Visualizando a Linguagem: um olhar semiótico sobre Cornelius Cardew

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PALISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Instituto de Artes, Bacharelado em Composição e Regência

GABRIEL FRANCISCO BARBOZA LEMOS

Visualizando a linguagem: um olhar semiótico sobre Cornelius Cardew

São Paulo

2006

Agradecimentos Ao meu orientador Maurício de Bonis pela interlocução e direcionamento no percurso da pesquisa;

ao Alí Saboy, André Teles, Guilherme Afonso e Vitor Djun pela companheirismo na exigente caminhada no campo do estudo musical;

à FAPESP, que assessorou financeiramente o projeto, ao seu parecerista, e aos interlocutores e mestres Wladimir Mattos e Achille Pichi pelas observações sempre enriquecedoras;

com a maior importância, à Isabella Rjeille pela luz que norteia o caminho e companheirismo diário;

e à nossas famílias.

Resumo O presente trabalho de pesquisa bibliográfica, de caráter analítico e comparativo acerca da produção de Cornelius Cardew (1936 – 1981), visa mapear e levantar materiais teóricos que contribuam na elaboração de possíveis vias interpretativas, através de um enfoque semiótico, do trabalho de composição realizado na década de 1960 pelo compositor. Para tanto, foi restringido o objetivo da pesquisa a um estudo de caso de Treatise (Tratado), peça representativa das experimentações entre as pesquisas composicionais e suas soluções gráficas na obra de Cardew. Visa-se estabelecer relações entre o compositor e a tríade classificatória de signo em Charles Sanders Pierce, pensador relevante no desenvolvimento de muitos estudos e aplicações sobre semiótica e linguagem nas produções interdisciplinares da segunda metade do Século XX, mas que não é mencionado diretamente pelo compositor. A pesquisa também tangencia teorias da linguagem e a teoria da Gestalt para sustentar a análise, que se divide em dois momentos: a) Breve levantamento histórico do desenvolvimento das soluções gráficas para notações musicais não tradicionais no século XX, contextualizando historicamente a peça Treatise (1967) como parte integrante do debate sobre a notação; b) Delinear pontos de relação entre Cornelius Cardew e a semiótica da notação gráfica à semiótica da linguagem musical, assim compreendendo a funcionalidade dessa intersemiose nesse caso específico.

Resumo do que foi realizado no período a que se refere o relatório O presente documento registra as discussões e dados levantados entre os meses de fevereiro e setembro de 2015 do projeto Visualizando a Linguagem: um olhar semiótico sobre Cornelius Cardew. Na forma de monografia apresenta detalhadamente os resultados, objetivos e metas propostos no projeto inicial, assim como no relatório parcial submetido em fevereiro.

Sumário Introdução ...........................................................................................................

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Um panorama histórico .....................................................................................

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1.1 Prática comum ................................................................................................

10

2. Sobredeterminação ...........................................................................................

11

2.1 Indeterminação ! sobredeterminação ............................................................

15

2.2 Treatise ...........................................................................................................

22

Treatise, por uma estética (?) .............................................................................

26

As partes de Treatise ...........................................................................................

29

Metanarrativa ou narrativas ...............................................................................

33

Treatise como sistema lógico ..............................................................................

38

Discussão e Resultados .......................................................................................

45

Treatise como um Todo (?) .................................................................................

57

Por uma metonímia ............................................................................................

61

Análise visual de Treatise (p. 21 e 22) ................................................................

66

Análise sonora de Treatise ..................................................................................

71

Considerações Finais ...........................................................................................

81

Bibliografia ..........................................................................................................

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Anexo A ................................................................................................................

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Introdução" " " “He was one of the first people to realize that one of the core problems of new music was the problem of language. (...) of presenting ideas in a form which could be understood by large numbers of people.” Frederic Rzewski"

" De tempos em tempos nos deparamos com crises pessoais ou criativas que necessariamente precisam e eventualmente são transpostas graças ao diálogo com outros companheiros de percurso, sendo eles nossos contemporâneos ou não. De fato, a localização temporal ou geográfica desses interlocutores pouco importa. O contato e diálogo a serem travados com eles - a partir de seu trabalho - sempre nos apontarão para novos e desconhecidos caminhos. Nosso voto de fé é que esse constante caminhar dissipe a dúvida e a crise. " Situado em um ponto equidistante entre John Cage (incluindo os americanos: Morton Feldman, La Monte Young, Earle Brown e Christian Wolff) e Karlheinz Stockhausen (juntamente com os europeus: Henri Pousseur, Luigi Nono e Luciano Berio), Cornelius Cardew (1936-1981) é comumente considerado como uma figura central para aquele que pretende dialogar acerca das contradições estéticas e políticas surgidas no contexto da música de vanguarda ocidental, especificamente na segunda metade do Século XX. Nascido em Londres, Cardew estudou cello, piano e composição na Royal Academy of Music (RAM) de 1953 a 1957. Durante período em que recebeu bolsa da RAM para estudar em Colônia (um dos epicentros da música nova), trabalhou diretamente com Stockhausen em sua peça Carré. " Em seus primeiros anos de estudo, dedicou-se a compreender a música serial pós weberniana. Na década de 1960, assim como outros compositores de vanguarda que perceberam incoerências na estética serial, concentrou-se na divulgação e realização de peças da escola americana (Cage, Feldman e Young). Concomitantemente, dedicou-se à composição de diversas obras nas quais explorava novas formas de notação e sintaxe musical. Destacando-se como a primeira obra mais radical do ponto de vista da notação musical nesse período “experimental” do compositor, Treatise desponta tanto !"

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em tamanho quanto em ambição conceitual. Constituída de 193 páginas de desenhos abstratos em preto e branco feitos a mão pelo compositor, são, no entanto, desprovidos de instruções prévias de leitura, proporcionando para o músico um problema interpretativo que eventualmente colocará em cheque sua técnica, sua prática instrumental, suas certezas quanto ao que seria o próprio princípio da linguagem musical e sua função. Nessa concepção de música como linguagem, instaura-se assim a crise anteriormente citada." Mesmo que tenha atuado quase que exclusivamente como compositor em solo anglo-saxão, estabelecer o diálogo com suas ideias e trabalho invariavelmente instiga a reflexão e criação de paralelos entre nossa história nacional e a estrangeira, principalmente se circunscrita ao contexto das problemáticas da vanguarda de 1960 e 1970. Como amparo a essa questão, nosso trabalho então recorre às teorias de Charles Sanders Peirce (1839-1914) como uma de suas ferramentas. O filósofo esteve presente como base teórica no pensamento de compositores brasileiros como Gilberto Mendes, Willy Corrêa de Oliveira e Rogério Duprat, que viram na semiótica e no estudo da linguística uma forma materialista dialética de lidar com a música. Muito foi conscientemente buscado no pensamento fenomenológico e semiótico de Peirce tanto por artistas e compositores como por teóricos, caso de Roland Barthes, Roman Jakobson, Jacques Derrida, Umberto Eco, Maurice Merleau Ponty e Claude LéviStrauss, que deram continuidade ao pensamento nessa área tanto em torno das ideias de Peirce quanto no estudo de Ferdinand de Saussure (1867-1913) e nas reflexões sobre temas comuns a esses autores, ainda que estas sejam por vezes bastantes diversas." Como fundamentação teórica nosso estudo utiliza-se de uma bibliografia que inicialmente compreende diversas fontes distintas de análise do objeto em questão que, por sua vez, serão agrupadas em três vias teóricas distintas: o comentário sobre fatos históricos do período em questão, a aplicação da semiótica na análise da música como linguagem e a teoria da Gestalt aplicada às artes gráficas. Tendo como objetivo último o estudo de caso da obra Treatise (1963-67), o trabalho se valeu inicialmente de um levantamento bibliográfico crítico de textos relacionados ao contexto histórico e social identificado por nós como pano de fundo político e estético na elaboração de diversas !"

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soluções gráficas, realizadas tanto por compositores quanto por artistas multimídia que, direta ou indiretamente, dialogavam com a estética musical nos anos do pós guerra. Esse primeiro levantamento crítico será contextualizado dentro da área de concentração semiótica da notação musical, para desenvolvermos o diálogo entre dois eixos específicos:" 1. Levantamento e reflexão acerca das referências utilizadas pelo compositor ao realizar a obra, nesse caso a ligação direta feita pelo compositor entre os escritos de Ludwig Wittgenstein e o funcionamento da linguagem musical;" 2. A esfera semiótica em paralelo com um recorte da Gestaltheorie, focando nas discussões acerca da notação e da composição musical;" Dentro do segundo eixo, nosso objeto de interesse se concentra na dimensão fenomênica do trabalho de Cornelius Cardew, especificamente, na já citada composição do final da década de 1960. Este eixo possui como questionamento central as possibilidades de relação existentes entre os dois polos (a resultante sonora e a representação visual) que concernem a notação gráfica. No trecho abaixo, elas já são – mesmo que sutilmente – apontadas, ao se tratar do pensamento do compositor:" "

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The great merit of a traditional musical notation, like the traditional speech notation i.e. writing, is that it enables people to say things that are beyond their own understanding. (...) Obviously one can understand a notation without understanding everything that the notation is able to notate. To abandon notation is therefore a sacrifice; it deprives one of any system of formal guidelines leading you on into uncharted regions. On the other hand, the disadvantage of a traditional notation lies in its formality. Current experiments in mixed-media notations are an attempt to evade this empty formality. Over the past 15 years many special-purpose notation-systems have been devised with blurred areas in them that demand an improvised interpretation. (CARDEW, 2006, p.129)"

Tirado do texto Towards An Ethic Of Improvisation (CARDEW, 2006, p. 125), escrito pelo compositor com o intuito de comentar aspectos da assim chamada improvisação livre, a citação deixa clara a visão crítica do autor sobre a notação musical tradicional salientando o “formalismo vazio” da mesma. Como veremos, esse comentário será de extrema importância no decorrer de nossa reflexão. Uma de nossas metas será compreender até que ponto a proposta notacional de Treatise também apresenta indícios de um “formalismo vazio”, comum em propostas de outros autores !"

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desse período que propõem uma tabula rasa das soluções notacionais do passado." Tendo como objetivo fundamental o estabelecimento de relações entre uma dimensão semiótica pontual (os limites das noções de símbolo na semiótica da notação musical) e o trabalho do compositor, vale ressaltar que não há apenas a necessidade de elencar os pontos que justificam a escolha dessa ferramenta teórica, mas apontar também divergências e separações, verificar como se estabelece o diálogo entre o objeto e metodologia escolhida. Com isso, pretendemos mostrar que apenas relacionar os gráficos com o conceito de símbolo, mesmo que se trate de um símbolo operando na negação da convenção simbólica da notação musical tradicional, não é o suficiente. A meta de nossa análise, no entanto, reside na classificação e descrição da interação entre os signos operantes, tanto na linguagem visual gráfica da partitura (nas relações indiciais, simbólicas, icônicas e na presença dos Fatores da Boa Forma na interação entre os gráficos da partitura) quanto no fenômeno musical previsto pela mesma: onde as categorias sígnicas não atuam da mesma forma que nos gráficos em si mas operam na percepção de forma indicial, ao mesmo tempo que constroem a sintaxe musical. Enfim, pretendemos refletir sobre as possibilidades de aproximação entre ambos e como essa discussão encontrou, ou ainda encontra, ressonância nas pesquisas musicais contemporâneas." " " " " " " " " " " " " !"

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Um panorama histórico" A notação gráfica na música da segunda metade do Século XX" " “History has many cunning passages, contrived corridors and issues.”" T. S. Eliot, Gerontion"

" “To study history means submitting to chaos and nevertheless retaining faith in order and meaning. It is a very serious task, young man, and possibly a tragic one.”" Herman Hesse, The Glass Bead Bed"

" 1. Crise de comunicabilidade" Contextualizar uma análise da produção musical da segunda metade do Século XX se apresenta como um problema metodológico. Livros de História da música erudita Ocidental constantemente salientam a dificuldade em se traçar um panorama da produção de compositores dessa época, tamanha a dimensão idiossincrática de suas produções. Circunscrevê-los em uma determinada estética se configura como um projeto fadado ao fracasso. Determinado compositor pode transitar entre várias escolas composicionais no decorrer de sua trajetória; na mesma medida, ele se utilizará de diversas técnicas composicionais de origens distintas. " Constatar tamanha heterogeneidade estética reflete a crise em que a música erudita Ocidental contemporânea se encontra, na qual um dos seus sintomas é a falta de comunicabilidade enquanto linguagem poética. A falta de vínculos estreitos entre boa parte da música de vanguarda e a “[...] linguagem musical histórica como linguagemobjeto” (DE BONIS, 2012, p.53), aponta para ocorrência eventual de uma espécie de afasia musical por parte dos compositores da segunda metade do Século XX. “A incapacidade de associação e substituição, de estabelecimento dos laços de contiguidade próprios da linguagem, levaria à impossibilidade de se operar propriamente com o signo musical como índice.” (idem). A partir dessa não articulação

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consciente da função metalinguística1 presente em poéticas musicais de alguns compositores que se tornaram porta-vozes da música nova, podemos conjecturar que a decisão inicial de se cortar qualquer vínculo histórico com a linguagem musical contribuiu para a não manutenção de uma prática comum na execução e compreensão do repertório que se formava nesse período. Como veremos, uma das formas de contornar essa situação foi a crescente determinação de todos os parâmetros musicais e aspectos interpretativos passíveis de notação, o que por sua vez conduziu, mesmo que numa atitude assumidamente negativa acerca dessa, a experimentações cada vez mais radicais acerca do código gráfico da notação musical e a práticas improvisatórias diversas.# # 1.1. Prática comum# Uma das particularidades do período da prática comum2 pode ser identificada na forma pela qual o código musical era interpretado. A partitura, cuja notação se faz necessária hoje como indicativo estrutural, interpretativo, articulatório e expressivo, em períodos como o Barroco (Fig.1) apresentava-se desprovida de certas prescrições que no repertório contemporâneo seriam indispensáveis. A técnica articulatória e interpretativa do texto musical se encontrava subentendida graças a uma prática musical socialmente compartilhada. O número de indicações na partitura se atém ao mínimo, legando à notação uma indicação da organização métrica, rítmica, tonal e, por vezes, dinâmica da peça.#

# Figura 1. Excerto do manuscrito da Suite 1 para Violoncelo BWV 1007 composta por Johann Sebastian Bach no ano de 1720.#

######################################################## ! “O recurso à metalinguagem é necessário tanto para a aquisição da linguagem como para seu funcionamento normal. A carência afásica da ‘capacidade de denominar’ constitui propriamente uma perda de metalinguagem” (JAKOBSON, 1969, p.47).# $ O período da prática comum, assim como usado pelo teórico Graeme M. Boone, grosseiramente se $ O período como usado pelo Graeme M. oBoone, se estende entredao prática Século comum, XVII e assim o início do Século XX. teórico Coincidindo com períodogrosseiramente hegemônico do estende entre o Século XVII e o início do Século XX. Coincidindo com o período hegemônico do sistema tonal, o termo se refere à padronização do código notacional da música Ocidental.#

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No entanto, à medida que nos distanciamos do período da prática comum é possível identificar um progressivo descompasso entre a eficácia da notação tradicional e as especificações interpretativas necessárias à leitura da escritura musical emergente. O Klavierstücke op. 33a de Arnold Schönberg (Fig.2) é um exemplo desse fenômeno em estágio inicial. Nela constam indicados diversos bequadros teoricamente desnecessários, que mesmo assim foram indicados pelo compositor como uma precaução interpretativa, antevendo uma correção tonal automática do intérprete." "

" Figura 2. Klavierstücke op. 33a composta por Arnold Schönberg em 1929, excerto publicado pela Universal Editions."

" 2. Sobredeterminação " " Contextualizar a ebulição das experimentações gráficas em partituras musicais, invariavelmente, conduz ao comentário de algumas das obras diretamente anteriores a esse tipo de prática. Music of Changes (1951), Music for Piano 1 (1952) e 2 (1953) de John Cage e Structures (1951) de Pierre Boulez, devido à sua radicalidade organizacional, são quatro dessas composições que evidenciam contradições inerentes

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à linguagem musical.3 Na produção desse período, as composições de Pierre Boulez apresentam um problema formal e perceptivo; há um descompasso entre estrutura e a natureza do material, colocando em cheque a possibilidade de clareza perceptiva da forma. Por outro lado, na trajetória de Cage se constata um progressivo abandono dos paradigmas inerentes à linguagem musical. Suas obras subvertem procedimentos estruturais da linguagem, deixando em aberto boa parte do resultado perceptivo sobre a resultante formal. # Ao invés de buscar uma maneira homogênea de organização dos parâmetros musicais (altura, duração, intensidade e timbre), as propostas composicionais póswebernianas almejavam situações de indeterminação (ou nas palavras de Pousseur, uma “sobredeterminação”), porém buscando o objetivo de compor um discurso musical anti-linear e anti-melódico descontínuo4. No entanto, a prática experimental e processual de alguns compositores, em especial os americanos5, coloca-se, num primeiro momento, em oposição às tentativas sistemáticas de caráter serial empreendidas por compositores como Karlheinz Stockhausen, Henri Pousseur , Luigi Nono, Luciano Berio e Pierre Boulez. De forma reativa às questões e possíveis soluções levantadas pelas composições seriais, podemos conjecturar que a necessidade de alguns compositores em explorar com abordagens de escrita alternativas à escrita tradicional se configura como um desenvolvimento às avessas das técnicas presentes nas composições seriais do início de 1950.# Em 1959, o linguista e musicólogo Nicolas Ruwet escreve um ensaio evidenciando os possíveis pontos de divergência entre planejamento estrutural e percepção nas composições desse período. O título de seu ensaio é auto explicativo acerca de sua visão crítica para com a escola pós-weberniana. Em seu ensaio, Das contradições da Linguagem Serial, Ruwet (1972, p.23) aponta para uma falta de

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Salientamos que essas peças apresentam, num primeiro momento, explorações de caráter textural pontilhista, que por sua vez, evidenciam a radicalidade formal e estrutural do discurso musical desse período.# % POUSSEUR, 2008, p.98.# & “To conjure up this new sound world Feldman kept untainted by European thinking and write systems – more so than the other three composers (Cage, Brown and Wolff).” NYMAN, 1974, p. 44.#

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coordenação entre a estruturação dos parâmetros articulados na notação da partitura e as possibilidades de percepção de tais estruturas no fenômeno acústico. # # Esta música, demasiado complexa em princípio, segundo o projeto do compositor, manifesta-se simplista à audição. (...)em princípio, esta música se nos apresenta como sendo muito complexa: ela é difícil de executar, ela se anuncia por títulos severos (Polyphonies, Structures, Contrepoints) que fazem presumir uma elaboração impetuosa. Os autores se pretendem seguidores de uma tradição de complexidade e rigor... de complexidade, devoção a esquemas complicados, aos longos trabalhos preparatórios à execução da obra. (RUWET, 1972, p.25)#

