Viriato da Cruz: O Nacionalista e Poeta angolano que morreu em Pequim

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Figura controversa, nacionalista convicto, primeiro, mas breve, secretáriogeral do Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA), importante poeta da angolanidade, de seu nome completo Viriato Francisco Clemente da Cruz  nasceu no Kikuvo, Porto Amboim, no Kuanza Sul, a 19 de Março de 1928, para morrer muito longe em sofrido exílio vivido durante sete anos em Pequim, a 13 de Junho de 1973. Abandonada pelo pai, a família em que cresceu Viriato da Cruz vivia em situação apertada, mas que não impediu os seus estudos no Liceu Nacional Salvador Correia de Sá (depois da independência renascido com o nome do herói da revolta Bailundo de 1902 Mutu Ya Kevela) inaugurado ainda em 1919 para, depois de 1942, se instalar majestoso em enorme edifício com torre, dois demorados claustros e uma inconfundível fachada amarela decorada com um grande planisfério. Um renovado liceu que Viriato da Cruz não chegou a conhecer, estudando com sucesso nas suas velhas instalações provisórias da Avenida do Hospital, reunindo centenas de alunos maioritariamente brancos, alguns mestiços e muito poucos negros. Nunca viria a saber, e talvez mesmo estranhasse, que a Associação dos Antigos Alunos do Liceu Salvador Correia em Portugal

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nº 11 | 02 de Setembro de 2013 Este suplemento é parte integrante do Jornal Tribuna de Macau e não pode ser vendido separadamente

COORDENAÇÃO: Ivo Carneiro de Sousa

TEXTOS: • O Movimento dos Novos Intelectuais de Angola • Acção Política: do Partido Comunista de Angola ao MPLA • Contradições, Dissidência e Exílio em Pequim • A Poesia de Viriato da Cruz: a descoberta da Angolanidade • Viriato da Cruz, Poemas

Dia 09 de Setembro: A China e Moçambique: uma relação emergente

APOIO:

Viriato

da Cruz o nacionalista e poeta angolano que morreu em Pequim

Viriato da Cruz:

o nacionalista e poeta angolano que morreu em Pequim Ivo Carneiro de Sousa

Sô Santo Lá vai o sô Santo... Bengala na mão Grande corrente de ouro, que sai da lapela Ao bolso... que não tem um tostão. Quando sô Santo passa Gente e mais gente vem à janela: - “Bom dia, padrinho...” - “Olá!...” - “Beçá cumpadre...” - “Como está?...” - “Bom-om di-ia sô Saaanto!...” - “Olá, Povo!...” Mas por que é saudado em coro? Porque tem muitos afilhados? Porque tem corrente de ouro A enfeitar sua pobreza?... Não me responde, avó Naxa? - “Sô Santo teve riqueza... Dono de musseques e mais musseques... Padrinho de moleques e mais moleques... Macho de amantes e mais amantes, Beça-nganas bonitas Que cantam pelas rebitas: “Muari-ngana Santo dim-dom ualó banda ó calaçala dim-dom chaluto mu muzumbo dim-dom...” Sô Santo... Banquetes p´ra gentes desconhecidas Noivado da filha durando semanas Kitoto e batuque pró povo cá fora Champanha, ngaieta tocando lá dentro... Garganta cansado: “coma e arrebenta e o que sobra vai no mar...” Hum-hum Mas deixa... Quando Sô Santo morrer, Vamos chamar um Kimbanda Para ngombo nos dizer Se a sua grande desgraça Foi desamparo de Sandu Ou se é já própria da Raça...” Lá vai... descendo a calçada A mesma calçada que outrora subias Cigarro apagado Bengala na mão... ... Se ele é o símbolo da Raça Ou a vingança de Sandu...

VEJA NO YOUTUBE: • FAUSTO http://www.youtube.com/watch?v=0bakjzhUqfA • SÉRGIO GODINHO http://www.youtube.com/watch?v=ohtCKeNuiI8 • RUI MINGAS http://www.youtube.com/Watch?v=rhVwhAQeowk • TERESA SALGUEIRO http://www.youtube.com/watch?v=lTWbw7Fn6jo

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igura controversa, nacionalista convicto, primeiro, mas breve, secretário-geral do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), importante poeta da angolanidade, de seu nome completo Viriato Francisco Clemente da Cruz  nasceu no Kikuvo, Porto Amboim, no Kuanza Sul, a 19 de Março de 1928, para morrer muito longe em sofrido exílio

O Movimento

A

ngola entrou na década de quarenta do século passado com um modelo de sistema colonial que o poder do regime de Salazar queria mais do que estável e duradouro, assentando economicamente nas produções do café e do algodão que, mobilizando abundante mão-de-obra angolana, quase servil e profundamente explorada, tinham reordenado os espaços políticos e administrativos em favor da urbanização das grande cidades portuárias e encruzilhadas nas principais redes viárias e ferroviárias que asseguravam o escoamento da crescente colonização e produção agrícolas. O interior do país tenderia a fechar-se, a isolar-se e a permitir o controlo quase total de enormes explorações rurais por companhias e proprietários privados. As cidades viam-se obrigadas a ganhar progressivamente mais burocracia, administrações e funcionários. Não se podendo recrutar completamente entre os colonos vindos da metrópole, geralmente camponeses pouco alfabetizados transformados em Angola em ricos proprietários fundiários ou zelosos capatazes, a administração colonial foi recorrendo a escassos candidatos locais, o que foi gerando mais algumas escolas e oportunidades de educação formal entre os jovens urbanos da maioria negra e das minorias mestiças. Foram também surgindo algumas associações, clubes recreativos e espaços de convívio que, mais ou menos formaliza-

dos

vivido durante sete anos em Pequim, a 13 de Junho de 1973. Abandonada pelo pai, a família em que cresceu Viriato da Cruz vivia em situação apertada, mas que não impediu os seus estudos no Liceu Nacional Salvador Correia de Sá (depois da independência renascido com o nome do herói da revolta Bailundo de 1902 Mutu Ya Kevela) inaugurado ainda em 1919 para, depois de 1942, se instalar majestoso em enorme edifício com torre, dois demorados claustros e uma inconfundível fachada amarela decorada com um grande planisfério. Um renovado liceu que Viriato da Cruz não chegou a conhecer, estudando com sucesso nas suas velhas instalações provisórias da Avenida do Hospital, reunindo centenas de alunos maioritariamente brancos, alguns mestiços e muito poucos negros. Nunca viria a saber, e talvez mesmo estranhasse, que a Associação dos Antigos Alunos do Liceu Salvador Correia em Portugal instituiu há poucos anos um prémio literário com o seu nome. Mais do que justo ou não fosse Viriato da Cruz uma das figuras mais tutelares dos caminhos que, desde o final da década de 1940, convidaram a percorrer as raízes culturais de Angola, depois propondo mesmo uma literatura genuinamente angolana que rapidamente alimentou o protesto político, preparando a demorada luta de libertação nacional.

