visões da crise - as ruas

July 4, 2017 | Autor: Angela Alonso | Categoria: Protestos No Brasil
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visões da crise

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Domingo, 16 DE Agosto DE 2015

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Quatro reflexões sobre a motivação dos manifestantes que irão às ruas neste domingo e o que pode acontecer depois que eles voltarem para casa

Protesto pode ser gigante, mas tende a ser estéril AngelA Alonso

EspEcial para a Folha

Todo mundo levou um susto em junho de 2013 —esquerda e direita, governo e oposição, mídia e opinião pública. Logo se abraçou interpretação auspiciosa, na linha do renascimento do civismo, do retorno de pautas emancipatórias e de uma nova esquerda. Falou-se também de violência, a do Estado, via polícia, e a de parte dos manifestantes, com a tática black bloc. Apontaramse demandas por mais e melhor Estado, por políticas públicas universais e eficientes. Menos se falou do lado oculto da lua: os clamores por Estado mínimo, contra a política e os políticos. Essa onda de 2013 virou maremoto em março de 2015 e agora sonha ascender a tsunami. Os principais grupos convocadores do protesto têm extração de classe e preferência política dominantes: gente afluente, branca, individualista, liberal, antipetista. O Vem pra Rua é o mais moderno. Esbanja recursos midiáticos, cibernéticos e financeiros. Com rede nacionaldeapoiadoreseconexões no exterior, marcou manifestaçõesem240cidades,deDivinópolis a Miami. O Movimento Brasil Livre repete o perfil, radicalizando a pauta. Os Revoltados On Line se situam à direita: moralistas (defendem a família tradicional), militaristas (elogiam os policiais do Bope) e anticomunistas (acusam excesso redistributivista do PT). Formam um grupo menor, mas comungam com os dois outros a demanda, que está na trilha sonora do evento deste domingo: “Por um país diferente”. Embora não se esclareça o que viria a ser a diferença, o nome da banda dá pista: os Reaças.

Já o foco é obscuro. Mobilização do contra: anti-Dilma, anti-PT, anticorrupção. Mas a favor do quê? O que fariamosmanifestantesnoday after se lograssem, com suas panelas e seu verde-amarelismo, depor a presidente? Pode ser que esta onda, como a de junho de 2013 e a de março de 2015, extravase para além do antipetismo, pois a característica transversal nos três protestos é a distância dos partidos. Quem vocalizará esta mobilização no sistema político? Não serão os partidos de esquerda, que lideraram os movimentos pela redemocratização e contra Collor. O PT dilapidou seu maior patrimônio, que Lula tenta em desespero recuperar: a capacidade de dirigir o anseio pró-igualdade social. E passou de pedra a vidraça em outra frente, a defesa da moralidade pública. Mas tampouco o PSDB, que namorou as manifestações de março, conseguiu se conectar organicamente à mobilização. O principal alcance do protesto é o de espetáculo político, demonstração do volume de insatisfeitos. O figurino é o do repertório patriota, cujos slogans e símbolos deram as caras em junho de 2013, dominaram março de 2015 e são a estética ostensiva agora. O patriotismo é clamor pela nação acima das diferenças, dos partidos. Sem vínculos com o sistema representativo, sem projeto de poder para o dia seguinte, o protesto pode até ser gigante, mas tende a ser estéril. Deste lazer cívico resultarão selfies para o Facebook. Melhor nem pensar o que mais pode vir de uma política que nega a própria política. ANGELA ALONSO é socióloga e presidente do cebrap (centro Brasileiro de análise e planejamento)

O governo se tornou uma gangue, mas o risco PT sumiu IvAn sAnt’AnnA

EspEcial para a Folha

Uma das maneiras de se avaliar a situação e as perspectivas políticas e econômicas do Brasil é estudar o país como um investidor externo, sem paixões. Não é muito fácil esse faz de conta estando aqui dentro, por-

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O MercadO

que a gente se envolve, mas é possível. Antes de mais nada, é bom lembrar que todo ativo, sejam oleodutos no Iraque conflagrado ou obrigações do Tesouro dos Estados Unidos, tem seu preço. Resta saber se esse preço está caro ou barato. Só isso. É a chave do sucesso nos mercados financeiros internacionais. Eu acho que o Brasil está ficando barato. Senão vejamos. Dos grandes problemas que afligem a humanidade, não temos nenhum. Refirome a movimentos separatistas, extremismos religiosos e ameaças de guerra civil. Dos 594 deputados e senadores brasileiros, não há um só que defenda a independência de um dos Estados. Se há seitas ou religiões

que exploram seus fiéis, elas não são extremistas. São mercantilistas. O máximo que temos em termos de conflitos políticos armados são brigas de rua entre integrantes do MST, CUT, UNE, etc., e as forças de segurança. Isso rende cinco ou seis cabeças quebradas e um morto a cada dois anos. O grande risco que tínhamos desde o fim do regime militar era a possibilidade de um governo petista. Afinal de contas, eles prometiam moratórias, interna e externa, socialização dos bancos, controle dos meios de produção, reforma agrária radical, etc. etc. Pois bem, Lula chegou ao Planalto e a primeira coisa que fez foi acabar com o risco Lula. Simples assim. Veio, é claro, o ciclo da roubalheira imoderada, como se viu no mensalão e no petrolão. O governo se tornou uma gangue. Felizmente, ao contrário da Venezuela, por

exemplo, as instituições aqui estão se mostrando fortes. Os ladrões dos cofres públicos foram obrigados a jogar na defesa, escalando beques de contenção em vez de atacantes. Escapar da PF já é lucro. Não tenho dados para comprovar minha tese, mas aposto que os empreiteiros não estão mais subornando políticos, nem estes achacando os empreiteiros. Quem investir hoje no Brasil em projetos de infraestrutura, dinheiro que só começa a render a partir de quatro ou cinco anos, vai se dar bem. “Fora FMI.” “O petróleo é nosso.” Esses slogans desapareceram como que por encanto. O risco PT sumiu, mesmo que volte o Lula, que se tornou um homem de negócios burguês, gordo, próspero. Só lhe falta um relógio de algibeira. IVAN SANT’ANNA é escritor e trabalhou no mercado financeiro por quase 40 anos [email protected]

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