\"Violento é o Estado\": A tática Black Bloc em Brasília

July 19, 2017 | Autor: Luciana Keller | Categoria: Black Bloc, Black Blocs, Jornadas de Junho de 2013
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"Arnaldo Jabor pede desculpas por comentário infeliz na Rede Globo" (Disponível em: Acesso em: 25 nov. 2014.)

No dia 30/03/2014, o site "Carta Maior" publicou uma matéria intitulada "Para cientistas políticos, movimento Black Block é negação da política", na qual o Professor Leonardo Barreto, em entrevista, afirma que os Black Blocs são a negação da política. (Disponível em < http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Para-cientistas-politicos-movimento-Black-Block-e-negacao-da-politica-/4/30604> Acesso em: 25 nov. 2014)

Comentário baseado em observação direta.
Comentário baseado em observação direta.
Antes mesmo de Castells, alguns teóricos já haviam estudado o papel das emoções na ação coletiva, dentre eles destaca-se o trabalho de James M. Jasper, "The Emotions of Protest: Affective and Reactive Emotions in and around Social Movements" (1998).
Manifestação que aconteceu no dia 15 de junho de 2013.
Manifestação que aconteceu no dia 17 de junho de 2013.
Comentário baseado em observação direta.
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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
INSTITUTO DE CIÊNCIA POLÍTICA




Luciana Keller Tavares












"Violento é o Estado": A Tática Black Bloc em Brasília











Brasília
2014

Luciana Keller Tavares

"Violento é o Estado": A Tática Black Bloc em Brasília





Trabalho apresentado à Universidade de Brasília como requisito para a obtenção do título de bacharel em Ciência Política.

Orientador: Profª. Marisa von Bülow


















Brasília
2014

Luciana Keller Tavares

"Violento é o Estado": A Tática Black Bloc em Brasília





Trabalho apresentado à Universidade de Brasília como requisito para a obtenção do título de bacharel em Ciência Política e avaliado pela seguinte banca examinadora:





_________________________________________________________

PROFESSORA MARISA VON BÜLOW
(Universidade de Brasília)


________________________________________________________
PROFESSORA REBECCA NEAERA ABERS
(Universidade de Brasília)





Brasília
2014
Aos meus queridos pais, por todo amor que nunca me faltou.
































AGRADECIMENTOS

Agradeço aos adeptos da tática Black Bloc que se disponibilizaram a me dar entrevista e contribuir para esse estudo. Foi somente através de vocês que esse trabalho se tornou possível.


RESUMO

Em 2013, durante as manifestações de junho, uma tática de ação direta até então desconhecida no Brasil se destacou nos protestos que aconteceram de norte a sul do país e reacendeu o debate sobre do uso da violência política. Conhecido como Black Bloc, a controversa ao redor desse tipo de repertório se deu, em grande parte, por conta do uso do vandalismo de propriedades ligadas ao capital e ao Estado capitalista. Mal compreendido pela mídia brasileira, o Black Bloc acabou se tornando uma espécie de tabu nos protestos. Através de estudo de campo, esse trabalho visa trazer a perspectiva dos adeptos da tática Black Bloc em Brasília, com enfoque em três perguntas: Quem são? Como utilizam? E porque utilizam? O objetivo foi desmistificar um pouco da ideia de que os blockers não possuem qualquer racionalidade política, assim como apontar a perspectiva da tática enquanto uma reação a violências prévias nas quais o autor é o Estado.

Palavras-chave: Black Bloc; violência estrutural; manifestações em Brasília; junho de 2013.



ABSTRACT

In 2013, during the protests of June, a tactic of direct action until then unknown in Brazil stood out in the protests that happened from north to south of the country and rekindled the debate about the use of political violence. Known as Black Bloc, the controversy around this type of repertoire has given, mostly, because the use of the vandalism of properties connected with de capital and the capitalist Estate. Mistaken by the Brazilian media, the Black Bloc turned out to be a kind of taboo in the protests. Through field study, this work aims to bring the perspective of the users of Black Bloc tactic in Brasília, with focus in three questions: Who are them? How they use it? And why they use it? The main goal was to demystify a little of the idea that the blockers do not possess any kind of political rationality, as well as to indicate the perspective of the tactic as reaction to previous outrages in which the author is the Estate.

Key-words: Black Bloc; structural violence; protests in Brasilia; June of 2013.



SUMÁRIO


1. INTRODUÇÃO 9
2. ASPECTOS METODOLÓGICOS 13
3. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA 15
3.1. O Black Bloc no mundo 15
3.2. O Black Bloc no Brasil e em Brasília 18
4. REPERTÓRIOS DE CONFRONTO, PERFORMANCES, MOTIVAÇÕES E IDENTIDADES DENTRO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS 23
5. AS RAÍZES ANÁRQUICAS 29
6. ANÁLISE DE DADOS 31
6.1. Afinal, quem são os Black Blocs? 31
6.2. A dinâmica da tática 34
6.3. Particularidades brasilienses 37
6.4. Motivações dos blockers 40
6.5. "Violento é o Estado" 43
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS 46
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 49










INTRODUÇÃO

"La libertad no se pide, la libertad se toma!"
- autor desconhecido

Em junho de 2013 o Brasil foi inundado por uma série de manifestações em todos os quatro cantos do país. Os motivos que desencadearam esses protestos são inúmeros e até hoje incertos. Da mesma forma, as pautas levantadas pelos manifestantes foram tão diversas que variaram desde a redução no preço da passagem de ônibus à reforma política. Em meio a isso, os brasileiros assistiram atônitos à intensa repressão das forças policiais do país. Bombas de efeito moral, gás lacrimogêno, balas de borracha, prisões e até balas de verdade foram utilizadas contra os manifestantes que saíram às ruas (WERNECK, 2013).
O primeiro dessa série de protestos aconteceu em São Paulo e foi convocado pelo Movimento Passe Livre em razão do aumento da tarifa de ônibus na capital paulista. Nesse dia, até mesmo o porte de vinagre (o vinagre era utilizado pelos manifestantes porque supostamente trazia um alívio aos efeitos do gás lacrimogênio) foi motivo para a prisão de jornalistas e manifestantes (SOARES, 2013). No dia seguinte, outra manifestação foi convocada pelo movimento e daí em diante elas não pararam mais. Chegaram a reunir mais de 100 mil pessoas nas ruas numa única cidade e causaram verdadeiro alvoroço na dinâmica social do país (REVISTA DE HISTÓRIA, 2013). Porém, em meio aos manifestantes pacíficos que protestavam por causas legítimas, surge um vilão: os vândalos. Mascarados que destroem o patrimônio público, picham muros, põem fogo em ônibus, atiram pedras contra policiais e quebram bancos. O Movimento Passe Livre, precursor dos protestos, logo foi associado aos atos de depredação e se defendeu dizendo que "não incentiva a violência em momento algum de suas manifestações, mas é impossível controlar a frustração e a revolta de milhares de pessoas com o poder público e com a violência da Polícia Militar" (G1, 2013).
A grande mídia, que a princípio recriminou os manifestantes, ao perceber que seu discurso perdia força, logo mudou de posição. Arnaldo Jabor pediu desculpas publicamente por criticar os protestos. Os manifestantes passaram então a ser tratados como heróis lutando por um país mais justo e democrático. E os "vândalos" e "baderneiros" ganharam um nome: Black Blocs.
A princípio não se sabia muito sobre eles. Seriam um grupo? Uma organização? Um partido? Um movimento? E conforme novas manifestações foram acontecendo, mais mascarados foram surgindo e mais violentos se tornaram os atos, com ampla divulgação de tudo o que acontecia nas redes sociais virtuais. Logo os gritos de "sem violência", anteriormente direcionados aos policiais, passaram a ser direcionados aos próprios manifestantes. E por consequência surgiram milhares de teorias da conspiração com relação a eles. "[...] Filiados a PSOL, PSTU e PT comandam sindicatos responsáveis pelo financiamento de manifestações que tiveram participação de black blocs no Rio de Janeiro." (HAIDAR, 2014), diziam uns. "A tática – sem estratégia – dos Black Bloc fornecem as imagens e os argumentos que as forças mais reacionárias da direita precisam para legitimar a repressão estúpida e brutal contra os movimentos de greve e protestos dos estudantes e das classes trabalhadoras" (SARAIVA, 2013), diziam outros. E no meio desse jogo de empurra-empurra as manifestações foram minguando até desaparecerem por (quase) completo.
Alguns jornalistas afirmam que a razão dos protestos terem se dissipado foi a "apropriação" das manifestações pelos Black Blocs, que dividiram os manifestantes entre pró e contra a violência e acabaram tirando a legitimidade dos atos (ERTHAL, 2014). A Copa do Mundo da FIFA, um dos alvos das manifestações de junho, aconteceu sem grandes incidentes e foi considerada um sucesso (PORTAL BRASIL, 2014). Ao final, o jargão "Não vai ter Copa", lançado pelo grupo Anonymous e amplamente propagado pelas páginas "Black Bloc" do Facebook, não se confirmou. Em meio a isso, a Justiça do Rio de Janeiro abre a temporada de caça aos Black Blocs com o decreto de prisão preventiva de 22 manifestantes acusados de formação de quadrilha e vandalismo, é a famigerada Operação Firewall (BRASIL, 2014). O objetivo é claro: tirar os manifestantes das ruas no período dos jogos finais da Copa. Dito e feito.
Inspirado por esses acontecimentos, o presente trabalho buscou, através de observação participativa e entrevistas com adeptos da tática em Brasília, compreender o que é, quem participa e como se dá a dinâmica do Black Bloc, bem como quais são os motivos que levam esses ativistas a empregarem um tipo de repertório potencialmente arriscado para eles. Foram realizadas nove entrevistas com participantes das manifestações de junho, todos que em algum momento consideraram ter feito parte de um bloco. As entrevistas aconteceram em Brasília, mas como um dos entrevistados participou das manifestações no Rio de Janeiro, isso me permitiu relativizar a dinâmica da tática e trazer um pouco da questão das particularidades do bloco brasiliense. Cabe ressaltar também que alguns blockers já tinham participado de blocos em outras cidades, e por isso puderam trazer uma perspectiva comparada da atuação na capital. Esse trabalho de campo se deu no período entre junho de 2013, quando começaram as primeiras manifestações do período da Copa das Confederações, e agosto de 2014, quando foi realizada a última entrevista.
É importante assinalar que ainda reina a ideia de que o Black Bloc é um grupo organizado formado por estudantes de classe média que são contra o capitalismo, mas usufruem de suas vantagens, ou os também chamados de "esquerda caviar" (BERGAMIM JR, 2014), e estão mais interessados em causar tumulto do que em fazer uma crítica política. No entanto, as conclusões que tirei a partir de minhas pesquisas e do trabalho de outros estudiosos do bloco, como Dupuis-Déri (2014), mostram que, ao contrário, o Black Bloc não é um grupo, e tampouco é necessariamente "organizado". Na verdade, o Black Bloc é uma tática de manifestação, ou seja, é um repertório de ação direta. Ele surgiu na Alemanha como forma de enfrentamento e resistência à repressão dos movimentos sociais pela polícia. Como o próprio nome revela, essa tática consiste basicamente na formação de um bloco que funciona como escudo para o resto da manifestação e onde todos estão vestidos de preto, para evitarem ser identificados. Os participantes do Black Bloc com os quais tive contato são todos estudantes, mas variam muito em termos de classe social.
Aqui no Brasil os blockers costumam se referir à tática como "bloco". A tradução do nome para o português, "Bloco Negro", bem como para cada uma das línguas pelas quais o bloco já foi utilizado revela uma reapropriação da tática ao contexto do país e dá o caráter de algo mutável. Dizer que se trata apenas de uma tática, no entanto, não convence. A tática, como um tipo de rotina anarquista, gera uma identidade. Identidade essa que pode ser partilhada ou não. O anarquismo, o punk, o autonomismo e a ação direta também são parte dessa identidade. Assim sendo, esse conceito de identidade deve ser pensado de forma dinâmica e fluida, tal qual formulado por Ann Mische (1997). Porém, enquanto tática, ela não precisa de identidade, precisa apenas de ação. Tal afirmação quer dizer que em geral os usuários da tática compartilham sim de uma identidade, mas que isso não é um pré-requisito para participar do bloco. A maior parte dos entrevistados está inserido em redes sociais que comungam de uma identidade e de práticas anarquistas, dentre elas o Black Bloc, mas a plasticidade das táticas permitem que elas sejam utilizadas por uma gama diversa de pessoas.
Espalhada pelo mundo especialmente através do movimento anarcopunk, a tática já foi utilizada em quase todos os continentes, mas sempre se adequando às especificidades de cada lugar. Em Brasília, lócus de minha pesquisa, as particularidades da cidade não permitem que o bloco vá à frente servindo como um cordão de segurança para o resto da manifestação, justamente porque os espaços foram arquitetonicamente pensados e construídos para evitar grandes aglomerações, de forma que os manifestantes usuários dessa tática aqui têm de emprega-la de forma diferente.
É lugar comum entre jornalistas e intelectuais negar o caráter político do Black Bloc, colocando-o no campo da violência irracional e desmotivada e tirando qualquer lógica de justiça social que possa haver por trás dessa ação. Uma coisa, no entanto, é fato: eles não estão muito preocupados com a opinião das elites políticas sobre suas atitudes, uma vez que são essas mesmas elites que legitimam diversos tipos de opressões contra os quais a tática é utilizada. Mesmo assim, em raras ocasiões ouvimos falar sobre o que têm a dizer os próprios adeptos da tática. O uso da violência incorre numa criminalização que joga os blockers na clandestinidade e silencia suas vozes.
Entendo essa como sendo a importância do meu trabalho: trazer um ponto de vista coerente que vá além da crítica hegemônica ao Bloco Negro. Não pretendo, contudo, tentar legitimar ou me passar por porta-voz dos Black Blocs, até porque isso seria impossível. A minha única pretensão aqui é tentar mostrar o outro lado da moeda.
Resta salientar, ainda, que para compreender o fenômeno Black Bloc é necessário quebrar o engessamento epistemológico. É possível caracterizar o bloco como um repertório de ação direta, mas limita-lo a esse enquadramento resulta na perda de outros aspectos desse fascinante acontecimento político-social, que envolve muito mais do que apenas a questão estratégica.