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Segundo a visão de Ruwet, a linguagem serial generalizada para outros parâmetros

musicais

constitui

uma

“unidimensionalidade

das

possibilidades

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comunicativas” (SALLES, 2005, p.81). Ao almejar uma pretensa complexidade estrutural, a percepção sofreria uma redução significativa na sua capacidade de diferenciação das descontinuidades em jogo na obra. Acerca de um exemplo retirado do Klavierstück II de Stockhausen (Figura 3), Ruwet comenta; # #

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Vêem-se aí as contradições entre os diferentes sistemas: as oposições de intensidade não coincidem com as oposições de duração, e isso torna, portanto, mais difícil – nesse caso em si – a percepção do conjunto como um todo diferenciado. (RUWET, 1974, p.38)#

# Figura 3. Compasso 11 do Klavierstücke II composto por Karlheinz Stockhausen em 1954, edição de Universal Editions.#

######################################################## $ Sobre esse aspecto, Umberto Eco em seu livro Obra Aberta(1962), defende exatamente o contrário. Elenca a estética serial como exemplo máximo de uma fruição estética multidimensional. #

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Sobre esse fenômeno da indiferenciação, Henri Pousseur (protagonista das discussões e compositor influente desse período) comenta em seu texto A questão da ‘ordem’ na música nova acerca da crítica feita a obras desse período, que supostamente se estruturariam em uma “ordenação impiedosa”.# #

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A música serial é frequentemente concebida e representada como fruto de uma especulação excessiva, resultado de uma aplicação exclusiva dos poderes da razão. Tudo o que acontece nessa música é construído segundo medidas quantitativas preestabelecidas, tudo é justificado pelas regras de uma lógica puramente combinatória.(...)No entanto, se não nos contentarmos em analisá-la, em dissecar a notação que a fixa, se nos fiarmos antes de tudo numa escuta concreta, acontece muitas vezes – numa escuta superatenta que ponha em jogo, em extrema tensão, todas as nossas faculdades perceptivas – que o que percebemos é justamente o contrário desse tipo de ordenação. (POUSSEUR, 2008, p.89)#

É particularmente importante para nós o comentário acerca da ênfase na análise atenta da notação desse tipo de composição. Desde a formalização do sistema de notação em pautas (por Guido d’Arezzo no Século X) até a sistematização dodecafônica criada por Arnold Schönberg - e desenvolvida em paralelo por seus alunos Alban Berg e Anton Webern - a música vem se desenvolvendo cada vez mais pari passu com a escrita como meio de organização estrutural para uma escuta futura. Por hora, nesse primeiro momento das pesquisas pós-webernianas, cabe novamente identificarmos menções da crise apontada por Ruwet nos escritos de Pousseur.# # (...) não se pode atribuir somente à falta de cultura, ou simplesmente de hábitos adequados, o fato de que não se percebam inteiramente os ordenamentos seriais utilizados. Uma divergência entre estes e o resultado perceptivo buscado existe de fato. (2008, p.92)#

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(...) a contradição metódica momentânea (...) provém do fato que se busca realizar uma nãoperiodicidade integral com o auxílio de meios que pertencem ainda a uma ordem musical periódica: a notação métrica e um sistema serial ‘oriundo de técnicas temáticas’. O êxito é certo, mas obtido pela aplicação desses meios de maneira tão complicada que eles acabam por se inverter a si mesmos e dar lugar a algo totalmente diferente, a exatamente o contrário, a algo assimétrico, isto é, algo propriamente não-mensurável, que implica ‘sua própria imperceptibilidade’. (2008, p.99)#

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Como consequência direta das crescentes determinações dos diversos parâmetros musicais em jogo nas composições seriais integrais, cada partitura se tornava um documento dessa vontade de controle absoluto, podendo ser vista como símbolo de um objeto fechado em si, determinando excessivamente o processo !"#

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interpretativo do músico, adotando uma forma extrema de prescrição diagramática dos materiais sonoros a serem executados. Tal fechamento técnico se impunha sobre o intérprete de forma simbolicamente autoritária7. É de praxe que juntamente com as indicações do que deve se tocar na peça, conforme o alto nível de especificação do sinal na partitura, o como deve ser executado, invariavelmente, também se “impõe” ao intérprete. A exigência na coordenação de parâmetros cada vez mais especificados implicavam numa crescente quantidade de instruções e determinações, que se constituem como enormes documentos das exigências técnicas prescritas pelos compositores aos intérpretes que, por sua vez, tornavam-se mais especializados nesse tipo de repertório, tornando-se um tipo de tecnocrata ou “system-expert” (TILBURY, 2008, p.234). # # 2.1 Indeterminação ! sobredeterminação Nesse mesmo período, assumindo uma posição contrária aos ideais seriais, as composições e ideias de John Cage marcaram presença nas discussões da Música Nova quando, na forma de ruído se comparado ao paradigma serial europeu, o compositor explorou em suas composições procedimentos de acaso e aleatoriedade, produzindo resultantes musicais perceptivelmente semelhantes às dos serialistas integrais8. Mesmo se utilizando de técnicas composicionais distintas, o norte-americano introduziu uma nova técnica composicional: o uso de processos operacionais determinados para produzir resultados aleatórios dos parâmetros musicais. Igualmente debruçado sobre a ideia de oposição à tradição, Cage explorou métodos de organização dos materiais de ######################################################## $

No que concerne esse assunto cabe um comentário feito pelo pianista e escritor John Tilbury sobre o simpósio O Legado de Webern datado de 1966 e realizado no Allbright-Knox Art Gallery na cidade de Buffalo nos quais Henri Pousseur, Cornelius Cardew, Maryanne Amacher, Allen Sapp, Niccolo Castiglioni e Lukas Foss estavam presentes: “Part of the argument seems to have revolved around the issue of ‘determinism’ – Pousseur suggesting that a true understanding of Webern’s music leads to ‘mobile forms’, to a liberation of the performer, rather than towards the determinism exemplified in Darmstadt during the fifties. Cardew disagreed: ‘The idea that the performer is a machine is a naïve idea that comes from Webern’. Webern, in his view, was the bearer of that intolerable guilt – the subsequent creation of those monstrous edifices whose ineluctable and implacable presence dominated Darmstadt programmes and eventually, in the later part of the decade, precipitated a crisis, an impasse, which even its leading practitioners, such as Pierre Boulez, had to acknowledge.” (TILBURY, 2008, p.217).# % Sobre a resultante musical das especulações seriais, Henri Pousseur (2008, p.89) comenta: “Justamente nos casos em que as construções mais abstratas são aplicadas, não raro temos a impressão de estar diante dos resultados da ação de algum principio aleatório.”#

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forma não sistemática se comparado aos europeus. Valendo-se de processos de escolha através da criação de tabelas dos parâmetros a serem usados na composição, ordenando-os através de operações aleatórias indicadas pelo assim chamado oráculo do livro I-Ching por seus praticantes, compôs as obras Music of Changes (1951) e Music for Piano 3 (1953). # Metodologicamente, Music for Piano 1 e 2 (1952-3) nos mostram indícios de um processo composicional já em fase de exploração direta com a subversão do metier do compositor, assim como literalmente, do papel da partitura no desenvolvimento escritural da mesma. Pois ainda que se utilizando de escrita tradicional, nessas duas obras em específico o compositor se valeu da percepção visual de imperfeições na regularidade do papel da partitura para inserir pontos nos quais poderia colocar alturas de notas, de forma que essas correspondessem a alturas da tessitura do piano. As durações, nesse caso, ficariam a cargo do intérprete. Essas duas composições são especificamente sintomáticas na identificação dos aspectos em jogo nas bases experimentais das composições de vanguarda que viriam ser escritas na década seguinte; a escritura musical juntamente com a manipulação e transformação do código notacional tradicional, somado a uma cada vez mais solicitada participação do intérprete no processo de formalização do resultado final da obra. # Aspectos inerentes ao experimentalismo das primeiras obras do compositor americano se tornarão também moeda de troca entre alguns compositores da Música Nova e da escola Cageana. No entanto, como pergunta Michael Nyman (1974, p.43), seria um equívoco unificar as motivações filosóficas e estéticas propostas por Cage como uma escola? # No início dos anos cinquenta nos Estados Unidos o contexto artístico se manifestava reivindicando suas próprias bases criativas. A proliferação do pensamento Zen budista, juntamente com novas práticas nas artes plásticas (as action paintings de Pollock, o início da performance, do site specific e os móbiles de Calder) proporcionavam uma atmosfera de encorajamento e inovação a uma nova geração de compositores que se reuniam em torno de Cage. É certo que compositores como Earle Brown, Morton Feldman e Christian Wolff passaram por tutelas do mais velho Cage. !"#

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Ainda que não adotando as inclinações ao Zen assumidas por Cage, eles acreditavam se apoiar sobre suas próprias convicções, mesmo que dividindo atitudes composicionais muito semelhantes à do mestre.# # Imagine that as contemporary music goes on changing in the way that I’m changing it what will be done is to more and more completely liberate sounds from abstract ideas about them and more and more exactly to let them be physically uniquely themselves. (CAGE apud NYMAN, 1974, p. 42)#

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Partir do pressuposto cageano (como explicitado acima) de que a linguagem musical como um todo possa ser transformada pela prática individual será uma das marcas principais associada à construção de sua imagem pública. Como forma de divulgação de suas obras em estado gradativo de desmaterialização, o compositor (enquanto personalidade) será cada vez mais associado simbolicamente à imagem do transgressor experimental. Se um processo de desmaterialização da linguagem chega ao seu ponto crítico - assim como constatamos em obras indeterminadas e aleatórias pós década de 1950 - o que pode sobrar dessa transgressão senão o protagonista?# #

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Cage’s Music of Changes was a further indication that the arts in general were beginning to consciously deal with the ‘given’ material and, to varying degrees, liberating them from the inherited, functional concepts of control. (BROWN apud NYMAN, 1974, p. 42)# It appears to me that the subject of music, from Machaut to Boulez, has always been its construction. They must be constructed… To demonstrate any formal ideal in music, whether structure or stricture, is a matter of construction, in which the methodology is the controlling metaphor of the composition… Only by ‘unfixing’ the elements traditionally used to construct a piece of music could the sounds exist in themselves – not as symbols, or memories, which were memories of another music to begin with. (FELDMAN apud NYMAN, 1974, p. 42)#

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Desse momento em diante, percebemos um claro posicionamento negativo por parte dos norte-americanos experimentalistas em relação ao controle sobre o som. Se adotarmos sua visão positivista da história da música como um crescente autoritarismo da notação sobre o fenômeno sonoro, perguntamo-nos... Seria esse suposto controle causado pela função social da música como linguagem? Se sim, em que medida o projeto norte-americano de ruptura também não opera de acordo com o processo de !"#

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individualização e alienação do pensamento burguês? E seria o projeto vanguardista europeu tão diferente assim do americano?# Da mesma forma que podemos identificar idiossincrasias nas produções dos compositores europeus que frequentavam os cursos de verão em Darmstadt, podemos fazer o mesmo em relação aos americanos. Postos em comparação, meramente com fins de estabelecermos um limite entre as posturas estéticas e técnicas de ambos os grupos, achamos possível estabelecer um motivo (uma moeda de troca) em comum entre os compositores norte americanos, na mesma medida que podemos estabelecer uma prática em comum entre os europeus identificados anteriormente. # Como modelo binário de oposição, os serialistas adotavam uma postura assumidamente de controle, caracterizado por um pensamento serial generalizado a todos os parâmetros musicais mais ou menos passivos de determinação. Em contrapartida, os norte americanos reivindicavam uma suposta ausência egóica antisistemática do controle sobre o som a qual, como voto de fé, possibilitaria uma existência mais livre dos sons, não se atendo - a priori - a uma preocupação harmônica, melódica e rítmica.# # Chance is a leap, out of reach of one’s grasp of oneself (...) I write by using chance operations to liberate my music from every kind of like and dislike (...) By flipping coins to determine facets of my music, I chain my ego so that it cannot possibly affect it. (CAGE apud REVILL, 1993, p.122)#

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Justificações filosóficas à parte, fato é que do ponto de vista perceptivo, em diversas obras (sejam dos europeus ou dos norte americanos), o processo de criação não leva em conta a memória como parâmetro diferenciador dos elementos presentes na fruição musical, assim como foi na construção do fluxo sonoro desde a Renascença. Postas em contraste tanto Music of Changes (1951) de Cage, quanto Structures (1951) de Boulez, ambas as obras soarão semelhantes. Ontologicamente serão de extrema diferença... Mas, soarão descontinuamente (POUSSEUR, 2008, p.98) semelhantes. Devido a tal contradição é possível afirmar que esse estado de coisas juntamente com uma crise do papel da música erudita como manifestação cultural levou a uma atenuação crítica da função da música como linguagem, consequência que dará vazão à !"#

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antinomia característica às obras artísticas interdisciplinares da década de 1960 em diante. # A influência de outras artes, motivada por uma vontade de contundência interdisciplinar, somada a uma radicalidade criativa, levaram tanto os europeus (alguns mais do que outros) quanto os norte americanos a experimentarem novas formas de comunicar ideias musicais diferentes das propostas na década anterior. Partindo de posturas supostamente menos prescritivas e autoritárias, compositores como Henri Pousseur, Maurício Kagel, György Ligeti, Karlheinz Stockhausen, Cornelius Cardew, John Cage, Christian Wolff, Earle Brown, Morton Feldman e La Monte Young adotaram formas mais descritivas e propositivas de se fazer música. Nesse estágio de pesquisa, a vanguarda se mostra interessada na criação de um novo vínculo entre compositor e intérprete, autoria e performance, obra e improvisação.# Assim como propõe Michael Nyman (1974), os norte americanos (na sua maioria, mas incluindo o inglês Cornelius Cardew e o húngaro György Ligeti) se auto intitularam compositores experimentais9. Mas em que medida suas composições seriam experimentais? O que caracteriza uma obra como experimental?# # Experimental composers are by and large not concerned with prescribing a defined time-object whose materials, structuring and relationships are calculated and arranged in advance, but are more excited by the prospect of outlining a situation in which sounds may occur, a process of generating action (sounding or otherwise), a field delineated by certain compositional ‘rules’.” (NYMAN, 1974, p. 3)#

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Em decorrência direta das prerrogativas do projeto experimental, muito se focou na função e forma da notação dessas situações onde sons podem ocorrer, vide a peça/performance 4’33’’ (1952) de John Cage. Porém, ainda mais relevante como exemplo de partitura experimental e totalmente gráfica, temos Projections (1950-1) de Morton Feldman (Fig. 4), primeira peça desse período a levar em consideração uma situação de indeterminação em relação à função do intérprete. Nesse caso, a partitura ######################################################## "

Essa é uma opinião específica de Nyman, que em geral faz coincidir a obra experimental com a obra aberta – mas não reivindica esse termo por estar ligado à escola serial. No presente ensaio vemos como sinônimos mas, optamos por manter a diferenciação como forma de facilitar as denominações.#

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escrita para violoncelo estabelece um plano geral de estruturas temporais das quais o material sonoro específico fica a cargo do músico. Como indicação, a partitura apenas oferece três representações gráficas de registros possíveis (grave, médio e agudo) dos quais o intérprete deve escolher as notas a serem tocadas de acordo com os períodos organizados e coordenados, por sua vez, com o auxílio de linhas pontilhadas. Sobre ela, Feldman comenta, “In order not to involve the performer (i.e. myself) in memory (relationships), and because the sounds no longer had an inherent symbolic shape, I allowed for indeterminacies in regard to pitch” (NYMAN, 1974. p. 44). Apesar de utilizar uma notação integralmente não tradicional, o autor ainda detém um alto controle sobre a estrutura geral da obra, deixando a cargo do intérprete a escolha das notas e das dinâmicas.# #

# Figura 4. Excerto da partitura Projection 1 de Morton Feldman.#

# Um exemplo ainda mais radical de representação gráfica em partituras é uma das peças do opus Folio (1952-4) de Earle Brown. December 1952 (Folio), para número indefinido de instrumentos, escrita/desenhada por Brown (Fig. 5) é constituída por uma única folha desenhada com retângulos pretos de tamanhos e espessuras diferentes. A peça não apresenta instruções prévias de interpretação.# #

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# Figura 5. Folio (1952-4), December 1952, Earle Brown.#

# Como dito anteriormente, até mesmo alguns compositores da escola pósweberniana também se enveredaram pelas experimentações notacionais e pelas composições mais abertas, nas quais os músicos pudessem ter um certo grau de abertura interpretativa dentro da peça escrita pelo compositor. A peça Zyklus nº 9 (1959) de Karlheinz Stockhausen composta para percussão solo é uma dessas tentativas na exploração gráfica da partitura. Como evidenciado na Figura 6, o músico lê as indicações temporais e instrumentais da pauta central da página e em determinados momentos tem de escolher entre a leitura de um dos quadrados localizados sobre ou abaixo dela, dessa maneira omitindo completamente um ou outro quadrado. Mesmo que circunscrito aos limites criativos determinados na sua totalidade pelo compositor, o músico apresenta um certo grau de escolha, decidindo, por assim dizer, o resultado sonoro da peça.# #

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" Figura 6. Karlheinz Stockhausen, Nr.9 Zyklus (1959)"

" De modo geral, podemos identificar que em ambas as escolas, cada uma da sua própria forma explorou a manipulação da escrita e da notação como meio principal de desenvolvimento e especulação de composições de diversas naturezas. Na segunda metade do Século XX a partitura musical começa a ser manipulada de forma cada vez mais radical; muitos são os casos em que o próprio código musical se encontra no centro das propostas poéticas dos compositores de modo a afastar os limites entre partitura e artes visuais. No entanto, nenhuma delas se pretendeu tão ambiciosa tanto em tamanho quanto em riqueza gráfica do que Treatise (1963-7) do compositor inglês Cornelius Cardew (1936 - 1981). " 2.2. Treatise" Treatise foi composta de forma esparsa no decorrer de quatro anos, entre 1963 e 1967. Cardew trabalhou na realização dos gráficos das 193 páginas da partitura ao mesmo tempo que trabalhava como assistente de design gráfico na editora Aldus Books. Mesmo tendo um emprego formal, o inglês continuou trabalhando na composição de outras peças, organizando concertos e palestras. Sobre Treatise ele comenta, “(...) on the basis of an elaborate scheme involving 67 elements, some !!"