Novos Intelectuais

dos, conseguiam por vezes editar um jornal ou boletim em que se começavam a descobrir alguns textos pensando a condição de Angola, as suas culturas, o seu futuro. Algumas destas associações e clubes tinham sobretudo em Luanda os seus próprios salões que, juntamente com outros espaços populares ou simplesmente quintais, foram sendo festivamente agitados desde 1947 pela música singular dos N’Gola Ritmos. Criado naquele ano pelo grande Liceu Vieira Dias, Domingos Van-Dúnem, Mário da Silva Araújo, Manuel dos Passos e Nino Ndongo, o grupo juntava as violas às percussões para cantar música kimbundu inspirada tanto nos lamentos fúnebres das bessanganas quanto nos ritmos da semba que se dança com esse quase erótico choque de barrigas. Anunciando o que haveria de vir depois, quase todos os músicos dos N’Gola Ritmos eram militantes nacionalistas, pelo que Liceu e Amadeu foram presos em 1959 e enviados para o campo do Tarrafal, em Cabo Verde. A palavra que circulava em festas, músicas, danças, escassas conferências e ainda menos autorizados debates foi discutindo cada vez mais temas que se queriam verdadeiramente angolanos, buscando uma renovação cultural e social que se encontra já, exemplarmente, em escritos como o texto de opinião que, intitulado “Marcha para o Exterior”, Agostinho Neto publicou no jornal O Farolim, em 1946. Uma agitação de

de

Angola

jovens intelectuais que, principalmente de Luanda e recém saídos dos seus liceus e colégios, viria a desaguar turbulenta, em 1948, no desafio lançado por Viriato da Cruz “Vamos descobrir Angola” a partir da sua mobilizadora presença na Anangola (em kimbundu, filhos de Ana Angola, mas formalizada prudentemente como Associação dos Naturais de Angola). Dois anos depois, bem mais organizadamente, os jovens Viriato da Cruz, António Jacinto, Mário António e vários outros, congraçados por uma mesma necessidade de renovação cultural e literária, fundaram o Movimento dos Novos Intelectuais de Angola que, logo em 1950, publica a Antologia dos Novos Poetas de Angola. A seguir, o movimento foi responsável pela publicação da revista Mensagem, cujo primeiro número, em 1951, reuniu textos e poemas de Mário António, Agostinho Neto, Viriato da Cruz, Alda Lara, António Jacinto e Mário Pinto de Andrade. Em 1952, ainda foi publicado um grosso volume associando os números 2 a 4, mas o governo-geral colonial de Angola rapidamente proibiu a nova mensagem. Na revista foram publicados alguns dos mais conhecidos poemas de Viriato da Cruz, como Makèzú ou Mamã Negra. O movimento ainda enviou uma carta formal às Nações Unidas reivindicando para Angola o estatuto de protectorado sob supervisão do organismo internacional, mas ninguém ligou. Mais escutadas foram em Lisboa as cartas com informações do novo Movimento enviadas por Viriato da

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II

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lusofonias

Cruz às reunioes que, na Casa dos Estudantes do Império e, depois, no Centro de Estudos Africanos associavam, entre vários outros, Agostinho Neto, Amílcar Cabral, Marcelino dos Santos, Humberto Machado, José Tenreiro, Vasco Cabral e Mário de Andrade. Mobilizados por este exemplo dos que, em Luanda, queriam descobrir a verdadeira Angola e fundar uma genuína poesia angolana, iniciaram também os estudantes africanos por Lisboa a produção literária que os Cadernos da Casa do Império divulgaram publicamente a partir de 1951. Figura fundamental desta geração que alguma investigação académica designa precisamente como a da Mensagem, Viriato da Cruz vai marcar com a sua obra muitos intelectuais de Angola, abrindo os caminhos possíveis para

os rumos futuros da literatura angolana, ensinando a mobilizar a festa e a revolta popular, a música e a dança, línguas e dialectos locais, mais os quotidianos de opressão e as promessas de libertação nacional. Convém, por isso, prolongar este movimento intelectual que encontra em Cultura, o jornal da Sociedade Cultural de Angola, fundada ainda em 1942, uma nova série de treze números que, entre 1957 e 1961, difundem um novo modernismo literário multiplicado por muitos poemas e ensaios originais inspirados na redescoberta das raízes culturais angolanas, na miséria dos musseques ou na exploração de pobres trabalhadores rurais e dos operários industriais de Luanda. Um movimento importante que, combinando his-

Acção Política:

R

egressemos a Viriato da Cruz. Nos princípios de 1950, transfere-se para o Sul de Angola, na Huíla, encontrando emprego como administrativo na fábrica Singer. Não fica por muito tempo, retornando a Luanda como contabilista para acompanhar a impressão do primeiro volume da Mensagem. Proíbida a revista e pressionado cada vez mais pela repressão do regime colonial, Viriato da Cruz decide passar à acção política, transformando as aspirações intelectuais em organização revolucionária. Com o seu companheiro (e também contabilista) António Jacinto, Ilídio Machado, os escritores Domingos Van-Dúnem, Aristides Van-Dúnem e Mário António fundam, em 1955, o Partido Comunista de Angola (PCA). Em 1956, seguindo uma narrativa tão heróica quanto romântica, hospedado no Hotel Magestic, em Luanda, Viriato da Cruz redigiu ao longo de duas semanas o texto que, mais tarde, seria em grande parte adoptado como manifesto político do MPLA. O manuscrito original agitava as ideias que se seguem: “o colonialismo inoculou, pois, em todo o organismo de Angola, o micróbio da ruína, do ódio, do atraso, da miséria, do obscurantismo, da reacção. O caminho em que nos vêm obrigando a seguir é, portanto, absolutamente contrário aos supremos interesses do povo angolano: aos da nossa sobrevivência, da nossa liberdade, do rápido e livre progresso económico, da nossa felicidade, de pão, terra, paz e cultura para todos. (...) Porém, o colonialismo português não cairá sem luta. Deste modo, só há um caminho para o povo angolano se libertar: o da luta revolucionária. Esta luta, no entanto, só alcançará a vitória através de uma frente única de todas as forças anti-imperialistas de Angola, sem ligar às cores políticas, à situação social dos indivíduos, às crenças religiosas e às tendências filosóficas dos indivíduos, através por-

