Esse facilitador de justiça não precisa ter formação no Direito, mas é necessário que tenha sido capacitado para exercer essa função. Existem, portanto, vários procedimentos de gestão de conflitos relacionados à justiça restaurativa. Há, para citar alguns: os círculos decisórios, os círculos de pacificação, a mediação vítima-infrator e as conferências familiares. No Brasil, o modelo que mais têm se difundido é o círculo restaurativo. Como o próprio nome sugere, os participantes ficam alocados no formato de um círculo. O fato de o procedimento estabelecer que todos os indivíduos fiquem em mesma posição já se configura numa maneira de tentar romper com as hierarquias e formalidades comuns aos demais rituais judiciários. Além disso, o formato circular exemplifica como a justiça restaurativa tem suas origens na recuperação de formas tradicionais pelas quais povos autóctones resolviam seus conflitos. Em países como Canadá e Nova Zelândia, pioneiros na utilização do modelo restaurativo, a aplicação da justiça restaurativa está fortemente atrelada aos seus povos originários. Cabe destacar também que no procedimento restaurativo termos convencionalmente utilizados na justiça regular não são mobilizados, como vítima, infrator ou ofensor. Além de constituírem-se em termos estigmatizantes, a justiça restaurativa, ao atentar para o contexto em que o conflito se deu, teria se apercebido do fato de que neste campo tudo é muito relativo, muitas vezes a vítima também é agressora, do mesmo modo como o ofensor não raras vezes também se sente vitimizado na situação. Além da presença da vítima, do ofensor e do facilitador de justiça, mais pessoas da família ou comunidade podem participar ativamente dos processos ligados à justiça restaurativa. Dessa forma, ao contrário do modelo de justiça comum, que coloca a vítima em segundo plano, apenas como fornecedora de provas, a justiça restaurativa, de forma diferente, concede à vítima um papel ativo no procedimento, do mesmo modo como atenta para as necessidades da comunidade que de uma maneira geral possa ter sido afetada pelo conflito também (algo que a justiça oficial tampouco contempla). Estamos falando, portanto, de uma forma de reapropriação do conflito pelas partes, ou de uma devolução do conflito para aqueles a quem sua reparação mais importa. O principal ponto, nesse caso, se refere novamente à participação da vítima que se viu excluída do processo, desde que o Estado assumiu a função de repressão ao ato contrário à lei1. Ademais, a justiça restaurativa poderia ser entendida ainda como uma crítica dirigida ao modelo de justiça comum, já

“Existem, portanto, vários procedimentos de gestão de conflitos relacionados à justiça restaurativa.”

que propõe uma abordagem mais humana da justiça, afastada dos ritos e intervenções hierárquicas presentes nos procedimentos mais formais. Outra importante característica da justiça restaurativa é que contrariamente ao sistema de justiça oficial que se centra sobre o passado, em algo que aconteceu e que não poderia ser totalmente reparado, a justiça restaurativa, de forma diferente, se preocupa com o futuro, já que seu foco são as necessidades de todos os participantes e a busca por desfechos mais consensuais para o problema, que possam proporcionar a restauração das relações de todos envolvidos. (Melo, 2005) Como dito anteriormente, aqui em nosso país o procedimento ligado à justiça restaurativa mais utilizado é o círculo restaurativo. Este procedimento é dividido em três momentos: o pré-círculo, o círculo e o pós-círculo. No pré-círculo as partes são atendidas individualmente pelo facilitador de justiça (mediador) e convidadas a participarem do ritual; assim, o facilitador explica aos potenciais participantes todas as etapas componentes do círculo, como ele funciona e quais são seus objetivos. Se esta parte do pré-círculo estiver concluída, de comum acordo passa-se para a realização efetiva do círculo. É importante destacar que para que haja o círculo é preciso que todos queiram voluntariamente participar, o que já estabelece um tipo de compromisso diferenciado. Nesse sentido, especialmente no que concerne ao “ofensor”, para que ele faça parte do círculo ele precisa se responsabilizar pelo ato cometido. Já no momento do círculo, o facilitador de justiça novamente ouve das partes seus relatos sobre o ocorrido e depois desta fase todos se reúnem para discutirem juntos formas de reparação do problema. Finalizada a sessão, o pós-círculo emerge como o momento de conclusão do ritual. As maneiras de realização do pós-círculo passam a depender do desfecho do caso: a facilitadora pode se comprometer a acompanhar os alunos na escola para verificar se a situação se pacificou, ou pode visitar as famílias para verificar

1 - Para saber mais sobre essa questão ver Nils Christie e seu conceito de conflito como propriedade.

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“Mais pesquisas se fazem necessárias, ainda mais se levarmos em conta o contexto atual de ressurgimento da pauta do fenômeno da violência, (...), especialmente nas mídias sociais, impressas e televisivas.”