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musical, some graphic; the fusion of two professions” (CARDEW, 2006, p. 97) e tomando como guia uma folha milimetrada, todos os gráficos seguiram uma rígida elaboração - claramente influenciada por seu trabalho como designer gráfico. Numa tentativa de criar um “código coerente que expresse verdades das quais não conhecemos e não podemos vivenciar”10, Cardew faz referência direta ao pensamento de Ludwig Wittgenstein e seu primeiro livro Tractatus Logicus-Philosophicus, ao qual o próprio título da partitura (Treatise, do inglês: Tratado) faz alusão direta. Desenvolvido como um projeto notacional (desprovido de instruções prévias) para música indeterminada e improvisatória, os elementos em jogo na interpretação musical pretendem ser direcionados por gráficos tratados, segundo o próprio compositor, como argumentos lógicos em exaustiva interação11. É notável a preocupação do autor pela criação de uma forma de notação, ao invés de um método notacional. # Como conjectura John Tilbury, a notação pictórica de Treatise é uma tentativa de corporificar o processo pelo qual as pessoas apreendem a estrutura musical12. Através de notas em seus diários, Cardew demonstra uma preocupação em se distanciar de uma escrita musical tradicional, pois segundo experiência própria, parecia-lhe que a convenção notacional se impunha sobre o pensamento composicional de forma determinista e limitadora13. Se esse é ou não o caso, fato é que a teoria da Gestalt se faz presente no processo criativo do compositor, pois como veremos, há citações visuais claras (página 131 da partitura) acerca de esquemas feitos por Wassily Kandinsky em Ponto e Linha sobre Plano (KANDINSKY, 2005). #

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%$“My desire is to experience long-term continuities as beautiful. In the Treatise to create the coherent code which expresses the truths we do not know and cannot live up to.” (CARDEW, journal 4 September 1963 apud TILBURY, 2008, p. 227) Acerca dessa consideração podemos fazer uma ligação direta com o conceito de essência espiritual da linguagem proposto por Walter Benjamim em seu texto Sobre a Linguagem em geral e sobre a Linguagem do homem (BENJAMIN, 2011, p. 49 - 73). # $$ CARDEW, 2006, p. 111.# $! “There is historical and stylistic sedimentation scattered throughout the score as well as expressive, visual gestures of an immediate, inspirational or suggestive nature. In other words, the notation is an attempt to embody the way people actually experience structure in music.” (TILBURY, 2008, p. 228)# $" Sobre esse aspecto, veja o comentário sobre a tese de Edson Zampronha, Notação, Representação e Composição – um novo paradigma da escritura musical, no texto Uma Possível Tipologia das Notações (ZAMPRONHA, 2000, p.55).#

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Figura 7. CARDEW, 1970, p.131.#

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# Figura 8. “Fig.11. O segundo tema traduzido em pontos”. KANDINSKY, 2005, p.39.#

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O jogo entre elementos gráficos e símbolos musicais descontextualizados cria muito mais uma relação de desconstrução com a notação musical tradicional do que uma rejeição a ela. A operação de evitar as convenções simbólicas do código musical tradicional se configura como uma tentativa de propor um estímulo visual, para além do isomorfismo gestaltiano. Esse estímulo se faz presente na leitura e performance da peça como um problema interpretativo; é necessária a criação de algo em comum entre as duas linguagens (visual e musical). Treatise é uma busca do que há de musical (indicial) no visual. O código se encontra no centro da mensagem poética desse período da trajetória de Cardew. # Assim como vemos no pensamento teórico por trás da elaboração da partitura uma influência da escola Cageana/americana14, compreendemos já serem perceptíveis alguns questionamentos acerca do papel social (supostamente elitista) da arte em sua prática composicional, algo que já distanciava a prática composicional do inglês de seus semelhantes avant-garde de ambos os lados do Atlântico e que num futuro próximo se tornará central nas pesquisas do compositor. Treatise se pretendia uma partitura musical para músicos e, principalmente, inocentes musicais.# #

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My most rewarding experiences with Treatise have come through people who by some fluke have (a) acquired a visual education, (b) escaped a musical education and (c) have nevertheless become musicians, i.e. play music to the full capacity of their beings. Occasionally in jazz one finds a musician who meets all these stringent requirements; but even there it is extremely rare. (CARDEW, 2006, p. 130)#

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%$“In my early career as a bourgeois composer I had been part of the ‘school of Stockhausen’ from about 1956-60 working as Stockhausen`s assistant and collaborating with him on a giant choral and orchestral work. From 1958-1968 I was also part of the ‘school of Cage’ and throughout the sixties I had energetically propagated through broadcasts concerts and articles in the press the work of both composers.” (CARDEW, 2006, p. 155)#

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Treatise, por uma estética (?)# # “A composer who hears sounds will try to find a notation for sounds. One who has ideas will find one that expresses his ideas, leaving their interpretation free, in confidence that his ideas have been accurately and concisely notated.” 1963 (CARDEW apud NYMAN, 1974, p. 3)#

# “Mas, para que o jogo se complete (…) devem-se respeitar algumas regras: é preciso de um lado, que a obra seja verdadeiramente uma forma, que ela indique um sentido duvidoso, não um sentido fechado…” (BARTHES, apud ECO, 2013, p.41)#

# “Denominar um objeto é suprimir três quartos da fruição do poema, que é feita

da

felicidade

de

adivinhá-lo

pouco

a

pouco:

sugeri-lo...

eis

o

sonho...”(MALLARMÉ, apud ECO, 2013, p.46)#

# Vista como um fenômeno de linguagem, a# obra de arte tem por pressuposto estabelecer um meio de comunicação poético delegando à sua materialidade uma via que possibilite formular leituras possíveis de sua forma-conteúdo. A obra de arte tem por excelência essa característica heterogênea de comunicação. A função (JAKOBSON, 1969, p.132) da linguagem poética é propor um meio; transformar a linguagem num jogo aberto de significações poéticas, cujas regras interpretativas podem ser formuladas a partir da resultante entre sua percepção enquanto jogo de significantes e como acúmulo simbólico derivado do contexto histórico no qual tanto o fruidor quanto a obra são fruto. # Cada obra é um cosmos próprio, formado de possibilidades comunicativas diversas. Tanto a obra pode ser vista como heterogeneidade infinita dentro de um finito formal como também seu intérprete/executante em potencial é um, entre múltiplas subjetividades interpretativas possíveis (ECO, 2013, p.64). É pois comum, num sentido metafórico, pressupor que toda obra, mesmo que criada sob paradigmas estéticos

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clássicos15, sempre comporta um grande nível de abertura interpretativa, mesmo que sua forma-conteúdo (como um todo indissociável) tenha sido – pretensamente - prédefinida por seu autor. Essa obra supostamente fechada também será invariavelmente reconfigurada e ressignificada pela consciência e cognição de cada leitor, ouvinte ou espectador. No entanto, distanciando-nos da acepção clássica de obra de arte, a estética é obrigada a especular sobre o processo de abertura consciente da obra que surge de uma proposição intencionalmente incompleta, à espera de uma entre várias finalizações possíveis por parte do fruidor. Esse tipo criativo denominado de obra aberta (ECO, 2013) nos interessa como sintoma de um ethos estético próprio da segunda metade do Século XX. # Encarando a arte como criação sujeita a analogias entre sistemas poéticos e sociais, tomar determinada obra como chave de leitura ou metáfora epistemológica (ECO, 2013, p.154) de seu tempo pode contribuir na análise de determinado trabalho e seu contexto social de criação. Ao identificarmos que a estética incorpora como artifício poético a indeterminação interpretativa como parâmetro criativo, ela se faz como mais um exemplo epistemológico desse período histórico também marcado, em suas respectivas áreas de conhecimento, por teorias científicas apontando para a

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%$Entendemos o conceito clássico de obra como um objeto produzido por um autor que possibilite uma comunicação poética de modo que cada receptor em potencial possa reconstituir sua organização global a partir (se necessário) de seu seccionamento e recombinação. Vale aqui retomar alguns apontamentos escritos por Arnold Schönberg (ou seria Aristóteles?) acerca da forma em música: “Em um sentido estético, o termo forma significa que a peça é ‘organizada’, isto é, que ela está constituída de elementos que funcionam tal como um organismo vivo. Sem organização, a música seria uma massa amorfa, tão ininteligível quanto um ensaio sem pontuação, ou tão desconexa quanto um diálogo que saltasse despropositadamente de um argumento a outro. Os requisitos essenciais para a criação de uma forma compreensível são a lógica e a coerência: a apresentação, o desenvolvimento e a interconexão das ideias devem estar baseadas nas relações internas, e as ideias devem ser diferenciadas de acordo com sua importância e função. Além do mais, só se pode compreender aquilo que se pode reter na mente, e as limitações da mente humana nos impedem de memorizar algo que seja muito extenso. Desse modo, a subdivisão apropriada facilita a compreensão e determina a forma. O tamanho e o número das partes não dependem, diretamente, das dimensões da peça. Em geral, quanto maior a peça, maior o número de partes; mas, em alguns casos, uma peça curta pode ter a mesma quantidade de partes de uma peça longa, do mesmo modo que um anão possui o mesmo número de membros e a mesma forma de um gigante. Naturalmente, o compositor, ao escrever uma peça, não junta pedacinhos uns aos outros, como uma criança que faz uma construção com blocos de madeira, mas concebe a composição em sua totalidade como uma visão espontânea; só então é que inicia a elaboração, como Michelangelo que talhou seu Moisés em mármore sem utilizar esboços, completa em cada detalhe, formando, assim, diretamente, seu material.” (SCHOENBERG, 2012, p. 27-28)#

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incerteza dos fenômenos, a relatividade do tempo e a possibilidade de fragmentação da matéria até sua menor partícula. # No entanto, como a arte é ontologicamente distinta das ciências exatas, para efeito de análise, familiarizar-se com sua potencialidade poética em trabalhar conceitos de áreas diversas como material simbólico para sua gênese se faz necessário. Livrar-se do equívoco de tachar o conceito de obra aberta como uma “obra inacabada”, à espera do fruidor/criador, é essencial na aceitação da linguagem poética como área de conhecimento própria. # # (...) a obra permanece inesgotada e aberta enquanto ‘ambígua’, pois a um mundo ordenado segundo leis universalmente reconhecidas substituiu-se um mundo fundado sobre a ambiguidade, quer no sentido negativo de uma carência de centros de orientação, quer no sentido positivo de uma contínua revisibilidade dos valores e das certezas. (ECO, 2013, p.47)#

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A “forma inacabada” como um convite de coautoria é a chave para um entendimento possível acerca da linguagem operando poeticamente. No caso de obras do Século XX, esse jogo entre autor e fruidor será um terreno fértil para especulações estéticas diversas. Ao tomarmos a obra de arte - no nosso caso, a obra musical – como um meio pelo qual a comunicação acontece, como devemos proceder para compreender a mensagem poética, visto que podem coexistir nesse mesmo meio uma infinidade delas? # Partamos do pressuposto que o conteúdo da obra também é sua forma, assim como a informação contida nela é o próprio código de leitura16. Em conformidade com essa visão é que pretendemos evitar qualquer tipo de interpretação forçosa sobre Treatise. Correndo o risco de assumir uma postura formalista, a análise que se segue focará também em evitar uma postura interpretativa perversa17 que não leve em conta partes constitutivas da totalidade de informações que cercam a peça. Porém, mantendo ######################################################## $% Cabe aqui retomar o pensamento de Walter Benjamin (2013, p.51), salvo as diferenças entre os objetos de estudo do filósofo (a língua verbal) e o nosso (a música e sua notação); “Isso significa que a língua alemã, por exemplo, não é, em absoluto, a expressão de tudo que podemos – supostamente – expressar através dela, mas, sim, a expressão imediata daquilo que se comunica dentro dela.”.# $& “What the overemphasis on the idea of content entails is the perennial, never consummated project of interpretation (...) To interpret is to impoverish, to deplete the world - in order to set up a shadow world of ‘meanings.’” SONTAG, Susan. Against Interpretation. Acessado no dia 22 de maio de 2015: http://employees.csbsju.edu/dbeach/beautytruth/Sontag-Against%20Interpretation.pdf. #

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em mente a incontornável abertura que qualquer trabalho poético proporciona tomamos algumas liberdades ao discorrer sobre áreas do conhecimento que o contexto da obra nos indicou. Esperamos que fiquem claros os caminhos tomados em nossa reflexão ainda que especulativa, pois esta tenta não perder de vista a obra que a originou. # # As partes de Treatise# # Treatise (em português, Tratado) foi inicialmente criada pelo compositor inglês Cornelius Cardew entre os anos de 1963 a 1967, com a intenção de organizar um total de 67 categorias de elementos gráficos18 que resultariam numa partitura musical aberta, desprovida de instruções para sua leitura. Inicialmente alimentadas por extensos estudos sobre o trabalho filosófico de Ludwig Wittgenstein, o compositor se valeu de reflexões acerca da linguagem musical ocidental e do funcionamento de seu código (a notação).# Publicada como partitura gráfica – originalmente feita em 1967 pela Galeria Upstairs Press em Buffalo nos EUA19 – Treatise é um quebra-cabeça notacional de 193 páginas, das quais as únicas informações extra musicais, contendo alguma dimensão semântica a priori, são:# # - Capa e contracapa: o título da obra, o nome do autor, o logotipo da editora (na capa há o número Nº 7560 e na contracapa estão os nomes das cidades nas quais a empresa possui escritórios), duas pautas musicais em branco e sem clave no canto ########################################################

%$Segundo o próprio compositor em uma publicação posterior a partitura, publicada em 1971 chamada Treatise Handbook, o compositor afirma, “Early in 1963, on the basis of an elaborate scheme involving 67 elements, some musical, some graphical, I began sketching what I soon came to regard as my Treatise (...)” (CARDEW, 2006, p.97). No entanto, em sua bibliografia A Life Unfinished (TILBURY, 2008), o autor e pianista enfatiza a dificuldade de se chegar exatamente nesse número de elementos, “The problem was compounded by the extraordinary fecundity of the score and elusiveness of the signs which constantly combine and change in bewildering fashion, contributing to an exhilarating and vivifying impression of movement in the notation. So it was partly in desperation that we agreed that an approximate figure, say between sixty and seventy, would be acceptable. However, our first count was far too general and amounted to less than thirty”.# $" No entanto, nossa versão corresponde à segunda edição da partitura impressa pela editora Edition Peters no ano de 1970.#

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inferior (que, por sinal são os únicos elementos presentes em todas as páginas, começando na capa e indo até a última página da publicação, separadas por uma margem em branco de dois centímetros entre as laterais);# #

# Figura 9. capa da partitura (CARDEW, 1970).#

# - Primeira página20: “© 1967 by Gallery Upstairs Press, USA”, “© 1970 assigned to Hinrichsen Edition, Peters Edition Limited, London” (ambos impressos);#

######################################################## $" Cada página apresenta no canto inferior direito o seu número correspondente na publicação. Ao que tudo indica, pela natureza gráfica da marca, feita à mão pelo próprio compositor.#

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# Figura 10. CARDEW, 1970, p.1.#

# - Página 193: “1963-67” (escrito a mão);#

# Figura 11. CARDEW, 1970, p.193.#

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- Página 195: “No part of this work may be reproduced, for any reason, by any means, including any method of photographic reproduction, without the permission of the publisher” (impresso e adicionado pela editora ao documento original);#

# Figura 12. CARDEW,1970, p. 195.#

# Pelo que consta, o compositor ficou satisfeito com a ausência de qualquer introdução ou instruções atreladas à publicação. No entanto, devido à extensão do trabalho, exigiu-se a posteriori da publicação da partitura (quatro anos depois) uma segunda publicação - Treatise Handbook - que serviria de auxílio ao trabalho interpretativo da peça.# #

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I wrote Treatise with the definite intention that it should stand entirely on its own, without any form of introduction or instruction to mislead prospective performers into the slavish practice of ‘doing what they are told’. So it is with great reluctance – once having achieved, by some fluke, the ‘cleanest’ publication it were possible to imagine – that I have let myself be persuaded to collect these obscure and, where not obscure, uninteresting remarks into publishable form. (CARDEW, 2007, p.97)21#

# ######################################################## "$ Perguntamo-nos se essa persuasão não teria sido feita por meios de uma pressão publicitária por parte da editora, numa tentativa de facilitar a circulação da obra e assim ter a possibilidade de vender mais uma publicação atrelada à partitura. #

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Metanarrativa ou narrativas ?" A peça é um sistema visual aberto a leituras diversas e cabe ao intérprete, a partir de uma intenção interpretativa própria e de seu envolvimento com a linguagem musical, desenvolver seu sistema de decodificação dos signos presentes na partitura. Não só a obra desafia o intérprete a buscar novas formas de leitura e execução, como também põe em xeque a própria noção clássica de obra enquanto objeto inteiramente definido por seu criador. Treatise é fruto do Zeitgeist das décadas de 1960 e 1970, assim como diversos trabalhos de membros do Grupo Fluxus e compositores como Henri Pousseur e Mauricio Kagel. Repletas de propostas contestadoras do status quo social, as artes buscavam a interdisciplinaridade e a expansão radical dos limites que separavam as diversas linguagens artísticas, propunham provocações que pusessem em xeque os paradigmas estéticos do que seria o objeto artístico e o papel do autor nesse processo22." O resultado sonoro da tradução do código visual em Treatise não é dado pelo compositor; cabe ao intérprete (ou grupo de intérpretes) travar o embate entre a proposta conceitual da obra (assim como essa é notada) e a chave de leitura escolhida por eles. De modo geral, Treatise é experimental tanto no que diz respeito ao alto nível de indeterminação sobre o resultado da proposição da partitura quanto sobre a dificuldade de identificar duas gravações como sendo interpretações da mesma partitura. Michael Nyman (NYMAN, 1974, p.9) coloca como característica do experimentalismo dessa época, do qual a escola americana foi precursora, obras que apresentem um nível difuso de identidade. Faz parte do projeto experimental multiplicar à enésima potência os elementos que em diferentes gravações ou performances determinariam que estas correspondem à mesma obra. Em Treatise quais seriam esses elementos?" " The exercise is a subjective one – just as an initial classification of the graphic material depends as much on the visual awareness and imaginativeness of the reader as on the objective features of the signs themselves. (TILBURY, 2008, p.232)"

"""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""" ## Sobre esse aspecto do pensamento artístico de 1960 e 1970, um dos textos mais claros sobre o posicionamento anti establishment é o The Education of the un-artist (1971) do artista multimídia Allan Kaprow onde o destrono das instituições artísticas estão na ordem do dia."

