«Vitoriano Braga Homem de teatro e fotógrafo amador»

July 17, 2017 | Autor: Filomena Serra | Categoria: Fotografia
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WORKSHOP FOTOGRAFIA INVESTIGAÇÃO ARQUIVO

MUSEU NACIONAL DO TEATRO 7-8 MAIO 2014

Estrada do Lumiar, 10 1600-495 LISBOA Email: [email protected] Telefone: 217 567 410

NACIONAL DO

TEATRO

Workshop Fotografia-Investigação-Arquivo programa 7 de Maio Manhã 9h20 - Abertura dos Trabalhos

11h30 - José Oliveira

9h35 - José Carlos Alvarez

Doutorando em História da Arte Contemporânea (UNL-FCSH), bolseiro FCT e investigador do IHA da FCSH da UNL. Colaborador externo do CAMJAP da FCG e docente de fotografia e cultura visual no IADE. Co-fundador do projecto de curadoria independente “interface/arte contemporânea”, comissariando exposições.

Director do Museu Nacional do Teatro Artes do espectáculo e memória: a importância da fotografia no MNT A complexidade orgânica dos elementos que constituem um espectáculo cénico pode ressurgir através dos materiais, documentos e objectos que lhe sobrevivam. A fotografia tem um papel fundamental nesse processo porque, para lá do documental, possui uma dimensão de representação que profundamente se articula com a própria representação teatral, na pose e na imagem artística do actor. 9h45 - Clara Carvalho Professora auxiliar no Departamento de Antropologia do ISCTE-IUL (Lisboa), responsável pelo ramo de Saúde Global do Mestrado de Estudos de Desenvolvimento e diretora do Centro de Estudos Africanos do mesmo instituto (2007-2013) Género e Colonialismo nos arquivos fotográficos No caso português e, em particular, do colonialismo tardio (pós-1945), a imagem fotográfica revelou-se um elemento essencial na elaboração de um imaginário sobre a nação e o projecto colonial. Estas imagens encerram significantes expressivos da aplicação de um discurso de poder. Olhando para os arquivos coloniais, dois referentes surgem como óbvios, a classificação tipológica e racial, por um lado, e a diferenciação de género, por outro lado. Nesta comunicação procuram-se expor as continuidades encontradas nas fotografias coloniais sobre Africa nas útimas décadas do Estado Novo e questionar o seu papel na elaboração de um discurso sobre a diferença e alteridade.

Ernesto de Sousa: Fotografia, Escultura e Fenomenologia Uma abordagem à edição de Para o Estudo da Escultura Portuguesa (1965), de Ernesto de Sousa, que constitui uma obra de referência e pioneira na abordagem fenomenológica da utilização da fotografia no estudo e caracterização da escultura. 11h40 - Natasha Revez Mestre em História da Arte, com a dissertação “Os álbuns “Portugal-1934” e “Portugal 1940”. Dois retratos do país no Estado Novo”. Doutoranda em História da Arte na FCSH UNL Os álbuns Portugal 1934 e Portugal 1940, imagens do país no Estado Novo Os álbuns Portugal 1934 e Portugal 1940 como ponto de partida para uma reflexão sobre a necessidade de estudar as imagens fotográficas e sobre o significado de fazer a sua história no presente. 11h50 - Teresa Meruje Mestre em Património Europeu, Multimédia e Sociedade de Informação, doutoranda em História da Arte e professora do Ensino Secundário. Colaborou em jornais, revistas e antologias, com artigos e ensaios sobre arte e literatura, e é Membro do Conselho Redactorial da revista AVE AZUL – Arte e Crítica [Viseu].

9h55 - Inês Vieira Gomes

Do auto-retrato da artista ao retrato da actriz – inclusão e asserção

Doutoranda em História no ICS da UL, com projecto de tese sobre fotografia em contexto colonial português. Investigadora bolseira no projecto “Conhecimento e Visão: Fotografia no Arquivo e no Museu Colonial Português (1850-1950)”. Licenciada e mestre em História da Arte, colaborou com o CAMJAP da FCG

O auto-retrato feminino apresenta a artista, despojada de adereços, no exercício da sua profissão. O retrato da actriz traz, nos atavios, o encanto como aura dominante. Cotejaremos quanto, um e outro, denunciam o anseio de auto-afirmação e ganho de credibilidade.

Os fotógrafos no Arquivo do SNI. Um estudo de caso a partir de fotografias das ex-colónias portuguesas O Arquivo Fotográfico do SNI possui c. 2000 fotografias das ex-colónias portuguesas. Pretende-se, a partir de uma visão de conjunto, abordar a autoria destas fotografias e questionar o papel que os fotógrafos tiveram na produção de uma propaganda colonial em imagens. 10h05 - Filomena Serra Doutorada em História da Arte Contemporânea, Membro integrado do Instituto de História da Arte FCSH-UNL Vitoriano Braga, homem de teatro e fotógrafo amador Vitoriano Braga (1888-1940) foi uma figura sobejamente conhecida pelos seus dramas teatrais, alguns dos quais como Octavio, mereceram os melhores elogios de Fernando Pessoa. Foi também tradutor e crítico de teatro, mas a sua faceta de apaixonado da fotografia é, talvez, a menos conhecida. Todavia, a ele se devem algumas das imagens fotográficas importantes do princípio do século XX ao ter retratado as principais figuras do grupo de Orpheu. É sobre essas imagens que incidirá a comunicação. 10h15 - Filomena Chiaradia Doutorada em Artes Cênicas com tese sobre Iconografia Teatral. Investigadora do Centro de Documentação e Informação/Fundação Nacional de Artes/ Ministério da Cultura do Brasil Uma experiência produtiva entre investigação e acervos fotográficos: a fotografia de cena para além do registo A fotografia de cena na escrita da narrativa historiográfica de companhias teatrais responsáveis pela constituição de coleções fotográficas e a oportunidade de organização de acervos em diálogo entre investigação científica e processamento técnico.

12h00 - Nuno Borges de Araújo Arquitecto, doutorando em Ciências da Comunicação pela UM, com projecto de tese “Fotografia e cultura visual em Braga, 1853-1910”. Investigador do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, do Departamento de Ciências da Comunicação da UM. Tem várias obras sobre fotografia editadas e colaborou em diversas exposições de fotografia. As publicações ilustradas com retratos fotográficos e a renovação da iconografia oitocentista em Portugal As publicações ilustradas com retratos fotográficos colados, surgem em Portugal a partir da década de 1860, constituindo um caso particular da história da ilustração, contemporâneo de um período de expansão da técnica fotográfica. Tiveram o seu auge no final da década de 1870 e início da de 1880, desaparecendo gradualmente com o aparecimento de novas técnicas de ilustração. No caso das publicações periódicas, constituíram verdadeiras «galerias biográficas» que tiveram um papel importante na renovação da iconografia, na difusão de novos modelos e valores, durante a monarquia constitucional. Estas publicações constituem uma importante fonte de documentação iconográfica oitocentista, ainda hoje não inventariada e pouco acessível à consulta generalizada. 12h10 - Carmen Almeida Mestre em Museologia com a dissertação Objectos Melancólicos… Fotografia , Património e Construção da Memória, A Colecção do Grupo Pró-Évora (1890-1920). Doutoranda em História e Filosofia da Ciência no CHEFci-UE; projecto de dissertação “A Divulgação da Fotografia no Portugal Oitocentista-Protagonistas , Práticas e Redes de Circulação dos Saber”. A divulgação da fotografia no Portugal Oitocentista: Autonomia e dependência-protagonistas e primeiras participações em redes internacionais do saber

Se os dispositivos estabelecem e gerem relações, se são mecanismos de auto-controle, a finalidade da arte é des-naturalizar essa ação reguladora. Por via da fotografia e do teatro é proposta uma alternativa contrária à do dispositivo através da construção de algo de “artificial”.

Os primeiros casos de participação portuguesa em inventos ou redes internacionais de fotografia, na primeira metade do séc. XIX (1839-1860), foi efectivada quase inteiramente por fotógrafos/amadores ingleses ou de ascendência inglesa, se bem que se possam apontar alguns casos de fotógrafos portugueses ou franceses ou de outra nacionalidade residentes em Portugal, na sua maior parte, fotógrafos comerciais. Assim, Porto e Madeira, locais com fortes comunidades inglesas residentes, foram seguramente o cenário dos primeiros intercâmbios fotográficos com o exterior, de inserção em redes de comunidades fotográficas/científicas internacionalmente reconhecidas. Joseph James Forrester (Porto), durante a década de 1850, e Russel Manners Gordon (Ilha da Madeira), durante a década de 1860, constituem exemplos paradigmáticos da prática e aprofundamento do estudo do novo invento durante as décadas de 1840 a 1860, a maior parte das vezes desenvolvido à margem geográfica dos convencionais centros de saber. Paralelamente, Forrester e Gordon constituem exemplos concretos do paradigma de comunicação de ciência então vigente, aspecto determinante para entender a produção do saber fotográfico e o seu entendimento/apropriação popular.

10h35 - Debate

12h10 - Debate

11h10 - Intervalo

12h40 - Encerramento da sessão da manhã

10h25 - Miguel Proença Fotógrafo independente, Lisboa. Mestre em História da Arte Contemporânea pela Universidade Nova com a dissertação, “Fernando Lemos: Eu sou a fotografia”. Doutorando na Faculdade de Belas Artes de Lisboa em Fotografia com projecto de tese: Fotografia e dispositivo Arte, Fotografia e Teatro versus dispositivo

Workshop Fotografia-Investigação-Arquivo programa 7 de Maio Tarde 14h15 - Alexandra Encarnação

15h55 - Guida Cândido

Responsável pelo Arquivo de Documentação Fotográfico da DGPC. Licenciada em História pela FCSH da UNL, especializou-se em conservação de fotografia com formação e estágio nos Arquivos Fratelli Alinari, Florença, Itália.

Coordenadora do Arquivo Fotográfico Municipal da Figueira da Foz, mestrando em Alimentação - Fontes, Cultura e Sociedade e licenciada em História da Arte pela FLUC. É responsável pelo estudo dos fundos fotográficos da coleção, organização de exposições, concursos, workshops e outras atividades culturais do Arquivo Fotográfico Municipal da Figueira da Foz. É autora de livros e publicações científicas na sua área de investigação em Alimentação e, com isso, alimenta o hiperespaço na condição de food blogger

Fotografia e Memória Patrimonial A Arquivo de Documentação Fotográfico da DGPC tem como missão o registo fotográfico e a sua salvaguarda documental dos bens móveis e imóveis dos Museus, Palácios, e outros imóveis da DGPC no Inventário Fotográfico Nacional. A ação do Arquivo articula-se em 4 eixos fundamentais: 1. Levantamentos fotográficos patrimoniais, segundo critérios técnicos internacionais; 2.Inventário, digitalização e disponibilização pública dos registos fotográficos, através de plataformas online; 3.Salvaguarda, conservação e estudo dos espólios fotográficos antigos à sua guarda; 4.Formação e aconselhamento técnico na área da fotografia técnica patrimonial e da conservação de fotografia. 14h25 - Luís Pavão e Paula Figueiredo Cunca Técnicos Superiores no AMLx/Fotográfico. Luís Pavão, fotógrafo e mestre em Conservação de Fotografia (Rochester/EUA), responsável pela Conservação e Restauro no AMLx/ Fotográfico e Paula Figueiredo Cunca, licenciada em Filosofia pela UCP/FCH e mestre em Comunicação, Cultura e Tecnologias da Informação (ISCTE) tem desenvolvido trabalhos de investigação sobre fotografia privada O Arquivo Municipal de Lisboa/Fotográfico - 20 Anos de portas abertas ao público O AMLx/Fotográfico celebra 20 anos de existência nas atuais instalações. Em 1994 apresentou um novo conceito de arquivo fotográfico, de portas abertas ao público com a exposição Provas Originais 1858 – 1910 - 20 anos depois, apresentamos um olhar retrospetivo sobre o trabalho desenvolvido a partir desta exposição.

A Figueira na “boca de cena”: O teatro na coleção do Arquivo Fotográfico Municipal da Figueira da Foz O Teatro Príncipe Carlos, reduzido a cinzas em 1914, não ditou o fim da actividade teatral na Figueira. Atores, alçados neste e noutros palcos, construíram o imaginário duma cidade com tradição nesta arte. Eis as imagens que contam essa história. Abram as cortinas! 16h05 - Abel Rodrigues Licenciado em História e mestre em História Moderna e Contemporânea de Portugal, pela UM. A concluir o curso de especialização em Ciências da Informação (variante Arquivos). Investigador em arquivos sociais e familiares e em história social e cultural. O Arquivo Fotográfico da Casa de Mateus (1844-2014) Apresentação do tratamento arquivístico que está a ser aplicado ao Arquivo Fotográfico da FCM, composto por 9806 imagens, que se encontra integralmente digitalizado. Trata-se de um acervo riquíssimo, no qual a História da Família, da Casa (monumento nacional) e da Fundação se confunde com a História do País 16h15 - Luísa Baeta e Anabela Bravo

Técnica superior no Arquivo Histórico Municipal do Porto. Licenciada em Filosofia e pós graduada com o Curso de Especialização em Ciências Documentais pela FLUC.

Técnicas da Widegris/ AFotMMontemor-o-Novo; Anabela Bravo é licenciada em Artes Plásticas, mestre em Arte Multimédia e pós-graduada em Arquivos. Desenvolve trabalho em arquivos de artista com enfoque na fotografia e nos audiovisuais; Luísa Baeta é antropóloga, com especialização em gestão do património e acção cultural e fotógrafa, mestre em arte multimédia

O Porto e os seus fotógrafos : o acervo do Arquivo Histórico Municipal do Porto

Começar pela Reforma Agrária

O arquivo fotográfico do AHMP detém um valioso acervo com interesse para a história do país no final do séc. XIX. e início do séc. XX. A sua divulgação permitirá realçar o contributo dos fotógrafos portuenses no desenvolvimento da fotografia em Portugal

Contribuir para que as estruturas estatais tratem, a nível arquivístico, o documento fotográfico com a mesma importância que o documento escrito. O fundo audiovisual sobre Reforma Agrária do Arquivo Fotográfico Municipal de Montemor-o-Novo.

14h45 - Ana Barata

16h25 - Teresa Barreto Borges

Bibliotecária de referência da Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian, mestre em História da Arte pela FCSH da UNL.

Coordenadora do Centro de Documentação e Informação da Cinemateca Portuguesa. Licenciada em Comunicação Social pela FCSH da UNL, pós-graduada em Ciências Documentais pela FLUL.

