Vira, vira, viraliza:Reflexões sobre as narrativas midiáticas do ELA na campanha do “Ice Bucket Challenge”

May 20, 2017 | Autor: A. dos Santos Holtz | Categoria: Rare diseases, Biopolítica
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8º Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação do Rio de Janeiro XII Seminário de Alunos de Pós-graduação em Comunicação Social da PUC-Rio Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Rio de Janeiro, 21 a 23 de outubro de 2015.

Vira, vira, viraliza1 Reflexões sobre as narrativas midiáticas do ELA na campanha do “Ice Bucket Challenge” Ana Catarina Holtz - PUC – SP Resumo O presente trabalho tem como objetivo entender as narrativas midiáticas sobre a ELA durante a campanha do “Ice Bucket Challenge” ou o “desafio do balde de gelo”, organizada pela ALS Association no ano de 2014. A pesquisa está dividida em dois momentos, no primeiro será feita uma discussão teórica sobre as políticas públicas direcionadas às doenças raras, em especial a lei Orphan Drug Act, bem como a importância das associações de pacientes como a ALS Association; o segundo contará com uma pesquisa no The New York Times, na revista Time e no portal Folha de São Paulo/Uol, buscando compreender como a doença foi noticiada durante a campanha. A teoria usada tem como base Foucault, Rose, Agamben, Novas, Petryna, Rabinow, Kellner, Silverstone, Pelbart e Vaz. Palavras-chave Mídia; Biopolítica; Cidadania biológica; Esclerose Lateral Amiotrófica; Ice Bucket Challenge

O criador do Facebook, Mark Zuckerberg, desafiou o fundador da Microsoft, Bill Gates, enquanto o cantor Justin Bieber convocou para o desafio o presidente americano, Barack Obama, já a apresentadora Oprah Winfrey preferiu desafiar o cineasta Steven Spielberg. E assim, o “Ice Bucket Challenge” (IBC), ou em português, “desafio do balde de gelo”, tornou-se um dos principais virais do ano de 2014. O desafio possuía uma dinâmica bem simples: o desafiado tinha que escolher entre fazer uma doação para a ALS Association, organização sem fins lucrativos que defende os interesses dos portadores de Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), ou então virar um balde de gelo na própria cabeça – que deveria ser devidamente registrado e postado

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Trabalho apresentado no GT 6 – Discurso, Ciência e Poder do 8º Congresso de Estudantes de PósGraduação em Comunicação, na categoria pós-graduação. PUC Rio, Rio de Janeiro, outubro de 2015.

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8º Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação do Rio de Janeiro XII Seminário de Alunos de Pós-graduação em Comunicação Social da PUC-Rio Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Rio de Janeiro, 21 a 23 de outubro de 2015.

em alguma rede social, como Youtube ou Instagram – após a realização, o desafiado teria que convocar outras três pessoas para fazer o mesmo. O “IBC” é um viral particularmente interessante, pois está atrelado a uma campanha de arrecadação de fundos de financiamento para pesquisas no combate à ELA, doença degenerativa que afeta os neurônios motores, levando a perda progressiva dos movimentos voluntários, cuja cura é desconhecida e não há medicamentos específicos para o tratamento dos portadores. A campanha foi idealizada por Pete Frates2, ex-capitão do time de baseball da Universidade de Boston, portador do ELA e membro da ALS Association, que postou no seu Facebook o desafio no dia 31 de julho de 2014, usando a hashtag #StrikeOutALS, convocando sua rede de contatos a fazer uma doação no valor de U$ 100,00 para a ALS ou jogar o balde de gelo na própria cabeça. Em poucos dias surgiram milhares de vídeos semelhantes, especialmente na cidade de Boston, dessa forma, o desafio ganhou popularidade, assim como o site da organização, que teve um aumento de doações, uma vez que muitos participantes além de fazerem seus registros do desafio, também contribuíam financeiramente para a campanha. Os vídeos dos desafios viralizaram pelas redes sociais reunindo anônimos, celebridades e líderes políticos. Nesse sentido a mídia teve um papel fundamental, não apenas divulgando os vídeos – é importante ressaltar que houve vários desafios transmitidos durante programas televisivos – mas também exercendo uma função didática de explicar o significado do viral, já que os vídeos em si, pouco traziam de informação sobre a campanha, assim, coube a ela a tarefa de elucidar, com maiores detalhes, a causa por trás dos desafios, principalmente no que diz respeito à doença ELA. Diante desse cenário, a campanha do “IBC” teve como efeito, entre outras coisas, uma maior repercussão do ELA na mídia, porém, é importante questionar de que maneira a doença foi retratada nessas narrativas midiáticas que surgiram durante esse período de grande exposição. Esse trabalho tem como objetivo compreender 2

Disponível em: http://time.com/3136507/als-ice-bucket-challenge-started/ acesso em julho/2015.