lusofonias

do

tória política e cultural, convém continuar a prolongar até 1963 com a edição em italiano da referencial colectânea de poemas de Agostinho Neto conhecida como “Sagrada Família” e, mais ainda, até se chegar em 1965 à célebre e muito embaraçosa atribuição pela Sociedade Portuguesa de Escritores do Grande Prémio de Novelística a Luuanda, livro editado em 1964, da consagrada autoria de José Luandino Vieira quando este se encontrava preso também no Tarrafal por alegadas “actividades terroristas”. O que suscitaria amplos protestos em Portugal e em muitos círculos internacionais, elevando Luandino e Neto ao estatuto de mais conhecidos escritores angolanos e referências do movimento de emancipação nacional.

Partido Comunista

tanto do mais amplo MOVIMENTO POPULAR DE LIBERTAÇÃO DE ANGOLA.”. Texto muito discutido, geralmente convocado para situar em 1956 a formalização do MPLA, mas que convém ser lido mais rigorosamente como documento importante no processo de fundação do MPLA, fundindo muitos grupos (MIA, PLUAA, MINA, o próprio PCA), militâncias, personalidades e ideias que efectivamente se devem situar neste período. Perseguido pela PIDE no contexto geral do sério aumento da repressão que acompanhou as eleições legislativas de 1957 e as presidenciais de 1958 que, em Angola, mobilizaram muitos democratas e nacionalistas em torno de Humberto Delgado, Viriato da Cruz abandona o país em Novembro de 1957, passa por Lisboa, acolhido por Amílcar Cabral, mas perseguido pela PIDE junta-se em Paris a Mário Pinto de Andrade, provavelmente a sua mais importante influência política e intelectual, Guilherme Espírito Santo, Aquino de Bragança e Marcelino dos Santos colaborando na criação do MAC (Movimento Anti-Colonial). Desenvolve então agitada actividade política e cultural, apresentando ao II Congresso dos Escritores e Artistas Negros, realizado em Roma, em Abril de 1959, uma comunicação original sobre A responsabilidade do intelectual negro, texto generosamente influenciado pelos ideários da negritude que se espalhavam pela variada intelectualidade também africana instalada em Paris. Nesta altura, o Partido Comunista de Angola tinha praticamente sido suspenso, subsumindo-se como outros grupos nacionalistas nesse projecto histórico em andamento que Viriato da Cruz havia já crismado como MPLA. Com efeito, a recepção à criação do PCA foi extremamente crítica entres os meios nacionalistas de Angola, mas também entre os comunistas portugueses: os estatutos do PCA haviam sido copiados dos

de

do Partido Comunista Brasileiro, mas rejeitados pelo português PCP. Nos finais de 1955, Viriato da Cruz passou por Lisboa para contactar outros nacionalistas angolanos, sobretudo estudantes, depois viajando para Paris onde recrutou militantes para o PCA “depois de se ter certificado que nós não éramos membros do PCP”, como recordava Lúcio Lara, mais tarde dirigente importante do MPLA. Em rigor, Viriato da Cruz nutria as mais sérias dúvidas sobre as posições do PCP em relação à luta de libertação nas colónias portuguesas, tendo sido mesmo o único membro do PCA que se opôs a qualquer colaboração com os comunistas portugueses que, nos anos seguintes, passaram a apoiar mais mobilizadamente os movimentos nacionalistas, pelo menos desde 1962 quando concorreram para a fuga das prisões portuguesas para Marrocos de Agostinho Neto, encarcerado em 1960, e de Vasco Cabral (1926-2005), resistente guineense, militante do PCP e futuro dirigente do PAIGC. Em 1960, Viriato da Cruz encontrava-se em Conacry onde se alberga a direcção do MPLA, recebendo o cargo de secretário-geral quando o movimento tinha Mário Pinto de Andrade como presidente, o reverendo Domingos da Silva como vice-presidente, Manuel de Lima como secretário para a defesa, mais os dirigentes que eram, na altura, Matias Miguéis e os médicos Eduardo Macedo dos Santos e Hugo de Menezes. Viriato

Angola

ao

MPLA

da Cruz consegue encontrar em Conacry interesse da embaixada da República Popular da China pelo MPLA, integrando no final de Agosto a delegação do movimento que, juntamente com representantes do PAIGC, visitam Pequim, recebendo os primeiros apoios financeiros para a luta de libertação nacional. À semelhança de Amílcar Cabral, também Viriato da Cruz se interessou pela revolução chinesa, pela liderança do Partido Comunista, pelas ideias de Mao e, sobretudo, por um processo revolucionário que tinha assentado numa ampla mobilização do campesinato, o que parecia iluminar as condições requeridas para o desenvolvimento das lutas de libertação nas colónias portuguesas de África, especialmente em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau.