ASPECTOS METODOLÓGICOS

Para a elaboração desse trabalho utilizei basicamente duas técnicas qualitativas de coleta de dados: entrevistas e observação participativa. Foram realizadas nove entrevistas com participantes das manifestações de junho no Brasil que utilizaram da tática Black Bloc. Dos nove entrevistados, oito deles participaram das manifestações em Brasília e um participou das manifestações no Rio de Janeiro. O trabalho de campo foi iniciado em junho de 2013 com as observações participantes nas manifestações da capital e se estendeu até agosto de 2014, quando foi realizada a última entrevista. O objetivo que busquei alcançar com as entrevistas, bem como com as observações, foi responder a duas perguntas de pesquisa: Quem são e como agem os Black Blocs no Brasil, tendo com recorte a capital do país, e o que leva os ativistas a utilizarem dessa tática.
Como já mencionado anteriormente, a pesquisa foi feita em Brasília. No entanto, como alguns entrevistados já haviam participado de manifestações em outras cidades ou as haviam acompanhado através da televisão e da Internet, isso permitiu a eles trazer uma perspectiva comparada da atuação do Black Bloc. Assim, também destaquei no trabalho alguns fatores que diferenciam a dinâmica da tática no contexto brasiliense.
O primeiro contato de entrevista que consegui se deu através de amigos. Ao saber do meu interesse pela tática, esse primeiro contato imediatamente se dispôs a me ajudar no trabalho. Irei chamá-lo aqui de Ana. Ana me inseriu em alguns grupos anarquistas e me manteve informada de eventos em que eu teria oportunidade de dialogar com adeptos do libertarianismo e talvez encontrar algum blocker. A princípio, tive uma certa dificuldade em me aproximar de pessoas que não conhecia para pedir-lhes para falarem de um assunto tão delicado. Porém, à medida que fui adentrando nos grupos de discussão anarquista e encontrava pessoas dos meus círculos sociais nas reuniões, fui me sentindo mais segura e criei um sentimento de proximidade e identificação com aquele grupo, passando a não me sentir mais uma outsider.
Fora isso, a ajuda de Ana, que já estava bastante inserida naquela rede, foi um atalho pra chegar aos atores, já que à medida que eu era apresentada por ela, as pessoas me percebiam como alguém confiável. Isso criou um efeito "bola de neve" da confiança que me foi muito oportuno: quando eu conseguia criar um vínculo de confiança com um entrevistado e esse me apresentava a outro possível entrevistado, essa nova pessoa tinha menos ressalvas comigo, porque uma pessoa em que ela confiava estava lhe dizendo que eu era confiável também. É um pouco difícil explicar com palavras como esse sentimento de confiança no pesquisador altera os rumos da pesquisa, mas o estabelecimento desse laço com os entrevistados foi muito relevante para os resultados do trabalho. Além disso, acredito que minha aparência também pode ter ajudado. O fato de ter tatuagens e ser jovem, por exemplo, me possibilitou uma maior identificação com esse grupo, algo que provavelmente não aconteceria em ambientes institucionalizados.
Durante as entrevistas eu procurava sempre mostrar que, apesar de estar numa posição de pesquisadora, eu também havia tido a experiência das manifestações e estava familiarizada com a rotina dos protestos, o que deixava os entrevistados mais à vontade. Outro ponto que também me ajudou na coleta dessas informações foi explicitar os objetivos do meu trabalho de forma clara. Ademais, eu procurava sempre mostrar um compromisso estrito com a confidencialidade de informações pessoais que pudessem identificá-los. Assim, visando proteger a identidade dos entrevistados, os dados que coletei serão expostos de forma anônima e/ou através de pseudônimos.
Pude registrar oito das nove entrevistas em áudio e todas foram feitas em ambientes públicos, como praças e até a própria UnB. A observação participante foi realizada nas manifestações que aconteceram entre junho e outubro de 2013 e a partir delas elaborei alguns diários de campo. Essa parte é essencial ao trabalho porque embora a tática seja composta por indivíduos, ela verdadeiramente é o momento. Assim, a visualização da execução da tática facilita a compreensão do seu modus operandi.


CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

O Black Bloc no mundo

É impossível falar na tática Black Bloc sem fazer referência ao contexto histórico em que ela surgiu. Segundo um dos mais famosos estudiosos da tática no mundo, o canadense Francis Dupuis-Déri, a primeira vez que se têm registros do uso do termo "Black Bloc" foi na década de 80, na Alemanha (2014, p. 40). É importante salientar que, no entanto, táticas de ação direta com rotinas similares já eram utilizadas muito antes disso. O movimento pelo sufrágio feminino na Inglaterra (as chamadas "suffragettes"), por exemplo, usou muito de táticas combativas na busca por um direito hoje considerado fundamental. Sobre isso, Dupuis-Déri escreve:

Em 21 de novembro de 1911, mulheres marcharam pelo centro de Londres com martelos e pedras escondidos em suas bolsas de mão. No trajeto, quebraram as janelas do Ministério do Interior, da Somerset House e de vários outros prédios do governo [...] Mais de duzentas mulheres foram presas, assim como três homens. Emmeline Pankhurst, uma das líderes das suffragettes declarou que "o argumento de uma vidraça quebrada é o mais valioso na política moderna" (2014, p. 36-38).

Além das Suffragettes, nos Estados Unidos, na época da luta do movimento negro pelos Direitos Civis, os Panteras Negras também lançaram mão da violência. Por isso, quando me refiro ao "surgimento" da tática, levo em consideração apenas o momento em que determinadas rotinas passaram a ser chamadas de "Black Bloc". Até porque se formos realmente precisar o período em que as estratégias que constituem o que é a tática hoje começaram a ser utilizadas, teríamos que voltar ao século XVIII, onde se construíram as primeiras barricadas e começaram a ser utilizadas formas de protesto em que se lançava mão da violência.
Existem divergências sobre quando o termo "Black Bloc" (ou Schwarzer Bloc, em alemão) foi cunhado pela primeira vez, mas de acordo com Dupuis-Déri isso certamente aconteceu no ano de 1980, na Alemanha. As divergências são quanto ao momento e ao local no país em que se começou a usar esse termo para designar tal repertório. Alguns afirmam que foi em uma manifestação anarquista de Primeiro de Maio em Frankfurt, outros num acampamento de resistência contra a abertura de um depósito de lixo radioativo na Baixa Saxônia. Outros, ainda, afirmam que esse termo foi cunhado pela primeira vez no despejo às ocupações (também chamadas de "squats") na Berlim Oriental, em dezembro de 1980 (DUPUIS-DÉRI, 2014, p. 42-43). Independente do momento preciso em que se utilizou do termo "Black Bloc" pela primeira vez, foi o movimento Autonomista que popularizou a tática na Alemanha e em seguida a disseminou pelo mundo.
Os Autonomistas possuem origens ideológicas diversas, como o anarquismo, o feminismo, o ambientalismo e o marxismo, mas diferem de suas origens por manterem sempre o aspecto da independência e da autonomia individual e coletiva salvaguardados acima de todos os outros, além de priorizarem ao máximo a horizontalidade na tomada de decisões (DUPUIS-DÉRI, 2010, p. 51). Em dezembro de 1980 as autoridades alemãs deram aval à polícia para pôr fim aos "squats" e, os autonomistas, sabendo dessa decisão, vestiram máscaras e roupas pretas e saíram às ruas para defender essas ocupações. O governo alemão iniciou uma ação jurídica contra uma suposta organização criminosa chamada "Black Bloc", mas ao final as autoridades voltaram atrás afirmando que essa organização nunca existira. Em 1981 circulou na Alemanha um panfleto intitulado "Shwarzer Bloc" cujo conteúdo dizia o seguinte: "Não existem programas, estatutos ou membros do Black Bloc. Existem, porém, ideias e utopias políticas, que determinam nossas vidas e nossa resistência. Essa resistência tem muitos nomes, e um deles é o Black Bloc." (RAHMANI apud DUPUIS-DÉRI, 2014, p. 43).
Depois das primeiras aparições na década de 80, vários outros Black Blocs aconteceram na Alemanha. Em 1986 ele apareceu na defesa das ocupações da rua Hafenstrasse, em 1987, em manifestações contra a visita do então presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan e em 1988, no encontro do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI). Até hoje é comum a formação de blocos nas manifestações anuais de Primeiro de Maio na Alemanha, tão comum que não raro acontece de até mesmo turistas se juntarem aos mascarados, muito embora os ativistas reclamem que esses turistas não possuem qualquer objetivo político (idem, 2014, p. 46).
Outro grande epicentro da tática no mundo foi os Estados Unidos. Uma das manifestações mais famosas da década de 90 contou com grande presença do bloco, foi a chamada "Batalha de Seattle". No dia 30 de novembro de 1999 milhares de americanos (calcula-se algo entre 50 e 100 mil pessoas) saíram às ruas para protestar contra a reunião da organização Mundial do Comércio (OMC) (LUDD, 2002, p. 47). Os manifestantes conseguiram bloquear as ruas e impediram que os delegados chegassem ao local do encontro, adiando a abertura do mesmo. Diante disso, a repressão do Estado norte-americano tomou proporções tão grandes que foi chamada a Guarda Nacional e decretada por um dia a lei marcial, durante a qual deixam de valer os direitos constitucionais (idem, p. 56). Um comunicado do Black Bloc do N30 (ou 30 de novembro) de Seattle feito pelo Coletivo ACME, um coletivo anarquista, relata o seguinte sobre o episódio:
This activity lasted for over 5 hours and involved the breaking of storefront windows and doors and defacing of facades. Slingshots, newspaper boxes, sledge hammers, mallets, crowbars and nail-pullers were used to strategically destroy corporate property and gain access (one of the three targeted Starbucks and Niketown were looted). Eggs filled with glass etching solution, paint-balls and spray-paint were also used.The black bloc was a loosely organized cluster of affinity groups and individuals who roamed around downtown, pulled this way by a vulnerable and significant storefront and that way by the sight of a police formation. Unlike the vast majority of activists who were pepper-sprayed, tear-gassed and shot at with rubber bullets on several occasions, most of our section of the black bloc escaped serious injury by remaining constantly in motion and avoiding engagement with the police. We buddied up, kept tight and watched each others' backs. (NO COMPROMISE, 1999)