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# Nota-se, devido à influência do Tractatus Logico-Philosophicus sobre grande parte da formação de Cornelius Cardew, que os trabalhos sobre as páginas e escritos de Treatise tiveram seu início partindo da especulação conceitual e prática acerca da linguagem musical. Ao que parece, o centro dos questionamentos levantados por Cardew reside na relação entre o funcionamento da música como linguagem e na maneira pela qual a sintaxe da obra - sobre a qual se assenta sua própria semântica, segundo Oliveira (1979, p.11) - pode ser confundida com seu código de transmissão. # Por vezes – e principalmente no contexto da escola americana e em peças de outros compositores europeus desse período, tal qual Sylvano Bussotti (1931 - ) - o aspecto gráfico da partitura reivindica para si o status de obra, deixando difusos os limites que separam uma obra musical de uma obra visual. É a partir desse ponto especulativo inicial que Treatise instiga considerações abrangentes sobre o funcionamento do código da linguagem musical no Século XX, ao mesmo tempo em que já aponta, como dito anteriormente, para consequências na prática musical por conta de uma falta de linguagem musical em comum. # #

# Figura 13. excerto de La Passion selon Sade (1966) do compositor italiano Sylvano Bussotti.#

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Através da exacerbação formal consciente de processos gráficos em transformação no decorrer da partitura, Cardew propõe um problema interpretativo de tradução da visualidade do código em algo de musical. Treatise exige que o músico não seja apenas um intérprete de símbolos, mas que ele se coloque no centro da composição que toma forma ao se musicar a sintaxe indicial inerente à rede de gráficos da peça. # # ‘An articulated network’ describes better what I am working on. Not a discussion of (representing) objects. Work with your hands on the material (the netting); don’t try and set up grammatical rules which you will only ignore in the next page. (CARDEW, 2006, p.102)#

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Ao que tudo indica, somado ao nebuloso complexo de textos (Treatise Handbook, CARDEW, 2006, p.95), a obra pode ser vista como um tratado aberto para aqueles que ainda buscam uma sintaxe musical para além das convenções da História da Teoria Musical e das práticas instrumentais convencionais, instigando o músico a focar na gestualidade e na construção do timbre, seja do seu instrumento ou do agregado derivado do grupo como um todo.# Através de registros em diários publicados em sua biografia A Life Unfinished (TILBURY, 2008), é possível identificar no decorrer dos quatro anos de trabalho na realização de Treatise que a ideia inicial de Cardew em construir a visualidade da partitura como um sistema lógico foi se dissolvendo em detrimento de uma prática mais atenta à percepção auditiva e menos à visual. O inicial rigor gráfico23 dá lugar a uma gradual perda de unidade, iniciando na página 185 e tendo seu ápice na página 190, onde a composição - marcada por um grande caráter expressivo - nem sequer foi feita pelo próprio compositor, e sim por sua mulher, a pintora Stella Sargent Underwood. Ao que tudo indica, trata-se de um relaxamento formal por parte do compositor, mas que também já apresenta traços de distanciamento crítico (com um misto de desilusão) com relação à sua própria premissa conceitual. Podemos inferir – através de apontamentos em seu diário (TILBURY, 2008, p. 238-242) – que o contato ######################################################## $!

Com rigor queremos nos referir ao evidente uso de canetas técnicas (tipo Rapidograph) e um alinhamento preciso das linhas ou outros elementos gráficos organizados a partir de um grid modelo. É somente a partir da página 169 que o uso de desenho à mão livre ganha o plano central da configuração da página, tal qual acontece apenas uma única vez na página 44. #

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com o grupo de improvisação livre inglês AMM norteou cada vez mais o compositor para a valorização da prática em conjunto como um método mais eficaz de desenvolvimento musical, distanciando a notação de sua supremacia norteadora da improvisação. #

# Figura 14. CARDEW,1970, p. 185.#

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# Figura 15. CARDEW,1970, p. 190.#

# Torna-se evidente que, por mais que a obra se origine de um questionamento acerca da estrutura lógica da linguagem (assim como no Tractatus), podemos notar – através de uma perspectiva histórica de mais de quarenta anos desde a finalização de Treatise – que é inerente à abertura proporcionada por ela a indeterminação24 dos resultados sonoros, que por sua vez pode ser trabalhada por diversos planos e chaves interpretativas. Essa heterogeneidade interpretativa também é o que associa Treatise a uma obra de caráter experimental, cuja contundência enquanto obra se concentra na ideia e cujo resultado sonoro se apoia no trabalho processual de tradução da partitura, mesmo que conflitante com o projeto inicial rígido do compositor. # # Ideally, then, we should while composing strive to eliminate all mere interpretation, and concentrate on the notation itself, which should be as new and fresh as possible (hence less

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%$“In Cardew’s indeterminate Works, as we have already seen, the originality of the notation serves to bring the question of musical ‘structure’ to the surface and the listener is aware of the resulting music ‘as a token of something that exists in some sense independently of the sound; it means not so much hearing the sounds as hearing the composition through the sound.’ ” (TILBURY, 2008, p. 231)#

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likely to arouse preconceptions in the interpreter – though if you have a good interpreter isn’t it likely that his preconceptions will be good too?) and should contain implicit in its internal structure, without any need of any instruction, all the implications necessary for a live interpretation. (CARDEW apud TILBURY, 2008, p.230)#

É a partir desse ponto de vista da obra que pretendemos discorrer a seguir acerca de duas possíveis dimensões interpretativas do trabalho, das quais algumas podem se distanciar mais ou menos dos conceitos intrínsecos ao processo criativo inicial, por sua vez se focando em um aspecto em detrimento do outro.# # 1. Logicamente (caráter simbólico e indicial): como código de linguagem, construído por convenções e concatenações/transformações de caráter lógico;# 2. Visualmente (iconicamente) através da Gestalt: seja por semelhança a algum objeto ou espacialmente, enquanto mapa da performance;# # Treatise como sistema lógico# # I was 23 when I first came across Wittgenstein’s Tractatus: right from the first sentence, handwritten by Slad [David Sladen, an old school-friend] as a foretaste before he gave me the book. “The world is everything that is the case.” It made a deep impression on me. The name Treatise (from Tractatus): a thorough investigation. Of what? Of everything, of nothing. Like the whole world of philosophy. (CARDEW, 2008, p.236)#

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Assim como seu mentor particular - o filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein (1889 - 1951) - Cardew se dedicava a entender a relação entre a realidade (como a percebemos) e os limites da linguagem enquanto sistema lógico. Como objeto de análise para esse problema, o compositor se dedicou a testar os limites e o funcionamento da noção de obra musical – no interior da tradição da música erudita Ocidental - através de seu código gráfico, a notação. # Analisar uma partitura gráfica como uma metáfora epistemológica de um sistema lógico

simbólico,

influenciado

pelo

Tractatus

Logico-Philosophicus

(inicialmente publicada em 1921 por Wittgenstein), exige um “entendimento” (mesmo que preliminar) das ambições desse trabalho. Não será nossa intenção discorrer – com a devida profundidade – sobre os conceitos filosóficos do sistema criado por !"#

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Wittgenstein ou até mesmo, escrutinar sobre sua validade enquanto sistema filosófico. Porém, esboçar uma aproximação entre seus conceitos chave (tipos de proposições e os limites da linguagem) e os grupos gráficos presentes em Treatise não eliminará a validade dessa empreitada.# De acordo com David Pears (PEARS, 1973, p. 45), comentador e tradutor da obra do filósofo para o inglês, podemos seccionar o Tractatus em sete proposições principais postas em processo de escrutínio lógico no decorrer do livro.# “1. O mundo é tudo que é o caso.” p.135# “2. O que é o caso, o fato, é a existência de estados de coisas.” p.135# “3. A figuração lógica dos fatos é o pensamento.” p.147# “4. O pensamento é a proposição com sentido.” p.165# “5. A proposição é uma função de verdade das proposições elementares.” p.203# “6. A forma geral da função da verdade é [p, , N( )]. Isso é a forma geral da proposição.” p.247# “7. Sobre aquilo que não se pode falar, deve-se calar.” p.281# # A partir dessas sete proposições, Pears (1996, pp. 685-701) deriva, assim como fez Wittgenstein através de outros escritos, três tipos de expressões lógicas provenientes do sistema geral dos tópicos.# 1. proposições factuais: confrontam a realidade (podem ser verdadeiras ou falsas), onde: (X e Y) = (Y ou X)25;# 2. tautologias: necessariamente verdadeiras e destituídas de material descritivo, onde: não(não X ) =X; # 3. contradições: necessariamente falsas e destituídas de material descritivo, onde: não(X e Y) = (nãoX) ou (nãoY); # ########################################################

%$As fórmulas correspondentes escritas ao final dos itens: um (proposições factuais), dois (tautologias) e três (contradições) são derivações formais dos conectivos lógicos expostos por George Boole em seu trabalho sobre a “matematização” dos argumentos lógicos de Aristóteles (DOXIADIS, 2010, p. 322); não são deduções feitas pelo próprio Wittgenstein. Utilizamo-nos delas como meio ilustrativo desses conceitos, mas também com o intuito de rastrear vínculos com teorias anteriores ao Tractatus, determinantes na elaboração do mesmo.#

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No entanto, para que se possa definir a natureza das proposições factuais é necessário decompô-las (atomizá-las26) em proposições elementares, que por sua vez, se demonstradas verdadeiras, serão o conjunto de figuras de fatos, e comporão o pensamento acerca da realidade (assim como proposto nas seções 1 a 5 do Tractatus). A meta desse processo de atomização é definir a validade dos axiomas de uma formulação lógica primeira, algo que, no decorrer do trabalho de Wittgenstein, levará à definição das três expressões expostas acima. # Essa visão da primeira fase do filósofo é muito influente no campo da filosofia da lógica e da matemática; a partir do Tractatus, o filósofo consegue dar continuidade às contribuições feitas ao ramo da Lógica pelo Paradoxo de Russell27, publicado em 1901 por Bertrand Russell, que por sua vez culminará no Teorema da Incompletude de Kurt Gödel em 1931. Segundo Ludwig Wittgenstein, a Lógica, vista por ele como ferramenta descritiva da realidade, só pode ser efetivamente usada até certo ponto, onde a veracidade de uma proposição ainda possa ser pautada a partir de figuras factuais (algo próximo ao interpretante de Peirce), que por sua vez, seriam passíveis de uma redução ad infinitum dos processos semióticos de significação. No entanto, caso esse limite seja ultrapassado, a lógica (enquanto sistema objetivo) atinge um paradoxo ou uma tautologia, portanto não sendo mais capaz de descrever a realidade mas somente a si mesma enquanto sistema simbólico. # Aqui é preciso eliminar desde já a possibilidade de equívoco, pois como modelo abstrato ideal de linguagem lógica, o processo de atomização das proposições ######################################################## $% Segundo Pears (1996, p. 685-701), esse seria um traço da influência dos métodos lógicos de Bertrand Russell sobre a primeira fase do pensamento de Wittgenstein. Comumente dividido em duas fases, a primeira é associada ao Tractatus, sistematizado de forma dogmática tenta definir os limites da lógica. Em sua “segunda fase”, repudiando o livro anterior, Wittgenstein apresenta em sua publicação póstuma (Investigações Filosóficas, publicado em 1953), uma investigação concentrada na linguagem e sua relação com a psicologia (hoje chamada de psicologia cognitiva). Contrapondo-se conscientemente ao método de seu primeiro trabalho, fundamentado sobre a busca de verdade lógica e objetiva, ele se utilizou de conceitos simbólicos nebulosos passíveis de definição por seu uso ordinário e contextual.# 27

O Paradoxo de Russell consiste em demonstrar a existência de um paradoxo no interior da Teoria dos conjuntos (formulada por Georg Cantor em 1873), desenvolvida a partir de um conceito bastante simples de Bernard Bolzano (1781-1848), o de “agrupar elementos com uma propriedade em comum”, que em seguida foi transplantada para o ramo da Lógica por Gottlob Frege (Grundgesetze der Arithmetik, 1893). O Paradoxo foi formulado através de linguagem ordinária da seguinte forma: “O conjunto de todos os conjuntos que não pertencem a si mesmos pertence a si mesmo? Quando pertencer, não pertencerá E, quando não pertencer, pertencerá”.

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factuais “funciona”. Somente dentro de um sistema ideal há viabilidade de conceber proposições elementares independentes entre si a ponto de serem verdadeiras isoladamente. Contudo, para o propósito da análise, em uma linguagem de uso ordinário, sua estrutura depende de seu uso contextual; uma contradição, assim como uma proposição factual, pode surtir efeitos comunicativos efetivos, tal qual vemos em usos poéticos da língua. É pois a partir da implementação do sistema lógico ideal num contexto ordinário que se evidenciam suas incompletudes. # A sétima seção do livro (“7. Sobre aquilo que não se pode falar, deve-se calar.”) será a origem de interpretações totalmente diversas: a visão positivista proveniente do Círculo de Viena deduz que a expressão “sobre aquilo que não se pode falar” logicamente é um contrassenso; porém, tanto o próprio Wittgenstein (em sua segunda fase) acredita que a elocução “sobre aquilo que não se pode falar” é a que realmente importa devido a impossibilidade de serem traçados limites claros entre linguagem e fatos. A partir desse divisor de águas é que o filósofo tentará elucidar essa “linguagem contextual”, semelhante a uma forma de vida ou jogo (WITTGENSTEIN, 1979). # É baseado nesse processo de elaboração filosófica que propomos uma chave de leitura de Treatise. Ao partir de uma proposição inicial (axioma) sobre que tipos de sons correspondem a determinados elementos gráficos, cabe ao músico levar essa proposição ao seu máximo de “escrutínio lógico” no decorrer da performance. Porém, caso se depare com uma contradição entre o que seu sistema lógico proporciona de tradução da partitura em sons e o que será apropriado ao fluxo indicial da improvisação construída pelo grupo (assim como sua vontade ou possibilidade técnica lhe fazem parecer), o músico pode optar por abandonar seu sistema interpretativo inicial. Caso abandone a interpretação inicial, força-se a escolher conscientemente28 uma interpretação contextual alternativa pontual ou, partindo de novos axiomas, reinterpretar os símbolos daquele ponto em diante.#

######################################################## $% “If one interpretation proves troublesome or unsatisfactory we slip into another; but this must be watched and conscious”(CARDEW, 2006, p.100).#

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Como forma de estabelecer um axioma inicial para os fundamentos gráficos da partitura, faz-se mister estabelecer um paralelo entre os três29 conjuntos de elementos gráficos básicos presentes em toda a peça e os três fundamentos derivados do Tractatus, onde podemos distinguir os seguintes grupos:# # 1. desenhos gráficos (formas geométricas abstratas);# 2. números;# 3. elementos do código musical.# # Pode-se operar assim por semelhança a: # Treatise#

Semiótica Musical#

Categorias peircianas#

Proposições Factuais

Material sonoro e sua

Ícone#

(como figuras de fatos)#

manipulação#

Números#

Tautologias#

Sintaxe musical#

Índice#

Elementos do código

Contradições#

Música intencionada

Símbolo#

Tractatus LogicoPhilosophicus#

Formas abstratas#

musical#

como obra de arte#

# Na mesma medida em que os argumentos são tratados logicamente, em Treatise, no ano de 1966 (um ano antes de seu término) Cardew também pretendeu que:# # The length of the score is the justification for the absence of an interpretative system; the graphic material is treated of such an exhaustive manner that an interpretation (musical or otherwise) is able to emerge quasi unconsciously in the mind of the reader in the course of reading the score. (CARDEW, 2006, p.115)#

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Apesar de Tilbury atribuir ao material gráfico quatro categorias (formas abstratas, símbolos do código musical, números e a linha central – que em quase toda a totalidade da partitura está presente nas páginas), optamos por reduzir esse número acrescentando a linha central como parte integrante da primeira categoria. Cabe ressaltar que Tilbury elenca a “linha da vida” (life line, segundo Cardew) como uma categoria à parte por conta de estar presente na obra como um denominador comum entre todas as páginas. No entanto, optamos por reduzir as categorias em três devido a radicais transformações que a linha sofre nas páginas 114, 116, 141, 148, 156, 160, 190.#

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Cabe antever que é devido a essa qualidade “quase inconsciente” da obra que propomos traçar mais adiante um paralelo entre o isomorfismo gestaltiano e uma interpretação visual baseada nas leis da forma da Gestalt. E é pela tendência ao paradoxo que Treatise “falha” enquanto sistema lógico. O paradoxo que indica o descompasso entre o pressuposto lógico teórico e sua demonstração da realidade é a via de entrada da poética no escopo do projeto de Cardew. Retomamos aqui o pensamento de Wittgenstein: “O nocivo não é produzir a contradição no lugar onde nem o consistente ou a proposição contraditória têm qualquer tipo de pertinência, não; o que é nocivo é não saber como o indivíduo chegou ao lugar onde a contradição não causa danos.”30 Mesmo a partitura sendo uma construção física formatada por elementos gráficos numa evolução (transformação) projetada inicialmente através de uma lógica (mesmo que velada pelo autor), a constatação de interpretações musicais completamente díspares (de acordo com uma escuta do número de gravações até hoje feitas) são prova da refutação de existência de uma única “obra musical Treatise”, apontando-nos novamente à noção de que Treatise pode funcionar como um tratado para uma prática musical aberta, uma guia de diretrizes para um processo significativo contextual.# Na mesma medida em que numa situação hipotética entre um casal de jovens, a possibilidade do garoto beijar a garota depende da resultante (distância) da função iterativa de divisão pela metade da medida anterior entre os dois lábios31, Treatise (enquanto ideia) sempre se encerrará no sistema lógico velado de seu autor, em que sua origem tende ao infinito de possibilidades e um encontro com a real obra (no sentido de uma sintaxe fechada) é uma impossibilidade numérica. # A existência de leituras diversas da partitura (executadas em mais de 40 anos) demonstram a existência de muitas obras musicais (na acepção clássica do termo) derivadas dessa notação. Para efeito de análise de sua organização musical, o que as difere de sua matriz gráfica é que em nenhuma medida ambas as mídias (sonora e ######################################################## "$

WITTGENSTEIN apud LEMOS, 2012. http://atelie397.com/capacidade-de-ressoar/. Acessado no dia 26 de maio de 2015.# "% Esse paradoxo pode ser formalizado como: # &'()*+#,)-.%/)#-$# ,) corresponde a distância total e d1 a distância inicial; n corresponde a enésima da função.#

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gráfica) conseguem tecer um fluxo sonoro de estrutura socialmente convencionada com a rede indicial da música pensada por seu autor, tal qual uma obra composta sob um código instituído consegue. Ao nosso ver, essa contradição é o que fundamenta e instiga a leitura da obra; Treatise (o Tratado) se faz pertinente enquanto literatura musical de um certo tipo de linguagem em crise com seu funcionamento. A constatação desse fato é menos importante do que especular sobre como tal contexto se formou propiciando a existência da contradição." " " " " " " " " " " " " " " " " " " " " " " " !!"