14h35 - Maria do Rosário Guimarães

As colecções fotográficas da Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian Apresentação e caracterização das colecções fotográficas da Biblioteca de Arte; recuperação da informação, formas de acesso e disponibilização 14h55 - Paulo Simões Rodrigues Director do CHAIA e professor auxiliar da UE A Operacionalidade da Fotografia ou a Fotografia como Arte da Memória A Arte da Memória, ou Ars Memoriae, ou Ars Memorativa, remonta à antiga retórica grega e consistia num conjunto de técnicas de memorização e de organização de ideias e palavras através da sua associação a imagens. A imagem fotográfica, enquanto produto de civilização, é essencialmente mnemónica. Uma das valências da fotografia é a preservação da memória da imagem dos índividuos, das paisagens, dos edifícios e das mais variados manifestações da acção produção humana. Tendo como exemplos as colecções fotográficas da BA-FCG, focar-nos-emos na abordagem do registo fotográfico enquanto fonte documental da investigação da memória da imagem em áreas relacionadas com o património cultural e arquitectónico. Isto é, de uma memória que, quando fixada, não se quis neutra, mas visualização de uma determinada ideia acerca de uma determinada realidade, configuradora de uma determinada inteligibilidade. 15h05 - Debate 15h35 - Intervalo

O caso da UFA: fotografias de cena e de rodagem de filmes com múltiplas versões Descrição do trabalho de indexação de provas fotográficas de filmes produzidos em multiversões linguísticas pela UFA (Universum Film AG) no início dos anos 30. Identificação da versão retratada (fotografias de cena e de rodagem) a partir dos elementos presentes na imagem. 16h35 - Beatriz Neves e Paulo Baptista MNTeatro. Beatriz Neves é licenciada em História Contemporânea de Portugal ISCTE A vida nos palcos: Palmira Bastos, projecto de fotobiografia (1890-1915) Processos de investigação fotobiográfica no Museu Nacional do Teatro. Alguns aspectos e imagens da actividade teatral em Portugal através da carreira de uma das mais destacadas intérpretes, Palmira Bastos, e do seu percurso em palco de 1890 a 1915. 16h45 - Carmen Almeida Coordenadora do Arquivo Fotográfico da Câmara Municipal de Évora desde 2000•. O Arquivo Fotográfico da Câmara Municipal de Évora – 12 Anos de actividade O Arquivo Fotográfico da CME foi aberto ao público em Novembro de 2001. Possui actualmente mais de 450 000 espécies fotográficas para além de um pequeno “ núcleo museológico”. O seu acervo reúne as colecções dos mais importantes fotógrafos locais dos séculos XIX e XX de Évora , permitindo documentar os aspectos mais diversos da vida local e regional. Doze anos depois apresenta-se uma reflexão sobre o trabalho desenvolvido, identificando as principais potencialidades e debilidades. 16h55 - Debate 17h20 - Encerramento da sessão da tarde • Ver detalhes comunicação 7 Maio Manhã

Workshop Fotografia-Investigação-Arquivo programa 8 de Maio Manhã 9h30 - Pedro Aboim Borges

11h10 - Ana Duarte Rodrigues

Doutorado em História da Arte Contemporânea (Fotografia e Património) e mestre em História da Arte (Fotografia) pela FCSH da UNL. Professor-adjunto na Escola Superior de Turismo e Hotelaria do Estoril.

Professora Universitária, Doutorada em História da Arte pela FCSH da UNL, investigadora do CHAIA da UE e do CHAM da FCSH da UNL, Investigadora (Fellow) na Universidade de Harvard (2013). Editora da revista Gardens & Landscapes. Autora de numerosos livros e artigos científicos sobre jardins e paisagem e escultura.

O Arquivo Marques Abreu O arquivo do fotógrafo e editor José Antunes Marques Abreu, funcionário da DGEMN (Monumentos do Norte) documenta sobretudo a arquitectura românica, mas também a arquitectura gótica, renascentista e barroca, e mesmo a pintura e a escultura. Comporta provas e negativos fotográficos, equipamento fotográfico, correspondência, documentação técnica e divide-se por dois espólios, o de Marques Abreu pai e o de Marques Abreu Jr., que acompanhou o pai em múltiplas campanhas para prossecução dos projectos editoriais. É um arquivo imprescindível para o entendimento da historiografia sobre a Arte Românica em Portugal e determinantn e para o estudo da edição e da protecção patrimonial entre 1900 e 1935. 9h40 - Jorge Custódio Doutorado pela UE, investigador integrado do IHC e docente de Arqueologia Industrial e de Museologia Industrial na FCSH da UNL. Dirigiu o Projecto Municipal Santarém a Património Mundial (1994-2002), o Convento de Cristo (2002-2007) e o Museu Nacional Ferroviário (2009-2011). A Fotografia como Documento da Rede Ferroviária Nacional: O caso de Emílio Biel Análise do modelo descritivo de levantamento da estrutura ferroviária portuguesa por via do registo fotográfico sistemático da circulação de material circulante e de obras de arte das primeiras linhas ferroviárias portuguesas, nomeadamente do Leste e do Douro, do Minho, da Beira Alta e do Vouga, trabalhos de excelência de Emílio Biel. Significado da publicação das imagens da ferrovia no desenvolvimento do turismo em Portugal, chamando a atenção, por via da fotografia, da litografia ou da impressão fotográfica para a paisagem que o turista podia observar circulando pelas regiões atravessadas pelos caminhos-de-ferro. 9h50 - Filipe Figueiredo Investigador do CET (FL/UL), integra o projecto OPSIS, doutorando em Estudos Artísticos – fotografia de teatro (bolseiro FCT). O arquivo de fotografia e a construção da memória A partir da análise dos Livros de Registo de Repertório da companhia Rey Colaço–Robles Monteiro (1821-1974), na Biblioteca-Arquivo do TNDM II, esta comunicação visa abordar a possibilidade de construção da memória através da colecção de fotografias. 10h00 - Paulo Baptista Investigador do MNT, doutorando em História da Arte Contemporânea, Investigador do IHA da FCSH-UNL, co-editor da revista Gardens & Landscapes of Portugal. O retrato modernista: a contribuição da fotografia A fotografia desempenhou um papel fundamental na afirmação da imagem moderna em Portugal. O estudo sistemático do espólio da Fotografia Brasil (Arquivo Fotográfico da DGPC/Museu Nacional do Teatro) contribuiu, de forma determinante, para um entendimento formal e cronológico dessa afirmação modernista no retrato fotográfico. 10h10 - Cosimo Chiarelli Historiador da fotografia italiana, especialista das relações entre fotografia e teatro. Docente de Historia da Fotografia na Universidade de Pisa, actualmente a investigar as coleções do Departamento das Artes do Espectáculo da Biblioteca Nacional Francesa. É director do “Centro per la fotografia dello spettacolo di San Miniato” (Pisa) e organizador (até 2011) do “Occhi di scena”, o único Festival Europeu dedicado à fotografia do espectáculo, com mostra de exposições originais de arquivos teatrais. Corpo, imagem, arquivo: a fotografia e o mimo Uma investigação sobre as relações entre fotografia e mimo, realizada nos arquivos da Biblioteca Nacional Francesa: materiais, perguntas, resultados e perspectivas. (intervenção em língua inglesa). 10h20 - Debate 10h50 - Intervalo

Sintra’s privileged picturesque landscapes offered by 19th century photography Sintra’s landscape photography in the 19th century clearly remains encoded within academic painting composition. In this paper I seek to analyze the construction of Sintra’s landscapes idealized image through a comparative approach with other media. (intervenção em língua portuguesa). 11h20 - João Paulo Machado Técnico Superior da DGPC, exerce funções na Divisão de Património Imóvel, Móvel e Imaterial, gestor do Sistema de Informação “Matriz”. Licenciado em História, foi técnico de documentação fotográfica do arquivo da DGEMN e técnico responsável pelo estudo do espólio San Payo do AFDGPC. A Persistência da memória: retratos da Coleção San Payo A coleção de retratos de San Payo como exemplo de espólio de atelier fotográfico. Chamar a atenção para a sua fragilidade de suportes e dificuldade de identificação. A abordagem arquivística. A urgência do levantamento dos espólios fotográficos na luta contra a perda da memória. A necessidade de digitalização como forma de preservar e divulgar para auxiliar na identificação. 11h30 - Fernando Costa e Paulo Tremoceiro Técnicos do Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Documentos fotográficos na Torre do Tombo: tratamento e acesso I Condições de acesso: O acervo fotográfico do Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT) foi enriquecido com a fusão do ex. - Arquivo de Fotografia de Lisboa em 2007. Tornou-se, assim, num acervo bastante diversificado e com uma grande multiplicidade de tipologias documentais. Dada a sua magnitude, apenas parte da documentação fotográfica se encontra, atualmente, disponível aos mais variados utilizadores. A pesquisa fotográfica obedece a determinadas especificidades que a tornam singular dentro do ANTT. Não obstante, o acesso às imagens poderá ser condicionado pelas restrições de comunicabilidade previstas na lei. 11h40 - Fátima Ó Ramos e Paulo Leme Técnicas do Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Documentos fotográficos na Torre do Tombo: tratamento e acesso II Tratamento técnico e apresentação de conteúdos: A fotografia, enquanto documento de arquivo, toma sentido no contexto documental a que pertence. Ela apresenta, todavia, características muito próprias, que se refletem na sua descrição, instigando, a todo momento, o diálogo interativo entre as diferentes normas disponíveis. O estado da questão no ANTT. 11h50 - Anabela Ribeiro e Carla Lobo Técnicas do Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Documentos fotográficos na Torre do Tombo: tratamento e acesso III Conservação, transferência de suporte e disponibilização. No ANTT, seguimos uma metodologia de identificação dos processos fotográficos, estado de conservação e proposta de intervenção. O nível de tratamento nestes materiais depende de um conjunto de fatores. Contudo, a intervenção é sempre mínima, o suficiente para garantir o acesso ao documento original, bem como à reprodução em segurança. No âmbito da política de disponibilização online e de preservação, os documentos fotográficos depois de tratados do ponto de vista físico e intelectual, são reproduzidos/digitalizados de acordo com normas internacionais para serem associados aos registos descritivos. 12h00 - Debate 12h30 - Encerramento da sessão da manhã

Workshop Fotografia-Investigação-Arquivo programa 8 de Maio Tarde 14h15 - Marina Figueiredo

16h00 - Luís Montalvão

Técnica do Arquivo Histórico Parlamentar.

Técnico superior, bibliotecário e documentalista do MNAA.

Estratégias para a incorporação nos arquivos fotográficos digitais: o caso do Arquivo Fotográfico Parlamentar

O arquivo fotográfico do MNAA

Caracterização do acervo fotográfico do Arquivo Fotográfico Parlamentar e o problema da incorporação de fotografia digital num cenário de aumento exponencial da produção de documentos fotográficos que carateriza o contexto digital”. 14h25 - Leonor Sá Directora do Museu de Polícia Judiciária, doutoranda na FCH da Universidade Católica. O Arquivo Histórico Fotográfico do Museu de Polícia Judiciária O Arquivo Histórico Fotográfico do Museu de Polícia Judiciária: desafios passados, presentes e futuros. 14h35 - Susana Rodrigues, Tânia Marques e Vasco Duque Susana Rodrigues, técnica superior do Arquivo da PR. Licenciada em História e pósgraduada em Ciências Documentais, variante Arquivo, pela UAL e pós-graduada em Ciências Documentais, variante Biblioteca, pela FLUL.; Tânia Marques, técnica superior do Arquivo da PR. Licenciada em Estudos Europeus pela FLUL. Pós-Graduada em Ciências Documentais pela ULHT. Mestre em Ciências Documentais, pela ULHT; Vasco Duque, técnico superior do Arquivo da PR. Licenciado em Design e Produção Gráfica – ISEC. A fotografia institucional no Arquivo Histórico da Presidência da República O Arquivo Histórico da Presidência da República está a proceder à integração e tratamento da documentação fotográfica produzida pela instituição. Trata-se de um conjunto documental composto por milhares de fotografias, ilustrativo da atividade presidencial e, como tal, incontornável para o estudo da História Contemporânea Portuguesa. 14h45 - Ana Marta Lopes Guerreiro Técnica superior do Arquivo do Museu da PR. Anteriormente foi responsável pelo levantamento do arquivo da Valorsul. Mestre em Ciências da Informação e Documentação (arquivo) pela FCSH da UNL. Licenciada em Estudos Portugueses pela FLUL. Formadora da BAD em Norma internacional para a descrição de funções (2012). A indexação como estratégia para a recuperação de informação nos arquivos fotográficos: os arquivos do órgão de soberania, o Presidente da República As coleções fotográficas do Museu da Presidência da República representam um testemunho único para o estudo da história contemporânea. A criação de uma lista especializada de assuntos para indexação é fundamental como estratégia para uma política de acesso documental. 14h55 - Catarina Miranda Basso Marques Mestre em História da Arte, é investigadora do CITCEM e doutoranda na UM (bolseira FCT) com o projecto de tese “Usos privados e públicos da fotografia na sociedade bracarense (1910-1945)”. Fotografia & Investigação Histórica – estudo de caso do Arquivo Aliança.

O arquivo fotográfico do MNAA documenta a evolução do Museu, desde 1882, até as obras de 1992. É também um inventário fotográfico das colecções do MNAA, e um repositório de imagens de obras de arte de colecções portuguesas e estrangeiras. 16h10 - Sandra Garrucho Mestre em Fotografia – perfil Conservação de Fotografia, Escola Superior de Tecnologia de Tomar/Instituto Politécnico de Tomar . Intervenção sobre uma Coleção Fotográfica do Arquivo Histórico Ultramarino - Conservação e Acesso A documentação fotográfica, depositada no AHU, era constituída por vários tipos de suporte (vidros, películas, provas em papel e álbuns fotográficos). Referia-se a várias missões do Instituto de Investigação Científica Tropical (nomeadamente a Missão Geográfica de Cabo Verde, 1926-1932 e a Missão de Delimitação de Fronteira LusoBelga em Angola, 1901), à Sociedade Agrícola Colonial (referente à Roça Porto Real na Ilha de Príncipe) e a Companhias coloniais (p.ex. Companhia da Zambézia, Moçambique, 1892-1920). O núcleo fotográfico é de enorme importância dos pontos de vista histórico, cultural e patrimonial. O objetivo da intervenção visou a preservação e o tratamento da documentação fotográfica, tornando-a acessível ao público. 16h20 - Teresa Alexandra da Silva Ferreira Laboratório HERCULES, Herança Cultural, Estudos e Salvaguarda, professora auxiliar da UE. Caracterização material de fotografias e negativos: casos de estudo Caracterização material de fotografias e negativos: casos de estudo. 16h30 - Ana David Mendes Técnica superior do M|i|mo (museu da imagem em movimento). Responsável pela “Qualidade, Certificação e Redes”, coordenadora da gestão das colecções. Foi coordenadora do museu até 2013. Arquivos fotográficos: o que se esconde dentro da Caixa? Os arquivos são memorias escondidas no tempo. Pequenas descobertas, grandes avanços. Do numero do chapa ao titulo do envelope - como se revela a informação, como se comunicam conteúdos, e como podem decorrer os processos de apropriação, como uma forma de valorização? O M|i|mo integrou a RPM em 2004 e teve uma nomeação honrosa para “melhor museu do ano” em 2010. 16h40 - Mafalda Lourenço e Paulo Baptista Museu Nacional do Teatro. Mafalda Lourenço é pós-graduada em Jardins e Paisagem pela FCSH da UNL e licenciada em Agronomia pelo ISA. Fotografia e movimento Bailarinos, dançarinos e fotografia de espectáculo (1890-1930) na colecção fotográfica do Museu Nacional do Teatro e na imprensa periódica ilustrada portuguesa.

O Arquivo Aliança compreende o espólio de um estúdio fotográfico, a Photographia Alliança, que existiu em Braga entre 1910-1980. A comunicação centra-se na abordagem do arquivo fotográfico como forma de aceder ao universo da fotografia e ao conhecimento da realidade histórica que dele transparece.