O Centro de Mídia Independente "Independente Media Center" (Indymedia.org), um dos precursores da mídia independente digital no mundo, foi lançado para o N30 de Seattle e depois se espalhou por vários países. A Batalha de Seattle fez parte de um enorme movimento de crítica à globalização que aconteceu e acontece ainda hoje em todo o mundo. Esse movimento, conhecido como "antiglobalização", ou "alterglobalização" se aproveita de grandes eventos promovidos por organismos internacionais, tal qual a OMC, o FMI, entre outros, para promover passeatas e dessa forma ganhar atenção da sociedade e da mídia para a luta contra a exploração capitalista no mundo globalizado (DUPUIS-DÉRI, 2014, p. 52). Os movimentos antiglobalização possuem tendência a atrair a presença de manifestantes com ideologias libertárias, tal qual o anarquismo e o autonomismo, e por isso é costumeiro que neles se formem blocos.
Em 2001, na cidade de Gênova, durante a Cúpula do G8, mais de 200 mil pessoas saem às ruas em outro movimento antiglobalização (LUDD, 2002, p.15). O resultado foi uma verdadeira guerra urbana com mais de 800 feridos e a morte de um jovem genovês, adepto da tática Black Bloc, que levou dois tiros e foi atropelado várias vezes por um carro da polícia italiana (os chamados "carabinieris").
Desse episódio saiu o filme intitulado "Diaz: don't clean up this blood" (2012), que mostra a intensa repressão engendrada pela polícia italiana. Mais de 200 sentenças judiciais condenaram o Estado italiano pela violência, mas até hoje ninguém foi preso. Enquanto isso, do outro lado, as penas dadas a 10 manifestantes presos somaram mais de 100 anos (NEDER, s.d.). Posteriormente, nas manifestações de comemoração de dois anos da revolução egípcia, em 2013, a intensa participação de manifestantes que protestavam contra o atual presidente islamita Mohamed Morsi utilizando da tática levou o governo egípcio a soltar uma ordem de prisão para qualquer pessoa suspeita de ser um "membro" do Black Bloc, devido à prática de "atividades terroristas" (MALSIN, 2013).
Apesar do crescente espaço que o Black Bloc tem adquirido na mídia, ainda são escassos os estudos sobre essa tática. Como já citado anteriormente, um dos principais trabalhos do meio acadêmico sobre o Black Bloc é o do cientista político Francis Dupuis-Déri. Sua longa experiência no estudo desse fenômeno está documentada nos artigos "Black Blocs: Bas les Masques", de 2003, "The Black Blocs Ten Years after Seattle: Anarchism, Direct Action, and Deliberative Practices", de 2010, e no livro "Black Blocs", de 2014. Esse último foi o principal trabalho usado como base para essa pesquisa. No Brasil, o Black Bloc foi tema do livro "Mascarados: A Verdadeira História dos Adeptos da Tática Black Bloc", lançado em 2014, e de um capítulo da obra "Ruas e Redes – Dinâmicas dos Protestos Br", também de 2014. Fora isso, nesse campo predominam as publicações independentes, como "Urgência nas Ruas – Black Blocs, Reclaim The Streets e os Dias de Ação Global", de 2002, ou o "The Black Bloc Papers: An Anthology of Primary Texts from the North American Anarchist Black Bloc 1999-2001", do mesmo ano. No campo das artes, foram produzidos os documentários Black Bloc (2011) e Black Bloc: A History of Violence and Love (2014).

O Black Bloc no Brasil e em Brasília

No Brasil, aquilo que foi chamado de "manifestações de junho" começou a partir de um protesto convocado pelo Movimento Passe Livre no dia 6 de junho de 2013. O protesto, que tinha como foco o aumento das passagens de ônibus em São Paulo, contava com cerca de dois mil manifestantes (PIRES, 2013) e foi duramente reprimido pela polícia. Nos dias que se seguiram, foram convocadas novas manifestações pelo MPL e diante dos inúmeros registros da violência policial, amplamente divulgados nas redes sociais virtuais, uma grande sensação de indignação levou mais pessoas a se mobilizarem.
Logo, aquilo que começou com o intuito de pressionar pela manutenção da antiga tarifa de ônibus (fora anunciado que a tarifa passaria de R$ 3,00 para R$ 3,20) tomou proporções enormes e os gritos de "Se a tarifa não baixar, a cidade vai parar" foram substituídos pelo slogan "não é só por 0,20 centavos". Os episódios que se seguiram foram um efeito dominó desse padrão de atuação truculenta da polícia combinado com uma insatisfação por parte da população com as instituições políticas brasileiras. Outro ponto crucial da magnitude das manifestações era que se vivia no Brasil um momento em que todos os olhos estavam voltados para o país: A Copa das Confederações da FIFA.
A sensação de indignação foi acentuada pelo papel feito pela mídia na cobertura das manifestações. Imediatamente após os primeiros protestos em São Paulo, a reação dos meios de comunicação de grande circulação foi de condenar os manifestantes e pedir mais repressão aos atos de vandalismo. Diziam que a polícia deveria "retomar" o controle. No entanto, no desenrolar dos protestos e ao perceber que o seu discurso e a sua cobertura perdiam espaço para as novas tecnologias, os veículos de massa mudaram seu posicionamento e passaram a incitar as pessoas a saírem às ruas (MARADEI, 2013, p. 6-7)
O papel das redes sociais da internet e dos veículos de comunicação independentes foi crucial para que essas manifestações tivessem o efeito e a amplitude que tiveram. Além de desmentir muito do que era transmitido através da velha mídia, eles também serviram como um canal de propagação de informações e eventos, chegando "até a servir de fonte para esta, quando enfrentou dificuldades em penetrar nas manifestações (passaram a não ser bem aceitas no decorrer do processo) [...] pela falta de capacidade de alterar os padrões tradicionais das coberturas jornalísticas" (PERUZZO, 2013, p. 90). As redes sociais virtuais, com enfoque ao "Facebook", possibilitaram que milhares de pessoas soubessem de uma manifestação ou que vissem um vídeo mostrando abusos policiais, entre outras coisas. Logo, todas as cidades do país foram inundadas por uma enxurrada de protestos. Juntos estavam pessoas de partidos, coletivos e movimentos dos mais diversos e com diferentes pautas, alguns até com pautas totalmente opostas.
"O gigante acordou" se tornou o grande jargão dos protestos. Dez, vinte, cem, um milhão de pessoas (FOLHA DE S. PAULO, 2013), em 17 de junho a parte de cima do Congresso é tomada por manifestantes e em algumas cidades a destruição toma proporções desastrosas. Num grande relapso da polícia, se juntam Black Blocs, moradores de rua e alguns militantes de extrema direita, causando um estrago que dá legitimidade à polícia para reprimir e aos meios de comunicação para apoiar a repressão. No dia 18 de junho a cidade de São Paulo vive um dia conturbado, com muita destruição e até alguns saques (UOL, 2013). O Black Bloc começa a aparecer na mídia.
Desde o início desses protestos em São Paulo, já haviam manifestantes vestidos de pretos e com o rosto coberto. Um ativista experiente, seja ele do país que for, sabe que são necessários certos cuidados quando você se propõe a questionar o Estado através de uma ação direta tais quais as manifestações de rua. No entanto, muitos desses ativistas sequer tinham ouvido falar que havia um nome específico pra esse tipo de ação. Outros, todavia, já estavam há muito familiarizados com o Black Bloc e com os protestos em que ele fora utilizado pelo mundo. Mas, especialmente entre anarquistas e anarcopunks, o Black Bloc não era nenhuma novidade. Enquanto parte da cultura anarcopunk ele já era uma rotina conhecida, especialmente por sua estética. Um militante autonomista de longa data entrevistado me respondeu o seguinte quando perguntei se ele já conhecia o Black Bloc antes de junho:

Já. É meio tradição oral e já rolava documentários, zine também, tem zines que fazem citação. Então é um dos elementos de cultura anarcopunk, pelo menos que me vem de cultura anarquista, de vivência anarquista, é comum... é tipo o veganismo, Black Bloc... são paradas que tão sempre no meio... amor livre. (...) A galera tá falando "bloco" agora, mas na real pra mim sempre ocorreu bloco, a gente só não usava o nome de "bloco". Galera com máscara, galera protegida em toda manifestação sempre rolou. Desde que eu entrei no meio Punk sempre aconteceu. A popularização e a nomeação, eu acho que a mídia é que dá... e esse é o problema. A mídia que tá falando que é o Black Bloc, a mídia que tá dando nome aos bois pra poder botar o culpado, mas o Black Bloc sempre aconteceu... enfim. (Entrevistado 9)

Outro entrevistado, por outro lado, quando fiz a mesma pergunta, afirmou que só foi conhecer o Black Bloc quando a mídia começou a falar nisso. A construção social da peculiaridade do repertório foi o elemento fundamental para que se passasse a falar em Black Bloc no Brasil. O jornalismo é uma forma de construção seletiva da realidade. Ao dar "nome aos bois" e trazer o Black Bloc para o centro dos holofotes, a mídia veiculou os atos ilegais de destruição do patrimônio público e privado (ou seja, o "vandalismo") ao bloco, o que permitiu que se elaborasse discursivamente a possibilidade de intervenção repressiva.
Todavia, a eficácia da tática na proteção de uma ação direta tal qual um protesto rendeu ao bloco, no Brasil, o apoio oficial do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro (Sepe/RJ) pela ajuda na Greve dos professores diante da ação truculenta da polícia para reprimir os atos (BRASIL DE FATO, 2013).
Na capital do país, em 2013, a formação de Black Blocs se limitou a alguns poucos protestos. As peculiaridades do espaço geográfico urbano brasiliense não proporcionam à tática a mesma efetividade que em outras cidades do país, como São Paulo e Rio de Janeiro. No entanto, não faltam entusiastas do Black Bloc por aqui. Em 17 de junho de 2013 milhares de manifestantes invadiram a marquise do Congresso Nacional. Um bloco se formou na parte de cima do Congresso, empurrando os policiais até que conseguissem romper o seu cordão de isolamento (G1, 2013). No entanto, nesse dia, ficou evidente pra qualquer manifestante presente que a polícia atuou de forma permissiva, sem que grandes esforços se dessem para conter a investida dos manifestantes. Acredito que isso se deu, principalmente, por conta da pressão que estava sendo feita tanto pela mídia nacional e internacional, quanto por órgãos de direitos humanos e pela sociedade civil para que o Estado maneirasse na repressão às manifestações. De qualquer forma, a sensação que ficou tanto para os presentes, quanto para aqueles que assistiam a transmissão do evento na televisão, era de que estávamos presenciando uma espécie de momento único na política brasileira.
Três dias depois, em 20 de junho, outra manifestação acontece em frente ao Congresso Nacional. Segundo a PM, a manifestação contava com 40 mil pessoas. Dessa vez, os cordões de isolamento da Polícia Militar não permitiram aos manifestantes chegar perto das Cúpulas. Foi aí que um grupo percebeu que não havia policiamento próximo ao Palácio Itamaraty, localizado ao lado direito do Congresso. Eles, então, correram para o prédio e tentaram invadi-lo. Logo, todos correram em direção ao Itamaraty e nas duas rampas de acesso ao Palácio se formaram dois pequenos blocos com os manifestantes mais "corajosos" na frente (alguns mascarados e outros não) tacando pedras, pedaços de madeira e bombas caseiras, enquanto outros atrás empurravam de forma a fazer pressão para a invasão do prédio. Enquanto isso, outros manifestantes ateavam fogo em entulhos, cones e cartazes. Um coquetel molotov foi lançado na parte de cima de Itamaraty. Bandeiras foram arrancadas dos mastros e uma bandeira preta foi hasteada no lugar na Alameda dos estados. Sobre todo esse episódio o Secretário de Segurança Pública do DF, Sando Avelar, fez a seguinte afirmação:

Há um grupo minúsculo de vândalos, agressores, que tem colocado em risco a própria integridade física dos manifestantes. Os manifestantes que são pacíficos vão ter essa consciência de que as forças de segurança vão expelir esses vândalos que se infiltram para cometer atos de violência e agressão (G1, 2013).