se houve alguma melhora nos relacionamentos, por exemplo. O fato é que, em geral, fica acordado entre os participantes que em algum momento eles devem se reunir com a facilitadora novamente, para dizer se o caso foi resolvido, ou não, e assinar um documento que eventualmente pode seguir para o juiz que, satisfeito com a decisão, conclua e arquive o caso. Embora o principal objetivo destes programas seja evitar o encaminhamento destes casos de baixo potencial ofensivo ao Judiciário, a maior parte dos casos atendidos pelos programas já vem do nosso sistema de justiça comum. Assim, ainda que a população possa procurar espontaneamente estas iniciativas, a maioria dos casos já vem por indicação do próprio juiz ou promotor que atende o caso, mostrando como existe ainda em nosso país uma cultura arraigada de que os conflitos só podem ser bem administrados através da sua judicialização. Iniciativas como a justiça restaurativa ainda carecem, portanto, de legitimidade frente à população que é atendida e muitas vezes tem que enfrentar resistências dentre os próprios operadores do Direito, ainda inscritos dentro de um marco punitivo em relação à administração de conflitos. Cabe destacar também que se em nosso país o foco destas iniciativas tem sido os conflitos denominados de “menor potencial ofensivo”, especialmente aqueles que se originaram nas escolas envolvendo crianças ou adolescentes, em outros países casos mais graves chegam a ser atendidos. Nestes casos o tipo de procedimento pode variar e não necessariamente vítima e ofensor se encontram face a face para administrar o conflito. No Brasil, trabalhos na área da psicologia têm atentado para o momento da composição dos conflitos de acordo com os princípios orientadores da justiça restaurativa; para aqueles que querem se aprofundar no tema, trabalhos como o de Schimidt (2010) abordam os círculos restaurativos e seus participantes em termos de incorporação de papéis, num viés

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possibilitado pelo psicodrama. Ainda que também existam trabalhos sobre a justiça restaurativa nas áreas da sociologia e criminologia, além da psicologia, grande parte da produção acadêmica sobre o tema ainda está circunscrita ao domínio do Direito. Estas produções tentam definir a justiça restaurativa e almejam, de uma maneira geral, verificar em que medida ela poderia ser aplicada no Brasil, levando em conta nossas especificidades e tendo como referência de análise as vertentes garantista ou mesmo abolicionista da área. Mais pesquisas se fazem necessárias, ainda mais se levarmos em conta o contexto atual de ressurgimento da pauta do fenômeno da violência, que têm ganhado cada vez mais destaque, especialmente nas mídias sociais, impressas e televisivas. Diante deste quadro torna-se importante pensarmos estratégias de enfrentamento da questão para que, em meio à desinformação, não se percam possibilidades inovadoras no que diz respeito ao acesso à justiça e à administração de conflitos; ou, mais ainda, que este quadro acabe por reforçar um discurso refratário a mudanças no sistema de justiça penal (discussões a respeito da redução da maioridade penal são um exemplo). A justiça restaurativa traz um importante contraponto para o nosso sistema de justiça penal ao ter em seus horizontes de resposta ao conflito a possibilidade de utilização de outras formas de reparação que fogem à lógica punitiva do sistema de justiça criminal moderno. O desafio, entretanto, é lutar para que os rituais alternativos não sejam colonizados por marcas do nosso sistema de justiça comum, tornando-se espaços menos prestigiosos de reprodução da lógica vigente. O risco sempre é que o alternativo seja colonizado por práticas enraizadas nos procedimentos de justiça formais, com risco de perderem-se as inovações propostas pelo modelo alternativo. Isto se torna ainda mais pertinente se levarmos em conta que em nosso país o foco destas iniciativas tem sido adolescentes e conflitos escolares, ou seja, estamos falamos de um público mais fragilizado, sem contar que nas escolas existe sempre a ameaça de que as hierarquias que compõem o ambiente sejam reforçadas, quando, por exemplo, estamos falando de um conflito que envolva figuras de autoridade (professores ou funcionários) e alunos. *Juliana Tonche é socióloga, pesquisadora no tema da administração de conflitos e integrante dos grupos GEVAC (Grupo de Estudos da Violência e Administração de Conflitos) da Universidade Federal de São Carlos e NADIR (Núcleo de Antropologia do Direito) da Universidade de São Paulo. E-mail para contato: [email protected]

REVISTA DE PSICOLOGIA - ESPECIAL

FILMES CINCO FILMES QUE AJUDAM A REFLETIR SOBRE O FENÔMENO DA VIOLÊNCIA Elena Souza*

CLUBE DA LUTA (1999) Direção: David Fincher O polêmico filme narra a história de um jovem que sofre de insônia (Edward Norton) e se encontra com um estranho vendedor de sabonetes, interpretado por Brad Pitt. Desse encontro, surge o “clube da luta”, um espaço em que os participantes podem expressar a sua agressão não sublimada e sua recusa à sociedade vigente. O filme discute a alienação e a violência que o sistema social impõe aos homens no capitalismo tardio. Padrões de consumo e saúde mental também permeiam essa interessante narrativa.

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REVISTA DE PSICOLOGIA - ESPECIAL

QUILOMBO (1984) Direção: Carlos Diegues O filme com direção musical de Gilberto Gil, apresenta a história do Quilombo dos Palmares e de seus principais líderes como Ganga Zumba e Zumbi. Além da violência sofrida pelos africanos escravizados em solo brasileiro, o filme discute a resistência realizada por esses guerreiros do Brasil.

LARANJA MECÂNICA (1971) Direção: Stanley Kubrick Alex (Malcolm McDowell) é o líder de uma gangue na Inglaterra. Após praticar diversos crimes, é preso e submetido a uma terapia de choque, por meio da qual tem seus impulsos destrutivos anulados a partir de um violento tratamento. O clássico dos anos 1970 discute a questão da ética na psiquiatria e na psicologia, bem como as técnicas de lavagem cerebral.

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VIOLÊNCIA - FILMES

TROPA DE ELITE (2007) Direção: José Padilha O filme que alcançou grande sucesso de público e de crítica, traz a história do capitão do BOPE (Wagner Moura) durante a visita do papa ao Brasil. O personagem que deseja deixar o comando da corporação, ao mesmo tempo se indigna com a corrupção existente no batalhão e pratica atos ilegais dentro das favelas do Rio de Janeiro. O filme é essencial para a discussão da violência policial no contexto brasileiro. *Elena Souza é jornalista.

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