16h50 - Alexandre Pomar

15h05 - Debate

A Exposição-Feira de Angola 1938, a exposição como mecanismo de investigação e conhecimento

15h40 - Intervalo

Jornalista, crítico de arte e galerista da fotografia, tem numerosos artigos e escritos sobre fotografia contemporânea e História da Fotografia

A partir da recentíssima exposição da Pequena Galeria, intitulada Exposição-Feira de Angola 1938, reflecte-se ácerca de um enigmático objecto da História da Fotografia em Portugal e do processo de investigação/aprendizagem multidisciplinares que a referida exposição constituiu 17h00 - Debate 17h30 - Encerramento da sessão da tarde

Os fotógrafos no Arquivo do SNI. Um estudo de caso a partir de fotografias das ex-colónias portuguesas. Inês Vieira Gomes Resumo O Arquivo Fotográfico do SNI possui c. 2000 fotografias das ex-colónias portuguesas. Pretende-se, a partir de uma visão de conjunto, abordar a autoria destas fotografias e questionar o papel que os fotógrafos tiveram na produção de uma propaganda colonial em imagens. Artigo No âmbito do Projecto de Investigação “Conhecimento e Visão: Fotografia no Arquivo e no Museu Colonial Português (1850-1950)”, coordenado por Filipa Lowndes Vicente e financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), do qual fiz parte enquanto investigadora bolseira, procedeu-se à identificação e ao levantamento de documentos fotográficos em contexto colonial em arquivos nacionais. O projecto, que decorreu entre 2012 e 2013, tinha como um dos principais objectivos contactar com os diferentes arquivos nacionais no intuito de conhecer as suas colecções. Após um primeiro contacto exploratório na identificação das respectivas colecções fotográficas, procedeu-se a um mapeamento e um inventário sumário dos documentos fotográficos produzidos em contexto colonial no período supracitado. Este primeiro inventário, mesmo que não exaustivo, pretendeu mapear os documentos fotográficos existentes em colecções públicas em Portugal, como um primeiro passo para o estudo da fotografia como parte integrante da cultura material que o Império Colonial Português produziu. Embora os arquivos possuam colecções heterógenas e proveniências tão distintas, pretendeu-se, também, inscrever o projecto numa tendência internacional, que remonta sensivelmente à década de 90 do século XX, de analisar a fotografia em contexto colonial, como um dos resultados mais evidentes do legado histórico para estudar o colonialismo. Pretende-se com este artigo exploratório analisar um conjunto de documentos fotográficos produzidos em contexto colonial do Arquivo Fotográfico do SNI revelando, a partir de uma investigação paralela que tem sido desenvolvida pela própria autora, esboçar algumas considerações sobre a génese do Arquivo Fotográfico do SNI e enumerar alguns problemas que podem condicionar um estudo centrado em fotografia1. O Arquivo Fotográfico do Secretariado de Propaganda Nacional (SPN), pensado em 1933, iniciou funções à data da criação do SPN. O Arquivo Fotográfico constituía uma das partes integrantes do SPN/SNI, auxiliando este organismo na propaganda do Estado Novo. O SPN, organismo habilitado a definir a estética do regime, nas diferentes manifestações artísticas, formalizava a “Política do Espírito” definida pelo seu primeiro Director, António Ferro (1895-1956). Logo no orçamento de Outubro de 1933 surge uma alínea dedicada ao Arquivo Fotográfico que recebeu quarenta ampliações fotográficas do Presidente do Conselho2. Embora no primeiro mês o Arquivo Fotográfico servisse exclusivamente para albergar um conjunto de cópias de um retrato de António Oliveira Salazar, possivelmente para distribuir aos diferentes organismos do Estado, paulatinamente o Arquivo Fotográfico começou a receber dezenas de fotografias sobretudo de Portugal Continental e Ilhas. 1 A autora agradece a constante disponibilidade e esclarecimentos de Fernando Costa, responsável pelas colecções fotográficas do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, assim como de Paulo Tremoceiro. 2 Cf. Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), Fundo SNI, Caixa 2295.

Apenas em 1939 o Arquivo Fotográfico foi concebido tal como hoje o conhecemos, ou seja, através de uma estruturada organização das fotografias em fichas de arquivo. Essas fichas de arquivo em cartão com um respectivo espaço para colar as respectivas fotografias detinham ainda espaços em branco para serem preenchidos com os seguintes campos: número de chapa; classificação; fotógrafo; observações e legenda, tal como podemos ver na Figura 1. Através das fichas de arquivo é possível obter grande parte da informação sobre as respectivas fotografias, nomeadamente o local, a identificação do fotógrafo, quando apliFigura 1: S. Tomé – Queda de Água Blu-Blu. S. D’Almeida, cável, e em casos excepcionais a sua datação, como veremos s.d. PT/TT/SNI/ARQF/DO/031/54208. Imagem cedida mais à frente. pelo ANTT. Para a organização das fotografias, o Arquivo Fotográfico pagou, em 1939, a Mário Novais pela colagem de 2117 fotografias em fichas do arquivo3. Através da consulta dos orçamentos mensais deste Organismo, é possível identificar, numa alínea intitulada Revisão do Arquivo Fotográfico e Ficheiros da Expedição, tarefas semelhantes com a colaboração de Elmano Cunha e Costa4 durante os anos de 1951, 1952, 1953 e 1954 e a colaboração de Júlio Alberto Lopes durante os meses de Fevereiro, Março, Abril, Maio e Junho de 19545. Através da consulta de correspondência recebida e expedida do próprio Arquivo Fotográfico, consultável, também, no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, é possível chegar a algumas considerações: (1) que chegavam os mais diversos pedidos de reprodução de imagens, desde professores residentes em Portugal, nas colónias ou em outros países, associações recreativas, editoras, entre outros; (2) que os pedidos provinham, também, de instituições tais como Casas de Portugal espalhadas pelo Mundo; embaixadas ou Centros de Informação e Turismo, afectos ao Ministério das Colónias; (3) a existência de uma relação institucional entre o SNI e a Agência Geral das Colónias/Agência Geral do Ultramar; (4) e a articulação entre o SNI e a Imprensa, relação essa bastante evidente, por exemplo, com a imprensa brasileira. Sobre a relação com a imprensa brasileira, que se destaca na correspondência face aos contactos estabelecidos com a imprensa nas colónias, veja-se por exemplo a relação entre o SPN/SNI com o jornal “Voz de Portugal”, ao serviço da comunidade luso-brasileira, desde 1936, e com a meritória acção (...) na defesa da colónia portuguesa do Brasil e de tudo a que Portugal se refere. Numa carta datada de 1966 dirigida aos Serviços de Informação do SNI é referido a entrega semanal, através do Arquivo Fotográfico, de uma colecção de fotografias enviada à redacção do jornal, sendo publicada profusamente6. Este exemplo evidencia a estrita relação entre o Arquivo Fotográfico do SNI e a Imprensa. O SPN/SNI articulava-se com a Imprensa nacional e estrangeira, assumindo-se como o principal Organismo apto a ceder reproduções das mais diversas fotografias pedidas. Contudo, quando os pedidos incidiam em fotografias dos territórios coloniais, o Arquivo Fotográfico do SNI, remetia, geralmente, os pedidos para a Agência Geral das Colónias / Agência Geral do Ultramar (AGC/AGU), por não possuir tais fotografias. Sobre a interligação entre o Arquivo Fotográfico do SPN/SNI e o Arquivo Fotográfico da AGC/AGU tome-se como exemplo um pedido que a Legação de Portugal em Berna, Suíça, enviou em 1949, solicitando documentação fotográfica sobre os Açores, Madeira, Guiné, S. Tomé, Príncipe, Angola, Moçambique, Índia Portuguesa, Macau e Timor. A este pedido o SNI responde: tenho a honra de anunciar remessa, em volume separado, de 16 fotografias sobre as 3 Cf. ANTT, Fundo SNI, Caixa 1528. 4 Elmano Cunha e Costa (1892-1955) advogado de formação e profissão, fotografou exaustivamente aspectos de Angola, entre 1935 e 1938, no âmbito da “Missão Fotográfica em Angola” que contou com a colaboração do Padre Carlos Estermann, Superior das Missões Católicas da Província de Huíla. Dessa Missão resultou uma colecção fotográfica de cerca de 10.000 fotografias (hoje no espólio do Arquivo Histórico Ultramarino) e a realização de três exposições de fotografia do próprio autor na sede do SPN/SNI: “Exposição de Fotografias de Angola”, em 1938; “Exposição de Etnografia Angolana”, em 1946 e “Exposição de Penteados e Adornos Femininos das Indígenas de Angola”, em 1951. Sobre as referidas exposições veja-se o artigo da própria autora “Imagens de Angola e Moçambique. Exposições de fotografia no Palácio Foz (1938-1960)” in Filipa Lowndes Vicente (ed.) O Império da Visão. Fotografia no Contexto Colonial Português (1860-1960), Lisboa: Edições 70, 2014 (no prelo). 5 Cf. ANTT, Fundo SNI, Caixa 173, Orçamento de 1954. 6 Cf. ANTT, Fundo SNI, caixa 4486.

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nossas colónias, e ainda informar que nesta mesma data transmitimos à Agência Geral das Colónias o pedido de V. Ex.ª, solicitando-lhe o envio da documentação fotográfica julgada útil ao objectivo indicado7. Paralelamente, o SNI envia uma carta à Agência Geral das Colónias referindo: Em nome do Exmo. Secretário Nacional, tenho a honra de levar ao conhecimento de V. Ex.ª que a Legação de Portugal em Berne nos pediu, a fim de satisfazer pedidos que lhe foram dirigidos por vários jornais ilustrados suíços, uma ampla documentação fotográfica sobre as nossas Colónias. Este Organismo apressou-se a enviar as poucas fotografias que tinha e muito agradece a V. Ex.ª. se digne providenciar no sentido de ser facultada àquela nossa representação diplomática os elementos que julgar úteis a tão louvável objectivo8. O SPN/SNI e a AGC/AGU detinham uma relação institucional estabelecida em 1942, através da criação de um cargo de Delegado no Secretariado de Propaganda Nacional, nomeado pelo Ministério das Colónias, a fim de coordenar as informações de propaganda colonial entre as duas instituições9. Dois anos depois, o Secretariado de Propaganda Nacional deu lugar ao SNI – Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo. O Decreto-Lei n.º 33.545 de 23 de Fevereiro que legisla as funções do SNI reforça, dois anos depois, a necessidade do SNI juntamente com a Agência Geral das Colónias elaborar um programa de expansão turística em que se incluam os territórios ultramarinos do Império Português10. Esta mudança institucional, pode dar-nos pistas para melhor compreender a existência de fotografias das ex-colónias neste Arquivo. Embora existisse uma relação institucional entre o SNI e a AGU, os Arquivos Fotográficos eram autónomos e com diferentes coleções fotográficas. Possivelmente, a aquisição de fotografias por parte da AGU é anterior à incorporação de fotografias das ex-colónias pelo SNI, facto esse justificado, em parte, pela génese da AGU e os seus próprios objectivos. Possivelmente, as fotografias das ex-colónias existentes no Arquivo Fotográfico do SNI foram adquiridas entre as décadas de 50 e 70. Já na década de 60 o SNI formulou alguns pedidos junto do Centro de Informação e Turismo de Angola, solicitando o envio de algumas fotografias no formato 18x24 com aspectos etnográficos, obras realizadas, trabalhos de exploração e vistas das cidades e vilas mais importantes da Província de Angola. Destinam-se essas fotografias ao nosso Arquivo Fotográfico, pelo que espero de V. Ex.ª a sua melhor colaboração11. Foi remetido um pedido análogo ao Centro de Informação e Turismo de Moçambique solicitando fotografias com os mesmos aspectos pedidos a Angola12. Embora, até à data, não se consiga identificar o conjunto de fotografias enviadas por Angola e Moçambique relativamente a estes pedidos em concreto, esta documentação ajuda-nos a perceber o processo paulatino de construção deste Arquivo Fotográfico. O número de fotografias das ex-colónias portuguesas no Arquivo do SPN/SNI é exímio tendo em conta todo o espólio fotográfico. O Arquivo, composto por 67.500 documentos fotográficos, possui 1830 fotografias, representando 2,7% do total dos documentos fotográficos existentes, uma ínfima expressão neste Arquivo Fotográfico. Dentro do universo estudado, o número de fotografias correspondente a cada ex-colónia oscila variavelmente. Num total de 1830 fotografias, o número de fotografias de cada ex-colónia distribui-se da seguinte forma: Angola com 672 fotografias; Moçambique com 623 fotografias; Índia com 202 fotografias; Timor com 115 fotografias; Guiné com 89 fotografias; Macau com 61 fotografias; Cabo Verde com 46 fotografias e São Tomé e Príncipe com 22 fotografias. A esse número acrescem 683 fotografias da secção do Arquivo Fotográfico intitulada “Reportagem Política”, onde se pode associar 180 fotografias com aspectos das Viagens Presidenciais do Presidente da República General Óscar Carmona às colónias, e 503 fotografias do Presidente da República Craveiro Lopes, também em territórios coloniais. Nesse vasto conjunto de fotografias, nem sempre é possível identificar os territórios coloniais, 7 Cf. ANTT, Fundo SNI, Caixa 890. 8 Cf. ANTT, Fundo SNI, Caixa 890. 9 Cf. José Luís Campos de Lima GARCIA, Ideologia e Propaganda Colonial no Estado Novo: da Agência Geral das Colónias à Agência Geral do Ultramar, 1924-1976, Tese de Doutoramento. Faculdade de Letras – Universidade de Coimbra, 2011, p. 152. 10 Cf. Projecto-Lei da Constituição do Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo, Artigo 25º. ANTT, Arquivo Salazar, AOS/CO/PC-12E, Pt. 11. 11 Cf. ANTT, Fundo SNI, Caixa 1372. 12 Cf. ANTT, Fundo SNI, Caixa 1372.

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razão pela qual se optou por não incorporar na Tabela 1. Analisando as fichas de arquivo onde se encontram as respectivas fotografias é possível obter algumas informações no que se refere, sobretudo, à autoria dos fotógrafos, cuja identificação é sintetizada a seguir (Tabela 1). É importante ressalvar que parte considerável das fotografias não tem qualquer identificação do fotógrafo, encontrando-se esse espaço em branco, ou com a designação Reprodução. Nestes casos, ao que tudo indica, corresponde ao envio de fotografias por organismos estatais nas colónias para a Metrópole sem qualquer identificação dos fotógrafos locais, secundarizando as suas autorias e estando, ainda hoje, os seus nomes por revelar13.