Esses foram dois dos poucos Black Blocs que aconteceram em Brasília durantes as Manifestações de Junho, não se têm registros públicos de blocos em manifestações anteriores a isso, em razão do fato de nunca se ter falado em "Black Bloc" antes no Brasil. Porém, isso não quer dizer que táticas de manifestação com as mesmas estratégias não tenham de fato aparecido nos protestos em Brasília. Como salienta um blocker que entrevistei:

É, o pessoal já cobria, por exemplo, o rosto. Já tinha essa preocupação. Mas não necessariamente com a... é que aí eu acho que cabe uma distinção. É que por exemplo, a ideia do black bloc, ela foi sendo apropriada aos poucos, na minha opinião, mais pela questão... assim, ficou muito visível na mídia mais pela questão de estar todo mundo de preto e isso assustar a sociedade e tal. Mas a ideia de você tapar o rosto, de você se defender violentamente, se for preciso, isso já existia desde... Assim, isso não é novo pra ninguém. [...] No chile, nos anos 2000... 2006 também estorou uma luta violenta onde o pessoal tinha essa noção. Acho que agora essa questão do black bloc ficou mais (visível) (entrevistado 7).


REPERTÓRIOS DE CONFRONTO, PERFORMANCES, MOTIVAÇÕES E IDENTIDADES DENTRO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS

A compreensão do Black Bloc ainda é um desafio para os estudiosos das Ciências Sociais. Isso porque ele é um fenômeno social sem qualquer legitimidade dentro das tradicionais instituições democráticas, mas mesmo assim tem um forte apelo político. Se por um lado, é um repertório de ação direta e pode ser utilizado por qualquer tipo de movimento, por outro, possui uma ideologia tão imbricada que limita a diversidade de atores que poderiam se identificar com ele. O Black Bloc é ao mesmo tempo tática, estética e performance. É identidade e comportamento, é subjetivo e concreto, é o momento do ato e a construção do ato. Na tentativa de definir um fenômeno, muitos analistas acabam perdendo sua essência. Mas para tentar explicá-lo, me valerei aqui de teorias das Ciências Sociais, pois elas funcionam como um atalho na esquematização do pensamento.
Charles Tilly (1995, p. 41 apud TARROW, 1998, p. 51) define a noção de "repertório de confronto" como sendo "um conjunto limitado de rotinas que são aprendidas, compartilhadas e executadas através de um processo relativamente deliberado de escolha". A partir disso é possível identificar o Black Bloc como parte de um repertório de confronto. Os repertórios tradicionais dos séculos XVIII e XIX eram ações dirigidas diretamente para os atores do descontentamento e aconteciam de forma isolada, organizadas apenas localmente. Esse tipo repertório durou até fins do século XVIII e os principais conflitos contemplados por ele giravam em torno de pão, crenças, terra e mortes. No entanto, esses conflitos não chegavam a transformar-se em movimentos sociais porque se limitavam ao imediatismo, ao particularismo e aos vínculos locais. Segundo Sidney Tarrow (1998), a partir do século XVIII surge um novo repertório, cujas principais características são o cosmopolitismo, a autonomia e a ação modular (ao invés de particular). As barricadas, por exemplo, eram uma das formas modulares de ação revolucionária (p. 59-64). O bloco tem uma forma semelhante às barricadas. Ele funciona como uma espécie de escudo humano para o resto da manifestação, diminuindo o custo da ação para os outros manifestantes.
Tarrow (1998) apresenta outra ideia crucial para a compreensão do bloco: é a "performance", onde os atores realizam uma exibição em público na tentativa de chamar atenção para uma causa. Isso faz todo o sentido quando pensamos que a ação do bloco está diretamente ligada à propaganda pelo ato. A violência como performance foi se tornando mais rara à medida que os Estados nacionais ocidentais se democratizavam e tomavam para si o controle da violência organizada. Por isso, para além do fato de que vandalizar bancos e grandes corporações ligadas ao capitalismo causa prejuízos financeiros diretos a essas empresas, a destruição da propriedade e a violência engendrada pelos blockers contra esses grupos tem um aspecto altamente simbólico. Ao questionar o monopólio da violência pelo Estado, a performance ganha uma dimensão transgressora que chama a atenção para uma causa e impressiona.
Por outro lado, a violência tem também um efeito polarizador. Ela faz com que o movimento passe de um jogo multifacetado para um jogo bipolar em que ou se está do lado dos aliados, ou do lado do aparato repressivo do Estado. Assim, para Tarrow, a violência pode ser um grande aliado dos movimentos sociais, mas pode também ser uma grande armadilha ao trazer o medo da repressão a aliados potenciais e enfraquecer a manifestação, permitindo que as forças da ordem do Estado entrem em ação (TARROW, 1998, p. 127). Essa repressão legitimada é o que afasta os aliados não-violentos do bloco, pois prende os manifestantes numa espiral de confrontação militar, a qual alguns analistas (ERTHAL, 2014) afirmam que foi a principal causa para o enfraquecimento das manifestações de junho no Brasil.
Tarrow fala também no conceito de estrutura de oportunidades políticas. Segundo ele, uma oportunidade política favorável acontece quando surgem incentivos que mudam as perspectivas dos indivíduos quanto às chances de sucesso de uma ação coletiva (TARROW, 1998, p. 99). Assim sendo, é necessário que os elementos de oportunidade sejam percebidos. E foi o que aconteceu em junho/julho de 2013: diante de um evento internacional de enorme magnitude tal qual a Copa das Confederações, em que o mundo inteiro estava com os olhos voltados para o Brasil, os manifestantes enxergaram uma oportunidade de ação coletiva extremamente favorável.
Mas oportunidades não aparecem sempre da mesma forma para todos, elas são situacionais e sozinhas não criam nada, ou seja, precisam de uma estrutura organizacional e ideológica por trás. Os principais tipos de oportunidades políticas são: ampliação do acesso à participação; mudanças nos alinhamentos políticos (instabilidade = oportunidade); aliados influentes (ajudam a vocalizar as demandas do movimento); divisões no interior das elites (proporcionam aberturas possíveis de serem exploradas pelos movimentos sociais) e repressão ou facilitação do Estado quanto às dissidências (TARROW, 1998, p. 105).
Quanto à repressão, ao mesmo tempo em que ela aumenta os custos da ação coletiva tradicional, abre espaço para outras formas de reivindicação e pode dar um caráter político até para ações cotidianas, tornando-se um paradoxo. Uma ação coletiva tende a causar a expansão de oportunidades para outros grupos (TARROW, 1998, p. 119). Da mesma forma, também criam oportunidade para as elites: tanto no sentido de dar motivos para uma repressão, quanto no sentindo de uma apropriação, pelos políticos, da oportunidade criada pelos movimentos para desenvolver suas próprias políticas e caminhos. É usual que os partidos usem das oportunidades abertas por movimentos sociais para alcançar objetivos eleitorais, em uma espécie de oportunismo político (idem, p. 120).
Tudo isso é muito útil na análise do movimento social enquanto experiência coletiva, mas para entender realmente a ação do bloco é preciso analisar como operam essas práticas no nível individual. Nesse sentido, é preciso buscar compreender o que leva o indivíduo a se engajar quando o custo da ação é potencialmente tão grande como para os adeptos do bloco. Castells (2012) oferece uma explicação pra isso. Segundo ele, "no plano individual, os movimentos sociais são emocionais" (p. 22).
Um movimento social surge quando a emoção se transforma em ação, sendo as principais emoções que levam à mobilização o medo (afeta de forma negativa) e o entusiasmo (afeta de forma positiva). O entusiasmo está ligado à esperança, fundamental na ação com um objetivo, e o medo está ligado à ansiedade, que é criada quando o indivíduo se sente ameaçado e não consegue reagir. Mas para que surjam essas emoções positivas, o indivíduo precisa superar a ansiedade e o medo, levando-o a transformá-los em raiva. A raiva aumenta e vira indignação quando o indivíduo toma conhecimento de algo horrível que aconteceu com alguém com quem tem certa proximidade ou identificação. O processo de tomada de conhecimento da experiência insuportável do outro só pode ser atingido através da comunicação, que é uma das condições para que o movimento social se forme. Assim, quando muitos indivíduos se percebem indignados eles estão aptos a transformar sua raiva em ação política (CASTELLS, 2012, p. 21-23).
Ainda quanto às motivações que levam os atores a se engajarem num movimento social, della Porta e Diani (2006) ressaltam o papel das redes sociais nas quais o indivíduo está inserido: "Embeddedness in social work not only matters for recruitment; it also works as an antidote to leaving, and as a support to continued participation." (2006, p. 118). De tal forma, é importante considerar o papel das redes, especialmente as redes sociais, enquanto formadoras de um sentido de coletividade que é crucial para os movimentos sociais. Estar relacionado a pessoas que já estão envolvidas com um movimento é uma predisposição para também entrar em contato com ele. No mesmo sentido, quanto mais perigosa e custosa for a ação, maior a necessidade de se ter uma densa rede de suporte e mais fortes precisam ser os laços com os indivíduos que formam essa rede (idem, p. 117).
No entanto, não é possível focar a análise das motivações apenas nas redes. A "transmissão de mensagens cognitivas culturais" é parte crucial do processo de mobilização e é fundamental que não seja ignorada. Essas mensagens cognitivas culturais são comunicações simbólicas capazes de causar um impacto emocional naquelas pessoas que não estão diretamente ligadas à rede social de um ativista (JASPER e POULSEN, 1995 apud DELLA PORTA e DIANI, 2006, p. 121). Igualmente, a participação num evento que cause impacto emocional também pode acabar gerando uma motivação para o envolvimento num movimento social. Assim, um ator pode ser motivado a lutar por uma causa por alguém próximo, por uma mensagem moralmente chocante, por um evento impactante, ou pelos três juntos.
É possível traçar um paralelo entre as motivações do uso da tática Black Bloc e as motivações de outras táticas que lançam mão da violência, como aquelas utilizadas pelo Movimento dos Sem-Terra. O MST é um movimento que luta pela democratização da terra e reforma agrária. Sua principal tática para alcançar esses objetivos de luta - ou seja, a principal tática de seu repertório - são as ocupações (BUDÓ, 2013, p. 157). Escolhe-se um latifúndio que não esteja cumprindo com sua função social (improdutivo) e as famílias que fazem parte do movimento passam então a ocupar esse local. O sentimento de coletividade e comunidade é muito grande dentro dessas ocupações, de forma que cada um se entende apenas enquanto parte de um todo, de um coletivo (idem, 2013, p. 157). A ocupação funciona também, em grande parte, como uma denúncia da estrutura agrária do país.
A resistência desses acampamentos é um processo que com frequência se torna violento, para isso basta observar o número de mortes causadas por conflitos no campo, que em 2012 esteve entre 30 e 40 mortes (BUDÓ, 2013, p. 162). Porém, a repressão a esse movimento é legitimada pelo direito à propriedade e, por consequência, a resistência às ações policiais é criminalizada. A partir disso, Budó apresenta a perspectiva de que ao "despolitizar e resumir a violência no campo à violência individual" (da mesma forma que se faz com os blockers na cidade), oculta-se a motivação para esses atos: a violência estrutural originada por um processo de exclusão social (idem, p. 251).
O Black Bloc é uma tática de ação direta potencialmente perigosa para seus usuários, ou seja, é um tipo de ativismo de alto risco. Isso se deve não apenas pelo fato da tática ser criminalizada (e sujeitar os seus adeptos a uma infração penal), mas também porque o uso da violência dá legitimidade ao Estado pra lançar mão de uma repressão por sua vez mais violenta. Doug McAdam (1986), a partir do estudo da campanha "Freedom Summer" de 1964 no Mississipi, que visava registrar o maior número de votantes negros possíveis em um dos estados mais conservadores na questão da luta pelos direitos civis nos Estados Unidos, propõe a diferenciação entre o ativismo de baixo custo/risco e o ativismo de alto custo/risco. As motivações para o ativismo de alto custo são tanto de origem estrutural, como de origem individual. Uma intensa identificação com a ideologia e os valores do movimento é um dos fatores individuais, enquanto um histórico prévio de ativismo é um dos fatores estruturais. Segundo o autor,

[…] participants of high-risk/cost activism are expected to (a) have a history of activism, (b) be deeply committed to the ideology and goals of the movement, (c) be integrated into activists networks, and (d) be relatively free of personal constraints that would make participation especially risky. (MCADAM, 1986, p. 71).

