VISÃO POLÍTICA DE SEVERINO NGOENHA - uma abordagem baseada na Utopia como meio filosófico para pensar o futuro

June 19, 2017 | Autor: S. Jeremias Langa | Categoria: Social Sciences
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VISÃO POLÍTICA DE SEVERINO NGOENHA uma abordagem baseada na Utopia como meio filosófico para pensar o futuro

Sérgio Jeremias Langa1 [email protected] Universidade Pedagógica - 2014 Resumo Castigados pela escravatura e colonialismo, por muito tempo, os povos africanos viram-se privados, não só da sua condição humana, também do direito a civilização. Com a eliminação do colonialismo e consequente alcance das Independências, hoje, através do seu pragmatismo, os africanos denunciam não se apropriarem da sua história, por inerência de uma construção que respeitou vontades alheias e não do próprio povo. Hoje, através da globalização, África no geral e Moçambique em particular experimentam uma outra privação que lhes coloca num cenário de “desprivilégio”, pelo facto de se constatar uma negação da capacidade de auto governação e de auto desenvolvimento. Por outro lado, existe o problema de carácter doméstico que consiste na necessidade de adopção de um paradigma de democracia funcional. Há um incumprimento do contrato por parte das elites políticas (gestores do Estado) na sua relação com as massas que suportam sua estadia no “trono” (o povo). Palavra-chave: Independência; Liberdade; Futuro.

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 Mestrando  em  Jornalismo  e  Estudos  Editoriais,  Docente  de  Design  de  Comunicação,  Ambientalista.  

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Abstract Punished by slavery and colonialism, during long time, African peoples have been deprived not only of his human condition, also the right to civilization. With the elimination of colonialism and consequent reach of Independence, today, through its pragmatism, Africans denounce taking ownership of its history, by virtue of a building the future that respects others' wills. Today, through globalization, Africa in general and Mozambique in particular experience another deprivation that puts them in a scenario of "disadvantage", because of depriving Africa of having a self governance and self-development. Moreover, there is a domestic problem which is the necessity of adopting a functional democratic paradigm. There is a breach of contract on the part of political elites (state managers) in its relationship with the masses that support your stay in the "throne". Keywords: Independence; Freedom; Future.

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Introdução Para alguns autores, a identidade africana tem seu início a partir da Conferência do Berlim. Esses autores caucionam a Identidade africana a partir da reacção do africano perante à opressão colonial. Um deles é o filósofo zairense Mu-dimbe (1998)2 que procura caucionar a identidade africana, alicerçado ao paradigma que o ocidente construiu como um pensamento sobre África, declarando que as instituições que informaram essa consciência europeia sobre a África inventaram seus relatórios, deturpando a realidade factual. Wole Soyinka (2014)3, em “Of Africa”, procura entender como a história do continente está entrelaçada com as histórias dos outros. Soyinka analisa os problemas que vão desde o significado do passado para a ameaça de teocracia. Questiona e conclui que a viabilidade das nações tem limites que foram estabelecidos por pessoas de fora da identidade Africana no continente e entre os africanos deslocados. A exploração da África, para este, realoca o continente na imaginação do leitor e mapeia um curso em direcção a um futuro de paz. Sem no entanto pretender desculpabilizar os europeus no processo de escravatura, em “Dance in the Forests”, Soyinka (1960)4, premio Nobel de Literatura, descreve as desoladoras condições em que os escravos saiam do chamado Triangulo dos Escravos (Costa de Marfim, Benim e Nigéria), afirmando que a captura era feita pelas próprias famílias africanas que tinham benefícios pecuniários por isso, referindo que os europeus apenas faziam o comércio através de barcos a vela. Na mesma obra, Soyinka descreve a Dança do Esquecimento que consistia em rituais comandados por curandeiros/feiticeiros que visava preparar os escravos para enfrentarem as grandes travessias de barco a vela. Ora, se quisermos considerar aquilo que são suas bases, a axiologia africana assenta no espiritualismo, porém, curiosamente, África é o continente que maioritariamente beliscou atenção do universo no sentido de, historicamente, interpreta-lo entre o passado e o futuro. Não só os ocidentais questionam sobre o futuro de África, os próprios africanos também o fazem. É precisamente sobre o futuro que o presente artigo procura abordar, inserido no contexto da visão                                                                                                                         2