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Discussão e Resultados# # “ESTUDANTE# Deve haver, ainda assim, na palavra um conceito.#

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MEFISTÓFELES# Bem! Mas sem que o leveis a peito;# Onde do conceito há maior lacuna,# Palavras surgirão na hora oportuna.# Palavras solverão qualquer problema,# Palavras construirão qualquer sistema,# Influem palavras fé devota,# De uma palavra não se rouba um jota.” # (GOETHE, 2011, p.160)#

1.# Anteriormente, ao analisar a dimensão conceitual de Treatise por um viés lógico - traçando ao mesmo tempo paralelos com a noção de obra aberta (ECO, 2013) - pontuamos que ao propor uma notação visual de leitura radicalmente aberta, Cornelius Cardew apresenta ao músico (seja ele profissional ou inocente musical) um desafio interpretativo de função poética com potencial a revelar aspectos do funcionamento de ambas as linguagens em jogo na obra. O código criado pelo compositor opera simbolicamente a partir de uma relação dinâmica entre elementos musicais, gráficos e conceituais. A obra – inicialmente vista como proposição estética predicada em processos interpretativos subjetivos e arbitrários, também pode ser vista como um sistema poético que possibilite desvelar a unidade cultural (ECO, 1973, p. 16) de quem a interpreta. # #

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“Se o universo dos códigos (que emparelha sistemas sintáticos com sistemas semânticos e possibilita às unidades dos sistemas semânticos tornarem-se as unidades expressivas de ulteriores sistemas semânticos), fosse unívoco e definido de uma vez por todas, a linguagem (e as linguagens em geral) serviriam unicamente para comunicar o que já foi instituído, ou quando muito serviria para comunicar eventuais modificações do conteúdo que o plano da expressão, na sua articulabilidade, já prevê. No entanto, a linguagem também serve para funções criativas, e a tal ponto criativas que reestruturam o próprio plano da expressão. Em outras palavras: através do uso científico e poético da linguagem nós não só descobrimos novas unidades de conteúdo como colocamos em crise os códigos (e, portanto, os próprios sistemas expressivos) e criamos novas possibilidades comunicacionais.” (ECO, 1973, p.XIV)#

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Levando em conta o alto nível de indeterminação intencionado pelo compositor32, nossa análise semiótica das páginas 21 e 22 de Treatise (CARDEW, 2004, faixa 2) fundamenta-se a partir do escrutínio de duas teorias totalizantes da percepção. O intento em estabelecer esses princípios é de levantar pontos de semelhanças entre elas e a teoria musical e, assim, utilizá-las como ferramentas descritivas da forma musical proposta na leitura da partitura.# O presente texto não tem a pretensão de elaborar uma teoria semiótica original que ao mesmo tempo abarque de maneira rígida a totalidade do funcionamento cognitivo humano e dos processos linguísticos. No entanto, tendo em vista a interdisciplinaridade dos assuntos em questão e a plena consciência do volumoso arcabouço teórico necessário para embasar tal discussão33, nos restringiremos a comentar sobre tais linhas de pensamentos como contribuição à prática musical, à compreensão de seu código e à criação de significações da obra34. Almejamos que a presente reflexão instigue o músico brasileiro interessado no repertório de partituras gráficas e na improvisação contemporânea, originando novas interpretações de Treatise.# # 2.# Inicialmente, prescindindo de um estudo mais profundo da gramática especulativa peirceana e suas classificações fenomênicas da semiótica, consideramos ser necessário buscar no contexto histórico de sua concepção (segunda metade do ########################################################

%$“(To a person who thinks the piece is a code to which the key is missing, what I am doing will look like providing a key. Actually I am simply interpreting. The piece is an abstract work of design, to which meanings have to be attached such that the design holds good)”(CARDEW, 2006, p.105)# $$ Ao refletir sobre a noção de forma musical, tentaremos evitar cometer possíveis imposturas intelectuais (SOKAL e BRICMONT, 1999) ao aproximar teorias distintas entre si e externas ao campo teórico da música.# $! Por mais que a partitura seja um princípio notacional para uma improvisação-leitura, consideramos cada registro ou performance de algum trecho, ou a totalidade de Treatise, como uma obra nova e autoral, visto que cada performance se dá sobre configurações sintáticas-musicais próprias. Cardew também pontua: “(...) an instrumentalist who reads through 200 pages of such material will inevitably find himself forming musical associations, and these will form the basis of his interpretation. Such associations belong of course to the musician who has them, and that is why I hesitated at the beginning to talk of the sounding music as my music. What I hope is that in playing this piece each musician will give of his own music – he will give it as his response to my music, which is the score itself. ”(CARDEW, 2006, p. 113).#

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Século XIX e primeira do XX) outras teorias que utilizem o discurso lógico como método de argumentação cientificista sobre os dados da consciência humana. Esse levantamento possibilitou aproximar35 a semiótica de Peirce e a Gestaltheorie como duas frentes semelhantes de investigação dos processos de percepção e significação. # Lembramos que de forma alguma, ao aproximar estas duas teorias, pretendemos que suas relações internas – com questões próprias a cada teoria – sejam reduzidas como equivalências. No entanto, tal apropriação ainda se mantém pertinente, devido a ambas proporem novos caminhos teóricos para além de uma visão de realidade estritamente mecânica de descrever as diferentes dimensões de realidade (sensível e ideal, sujeito e objeto) como efeitos estanques de determinada causa, mas sim, optando por uma visão dinâmica dessas realidades concomitantes. # # 2.1# De modo geral, ambas as teorias (semiótica e Gestalt) se valem de princípios lógicos de articulação do discurso. A partir de um ímpeto científico de especulação, os dois sistemas teóricos concebem tanto a percepção quanto a significação dos fenômenos como dimensões sincrônicas inerentes aos processos dinâmicos da mente detida no entendimento global de um determinado objeto ou ideia. Uma das vantagens em se utilizar da semiótica e da Gestaltheorie como bases descritivas de uma análise reside na liberdade poética de se distanciar, mesmo que momentaneamente, de discussões acerca dos princípios históricos e filosóficos do pensamento metafísico da Forma. Implementando atitudes tipicamente modernas de criação de novos fundamentos de uma ciência original e totalizante36 ambas almejaram, sob conceituações distintas, o mesmo objetivo: a compreensão das formas.# ########################################################

%$Sobre essa aproximação podemos tirar conclusões produtivas de Sokal e Bricmont, ao aplicar suas considerações ao contexto de nossa pesquisa. “Na prática, existem tantas ordens de grandeza separando átomos de fluidos, cérebros ou sociedades, que diferentes modelos e métodos são naturalmente empregados em cada campo, e estabelecer uma ligação entre esses níveis de análise não é forçodamente uma prioridade.”(SOKAL e BRICMONT, 1999, p. 206).# $& O positivismo científico fez com que a virada do Século XIX para o XX presenciasse o nascimento e desenvolvimento de sistemas lógicos de representação do mundo a partir do referencial da realidade humana. O denominador comum entre eles residia no uso da linguagem como meio mais qualificado de intermediar sujeito e realidade. Podemos ver exemplos disso em empreendimentos filosóficos como os de Ludwig Wittgenstein, Bertrand Russell, O círculo de Viena e Freud, por exemplo. #

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Peirce elenca o signo como ideia central de seu pensamento e a semiose como modelo próprio de desdobramento dessa noção. Por sua vez, a Gestaltheorie toma o isomorfismo como modelo representativo fundamental da dinâmica psicofísica humana e o comportamento como administrador dos processos de significação visual caracterizado por uma leitura desde o todo até as partes das coisas.# # 3.# Ao estabelecer os princípios da semiótica, Peirce desenvolve uma classificação de três possíveis estágios perceptivos de um dado fenômeno. Chamado de Primeiridade, o estado incipiente da consciência é caracterizado por Peirce como um imediatismo entre objeto e sujeito37; os fenômenos são percebidos instantaneamente, de forma a existir apenas enquanto potencialidade significativa – o que na fenomenologia de Merleau-Ponty pode ser comparado a um vir-a-ser (DONZELLI, 1980, p.70). A Primeiridade não seria capaz de formular considerações complexas sobre o percebido, pois ainda é puro potencial de relações. # Em um segundo estado, chamado de Secundidade, Peirce identifica que a partir de uma intenção mais detida ao tempo do fenômeno, seriam formuladas relações dialéticas de causalidade entre as diferenças dos elementos em jogo no contexto da percepção. Somente na Terceiridade o intérprete (no caso da existência de um agente físico) seria capaz de desempenhar processos mentais complexos de natureza sígnica, algo que Peirce nomeia de semiose (processo associativo abstrato de finalidade indeterminada). Nesse estágio é que Peirce concebe como modelo classificatório inicial a tríade objeto-signo-interpretante. Compreender a dinâmica entre eles possibilita o estabelecimento de relações cognitivas de comunicação consciente entre fenômeno e significação.# O signo, como algo que está no lugar lógico de outro elemento, pode ser encarado levando em conta três qualidades significativas próprias interagindo sincronicamente: o ícone, o índice e o símbolo. Estas são usadas para distinguir formas ######################################################## $% Num primeiro momento visto como dualismo, essa noção é dissolvida e se distancia de uma relação causa – efeito ao propor um modelo triádico entre signo-objeto-interpretante.#

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de interação entre signo e objeto38, os tipos de signo operam como elaborações significativas de natureza mental ou física. # Sobre o ícone, Peirce comenta,# # “(...) um Signo que se refere ao Objeto que denota apenas em virtude de seus caracteres próprios, caracteres que ele igualmente possui, quer um tal Objeto exista ou não. É certo que, a menos que realmente exista um tal Objeto, o Ícone não atua como Signo. Qualquer coisa, seja uma qualidade, um existente individual ou uma lei, é Ícone de qualquer coisa, na medida em que for semelhante a essa coisa e utilizado como signo seu (2.247).”(PEIRCE apud SANTAELLA, 2000, p.110)#

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Enquanto o ícone se detém sobre relações de qualidade entre as coisas, o índice designa sinais ou marcas deixadas no transcorrer de um determinado fenômeno, que possa ser identificado tanto como relacionado diretamente ao objeto quanto a outro signo, desencadeando assim interações temporais e físicas entre os correlatos da tríade. O índice opera no nível da singularidade das ocorrências, estabelecendo relações entre rastros, de maneira a indicar ou remeter uma coisa em função a outra. “Tudo que atrai é índice. Tudo que nos surpreende é índice, na medida em que assinala a junção entre duas porções da experiência.” (PEIRCE apud SANTAELLA, 2000, p.125).# Quanto ao símbolo, sua capacidade está na constante possibilidade de aplicações em casos particulares, dos quais sua reiteração atualiza o conceito de determinada ideia. O uso de convenções é essencial para construção de significado simbólico.# # “Todas as palavras, sentenças, livros e outros signos convencionais são Símbolos. Falamos de escrever ou pronunciar a palavra ‘homem’, mas isso é apenas uma réplica ou materialização da palavra que é pronunciada ou escrita. (...) É um tipo geral de sucessão de sons, ou representamens de sons, que só se torna um signo pela circunstância de que um hábito ou lei adquirida levam as réplicas, a que essa sucessão dá lugar, a serem interpretadas como significando um homem.(2.292)” (PEIRCE apud SANTAELLA, 2000, p.135-136)#

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%$O interpretante se localiza num terceiro ao se tratar da tríade genuína signo-objeto-interpretante. De início, faz-se mister esclarecer que interpretante, intérprete e interpretação não são sinônimos. Dotado de originalidade, o termo interpretante aponta para seu caráter sígnico, ao passo que se refere sincronicamente ao signo mediante o objeto. “Significado é um fenômeno de um sistema; (...) um interpretante como terceiro, a fim de ser capaz de trazer um primeiro para uma relação com um segundo, deve ser um signo que pertença a qualquer universo de signos e não algo que exista separadamente.” (SANTAELLA, 2000, p.65).#

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3.1# Ao se ausentar de fazer considerações de natureza fisiológica sobre o corpo em contato com os estímulos percebidos, a semiótica de Peirce se concentra em especular acerca da própria lógica da semiose como modelo de significação.# É importante ressaltar que por mais que a nomenclatura Primeiridade, Secundidade e Terceiridade aluda comumente a uma sequência linear de desenvolvimento, Peirce é claro ao afirmar que esses termos não designam um processo hierárquico unívoco. Seus modos de operação se dão por interações dinâmicas entre tipos de elaborações abstratas desempenhadas em cada categoria, também agindo de maneira sincrônica dependendo do contexto, tal qual a tríade dos signos também o faz quando atua nos processos inerentes à Terceiridade.# Um dos elementos que mantém atual a utilização do modelo semiótico na especulação de processos significativos reside na visão peirceana de conceber a significação como processo estruturado em redes, concebendo-a como derivação direta da interação dos elementos das tríades desencadeada nos meandros de uma linguagem. # Nesse caso, o significado pode ser visto como uma resposta direta – mesmo que caótica – a uma interrupção da semiose que, caso contrário, poderia ser desempenhada ad infinitum (Figura 16), partindo da premissa que cada um dos elementos da tríade sígnica poderiam ser atrelados a qualquer um dos elementos da tríade objeto-signointerpretante e assim por diante. Dessa forma, fazer especulações acerca de um objetivo último (algum tipo de essência da semiose) da percepção humana nos parece irrelevante para o entendimento e aplicação do sistema semiótico como modelo interpretativo. No entanto, lembramos que nomear os elementos da tríade nos parece ser menos importante num contexto musical do que estabelecer relações sintáticotemporais entre esses mesmos elementos.#

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# Figura 16. Curva geométrica feita em 1907 por Helge von Koch, conhecida como Curva de Koch ou Koch Snowflake. Usada como representação de um fractal, nunca foi diretamente citada por Peirce como representativa de sua teoria semiótica; no entanto, serve como modelo visual aproximado do que consideramos ser a natureza do processo interativo próprio à semiose.#

4.# Assim como Peirce, os fundadores da teoria da Forma (Gestaltheorie) também se utilizaram de estruturas lógicas da linguagem para teorizar suas observações empíricas. Seus predicados são fundamentados a partir de dados empiristas, ainda que, como veremos, sofram enorme influência de especulações psicológicas intuitivas39. # A noção fundadora da Gestalt40 advém de observações feitas em 1890 por Christian Von Ehrenfels sobre as “sensações” causadas por uma dada melodia41. Seu ########################################################

%$Sobre essa situação no campo da pesquisa psicológica Koffka comenta, “Só quando a psicologia decidiu converter-se numa ciência em busca de fatos é que ela começou realmente a ser uma verdadeira ciência. Do estado em que sabia pouco e imaginava muito, a psicologia avançou para um estado em que sabe muito e fantasia pouco – pelo menos conscientemente e com um propósito, se bem que, sem dar por isso, ela contenha mais fantasia do que o percebem muitos psicólogos.” (KOFFKA, 1975, p. 17).# &' Apesar de ser comumente associada a Ehrenfels o início do pensamento gestaltista, podemos rastrear os princípios do pensamento Gestalt na ciência romântica do poeta Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832). Em 1817, Goethe descreve a Gestalt como: “The Germans have a word for the complex of existence presented by a physical organism: Gestalt. With this expression they exclude what is changeable and assume that an interrelated whole is identified, defined, and fixed in character. “But if we look at all these Gestalten, especially the organic ones, we will discover that nothing in them is permanent, nothing is at rest or defined - everything is in a flux of continual motion. This is why German frequently and fittingly makes use of the word ‘Bildung’ to describe the end product and what is in

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exemplo parte de considerações acerca do fenômeno da transposição musical. Ehrenfels avalia que ao transpor um perfil melódico, todas as notas (ou pelo menos grande maioria delas) serão alteradas, no entanto, apesar dessa mudança de seus elementos, nossa percepção sobre o perfil melódico se manterá a mesma. Indicando ao teórico que “a apreensão de uma melodia parece, pois, estar ligada à captação de ‘algo’ que não se identificaria aos seus estímulos, seja somados, seja considerados em si, isoladamente.” (DONZELLI, 1980, p.8). O que eventualmente nos habilita inferir que a Forma se dá como elaboração mental do fenômeno global. # Posteriormente, levando em frente as considerações de Ehrenfels, é criada a chamada Escola de Berlim, constituída de psicólogos e teóricos como Max Wertheimer (1880-1943), Kurt Koffka (1886-1941) e Wolfgand Kohler (1887-1967), essa vertente da psicologia alemã concebe os dados sensoriais como dados reais, daí sua ênfase positivista no empirismo como método. A partir de seu experimento estroboscópio de movimento aparente (DONZELLI, 1980, p.10), Wertheimer conjectura (sob o nome de fenômeno phi) que a percepção de diferenças no campo da visão seria apenas o ponto inicial para a síntese global da forma como algo além da soma de seus elementos. Interagindo univocamente em nossa cognição, tenderíamos a unir as diferenças em uma mesma função interativa estabelecendo assim relações formais próprias.# Em concordância com essas noções, Koffka e Kohler proporão os chamados fatores da Boa Forma (Tabela 1), que por sua vez caracterizará a Gestaltheorie como uma teoria detida sobre os problemas qualitativos da percepção42. Abaixo segue uma breve síntese de cada um desses fatores.#

################################################################################################################################################################# process of production as well. “Thus in setting forth a morphology we should not speak of Gestalt, or if we use the term we should at least do so only in reference to the idea, the concept, or to an empirical element held fast for a mere moment of time.” (GOETHE apud BLUNDEN, 2009).# $% Christian von Ehrenfels (1859-1932) ao se referir as gestaltqualitäten (qualidades da forma, noção fundadora da Gestaltheorie), propõe que a forma (como percepção de algo além do objeto) é diferente da soma de seus elementos sensíveis pontuais. # $" Como veremos, a crítica de Umberto Eco (2013, p.146) acerca da Gestalt será fundamentada pela distinção fundamental de que a teoria da informação se concentra em entender aspectos quantitativos do código na transmissão efetiva de uma mensagem, privilegiando o meio como relevante, deixando em aberto possíveis interpretações desse código, seja ele mais ou menos redundante enquanto mecanismo de significado.#

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Fator de semelhança#

Fator de continuidade#

Fator de Boa Forma#

Fator de clausura#

Fator de proximidade#

Elementos que possuem algum tipo de semelhança tendem a ser agrupados.#

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# Elementos organizados em linhas retas ou curvas são vistos de modo que sigam o caminho mais suave dos vetores de suas trajetórias. Eventualmente, as linhas e ângulos são vistos como um mesmo agrupamento.# Tendemos a sintetizar formas complexas em agrupamento de elementos constituintes simples.#

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Tendemos a completar em formas familiares agrupamentos que apresentem informações contraditórias.#