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como a doença foi noticiada durante a campanha, no entanto, primeiramente, será feita uma contextualização teórica sobre as políticas públicas direcionadas às doenças raras, bem como uma discussão sobre o papel das associações de pacientes, como a ALS Association. Por uma biopolítica dos raros A Esclerose Lateral Amiotrófica faz parte de um grupo de doenças classificadas pelo governo americano como “órfãs”, em virtude do decreto “Orphan Drugs Act” (ODA), que determina que medicamentos para doenças extremamente raras e que não possuem tratamento disponível tenham subsídios como forma de estimular o desenvolvimento de novas drogas. Assinado em 1983, o decreto possibilitou o surgimento de mais de 400 novos medicamentos, que não estavam disponíveis anteriormente por falta de interesse da indústria farmacêutica em investir em produtos com um pequeno mercado consumidor3. Dessa forma, o “Orphan Drugs Act” consiste em uma política pública voltada para atender diversos interesses, sociais e econômicos, portanto, é importante retomar alguns conceitos sobre o que Foucault (1988) chamou de “biopolítica”. Para o autor, nos séculos XVII e XVIII, inicia-se um período no qual a vida é tomada pelos mecanismos dos poder, de tal maneira que: [...] o biológico reflete-se no político; o fato de viver não é mais esse sustentáculo inacessível que só emerge de tempos em tempos, no caso da morte e de sua fatalidade: cai, em parte, no campo de controle do saber e de intervenção do poder (p.155).

Assim, a biopolítica é a forma como o poder, valendo-se de cálculos e estratégias de controle da população, se apropria da vida, gerenciando taxas como a de nascimentos e mortalidade, com o intuito de maximizar, ordenar e regulamentar todo o corpo social. As áreas relacionadas à saúde, como a medicina e toda a indústria decorrente dela, são fundamentais para a biopolítica, no século XXI, as descobertas 3

Disponível em: http://www.fda.gov/ForIndustry/DevelopingProductsforRareDiseasesConditions/ucm2005525.htm acesso em ago/2015.

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científicas da biomedicina e biotecnologia causam um impacto significativo na sociedade. Como discutido por Novas (2009) após a regulamentação do ODA, nos anos 80, as empresas de biotecnologia foram muito beneficiadas, pois ele reduz significativamente os custos de produção, além de garantir a exclusividade de mercado por 7 anos. O modelo americano foi adotado por outros países, como Cingapura, Japão, Austrália e a União Europeia, sendo considerado um caso de sucesso de intervenção governamental que combina melhorias na saúde pública, ao mesmo tempo em que promove inovação em uma área estratégica, como a biotecnologia. Dessa forma, o cenário no qual surge o decreto do ODA mostra a articulação entre Estado, indústria e sociedade que marca a biopolítica do século XXI, porém, o desenvolvimento de uma tecnologia que tem no biológico seu principal recurso, produz também uma mudança lenta, mas constante, na relação do sujeito com seu próprio corpo. A percepção de que, cada vez mais, é possível administrar, aprimorar, manipular a vitalidade dos indivíduos, desenvolver novas – e mais eficientes – formas de controle no que diz respeito à saúde, é uma das particularidades da biopolítica contemporânea (ROSE, 2013). Nesse sentido, surgem novas maneiras dos sujeitos se relacionarem tanto consigo, quanto com os outros, a própria noção de cidadania é alterada na medida em que a vida ganha uma dimensão molecular, na qual a identidade genética adquire novos significados. Assim, cidadania passa a ser biológica, podendo: [...] incorporar uma exigência de proteções particulares, para a atualização ou cessação de políticas ou de ações particulares [...] A vida adquire um novo valor potencial, a ser negociado em toda uma série de práticas de regulação e de compensação (ROSE, 2013, p. 192).