  MUDIMBE,   V.Y.,   The   Invention   of   Africa:   Gnosis,   Philosophy   and   The   order   of   knowledge,   Bloomington,   Indiana   University  Press,    1998,  241  pp   3

 SOYINKA,  Wole.,  Of  Africa,  Yale  University  Press,  Edição/reimpressão,  2014,  224p  

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 SOYINKA,  Wole.,  A  Dance  In  The  Forests.1960  

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política de Severino Ngoenha, tomando como base sua obra “Das Independências às Liberdades – Filosofia Africana”. Interpretação do conteúdo introdutório da obra “Das Independências às Liberdades” O filósofo Severino Ngoenha, na sua introdução, preocupa-se em apregoar que os estados africanos eliminaram o colonialismo, alcançaram as independências porém há um caminho longo para as Liberdades. Ngoenha refere-se ao estágio dos povos africano no sentido lato, transparecendo, entre outras palavras, que os povos africanos estão a deriva. Estes não têm capacidade de se autogovernarem porque durante muito tempo lhes foi negada essa possibilidade, através da (i) escravatura (negação da condição humana); (ii) colonização (negação do direito a civilização) – conquista de uma alma do negro (alma a deriva) que não tem religião nem língua e (iii) globalização (negação da capacidade de auto governação e de auto desenvolvimento). Ngoenha refere-se a todo um esforço empreendido por muitos estados africanos e em particular Moçambique, no sentido de aprimorar as condições de vida de seus povos, que foram reduzidos ao fracasso. Este filósofo faz uma colocação que visa compreender a razão desse fracasso. Ao mesmo tempo, olha para esse fracasso como instrumento de batalha na guerra contra o subdesenvolvimento. Olha para o futuro como uma missão dos povos, onde cada um tem responsabilidades para que tal futuro se materialize. Referindo-se ao voto como afirmação do tipo de sociedade que se quer ter no futuro, Ngoenha afirma que é lícito que se julgue a relevância dos partidos políticos em função dos projectos de sociedades que estes apresentam. Para este a democracia não se deve resumir em escolher um em detrimento de outro gestor da Nação porém deve privilegiar a inclusão do povo na tomada de decisão sobre assuntos que tem que ver com o futuro desse povo. Ngoenha refere-se ao projecto português de 1924 (Estado Novo português) para advogar que o povo moçambicano, hoje, é consequência de um povo que outrora construiu um futuro na base de uma vontade alheia. Com a Frelimo, em 1974, a história se repetiu. O povo não foi auscultado de modo a colher-se suas sensibilidades sobre que tipo de futuro sonhava. As acções levadas a cabo, para materializar tal futuro, foram objecto de imposição, ou seja, o povo construiu uma história da qual não se apropriou pelo facto de todo processo de construção não reflectir sua vontade.

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O filósofo Ngoenha questiona o significado lato que viriam a ter as primeiras Eleições Legislativas. Uma vez mais invoca o futuro porém como dispositivo de esperança referindo que enquanto homem existente, tudo se faz em função do futuro. Ngoenha vê importância em analisar e debater a história do povo moçambicano de modo a identificar-se o que gerou fracasso, para que o “próximo” futuro não seja apenas extensão do passado, ou melhor, para que não seja a repetição do fracasso. Só entendendo o passado se pode entender o futuro. Para pensar o futuro, Ngoenha encontra dentre a Profecia; Utopia e Futurologia um meio para questionar a filosofia, auto questionando-se qual deles é o correcto. Utopia como meio filosófico para questionar o futuro (Breve reflexão) O filósofo Ngoenha vê na Utopia uma maneira de pensar o futuro. Citando Platão, Severino Ngoenha refere que este idealizou um estado estático, fechado, antidemocrático, composto por três classes: (i) filósofos – dirigem o estado; (ii) guerreiros – defendem e (iii) camponeses – provedores de sustento a comunidade. Platão baniu os artistas, os utópicos. Pensou num paradigma de estado pior do que aquilo que ele queria combater. Parafraseando T. More, Ngoenha descreve mais uma visão utópica sobre uma cidade onde tudo é regulado, incluindo a circulação de pessoas. Vê nos escritores utópicos uma contradição entre os factos e a idealização destes sobre o modelo de futuro. Neste diapasão, contraditório, Ngoenha entende que a Utopia tem fortes alicerces na história. A visão do homem utópico, no prisma de Ngoenha, não deve ser tida como sinónimo de um profeta do futuro e muito menos os utópicos devem ser vistos como uma corrente de pensamento que usa esperança como uma espécie de instrumento único de batalha. Por muito tempo olhou-se para a Utopia como um pensamento sem fundamento, como ilusão. Para Ngoenha, a Utopia, para além de traduzir-se em capacidade de antecipar conteúdos que serão realizados no futuro, é uma fé racional. Entre outros termos, é uma crença com fundamentação metódica. Contrariamente, alguns especialistas encaram a Utopia como o factor obstruidor no pensar o futuro, como é o caso da visão de estado perspectivada por My da Zamiatin que considera a Utopia doença psíquica. Ao ilustrar um cenário hipotético, em que tivéssemos que imitar os ocidentais e, por via disso, o nosso futuro se tornar incolor, sem história e sem dimensão, Ngoenha procura transparecer a pertinência da Utopia para qualquer povo que queira perseguir destino próprio.