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III

e

Contradições, Dissidência Exílio em Pequim

E

m 1962, durante um período intenso de debates importantes sobre a necessidade imperiosa de desenvolver a luta armada de libertação nacional, Viriato da Cruz incompatibiliza-se radicalmente com a maioria da direcção do MPLA e, mais do que profundamente, com Agostinho Neto a quem parece ter acusado de se movimentar como um “agente português”, argumentando com a sua fantástica fuga para Marrocos com o apoio de um PCP de que mais do que desconfiava. Expulso do MPLA em 1963, a dissidência de Viriato da Cruz tem sido normalmente lida como um reflexo das contradições entre a RPC e a URSS. Trata-se provavelmente de uma interpretação apressada e anacrónica porque estranha ao preciso tempo histórico: nem Viriato da Cruz possuía na altura conhecimento e adesão suficientes ao maoismo, nem o MPLA mobilizava ainda os apoios soviéticos e dos Estados socialistas da Europa do Leste que se consolidaram nos finais da década de 1960: as primeiras armas que chegaram ao movimento foram algumas pistolas oferecidas em 1961 pela Checoslováquia que davam mal para a defesa de alguns dirigentes quanto mais para iniciar qualquer luta armada séria. Seja como for, saído do MPLA que ajudara a fundar juntamente com outros dirigentes como Matias Miguéis e José Miguel, Viriato da Cruz segue para a FNLA de Holden Roberto (1923-2007), logo suscitando as preocupações dos vigilantes agentes da CIA que rapidamente informam Washington do perigo de uma radicalização do movimento. Preocupações excessivas já que Viriato da Cruz depressa viria a abandonar a FNLA. Em 1966, recebe um convite para se instalar em Pequim que aceita. Abre-se o contraditório período dos sete últimos anos da vida de Viriato da Cruz que permanece ainda envolto em complicado mistério, pese embora a publicação, em 2004, em Luanda, pela editora Chá de Caxinde, da sua correspondência com Monique Chajmowiez em livro intitulado Cartas de Pequim. Acolhido fraternalmente, desdobrando-se em elogios ao Presidente Mao Zedong, Viriato da Cruz vai testemunhar e mesmo apoiar com entusiasmo o debutar da Revolução Cultural que haveria, afinal, de destruir parte importante dos dirigentes e intelectuais do Partido Comunista Chinês responsáveis pela Revolução e pela construção da República Popular. Aceita, de seguida, colaborar na divisão da Organização dos Escritores Afro-Asiáticos que, com sede no Cairo, era acusado do seu alinhamento soviético, recriando-se movimento similar com sedes em Pequim e Colombo. Nos finais de 1966, Viriato da Cruz é convidado em nome da nova organização a realizar um périplo por várias capitais africanas para recolher apoios e estudar as condições políticas dos respectivos países. Regressado a Pequim por Fevereiro de 1967, o intelectual angolano escreve a pedido dos dirigentes chineses um relatório em que não conseguiu comprovar poderem as sociedades africanas mobilizar as condições objectivas para realizarem revoluções socialistas, incluindo as nações mais progressistas, como o Mali, a Guiné-Conacry e o Gana. Pelo contrário, o relatório de Viriato da Cruz acusava as elites corruptas africanas, criticava as massas ignorantes e destacava o predomínio de economias rudimentares como condi-

IV

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ções que inviabilizariam qualquer transformação revolucionária de sentido socialista. Convidado a rever o seu informe, recusou-se.

Ao mesmo tempo, como as suas cartas de Pequim para Monique Chajmowiez sugerem, envolveu-se (mal) ainda mais profundamente nas contradições dramáticas da Revolução Cultural, tomando partido por fracções e ensinando o que foi entendendo ser a sua rigorosa fidelidade ao marxismo original, sobrando em especulação filosófica o que minguava em razoabilidade e compreensão da diversidade de sociedades e culturas. Não se documenta, porém, com completo rigor documental o seu definitivo afastamento da radicalização das teses maoistas deste período, mas encontra-se na sua correspondência um sentimento de exílio e isolamento, um desejo recorrente de deixar a China que foi sendo sempre contrariado pelas autoridades. Passou, por isso, a ser mais controlado e vigiado, chegou até a ser convocado pela polícia, levando-o, por receio, a destruir muitos dos seus documentos e arquivos privados. A sua mulher, Maria Eugénia, decide mesmo derrubar ostensivamente, em 1971, uma estátua de Mao no grande hall do Hotel da Amizade, em Pequim, convencida de que a radical manifestação conduziria à expulsão de toda a família da China. Enganou-se. Viriato da Cruz, a sua esposa e filha seguem para os arrabaldes da capital, passando verdadeiramente a viver de esmolas, esquecidos mesmo pelos dirigentes africanos que passavam por Pequim, abandonados a uma vida mais do que miserável. Morre em 1973, isolado e esquecido, de síncope cardíaca segundo as fontes oficiais. Ficou, felizmente, para sempre a sua poesia que, nos princípios de 1960, chegou a considerar arte menor face à superior elevação da política.

A Poesia de Vir a desco da Angola V

ítima das suas contradições, da repressão c vocos e quase religiosas fidelidades a um ma impossível pureza original, Viriato da Cruz publ de 1940 e 1950, antologiados em 1961 no livro dispersos que importaria recolher, estudar e pu em especial, pela renovação da poesia angolan dezoito anos, publicou no jornal “Farolim” um temporâneas. Neste mesmo ano, em Setembro, a arte moderna”, dissertando sobre temas estét tre o fundo e a forma, avaliando a evolução da de 1950, Viriato da Cruz abraça militante uma modernismo, temas coloridos em verso livre, p oprimidos, frequentando tipos sociais como os anciãos, revisitando tradições, raízes e consagr Escrevendo poesia em qualificado português sões dialectais e dizeres acrioulados, Viriato d zes da angolanidade libertadora de um povo op encontra em tipos populares como esse Benjam mona-ngamba” que só consegue conquistar a su liberto dos símbolos europeus, da carta perfuma ela uma vertiginosa rumba bem africana (Aí Ben Os seus poemas recordam também em nosta solvidos pelo colonialismo, mas também pela ci trial, como se descobre nos versos de Makèzú: “ Qui diz qué civrização: / Come só pão com chou qui vivi filiz / E tem cem ano eu e tu? // – É pru Os poemas de Viriato da Cruz animaram fest sagem para se consagrarem depois em música e cado por Fausto e com interpretação original de da Música Popular Portuguesa devidamente encr ouvir Viriato da Cruz na inconfundível voz de Ru que precisa urgentemente de ser reunida, rev boas obras têm um valor intrínseco independen se foi envolvendo o seu autor. Infelizmente, V ostracismo em que predominam fantasmas e co afinal. Mas no processo de construção da Nação fica bem ter uma figura maldita que Viriato da C “em nós outros, teus filhos,/ gerando, formand DIA DA HUMANIDADE!...”