Para Adriana Petryna (2002), a “cidadania biológica” é um fenômeno que ocorre quando um grupo heterogêneo de sujeitos é unificado por uma característica biológica, como sobreviventes do desastre de Chernobyl, em 1986. Após a explosão de uma usina nuclear, os habitantes da região desenvolveram doenças, supostamente, relacionadas à exposição de material radiativo, no período seguinte ao acidente, 4

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começaram a surgir grupos organizados com o objetivo de reivindicar uma reparação governamental pelos danos causados, tendo como base o fato de todos, por mais diversificado que fosse o grupo, terem em comum, prejuízos na saúde e qualidade de vida em decorrência do desastre. Sendo assim, a “cidadania biológica” forma uma espécie de nação, unida pela sua condição biológica, independente dos limites geográficos e religiosos, constituindo um novo território de luta política. Esses grupos de ativistas representam uma nova maneira de socialização entre pacientes, constituindo uma “biossocialidade” como descrita por Rabinow (1996). A organização em associações, como a ALS, responsável pela campanha do “IBC”, possibilita o fortalecimento político desses grupos que ganham maior poder de ação, seja fazendo lobby com o governo, demandando soluções para a indústria farmacêutica, potencializando doações, ou até mesmo adquirindo visibilidade midiática, como foi o caso da repercussão da campanha viral de 2014. Nesse sentido, a noção de cidadania em um mundo das “bios” – biotecnológico, biomédico, biossocialidade – ganha uma nova dinâmica, como explica Rose: [...] o cidadão biológico contemporâneo está sentado na intersecção entre esses comportamentos mais ou menos autorizados e uma variedade de outros fluxos de informação e de formas de intervenção. [...] está sendo cada vez mais posta em prática uma cidadania ativa, na qual as próprias pessoas estão assumindo um papel dinâmico no crescimento de sua própria instrução científica, especialmente biomédica (2013, p. 201).

Retomando o ODA, o Food Drugs Administration (FDA), órgão do governo americano que concede as patentes de “medicamentos órfãos”, é responsável por separar doenças “órfãs” e “não órfãs”, legitimando assim, aquelas que estarão disponíveis para serem “adotadas” pelos laboratórios farmacêuticos. A nomenclatura que remete a orfandade é particularmente interessente, pois remete a um abandono por parte do mercado, que em outras condições não apresentou interesse em desenvolver os medicamentos para determinadas doenças, sendo assim, o FDA acaba criando um grupo de exceção de doenças. Nesse sentido: Enquanto o exemplo é excluído do conjunto na medida em que pertence a ele, a exceção é incluída no caso normal justamente porque não faz parte dele. E como o pertencimento a uma classe pode ser demonstrado apenas com um exemplo, ou seja, fora dela, do mesmo modo o não pertencimento

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só pode ser demonstrado em seu interior, isto é, com uma exceção (AGAMBEN, 2010, p. 29).

Assim, o capitalismo, com auxílio da biopolítica, se apropria da diferença, do excluído, “pois num mundo onde todas as diferenças são admissíveis, mas onde todas as diferenças se equivalem precisamente [...] tudo poderá, desde então, ser objeto de comércio” (PELBART, 2011, p. 105). A indústria farmacêutica, que até 1983 parecia ignorar essas doenças, passa a lucrar com um nicho de mercado, por outro lado, os doentes têm uma oportunidade, ou pelo menos uma esperança, de tratamento e melhoria na sua qualidade de vida. Após as discussões iniciais sobre as políticas públicas para doenças raras, será apresentado um estudo do viral “IBC”, que tem como objetivo analisar as narrativas midiáticas a respeito do ELA, doença pela qual a campanha buscava arrecadações, durante o período de maior repercursão do desafio. Que comece o desafio Com uma dispersão similar a uma epidemia viral, o “IBC” atingiu repercussão mundial poucos dias após o desafio ser lançado nas redes sociais. Não demorou muito para que programas de entretenimento e o resto da imprensa mostrassem interesse em abordar o tema, apresentando-o para uma nova leva de expectadores que ainda não tinha entrado em contato com o desafio. Para Silverstone (2014), é preciso pensar na mídia como um processo que está sempre em percurso, sendo assim, o seu papel é fundamentalmente político e econômico. A partir do século XX, com a grande proliferação das tecnologias de comunicação, a mídia ganhou uma nova dimensão na vida cotidiana, de tal maneira que ela passou a mediar várias relações, inclusive de consumo, nas palavras do autor: Consumimos a mídia. Consumimos pela mídia. Aprendemos como e o que consumir pela mídia. Somos persuadidos a consumir pela mídia. A mídia, não é exagero dizer, nos consome. [...] Consumimos objetos. Consumimos bens. Consumimos informação. Mas, nesse consumo, em sua trivialidade cotidiana, construímos nossos próprios significados, negociamos nossos valores e, ao fazê-lo, tornamos nosso mundo significativo (p.150).