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Citando figuras como Samora Machel, Julius Nherere, Amilcar Cabral, Agostinho Neto, entre outros, Ngoenha vinca, uma vez mais, a importância da Utopia como factor para a materialização do futuro, ao referir que estes tiveram coragem de lutar para transformar seus sonhos em realidade. Todavia, há uma ressalva feita por Ngoenha “simplesmente obtidas as independências, no frenesim de realizar os seus sonhos, transformaram muitas vezes os próprios povos em instrumentos de realização das suas Utopias. E como na cidade utópica não se admite um segundo sonho, todos aqueles que ousaram sonhar diferentemente, pôr em dúvida a Utopia dos dirigentes, foram vitimas da ortodoxia utópica dos primeiros; assim as revoluções tornaram-se opressões; e os libertadores em ditadores” (Ngoenha: 1993: 153) Com a citação supracitada, depreende-se que a Utopia é o “catecismo” nos estados com doutrinas declaradas verdadeiras. Estados com forte carga dogmática, em que são vedadas as possibilidades de questionamento. Assim se portaram, também, os poderes colónias na tentativa de materializar suas Utopias. Aqui, Ngoenha refere que o maior estrago das revoluções não é precisamente o sacrifício feito porém a não evolução, a regressão. Esta não evolução deveu-se a problemas de interpretação das teorias e um erro fatal foi ter reduzido a reconstrução de África meramente a um projecto de ordem económica. Libertou-se a terra porém não o Homem. Combateu-se um opressor e ganhou-se um novo. Referindo-se as teorias democráticas, Severino Ngoenha critica o facto de se analisarem os conteúdos que visam conquistar o poder e se descorarem as questões das liberdades e iniciativas dos cidadãos e dos grupos participarem dos processos de decisão. Vinca que a qualidade da política depende dos direitos civis, direitos económicos e direitos sociais. Ngoenha refere que a relação que se estabelece entre liberdades individuais e colectividades políticas conduz o individuo ao espírito colectivo, fazendo-o abandonar e despirse do egoísmo e egocentrismo, entretanto, a justiça como o princípio que regula o colectivo, torna o individuo cada vez distante do egoísmo.

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A visão democrática de Ngoenha é de que o Governo deveria se subordinar ao conjunto de direitos populares que são periodicamente exercidos por via do sufrágio. Olhando para uma realidade factual de África e Moçambique em particular, este defende que a democracia deve ir para além do processo eleitoral. Deve reduzir o fosso entre a realidade social e a realidade política. Deve-se reconstruir um mecanismo de comunicação sustentável entre a “base” e o “topo”. Ngoenha nega que o problema das sociedades africanas seja escolha de um partido político em detrimento do outro; que seja o socialismo ou capitalismo. Afirma categoricamente que o problema reside em dar ao povo a possibilidade de apropriar-se do próprio destino e de assumir e guiar a própria história. Voltando à carga, Ngoenha advoga que democracia não se deve reduzir ao comando de um presidente e partido. Deve ser encarado como comando do povo em que cada indivíduo coopera, ouve e faz sentir sua opinião com o central objectivo de construir uma sociedade “própria”. Ngoenha é peremptório ao afirmar que, tendo em conta que o erro é humano e que o poder estimula o abuso, a única maneira de suavizar os atropelos e delapidação do erário público é a prevenção que pressupõe limitar e dividir o poder. Ngoenha afirma que é necessário que o poder estatal valorize a sociedade nas suas distinções etárias. Num cenário em que esta sociedade apropria-se da gestão do seu próprio espaço\meio, reduz-se a possibilidade de alienação do património que é resultante de esforço colectivo. Ao invés de regressão, por inerência de ambições e interesses individuais, a sociedade criará plataformas para geração de infra-estruturas. Além disso, Ngoenha defende que a demonstração de habilidades para assumir cargos hierarquicamente soberanos deve começar no distrito (onde se devem dar provas de dedicação aos serviços públicos). Para Ngoenha, só deve chegar às eleições nacionais, como candidato, aquele que passou pela base. Aquele que tem o conhecimento profundo das realidades locais. Tendo em conta o ano da edição da presente obra, Ngoenha traz uma visão profética sobre o paradigma de administração de Moçambique, ao sugerir que “as províncias deveriam beneficiar de uma autonomia de organização constitucional, subordinado a constituição nacional”, aliás, é basicamente este o debate que domina a esfera pública actualmente no país. Ngoenha entende que as províncias deviam ter maior autonomia que a autoridade central, sendo a autoridade central subordinada as províncias