Tabela 1: Relação do número de fotografias por colónia e fotógrafo

Ao visualizar a Tabela 1 percebemos rapidamente que grande parte das fotografias não tem um autor / fotógrafo associado. A questão autoral pode ser um dos problemas num estudo centrado na análise de documentos fotográficos. A não identificação dos fotógrafos nas fichas de arquivo do SNI leva-me a questionar se a autoria seria assim tão importante neste Arquivo Fotográfico ou em outro Arquivo institucional. Percebe-se, logo à partida, que a autoria das fotografias não era uma preocupação na época, pois estas não eram, geralmente, creditadas. Que papel os fotógrafos detinham? Seriam, apenas, meros produtores de imagens, desconhecendo o destino final das fotografias? Será que se deve relegar para segundo plano os fotógrafos e valorizar todo o contexto em que as fotografias foram produzidas no âmbito de um contexto institucional? Sobre este assunto, tome-se como exemplo um conjunto de fotografias com aspectos da Viagem Presidencial do General Óscar Carmona às colónias, entre 1938 e 1939, na secção “Reportagem Política” do próprio Arquivo Fotográfico, como foi já referido anteriormente. As fichas que acompanham as fotografias detém muito poucas informações acerca das mesmas, incluindo a não inclusão do nome do(s) fotógrafo(s). Contudo, algumas das fotografias foram reproduzidas nos álbuns Viagens Presidenciais às Colónias, 1938-1939, publicados pela Agência Geral das Colónias. Um desses exemplos é reproduzido no presente texto (Fig. 2). A Fig. 2, que se encontra no Arquivo Fotográfico do SNI, foi reproduzida no primeiro volume dos álbuns Aspectos das Viagens Presidenciais às Colónias, 1938-1939, dedicado às colónias de S. Tomé e Príncipe e Angola. 13 Essa situação é idêntica, por exemplo, no Arquivo Fotográfico do Jornal O Século, que se encontra atualmente no Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Com um Ficheiro Central composto por fotografias de várias cidades das ex-colónias portuguesas, as fotografias eram enviadas para o Jornal por fotógrafos ou casas fotográficas locais. Haverá todo um trabalho de fundo a fazer para resgatar nomes de fotógrafos ou identificar casas fotográficas nas colónias e as suas ligações com a Metrópole, seja pela forma institucional, por exemplo, com o SPN/SNI, mas também a ligação com a imprensa escrita.

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Assumindo a autoria das fotografias a Firmino Marques da Costa, atribuição dada por António Sena14, estas fotografias que no Arquivo Fotográfico não têm a identificação do fotógrafo, serão, certamente, de Firmino Marques da Costa. Não se sabe ao certo, tal como quase todas as fotografias deste Arquivo, como chegaram. Este exemplo é representativo da mobilidade inerente ao próprio documento fotográfico e a capacidade de reprodução do mesmo. Ou seja, a capacidade de reprodução da fotografia, aliado à capacidade de mobilidade, facilitou a divulgação de imagens. Uma mesma fotografia (Fig. 2) com diferentes usos e fins: por um lado, resguardado no arquivo Figura 2: Sem Título, autor não identificado, s.d. PT/TT/ como prova documental e, por outro, reproduzida num álSNI/ARQF/RP/001/54624. Imagem cedida pelo ANTT. bum fotográfico, como objecto que dá a ver a um público 15 específico . Para além do mais, a fotografia reproduzida (Fig. 2) é também ela particularmente interessante por enquadrar na composição fotográfica vários fotógrafos, possivelmente foto-jornalistas; fotógrafos da administração colonial, itinerantes, estrangeiros ou locais, com finalidades distintas, dando diferentes usos à fotografia, uns como forma de propaganda, e outros explorando os usos privados da fotografia, questões que devem ser tidas em conta num estudo centrado na fotografia produzida em contexto colonial. Um outro problema que se pode identificar no estudo das fotografias do Arquivo Fotográfico do SNI prende-se com a datação das mesmas, onde apenas 83 fotografias num total de 1830 estão datadas16. A associação de nomes de fotógrafos nos respectivos orçamentos do SNI não é suficiente para criar balizas cronológicas. Tematicamente, pode afirmar-se que neste corpus fotográfico uma das preocupações mais evidentes foi o de captar as influências da presença portuguesa nos territórios coloniais, dando primazia às obras públicas, ou seja a colonização dos territórios e respectiva administração, assim como a subsequente “civilização” dos nativos. São sobretudo fotografias como um instrumento documental, ou seja, como parte integrante de um inventário social e antropológico. Ainda em relação aos autores das fotografias, destacam-se alguns fotógrafos: Alfredo Cunha (1953-), que começou como fotógrafo no jornal O Século e que em 1975 viajou por África realizando uma reportagem sobre o processo da descolonização; Alberto Gouveia, editor e proprietário de uma casa de postais na Guiné-Bissau; Santos d’Almeida, proprietário do Laboratório Industrial Fotográfico Santos de Almeida, um laboratório que funcionou em Lisboa, na Rua das Amoreiras, fundo esse hoje sob tutela do Arquivo Nacional da Torre do Tombo (as fotografias associadas a Santos d’Almeida podem ser de sua autoria ou simplesmente terá revelado os negativos) e Armando de Aguiar, jornalista do Diário de Notícias. Armando de Aguiar que fotografou todas as ex-colónias africanas, pertencia aos quadros do SPN/SNI e, por isso, era um colaborador assíduo. O Arquivo Fotográfico do SNI possui, pelo menos, 162 fotografias de sua autoria identificadas. Autor de diversas monografias, entre elas Oliveira Salazar. O Homem e o Ditador: a sua vida e a sua obra (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira), publicado em 1934; Portugueses do Brasil (Lisboa: Imprensa Nacional de Publicidade), publicado em 1945; O Mundo que os Portugueses Criaram (Lisboa: Imprensa Nacional de Publicidade), publicado em 1951 e em 1954; e Guiné, Minha Terra (Lisboa: Agência Geral do Ultramar), publicado em 1964. 14 Em 1987 António Sena, que dirigia a Galeria Ether, em Lisboa, identificou Firmino Marques da Costa, fotógrafo do jornal “Diário de Notícias” que acompanhou o Presidente Óscar Carmona, como sendo o autor das fotografias reproduzidas nos álbuns Aspectos das Viagens Presidenciais às Colónias, publicados entre 1939 e 1940. Cf. António SENA, História da Imagem Fotográfica em Portugal 1839-1997, Porto: Porto Editora, 1998, p. 254. 15 Sobre esta questão veja-se o artigo de Filipa Lowndes VICENTE “Fotografia e Colonialismo” in O Império Colonial em Questão (Sécs. XIX e XX), (org. Miguel Bandeira Jerónimo), Lisboa: Edições 70, pp. 423-454. 16 Geograficamente, a datação das fotografias distribui-se da seguinte forma: Angola: 1 fotografia datada de 1952; 5 fotografias datadas de 1955; 4 fotografias datadas de 1961 e 3 fotografias datadas de 1975. Guiné tem 4 fotografias datadas de 1974 e 16 fotografias datadas de 1979. Índia tem, apenas, 2 fotografias datadas de 1961 e 2 fotografias datadas de 1980. Macau com 1 fotografia datada de 1970 e 17 fotografias de 1979. Moçambique tem 7 fotografias datadas de 1973; 14 fotografias datadas de 1974 e 6 fotografias datadas de 1975. S. Tomé e Príncipe tem, apenas, 1 fotografia datada de 1975. As ex-colónias de Cabo Verde e Timor não têm nenhuma fotografia datada.

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Armando Aguiar terá viajado por África pelo menos duas vezes: uma em 1939 para preparar uma obra de grande envergadura “Império Africano” – monografia que até à data não foi possível confirmar se foi publicada – e, em 1949, que em missão especial (...) anda a colheita de elementos para a grandiosa obra que foi encarregue de escrever: «O Mundo que os Portugueses criaram»17. Dessa vasta obra O Mundo que os Portugueses criaram destaca-se a Fig. 3 que reproduz uma fotografia existente no Arquivo Fotográfico do SNI e publicada, também, na monografia citada. Mais uma vez, foi possível encontrar correspondência Figura 3: Zambézia – Indígenas aguardando a abertura do Mercado. Armando Aguiar,formato 6 x 9, s.d. PT/TT/SNI/ARQF/DO/034/008/00962. Imagem cedida entre uma fotografia existente no Arquivo pelo ANTT. Fotográfico do SNI e uma publicação. Este tipo de cruzamento é crucial num estudo centrado na análise de fotografias em contexto colonial, permitindo aferir não só os documentos depositados num determinado arquivo, mas também as imagens que se elegeram numa determinada obra, reflectindo um certo tipo de saber e conhecimento organizado que se pretendia dar a conhecer. Considerações Finais A constituição de um arquivo pode ser resumido como um processo quase aleatório de acumulação de saberes: o arquivo partilha então com a fotografia o estatuto de ‘memento mori’, funcionando como destilações do tempo e materializações da memória, ambos possuem uma dimensão funérea, nostálgica, aliada a uma dose de anacronismo inerente, e embora contribuam para um ‘corpus’ de conhecimento e saber, convertem-se também e em pouco tempo em espaços de devoção ao passado18. A fotografia, enquanto objecto e documento, foi entendida como um meio de divulgar imagens e contribuir para a construção visual de uma memória. O corpus fotográfico existente no Arquivo do SNI é representativo do período colonial tardio e reflecte aquilo que a máquina administrativa quis enquadrar e registar num determinado momento: uma encenação e demonstração de poder(es) em contexto colonial. Embora não se saiba completamente quando e por quem foram tiradas as fotografias nas ex-colónias existentes no Arquivo Fotográfico do SNI, é evidente que os fotógrafos locais tiveram importância na produção de imagens com vista a anular a distância entre metrópole e império e a mostrar as colónias e os seus habitantes àqueles que eram “colonizadores” mas não podiam ver ou conhecer os espaços que colonizavam através de outros meios19. Neste texto introdutório fica por desvendar a biografia dos fotógrafos e o contexto em que as fotografias foram produzidas: partiram de alguma encomenda? De onde vieram? Qual o fim que tiveram? Em que contexto é que foram vistas? Pretendeu-se com o presente texto lançar algumas pistas sobre o Arquivo Fotográfico do SNI e levantar algumas questões que devem estar presentes num estudo centrado na fotografia em contexto colonial. Inês Vieira Gomes Doutoranda em História no ICS da UL, com projecto de tese sobre fotografia em contexto colonial português. Investigadora bolseira no projecto “Conhecimento e Visão: Fotografia no Arquivo e no Museu Colonial Português (1850-1950)”. Licenciada e mestre em História da Arte, colaborou com o CAMJAP da FCG 17 Cf. “Armando de Aguiar” in O Brado Africano, 24 de Dezembro de 1949, p. 1 18 Ruth ROSENGARTEN, Entre Memória e Documento, Colecção Sem Título, Lisboa: Museu Berardo, 2012, p. 16. 19 Cf. VICENTE, op. cit., 2012, p. 426.

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BIBLIOGRAFIA Fontes Fundo SNI – Arquivo Nacional da Torre do Tombo Monografias BAPTISTA, César Moreia (1958), Secretariado Nacional da Informação ‹‹Um Instrumento do Governo›› 25 Anos de Acção 1933-1958, Lisboa: SNI ENWEZOR, Okwui (2008), Archive Fever. Uses of the Document in Contemporary Art, Nova Iorque: International Center of Photography FERRO, António (1950), Teatro e Cinema, 1936-1949, Lisboa: Edições SNI GARCIA, José Luís Campos de Lima (2011), Ideologia e Propaganda Colonial no Estado Novo: da Agência Geral das Colónias à Agência Geral do Ultramar, 1924-1976, Tese de Doutoramento em História defendida na Universidade de Coimbra LACERDA, Silvestre et. al (2007), Guia de Fundos Fotográficos, Lisboa: Direcção Geral de Arquivos Ó, Jorge Ramos do (1999), Os anos de Ferro. O diapositivo cultural durante a “Política do Espírito” 1933-1949, Lisboa: Editorial Estampa ROSAS, Fernando (1994), “O Estado Novo (1926-1974)” in História de Portugal (Dir. José Mattoso), 7º Volume, Lisboa: Circulo de Leitores ROSENGARTEN, Ruth (2012), Entre Memória e Documento, Colecção Sem Título, Lisboa: Museu Berardo SARDICA, José Miguel, coord. (2010), A Primeira República e as Colónias Portuguesas, Lisboa: EPAL SENA, António (1998), História da Imagem Fotográfica em Portugal 1839-1997, Porto: Porto Editora SIZA, Maria Teresa (1999), “Fotografia e fotógrafos antes e depois da Revolução do 25 de Abril” in Revista Camões, n.º 5, pp. 138-142 TAVARES, Emília, coord. (2009), Batalha de Sombras. Colecção de Fotografia Portuguesa dos anos 50 do Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado, Vila Franca de Xira, Câmara Municipal, Museu do Neo-Realismo TRINDADE, Luís (2008), O Estranho Caso do Nacionalismo Português. O salazarismo entre a literatura e a política, Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais VICENTE, Filipa Lowndes (2012), “Fotografia e Colonialismo” in Miguel Bandeira Jerónimo, coord., O Império Colonial em Questão (Sécs. XIX e XX), Lisboa: Edições 70, pp. 423-454

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Workshop em Investigação Histórica em Fotografia Filomena Serra

Resumo Vitoriano Braga (1888-1940) foi uma figura sobejamente conhecida pelos seus dramas teat- rais, alguns dos quais como Octavio, mereceram os melhores elogios de Fernando Pessoa. Foi também tradutor e crítico de teatro, mas a sua faceta de apaixonado da fotografia é, talvez, a menos conhecida. Todavia, a ele se devem algumas das imagens fotográficas importantes do princípio do século XX ao ter retratado as principais figuras do grupo de Orpheu. É sobre essas imagens que incidirá a comunicação. Artigo Só nos últimos anos se começou a dar a devida atenção às relações entre a fotografia e as várias artes. Em Portugal isso tem acontecido em parte devido ao aparecimento de uma nova geração de investigadores. Mas, desatenção ou não, a verdade é que a única História da Arte em Portugal (1911-1961), a de José-Augusto França 1 , não caucionou o estatuto da fotografia como arte. É tempo de irmos reescrevendo essa história e mostrando como o cruzamento de vários campos artísticos é essencial ao estudo da imagem e, em particular, da representação da figura humana através do retrato 2. É dentro deste espírito que tentámos fazer esta abordagem à actividade fotográfica do fotógrafo amador e teatrólogo Vitoriano Braga (1888-1940), no que diz respeito, às imagens de retrato que realizou dos seus amigos e companheiros do Grupo de Orpheu, nos anos 10 do século XX. Retrato de Vitoriano Braga em 1935, no Arquivo Nacional da Torre do Tombo (EPJS Empresa Pública Jornal O Século 1880/1979) http://digitarq.dgarq.gov.pt/viewer?id=1017149 Nessa época, a actividade fotográfica estava completamente integrada na sociabilidade da vida urbana. Os fotógrafos amadores multiplicavam-se e rivalizavam cada vez mais com os fotógrafos profissionais. Proliferavam então os materiais de iniciação que confirmam o interesse por métodos e processos fotográficos novos e comercializavam-se os primeiros artigos fotográficos (Sena 1998:147). A questão da fotografia como arte ou técnica é colocada na ordem do dia e até apontada como responsável pela crise da pintura (Sena 1998: 168, 196) 3 . Neste contexto ela foi um auxiliar valioso para os pintores naturalistas tal como o parece ter sido, de um modo particular nos anos 10, para um modernista como o pintor Amadeo de Sousa-Cardoso (1887-1918) que, por volta de 1915-1917, realizou algumas das primeiras fotografias que utilizam sobreposições, nomeadamente no seu retrato com Lúcia, feito em Manhufe. A dimensão que essa «cultura fotográfica» (Baptista 2010: 49) terá exercido na actividade pictórica dos pintores modernos está por apurar. Por exemplo, desconhecemos até à data quais as relações efectivas entre esses pintores e o fotógrafo profissional Pedro Lima (1888-1940), emigrado para Paris provavelmente depois 1 José-Augusto França. A Arte em Portugal no século XX (1911-1961), Venda Nova, Bertrand Editora, 1991 (1ª edição 1974). 2 Foi António Sena aquele que primeiro realizou uma história da imagem fotográfica em Portugal. Mas as relações entre a fotografia e as outras artes só recentemente começaram a ser investigadas. Entre esses trabalhos ver da autora, O Retrato na encruzilhada da pintura em Portugal (1911-1949), Tese de doutoramento em História da Arte, Lisboa, FCSH-UNL, 2012. Mas também os de Paulo Baptista, que tem amplamente tratado o assunto do retrato no campo da fotografia. Ver o texto ainda no prelo «O Corpo desvendado», que será publicado na Revista de História da Arte - Série W, do Instituto de História da arte da FCSH-UNL e que me foi gentilmente cedido pelo autor. 3 António Sena, na sua História da Imagem Fotográfica acentua essa relevância ao mencionar que o historiador José de Figueiredo apontava, em 1905, a fotografia e o impressionismo como causas para a crise «que a pintura portuguesa atravessava». Pintores portugueses académicos, como Columbano, João Vaz ou Veloso Salgado interessaram-se pela fotografia como auxiliar do desenho e da pintura.