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Portanto, ao analisar uma narrativa midiática é preciso entender a mídia em toda a sua complexidade, uma vez que seus textos não simples veículos para uma comunicação ideológica ou puro entretenimento, suas produções incorporam discursos, tanto sociais quanto políticos, cuja análise exige métodos de leitura capaz de articular sua importância social, na economia, e principalmente, entender o meio político em que ela é criada, veiculada e recebida (KELLNER, 2001). A relação entre mídia e indústria farmacêutica é fundamental para a criação de novos mercados consumidores. Como discute Vaz (2012), as estratégias de marketing dos laboratórios farmacêuticos têm na mídia um importante aliado na divulgação dos supostos benefícios de seus medicamentos, principalmente quando, valendo-se do discurso de um “jornalismo científico”, a imprensa faz um papel semelhante ao da publicidade, oferecendo recursos para que seus leitores/consumidores, em certa medida, sejam incentivados a buscar tratamento para as doenças divulgadas no seu noticiário. Dessa maneira, a mídia atua como um importante stakeholder para a formação e manutenção de mercados na área da saúde. Do ponto de vista econômico, a campanha de arrecadação de fundos para a ALS Association foi um sucesso. Segundo dados da associação4, o “IBC” arrecadou, em 2014, U$ 115 milhões, desse total, 67% foram destinados à pesquisas para o tratamento e cura da doença, entre elas estão o Project MinE (projeto para identificar genes relacionados ao ELA), o Neuro Collaborative (trabalho em conjunto de três laboratórios de pesquisa de novos tratamentos eficientes), The New York Genome Center (banco de dados com exemplares de sequências genéticas) e a ALS Act (projeto de triagem e pesquisa por biomarcadores como indicadores da doença). É interessante notar como os projetos financiados pela associação refletem o que Rose (2013) chama de “biopolítica molecular”, uma biopolítica cada vez mais focada no desenvolvimento técnico-científico em escala molecular, realizando pesquisas em nível genético por meio do sequenciamento de DNA e biomarcadores.

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Disponível em: http://www.alsa.org/fight-als/ibc-progress.html acesso em ago/2015.

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Para analisar as narrativas midiáticas sobre o ELA durante o período de maior repercussão do desafio foram realizadas buscas nos sites dos jornais Folha de São Paulo e The New York Times, bem como na página da revista americana Time, tendo como critério notícias de 01/07/2014 até 30/09/2014 que tivessem o termo “Ice Bucket Challenge” e “Desafio do balde de gelo” (no caso brasileiro). Após um levantamento inicial constatou-se que a primeira menção ao desafio foi feita no dia 07/08, pelo New York Times5, a revista Time6 aborda pela primeira vez, quatro dias depois, 11/08, enquanto no Brasil, a Folha de São Paulo só registra uma notícia sobre o desafio no dia 18/08, por meio do blog “#hashtag” de Ygor Salles7, que aborda de maneira breve a finalidade da campanha e a doença do ELA, tendo como principal foco a grande participação de famosos, como Fernanda Paes Leme, Mark Zuckerberg e Bill Gates. Tendo como base os veículos analisados, na mídia americana, o dia 11/08 pode ser considerado uma marca que consolida o desafio como um novo viral, pois é a partir dessa data que, tanto o New York Times quanto a Time, abordam com maior frequência o desafio. Com a manchete “The Ice Bucket Challenge takes over social media” 8 (O desafio do balde de gelo toma conta das redes sociais – tradução nossa), a Time apresenta a campanha, que até aquele momento já havia arrecadado U$1,35 milhões, sem, no entanto, dar ênfase ao ELA ou à própria ALS Association, optando por explicar a dinâmica de funcionamento do desafio, ilustrada por vários vídeos de famosos e anônimos, todavia, na mesma reportagem é problematizada a importância do desafio no desenvolvimento de uma cura para a doença. Nesse caso, a reportagem, apesar de enfatizar mais o desafio do que a ELA em si, propõe uma reflexão a