Assim como salientado por McAdam, a identificação com os valores de movimento e porque não dizer, de uma tática, é um dos pontos que levam o ator a se empenhar nesse ato. Porém, quando se pensa em explicar o engajamento político dos jovens no século XXI, é preciso compreender a noção de identidade de forma dinâmica e fluida. Os antigos modelos deterministas da literatura de movimentos sociais que buscavam explicar a influência da identidade na participação política se mostraram insuficientes justamente porque não consideravam a identidade como um processo interativo e múltiplo (MISCHE, 1997, p. 138-139). Os antigos modelos reduziam grande parte do engajamento numa reação à posição do jovem nas relações de produção, ou seja, à sua classe social. Dessa forma, Ann Mische propõe uma nova conceituação de identidade, que incorpora três dimensões fundamentais: identidade como reconhecimento, identidade como experimentação e identidade como orientação.
A primeira dimensão, identidade como reconhecimento, se refere à construção intersubjetiva da identidade que acontece nas redes sociais em que o indivíduo está inserido. É uma mudança na concepção de identidade como qualidades de determinadas categorias sociais, como raça, gênero e classe. Segundo a autora, "redes diferentes – por exemplo, de trabalho, bairro, escola, família – dão visibilidade social às dimensões específicas de experiências que são relevantes naquele círculo, entre a multiplicidade de conexões que poderiam ser feitas" (MISCHE, 1997, p. 139).
A identidade como experimentação, segunda dimensão, diz respeito ao impacto das experiências na formação de um indivíduo, sendo a juventude o período da vida que é mais sensível às experimentações na procura de um reconhecimento. Assim,

[...] embora a "estratificação da experiência" esteja condicionada tanto por classe social, como por grupos de idade, Mannheim enfatiza que não é apenas a posição social que determina a emergência de uma identidade geracional distinta, pois é necessário que as experiências comuns estejam sujeitas à reflexão consciente dentro de situações históricas de "desestabilização dinâmica" (MISCHE, 1997, p. 139).

A terceira e última dimensão é a identidade como orientação, que parte do pressuposto de que as identidades são também um instrumento utilizado pelas pessoas para guiar sua ação. As diferentes experiências levam a diferentes caminhos e a diferentes formas de solucionar problemas e agir. Nas palavras da autora: "Não é apenas a pergunta "quem sou eu?" que os jovens procuram responder enquanto experimentam expressões de identidade, mas também "por onde vou?"" (MISCHE, 1997, p.140). Dessa forma, Mische conclui que as identidades funcionam mais como uma espécie de óculos através do qual se enxerga o mundo, do que como "fronteiras" que delimitem as possibilidades de existir de um indivíduo.
Por fim, enfatizo alguns conceitos que serão cruciais para a compreensão da análise que apresentarei no capítulo seis. São eles: o repertório de confronto, que são as rotinas escolhidas em uma ação direta; a performance, como forma de trazer uma questão para a pauta política por meio de um ato; as motivações, ou as razões pelas quais indivíduos se engajam em um ativismo de alto risco; a violência estrutural, enquanto uma das principais motivações para o uso de um repertório perigoso; e por fim, a identidade, aspecto fundamental na escolha de um determinado repertório. Juntos esses conceitos compõem a base da discussão que aqui exponho sobre o Black Bloc.


AS RAÍZES ANÁRQUICAS

O anarquismo está imbricado na ideologia e prática do Black Bloc. O modus operandi da tática exige um entendimento de alguns dos princípios anarquistas básicos. Praticar o Black Bloc não implica necessariamente se identificar com o anarquismo, como já fora constatado na Alemanha com o uso do bloco por grupos neonazistas. Porém, a esmagadora maioria dos usuários se identifica com ideologias mais libertárias descendentes da doutrina anarquista, embora ela ainda se conserve no imaginário social como uma utopia.
A palavra "anarquia" tem origem no grego anarkê: an = não; arkê = governo. Em outras palavras, é a ausência de governo constituído ou ausência de coerção, mas não a ausência de ordem. O anarquismo, muito mais do que um projeto político, é uma filosofia de vida baseada na liberdade. Os anarquistas propõem que cada pessoa seja seu próprio governante e que a organização compulsória seja substituída pela organização voluntária em que acordos podem ser livremente firmados e dissolvidos. A ordem anárquica é mantida pela educação e pelo mútuo respeito e nela não existe punição e nem obrigação. Segundo Edgar Rodrigues, "o anarquista é antes de mais nada um sentimental e um contestador dos privilégios de uns poucos às custas da pobreza e da miséria da maioria. É um defensor ardoroso da sociedade autogestionária, de irmãos, que pretende alcançar pela educação e pelo ensino racionalista" (1987, p. 16).
Na filosofia libertária se destacam dois autores que são especialmente importantes na concepção da ação direta no enfretamento às opressões do Estado capitalista. O primeiro é Mikhail Bakunin, não apenas por ser um dos mais importantes teóricos da filosofia anarquista, mas também porque elaborou a ideia de "propaganda pelo ato". Em 1870 Bakunin escreveu um texto com tom informal que teve muita influência na prática revolucionária, cujo nome é "Letters to a Frenchman on the presente crisis". Embora o título dê a entender que foi destinado a alguém, até onde se sabe o texto não foi escrito para ninguém em particular. Nele, Bakunin diz: "All of us must now embark on stormy revolutionary seas, and from this very moment we must spread our principles, not with words but with deeds, for this is the most popular, the most potent, and the most irresistible form of propaganda." (BAKUNIN, 1870, grifo do texto).
O segundo autor é Henry David Thoreau, que escreveu dentro de uma prisão norte-americana o ensaio "A desobediência civil". Thoreau, que hoje é considerado por muitos como o pai do anarquismo, não tinha essa pretensão. No texto, Thoreau questiona a "ditadura da maioria" e a renúncia da consciência e dos princípios individuais em favor de leis elaboradas pela "maioria" (THOREAU, 1997, p. 9). Thoreau foi preso por não pagar impostos porque não concordava com a guerra que os Estados Unidos travavam contra o México e não queria financiá-la. Em defesa do seu direito à desobediência de medidas estatais que considerava injustas, ele escreveu:

Existem milhares de pessoas que se opõem teoricamente à escravidão e à guerra, e que, no entanto, efetivamente nada fazem para dar-lhes um fim; [...] que chegam a postergar a questão da liberdade em nome da questão do livre comércio [...] Qual é, hoje, a cotação de um homem honesto e de um patriota? Eles hesitam, e lamentam, e às vezes suplicam, mas não fazem nada a sério ou que seja eficaz. Esperarão, bem dispostos, que outros remediem o mal, para que não precisem mais lamentar (THOREAU, 1997, p. 16).

Esses são apenas dois autores de vários que poderiam ser citados aqui como parte da fundamentação ideológica da tática. Cito-os aqui porque nas entrevistas que realizei, eles foram mencionados recorrentemente. Além disso, creio que o caráter ideológico é parte fundamental na compreensão das motivações que levam determinados atores a se engajarem no uso da tática Black Bloc.



ANÁLISE DE DADOS

Afinal, quem são os Black Blocs?

Não é possível traçar um único perfil para todos os adeptos da tática Black Bloc. Porém, alguns aspectos da tática favorecem a sua utilização por pessoas com certas características. Uma pessoa com princípios legalistas, por exemplo, provavelmente não utilizaria de um repertório em que parte da estratégia é a destruição de propriedades ligadas ao capital. A seguir apresento uma tabela que elenca algumas características dos blockers que entrevistei. Obviamente os dados apresentados aqui são limitados por vários aspectos, como o alcance das minhas possibilidades de entrevista e o baixo número de entrevistados, mas ainda assim servem como um parâmetro.

Tabela 1 – Características dos entrevistados

Idade
Sexo
Ocupação
Classe social
Cor
Entrevistado 1
21 anos
Feminino
Nenhuma
Classe média
Branca
Entrevistado 2
26 anos
Feminino
Estudante universitário
Classe média
Branca
Entrevistado 3
25 anos
Masculino
Estudante universitário
Classe baixa
Branca
Entrevistado 4
17 anos
Masculino
Estudante secundarista
Classe média
Branca
Entrevistado 5
25 anos
Feminino
Estudante universitário
Classe baixa
Negra
Entrevistado 6
X
Masculino
Estudante universitário
Classe média
Branca
Entrevistado 7
25 anos
Masculino
Estudante universitário
Classe baixa
Negra
Entrevistado 8
X
Masculino
Estudante universitário
Classe baixa
Branca
Entrevistado 9
23 anos
Masculino
Estudante universitário
Classe baixa
Negra
Fonte: elaboração própria

A partir dos dados dessa tabela, bem como de minhas observações relatadas em diário de campo, é possível considerar que a maior parte dos adeptos da tática Black Bloc são jovens e estudantes. Dos sete estudantes universitários entrevistados, seis fazem cursos da área de humanidades. Além disso, mais da metade dos entrevistados são de classe baixa. Essa informação eu obtive a partir de indícios durante a entrevista, bem como o local de moradia dos entrevistados.
Outro ponto importante é referente ao gênero. A tabela apresenta um número maior de entrevistados homens do que mulheres. No entanto, a observação que fiz em uma das manifestações que estive presente foi que o número de mulheres era proporcional ou maior ao de homens mascarados. Nessa manifestação não houve confronto direto com a polícia, mas os mascarados identificados como Black Blocs (usavam roupas pretas e máscara, andavam em bando e eram bastante proativos) estiveram presentes o tempo todo. Já na manifestação do dia 20 de junho, em que um grupo de pessoas tentou invadir o Palácio do Itamaraty e houve confronto direto com a polícia, observei que quase todos os manifestantes da linha de frente eram homens (apesar do fato de estarem mascarados, era possível distinguir entre homens e mulheres).
Possivelmente, no Black Bloc os homens são engajados em ações mais agressivas, de ataque, estando mais dispostos a irem pra linha de frente. Mas isso não é regra e também não quer dizer que os blocos sejam majoritariamente masculinos. Ao contrário, observei alguns blocos que continham mais mulheres do que homens e outros que continham mais homens do que mulheres. Nesse aspecto importa muito a questão dos grupos de afinidade presentes no protesto.
Grupos de afinidade são basicamente grupos de pessoas que partilham de interesses em comum. O Black Bloc costuma se estruturar a partir desses grupos de afinidade. Por exemplo, um grupo de feministas que vai a uma manifestação com os rostos cobertos e preparadas para ações mais agressivas pode se juntar a um outro grupo de amigos mais combativos e juntos acabarem formando um bloco. Alguns blockers se organizam em grupo, enquanto outros preferem agir individualmente. Aqueles que se organizam em grupo geralmente tem um suporte maior, mas estão mais sujeitos a serem pegos se algum de seus companheiros for interceptado pela polícia.
A maior parte dos blockers são ativistas de longa data e altamente politizados. Existem sim alguns jovens com pouca consciência política em busca de extravasar uma raiva, mas pelas entrevistas que realizei, percebi que são poucos. Todos os entrevistados possuíam um alto nível de discernimento político e isso ficou claro diante das respostas que obtive com a pergunta "Pra você, o que é o Black Bloc?":