# Elementos próximos uns dos outros tendem a ser percebidos como um mesmo aglomerado.#

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Tabela 1: Fatores da Boa Forma segundo a Teoria da Gestalt43.#

Como reforço às especulações sobre os dados da percepção, a Gestaltheorie formulará a existência de um sistema isomórfico de interação entre as categorias do físico (algo externo ao sujeito), da fisiologia (vista por eles como um sistema com dimensões naturais próprias) e do nível psicológico da cognição (responsável pelo comportamento). O isomorfismo, assim como defendido tanto por Koffka quanto por Kohler, é o nome dado para descrever a interação unívoca entre essas três dimensões citadas. Segundo propõem os gestaltistas, o sistema nervoso (campo fisiológico) atuaria como denominador comum entre essas dimensões, registrando os estímulos e ######################################################## $" Exemplos visuais retirados de http://psicologado.com/abordagens/humanismo/exemplificacoes-sobreas-leis-da-gestalt. Acessado no dia 12 de agosto de 2015.#

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os auto-organizando, visando equilibrar as diferenças sensíveis impressas no tecido nervoso. Em outras palavras,# # “A tese gestaltista do isomorfismo não propõe (...) a existência de uma projeção ou extensão dentro do sistema nervoso de um mundo de forças independentes do organismo, ou mesmo uma harmonia secreta entre processos de um tal mundo e as leis da dinâmica sensorial. Não há gestaltes fora do organismo. O isomorfismo gestaltista consiste, fundamentalmente, em postular a existência de um processo de auto-organizações, situado no sistema nervoso, que reproduziria, mediante uma ordenação funcional isomórfica, a nível dos processos cerebrais, as condições estruturais de um meio geográfico, organização que, ao atingir um certo grau de equilíbrio, seria, por sua vez, concretamente experimentada ou percebida como tal” (DONZELLI, 1980, p.16)44#

# Nesse caso, o movimento último da percepção, segundo a Gestaltheorie, seria intencionado ao equilíbrio e a simetria das diferenças causadas pelo meio físico, resultando em estruturas igualmente organizadas no tecido nervoso e levando a dimensão psicológica a “reproduzir” a Forma isomorficamente aos fatos45 tal qual

apresentados pela realidade. Esse suposto movimento estrutural auto-organizacional seguiria leis naturais de transformação, responsáveis na elaboração do que chamamos de consciência. Como modelo psicológico, o isomorfismo “elevaria” o indivíduo ao estado de consciência sobre seus próprios limites enquanto sujeito, acarretando numa oposição entre externo e interno; um reducionismo psicofísico entre as objetivações físicas, a dimensão fisiológica e a psique humana. # Operando em uma chave de causalidade físico-psíquica, o comportamento – visto como coeficiente entre meio físico-consciência e meio físico-comportamental (KOFFKA, 1975, p. 379) – serviria para equilibrar as diferenças percebidas, finalmente considerando como isomórficas as relações particulares entre forma física e forma ideia. # Sobre esse processo, questionamo-nos acerca da pertinência atual dessa postura determinista da psicologia humana, focada em reduzir as diferenças de um todo hipotético ao equilíbrio ideal. E se nem todo indivíduo apresentar como unidade cultural formulações pautadas no equilíbrio e na simetria? Essa noção não diferiria ######################################################## "" Grifos nossos.# "! Veemente advogada por Koffka (1975, p. 16), essa premissa científica de se ater estritamente aos fatos também pode ser identificada como base das proposições da filosofia da linguagem em Wittgenstein (2010, p.135), “1.1 O mundo é a totalidade dos fatos, não das coisas.”.#

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entre culturas e períodos distintos? Não seriam as representações de um louco, um oriental ou um índio guarani kaiowaa capazes de criar formas de representação mental da realidade igualmente válidas, mesmo que diferentes desse denominador comum gestaltiano? " Ao que nos parece, o modelo da Gestalt se torna impreciso ao intuir certas generalizações psicológicas como meio de conceber a Forma global dos fenômenos. Telma Donzelli (1980, p. 22) ao argumentar contra uma visão reducionista do isomorfismo explica que enquanto uma psicologia da Gestalt, tal acusação é infundada, pois ao admitir a influência comportamental sobre a leitura da forma, apontaria para uma interação de ordem não determinista, possibilitando à Gestalt também explicar a existência de comportamentos subjetivos e expectativas de natureza heterogênea. Essa interação destaca as incongruências entre projeto científico e aplicabilidade da Gestalt nos contextos artísticos, pois, inicialmente focada em um projeto de unificação dos métodos analíticos e das teorias sobre a psicologia humana46, a Gestalt paulatinamente deixou de ser vista como ciência e tornou-se uma Gestalt-terapia, uma filosofia esotérica da psicologia47, empenhada em traçar paralelos entre psicologia e o zen48, """""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""" #$

Kurt Koffka escreve sobre o projeto de caráter cientificista da Gestaltheorie na introdução de seu Princípios da Psicologia da Gestalt em 1935: “Acreditei ter encontrado uma razão pela qual um livro sobre psicologia pode acarretar algum bem. A psicologia dividiu-se em tantos ramos e escolas, ignorando-se ou combatendo umas às outras, que até uma pessoa não informada pode ficar com a impressão (...) nas quais [na qual??] o plural ‘psicologias’ deve ser substituído pelo singular”. Sobre sua visão da conduta científica acrescenta: “O primeiro impulso científico não foi dirigido para diferentes grupos especiais de tópicos, porquanto foi universal. Em nossa terminologia atual, podemos dizer que a filosofia é a mãe de todas as ciências. (...) Essa separação e especialização era necessária, mas atuou forçosamente contra a finalidade de unificação do conhecimento. (...) Em certo sentido, a ciência não pode ser inteiramente divorciada da conduta.”. Porém, ainda assim apresenta sinais de sensatez metodológica: “Mas, na empolgação do seu êxito, a ciência é capaz de esquecer que não absorveu todos os aspectos da realidade e poderá negar a existência daqueles que negligenciou.”(KOFFKA, 1975, p.15-20)" #% Sobre a utilização de ideias gestaltistas no campo da terapia holística ressaltamos a vasta literatura sobre Friedrich Salomon Perls (conhecido como Fritz Perls). Para noções introdutórias ver Isto é Gestalt (STEVENS, 1975)." #& Sobre uma crítica ao zen budismo na discussão sobre conhecimento, Umberto Eco comenta, “Repentinamente, alguém encontrou o Zen; avalizada por sua venerável idade, essa doutrina vinha ensinar-nos que o universo, o todo, é mutável, indefinível, fugaz, paradoxal; que a ordem dos eventos é uma ilusão de nossa inteligência esclerosante, que toda tentativa para defini-la e fixá-la em leis está condenada ao fracasso... Mas que justamente na plena consciência e aceitação alegre dessa condição está a extrema sabedoria, a iluminação definitiva; e que a crise eterna do homem não surge porque ele deve definir o mundo e não o consegue, mas porque quer defini-lo e não deve.” (ECO, 2013, p. 206)."

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propondo generalizações sobre a mente e atendo-se apenas a descrever casos específicos de percepção em estados meditativos. # Ao considerar observações a olho nu como único procedimento empirista, a Gestalt se mostra como um exemplo estrutural de uma determinada postura cientificista localizada temporal e geograficamente. Devido à incipiência de técnicas de medição de dados sensíveis refletidos no sistema nervoso (meios mais precisos de mapeamento do cérebro) as teorizações dos gestaltistas se fazem sintomas de uma imprecisão dos empreendimentos mais ousados da Gestalt ao tentar definir o funcionamento da cognição. Se a Teoria da Forma “falha” enquanto projeto científico totalizante da psicologia, em contrapartida ela ainda nos fornece uma perspectiva original de um tipo de visão de mundo, contextualizado por um determinado pensamento formal histórico, característico do entreguerras. E ainda assim, enquanto ferramentas para a análise inicial de uma forma – se intencionadamente vista como homogênea pela relação de seus elementos constituintes – as leis da Boa Forma podem contribuir com orientações na organização do campo visual, desde que sejamos conscientes de suas limitações de aplicação totalizante. Analisar gestalticamente restringe o analista a descrever (indiretamente) em que momento sua própria visão sobre o que seria o equilíbrio da forma se deu. Ou seja, a forma analisada se torna signo do tipo de modelo (ou unidade cultural) implementado pelo próprio analista. # Umberto Eco ao articular seu conceito de obra aberta – tomando como campo de estudos diversas experiências estéticas contemporâneas – pontua que a percepção é um compromisso (ECO, 2013, p.147) fundado sobre premissas psicológicas relativas ao sistema de expectativas de um determinado grupo cultural. Eco acrescenta, “novos exercícios formativos modificam o sentido das formas, nossas expectativas acerca das formas, nosso modo de reconhecer a própria realidade”(idem). Ou seja, a mudança das possibilidades combinatórias do código49 abre novas chaves de leitura tanto dos fatos (no caso de uma hermenêutica da realidade), quanto de nossas expectativas responsáveis na fruição estética visual e musical. # # ######################################################## $% No nosso caso, uma ferramenta de análise musical híbrida, que transita entre a Gestaltheorie e uma análise semiótica focada no índice.#

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Treatise como um Todo (?)# Uma elaboração gestaltiana total de Treatise é um desafio à parte, em especial devido sua alta plasticidade e extensão. Como bem salienta Brian Dennis (CARDEW, 2006), podemos apenas nos guiar nessa tarefa se nos apoiarmos na crença de que os processos dinâmicos inerentes aos gráficos são suscetíveis a algum tipo de movimento cadencial50 que pontue o fluxo temporal norteando a inteligibilidade de trechos mais amplos da partitura. # Criar a Forma também é especular sobre os limites dessas configurações51 a partir do rastreamento de seus motivos (ou elementos base) principais. Sobre esse tópico, identificados a partir da capa, que tais motivos são dois, a lifeline e a dupla de pautas. Ainda arriscamos dizer que ambas representam duas dimensões sígnicas fundamentais na narrativa de Treatise, a primeira (lifeline) como estímulo subjetivo de potencial icônico-indicial e a última (as duas pautas) como símbolo ou convenção das prerrogativas musicais do projeto, que inicialmente pensada para uso dos intérpretes, foi inserida pelo autor como espaço à ser escrito e marcado com impressões próprias52. Vista como representação direta do fluxo temporal, a lifeline geralmente é o elemento referencial principal, funcionando como disparador, pivô ou até mesmo chão onde as Grundgestalten possam se “movimentar” e desenvolver (como é o caso na página 66). Mesmo mais estável no decorrer da peça, a pauta também está presente em configurações estruturais, sua iconicidade característica (conjunto de linhas retas em espaçamento padrão) pode ser nitidamente identificada logo na primeira página junto a timeline (ver segunda gestalten da Fig.10) ou nas páginas 4, 23, 37, 43, 47, 99, 152, 175 e etc. Mesmo que por vezes, apareça entortada, curvada, expandida, citada ou ######################################################## !$

Usaremos essa noção de forma ampla, nos aproximando de seu uso como tipo de pontuação ou encerramento de um movimento mais ou menos definível num fluxo temporal.# !%#Usaremos esse termo em associação direta com a noção de Grundgestalten a partir da definição em música por Arnold Schönberg. “Grundgestalten are such gestalten as (possibly) occur repeatedly within a whole piece and to which derived gestalten can be traced back. (Formerly, this was called the motive; but that is a very superficial designation, for gestalten and Grundgestalten are usually composed of several motive-forms; but the motive is at any one time the smallest part.).” (SHÖNBERG apud FRISCH, 1999, p. 59).# !& Lembramos que o uso do famoso óculos desenhado sobre uma partitura como indicação de atenção é pertinente nesse caso. Mas seria esse o caso sem uma notação tradicional ou até mesmo sem a marcação do tempo?#

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desconstruída (como nas páginas 19, 29 e 30), se somada à lifeline, ambas se mesclam formando movimentos inteiros, como no início da página 6 até à 17 ou entre as páginas 28 e 33. # Fundamental para considerar certos eventos na peça, a lifeline, mesmo que por negação ou ausência e até mesmo quando é desenhada em coordenadas diferentes da usual (ao centro), constitui Grundgestalten importantes. Um desses casos se dá no entorno do que Dennis considera como o clímax da peça (p.114-141). O autor especula que a omissão da linha central se dá como antecipação, algo como uma preparação para a configuração central de círculos pretos característicos do clímax e consequentemente, também operando como subsequente contraste dramático pós o evento, quando é totalmente omitida (p. 141) à maneira do final da peça (p. 191).#

# Figura 17: (CARDEW, 1970, p.66).#

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# Figura 18. CARDEW, 1970, p.114.#

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# Figura 19. CARDEW, 1970, p.30.#

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# Figura 20. CARDEW, 1970, p.17.#

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# Figura 21. CARDEW, 1970, p.133.#

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Como dito anteriormente, sugerimos que para se criar uma Forma total de Treatise (principalmente sob um paradigma musical) a noção de Grundgestalten se faz necessária e a busca por suas gestalten se faz enriquecedora na coerência da obra. Portanto, como modelo subjetivo, dividiremos a peça em seções e por sua vez indicaremos páginas estruturais que sirvam de contraste entre subseções da mesma53. Tomaremos como critério, mesmo que arbitrário, o foco dado por essas partes em determinado tema ou recorrência gráfica, assim como também as interrupções da lifeline (na forma de cisões de continuidade) ou indícios cadenciais que possam vir à pontuar determinado movimento (a exemplo do final da página 33). # ! Seção um (p. 1 – 23 – 33);# ! Seção dois (34 – 39, 40 – 44);# ! Seção três (45 – 74 – 79);# ! Seção quatro (80 – ! de 88 – 97), (98 – 110 , 111 – 114);# ! Seção cinco ou clímax (115 – 128 – 140), (141 – ! 144);# ! Seção seis (145 – 168 – 173);# ! Seção sete (174 – 193);# # Por uma metonímia# # “The length of the score is the justification for the absence of an interpretative system; the graphic material is treated of in such an exhaustive manner that an interpretation (musical or otherwise) is able to emerge quasi unconsciously in the mind of the reader in the course of Reading the score.”(CARDEW, 2006, p.115)#

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Independente das crenças conceituais de Cardew sobre a capacidade de sua notação, supostamente, se sustentar enquanto código autônomo, prescindindo de um modelo interpretativo a priori, acreditamos que investigar acerca de teorias modernas focadas na interpretação da realidade e dos fenômenos pode auxiliar o trabalho do músico junto à partitura, possibilitando um trânsito consciente entre diferentes posturas interpretativas no decorrer de seus ensaios, tal qual salienta o próprio Cornelius ########################################################

%$Apesar das advertências de Dennis, nos deixamos seduzir pela ideia de dividir Treatise em sete seções (ou proposições) tal qual seu par filosófico (Tractatus Logico-Philosophicus). #

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Cardew, “If some interpretation proves troublesome or unsatisfactory we slip into another; but this must be watched and conscious.” (CARDEW, 2006, p.100). Esse trânsito pode ser complementado pelo comentário do músico Kurt Schwertsik após três ensaios da obra, “The more you say about it the more sense it makes.” (SCHWERTSIK apud CARDEW, 2006, p.112).# Um dos primeiros desafios tanto ao interpretar Treatise quanto em analisar alguma interpretação da peça consiste em primeiramente delimitar o objeto de análise. A partitura tem um total de 193 páginas e um alto índice de plasticidade gráfica, ou seja, apresenta um baixo nível de redundância do código e um alto nível de indeterminação informacional. Analisar uma gravação mais extensa de Treatise dificultaria delimitar de qual gráfico, ou até mesmo de qual página se trata em cada momento apenas através da audição dos sons da performance54. # Por este motivo, delimitamos como objeto de escrutínio da interpretação da partitura o registro fonográfico lançado em 2003 pela gravadora Hat Hut Records (CARDEW, 2004, faixa 2). Neste registro apenas duas páginas da obra (páginas 21 e 22, ver respectivamente Figuras 3 e 4) são lidas, o que totaliza 11’38’’ de improvisação por parte dos músicos, Jim Baker (sintetizador ARP), Carrie Biolo (vibrafone e percussão), Fred Lonberg-Holm (violoncelo) e Lou Mazzolli (voz). A escolha de uma gravação relativamente curta restringe o número de elementos que constituem a performance, facilitando, por sua vez, a compreensão das nuanças instrumentais na improvisação e aumentando o coeficiente informacional da análise entre gráfico e som.# Optamos por ler a partitura da esquerda para direita, tal qual um plano cartesiano. Pontos à direita e superiores à lifeline (linha horizontal central) são designados como positivos e seus contrários como coordenadas negativas. Nossa decisão não é arbitrária mas leva em consideração o processo do próprio compositor em finalizar seus rascunhos a partir de um guia quadriculado. Ignoramos completamente as pautas na parte inferior da partitura pois, nesse caso, não as

######################################################## $% Esse fator pode ser inferido até mesmo em leituras que, segundo o próprio compositor, foram bem sucedidas. Cardew comenta, “(...) the first public performance that ‘went astray’ (disconcertingly Tilbury was two pages behind most of the time).” (CARDEW, 2006, p.114-115).#

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consideramos visualmente e musicalmente relevantes - o que não exclui uma interpretação contrária dos fatos.# O primeiro passo em nossa análise visual55 será delimitar possíveis grupos, ou aglomerados, distribuídos na partitura para então especular prováveis relações espaciais que possam ser inferidas a partir deles. Nesse caso, como dito anteriormente, faremos uso das Leis de Boa Forma56, já que almejamos delimitar o campo bidimensional das duas páginas de forma a considerar separadamente os aglomerados gráficos (quatro em cada página). Nesse primeiro momento, apesar de usarmos uma terminologia derivada da Gestalt, lembramos que muitas das conclusões tiradas também podem ser derivadas da aplicação de terminologia semiótica, principalmente se tratando de signos funcionando iconicamente, mas também estabelecendo relações de ordem indicial uns com os outros.# Cabe também ressaltar que nos baseamos diretamente no processo descritivo implementado por Wassily Kandinsky ao propor uma análise dinâmica da obra de arte e seus elementos gráficos primários, o ponto e a linha. Assim como ele, consideramos tal abordagem essencial na compreensão de Treatise, “(...) a análise desses elementos constitui um ponto em direção à vida interior da obra.” (KANDINSKY, 2012, p.10). Por último, destacamos a visão do artista sobre o elemento linha, que como veremos será o elemento gráfico principal em ambas as páginas.# # “A linha geométrica é um ser invisível. É um rastro do ponto em movimento, logo seu produto. Ela nasceu do movimento – e isso pela aniquilação da imobilidade suprema do ponto. Produz-se aqui um salto do estático ao dinâmico.” p.49.# “A diferença interna entre as linhas curvas e retas consiste na quantidade e na natureza das tensões: a linha reta sofre duas tensões primitivas definidas que desempenham apenas um papel insignificante para a linha curva – cuja terceira tensão essencial situa-se no arco. (Terceira tensão que é oposta às outras duas e que as domina) Ao mesmo tempo que perde a força penetrante do ângulo, ela ganha em força, a qual, embora menos agressiva, contém uma duração maior. O ângulo parece-nos jovem e impulsivo; já o arco possui uma maturidade e uma força consciente de si mesma” p.70$#

######################################################## %% Para um exemplo animado de uma análise visual de Treatise utilizando aspectos de leitura gestaltiana acessar: http://www.blockmuseum.northwestern.edu/picturesofmusic/pages/anim.html.# %! Porém, sempre atentos às limitações e eventuais perigos reducionistas inerentes a esse tipo de legislação. Sobre esse aspecto, “como fenomenologista, Merleau-Ponty não concebe a Gestalt senão no plano da vivência. Querer ultrapassar o seu caráter de ‘vivência’ e propô-la como um objetivo de regras, seria, para ele, voltar ao dualismo clássico da atividade e da passividade. A Gestalt só poderia ser compreendida no plano da significação.”(MERLEAU-PONTY apud DONZELLI, 1975, p.76).#

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Aqui, Kandinsky descreve a linha como um elemento gráfico sujeito a influências vetoriais de forças abstratas que podem transformar seu estado inicial de linha reta em outras tantas configurações. Cada modulação de sua forma, seja em ângulo ou curva, altera diretamente nossa percepção sobre sua trajetória em um plano bidimensional hipotético.# .