da Guerra. Segundo António Sena este foi «porventura o mais intrigante e sugestivo fotógrafo profissional de então», autor da célebre «goma» que saiu na revista Portugal Futurista que retrata Santa-Rita futurista com o seu fato aos quadrados ao lado do cavalete (Sena, 1998: 225) 4. Sabendo que Vitoriano Braga utilizava o estúdio fotográfico de Pedro Lima, situado na Avenida da Liberdade, esse facto toma especial relevância na sua actividade, pois Vitoriano deixou-nos alguns dos mais singulares retratos fotográficos. São dele as imagens dos personagens literários e artísticos mais importantes da primeira década e, até mesmo, do século XX em Portugal. Através deles, apropriamo-nos imageticamente das principais figuras do grupo de Orpheu e do Futurismo Português: Fernando Pessoa, Almada Negreiros e Guilherme de Santa-Rita. Importa assinalar que esse reduzido número de retratos fotográficos, chegado até nós, sugere uma atitude nova em relação à objectiva do aparelho fotográfico, como é o caso das imagens de Almada Negreiros e de José Pacheco publicadas na revista Atlântida (Supl. ao nº 32, 1918), mas também à de Guilherme de Santa-Rita, existente no seu espólio. Não se trata só do modo como se comportam estes fotografados na pose. É que o resultado do disparo fotográfico de Vitoriano parece surgir contaminado pelo mesmo espírito vanguardista dos seus amigos de Orpheu, deixando-nos adivinhar como estes homens acreditavam ainda na possibilidade de abarcar o mundo através do fotográfico. Por volta de 1915, Vitoriano de Sousa Feio Peixoto Braga era, sobretudo, uma figura muito conhecida pelos seus dramas teatrais. Porém, a sua biografia é pouco clara. Isso deve-se talvez à homonímia do nome, pois existiram outros Vitorianos Bragas, seus familiares um pouco mais velhos (Cruz 1999) 5. Mas este Vitoriano Braga de que falamos é o mesmo a quem Mário de Sá-Carneiro enviava, de Paris, abraços e recados nas suas cartas a Fernando Pessoa (Sá-Carneiro 1978). Sendo «mais novo cerca de um mês que Fernando Pessoa de quem era amigo e parente afastado, Vitoriano sobreviveu-lhe por cinco anos» (Rebello 1988: 140). Com ele se fotografou e parece ter sido ele quem melhor fotografou o poeta. No primeiro caso existe esse impressivo retrato fotográfico, de ambos, talvez de c. 1916.6 Estão os dois sentados tendo como pano de fundo a folhagem de um jardim ou, talvez, a sua encenação. Vitoriano olhando de alto a objectiva e, Fernando Pessoa, como que recusando a pose evitando a câmara, em desassossegado alheamento. Paralelamente à actividade de dramaturgo, Vitoriano Braga foi tradutor e crítico de teatro, além de comissário do Teatro Nacional de D. Maria II (Cruz, 1999: 9). Era, assim, uma figura sobejamente conhecida no meio teatral e literário, compagnon de route dos poetas, escritores e artistas modernos. Segundo Luís Francisco Rebello ele ocupou um lugar, no quadro do teatro português, entre a implantação da República e a ditadura instaurada em 1926, semelhante ao de um Alfredo Cortez (1880-1946), um Carlos Selvagem (1890-1973), um Ramada Curto (1886-1961), tendo exprimido do mesmo modo a crise económica, social e moral dos anos da guerra e do pósguerra. Depois, com a institucionalização da censura abandonaria a produção dramatúrgica (Rebello 1988: 140). Em 1922, na crónica teatral de Oliveira Mouta, no primeiro número da revista Contemporânea (19221926), as suas peças foram definidas como oferecendo um carácter «sentimental e sarcástico» e essa seria «uma das suas melhores qualidades» 7. Foi, contudo, Fernando Pessoa, amigo e companheiro, que lhe dedicou um penetrante estudo, quando subiu à cena e, logo provocou escândalo, o drama Octavio (1916) onde perpassava um «homossexualismo latente» (Rebello 1988: 141). Segundo o poeta, era uma peça de teatro «notável entre a multidão nula das peças modernas, sejam de que nação for» (Pessoa s.d [1966]). Pessoa explica nesse longo ensaio que considera Vitoriano um autor que se acorda pelas «exigências com que a cultura moderna impõe à acção dramática», pois talvez por instinto ele se concertava com os critérios científicos da «ciência psicológica» quando criava «personagens tão inteiramente verdadeiras» (Pessoa s.d [1966]).

4 De Pedro Lima é o registo expressivo e exuberante da sensualidade de algumas das bailarinas dos Ballets Russes, que passaram por Lisboa, integradas na companhia de Diaghilev, em finais de 1917 ou princípios de 1918. 5 Por exemplo, o crítico musical e cantor Vitoriano Franco Braga (1853-1909), mas sobretudo o seu tio também dramaturgo, crítico tauromáquico e estudioso de temas de arte de nome Vitoriano Peixoto Braga (1851-1910), autor de comédias e cançonetas. 6 É, talvez, no livro de João Gaspar Simões, Vida e Obra de Fernando Pessoa (Amadora: Bertrand, 1973 (1ª edição), que aparece este retrato fotográfico, sem menção de autoria. 7 Oliveira Mouta, foi redactor literário da revista Contemporânea.

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Mais perto de nós, o historiador de teatro, Duarte Ivo Cruz, no seu livro sobre a dramaturgia de Vitoriano Braga (Teatro Completo, IN-CM, 1999), desenha e examina o seu perfil de dramaturgo que, segundo ele, começou a ganhar notoriedade com dramas de crítica social e de costumes 8. Acrescenta ainda que «este autor algo bisonho deixou-nos uma obra escassa, mas poderosa, coerente e original». Duarte Ivo Cruz salienta ainda que Vitoriano, apesar de lhe ter sido negada importância como dramaturgo «merece destaque», pese embora as suas peças não serem «excepcionais». É que distingue-o ser um homem «que adivinhou ou aprendeu a linguagem secreta do teatro» e criou «teatro», encarnando-o com «as qualidades e defeitos do seu tempo cultural» (Cruz 1999:10). Cremos que é este sentido antropológico, em sentido cultural (e não etnológico), que se pode descobrir no teatro de Vitoriano; mas também aquilo que Pessoa dizia dever ser «a acção dramática», «sugerir em vez de exprimir» e ter um ponto de vista, «uma tese» ou «uma conclusão». Se isto é verdade para o seu teatro, não o será para algumas das imagens fotográficas de retrato que, enquanto fotógrafo amador, Vitoriano Braga nos deixou? Tentemos aplicar os mesmos termos da ideia para o pequeno conjunto de imagens e retratos em análise. Neles figuram os amigos como vestígios quase palpáveis e símbolos da memória. É sob este ponto de vista que me interessa abordar a «verdade» destas imagens para quem, hoje, as contempla. São imagens que a câmara de Vitoriano arrebatou ao mundo e o seu sentido de inteireza psicológica é mais importante do que a técnica do dispositivo. Foi decerto a amizade e a estreita convivência com o grupo de Orpheu que lhe permitiu a intimidade e cumplicidade especiais que se insinuam nesses retratos. Todavia, o testemunho imagético deste «fotógrafo de Orpheu», um provável diletante da fotografia, mas fotógrafo modernista entre os modernistas, ficou durante anos relativamente apagado e esquecido.9 Dos vários retratos atribuídos, relativos ao grupo de Orpheu, destaca-se um ou talvez dois retratos de Fernando Pessoa de 1914 (Zenith 2012: 8) 10 e um conhecido retrato fotográfico de Guilherme de Santa-Rita (1889-1918), em que este se apresenta de gorro segurando um cachimbo e enfrentando de um modo assertivo a câmara fotográfica. Todos são retratos muito difundidos através da reprodução em publicações e edições feitas ao longo de todo o século XX. Do círculo próximo de Orpheu, há ainda um retrato do músico Ruy Coelho, dois de José Pacheco, um deles de cerca de 1918,, que se assemelha a uma máscara e outro de Henrique Gonçalo de Mello Breyner, todos publicados na revista Atlântica (Supl. ao nº 32, 1918)11. Além das imagens fotográficas já mencionadas chegaram até nós dois retratos de Almada Negreiros, em que o seu rosto nos é dado em grande plano. Um deles consta do espólio do arquivo fotográfico da DGPC, bem como as duas imagens de nu. Nestas últimas, a representação do corpo em movimento exprime fortemente a ideia de uma nova atitude em relação ao retrato fotográfico mas também indica, certamente, uma nova percepção em relação ao corpo e à sua representação. São imagens em que Almada se encontra em cima de um banco, como num palco, criando uma espécie de performance. Elas deixam de ser unicamente documento para serem também uma expressão poética do mundo. Lembram, mas não imitam, a pintura, a escultura grega clássica, a representação teatral, o cinema e até a dança. São essas interacções que, na qualidade de imagens intermediais, acabam por ganhar um estatuto que supera o meio fotográfico.

8 Foi casado com Maria Isabel de Sousa Martins Braga, sobrinha do Professor Sousa Martins, que também cultivou as letras. No espólio de Vitoriano existe, aliás, o que parece ser um auto-retrato com o busto esculpido de Sousa Martins em destaque. 9 Existe um pequeno espólio fotográfico do autor, conservado hoje no arquivo fotográfico da DGPC. Ver o MatrizPix, sistema de informação online concebido pelo IMC-Instituto de Museus e da Conservação. 10 Várias obras consultadas são contraditórias. Por exemplo, em Fotobiografias do século XX – Fernando Pessoa (colecção dirigida por Joaquim Vieira), Richard Zenith apresenta dois retratos fotográficos de Fernando Pessoa, datando-os de 1914 (pp. 8, 98). Já na obra de João Gaspar Simões (Índices de Vida e Obra de Fernando Pessoa de Bertrand, 1973) um desses retratos dá-o como sendo do tempo da revista Athena. E enquanto Gaspar Simões atribui ainda terceiro retrato de Pessoa a Vitoriano, Zenith dá-o como pertencendo ao Estúdio Áurea (col. Manuela Nogueira). Também, Gaspar Simões, atribui a Vitoriano um retrato em que o poeta desce a rua, mas essa atribuição é incerta. Provavelmente, faz parte da série de retratos fotográficos do poeta, tirados por fotógrafos de rua. Na verdade, será a imagem da p. 8 do livro de Richard Zenith, a que parece não levantar dúvidas. 11 Do seu espólio no Arquivo/Catálogo das Coleções Fotográficas dos Museus da DGPC – MatrizPix podemos ainda identificar um retrato do arquitecto Raúl Lino, da ta incerta, mas de finais dos anos 10 ou 20; bem como duas imagens e Mário Eloy e talvez alguns auto-retratos.

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Por outro lado, a representação do corpo nu de Almada nas duas imagens-sequência ganha em movimento e elas introduzem o tempo na imagem. Essa sequência reforça a interacção intermedial que se forma mentalmente através do nosso olhar fortalecendo a experiência do tempo. Ao imaginarmos a sucessão desses movimentos que não estão lá, mas adivinhamos porque sabemos terem acontecido, há um alargamento na duração e dimensão do nosso olhar. Reforçamos, então, a consciência de que foram feitas num tempo diferente do nosso. Percebemos o tempo a introduzir-se entre o nosso olhar e o olhar do fotógrafo, como dois olhares que se cruzam na análise simbólica das imagens (Belting 2014: 179,180). Podemos ainda destacar da parte deste fotógrafo-amador o que parece ser a utilização da fotografia como prática comunicacional e lúdica e a assunção daquele estatuto de fotógrafo amador como sendo o de um criador artístico que usa a fotografia como intervenção na prática da vida social e artística. Os pontos assinalados podem, todavia, condensar-se nas duas atitudes experimentais que são: a primeira, em relação ao médium fotográfico e ao médium corpo; e, a segunda, em relação à fotografia enquanto agente de reorganização da própria actividade e estatuto profissionais. No primeiro caso, a atitude expõe uma nova imagem do corpo e um modo de o utilizar através do médium fotográfico. Atrevemo-nos a pensar que há nestes usos experimentais fotográficos - do fotógrafo e do fotografado - a consciência de um outro tipo de «fotografia emblemática», como aquela que também os futuristas italianos utilizaram profusamente. Lembremos a famosa imagem de Almada Negreiros em fato-de-macaco, publicada no anúncio da Conferência Futurista no Teatro República em 1917. Era uma espécie de recusa do conformismo burguês e uma imagem que se contrapunha ao retrato fotográfico comercial. Estamos, assim, perante a fotografia do «artista-operário» que, por exemplo, o artista russo Tatlin também utilizou. Seria interessante um dia saber algo mais acerca dessa imagem de Almada cuja autoria se desconhece. As imagens de Vitoriano Braga também levantam outras interrogações sem resposta. O que levou o fotógrafo amador Vitoriano Braga a implicar-se, ele próprio, na investigação da imagem fotográfica servindo-se dos amigos como modelos? Ou teria sido o contrário? No exame das imagens encontramos a pose conscientemente provocadora e uma cumplicidade entre retratado e fotógrafo que ultrapassam a do mero disparo fotográfico. Se aceitarmos que no seu teatro naturalista não houve qualquer propósito de inovação formal (Rebello 1988:140), mas um interesse que lhe advinha, entre outros, da temática da sexualidade, tal como muito bem viu em primeiro lugar Fernando Pessoa (Pessoa s.d [1966]), a verdade é que o encontro com Almada Negreiros trouxe para os seus retratos a assunção de novos valores estéticos que passavam por uma nova abordagem do corpo. Concretamente, nos retratos de grandes planos aproximados do rosto de Almada, numa inspiração vinda da pintura e até do cinema, a insolência do sorriso pertence a Almada, mas a quem pertence o inesperado ângulo fotográfico? Não será aos dois? A imagem não deixa de lembrar uma imagem fixa de uma representação cinematográfica. O mesmo se passa com o retrato fotográfico de Almada publicado na revista Atlântida em 1918 (nº 32, Junho), em que este se apresenta com ar grave e melancólico e nos olha directamente 12 como um actor de cinema. É, também, uma encenação expressiva à espera do disparo da máquina. Só Fernando Pessoa nos seus retratos não olha directamente preferindo baixar os olhos ou alhear-se. A verdade é que a fotografia, enquanto médium, permitiu uma consciência moderna, que passava pela procura de novos modos de questionamento das convenções do retrato, seja o retrato pictural e naturalista, seja o retrato (fotográfico) comercial. O fotojornalismo, através das imagens fotográficas difundidas pelas publicações ilustradas e pela fotografia comercial, «legitimadoras de referenciais estéticos, sociais e de moda, ao gosto burguês, marcavam a prática retratística» da época. Os estúdios comerciais de Bobone e Vasques, apresentavam os mais novos recursos técnicos de princípio do século e, talvez por isso mesmo, recolhiam as preferências dos artistas de teatro e dos espectáculos (Baptista 2010: 39-56) 13. Vitoriano Braga, como homem do teatro e fotógrafo amador, não desconhecia certamente os modos de retratar convencionais mais populares entre os artistas de teatro. Ora, o que Vitoriano nos traz é precisamente o questionamento dos estereótipos fotográficos em voga, onde as poses se incluem. Mas Vitoriano Braga traz-nos, ainda, ao lado do Almada vanguardista e em estreita cumplicidade, a «vida das imagens» destes anos e uma criação lúdica, cuja estratégia intermedial se converte num instrumento de 12 Mais tarde encontramos a mesma imagem na montagem fotográfica do Notícias Ilustrado, Lisboa, nº 37, 24 de Fevereiro de 1929. 13 Paulo Baptista, «O Teatro e a fotografia no tempo da república», in José Carlos Alvarez (coord.), A República foi ao Teatro, Lisboa, 2010, pp. 39-56.