Eu tinha uma certa dificuldade pra entender como que isso se constituía... se era um grupo especificamente... porque eu acho que tá muito enraizado na gente essa noção de grupo, de algo que precisa de uma representatividade, algo muito concreto, muito rígido... e eu entendo o Black Bloc como uma tática mesmo, naquela acepção que todo mundo conhece que é do movimento social... como uma tática, não só uma tática de defesa. Uma tática de defesa das pessoas oprimidas e dos movimentos sociais e das pessoas que sofrem com o capitalismo. É uma tática de defesa e acima de tudo uma tática anticapitalista. [...] (Entrevistado 2)


É uma tática. É impossível de ser um grupo porque um grupo depende de todo mundo estar coeso, de todo mundo saber que é um grupo. Na verdade é uma forma de agir do próprio movimento anarquista, principalmente da galera anarcosindicalista... que é uma forma de ação direta, que é uma forma de atuação pra... uma resposta ao capitalismo, uma resposta à opressão que o Estado apresenta a nós, uma resposta direta pra sermos ouvidos e criar um ponto, pois muitas ações só são efetivadas quando começa alguma coisa. Ações não tem efetivo nenhum se seguimos como gado, como sempre. [...] (Entrevistado 4)

Black Bloc é uma tática que você utiliza em manifestações populares. Rola muita falta de compreensão nisso, tem até gente que fala "ah, eu sou do Black Bloc", como se fosse um grupo ou uma identidade, ou até mesmo uma ideologia. Mas na verdade é pura e simplesmente uma tática, então você pode utilizar essa tática até pra fazer uma manifestação que reinvindique uma coisa ruim. O Black Bloc tá associado ao anarquismo por uma questão histórica, mas não a priori. Falando o que é a tática propriamente... é uma tática em que as pessoas estão todas vestidas de preto e a ideia disso é você se uniformizar pra não ser fácil identificar cada pessoa e que você anda em bloco né. O "Black" fala do preto e o "Bloc" fala do bloco, para que as coisas não se dispersem, porque muitas vezes a polícia tem muita facilidade em pegar alguém porque a pessoa tá afastada da manifestação. [...] (Entrevistado 5)

[...] O bloco é uma tática de manifestação, podem juntar vários grupos, tem várias pessoas que se juntam ali na hora mesmo. No próprio 7 de setembro, a gente tava num bloco e tinha uma galera que se autodenominava "Black Bloc" e a gente se juntou (...) então o bloco, ele é mesmo uma ação tática, mas ele faz parte de uma estratégia mais geral que é uma estratégia de defesa dos trabalhadores. Eu vejo o Black Bloc como uma dessas táticas de autodefesa do povo e dos trabalhadores dentro desse processo geral [...] (Entrevistado 8)

É uma tática, essencialmente. Acho que a gente tem um problema de identidade que eu tava pensando muito, até na minha escrita. Porque ao mesmo tempo que é uma tática na prática, que é uma prática, você tem uma identidade Black Bloc assim como você tem várias identidades. Eu tenho identidade como negro, eu tenho identidade como favelado, como universitário, como vegetariano e como anarquista, como anarcopunk e também como Black Blocker, porque... sei lá.. você é Black Blocker? Eu sou Black Blocker. Eu não vou negar pra ninguém que meu negócio é pedra, pau e fogo mesmo. Não tem diálogo com o Estado, Estado bom é Estado morto. Então de alguma maneira tem essa problemática no Black Bloc. Ele é uma tática? É, mas a gente caminha com essa identidade. [...] (Entrevistado 9)

Esses trechos das falas dos entrevistados mostram como eles enxergam o Black Bloc. Todos os entrevistados se identificam com o anarquismo ou alguma de suas vertentes, com destaque para o anarco-feminismo, anarco-sindicalismo, anarco-coletivismo e autonomismo. A maior parte deles considera que o primeiro bloco em que participou aconteceu em junho. No entanto, quase todos já conheciam a tática de vivências no meio anarquista e no meio Punk, como relata a entrevistada 5: "Eu já conhecia a tática antes, mas mais por meio do Punk, porque o Punk tem várias vertentes de visual e uma dessas vertentes de visual é o Black Bloc. O que também é uma concepção errada né, porque na verdade é só um punk que anda mascarado e de preto [...]". Alguns militantes já fizeram ou fazem parte de coletivos e movimentos horizontalizados, tal qual o Movimento Passe Livre, mas nenhum deles relatou participação em meios políticos institucionalizados.
Quanto às redes sociais da Internet, embora tenha sido um meio útil às mobilizações, para o bloco ela não funciona. Uma das entrevistadas mencionou que havia um grupo no Facebook em que haviam discussões gerais sobre as manifestações, mas nada específico para organizar Black Blocs. Ao contrário, as redes sociais virtuais são perigosas para ativismos de alto risco como o bloco porque facilitam o vazamento de informações dos usuários da tática. Uma simples menção ao bloco numa conversa pode ser incriminadora se o blocker estiver sendo investigado. Assim, os entrevistados demonstraram repulsa a qualquer tipo de comunicação via internet que tratasse do assunto (com exceção de sites como o riseup, que provém maior segurança ao usuário), inclusive no trato das entrevistas.

A dinâmica da tática

A tática é o subsídio da ação direta que visa um objetivo. A ação direta, no caso em questão, é a manifestação, e os objetivos são variados (a diminuição do preço da passagem de ônibus, por exemplo). Por isso, quando se pensa em "tática" é natural que a primeira palavra que venha à mente é "efetividade". Uma tática é utilizada enquanto for efetiva e atingir aos objetivos propostos. Se vestir com roupas coloridas e colocar uma melancia na cabeça pode ser uma tática efetiva para chamar atenção, mas também fará com que você seja facilmente identificado. O Black Bloc, ao contrário, intenciona uma caracterização que preserve a identidade do manifestante, uma vez que as rotinas combativas tendem gerar maior vigilância policial daqueles identificados enquanto tais. Participar de um bloco implica assumir um risco maior e por isso necessita de maiores cuidados.
A auto-preservação é o primeiro cuidado que deve ter um participante do bloco. Para isso, algumas cautelas são fundamentais, como andar sempre em grupo. Ao contrário do que se poderia pensar, fazer parte de um bloco implica não apenas o cuidado individual, mas também o cuidado coletivo. O bloco parte do princípio de que "unidos somos mais fortes" e por isso a atenção com o outro é algo que garante a sua efetividade. O próprio nome já deixa clara a importância do comportamento em grupo: "bloco". Além disso, o andar em grupo é ainda mais essencial nos entre períodos da manifestação, que são os momentos em que os manifestantes ficam mais vulneráveis a uma abordagem policial.
O uso de máscaras pra tampar o rosto, bem como as roupas pretas, já são algo tradicional e bem conhecido como parte do repertório Black Bloc. No entanto, uma outra estratégia que não é tão publicamente conhecida, mas que foi relatada por quase todos os entrevistados, é a troca de roupa. A troca de roupa ajuda bastante os blockers a não serem identificados quando estão saindo ou chegando nas manifestações. Estar vestido de preto dentro de um bloco onde todos estão vestidos de preto ajuda a se misturar, mas ao sair na rua com esse mesmo vestuário, o blocker se torna facilmente identificável, por isso a troca de roupa se faz necessária. Da mesma forma, os usuários procuram sempre esconder qualquer atributo que possa diferenciá-los, como relata o entrevistado 4:

[...] Se você tá saindo de uma manifestação é bom sempre você levar uma roupa secundária e um lugar pra guardar sua roupa. Por exemplo, você pode usar uma roupa branca por baixo da sua roupa preta, aí você guarda a roupa preta e o cara não vai desconfiar tanto assim de você, a não ser que você tenha traços marcados, como eu, que tenho um moicano. O que eu faço? Eu coloco um boné. Eu coloco um boné azulzinho, camiseta branca e vou embora, ninguém nota. [...] Da mesma forma, se você tiver uma tatuagem na mão, você vai querer usar luva, você não vai querer ser identificado.

Existem muitos recursos que podem ser utilizados no bloco quando as pessoas estão preparadas e não há nenhuma cartilha que estabeleça como o blocker deve se comportar nas situações, por isso fica a critério da necessidade e da criatividade dos manifestantes. Como as manifestações não seguem um roteiro exato e mesmo aquelas que já têm um trajeto estipulado estão sujeitas às contingencias, é o fluxo da manifestação que dita quais estratégias são mais convenientes para a situação. A concretização do bloco propriamente dito, em que alguns manifestantes mais preparados se juntam servindo como um escudo para o resto da manifestação depende muito da dinâmica do ato, conforme salienta o entrevistado:

Depende da dinâmica da manifestação, às vezes a galera fica no meio, às vezes fica mais do lado. A gente vai vendo a movimentação e vai seguindo de acordo com o fluxo da coisa. Porque às vezes, em algumas manifestações, você tem partidos que vão articulando e aí estão com o megafone, então eles vão guiando a manifestação. (Entrevistado 9)

Algumas outras estratégias práticas reveladas foram o uso de bombas caseiras e explosivos de pequeno porte, bandeiras feitas com cabos de enxada (que se necessário poderiam ser utilizados como arma para quebrar vidraças e se defender), luvas de pedreiro para poder pegar as bombas atiradas pelos policiais e jogar de volta, pedaços de pau, pedras, instrumentos musicais diversos para dar ritmo à manifestação, entre outros. É importante salientar que o Black Bloc não é só destruição e "violência". A tática é fundamentalmente simbólica. Por isso, o Black Bloc e os movimentos que se utilizam dele também costumam dispor muito de intervenções artísticas. A arte é um instrumento de contestação universal e quando combinada à táticas de ação direta mais combativas pode ter um efeito extremamente perigoso para poder instituído. Assim, é comum que manifestações com presença do bloco também contem com um vasto repertório artístico, usando de música, grafite, arte visual, performances, etc, para fazer críticas ao sistema.
Por fim, a última e talvez mais controversa estratégia que faz parte do repertório Black Bloc é a destruição intencional de propriedades ligadas à exploração capitalista, ou o "vandalismo". A depredação tem um alvo específico e não é aleatória. O alvo são as grandes empresas e corporações, bem como o próprio Estado. Ademais, o seu valor é muito mais simbólico do que real, a destruição funciona como uma performance. Claro que aquela destruição causa um prejuízo, mas o impacto simbólico é muito maior do que o impacto econômico. O objetivo é contestar o capitalismo e o Estado, e não destruí-los imediatamente. Em vista disso, existe um código de conduta informal no Black Bloc:

A destruição, de certa forma (é) simbólica... claro que se você destrói um caixa eletrônico já é um prejuízo, porque ele vai ter que ser trocado, é uma destruição que atinge economicamente, ainda que pouco. E simbolicamente atinge bastante... é diferente você queimar a banca de revista do seu Zé de você destruir uma agência do Itaú, e eu acho que as pessoas reconhecem isso também. (Entrevistado 3)

Evidentemente a destruição pode eventualmente tomar proporções que fogem ao controle, até porque não é possível monitorar todas as pessoas que participam de um bloco (e não é essa a intenção) e nem todas elas tem plena consciência política daquele ato. Conforme conta o blocker:

E também não pode ter questões de... não pode ter uma pessoa que tenha pensamento direitista né, ou um pensamento vertical das coisas, pois é ilógico, é incompatível... tanto que eu ouvi a mídia muitas vezes falar "ah, viu, Black Bloc fica roubando as coisas". Cara, isso não é Black Bloc. Black Bloc é uma tática. E são primariamente anarquistas e anarcosindicalistas, então não tem sentido alguém roubar, senão ao invés de tacar fogo no dinheiro eles roubavam o dinheiro. (Entrevistado 4)

De forma geral, as circunstâncias formam o bloco. Por mais que se tenha um plano de ação e que o bloco não seja algo totalmente espontâneo, não é possível prever o decorrer da manifestação:
Eu sempre vou preparado, mas a dinâmica, eu acho que é uma coisa muito espontânea, é uma questão de sempre estar analisando o que tá rolando e quando tem uma brecha já é "vamo! Bora, bora!" dá o grito e vai todo mundo. [...] É leitura individual e coletiva, é fazer a leitura do que tá rolando e não deixar a parada parar. (Entrevistado 9)

Um questionamento válido que surge na dinâmica da tática é a questão da apropriação da manifestação pelo bloco. E quando os manifestantes (ou a grande maioria deles) não querem a presença do bloco no protesto, como fica? Nesse caso, acho que concerne pensar na definição da palavra "tática", algo que facilita o melhor alcance de um objetivo. O Black Bloc serve a um fim em situações específicas. Em vista disso, fica a critério dos ativistas ter o discernimento para saber o momento adequado de utilizar o Black Bloc e o momento de não utilizá-lo. Enxergar as oportunidades é essencial para a efetividade da estratégia e são as oportunidades (ou a falta delas) que vão determinar a dinâmica do bloco.