# Figura 22. KANDISNKY, 2012, p. 75.#

# A relação entre os esquemas de Kandinsky e a partitura de Cardew são evidentes quando lemos as manipulações dos elementos gráficos sob essa dimensão dinâmica de transformação vetorial da linha e do ponto.# #

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# Figura 23. CARDEW, 1970, p.21.#

# Figura 24. CARDEW, 1970, p.22.#

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Análise visual de Treatise (p. 21 e 22)57:" De imediato, é possível dividir o campo da página 21 em quatro diferentes aglomerados, interpolados, respectivamente, pelos números 4, 2 e 5. Tal configuração se dá ao ser aplicado o fator de proximidade entre os elementos. Porém, também podem ser agrupados sob influência do fator de semelhança, dessa maneira constatando que o primeiro, o segundo e o quarto grupos são visualmente relacionados pela utilização do mesmo elemento gráfico: linhas horizontais retas ou apresentando alguma curvatura. Ainda significado pelo fator de semelhança, porém às avessas, notase que o terceiro aglomerado adiciona um novo elemento na configuração geral da página, sendo o círculo seu motivo central, o que simbolicamente pode ser interpretado como uma seção contrastante ao restante dos aglomerados que em sua maioria são formados de retas paralelas. " Como comentado por Brian Dennis (CARDEW, 2006, p.355), a linha central58 (assim como as duas pautas no canto inferior das páginas) seria um motivo principal na obra, sendo um elemento presente em todas as páginas de Treatise. De continuidade quase ininterrupta do começo ao fim da partitura, ela representa uma divisão central no plano bidimensional das folhas, e possivelmente dos parâmetros sonoros da interpretação. No entanto, essa continuidade sugerida também é constantemente interpolada por números igualmente distribuídos entre os aglomerados das duas páginas em questão. Seriam tais grupos gráficos passíveis de serem encarados como seções distintas na performance? " Se sim, os fatores de continuidade e semelhança nos fazem criar relações que reconstruiriam a continuidade sugerida pela lifeline. Um exemplo disso é o fim do 2º aglomerado gráfico que como o início, somado ao fim do 3º, dão indícios de um mesmo vetor dinâmico funcionando como transição, conectando a configuração """""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""" #$ Como veremos, um dos inconvenientes ao utilizar os Fatores da Boa Forma como ferramenta de análise visual é que eles limitam-se em apenas descrever os fenômenos visualizados. Ao passo que significar tais narrativas gestálticas ficará a cargo de um estágio posterior, frequentemente, apoiado no uso de outros sistemas semânticos. No nosso caso, essa condição será contornada com o uso da semiótica, da teoria musical e da teoria do objeto-sonoro. " #% Cardew chama esse elemento de lifeline; porém, com propósitos analíticos, o chamaremos de eixo x. Dessa maneira, poderemos contrapô-lo a um eixo y hipotético, funcionando assim como referências para o posicionamento dos elementos gráficos em coordenadas no plano bidimensional."

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circular contrastante à continuidade da linha central. Como mostra a figura 5, poderíamos inferir que tal vetor inicialmente direciona a configuração de loop (como chamaremos daqui para frente) para uma coordenada -y em relação à x, para em seguida conduzir (por uso de semelhança e proximidade entre os elementos lineares horizontais próximos de x) ao 4º aglomerado, situado em +y. #

# Figura 25. vetores indicando o movimento de afastamento e retorno ao eixo x.#

# Sobre cada aglomerado, se considerados como elementos isolados, podemos apenas especular sobre suas configurações próprias se avaliados sobre o fator de clausura. Mas, como visto no caso da Figura 20, isso pode não contribuir no entendimento dos vetores dinâmicos da página, consequentemente interferindo também na continuidade do fluxo sonoro da interpretação como um todo. No entanto, uma compreensão dos elementos internos de cada aglomerado ainda guarda grande potencial para o início de uma interpretação das páginas vistas como um conjunto.# # - 1º aglomerado: por continuidade e Boa Forma das quatro linhas externas, inferimos um retângulo fechado interseccionado por uma terceira linha horizontal (todas posicionadas à +y). Por manter relações de proximidade com o eixo x e consequentemente com uma quarta linha (de proporções iguais às linhas que formam o retângulo) e em posição -y, interpretamos essa configuração como uma só entidade formada por quatro linhas horizontais e duas verticais interpoladas pela lifeline.# # (Interpolação do número 4);# !"#

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# - 2º aglomerado: concentradas a partir de um ponto virtual de convergência comum e projetadas em expansão, as quatro linhas horizontais, que podem ser extrapolações do grupo anterior (as três que formam o retângulo e a quarta abaixo de x), indicam um vetor ascendente partindo do ponto virtual –y e expandindo até uma configuração mais espaçada em coordenadas de +y. Espacialmente, essa configuração atinge o ponto mais alto na tessitura da página. Mas, como veremos, não corresponde ao ápice da interpretação musical. # Como dito anteriormente, nota-se uma quinta linha introduzida no –y se distanciando do grupo que, devido a sua continuidade, conecta-se com a seção seguinte (Figura 5) funcionando como transição (chamaremos daqui para frente de linhatransição), e se distanciando de x (lifeline).# # (Interpolação do número 2);# # - 3º aglomerado: continuando o movimento anterior, a linha-transição sofre uma quebra inicial formando um ângulo de 45º, semelhante ao símbolo de crescendo na notação musical tradicional, porém, extrapolando o comprimento da linha superior indicando o movimento de curvatura subsequente e transformando-se em uma circunferência, que concluirá em uma linha paralela superior, próxima ao eixo x. Podemos inferir que essa configuração também pode ser lida como dois noves, um de cada lado. Na continuação da linha reta superior, uma retomada da relação de proximidade entre a linha-transição e x desenvolve-se como outra transição, traçando semelhança ao paralelismo caraterístico da 1ª seção, mesmo que tal configuração seja transformada ao diminuir gradativamente suas linhas suplementares, resultando em uma forma piramidal que culmina em um ponto, quase imperceptível. # Seria esse ponto o começo da quarta linha no aglomerado seguinte?# # (Interpolação do número 5)# # !"#

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- 4º aglomerado: se projetarmos a última metade da 2ª seção, seria possível estabelecer uma relação de continuidade entre as linhas paralelas do 2º com o 4º grupo? Se sim, teremos que reforçar a noção de contraste e descontinuidade causada pela configuração de loop, considerando-a como a causa de uma transformação no paralelismo das linhas que terminam a página, onde uma leve curvatura das quatro linhas superiores se faz presente e se opõe à quinta linha inferior, agora, reta. Mantendo a continuidade com a formação piramidal anterior, podemos considerar a linha inferior como conexão entre os grupos, só que nessa repetição mais próxima de x. Vale ressaltar que ambos os aglomerados 2 e 4 compartilham o mesmo número de linhas e atingem a mesma tessitura da página.# # Página 22;# (Interpolação do número 3);# - 5º aglomerado: por proximidade, vemos dois elementos formando uma só forma, mesmo que constituída de dois elementos distintos. O retângulo (localizado em coordenadas semelhantes ao 1º grupo) apresenta dimensões maiores que o retângulo da página 21, também diferindo desse pela ausência da linha central. # Teria ela se deslocado para fora do retângulo, sendo influenciada pela lifeline efetuando uma quebra em direção do retângulo? # # (Interpolação do número 1);# # - 6º aglomerado: sob influência da Boa Forma podemos especular que esse grupo está circunscrito em um quadrado quase perfeito. Na partitura original suas dimensões são de 2,5 x 2,8. Dividido pelo eixo x esse “quadrado ausente”, faz oposições entre os dois subgrupos entrecortados pela lifeline e apresentam como denominador comum o uso de linhas retas horizontais em paralelismo, sendo duas delas mais espessas, apresentando uma circunferência preta na extremidade direita de ambas. No aglomerado superior, uma reta formando um ângulo de 45º tem sua abertura direcionada para x. Em contrapartida, no aglomerado inferior, uma linha curva, que !"#

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como o ângulo de 45º, ocupa as mesmas coordenadas com relação a x, pode ter relação direta com os movimentos de curvatura nas configurações anteriores.# # (Interpolação do número 2);# # - 7º aglomerado: possivelmente a mais complexa formação dentre os grupos de ambas as páginas. Consegue condensar todos os elementos apresentados até agora. O círculo da 2ª configuração aparece como uma cabeça de nota logo acima de x (podemos fazer essa relação simbólica devido à forma como foi desenhado, apresentando uma nítida variação de espessura característica do bico de pena achatado usado na escrita de partituras tradicionais). A configuração de linhas paralelas presente em várias seções anteriores pode ser diretamente relacionada com a configuração inferior da seção, porém com o acréscimo de uma quinta e uma sexta linhas, das quais a última, inicialmente reta, segue atravessando x e desenvolvendo uma curva, também semelhante à curva do 6º aglomerado. É interessante que ambos os elementos contrastantes inerentes ao aglomerado de linhas retas da seção anterior estão presentes na 7ª configuração, no entanto invertidos. O que segue após essa recapitulação é novamente uma configuração de retas paralelas em ordem de diminuição de seu comprimento, sendo a inferior a menor, mas aumentando à medida que novas linhas superiores são projetadas.

A última linha é decorrente da curvatura que saiu da

configuração de paralelismo em –y no início do aglomerado.# (Interpolação do número 3);# # - 8º aglomerado: por continuidade e semelhança podemos inferir que essa configuração de linhas retas tem ligação direta com o fim da seção anterior. Tanto que as linhas diminuem de comprimento na mesma progressão, mesmo que espelhadas em relação à configuração anterior e com um acréscimo da cabeça de nota, agora, graficamente conectada ao início da segunda linha (contada de cima para baixo). # # # !"#

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Análise sonora de Treatise:# Almejando descrever uma análise sintática da interpretação, optamos por analisar cada um dos aglomerados ou seções da gravação (Figura 6) como objetos sonoros (SCHAEFFER, 1959, p.81). Os diferentes planos de referência do som tal qual Schaeffer propõe em seu A la recherche d’une musique concrète, servirão de base interpretativa de uma escuta seletiva em conformidade com os gráficos da análise espectral de cada seção. No decurso da análise pretendemos traçar relações sintáticas entre tais características sonoras e suas respectivas representações gráficas, sejam elas da

partitura

ou

do

espectrograma.

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Seção A, 1º aglomerado gráfico (0’- 1’06’’): dois grupos instrumentais de monofonias59 (voz, percussão metálica, violoncello e sintetizador ARC) compostos por notas complexas60. O primeiro grupo (vibrafone, violoncelo e percussão metálica) articula uma textura contínua em tessitura ampla, vibrafone no grave com qualidade brilhante61, violoncelo na região média, inicialmente em pizziccato, de qualidade escura62, seguido de notas sustentadas pelo arco, com qualidade clara 63. No agudo a percussão mantém um som iterativo claro. Contrapondo-se à textura de fundo, o segundo grupo se mantém no médio-grave, utilizando plano dinâmico64 de ataques percussivos escuros, eventualmente em processo de filtragem progressiva dos agudos e médios a partir da percussão, vibrafone e sintetizador. A voz65 se mantém e faz a transição ao gesto seguinte, correspondente ao 2º aglomerado gráfico.# #

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Figura 26. Espectrograma sonoro de 0’- 1’12’’. Tempo x frequência.#

Seção A, 2º aglomerado gráfico (1’12’’-2’37’’): Iniciado pelo violoncelo em dinâmica forte, sobressai-se à linha falada, ao prolongar seu ataque na sustentação (tenuto) da nota. Em conjunto com o vibrafone e percussão metálica o violoncelo cria

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Em um conjunto de simultaneidades, a escuta seletiva dissocia e abstrai determinada linha.# Elemento sonoro com envelope dinâmico nítido.# &( Classificado qualitativamente no plano harmônico como um som com grande número de parciais que não decrescem rapidamente.# &) Classificado qualitativamente no plano harmônico como um som de número reduzido de parciais que decrescem rapidamente.# &" Classificado qualitativamente no plano harmônico como um som de número reduzido de parciais que não decrescem rapidamente.# &* Plano de referência sonora de tempo x intensidade, portanto também do tempo x envelope.# &$ Cabe ressaltar que tomaremos a voz masculina (Lou Mazzolli) como referência à lifeline devido sua presença em quase toda a gravação. Para uma transcrição do texto falado, ver Anexo A.# $% &'

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um só objeto sonoro de tessitura e dinâmica em processo de modulação66 e mescla67. O violoncelo está em movimento irregular ascendente de glissando, o vibrafone em descendente piano e a percussão, de forma homogênea, tem qualidade harmônica escura, porém aguda. O sintetizador se sobressai à textura homogênea de fundo, ao fazer algumas repetições seguidas de um episódio (1’50’’ da Figura 7) iniciado no forte e grave, modulando para o agudo68. Novamente essa seção gradativamente é filtrada, restando a voz no grave. # #

# Figura 27. Espectrograma sonoro de 1’12’’- 2’41’’. Tempo x frequência.#

# Seção B, 3º aglomerado gráfico (2’41’’ – 3’29’’): Por manipulação contínua, podemos distinguir alguns objetos sonoros em processo de preparação69, mescla e filtragem nesse trecho.# 1-

Ataque friccionado forte (violoncelo) repetido duas vezes, seguido de sobreposição com uma nota grave sustentada (ARC), atuando como um só objeto;

2-

Em seguida, modula-se para um som iterativo de fricção;

3-

violoncelo se transforma de um som friccionado, focado nas qualidades de seu ataque e timbre, para glissandi mais inconstantes sofrendo modulações contínuas em sua tessitura e executado com gestos em sforzando, oscilando entre grave e agudo;

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No contexto da música concreta Schaeffer caracteriza a modulação como uma manipulação seletiva que varia algum parâmetro da estrutura sonora (tessitura, dinâmica ou timbre), de modo que não altere nem a forma ou matéria do som.# $! Procedimento na execução sonora em que sons e suas respectivas manipulações são sobrepostos.# $% Seria essa energia sonora do sintetizador responsável pela curva das linhas paralelas da partitura?# $& Manipulações ou técnicas estendidas no uso do instrumento acústico.#

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4-

Ocorre uma transformação70 indo do inconstante para o constante, Inicialmente se mesclando à nota pedal e modulando para notas sustentadas de qualidade escura na tessitura extremo agudo.

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# Figura 28. Espectrograma sonoro de 2’41’’- 3’32’’. Tempo x frequência.#

# Nesse ponto da performance, nos parece possível construir uma relação simbólica direta entre as constantes menções ao número nove feitas no texto falado e a configuração de loop. A repetição e variação, “Nine is not [t!e], air, tore which forces creep pass which forces retrograde, if not, only mine for ten, but any ten, for which one we can ignorant.”, nos parece determinante para constatar que de fato o loop apresenta uma abertura interpretativa possível que o signifique como um nove deitado na horizontal, podendo ser reconhecido como tal tanto da direita para esquerda, quanto na forma retrogradada71.# # Seção C, 4º, 5º e 6º aglomerados gráficos (3’32’’- 6’09’’): notas graves (sintetizador ARC) com foco no plano dinâmico de sustentação da nota somada à ######################################################## Manipulação que modifica a forma e matéria da estrutura do som.# Em nossa análise optamos por ignorar a existência de alguma influência dos números sobre a interpretação (exceto no caso relatado a cima). Não encontramos relações diretas entre o significado simbólico quantitativo comumente atribuído aos números e a performance. Porém, vale a pena lembrar que ao passar dos anos, diversos músicos que interpretaram Treatise difundiram a prática de interpretálos como o número correspondente a repetição de um mesmo gesto ou evento musical relacionado ao gráfico que o precede. Na ocasião de um workshop de improvisação e leitura de Treatise coordenado por John Tilbury, um dos músicos comenta sobre essa “tradição oral” passada para ele por Keith Rowe, “One specific (that I had gotten from Keith) was that when a number appears in the score you are to repeat a gesture the number of times indicated.” (http://www.spiralcage.com/improvMeeting/TreatiseWorkshop/TreatiseWorkshopReport.html. Acessado em 03 de setembro de 2015). Essa mesma interpretação pode ser identificada no início da gravação integral da peça (CARDEW, 1999, faixa 1), na qual são repetidas 34 vezes o mesmo acorde porém, com alterações na forma de ataque, dinâmica e duração do mesmo.# !$ !%

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repetições espaçadas do violoncelo no grave são sobrepostas por ataques percussivos do vibrafone, gradativamente cobrindo tessitura ampla de qualidade brilhante (devido ao pedal de sustentação). A mescla entre o 4º e 5º aglomerados gráficos dessa seção se dá pela repetição de um som friccionado escuro na região médio-aguda e um decrescendo dinâmico da textura criada pelo vibrafone e o ARC (3’45’’- 4’30’’) que gradativamente se situa em segundo plano na escuta. Esporadicamente repetido até o fim da seção, o som de fricção sobressai à textura na região médio-grave criada entre a voz e o sintetizador. Eventualmente sofrendo uma filtragem, essa textura dissipa sobrando a voz, com o acréscimo de um novo som escuro reiterado e percussivo que serve de transição para o próximo momento dessa seção72.# #

# Figura 29. Espectrograma sonoro de 3’29’’- 6’09’’. Tempo x frequência.#

# Até esse momento da performance pudemos fazer distinção entre as texturas devido a filtragens pontuais na continuidade musical (tal qual podemos perceber entre cada aglomerado gráfico da partitura). Os grupos até esse ponto foram compostos em procedimento de montagem73 e justaposição entre texturas mais complexas e a linha da voz. Por outro lado, a seção C (3’32’’- 5’10’’) evidenciará procedimentos de mescla entre os dois primeiros aglomerados que a compõem, porém sobre uma montagem contrastante com o terceiro aglomerado (5’10’’- 6’09’’). Marcada por uma nota grave em “sforzando” no sintetizador, a justaposição se dá pela presença marcante de uma textura rica de notas percussivas escuras de fundo junto ao ARC sobrepostas por ######################################################## !$

Cabe ressaltar que esse som percutido escuro (representado na partitura pelas linhas retas horizontais próximas à lifeline) terá relação icônica direta entre o 6º e 7º aglomerados gráficos, possibilitando estabelecer relações sintáticas intersemióticas entre partitura e suas respectivas correspondentes sonoras na gravação.# !% Justaposição de objetos sonoros no fluir sonoro.#

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polifonia complexa entre sons claros sustentados no agudo, tanto pela percussão metálica, quanto pelo violoncelo. A voz se mantém no grave se destacando por desacelerar a pronúncia das sílabas do texto, causando um efeito de ininteligibilidade focado em variar os fonemas das palavras. Progressivamente ocorre uma filtragem dos instrumentos e finalmente da voz até o silencio total." " Seção D, 7º aglomerado gráfico (6’10’’- 9’48’’): irrompendo o silêncio por justaposição, uma textura escura é desenvolvida pela percussão ritmicamente irregular mas de certa forma constante de sonoridade icônica evocando uma bola batendo irregularmente em uma caixa de madeira, somada ao som da esteira de uma caixaclara. Junto da percussão, pulsos regulares do sintetizador na região médio-grave são adicionados. Uma segunda informação é acrescentada à textura pela voz, que apresenta uma mudança drástica na temática do texto, assim como em sua articulação, agora mais pausada entre os trechos. Por volta de 6’35’’, a textura é progressivamente filtrada, primeiro saindo o ARC, depois a voz e a percussão. Interpolando a textura anterior com a próxima (uma espécie de síntese das texturas da seção C) sons de gongo ressoam com qualidade brilhante até a volta incisiva do pulso sintetizado ser somado a um único gesto de arco do violoncelo (semelhante aos sons sustentados das seções A e B), que silenciam abruptamente após um último pulso agudo do sintetizador. "

" Figura 30. Espectrograma sonoro de 6’10’’- 9’48’’. Tempo x frequência."