autónomas. As províncias teriam “poder” para delegar

“poder” ao Poder Central (uma pirâmide – quanto maior for o alargamento da base, maior é o poder).

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Citando a carta de Dubois, Ngoenha refere à possibilidade de África se reunir porém para que isso aconteça, cada africano deverá renunciar parte de sua herança em detrimento de um bem colectivo. A não materialização dessa união dos africanos pode dever-se fundamentalmente ao facto dos dirigentes usurparem o poder que supostamente é pertença desses povos, por temerem a perda desse poder. Socorrendo-se de Kant, Ngoenha refere que, para que a paz se torne efectiva, pode-se servir do federalismo. Jamais o povo veria suas aspirações e anseios submissos a ideologia partidária. Ngoenha olha para a auto-gestão (gestão feita pelas comunidades) como um dispositivo de pressão à própria comunidade, que se vê obrigado a gerir convenientemente a coisa pública. As candidaturas para ocupação de cargos na hierarquia da gestão, deveriam advir do próprio distrito. Ngoenha invoca M. Towa para referir-se à proposta da necessidade que África tem de interromper a história, deixando-a para trás e seguir em frente sem no entanto alicerçar-se a ela, de modo a traçar um destino novo, com planos genuínos. Reconstruir uma história, explorando todos seus limites e fraquezas de modo a que este mesmo povo se aproprie da nova história.

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Conclusão Como nota de conclusão importa referir que, se se tomar como ponto de partida a data em que a obra, "DAS INDEPENDÊNCIAS AS LIBERDADES", em análise, foi pensada e escrita, pode-se assumir que o filósofo moçambicano, Professor Doutor Severino Ngoenha, assume uma posição dum inexistente grau de "filósofo-profeta". E tendo em conta que em 1993, antes das primeiras eleições legislativas, com apenas três décadas de existência, Ngoenha prognosticou literalmente o cenário político que Moçambique vive hoje. Traçou a ideia, dos distritos como pólos de Desenvolvimento; das propaladas Províncias Autónomas; da "asfixia" que tomou conta do povo por inerência do corte comunicacional entre o Poder político e as massas que suportam esse Poder. Em última análise, a Utopia como meio filosófico de pensar o futuro, na óptica de Ngoenha, resume-se em África e Moçambique em particular interromperem sua história, deixando para trás os vaticínios coloniais e traçar um destino novo, com planos genuínos para que o povo se aproprie da nova história. Portanto o povo deve ser soberano no sentido de as elites políticas subordinarem-se ao próprio povo. Para o efeito, as províncias deveriam ser constitucionalmente autónomas. Teriam Autoridade para delegar Poder ao Poder Central, tendo assim maior autonomia que a autoridade central. Assim seria a visão profética de Ngoenha sobre o paradigma de administração de Moçambique. Um pensamento político que estimula a Revolução!

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Referências bibliográficas MUDIMBE, V.Y., The Invention of Africa: Gnosis, Philosophy and The order of knowledge, Bloomington, Indiana University Press, 1998, 241 pp NGOENHA, Severino. Das Independências Às Liberdades – Filosofia Africana. Edições Paulistas, Maputo, 1993 SOYINKA, Wole., Of Africa, Yale University Press, Edição/reimpressão, 2014, 224p SOYINKA, Wole., A Dance In The Forests.1960

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