Particularidades brasilienses

Brasília é uma cidade com várias particularidades geográficas e sociais. Aqui, as pessoas interagem com o espaço e com as outras pessoas de forma diferente. Em Brasília não existe esquina, as ruas são largas e para cada dois habitantes há pelo menos um carro. Além disso, Brasília é a capital política do país e foi planejada e construída para tal. No entanto, a urbanização brasiliense não aconteceu exatamente como fora pensada. A cidade, concebida para ser um exemplo de modernidade, eficiência urbana e integração entre as classes, hoje se apresenta como um fiel retrato da mobilidade urbana ineficiente e da desigualdade social.
Os paradoxos brasilienses são muitos. Por um lado, a capital possui a maior renda per capita do país e por outro, detém o título da maior favela da América Latina (FURQUIM, 2013). A má distribuição do espaço geográfico levou uma grande parcela da população a migrar para as áreas ao redor do plano piloto, o "entorno". Essas áreas, que ficam na fronteira entre o Distrito Federal e Goiás, convivem com altíssimos índices de violência e o descaso do poder executivo. Além disso, todos os dias milhares de pessoas migram para o centro econômico e político da capital, onde exercem suas atividades laborais e usufruem dos serviços públicos. Isso faz com que durante o dia a cidade conte com um número muito maior de pessoas, em um movimento pendular entre a região metropolitana de Brasília e o "entorno" (QUEIROZ, 2006).
O epicentro das instituições políticas brasileiras é a Esplanada dos Ministérios. Lá, para fechar uma rua é preciso milhares de manifestantes. São seis faixas de cada lado e aproximadamente 250 metros de largura, sendo já considerada pelo Guinness Book como a avenida mais larga do mundo. A origem dessa estrutura urbanística no Eixo Monumental é o planejamento militar, a prova disso é que entre os ministérios existe um enorme campo aberto no qual seria possível pousar até mesmo um avião.
Isso serve pra ilustrar a grande dificuldade em formar um bloco em Brasília. Mesmo assim, em junho, uma grande aglomeração de indignados e algumas dezenas de Black Blocs conseguiram "sacudir" o poder constituído. Os Black Blocs brasilienses, que conhecem a estrutura da cidade, procuraram adaptar algumas rotinas à sua especificidade, como sempre se fez em todos os lugares do mundo. O que importa, aqui, é a efetividade da tática enquanto forma de emponderar o protesto. Além disso, o bloco também orienta sua ação de acordo com o agir policial e em Brasília, a tática utilizada pelas forças do Estado foi diferente das outras cidades do país. Assim comenta o entrevistado:

[...] Aqui em Brasília existe uma particularidade de que os espaços são muito amplos e não tem como você se pôr na frente de uma manifestação com um grupo pequeno. E a polícia tem a tática de ficar parada defendendo um determinado local, então o que a gente visou foi transpor as barreiras policiais, mas não defender a manifestação da polícia porque a polícia não estava fazendo emboscada ou perseguindo a manifestação, bem diferente de outros lugares em que é mais estreito, a polícia sai reprimindo e os black blocs ficam atrasando a polícia. Isso aqui não acontecia. (Entrevistado 3)


Nas manifestações de junho da capital, o Black Bloc funcionou mais enquanto estratégia de ataque do que de defesa, tendo em vista que o método policial era obstruir a passagem dos manifestantes a certos pontos focais, como o Estádio Mané Garrincha e o Congresso Nacional. Cabe salientar que "ataque" não necessariamente quer dizer "violência". Quando a polícia restringe o direito de ir e vir dos manifestantes, isso gera uma agonia coletiva e as pessoas vão tentar a todo custo sair daquele cerco, esse seria o "ataque". Isso aconteceu em todas as manifestações que estive presente. O objetivo do bloco foi furar o cerco policial e em todas elas foi isso que gerou o confronto entre manifestantes e policiais. Assim,

[...] Dado o que acontece, a gente reage, porque o contingente policial daqui é muito alto comparado com o resto do Brasil, então você não tem tempo pra você respirar e pensar "ah, vamos fazer isso", não. A gente vai agindo de acordo com o que acontece e nisso a gente nunca consegue ter uma ideia prévia de como agir, ao contrário do Rio e São Paulo [...] (Entrevistado 5).

Na primeira manifestação das jornadas de junho que aconteceu em Brasília, os policiais cercaram os manifestantes e os impediram de circular na área que compreendia a frente do Estádio Mané Garrincha, por onde passavam os torcedores que iam para o primeiro jogo da Copa das Confederações. Ali, não fazia sentido formar um Black Bloc de proteção aos manifestantes, então a estratégia era tentar furar o cerco policial. Foi quando os manifestantes conseguiram furar esse cerco e estavam chegando próximos ao Estádio que a polícia começou a jogar bombas de gás lacrimogênio e atirar balas de borracha.
Já no dia 17 de junho, quando a polícia fez uma barreira ao redor do Congresso e impediu que os manifestantes chegassem próximos do mesmo, a tática foi desviar para outro foco do poder que não estava sendo tão protegido, o Palácio do Itamaraty. Ali, a ofensiva foi iniciada pelos manifestantes que tinham o intuito de invadir o prédio e o confronto com a polícia surgiu a partir disso. Também, como em Brasília os primeiros protestos vieram depois dos protestos que aconteceram em São Paulo, por exemplo, os Black Blocs já estavam cientes do comportamento que a polícia estava tendo e puderam se preparar melhor pra essas manifestações. De tal forma, percebe-se que são latentes as diferenças entre as potencialidades do Black Bloc de Brasília e o de outras cidades.

Motivações dos blockers

A desvalorização da tática Black Bloc começa na negação da sua racionalidade política e na ideia de que toda violência é desmotivada e irracional. De fato, é inegável que o Black Bloc tem o seu caráter de emotividade, mas como a literatura argumenta, emotividade não é sinônimo de irracionalidade. A violência atua em certo sentido como uma espécie de catarse, ou seja, como uma forma de externalização do sofrimento. É ingenuidade desconsiderar o papel das emoções na ação política. Assim como já apontado anteriormente, segundo Castells (2012), "no plano individual, os movimentos sociais são emocionais".
No entanto, se no nível individual o aspecto emocional está presente, no nível coletivo ele não é o principal fator que motiva os ativistas e utilizarem o Black Bloc. A primeira motivação apontada pelos entrevistados para servirem-se desse repertório foi a questão da defesa em um contexto de repressão policial. Em geral, protestar significa questionar o poder instituído e as decisões tomadas por ele (ou a falta delas). Por isso, não raro vemos notícias de protestos pacíficos que foram duramente reprimidos pela polícia.
Num primeiro momento o Black Bloc era utilizado como forma de resistência ao despejo de ocupações. A própria formação do bloco, bem como o nome que a tática leva, sugerem um repertório mais defensivo. A partir do momento em que o manifestante resiste a uma ordem policial ele já fornece o pretexto para uma ação truculenta. Por isso, quando o ato não é legal, apenas o fato de permanecer na rua pode gerar um conflito. Nesse caso, a diferença entre um blocker e os outros manifestantes é que o primeiro está muito mais preparado para um eventual embate, tanto pela experiência que os Black Blocs costumam ter, quanto pelos mecanismos que dispõem, tal qual confirma a entrevistada 5:

Minha motivação foi principalmente a violência policial extrema, extrema... se você não tiver tática nenhuma ali você só vai apanhar, ser preso e levar gás de pimenta na cara... e assim, antes das manifestações eu já tinha apanhado de policial várias vezes. Por ser Punk você sempre tá em uns ambientes assim. [...] E às vezes eu não estava nem em manifestação, às vezes eu estava na minha casa, embaixo do bloco que eu moro e chegava policial me batendo por causa do meu visual, então eu já tive experiência com policial, sei como eles são. E quando começaram as manifestações ficou radicalizado e generalizado também, então você via que tinha velho passando na rua e eles batiam também, às vezes nem estava envolvido. Então eu vi que era preciso ter um contra-ataque e não um ataque mesmo, mesmo porque a correlação de forças não permite que a gente saia atacando, é pra se defender mesmo. Foi isso que me motivou, me defender da polícia truculenta.

Dessa forma, um dos objetivos do bloco é garantir maior amparo aos manifestantes, de modo que o medo à repressão policial não impeça a ação direta de continuar. O entrevistado 3 observa:

[...] A tática é uma forma de você se manter nas ruas, entende?! Se não houvesse, eu acho que a repressão da polícia iria conseguir vencer o movimento. Eu já vi isso acontecendo em protestos contra o aumento da passagem de ônibus, da polícia conseguir vencer o movimento, da repressão ser forte o suficiente pras pessoas terem medo de retornar. Então você ter uma forma de enfrentamento, mesmo que seja limitada como é o Black Bloc, dá uma resposta à violência do Estado. E é um método de protesto em que as pessoas que estão lá sabem que vai existir alguma forma pra tentar minimamente amparar elas. Porque o Black Bloc não está ali só botando as pessoas em risco, mas também criando um certo tipo de segurança pra elas. Se você vai lá e radicaliza de alguma forma desorganizada e com sua cara exposta, você com certeza vai ser pego pela polícia. Então o Black Bloc é uma forma de evitar (isso). [...] Eu acho que o principal motivo do Black Bloc existir é a repressão, se não existisse esse tipo de repressão não acabaria tendo que existir esse tipo de manifestação também.

Essas são algumas das questões "micro" que motivam a utilização da tática. Mas nas entrevistas que realizei, todas com anarquistas, também foram apontadas algumas questões "macro". Dentre elas está embutida a ideologia anarquista, na qual a destruição do sistema capitalista é um dos pontos principais. Logicamente, nenhuma manifestação vai ter como pauta o fim do capitalismo, porque essa é uma questão que não envolve apenas os Estados nacionais, mas a sociedade mundial como um todo. No entanto, mostrando coerência com sua ideologia, o entrevistado 9 relata que sua motivação é

De maneira geral, o fim do Estado. Eu acho que esse é o ápice. São dois valores que eu penso que são sempre essenciais pra mim, quando eu penso no que é ser anarquista pra mim: liberdade e autonomia. E liberdade e autonomia só vem com o fim do Estado. [...] A democracia de agora é a democracia representativa, a qual você elege alguém pra opinar por você, o que eu quero não é isso, eleger alguém pra opinar por mim. Eu quero opinar de fato nas questões que estão na Câmara dos Deputados, (na Câmara) Legislativa, tudo isso... eu não quero que um juiz fale quem é culpado e quem não é culpado, eu quero que um júri popular fale quem é e quem não é culpado. Então é assumir poder [...] Os valores que a população cultiva ainda são valores que pra mim são extremamente retrógrados pra você conseguir de fato apropriar o povo de uma nova postura frente à si mesmo. Então eu não tenho tanto otimismo de que de fato vá haver a queda do governo, que de fato eu vá ver na minha vida, que eu vá viver 60 anos, uma mudança brusca de regime. Eu não tenho muito otimismo quanto a isso, mas isso não significa que eu vá deixar de participar das coisas, eu participo sempre com esse otimismo, mas eu sou racional o suficiente pra encarar o fato de que tem os limites. Até porque as mobilizações dão uma balançada na sociedade pra pensar as coisas, por mais que quem só vê pela TV e tá pegando o discurso da mídia, mesmo essas pessoas tão pensando, tão discutindo coisas que não discutem nunca.