" Por mescla, o som agudo friccionado do violoncelo (que marca a justaposição com a textura anterior) se perde em meio à textura brilhante do vibrafone (semelhante ao início da seção C) e o pedal grave do ARC. Filtrando essa textura através do pedal !!"

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de sustentação, o vibrafone se mantém com sons iterativos na região média enquanto o violoncelo deixa de executar sons friccionados e passa para pizzicatos médio-agudos. Após silêncio momentâneo, há novamente a justaposição de um último momento nesta seção caracterizada por complexa polifonia rítmica de voz e percussão (esteira e som friccionado da pele de caixa-clara) somados a ataques de arco no violoncelo e pulsação no sintetizador. O ápice dessa textura se dá pelo destaque do violoncelo em executar uma sustentação ascendente (início do glissando no 8’56’’) concomitante a uma filtragem das pulsações do sintetizador, deixando a caixa-clara no plano secundário da textura enquanto a voz pronuncia diferentes combinações de um grupo reduzido de palavras do texto. Eventualmente, a seção como um todo chega ao fim com um diminuendo de todos os instrumentos e voz.# # Seção E, 8º aglomerado gráfico (9’49’’- 11’38’’): é iniciada por episódios de ataques duplos e pontuais do violoncelo em pizzicato na região média-grave. Imediatamente lembramos do mesmo gesto que inicia a última textura da seção anterior, também marcada pelo violoncelo. Em seguida, a voz e a percussão (também semelhante às técnicas estendidas de esfregar a caixa-clara da seção anterior), somadas ao som artificial (ARC) sustentado no grave, fazem uma pequena introdução, diminuindo e levando à última textura da peça. Por sua vez, esta é caracterizada por sons contínuos brilhantes no agudo (percussão metálica) e sons sustentados escuros pelo violoncelo no extremo agudo, transitando por notas bem definidas na região média do instrumento. De modo geral, a peça encerra com um caráter lento e “introspectivo”, no qual notas de altura definida criam uma polifonia “suspensiva e cadencial” despontando à textura homogênea no extremo agudo dos sons metálicos e a nota pedal do sintetizador. Essa seção, assim como a peça, chega ao fim após a filtragem total dos instrumentos e voz diminuindo, chegando ao silêncio.#

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# Figura 31. Espectrograma sonoro de 9’49’’- 11’38’’. Tempo x frequência.#

# Por isso, conjecturamos:# !

O uso da voz, presente em quase toda a gravação, pode ser interpretado como elemento contínuo, tal qual a timeline na partitura;#

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A dimensão simbólica do texto constantemente dá sugestões para tecer relações semânticas entre som e gráfico, como é o caso do nove na página 21 e, na página 22, quando a variação sobre a frase “one advantage in between” juntamente com o som ascendente do violoncelo nos induziram a relacioná-los com o acréscimo de uma nova linha no meio do 7º aglomerado gráfico.#

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A montagem por justaposições e o uso de filtragens marcam alguns momentos da performance e também nos servem de coordenadas ao seccionar a performance mesmo que, por vezes, tal divisão se aproxime e se distancie da disposição entre os aglomerados gráficos da partitura e mesmo que as semelhanças entre as configurações e os sons sejam arbitrárias e operem apenas na dimensão da sugestão entre as linguagens.#

# E outras palavras, ao considerar determinadas qualidades sonoras e associá-las com determinada qualidade visual percebemos que existe um alto nível de recorrência entre elas. Veja-se por exemplo o caso da seção D ao recapitular, assim como a partitura faz com os gráficos, os sons e gestos de seções anteriores, ou ainda quando seção B cria contraste entre os sons contínuos que a precedem. # Se estamos impossibilitados de afirmar definitivamente quais eram as intenções dos intérpretes, esse jogo entre sugestão e indicialidade já nos é suficiente ao !"#

#

direcionar a elaboração mnemônica da performance. De certo modo, esse também é o caso de toda e qualquer obra, mesmo que fechada, pois nunca saberemos de fato quais foram os porquês do autor, já que trabalhamos apenas com o rastro e as marcas deixadas por ele. Mesmo que exista uma vasta margem interpretativa entre o número de elementos visuais presentes nas páginas analisadas e os elementos musicais identificados na gravação, não abdicar de criar nossas próprias relações temporais é um compromisso perceptivo essencial na significação da obra como um todo. Não à toa, nos permitimos ao longo da análise fazer perguntas que possivelmente não encontrarão respostas. Até que ponto tais perguntas, se respondidas, podem de fato contribuir para dissolver as contradições com que nos deparamos no meio do caminho dessa análise específica e que, invariavelmente, também surgirão ao músico empenhado em sua própria interpretação da obra?# Em suma, acreditamos que as escolhas feitas pelos intérpretes da gravação (assim como de outras feitas por outros grupos) operam no limiar lógico entre o visual e o musical-sonoro. Mesmo assim, os indícios de contato entre essas duas dimensões (até onde pudemos rastrear) juntamente com a criação a priori de chaves de leitura significantes dessa transformação visual e sonora ainda servem como ferramenta suficientemente sustentável para uma recomposição (e eventual composição) do que há de semelhante entre a dinâmica do código e do discurso sonoro. Mesmo que tal interação não tenha sido sistematicamente aplicada pelos músicos, nada impede que algum significado seja criado. # # # # # # # # # # # # # # !"#

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Considerações finais# O que a história indica, o que a semiótica tenta explicar, o que Treatise nos diz.# # Se a definição por consenso parece impossível (e até certo ponto é indesejável) ao se tratar da produção experimental (em especial Treatise) de Cornelius Cardew, ainda acreditamos que um levantamento das pistas e referências extramusicais feitas na produção teórica do compositor contribuem diretamente para a acessibilidade desse tipo de repertório que por vezes pode parecer deveras hermético e amador. No entanto, é a partir da aproximação de reflexões estéticas tais quais as feitas por Umberto Eco, ou do uso da semiótica (seja diretamente através de Peirce ou na aplicação dessa teoria por Willy Côrrea na música) como ferramenta, que constatamos que a possibilidade na criação de metáforas e mensagens poéticas é influenciada pela condição de que “A criatividade linguística, como negação dos módulos adquiridos, só é possível por que todo código é, em si mesmo, contraditório.” (ECO, 1973, p.XV). # Nesse sentido, quando propomos narrativas (ou análises se preferir) da dimensão visual e da sonora no contexto de um caso específico, também pretendemos articular que o processo interpretativo de Treatise (como um todo e prescindindo de uma redução das várias dimensões da obra74) articula radicalmente o conceito de obra aberta desde de seus princípios até o resultado final, ou seja nossa fruição estética. O alto número de possibilidades válidas na exploração sonora (ou gestual, ritualística e cênica) e sintática estimuladas pelo código visual da partitura podem e, em dadas circunstâncias libertárias, devem ser explorados em sua máxima potencialidade75 pelo músico (artista visual ou inocente musical) quando estabelece contato com a

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%$Sobre esse aspecto lembramos que muito ainda pode ser especulado sobre a dimensão performática dos trabalhos experimentais de Cardew, sejam eles Treatise ou trabalhos seguintes como The Great Learning, composições feitas para Scratch Orchestra ou The Tiger’s Mind. Sobre essa dimensão o próprio compositor traça suas próprias relações, “My contribution to Intermedia was the graphic score Treatise (1963-67): it’s a cross between a novel, a drawing and a piece of music. In performance it was sometimes more of a ‘happening’ than a piece of music.” (CARDEW, 2006, p.257).# $& Sobre esse aspecto, podemos traçar um paralelo com uma das virtudes necessárias para a manutenção de uma ética da improvisação tal qual expos Cardew (2006, p.133), “Life is a force that should be used and if necessary used up.”#

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proposição de Cardew. Seja aceitando uma prática determinada a priori76, subvertendo-a ou criando suas próprias regras de significação da obra, o músico é convidado a co-criar Treatise a partir de seu crivo e julgamento, sua unidade cultural e sistema de expectativas. # Mas ainda mantendo a obra circunscrita ao contexto da linguagem musical, não prescindindo do elemento organizador fundamental inerente a ela (o uso da memória), acreditamos que empreender uma leitura visual atenta auxilia no desenvolvimento de ideias musicais que por sua vez, contribuem para o desenvolvimento de uma sintaxe musical em paralelo com o caráter processual, concreto e visual, do código da partitura. Constatar que tais gráficos apresentam qualidades repetidas ou remetem a configurações em páginas anteriores podem servir de norte quando consideramos que a partir da proposição abstrata do compositor, o que está em jogo na obra são as diferenças e suas transformações, sejam dos próprios gráficos, sons ou expectativa do músico/ouvinte.# Acreditamos, assim como Cardew, que essa consciência no trânsito por diferentes sistemas interpretativos será determinante em confirmar ou frustrar tais expectativas (ou sistemas semânticos) que cada signo da partitura pode vir a estimular como resposta comportamental no ato performativo. Essa postura de aceitar ou negar uma indicialidade gráfica sugerida no transcorrer da partitura também é importante quando se toma Treatise como um símbolo sintomático de uma situação de crise da prática musical no Século XX. Pois não só estamos dando vazão aos nossos próprios processos de significação pessoal como também estamos refletindo sobre os fundamentos que gerem os códigos visuais e musicais em uso na prática musical e que, por sua vez, também identificar a partir de seu contexto social um estado latente de crise e falta de comunicabilidade.# A escolha de Cardew em desenvolver uma forma descritiva de notação ao invés de um método prescritivo seria mais um sintoma desse estado de coisas. Envoltos em ########################################################

%$Um exemplo desse tipo (já comentado por nós anteriormente) pode ser a aproximação feita por Brian Dennis (CARDEW, 2006, p.353) entre Treatise e a teoria musical, onde sugere a possibilidade de considerar tanto a lifeline quanto as pautas no canto inferior das páginas como dois temas gráficomusicais centrais que permeiam a totalidade da peça e naturalmente a performance musical.#

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discussões acerca do controle e determinação da composição, muitos compositores se engajaram na experimentação, por vezes leviana, de novas maneiras de notação e concepção da prática musical, desde seu conceito, seus espaços de apresentação até a forma de interação entre músico e público. Sobre esse aspecto, Treatise nos serve como trabalho inicial para identificar um movimento cada vez mais consciente do papel da música e do compositor na sociedade capitalista. Um de nossos objetivos ao empreender essa discussão, nessa obra específica, foi em levantar questionamentos que eventualmente não encontram respostas definitivas no período analisado por nós, mas que podem ser desenvolvidos posteriormente, assim como foi feito pelo compositor nos anos que sucedem seu trabalho junto à Scratch Orchestra (1969-1974), experimento de vivências sociais que alavancaram uma guinada radical no pensamento de Cardew, culminando na publicação do livro Stockhausen Serves Imperialism (CARDEW, 2006, p.149). Nesse sentido que nossa pesquisa não visou de forma alguma fechar a discussão nos aspectos meramente formais de Treatise, pois ainda acreditamos que há um enorme campo a ser explorado quando se trata do movimento crítico empreendido pelo compositor sobre sua própria trajetória e da relação com os meios de cooptação ideológica do pensamento burguês capitalista sobre a produção da música de vanguarda.# No texto Wiggly Lines Wobbly Music datado de 1976 o inglês comenta:# #

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(...) I have to say at the outset that I was engaged throughout the 1960’s in writing – I should say drawing – and performing so-called ‘graphic music’. (...) Then in 1971 the ripples of a new revolutionary political movement upset this fragile coracle (as far as I was concerned) and tipped me out in to the maelstrom of the class struggle. A period of ‘settling accounts’ with my avant garde activities followed, and I detected (as have previous generations of artists who wanted to serve the people) a clear antagonism between the bourgeois (artistic) avant garde and the proletarian (political) vanguard, i.e. the revolutionary party of the working class. (CARDEW, 2006, p.249)#

Por essa razão, no presente trabalho visamos nos ater ao comentário dos aspectos estruturais de Treatise e de possíveis chaves de leitura do projeto experimental de Cornelius Cardew em paralelo com seu contexto histórico, com o voto de fé que ao elucidar tais pontos também nos direcionassem para um vislumbre do processo dialético empreendido pelo próprio compositor em anos posteriores à !"#

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Treatise. Podemos adiantar que, pela maneira como a partitura determina, esse movimento já estava sendo ensaiado ao longo do processo criativo da obra. De maneira a constituir uma forma total circular, os gráficos - que outrora eram de uma enorme especulação gráfica - em seu último movimento terminam se convertendo na síntese gráfica do desenvolvimento histórico e social do código musical: a pauta, símbolo de um espaço de inteligibilidade da linguagem e da comunicação entre compositor e intérprete como classe unida.#

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Figura 32. CARDEW, 1970, p.191.#

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ANEXO A

A transcrição do texto a seguir tenta fazer, ao utilizar uma pontuação mais livre, alusão ao tempo da pronúncia do texto sob a influência do fluxo musical como consta na gravação. Os símbolos entre chaves correspondem aos sons segundo o International Phonetic Alphabet.

[!o]...[k]...[ka"]...is...how [kus!], can is... how in crisis, I can [b!] is, [d!e]... out nine rises, is a ?, be [#] the most...out nine, nine rices is a ray, and [b!], not...[d!e], the most we...would, nine, nine is not ices is a hair tore [$] [b] not, the not [o-%] the most we can I, nine, nine is not mine, is a hair tore which be not, the not only, most we can, ignorant, nine, nine is not mine, mine is not, is a hair tore which forces [koræ!] [b&ut!] [not!], the not only mine for ten most we can ignorant is it life. Nine, is not mine, mine is not nine, ten is not nine, hair tore which forces creep pass, which forces, the not only mine for ten, but any ten for [w!] we can ignorant is it life or death nicely [bæ%d!], nine is not mine, mine is not nine, ten is not nine. Nine is not [t!e], air, tore which forces creep pass which forces retrograde, if not, only mine for ten, but any ten, for which one we can ignorant. Is tit life or death nicely balancing let and nine is not mine, mine is not nine, ten is not nine, mine is not ten, or when, or air, toward which, forces creep pass, which forces retrograde with it comes in ?... mine or ten or any ten which ?... ignorant, is it life, or death nicely balancing, let an instant push, is not mine, mine is not nine, ten is not nine, mine is not ten, or when or which one then toward which forces creep pass which forces, retrograde if coming in sleep to suspended the breath not only mine for ten, but any ten for which one the I, and not nine can be the breath, can ignorant is it life or death nicely balancing like an instant push or ? press death warran? or which ? which ? supposed to be ? which ?... were supposed to be a leap to leave a settling they do not place settling they do not of equity of merciful mistake a pencil B a colleague can a début a pencil in an idol's hand they do not all about off consign do which when their little hope off consign which their little [&'lk!] or crucifixes’ their little hope of not ever their name to crucifixes’ or hope of not knowing it block of hope not knowing it their little ever leap... leave a settlement they do not, they do not an idol's which a mounting which death warrants by... [(a)] [da#n] !

[wich!t!]

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Sine, paper, walls, curtain...sheet, folding, hinge, seal...fence, corner, arm ?, thorn... That is why my beginning is much, bathroom floor, just a day or two... Humming, humming, humming for, humming 'til, humming for a promise, humming until my, humming for promise man, humming until my, humming for promise man, humming until my fen.?. , humming for promise when alone, humming until my fen... ? ... for a promise when alone ... ? ... until my f' ... ? ... promise when alone ... my faithful ... ? ... When alone ... faithful ... alone ... reverse ... I ... I... I could, I could, I could carry, could feint, I could carry no, I could think add, could carry no one, could think add one, could carry no one in, could think add one add one no one in between, add one add one all stea'...? ... add one in between, add one, add one advantage, one in between, one, add one advantage, in between, add one advantage, between, one advantage, advantage...They can please pairs and easily the pedigree of honey, they can easily please all easily does not concern the bee, for which they please nor lineage of ecstasy... they can please of honey, they can easily concern the bee for which of ecstasy. The paddy pairs and ease does use all... nor neither they ... ? ... can use those... Know all in all, veiling [propegany]...

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