numa conferên

lusofo

riato da Cruz: oberta anidade

colonial, pessoais ortodoxias, sínicos equíarxismo constantemente procurado na sua icou apenas poemas dispersos nas décadas o Poemas. A somar a muitos outros textos ublicar. O seu interesse pela literatura e, na revelou-se cedo quando, em 1946, com ensaio sobre as tendências literárias con, escreve um estudo sobre “A arte antiga e ticos, revisitando o tradicional debate enarte e da literatura no mundo. Na década poesia em que aproveita as sugestões do para exornar a negritude, os trabalhadores contratados, os moleques, os serviçais, os rando a sabedoria popular angolana. s, mas devidamente colorido com expresda Cruz mergulha fundo à procura das raíprimido e colonizado. Uma libertação que mim “barbado, sujo, e descalço,/ como um ua amada no baile do Sô Januário quando, ada aos presentes em joalharia, dança com njamim!). algia os valores africanos tradicionais disivilização contemporânea, urbana e indus“Todo esse povo / Pegô um costume novo / uriço / Ou toma café com pão… (…) Pruqué uquê nossas raiz / Tem força do makèzú!…” tas, convívios, tertúlias, encheram a Mencanto ou não fosse o seu «Namoro», musie Sérgio Godinho, um dos grandes clássicos ruzilhado em lusofonias. Vale tanto a pena ui Mingas como voltar a resgatar a sua obra visitada, revivificada. É que, em rigor, as nte dos muitos ou poucos sarilhos em que Viriato da Cruz foi acantonado a um certo ontradições do passado, pecados vetustos, o Angolana para que ele também contribui Cruz certamente não se importaria de ser: do, anunciando -/ o dia da humanidade/ O

Viriato da Cruz, Poemas Namoro Serão

de menino

na noite de breu ao quente da voz de suas avós, meninos se encantam de contos bantos... “Era uma vez uma corça dona de cabra sem macho... ... Matreiro, o cágado lento tuc... tuc... foi entrando para o conselho animal... (“- Tão tarde que ele chegou!”) Abriu a boca e falou –  deu a sentença final: “- Não tenham medo da força! Se o leão o alheio retém - luta ao Mal! Vitória ao Bem! tire-se ao leão, dê-se à corça.” Mas quando lá fora o vento irado nas fresta chora e ramos xuaxalha de altas mulembas e portas bambas batem em massembas os meninos se apertam de olhos abertos: - Eué - É casumbi... E a gente grande – bem perto dali feijão descascando para o quitande a gente grande com gosto ri... Com gosto ri, porque ela diz que o casumbi males só faz a quem não tem amor, aos mais seres buscam, em negra noite, essa outra voz de casumbi essa outra voz - Felicidade...

Mandei-lhe uma carta em papel perfumado e com a letra bonita eu disse ela tinha um sorrir luminoso tão quente e gaiato como o sol de Novembro brincando de artista nas acácias floridas espalhando diamantes na fímbria do mar e dando calor ao sumo das mangas. sua pele macia - era sumaúma... Sua pele macia, da cor do jambo, cheirando a rosas tão rijo e tão doce - como o maboque... Seu seios laranjas - laranjas do Loge seus dentes... - marfim... Mandei-lhe uma carta e ela disse que não. Mandei-lhe um cartão que o Maninjo tipografou: “Por ti sofre o meu coração” Num canto - SIM, noutro canto – NÃO E ela o canto do NÃO dobrou. Mandei-lhe um recado pela Zefa do Sete pedindo rogando de joelhos no chão pela Senhora do Cabo, pela Santa Ifigénia, me desse a ventura do seu namoro... E ela disse que não. Levei à avó Chica, quimbanda de fama a areia da marca que o seu pé deixou para que fizesse um feitiço forte e seguro que nela nascesse um amor como o meu... E o feitiço falhou. Esperei-a de tarde, à porta da fábrica, ofertei-lhe um colar e um anel e um broche, paguei-lhe doces na calçada da Missão, ficamos num banco do largo da Estátua, afaguei-lhe as mãos... falei-lhe de amor... e ela disse que não. Andei barbado, sujo, e descalço, como um mona-ngamba. Procuraram por mim “ - Não viu...(ai, não viu...?) Não viu Benjamim?” E perdido me deram no morro da Samba. E para me distrair levaram-me ao baile do sô Januário mas ela lá estava num canto a rir contando o meu caso às moças mais lindas do Bairro Operário Tocaram uma rumba dancei com ela e num passo maluco voamos na sala qual uma estrela riscando o céu! E a malta gritou: “Aí Benjamim!” Olhei-a nos olhos - sorriu para mim pedi-lhe um beijo - e ela disse que sim.

Makèsú

Hugo de Menezes, Lúcio Lara e Viriato da Cruz Solidariedade com os Povos Afro-Asiáticos

ncia de

onias

“Kuakié!... Makèzú...” O pregão da avó Ximinha É mesmo como os seus panos Já não tem a cor berrante Que tinha nos outros anos. Avó Xima está velhinha Mas de manhã, manhãzinha, Pede licença ao reumático E num passo nada prático Rasga estradinhas na areia... Lá vai para um cajueiro Que se levanta altaneiro No cruzeiro dos caminhos Das gentes que vão p´ra Baixa.

Nem criados, nem pedreiros Nem alegres lavadeiras Dessa nova geração Das “venidas de alcatrão” Ouvem o fraco pregão Da velhinha quitandeira. “Kuakié!... Makèzú, Makèzú...” “Antão, véia, hoje nada?” “Nada, mano Filisberto... Hoje os tempo tá mudado...” “Mas tá passá gente perto... Como é aqui tá fazendo isso?” “Não sabe?! Todo esse povo Pegô num costume novo

Qui diz qué civrização: Come só pão com chouriço Ou toma café com pão... E diz ainda pru cima (Hum... mbundu Kene muxima...) Qui o nosso bom makèzú É pra véios como tu.” “Eles não sabe o que diz... Pru qué Qui vivi filiz E tem cem ano eu e tu?” “É pruquê nossas raiz Tem força do makèzú!...”