Outra razão também bastante apontada pelos entrevistados é a questão da pressão que a violência política exerce sobre o Estado. Acredito que isso ocorre não apenas pelo questionamento ao monopólio dos meios de coerção estatal, mas porque essa violência política é direcionada àqueles que financiam o Estado capitalista, que são as grandes empresas privadas. Essa afronta ao capital que perpetram os Black Blocs quando destroem caixas de banco e vitrines de multinacionais é uma ameaça ao status quo e não permite uma indiferença estatal. Por isso, comumente vinte Black Blocs juntos conseguem chamar mais atenção a uma causa do que dois mil manifestantes pacíficos, seja essa atenção boa ou ruim. O que acontece é que a maior parte dos blockers são ativistas de longa data que já participaram de muitas manifestações ao longo de sua vida, mas que se desiludiram com as formas tradicionais não-violentas de ação direta por considerar que as mesmas tem pouco ou nenhum impacto na agenda política do país. Assim, mesmo que o Black Bloc não tenha qualquer diálogo direto com o Estado, os ativistas percebem que a violência política traz mais questões para a pauta do que as manifestações pacíficas.
Um dos maiores debates em torno da tática é aquele sobre a legitimidade do uso da violência. Esse é um dos pontos que procurarei abordar melhor no capítulo a seguir, que trata da última e talvez mais relevante motivação dos ativistas no uso do Black Bloc: a violência estrutural. Por ora, cabe dizer que quando o objetivo da ação direta é levantar o debate acerca de questões como representatividade, democracia e bem estar coletivo, tirando a sensação de total apatia social, o Black Bloc tem se mostrado correspondente à expectativa dos manifestantes que dele utilizam.

"Violento é o Estado"

O Black Bloc surge como uma expressão do descontentamento de uma parte da população com o sistema político. No entanto, os manifestantes que usam dessa tática são frequentemente acusados de desconsiderar o processo democrático. O uso da violência como forma de questionamento é o ponto mais controverso entre a opinião pública. Os manifestantes pacíficos afirmam que os blockers tiram o crédito do protesto e afastam outros simpatizantes. A verdade é que não existe nenhum estudo que comprove os efeitos do Black Bloc em uma manifestação, mas mesmo assim grande parte dos movimentos sociais prefere ter seu nome desvinculado da tática por conta desse aspecto.
Não obstante a definição em dicionário deixe claro que "violência" é qualquer ato de agressão contra pessoas ou objetos, muitos blockers não consideram sua ação uma "violência". Isso se deve porque ela não fere indivíduos, mas apenas propriedades. E embora vejamos, por vezes, policiais feridos em manifestações, existe uma espécie de código de ética informal entre os blockers no qual só é legítimo ferir policiais a partir do momento em que eles passam a agir com brutalidade.
No mesmo sentido, a compilação de textos The Black Bloc Papers (2010, p. 45), uma antologia de textos anarquistas norte americanos produzidos por uma editora independente, faz a seguinte consideração: "We contend that property destruction is not a violent activity unless it destroys lives or causes pain in the process. By this definition, private property — especially corporate private property — is itself infinitely more violent than any action taken against it." De tal forma, por não considerar a destruição de símbolos capitalistas como um tipo de violência, os manifestantes não estariam questionando o monopólio da violência pelo Estado. Eles estariam, antes, reagindo a uma violência. No mesmo sentido, um dos entrevistados me deu uma zine de sua própria autoria que continha o seguinte texto:

O que é a violência? Aqui precisamos definir o que é "violência" primeiro. A violência é uma agressão física ou psicológica a animais, incluindo seres humanos. Violência não pode ser praticada contra objetos. A vitrine de uma loja ou a vidraça de um banco não podem ser violentadas. [...] O povo sofre violência todo dia pelo Estado. A polícia mata, o Estado deixa os pobres morrerem na fila dos hospitais, as escolas são um ataque as nossas inteligências, as cadeias são "escolas para o crime", a mídia soca a sua cara com propaganda de coisas que você nunca irá poder comprar e os patrões sugam seu suor por salários de miséria. Isso é violência, reagir a isso é estar vivo! [...]

A partir dessa compreensão, o real agente da violência seria o Estado. Não apenas porque as forças policiais empregam a agressão física contra pessoas, mas principalmente por que envolve um outro tipo de brutalidade conduzida pelo Estado, a violência estrutural. Segundo Neto e Moreira (1999, apud ALMEIDA, 2007, p. 4):

Esta forma de violência é na verdade o protótipo de todas as outras configurações da violência e, justamente por ser exercida nas ações diárias de instituições consagradas por sua tradição e poder, na maioria das vezes não é contestada. O senso comum nem chega a compreendê-la como uma manifestação de violência, mas sim como pura e simples incompetência de governantes e responsáveis.

Minayo (1994) define ainda a violência estrutural como "violência gerada por estruturas organizadas e institucionalizadas, naturalizada e oculta em estruturas sociais, que se expressa na injustiça e na exploração e que conduz à opressão dos indivíduos". Nesse sentido, pode-se dizer que mesmo os usuários da tática que entendem a destruição de propriedades como uma "violência", consideram esta uma reação a uma agressão prévia, na qual o ator é o Estado, seja ela física - e então usando o bloco como estratégia de defesa -, seja ela estrutural. Diante disso, o blocker explica sua principal razão para usar a tática:

É porque a gente é violentado todo dia, você como mulher, por exemplo, você é todo dia violentada pelo machismo. Eu, como negro, sou violentado por causa do racismo. Violência se segue todo dia, o transporte público é uma violência. Porque que eu tenho que ficar uma hora esperando a porra de um ônibus e depois ficar duas horas num trânsito do caralho enquanto tem um monte de gente na porcaria de um carro sozinha?! Isso é uma puta de uma violência. E que tem a ver com o Estado e com as pessoas. Então é isso, a violência tá ali a todo o momento. É questão de você ver que está sendo violentado e a postura que você vai ter quanto a isso. A minha postura é essa. (Entrevistado 9)

Como salientado por Neto e Moreira, essa violência se manifesta no cotidiano das pessoas através da forma como o poder e as estruturas sociais se estabelecem. É uma violência velada, sem um protagonista específico e tanto maior quanto mais vulneráveis forem os indivíduos, seja economicamente, socialmente ou psicologicamente. Embora difícil de perceber, essa é a agressão que desperta o maior sentimento de indignação e faz com que os indivíduos reajam. Dupuis-Déri (2010) confirma: "[...] it's appropiate to situate the use of force and destruction of property by the Black Blocs and their allies in relation to this rage against an iniquitous and exploitative system that subjects the majority of the population to structural violence"



CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de uma crescente descrença nas instituições representativas, pessoas do mundo inteiro têm buscado novas formas de se relacionar com a política e com aqueles que controlam o poder. O Black Bloc é apenas uma dessas formas. Surgido na Alemanha e tendo como fundamento a ideologia anarquista, essa tática de ação direta se espalhou pelos quatro continentes e já foi utilizada nos mais diversos contextos. A plasticidade da tática permitiu que ela se adaptasse à diferentes movimentos sociais, mas todos eles carregavam um aspecto em comum: a crítica ao poder instituído.
No Brasil, o Bloco Negro surge nas páginas de jornal em meio a um turbilhão de acontecimentos e a um cenário político efervescente. A série de manifestações que varreram o país em junho de 2013 criou uma sensação de que a população saía de um estado de marasmo e apatia política que não se via desde o movimento dos caras pintadas. O lema dos manifestantes, inclusive, passou a ser "O gigante acordou", em referência às milhares de pessoas que saíram as ruas (vários pela primeira vez) exigindo maior democratização das tomadas de decisões.
No entanto, esse lema soou de certa forma revoltante para aqueles indivíduos que sempre tiveram participação política, fosse ela institucionalizada ou não. São os ativistas que nunca "dormiram". Homens e mulheres, jovens, com altos níveis de escolaridade e de classes variadas. Alguns deles, familiarizados com as potencialidades dos protestos tradicionais e movidos por uma conjuntura de repressão policial e violência estrutural cotidiana, decidiram adotar formas mais combativas de ação direta. A inspiração veio dos movimentos de crítica à globalização que ocorreram e ocorrem ao redor do mundo. Poderia ter sido outro tipo de repertório, como o boicote, ou mesmo outro tipo de bloco, como o Pink Bloc, mas a conjuntura favoreceu a escolha por alguns da dinâmica do Black Bloc.
Não busco aqui tentar legitimar o uso da violência ou da destruição de propriedades em manifestações. O que procurei, ao contrário, foi tentar entender em que consiste o Black Bloc e o que leva cidadãos comuns a utilizarem de uma tática em que o custo da ação é tão grande como meio de protestar por demandas, ao invés de procurarem formas menos custosas e institucionalizadas. Uma resposta simples e objetiva soa intangível, mas através da análise da subjetividade dos blockers brasilienses, busquei explicitar algumas razões possíveis pelas quais isso acontece.
A formação de um bloco com indivíduos dispostos a literalmente lutar pela continuidade de um protesto busca emponderar o movimento social, ou seja, busca dar mais força à ação direta. Pode-se observar historicamente que os momentos em que a tática ressurge são majoritariamente aqueles em que a repressão do Estado é tão impetuosa que as ações diretas pacíficas não se sustentam, como aconteceu nas ocupações da década de 80 na Alemanha.
Porém, como as forças policiais têm conhecimento de que as ideias e atitudes do Black Bloc são marginais e não tem respaldo na opinião pública, a presença de manifestantes caracterizados enquanto tais com frequência legitima uma repressão desproporcional do Estado. E mesmo um bloco bem organizado não tem qualquer analogia de forças contra uma polícia militarizada cujo treinamento prepara para guerra como é a polícia brasileira. Por isso, é relevante que os ativistas estejam sempre reciclando e repensando seu repertório de maneira a adaptarem-se à conjuntura do momento. Acredito que a inteligência coletiva da qual dispõem os movimentos sociais é de fundamental importância para reagir adequadamente às situações.
Hoje, o Black Bloc saiu das páginas de jornais brasileiras. Apesar disso, ainda tramitam no poder legislativo alguns projetos de leis que visam aumentar a punição a manifestantes envolvidos em atos de destruição de patrimônio público ou privado, dentre eles o PLS (Projeto de Lei do Senado) 508/2013, que os tipifica como crime de vandalismo. Não parece ter havido, no entanto, qualquer iniciativa das autoridades em investigar os crimes cometidos por policiais em protestos. Por outro lado, vários manifestantes já foram presos e condenados, não faltando inquéritos criminais recaindo sobre os mesmos. Nesse sentido, o problema não parece ser o uso da violência em si, mas a falta de legitimidade no seu usufruto.
O sistema político em que vivemos estimula a participação restrita a um pequeno período de quatro em quatro anos. Somado a isso, é disseminada a falsa ideia de que as eleições possibilitam perfeitamente a escolha democrática de um representante, é o "protesta na urna", do qual tanto se valeu o conservadorismo de nosso país quando as manifestações ganharam força. Essa ideia é muito oportuna às elites políticas e econômicas do país, porque é através desse processo "representativo" que elas conseguem se manter no poder. Assim, o cidadão comum, assistindo à omissão do poder público e vendo seus direitos mais básicos serem violados, ainda é imobilizado pelas instituições políticas de nosso país, que não possibilitam a participação autêntica da massa na tomada de decisões. E em plena capital, isso não poderia ser diferente. Os Black Blocs surgem então em um movimento de tomada de consciência de todo esse processo, bem como em sua reação social. Porque verdadeiramente, violento é o Estado.































REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Natália. 2007. "A violência estrutural". Seminário Estudantil de Produção Acadêmica V. 11, n. 1.

BAKUNIN, Mikhail. Letters to a Frenchman on the Present Crisis. 1870. Disponível em: Acesso em 26 Maio 2014

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