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metamorfose que nos confunde pois a sua encenação parece ser mais teatral e cinematográfica do que fotográfica. Nesse sentido, arrancados à própria vida, esses retratos de Vitoriano Braga parecem questionar pelo seu sentido anímico o olhar fotográfico. Os retratados são figurantes que se comportam como actores que encenam estados de alma e não como pessoas que posam para um retrato.

UNL

Filomena Serra Doutorada em História da Arte Contemporânea, Membro integrado do Instituto de História da Arte FCSH-

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Uma experiência produtiva entre investigação e acervos fotográficos: a fotografia de cena para além do registro Filomena Chiaradia

Resumo A fotografia de cena na escrita da narrativa historiográfica de companhias teatrais respon- sáveis pela constituição de coleções fotográficas e a oportunidade de organização de acervos em diálogo entre investigação científica e processamento técnico. Artigo Se a fotografia, pela sua natureza indexical, ocupou um papel cultural de testemunha, a prova documental com que contribui também torna a fotografia num objeto, por essência, arquivístico. A circulação da memória através dos objetos evocatórios que a contêm e a representam é uma passagem complexa, e muitas vezes tangencial. O desejo de completude almejado por um arquivo – o seu sonho de disciplina conclusiva – é sempre uma promessa quebrada. (ROSENGARTEN, Ruth. (curadora). Entre Memória e Arquivo. Exposição Temporária. Museu Berardo, 03 Jul 2013 a 29 Set 2013, Lisboa, Portugal) Não por uma escolha consciente ou deliberada, e mais fruto de oportunidade profissional, minha atividade como pesquisadora na área de história do teatro brasileiro acabou por me conduzir para o trabalho em arquivos. A melhor descoberta dessa trajetória foi, sem dúvida, a paixão por essa pesquisa documental, nunca antes imaginada no meu percurso de formação como atriz. “Atender a profunda necessidade íntima”1 é certamente o movimento que me coloca até hoje frente a arquivos. Movimento que traz a transformação do “frio” mundo da empiria em faixas aquecidas de reflexões, impulsionadas por esse manusear. Refletir sobre os arquivos como espaços e lugares que “eliminam a possibilidade de pontos de vistas fixos”, como na arte cinética de Julio Le Parc, apreciada na Casa Daros no Rio de Janeiro2, me parece ser a atitude mais próxima do correto quando temos pela frente a tarefa de enfrentá-los. Podemos voltar aos arquivos trabalhados e ainda descobrir novas possibilidades de acesso antes não percebidas ou mesmo não acionadas, porque havia outro propósito a nortear a investigação. Esses diferentes pontos de vistas também se aplicam as fotografias de teatro e permitem percebe-las além da função meramente documental e destacá-las como um artefato que representa construções e desconstruções de uma cena passada e no qual se mesclam possibilidades de ser o registro da “resistência da matéria teatral” e “do sonho do historiador” em reconstituí-la, como foi apresentado nos vetores do debate realizado pelo Colóquio Internacional 2º Encontro OPSIS, em 2011.3 As investigações tanto no mestrado quanto no doutorado e em minha função como pesquisadora no Centro de Documentação da Funarte me colocaram frente a arquivos não organizados ou organizados de forma parcial. Os projetos acadêmicos só foram possíveis mediante autorização para manusear espólios não tratados e exigiram explorar a documentação na sua totalidade e saber qual era o universo documental preservado e o que eu teria disponível para a investigação. Assim foi iniciada minha experiência “informal” de organização de arquivos, pois tive que criar ações de ordenação e compreensão para aqueles conjuntos, sem as quais não seria possível acessar 1 Trecho do prefácio “Ainda por uma nova história do teatro” da Profa. Beti Rabetti. In: CHIARADIA, Filomena. A Companhia do teatro São José: a menina-dos-olhos de Paschoal Segreto. São Paulo: Hucitec, 2012.p.14. 2 Le Parc Lumière: obras cinéticas de Julio Le Parc. Exposição. Casa Daros, Rio de Janeiro, 12.10.2013 a 23.02.2014. 3 Imagens de uma ausência: modos de (re)conhecimento do teatro através da imagem : actas [do] Colóquio internacional/ 2o Encontro OPSIS – Base Iconográfica de Teatro em Portugal. Organização: Maria João Brilhante, Paula Magalhães e Filipe Figueiredo. Lisboa, Edições Colibri/ Centro de Estudos de Teatro da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2011.

aquela massa documental não organizada, durante o processo de investigação. Foi no doutoramento, no Arquivo Walter Pinto, que tive efetivada a dupla função de investigadora e posterior coordenadora do tratamento técnico do arquivo. O projeto de doutorado fez um recorte no conjunto documental a ser explorado: o acervo fotográfico. Lidar com as imagens como fontes historiográficas nos fez percorrer extenso caminho teórico e metodológico a definir escolhas. Como orienta o prof. Ulpiano Meneses, seria importante “deslocar o interesse dos historiadores das fontes visuais (iconografia, iconologia) para um tratamento mais abrangente da visualidade como uma dimensão importante da vida social e dos processos sociais” (Meneses, 2003:11). Objetivamos compreender as motivações e os efeitos da fotografia, tanto no sentido de inserir o teatro em rede de produção e circulação de imagens, quanto no de revelar estratégias artísticas e empresariais refletidas nos modos de produção de cena do gênero teatro de revista. Entre os diversos e diferentes instrumentos teóricos e metodológicos acionados, a criação de um corpus iconográfico era fundamental e nos fez buscar outros acervos coetâneos, como o de Eugénio Salvador, no Museu Nacional do Teatro de Lisboa. Nesse extenso trajeto de 7 anos de trabalho entre a investigação para o doutoramento e a coordenação do tratamento técnico do arquivo junto a equipe4 formada no Cedoc, vamos abordar aqui uma pequena parcela. Cabe lembrar a distinção em arquivologia entre os termos coleção e arquivo, onde a coleção pressupõe ação deliberada de consumo, o colecionismo, em que o colecionador faz escolhas e reúne de forma artificial os objetos; arquivo é “fruto de uma atividade produtora” (Carvalho, 2000:21), “conjunto de documentos que, independentemente da natureza ou suporte, são reunidos por acumulação ao longo das atividades de pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas”. (Camargo, 1996, apud Carvalho, 2000:31). Assim, os acervos objetos de nossa investigação têm a característica de “arquivo”, pois foram gerados a partir das atividades de duas companhias e/ou empresas teatrais. Mas é importante também entender que um arquivo pode expressar-se “como produto de investimentos pessoais ou coletivos, mais do que como produtos “naturais” da trajetória dos indivíduos” como assinala Luciana Heymann (2013:75) ampliando, portanto, sua compreensão. E ainda devemos levar em conta que: abordar arquivos pessoais sob um olhar antropológico sugere deslocar a atenção dos documentos para os processos de constituição desses acervos. Nessa mirada, além dos gestos individuais de seleção e guarda dos registros devem ser considerados os contextos nos quais os conjuntos documentais se inserem: contextos sócio-históricos mais amplos, de uma parte, e contextos arquivísticos nos quais são preservados, tratados e disponibilizados, de outra. (2013:75) Em arquivologia, hoje, sabe-se que a preservação do chamado “fundo” é prática corrente. Os documentos são preservados de acordo com sua procedência, o que, todavia, não implica sua ‘petrificação’, posto que os instrumentos de busca disponíveis podem não só fornecer informação abrangente do que pertence àquela coleção, como, dependendo da sofisticação das bases de dados, cruzar essas informações com as de outras coleções e/ ou arquivos, criando muitas vezes “contiguidade inesperada”, como aponta Werneck (2004:306). Ainda que, no caso de arquivos, a disposição original possa conter informações preciosas, nem sempre é possível mantê-la integralmente, embora sempre seja possível referenciá-la de alguma forma. Se for necessário, os profissionais documentalistas preservam o arranjo original, ou tratam os documentos de forma a recuperar essa originalidade. Para o investigador cabe observar que as análises que levam em consideração “a questão das seleções e classificações operadas pelo arquivista na produção da memória documental que servirá de base à pesquisa” (Heymann, 2009) ainda ocupam um “lugar periférico” nas ciências sociais. Maria Helena Werneck (2004) aborda as categorias de colecionador e curador para tratar reflexivamente o ato de recolher, tratar e disponibilizar informações e documentos de pesquisa – conceitos fundamentais para o 4 A equipe de profissionais de música para identificação e organização do repertório musical dos espetáculos foi coordenada pela etnomusicóloga e pesquisadora Rosa Maria Zamith, que contou com a colaboração de Edu Kneiper e Daniel Angelo, e Carolina Franklin, estagiária de arquivologia. Para o repertório textual contamos com o bibliotecário e pesquisador Fabiano Cataldo de Azevedo, e ainda, para as pesquisas em fontes primárias, com os estagiários de artes cênicas Gabriel Garcia e Dâmaris Grun. Em 2012 a equipe teve algumas alterações devido a novos procedimentos a realizar; assim, aos veteranos Rosa Maria Zamith e Fabiano Cataldo se juntaram a arquivista e bibliotecária Lívia Motta de Lara e a estagiária de história Natasha Mastrangelo Silva de Moraes.

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caminho de pesquisa investido – além de fonte inspiradora para a narrativa da trajetória desse trabalho. Interessou-nos a noção de colecionador como metáfora para nossa própria manipulação desses acervos. Constatamos operar simultaneamente como colecionador e curador. Perceber a tarefa do investigador enquanto “colecionador” de referências e documentos dos mais variados tipos e enquanto “curador” que os dispõe de acordo com critérios próprios, nos faz refletir sobre nossa própria atividade e nos ajuda a redimensionar as ações de investigação e organização de arquivos. O que cabe enfatizar é a possibilidade de ampliar as discussões em torno dos arquivos para a criação de espaços de participação mais efetiva de investigadores-documentalistas no processo de tratamento técnico desses acervos. No caso específico do Arquivo Walter Pinto, minha atitude de colecionadora e curadora, ficou certamente mais circunscrita ao âmbito da tese, onde pude selecionar e dispor os mais diferentes documentos de acordo com meus propósitos. Mas as escolhas teóricas e metodológicas que impulsionaram meu olhar para essa documentação fotográfica, percebendo-a simultaneamente como objeto do conhecimento, da cultura (como enfatizado por Meneses (2003)) e como fenômeno, um “evento para o olhar”, de acordo com Phillippe Dubois (2004:153) nos fez analisá-las como objetos que “atuam”. Não tenho dúvida que essa experiência extrapolou o circuito acadêmico e se transportou para a efetivação do tratamento técnico do arquivo. O arranjo arquivístico estabelecido, com todas as escolhas que isso implicou, carrega com certeza a vivência nesse ato de colecionar e fazer a curadoria desse universo documental, que teve no estudo comparativo com outro acervo uma de suas ferramentas fundamentais, sem a qual não seria possível não só observar detalhes de ambas as trajetórias empresariais, cujos registros, vistos de forma isolada, não explicitariam; como perceber as diferentes maneiras das instituições disponibilizarem seus acervos. A opção foi por um arranjo dito “funcional”, ou seja, que privilegia o arquivo como um todo e não separado

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por tipologias documentais. Como observa Aline Lacerda (2013:59) a classificação funcional “tenta dar visibilidade às funções e às atividades do organismo ou pessoa produtora do conjunto, deixando explícitas as ligações entre os documentos”. Em relação às fotografias, podemos vê-las inseridas em todas as séries do arranjo, de acordo com sua função no contexto das atividades da empresa teatral e/ou da família do empresário. (imagens 1 e 2)

A Série Espetáculos foi a série norteadora de nosso arranjo, pois o espetáculo é a atividade-fim de uma empresa teatral, o motivo de sua existência. Então nosso esforço foi o de descobrir a ligação dos documentos com os espetáculos produzidos pela empresa. Assim, os dossiês de espetáculos, no que se refere às fotografias, reúnem muito mais que fotos de cena acabada, eles podem conter fotos de ensaios, retratos de atores/atrizes publicados nos jornais da época para divulgar o espetáculo, fotos de viagens de Walter Pinto cujo propósito era o de contratar bailarinas/coristas para aquela montagem, fotos de detalhes da caixa cênica, preparação de cenários, figurinos etc. (imagen 3 e 4)