LUSOFONIAS • Segunda-feira, 2 de Setembro de 2013

V

Mamã

negra (canto

da esperança)

À memória do poeta haitiano Jacques Roumain

Tua presença, minha Mãe - drama vivo duma Raça, Drama de carne e sangue Que a Vida escreveu com a pena dos séculos! Pela tua voz Vozes vindas dos canaviais dos arrozais dos cafezais [dos seringais dos algodoais!... Vozes das plantações de Virgínia dos campos das Carolinas Alabama Cuba Brasil... Vozes dos engenhos dos bangüês das tongas dos eitos [das pampas das minas! Vozes de Harlem Hill District South vozes das sanzalas! Vozes gemendo blues, subindo do Mississipi, ecoando [dos vagões! Vozes chorando na voz de Corrothers: Lord God, what will have we done - Vozes de toda América! Vozes de toda África! Voz de todas as vozes, na voz altiva de Langston Na bela voz de Guillén... Pelo teu dorso Rebrilhantes dorsos aso sóis mais fortes do mundo! Rebrilhantes dorsos, fecundando com sangue, com suor [amaciando as mais ricas terras do mundo! Rebrilhantes dorsos (ai, a cor desses dorsos...) Rebrilhantes dorsos torcidos no “tronco”, pendentes da [forca, caídos por Lynch! Rebrilhantes dorsos (Ah, como brilham esses dorsos!) ressuscitados em Zumbi, em Toussaint alevantados! Rebrilhantes dorsos... brilhem, brilhem, batedores de jazz

Rimance

da menina da roça

A menina da roça está no terreiro cosendo a toalhinha pró seu enxoval... - “ Que céu tão lindo!, e o encanto da mata!... Ai, tanta beleza no cafezal...” A menina da roça terá poesia terá poesia nos olhos de mel? A menina da roça chega à janela e na estrada branca a vista alonga... - “É o carro a vir?” Não... é o bater compassado do aço de enxadas dos negros na tonga... A menina da roça tem é um namoro tem um namoro com um motorista A menina da roça veio à varanda e os olhos erra no verde à toa - “Está ele a chegar?!”  Ah... são negros pilando dendém para azeite na grande canoa (Prucutum, lá do telheiro, vai chamar o meu amor) A menina da roça

VI

rebentem, rebentem, grilhetas da Alma evade-te, ó Alma, nas asas da Música! ...do brilho do Sol, do Sol fecundo imortal e belo... Pelo teu regaço, minha Mãe, Outras gentes embaladas à voz da ternura ninadas do teu leite alimentadas de bondade e poesia de música ritmo e graça... santos poetas e sábios... Outras gentes... não teus filhos, que estes nascendo alimárias semoventes, coisas várias, mais são filhos da desgraça: a enxada é o seu brinquedo trabalho escravo - folguedo... Pelos teus olhos, minha Mãe Vejo oceanos de dor Claridades de sol-posto, paisagens Roxas paisagens Dramas de Cam e Jafé... Mas vejo (Oh! se vejo!...) mas vejo também que a luz roubada aos teus [olhos, ora esplende demoniacamente tentadora - como a Certeza... cintilantemente firme - como a Esperança... em nós outros, teus filhos, gerando, formando, anunciando o dia da humanidade O DIA DA HUMANIDADE!...

Segunda-feira, 2 de Setembro de 2013 • LUSOFONIAS

acorda à noite ouviu um barulho na escuridão - “O carro chegou!...” Oh... é o pulsar apressado do seu coração (Por que bates tão depressa, coração alucinado?  Coração alucinado, espera que o dia amanheça) - “Já viu a minina?...” “Hem... tem cor marela do mburututu...” - “E não come nem nada...” - “E os olhos de mel tão-se afundar num lago azul que faz sonhar...” Conversam as negras à boca apertada (minha dor, ninguém a saiba – não há peito em que ela caiba) A menina da roça escuta dorida a triste canção que vem do rio Que vem do rio? – Que vem do peito: baixinho, lá dentro, chora de amor o coração. Menina da roça – águas do rio saudades da fonte... desejos de amar.