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Disponível em: http://www.nytimes.com/aponline/2014/08/07/us/ap-us-ice-bucket-challenge.html acesso em ago/2015. 6 Disponível em: http://time.com/3101414/the-ice-bucket-challenge-takes-over-social-media/ acesso em ago/2015. 7 Disponível em: http://hashtag.blogfolha.uol.com.br/2014/08/18/o-que-e-o-desafio-do-balde-de-geloque-comeca-a-pegar-no-brasil/ acesso em ago/2015. 8 Disponível em: http://time.com/3101414/the-ice-bucket-challenge-takes-over-social-media/ acesso em ago/2015.

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respeito da importância de uma campanha como essa, na conscientização da doença e na arrecadação de fundos para as pesquisas. No site do The New York Times foram registradas 56 notícias a respeito da campanha, sendo que o período de maior incidência foi até 26/08, dentre elas notas sobre celebridades que aceitaram o desafio como o ex-presidente norte-americano George W. Bush9 e a editora de moda Anna Wintour10; em contrapartida, a decisão do Departamento de Estado dos EUA que proibiu que seus embaixadores realizassem o desafio11; acidentes de pessoas envolvendo o desafio, como o caso de dois bombeiros que foram eletrocutados enquanto ajudavam a banda marcial da Universidade de Campbellsville12; além de colunas de comentaristas que problematizavam o desafio13, propondo que outras iniciativas utilizassem mais as redes sociais para divulgação de suas causas, porém, mesmo nesses casos em que há uma preocupação em reconhecer a campanha como uma proposta eficiente, a ELA em si, aparece apenas para contextualizar a iniciativa da ALS Association. Dessa maneira, quando se analisa a trajetória do “IBC” no The New York Times, percebe-se que a associação responsável pela campanha teve mais destaque do que a própria ELA, cuja aparição se restringia em uma breve definição – doença neurodegenerativa – ou seja, para a ALS Association a campanha serviu como uma grande publicidade da sua instituição, porém a doença a qual está relacionada não foi caracterizada em sua singularidade, enquanto a entidade conseguiu se destacar entre as outras que realizam atividades semelhantes como àquela que idealizou o bem sucedido desafio, a ELA, aparentemente, é uma doença neurodegenerativa, assim como outras doenças que causam a degeneração progressiva do sistema nervoso. 9

Disponível em: http://www.nytimes.com/aponline/2014/08/20/us/ap-us-bush-ice-bucketchallenge.html acesso em ago/2015. 10 Disponível em: http://runway.blogs.nytimes.com/2014/08/20/anna-wintour-takes-ice-bucketchallenge/ acesso em ago/2015. 11 Disponível em: http://www.nytimes.com/aponline/2014/08/21/us/politics/ap-us-ice-bucketchallenge-diplomats.html acesso em ago/2015. 12 Disponível em: http://www.nytimes.com/aponline/2014/08/21/us/ap-us-ice-bucket-challengefirefighters-hurt-.html acesso em ago/2015. 13 Disponível em: http://www.nytimes.com/aponline/2014/08/22/arts/ap-us-ice-bucketphenom.html?_r=0 acesso em ago/2015.