Muitas fotografias estão também na chamada Série Produção Técnica e Artística (imagem 5) e uma de suas subséries: Material de Divulgação. É sabido que uma das funções primordiais das fotografias produzidas por uma companhia de teatro é o seu uso como material de divulgação, mas, no entanto, podemos descobrir novas funções além dessa. Então, quando os retratos de artistas não foram identificados como pertencentes a algum espetáculo, foram inseridos na subsérie Material de Divulgação. Mas alguns retratos de artistas apresentavam informações manuscritas no verso da foto, 22

como endereço, altura, cor de cabelos, olhos, e habilidades do tipo: dança, canta etc. Esse conjunto foi identificado com uma nova função: como uma ficha cadastral. E assim foram indexadas na subsérie Cadastro de Artistas (imagem 6), da mesma Série Produção Técnica e Artística, pois para a Companhia Walter Pinto essas fotos não cumpriram função de divulgação, embora fossem assim consideradas para aqueles artistas que as produziram. As ações artísticas dos empresários, responsáveis pela constituição, manutenção e preservação dos acervos com os quais trabalhamos na tese (Walter Pinto e Eugénio Salvador), se refletem na própria produção fotográfica e indicam a construção da memória dessas companhias, contribuindo para que se escreva parcela de suas histórias. Essa percepção se dá, entre outras coisas, a partir da observação dos arquivos preservados. Como apontado por Isabel Travancas (2013:231) “os arquivos pessoais falam de seu autor de muitas formas (...), portanto, os arquivos contam muitas histórias e permitem também muitas interpretações.” A escolha do que guardar e as ausências identificadas, são informações significativas para a reflexão sobre o que se quis construir e manter como memória dessas trajetórias artísticas. Uma pequena ilustração disso diz respeito aos retratos dos empresários presentes em cada arquivo. O Arquivo Walter Pinto mantem uma abundância de retratos do empresário, especialmente das décadas de 1940 e 1950, época de auge da Empresa sob sua gestão.(imagem 7) Já o espólio de Eugénio Salvador manuseado à época da investigação, guardava poucos portraits do ator-empresário. Falo aqui de retratos sem veiculação com personagens, do ator-empresário à paisana. Podemos assinalar que esses gestos diferenciados nos encaminharam para observar o empenho de cada um dos empresários em ter seu nome e, no caso específico, a sua imagem, ligada à sua companhia teatral nas mais diferentes circunstâncias. Em linhas gerais e de forma aqui bastante sintética, vemos as ações de produção e preservação realizadas por Walter Pinto para seus próprios retratos como mais uma afirmação de seu propósito de ter seu nome e sua imagem como chancela de qualidade para seus espetáculos. Já o movimento de Eugénio Salvador, cuja função na companhia extrapolava a de mero empresário, sendo ator, coreógrafo e diretor geral, importava mais o seu registro em meio ao grupo. Na Companhia Eugénio Salvador o destaque maior era para a “equipa”, para os atores: verdadeiro valor a ser enfatizado não só nas imagens fotográficas, como também nas caricaturas, como observado em nossa investigação para a tese5. Após a etapa de elaboração do arranjo arquivístico foi realizada a digitalização do acervo fotográfico do Arquivo Walter Pinto, que pressupôs todo o trabalho de tratamento técnico necessário para sua organização e inclusão em base de dados. O processo de trabalho seguiu um fluxo de análise individual de cada imagem, pois foi necessário selecionar a que possuía a melhor qualidade de emulsão e com a maior quantidade de informação (carimbos, anotações etc.). Foi igualmente realizada a consolidação do conjunto documental, ou seja, identificado os grandes formatos, diapositivos, negativos, contatos e arquivo digital pré-existente. A anotação com a classificação técnica foi feita a lápis no verso de cada foto e no folder, incluindo as duplicadas (total de 6.148 fotos). A indexação fotográfica, dado a natureza do trabalho, foi apenas iconográfica. A inclusão de assuntos, principalmente nomes de personalidades, seguiu como critério o que estava manuscrito no verso da fotografia e, em alguns casos, identificação visual.

5 Ver: CHIARADIA, Filomena. Iconografia teatral: os acervos fotográficos de Walter Pinto e Eugénio Salvador. Rio de Janeiro: Funarte, 2012, p. 297.

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No que concerne à inclusão dos nomes de personalidades nos assuntos, poucos foram os casos nos quais conseguimos localizar informações de data de nascimento e/ou morte e ainda sobre sua função dentro do espetáculo (se ator, bailarino, corista etc.). Foram adotados diversos critérios para a preparação, ordenação, identificação e indexação dos dossiês fotográficos, além dos já mencionados acima. Foram diversas etapas que possibilitaram o fluxo entre o tratamento técnico e a digitalização das fotografias. E não há dúvida de que a eficiência dessa etapa se deve ao trabalho articulado entre tratamento técnico e a reflexão provocada por um ponto de vista que privilegia a contextualização e funcionalidade dos documentos do arquivo. Entendemos que nossa investigação não foi apenas um estudo de fotografias de cena, mas uma análise dos modos de produção e circulação de imagens agenciadas pelas companhias teatrais representadas nas figuras de seus empresários e dos fotógrafos contratados para realizá-las. Desta forma tentamos a construção de uma narrativa histórica que problematizasse o uso das fontes visuais como deflagrador de um “ato interpretativo” e queríamos entender as motivações e os efeitos da produção fotográfica empreendida por duas companhias de revistas, partindo do princípio de que o teatro entra numa rede de produção e de circulação de imagens e que as convenções imagéticas migram de uma arte para outra. E organizamos o Arquivo Walter Pinto nessa mesma perspectiva, observando como os documentos preservados “atuaram” na época de sua produção e circulação. Tanto na investigação quanto na posterior organização do arquivo, esperamos ter indicado novos “modos de ver” o teatro e de apreender os “modos de fazer ver” que ele utilizou. Filomena Chiaradia Doutorada em Artes Cênicas com tese sobre Iconografia Teatral. Investigadora do Centro de Documentação e Informação/Fundação Nacional de Artes/ Ministério da Cultura do Brasil Referências bibliográficas: CARVALHO, Vânia Carneiro de and LIMA, Solange Ferraz de (2000), Fotografias como objeto de coleção e de conhecimento: por uma relação solidária entre pesquisa e sistema documental. Anais do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro, v.32, p.15-34. DUBOIS, Philippe (2004), Entrevista com Phillippe Dubois (concedida a Marieta de Moraes Ferreira e Mônica Almeida Kornis em 2 de setembro de 2003). Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 34, p.139-156, jul.-dez. HEYMANN, Luciana Quillet (2009), De Arquivo Pessoal A Patrimônio Nacional: reflexões sobre a construção social do “legado” de Darcy Ribeiro. Tese apresentada ao Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro como requisito parcial para a obtenção do título de Doutora em Ciências Humanas: Sociologia. HEYMANN, Luciana (2013), Arquivos pessoais em perspectiva etnográfica. In: TRAVANCAS, Isabel; Rouchou, Jöelle; Heymann, Luciana (orgs.) Arquivos pessoais: reflexões multidisciplinares e experiências de pesquisa. Rio de Janeiro: Editora FGV, p.67-76. LACERDA, Aline Lopes (2013), A imagem nos arquivos. In: TRAVANCAS, Isabel; Rouchou, Jöelle; Heymann, Luciana (orgs.) Arquivos pessoais: reflexões multidisciplinares e experiências de pesquisa. Rio de Janeiro: Editora FGV, p.55-66. MENESES, Ulpiano T. Bezerra de (2003), Fontes visuais, cultura visual, história visual: balanço provisório, propostas cautelares. Revista Brasileira de História,  São Paulo,  v. 23,  n. 45. Disponível em: http://www.scielo.br. Acesso em 22 set  2006. TRAVANCAS, Isabel (2013), Entrando no arquivo de Drummond e lendo suas crônicas na imprensa. In: TRAVANCAS, Isabel; Rouchou, Jöelle; Heymann, Luciana (orgs.) Arquivos pessoais: reflexões multidisciplinares e experiências de pesquisa. Rio de Janeiro: Editora FGV, p.229-243. WERNECK, Maria Helena (2004), Arquivos e operações críticas: o colecionador e o curador. O Percevejo, Rio de Janeiro, n. 14, p.301-311.

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Ernesto de Sousa: Fotografia, Escultura e Fenomenologia José Oliveira (UNL-FCSH)

Resumo Uma abordagem à edição de Para o Estudo da Escultura Portuguesa (1965), de Ernesto de Sousa, que constitui uma obra de referência e pioneira na abordagem fenome- nológica da utilização da fotografia no estudo e caracterização da escultura. Esta comunicação debruça-se sobre a edição de Para o Estudo da Escultura Portuguesa (1965)1, de Ernesto de Sousa, que constitui uma obra de referência e pioneira na abordagem fenomenológica da utilização da fotografia no estudo e caracterização da escultura. Esta obra pressupõe um conhecimento e análise dos álbuns e cadernos de apontamentos fotográficos das décadas anteriores, que fazem parte do espólio do autor, como via de acesso a um entendimento da razão de ser de uma presença importante da fotografia na obra de Ernesto de Sousa, abordagem que será realizada num primeiro momento. Artigo 1. Introdução Ernesto de Sousa (1921-1988) é essencialmente conhecido pelo filme Dom Roberto, que realizou em 1962 num período de charneira para o novo cinema português, e pela exposição Alternativa Zero, por ele comissariada em 1977, e que congregou a vanguarda artística portuguesa da altura ao conseguir reunir perto de 50 artistas na apresentação de um conjunto de propostas diversificadas que incluíam também concertos, conferências, várias exposições paralelas, performances e oficinas artísticas. No entanto a acção de Ernesto de Sousa foi bem mais ampla e teve um conjunto de actividades diversificadas durante a sua vida que passaram, entre outras, pela edição de revistas, encenação de teatro, realização de cinema e promoção dos cineclubes, ensino do cinema experimental e de cursos de formação artística, curadoria de exposições (entre as quais as representações portuguesas às Bienais de Veneza de 1980, 82 e 84), actividade artística, ensaio e crítica. De toda esta a actividade analisaremos apenas uma pequena parte da sua contribuição como ensaísta, com a obra Para o Estudo da Escultura Portuguesa (1965), em que é dado, pela primeira vez na historiografia da arte portuguesa, um papel relevante à fotografia como ferramenta de estudo da escultura. Para um melhor entendimento da génese deste trabalho interessa perceber que a prática e o interesse pela fotografia foi transversal na obra de Ernesto de Sousa revelado logo nos anos 40, na montagem dos seus álbuns fotográficos e redacção de cadernos de apontamentos, passando pelas suas obras multimédia a partir do fim dos anos sessenta, até à última mostra em vida do autor, uma exposição colectiva (Fotoporto, na Casa de Serralves, em 1988), que contou com algumas imagens suas da série Esse Ouro Dantes (1986-88).

1 Ernesto de Sousa (1965). Para o Estudo da Escultura Portuguesa, Porto: Edição ECMA

2. Os Álbuns e Cadernos de Apontamentos Fotográficos: Durante as décadas de 40 e 50 Ernesto não participou em nenhuma exposição de fotografia2 e a sua acção criativa foi desenvolvida essencialmente em torno do cinema, tendo realizado, antes da sua estadia e aprendizagem em Paris (1949-1952), filmes publicitários e pequenos documentários. Poder-se-ia deduzir então que a prática fotográfica não foi importante para Ernesto de Sousa durante essas décadas. No entanto, a análise do seu espólio3 revela desde muito cedo o interesse pela fotografia, que passou pelos tradicionais álbuns de família (início dos anos 40), ganhando uma expressão mais importante, e mais didáctica, nos álbuns fotográficos que realizou nas décadas de 40 e 50, e nos pequenos cadernos de apontamentos fotográficos de 1949 e 1958/60. Os álbuns fotográficos criados por Ernesto de Sousa não eram simples repositórios de imagens com uma função de arquivo. Antes pelo contrário, eram meios dos quais lançava mão para ensaiar a colagem das fotografias utilizando o espaço da folha de papel como se tivesse à sua disposição a parede de uma galeria, na articulação de uma narrativa modelada ora pela sequência, ora pela disposição e formato das imagens. De situações de justaposição numa folha de formato A4 de múltiplas imagens (15) com a mesma dimensão na documentação de instalações fabris4 - utilizando uma montagem que nos faz recordar formalmente a escolhida pelo casal Bernd (1931-2007) e Hilla Becher (n.1934)5 para mais tarde, nos anos 70, nos darem a conhecer as suas tipologias de arqueologia industrial - ao vazio de uma folha que amplia e dialoga com o espaço representado numa única imagem colada na zona central e deslocada para a parte inferior da mesma6, Ernesto testa um conjunto de diversificado de possibilidades adequando-as a cada situação (Fig.1).

Fig. 1: Álbum Fotográfico nº 5 (s/d) (anos 40/50)

Este modo de encarar a imagem e o espaço integrados é de certo modo já uma visão do homem do cinema que, habituado à montagem, troca a dimensão de uma narrativa temporal cinematográfica por uma dimensão espacial na articulação dos fotogramas estáticos, retomada de forma didáctica, na publicação de Ernesto de Sousa, Para o Estudo da Escultura Portuguesa, editada em 1965. 2 A fotografia de Ernesto de Sousa aparece apenas integrada em fotomontagens que produziu em colaboração com Sebastião Fonseca, em 1957, para a Exposição de Miniaturas Ferroviárias, integrada nas comemorações do 1º Centenário dos Caminhos de Ferro Portugueses, no Instituto Superior Técnico. 3 O espólio fotográfico dos anos quarenta e cinquenta encontra-se em depósito na Divisão de Documentação Fotográfica do Instituto Português de Museus 4 Álbum fotográfico nº5 – fl. 14 – s/d. 5 O casal Becher começou por retratar estruturas industriais obsoletas no fim da década de 50 num tipo de imagem documental que se apoiava numa estrutura minimalista tanto de representação (imagem frontal) como de apresentação das imagens (montadas lado a lado). Foram professores a partir da década de 70 na Escola de Belas Artes de Dusseldorf e influenciaram toda uma geração de fotógrafos contemporâneos entre os quais Andreas Gursky, Thomas Ruff, Thomas Struth, e Candida Höfer. 6 Álbum fotográfico nº5 – fl. 31 – s/d.

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Paralelamente à realização dos álbuns fotográficos Ernesto de Sousa foi consolidando informação sobre técnica fotográfica nos seus cadernos de apontamentos de dimensão reduzida (11cm x 16 cm) que, sem uma preocupação estética, funcionavam tal como os blocos de apontamentos dos artistas, neste caso numa vertente fotográfica, com colagens de provas de contacto de fotogramas e dando indicações preciosas sobre tipo de película utilizada, condições atmosféricas, exposição (diafragma, abertura), tipo de iluminação, anotação do local e data da imagem, fazendo por vezes diferentes variantes da mesma imagem com una finalidade óbvia de estudo e experimentação. Contrariamente ao caderno de apontamentos fotográficos realizado em 1949, o que corresponde aos anos de 1958-60 já não apresenta provas de contacto coladas, mas apenas indicações relativamente às imagens captadas e especificações técnicas dos fabricantes de películas fotográficas. Pode notar-se também que a temática é já bem diferente das experiências dos apontamentos do caderno de 49, centrando-se em notas referentes às condições de captação de imagens de escultura obtidas tanto no Convento de Cristo, como no Museu da Cidade, ou no Museu Nacional de Arte Antiga. Estas imagens foram as que Ernesto de Sousa publicou na Seara Nova a partir de Março de 1959, e que depois vieram a integrar Para o Estudo da Escultura Portuguesa, publicado em 1965. 3. Para o Estudo da Escultura Portuguesa (1965) Tal como nos anos 40 e 50, a fotografia não constituiu na década de 60 a actividade principal para Ernesto de Sousa, não tendo igualmente lhe dado destaque em termos expositivos. Foi no entanto uma base de trabalho importante no desenvolvimento dos seus projectos que, multiplicando-se sobre diferentes formas, têm os seus maiores expoentes na realização do filme Dom Roberto (1962), no estudo da arte popular e da escultura portuguesa que culminou com a publicação de Para o Estudo da Escultura Portuguesa (1965), e naquela que foi a primeira das suas obras multimédia, Nós Não Estamos Algures, realizada no teatro Primeiro Acto, em Algés, em 1969. Neste período Ernesto de Sousa não esteve ligado a nenhuma revista de divulgação fotográfica, como a Plano Focal em 1953, nem aparentemente produziu textos fundamentais de reflexão nesta matéria. No entanto, uma leitura mais atenta de Para o Estudo da Escultura Portuguesa, revela-se pertinente na definição de um conjunto de campos de caracterização da fotografia que permitiram ao autor um tratamento plástico das suas valências, com o objectivo de despertar a capacidade de olhar do leitor para as esculturas fotografadas. A primeira frase desta obra de Ernesto de Sousa é: “Poderia dizer, simplesmente, que no princípio deste álbum era … a imagem.” (Sousa 1965: 9), dando-lhe de imediato relevo neste seu trabalho, cujo finalidade resume mais à frente: “Em síntese, o objectivo primordial deste álbum, é constituir algo de visualmente polémico [em negrito no original]. É uma resposta àqueles que dizem: não temos escultura. (Disse-mo recentemente um dos nossos melhores escultores contemporâneos…).” (Sousa, 1965:13).