lusofonias

Economias... Reúne

estudos e análises sobre o desenvolvimento económico dos

CHINA | Primeiro Legacy 650

Países

de

Língua Portuguesa

e a sua cooperação com a

República Popular

da

China

TIMOR-LESTE

Avança rede de energia eléctrica

bem sucedido

O

O

primeiro avião a desenvolvimento da rede eléctrica em jacto executivo Timor-Leste está a conhecer um elevado Legacy 650 fabriprogresso, depois de o Governo ter inauguracado na China condo um novo centro de electricidade. A 20 de cluiu com sucesso Agosto, o Presidente da República Taur Matan o voo inaugural, inRuak, o Primeiro-Ministro Xanana Gusmão, o formou a Empresa secretário de Estado da Electricidade, JanuáBrasileira de Aerorio Pereira, inauguraram a Central de energia náutica (Embraer), eléctrica de Betano, no distrito de Manufahi. que adiantou que a Com a construção da usina de Betano, na cosentrega do primeiro ta sul, as duas novas centrais que são a base aparelho está predo Projecto Nacional de Electrificação estão vista para o final de já concluídas. A primeira central de Hera, na costa norte de Timor-Leste, está operacional 2013, noticiou o Macauhub. De acordo com este site, este avião há mais de um ano. O objectivo do Projecto Nacional de Electrificação é fornecer uma foi fabricado pela Harbin Embraer Aircraft Industry Co., Ltd (HEAI), transmissão e distribuição fiáveis em todo o território timorense. A preparação e o planeaparceria entre a brasileira Embraer e a Aviation Industry Corporation mento da usina de 130 megawatts, em Betano, começou em 2011. Outros componentesof China (AVIC). O Legacy 650 entrou em serviço no final de 2010, -chave da rede de 150 megawatts em todo o país incluem a construção de nove sub-estem uma autonomia de 7223 quilómetros e capatações, que já foram concluídas, e uma rede cidade para voos directos entre Pequim e Dubai de linhas de transmissão e de distribuição. O ou de Hong Kong a Adelaide, na Austrália. Desde trabalho, que prevê mais de 600 quilómetros Fevereiro de 2012, quando a Embraer entregou de linhas de transmissão e 120 quilómetros de o primeiro Legacy 650 na China, a empresa já linhas de distribuição, está concluído em mais recebeu 21 pedidos firmes e mais cinco opções de 90%. Como resultado destas conquistas, 47 para o aparelho no país. Em 2 de Dezembro de sub-distritos de 12 dos 13 distritos de Timor2002, a Embraer assinou um acordo de coope-Leste têm agora acesso permanente à rede ração industrial com a Harbin Aircraft Industry de energia. A chegada aos dois restantes subGroup., Ltd. (HAIG), subsidiária da China Aviation -distritos - a ilha de Ataúro e um enclave de Industry Corporation II (AVIC II), para estabeleOecussi – também está planificada. A ilha de cer a parceria Harbin Embraer Aircraft Industry Ataúro através de um cabo submarino e o enCo, Ltd. (HEAI), com o intuito de produzir o jacto clave de Oecussi por meio de uma nova usina, comercial ERJ 145, tornando-se a primeira unicuja construção ainda não começou. dade da Embraer no exterior destinada à montagem de aviões regionais. Em 21 de Junho de riado ia acional do urismo 2012, a Embraer e a AVIC (empresa fundada em 6 de Novembro de 2008 através da reestruturação governo santomense decidiu institucionalizar o dia e consolidação AVIC I e AVIC II) chegaram a um 24 de Agosto como Dia Nacional do Turismo e conconsenso e decidiram também produzir os jactos vidou os santomenses a reflectir sob o tema “O estado executivos Legacy 600/650 na China, utilizando a actual do turismo em São Tomé e Príncipe: soluções e infra-estrutura, os recursos financeiros e a força perspectivas”. Segundo dados oficiais, neste momento de trabalho da HEAI. o arquipélago, situado em pleno Golfo da Guiné, recebe anualmente 13 mil turistas. Segundo a imprensa local, Ministério da Agricultura de Angola, em apesar das potencialidades turísticas naturais como o parceria com o da Indústria, elaborou são as praias ou ainda o acolhimento dos visitantes pela um plano para o relançamento da indústria população local, o principal entrave para o aumento do da madeira a fim de reduzir o actual défice fluxo turístico continua a ser o elevado preço das viade produção, afirmou na passada semana em gens aéreas, para além da escassez de boas instalações Cabinda o ministro Afonso Pedro Canga. Na hoteleiras que permitam acolher turistas internacionais abertura do Primeiro Encontro Nacional Sode mais rendimentos. Em 2011, o Governo santomense bre Inventário Florestal, o ministro da Agrireduziu o preço dos vistos para 20 euros para ver crescultura e do Desenvolvimento Rural disse cer o número de turistas ao arquipélago. Na altura, o que o défice de produção está estimado em objectivo era atingir até 2014 uma meta de 25 mil turisPrograma das Nações Unidas para os Assen400 mil metros cúbicos de madeira em toro, tas. Em São Tomé e Príncipe o turismo continua a ser um tamentos Humanos, UN-Habitat, anunciou a sendo objectivo deste plano reanimar o secdos sectores que mais contribui para o cofre de Estado, promoção de um modelo de habitação social para tor de corte e de transformação de madeira, como também para a promoção do emprego. mulheres pobres das zonas rurais de Moçambique. através da criação de oportunidades e incenA agência apoiou o desenvolvimento de um protivos para empresários florestais. O ministro jecto na província central de Manica e deve vai avançar, ainda este ano, com a construção disse ainda que as províncias do Cuanza Norte, Cabinda Uíge e de 30 casas de baixo custo. Falando à Rádio das Nações Unidas, em Maputo, o coordenador Bengo são os principais fornecedores de madeira pesada, endo UN-Habitat em Moçambique, Silva Magaia, considerou que a questão da habitação dequanto as províncias de Huambo e Benguela fornecem madeiras safia as autoridades nacionais. “Como resolver o problema da procura de habitação para as leves. Adiantando que a taxa de desflorestação em Angola é acpessoas mais carentes? Atacamos este grupo alvo de mulheres pelas condições sócio-cultualmente de 0,2%, “número que embora não preocupante deve turais da zona em que as mulheres ficam: numa situação muito vulnerável, pois não têm merecer a nossa atenção”, Afonso Pedro Canga salientou ser funos seus direitos respeitados e, na maior parte das vezes, são elas as verdadeiras chefes de damental que Angola conheça com precisão científica e técnica família”, disse. Dados do UN-Habitat indicam que cerca de oito em cada dez habitantes os recursos florestais, onde se encontram e em que quantidade, das zonas urbanas vivem em assentamentos a fim de ser possível geri-los de uma forma racional. Angola tem informais, as áreas sem arruamentos, acesuma superfície de floresta natural estimada em 53 milhões de so à água potável, sem ligação a uma via hectares, o que corresponde a cerca de metade (43%) do terripública e com terrenos não demarcados. O tório nacional e tem uma capacidade anual de corte estimada responsável do UN-Habitat em Moçambique em 326 mil metros cúbicos de madeira, milhares de toneladas Silva Magaia referiu que “vamos criar um de carvão e lenha. “Angola dispõe ainda de uma área de floresta fundo rotativo. À medida que as pessoas foplantada calculada em 148 mil hectares, com um potencial de rem devolvendo o empréstimo, estes valoexploração anual de 800 mil metros cúbicos de madeira”, referes recuperados vão servir para construção riu o ministro. A elaboração do primeiro inventário florestal de de mais casas e de uma forma repetitiva Angola conta com a assistência técnica da FAO, o organismo das alargar ainda a pessoas mais carentes”. Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação. Macauhub

SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE C

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Governo de Angola

O

pretende relançar indústria da madeira

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MOÇAMBIQUE ONU quer estimular habitação social

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LUSOFONIAS • Segunda-feira, 2 de Setembro de 2013

VII

Publica

textos de estudo e opinião sobre a diversidade cultural das Lusofonias

Ideias

“Há dias uma amiga dizia-me que sempre se tinha assumido como negra e se sentia impregnada de toda a herança histórica que deriva dessa condição, que transmitia aos filhos e que incutia na família diariamente; que sentia orgulho nessa postura, a qual condicionava as suas escolhas e era visível no seu estilo de vida; tudo isto não passaria de uma banal nota de rodapé, não fosse o facto da minha amiga ter uma tez bastante clara e origens africanas e europeias quiçá em igual proporção” Luísa Fresta*

O peso de ser negro ou reflexões sobre a Negritude No centenário do nascimento de Aimé Césaire - poeta, dramaturgo, ensaísta e ideólogo do conceito da negritude (26/06/1913- 17/04/2008)