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A revista Time teve 59 ocorrências a respeito do “IBC”, no período entre 11/08/2014 e 20/09/2014, e, assim como o The New York Times, a maior frequência foi até 26/08. Cabe ressaltar que o propósito desse levantamento não é comparar quantitativamente as ocorrências nos dois veículos, mas sim, entender como eles criaram uma narrativa em torno do desafio, bem como visualizar de que maneira a ELA foi retratada. Dessa forma, analisando as notícias veiculadas pela revista, percebe-se que ela manteve um direcionamento mais aberto, ainda que houvesse muitas menções aos vídeos de celebridades, a Time teve uma cobertura menos centralizada nas performances dos famosos e mais preocupada em mostrar como o desafio estava impactando nas arrecadações para a ALS Association e procurava problematizar como um fenômeno como esse poderia mudar a maneira como as entidades de apoio à pacientes de outras doenças arrecadam fundos para a suas causas. A reportagem “Here’s how the ALS Ice Bucket Challenge actually started14” (Aqui está como o desafio do balde de gelo da ALS realmente começou – tradução livre) mostra de que forma o desafio começou, o golfista Chris Kennedy foi desafiado por um amigo a participar do “ICB”, sem estar relacionado à ALS Association, pois o participante poderia escolher qualquer instituição de caridade, Kennedy escolheu apoiar uma entidade ligada ao ELA porque possui parentes com a doença, assim, a #StrikeOutALS começou a circular entre os contatos de pessoas ligadas à entidade, até chegar em Pete Frates, que como citado anteriormente, acabou formalizando a relação entre o desafio e a ALS Association. É importante ressaltar que com essa reportagem, a Time ajuda a criar uma conexão maior com a campanha, pois ela contextualiza o desafio de forma que o público possa compreender sua origem, primeiramente desvinculada a uma causa específica, até ser oficializada como uma campanha de arrecadação contra o ELA, ainda que a doença fique em segundo plano na matéria, a mídia aqui faz um papel investigativo e explicativo, fornecendo recursos

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Disponível em: http://time.com/3136507/als-ice-bucket-challenge-started/ acesso em ago/2015.

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para que seus leitores possam entender com maior profundidade os vídeos que viralizaram na internet. Em meio há noticias que pouco abordava a ELA, a revista Time publicou no dia 20/08 uma matéria intitulada “This heartbreaking Ice Bucket Challenge video is the best one ye15t” (Este comovente vídeo de desafio do balde de gelo é ainda melhor – tradução livre) na qual o jovem Anthony Carbajal fala sobre a importância da campanha. O vídeo que ilustra a matéria foi postado pelo próprio Carbajal após uma série de críticas ao desafio, como um desperdício de água ou mais um exemplo de um ativismo “preguiçoso”. Nele, o jovem de 26 anos aparece jogando o famoso balde na sua cabeça, para, em seguida, se apresentar explicando que “sempre tive medo do ELA, porque ela está na minha família, minha avó teve, minha mãe foi diagnosticada quando eu estava no colegial e cinco meses atrás eu fui diagnosticado” (tradução livre), enquanto Carbajal fala como é difícil falar sobre a doença, aparece cenas dele cuidando da mãe, que por encontrar-se em um estado mais avançado da doença apresenta sequelas, como alimentação por sonda, perda total dos movimentos voluntários e respiração por aparelhos. Bastante emocionado, o jovem explica que ninguém gosta de falar sobre a doença, muito menos ver, pois é muito desafiador encarar uma pessoa amada morrendo dessa maneira – a expectativa de vida após o diagnóstico é de dois anos e meio – mas que toda essa exposição da doença é muito importante para os pacientes com ELA, pois é a primeira vez que ela está nos centros das atenções, Carbajal ainda questiona a indústria farmacêutica não se interessar pela doença, em suas palavras “não existe muito incentivo para que a indústria farmacêutica invista bilhões de dólares para desenvolver um medicamento, porque eu não sou lucrativo, não vale a pena me salvar?” (tradução livre). Ao final do vídeo, o jovem se desculpa pela emoção, mas que ele acredita que apenas jogar um balde de gelo na cabeça não seria o suficiente para ser entendido, é importante registrar que nos últimos segundos da gravação, entra a seguinte frase: “To do the #ALSIceBucketChallenge making a scary disease easier to talk about” (fazendo mais 15

Disponível em: http://time.com/3149803/als-ice-bucket-challenge-2/ acesso em ago/2015.