E

ste é um tema que me persegue e me fascina desde sempre. O que é, afinal, “ser negro”? O que nos define como pessoas? A pretensa raça (hoje, aliás, um conceito fortemente criticado do ponto de vista antropológico), a maneira de estar na vida, a cultura, os valores, os relacionamentos, a vivência, o posicionamento social, a herança histórica? Tenho várias memórias anedóticas a respeito do assunto, que ilustram bem o quão difícil é percebermos o que somos, também em termos raciais. Há algum tempo, uma amiga angolana de ascendência caucasiana encontrava-se a estudar algures na Europa. Um dia, um amigo comum, congolês, perguntoume “pela Sara” (assim se chama ela) e perante a minha hesitação, uma vez que conhecia várias “Saras”, explicouse: “Mas não é a branca, é a outra…”. Este hilariante episódio ficou-me gravado na memória como o exemplo acabado de que a generalidade das pessoas não vê tanto o nosso tom de pele como o nosso entorno sócio-cultural. Neste caso, a Sara era percebida de acordo com a sua própria maneira viver e de sentir, o que se reflectia na música que ouvia, no tipo de alimentação e até na maneira de relacionar-se com os outros: descontraída com os da mesma faixa etária, respeitosa e até cerimoniosa com os mais-velhos. Não querendo ajudar a criar estereótipos, qualquer um entende que a Sara é um produto do seu cocktail genético tanto quanto do meio; angolana, de entre as muitas formas de sê-lo, e todas elas válidas, desde o primeiro raio da madrugada até ao final da noite, todos os dias da sua vida, interpretando de uma forma única factores como tradições, língua, religião eque permitem identificá-la num ápice muito para além da cor da pele. Testemunhei outros incidentes igualmente marcantes e caricatos a este respeito, que partilho aqui convosco, posto que, se alguns deles se fixaram na memória durante décadas, devem forçosamente possuir algum valor simbólico; o caso do homem, negro, que nos anos oitenta do século passado se apresentou ao exame de condução acompanhado de uma amiga branca, a quem o examinador

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Segunda-feira, 2 de Setembro de 2013 • LUSOFONIAS

comunicou, satisfeito, no final do exame: “Minha senhora, o rapaz está apto!”; ou ainda o do engenheiro angolano, também negro, que se dirigia, no seu automóvel, a um dos condomínios de Talatona, acompanhado por uma colega de pele clara e foi confundido com “o seu motorista”… este último episódio aconteceu de facto ainda este ano, o que prova que as mentalidades mudam à velocidade do caracol e que há ideias pré-concebidas demasiado entranhadas para poderem ser recicladas da noite para o dia. Há dias uma amiga dizia-me que sempre se tinha assumido como negra e se sentia impregnada de toda a herança histórica que deriva dessa condição, que transmitia aos filhos e que incutia na família diariamente; que sentia orgulho nessa postura, a qual condicionava as suas escolhas e era visível no seu estilo de vida; tudo isto não passaria de uma banal nota de rodapé, não fosse o facto da minha amiga ter uma tez bastante clara e origens africanas e europeias quiçá em igual proporção. Curioso também o recente costume, em certos círculos dos EUA, que tem levado muitos indivíduos afro-descendentes (nomeadamente), os auto designados african-americans, a procurarem respostas detalhadas para a sua origem em termos étnicos e geográficos. O resultado destes exames surge sob a forma de percentagens e permite aos cidadãos, para além da satisfação pessoal de descobrir parte da sua história individual e familiar, reencontrar as suas raízes, e até beneficiar de alguns privilégios (mera retratação em termos históricos, poder-se-ia intuir), oferecidos por universidades, empresas e pelo próprio governo, destinados a grupos étnicos discriminados no passado. Curioso ainda o facto de muitos cidadãos que se assumem como negros, em Angola, serem referidos, depreciativamente, ainda hoje, como “pretos”, ou eufemisticamente como “pessoas de cor” ou “morenos” em certos meios menos esclarecidos de países tão diversos como Portugal, Brasil e Venezuela, ou simplesmente na linguagem coloquial,

num discurso informal de fim de tarde, à sombra de uma cerveja ou de uma água-de-coco. Ser negro significaria, para alguns, reivindicar uma identidade, exaltar um conjunto de valores culturais comuns, refutar a ideia da assimilação cultural. Pergunto-me até que ponto hoje em dia tais posicionamentos, mais ou menos radicalizados, ainda farão sentido, assumidos de uma forma diária como o cerne da nossa personalidade. Este é um exercício de reflexão individual que vos proponho, em função, não apenas do que somos, mas da maneira como nos vêm os outros. Como o fará certamente aquela menina, hoje uma jovem adulta de mente aberta e saudavelmente tolerante, que um dia, ao regressar da escola primária perguntou: “Tio, eu sou preta?” Pessoalmente tive e tenho o imenso privilégio de deslizar por várias culturas e universos, de integrar nas minhas práticas diárias culturas díspares mas não antagónicas, de mergulhar de cabeça e coração nos ritmos quentes e envolventes da música angolana e de outros cantos do nosso imenso continente, de apreciar com igual fervor a bossa nova, o jazz e uma infinidade de ritmos caribenhos, mas também a música francesa e muitas outras sonoridades das mais insuspeitáveis latitudes. De comer e cozinhar com prazer e devoção os nosso pratos mais característicos, desde o pirão de Benguela à moamba de ginguba nortenha, de me envolver nas areias farinhentas da Baía Azul e de me mirar no seu imenso mar azul brilhante; nunca senti a premência das escolhas, raras vezes me senti pressionada e constrangida a deixar-me etiquetar, em termos culturais, julgo ter tido sempre autonomia para assumir plenamente a minha mestiça liberdade e a minha miscelânea cultural. Apenas, por instantes, porventura eternos, porventura permanentes, sinto o compasso do meu coração e dos meus pés marcarem o ritmo de uma canção que se me entranha de forma visceral e aí, os olhares centram-se na minha espontaneidade, como para me reavivarem o sentido de pertença e me dizerem quem sou. *Gestora, investigadora e ensaísta portuguesa, in: Cultura. Jornal Angolano de Artes e Letras

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