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fácil falar sobre uma doença assustadora – tradução livre), a frase é bastante significativa, pois ela mostra um dos objetivos da campanha, aumentar o conhecimento sobre a ELA, que, como mencionado por Carbajal, é uma doença cujo cotidiano do paciente é pouco comentado, entretanto, a maneira como a imprensa retratou a ELA durante o período da campanha não abordou os detalhes trazidos à tona pelo jovem. Como discutido anteriormente, as reportagens pouco falavam sobre a doença, as matérias deram maior ênfase ao fator viral da campanha, a participação massiva de celebridades e anônimos, discutiu a sua eficiência, questionou o caráter performático do desafio e procurou problematizar como outras causas poderiam se valer de estratégias parecidas para atingir tamanha visibilidade. A revista Time apresentou uma ampla cobertura do desafio, inclusive mantendo uma sessão especial no seu site para agrupar as notícias relacionadas ao desafio, dessa forma, além de exibir coletâneas sobre os melhores vídeos das celebridades16, seleção de vídeos de cachorros fazendo o desafio17, a revista também abria espaço para discussões mais complexas sobre o tema, como o próprio vídeo de Anthony Carbajal; um comparativo entre a repercussão do desafio e a morte de Michael Brown que deu origem a onda de protestos em Ferguson, Missouri na mesma época18; uma discussão sobre como outras entidades poderiam utilizar o desafio como um aprendizado pra aumentarem sua visibilidade e, consequentemente, sua arrecadação19; e também abordar uma discussão sobre bioética, após a Arquidiocese de Cincinnati proibir que seus fiéis fizessem o desafio por discordar das pesquisas financiadas pela ALS Association que envolviam pesquisas com células embrionárias. Portanto, percebe-se que a narrativa criada pela revista permitiu a problematização do desafio, seus impactos para a entidade organizadora, sua importância para entender

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Disponível em: http://time.com/3111965/here-are-the-27-best-celebrity-ice-bucket-challenge-videos/ acesso em ago/2015. 17 Disponível em: http://time.com/3148546/als-ice-bucket-challenge-dog-videos/ acesso em ago/2015. 18 Disponível em: http://time.com/3136939/michael-brown-ferguson-als-ice-bucket-challenge/ acesso em ago/2015. 19 Disponível em: http://time.com/3204261/the-real-ice-bucket-challenge/ acesso em ago/2015.

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comportamentos contemporâneos como a viralização e ainda trouxe, ainda que de maneira tímida, um olhar mais atento para a ELA. Para entender como a repercussão do desafio se deu no Brasil, foi analisado o site do portal Folha de São Paulo/Uol, tendo os mesmos critérios estabelecidos para o The New York Times e a Time, com exceção da busca que foi feita utilizando “desafio do balde de gelo”, por tratar-se de um veículo brasileiro. Para o período selecionado, foram encontradas 28 correspondências, sendo que a primeira, como já comentado anteriormente, data de 18/08, e aborda rapidamente o que é o desafio e como o fato de celebridades influentes (ou seja, com muitos seguidores), terem sido importante para a viralização do vídeo. O que chama a atenção nos resultados da Folha de São Paulo é que diferentes setores do portal abordaram o assunto, como colunistas20, sessão de celebridades21, caderno de saúde22, especial de empreendedorismo social23 e até no editorial24. Diferentemente dos outros veículos que enfatizaram o desafio e como ele poderia impactar positiva ou negativamente, a Folha, em diversos momentos, procurou

apresentar

a

doença

para

além

daquela

descrição

“doença

neurodegenerativa”, bastante usada pela mídia americana, que não enfatizou as características da ELA. No caderno “Equilíbrio e Saúde” encontra-se a matéria “Desafio do balde de gelo eleva doações para a doença25”, que mostra como o desafio aumentou o número de doações para entidades relacionadas à doença nos EUA e também no Brasil, a reportagem traz um quadro informativo de como a ELA age no organismo, enfatiza a rapidez com que ela avança e quais os cuidados que os 20

Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/joaopereiracoutinho/2014/08/1505407intervalo-de-gelo.shtml acesso em ago/2015. 21 Disponível em: http://f5.folha.uol.com.br/celebridades/2014/08/1504030-xuxa-se-recusa-a-fazerdesafio-do-gelo-e-incentiva-fas-a-cobrarem-doacoes-de-artistas.shtml acesso em ago/2015. 22 Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2014/08/1508649-desafio-do-baldede-gelo-levanta-mais-de-us-100-milhoes-em-doacoes.shtml acesso em ago/2015. 23 Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/empreendedorsocial/2014/09/1512692-organizacoesligadas-a-doencas-raras-sofrem-para-captar-recursos.shtml acesso em ago/2015. 24 Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2014/08/1504981-editorial-febre-dogelo.shtml acesso em ago/2015. 25 Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2014/08/1504754-desafio-do-baldede-gelo-eleva-doacoes-para-doenca.shtml acesso em ago/2015.

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8º Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação do Rio de Janeiro XII Seminário de Alunos de Pós-graduação em Comunicação Social da PUC-Rio Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Rio de Janeiro, 21 a 23 de outubro de 2015.

pacientes precisam (fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista e acompanhamento psicológico), bem como o custo aproximado de todos esses tratamentos – que cabe ressaltar, são todos paliativos – para as famílias, a matéria ainda levanta, de maneira breve, o questionamento sobre o real impacto da campanha para o progresso das pesquisas, fato rebatido na reportagem por Sílvia Tortorella, diretora do Instituto Paulo Gontijo, participante do Projeto MinE, um dos beneficiados pelo ALS Association, em suas palavras “A campanha é um sucesso, está tendo uma repercussão fantástica. Não conseguíamos atenção porque ninguém sabia o que era o ELA. Agora nós aparecemos para o mundo”. Dessa maneira, juntamente com outras matérias que abordavam o desafio, a Folha teve a cobertura que mais se dedicou a expor a ELA, seus sintomas, como os pacientes vivem e quais iniciativas estão sendo tomadas em âmbito nacional, para que a qualidade de vida dos seus portadores seja melhorada. Considerações finais O objetivo desse trabalho era entender como a ELA foi noticiada durante a campanha do “IBC”, buscando articular, em um primeiro momento, as políticas públicas destinadas às doenças raras, especificamente o decreto “Orphan Drugs Act”, e a importância das associações de pacientes como a ALS Association, organizadora da campanha, para, na sequência, analisar de que maneira a doença foi retratada por três veículos de comunicação: The New York Times, a revista Time e o portal Folha de São Paulo/Uol. As narrativas midiáticas produzidas pelos dois veículos americanos tiveram como principal enfoque a participação de celebridades, a capacidade de viralização da campanha e procurou problematizar como outras entidades poderiam usar o desafio como exemplo de sucesso para as suas causas. Dessa forma, para os americanos, a mídia acabou construindo um retrato em que a ELA foi deixada em segundo plano, optando por focar suas discussões no impacto midiático da viralização do desafio. Já no Brasil, a doença assumiu um papel protagonista nas discussões, com direito a 14

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quadros informativos e levantamento dos custos com os tratamentos paliativos da doença, sendo assim, a narrativa construída procurou enfatizar os pacientes e mostrar as suas dificuldades, em vez de problematizar a mecânica e a exposição de celebridades no desafio. As discussões propostas nesse trabalho mostram uma análise ainda inicial sobre as narrativas midiáticas de doenças raras, sendo assim, outras questões podem ser trabalhadas futuramente, como a forma com as consequências dessa exposição para a ALS Association, o impacto das celebridades para a divulgação da campanha ou como outras entidades utilizam as redes sociais para a divulgação de suas causas. Referências bibliográficas AGAMBEN, G. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010. FOUCAULT, M. A história da sexualidade: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988. KELLNER, D. A cultura da mídia. Tradução de Ivone Castilho Benedetti. Bauru, SP: EDUSC, 2001. NOVAS, C. Orphan Drugs, Patient Activism and Contemporary Healthcare. Quaderni. Communication, technologies, pouvoir, (68), 13-23, 2009. PELBART, P. P. Vida capital: ensaios de biopolítica. São Paulo: Iluminuras, 2011. PETRYNA, A. Life exposed: Biological Citizens after Chernobyl. Princeton, N.J.: Princeton University Press, 2002. RABINOW, P. Artificiality and Enlightenment: from Sociobiology to Biosociality. In: Essays on the Anthropology of Reason. Princeton, N.J.: Princeton University Press, 1996. ROSE, N. A política da própria vida: biomedicina, poder e subjetividade no século XXI. São Paulo: Paulus, 2013. SILVERSTONE, R. Por que estudar a mídia? 4ª. São Paulo: Edições Loyola, 2014. VAZ, P. Doença mental e consumo nas revistas semanais brasileiras. E-Compós (Brasília), v. 15, p. 17-33, 2012. 15

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