Fig. 2: Estampas XL VIII e XLIX

O visualmente polémico, de Ernesto manifesta-se no decorrer do álbum de diferentes modos como iremos ver em alguns exemplos, desde o grafismo arrojado, até uma desnaturalização da apresentação da imagem da escultura utilizando apenas fragmentos, ou estabelecendo confrontos na dupla página entre escultura culta e escultura popular, ou ainda apresentando um mesmo tema fotografado em épocas distintas. Tudo isso para, através do impacto da imagem fotográfica, suscitar novas e possíveis leituras e relações, anteriormente a um estudo teórico baseado em textos históricos sobre determinada escultura, embora as referências de estudos académicos sobre cada uma das peças representadas tenham sido incluídos por Ernesto no seu trabalho. 27

Um exemplo do referido acima, e da importância da composição gráfica na realização deste álbum, é o que pode ser apreciado no conjunto da dupla página com as estampas XLVIII e XLIX (Fig. 2), em que não existe texto nem legendas, apenas as imagens, para que o estudo das suas afinidades ou contrastes, ou a intuição resultante da simples observação, possam constituir novas linhas de desenvolvimento da investigação. A noção da importância da concepção gráfica já fazia parte dos interesses de Ernesto de Sousa que, contando com a ajuda na direcção gráfica deste álbum de Eduardo Calvet de Magalhães, tinha editado em 1964 um ensaio justamente sobre o tema com o título Artes Gráficas – Veículo de Intimidade. A ideia da realização deste álbum, refere o próprio autor, veio do facto da escultura não ter sido particularmente importante nas comunicações apresentadas ao XVI Congresso Internacional de História da Arte em Lisboa e Porto em 1949; e pela constatação da contínua falta de estudos na matéria, manifestando assim o seu inconformismo e desígnio do trabalho a que se propunha: “A significação profunda da escultura portuguesa está por estudar, por documentar, por descobrir. E um dos objectivos deste álbum de imagens, o principal, é precisamente dar relevo à sua incómoda e impertinente evidência.” (Sousa, 1965:11) Estava assim traçado o duplo objectivo desta obra: por um lado dar a visibilidade necessária da escultura portuguesa, afirmar a sua existência, e por outro utilizar a imagem como meio de comunicação. Relacionando os conceitos de memória, visibilidade e movimento, nas práticas da fotografia e do cinema, apresenta-nos como meios de investigação auxiliares para uma nova metodologia do estudo da escultura7. Posto de parte o cinema, por razões orçamentais, Ernesto de Sousa estrutura melhor o seu projecto relativamente à utilização da fotografia no estudo da escultura, articulando as ideias acima mencionadas na seguinte passagem: “Mas é de fotografia que este livro principalmente se ocupa. Não se trata de uma fotografia estática, documental, para a qual, de resto nos faltaria ciência e material. Mas de uma fotografia entendida, digamos mais subjectivamente. Uma fotografia em movimento, muito perto do cinema, que intervém esteticamente, e interpreta a obra, denunciando-lhe a nervura epidérmica, o carácter da composição, a mediação pictural, os compromissos espaciais; ou mais simplesmente isola e personaliza um detalhe dando-lhe existência na Memória – a tal Memória a que se referia a Rosa Ramalha, e que é uma noção complexa, e uma daquelas a que devemos dar maior atenção contemporâneamente.” (Sousa 1965:12) Sobre este conceito de memória, Ernesto de Sousa distingue entre “memória-recordação”, “memória-descoberta” e “memória-valor-de-ser-algo” (Sousa, 1965:12), pretendendo que a sua imagem fotográfica, pelo facto de não ser apenas um documento, se inscreva na memória não como algo que apenas se recorde, mas como um estímulo vivo de renovação da sensibilidade do leitor, permitindo-lhe a descoberta de novas relações. Embora o autor não se alongue demasiado em considerações estéticas, reserva no entanto as últimas quatro páginas dos ensaios introdutórios à fotografia (Sousa, 1965: 39-42); à relação que se estabelece quando representa pintura, escultura ou arquitectura; aos métodos que utilizou para a obtenção das imagens, mencionando a importância do fragmento, do detalhe, do enquadramento, da iluminação. O visualmente polémico de Ernesto de Sousa assentava assim numa fotografia que não tinha um intuito documental, numa sequência de imagens que não obedecia a uma cronologia específica, numa provocação ao colocar lado a lado arte culta e arte popular, e num texto que não seguia a historiografia canónica das origens da escultura 7 “Com uma câmara de filmar, com uma máquina fotográfica, paciência e amor, percorremos o país, ao princípio movidos apenas por curiosidade e espanto. […] Mas de caminho pareceu-nos que poderíamos participar com alguma contribuição positiva e original, embora modesta, nesta descoberta, experiência histórica que é também uma maneira de nos edificarmos no futuro. […] A nossa pequena contribuição consistirá porventura no seguinte: demonstrar que o cinema e a fotografia são hoje elementos indispensáveis para a descoberta, análise e compreensão da escultura. E partindo dessa concreta mediação, contribuir para o estudo de um método de alcance rigorosamente estético e crítico – ao qual corresponderá uma técnica autónoma das utilizadas pela investigação histórica, arqueológica, etc. A demonstração no que diz respeito ao cinema, terá de ser por agora, e por razões óbvias, limitada.” (Sousa, 1965:11)

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até aos nossos dias, contudo não deixando de ter um rigoroso conjunto de notas e referências importantes para os estudiosos. A invulgar modernidade dos meios de investigação e planeamento do projecto desta obra não passou despercebida a José-Augusto França que, numa crítica na revista Colóquio, refere: “…O estudo das artes faz-se assim, vendo e fixando as obras numa memória dinâmica, analítica e polémica. Essa fixação e essa memória garantem-nas hoje a fotografia e o cinema, instrumentos modernos de pesquisa e de informação. […] A historiografia da arte em Portugal obedece (tal como a historiografia geral, e em parte por isso mesmo) a esquemas mentais oitocentistas. A formação necessariamente autodidacta, à míngua de outra, da maioria dos especialistas, sem contacto vivo e orientado com fontes estrangeiras, não permite uma modernização dos nossos quadros. Por outro lado, os novos historiadores da cultura nacional, embora de mentalidades mais modernas, vivem ainda, quase todos, numa tradicional ignorância do domínio das artes visuais, perfeitamente cegos para além dos documentos literários, os únicos que desejam ou sabem ler… Ernesto de Sousa, autodidacta embora, nos prefácios do seu trabalho, mostra uma atitude mental bem diferente – e isso me importa especialmente sublinhar. Por isso afirmo a modernidade do seu labor […] um trabalho que na sua modéstia, se apresenta como um dos primeiros trabalhos modernos na bibliografia da história da arte em Portugal. Facto de importância bastante; e oxalá que ele possa ajudar a determinar uma viragem na mentalidade de outros estudiosos que, honesta e acisadamente, se debruçam entre nós no domínio das artes visuais. Ou a promover outra, naqueles que passem a empenhar-se em tal domínio.” (França, 1966: 68-69) Esta longa citação justifica-se pelo facto de nos dar uma visão, embora muito sumária, do panorama e das dificuldades da historiografia nacional da altura, sublinhando ainda o facto da falta de preparação de leitura no campo das artes visuais, referindo-se neste caso à fotografia ou ao cinema. Talvez sabendo antecipadamente disso, Ernesto de Sousa aborda de uma forma didáctica, nessas quatro folhas finais do prefácio, o seu método de trabalho, explicitando por um lado as opções estéticas ao seu dispor através de exemplos com imagens, numa espécie de manual de fotografia aplicada, e por outro referindo a componente técnica com as especificações completas do material que utilizou, desde a câmara fotográfica, à iluminação, ao tipo de película fotográfica, à impressão gráfica, elementos que constam na última folha do livro. Ernesto de Sousa conseguia deste modo conjugar os aspectos técnicos e estéticos da fotografia promovendo o seu uso como método de investigação, numa obra essencialmente dedicada ao estudo da escultura portuguesa. Depois de tecer algumas considerações sobre a fotografia de pintura e de arquitectura Ernesto de Sousa justifica desta maneira a sua aproximação fotográfica à escultura: “A escultura tem uma epiderme («Tenho por vezes um prazer sensual em acariciar uma pedra» - dizia um dia Picasso); tem cor, e a coordenação rítmica dos seus volumes, define perfis, linhas melódicas que enervam as superfícies e os seus contornos. Além disso, as diferentes superfícies são mais ou menos profundamente ornamentadas. Como é que uma fotografia pode traduzir tudo isto? Não pode: a fotografia é um olhar sobre a escultura. Tudo depende daquilo que entendemos ver (para estudo ou simples gosto), e da riqueza e da sensibilidade com que o fazemos” (Sousa, 1965: 39) A utilização no texto original da palavra uma em itálico (“[…] como é que uma fotografia pode traduzir […]”), quando se refere à impossibilidade de uma única fotografia representar totalmente uma escultura, é sintomática da necessidade que tem o autor de desmultiplicar a imagem na utilização de diferentes técnicas que explicita no seu texto (a iluminação, o enquadramento, o detalhe), características que Ernesto de Sousa tira partido no estudo da escultura.

Fig. 3: Estampa II - Para Estudo Da Fig. 4: Estampa III - Para Estudo Da EsEscultura Portuguêsa cultura Portuguêsa

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Num primeiro exemplo o autor convida à complementaridade da observação da mesma escultura com dois tipos de iluminação diferentes, em que numa utilizou a luz do flash electrónico

(Fig.3), e noutra fez uma exposição longa para obter uma grande profundidade de campo (Fig.4), tendo concluído que: “O olhar desprevenido distinguirá na primeira fotografia a denúncia dos perfis; na segunda a arquitectura dos volumes. […] São dois olhares diferentes para o seu infinito plástico significante. A primeira fotografia podia ser utilizada para um estudo geral da curva barroca definindo-se, como diz Giedon, em eloquentes assímptotas. A segunda demonstra o dramatismo do volume barroco, e a sua organização rítmica.” (Sousa, 1965: 40) Uma outra aproximação que Ernesto de Sousa lançou mão foi a de fazer uso da fotografia de detalhe sublinhando o poder de abstracção de que por vezes este se reveste com a finalidade de sugerir uma livre associação do leitor. Foi o caso da “sarça ardente”, representada por Ernesto de Sousa nas estampas VIII e IX (Fig.5), em que das duas imagens a que primeiro capta a atenção do leitor é a fotografia de detalhe do lado direito, com uma dimensão bem superior à da folha do lado esquerdo. Só depois o olhar é desviado para o texto e para a imagem mais pequena na outra folha. Este efeito é propositado entendendo o autor que: “A fotografia concentrada da «sarça ardente» (IX) traça um caminho paralelo ao da redução fenomenológica: permite-me surpreender a imaginação do creador antes da sua própria integração como símbolo, e enraizá-la na minha própria imaginação (Bachelard, p 2 [refere-se a «La Poétique de L´Espace»]: «Le poète ne me confère pas le passé de son image et cepandant son image prend tout de suite Racine en moi»). É a comunicabilidade da imagem singular”(Sousa, 1965:53)

Fig. 5: Estampa VIII e IX

Não se trata aqui de uma imagem que vá apelar à memória-recordação, mas da criação de um estímulo novo que, pelo seu inusitado, desperta e torna activo um processo de conhecimento, que só à posteriori acontece. É a “memória-antes-da-memória, solidária com a imaginação” (Sousa, 1965:57), que remete para um estudo da fenomenologia como intuição das essências. A “comunicabilidade da imagem singular” que Ernesto refere, funciona neste caso não através da evidência da mensagem fotográfica, mas justamente pela sua ambiguidade e estranheza que o processo fotográfico lhe impôs, através da fixação do detalhe, libertando-a de sentido e obrigando a um olhar sem referente. Essa “manipulação” da realidade que a fotografia possui, é evidenciada pelo autor ao afirmar que: “A fotografia é portanto essencial não só como base do método comparativo, mas como meio de análise: para isolar um aspecto da obra de arte, aquilo que nós próprios exprimimos dizendo que a fotografia põe esse aspecto entre parênteses. Enfim, do seu carácter subjectivo resulta que a fotografia pode constituir uma revelação.” (Sousa, 1965:58) Além da evidência das especificidades do processo fotográfico (enquadramento, iluminação, ponto de vista, detalhe, etc) que Ernesto utilizou para interpretar as obras que abordou, o autor serviu-se igualmente da fotografia para fazer estudos comparativos de escultura, utilizando como critério o seu aspecto formal. 30

Esta prioridade de aproximação por semelhança, permitiu-lhe colocar lado a lado a contemporaneidade da escultura culta de João Vieira e escultura popular de Franklin Vilas Boas Neto, ou obras de períodos diversos mas tematicamente coincidentes, numa “comparação constante do não-conhecido com o conhecido, do não-classificado com o classificado” (Sousa, 1965: 58). O estabelecimento da teia de referências que este método proporciona, atravessando épocas, geografias, culturas, permite cruzamentos interdisciplinares que, tendo por base a imagem, constitui um importante alicerce de estudo iconológico. 3. Considerações Finais Foram revistos assim alguns aspectos relevantes desta obra de Ernesto de Sousa que, constituindo-se como “um dos primeiros trabalhos modernos na bibliografia da história da arte em Portugal”- como referia José-Augusto França - é também uma importante reflexão sobre a fotografia e os seus usos. Partindo do princípio acertado que o olhar fotográfico não é inocente, representando sempre uma interpretação da realidade8, Ernesto de Sousa conduz-nos em primeiro lugar pelas especificidades do vocabulário fotográfico, para depois se preocupar com a recepção da imagem, numa introdução à “fenomenologia da mediação fotográfica” (Sousa, 1965: 58). Neste álbum de imagens, Ernesto de Sousa rejeita a estética do documento tecnicamente perfeito como simples ilustração, mostrando não só as vantagens do uso consciente das especificidades da fotografia para realçar alguns aspectos da escultura, mas também estabelecendo confrontos entre imagens que tanto podem suscitar estudos comparativos, como podem ser estratégias que deixam em aberto a leitura das imagens solicitando o empenho activo do leitor. Esta dupla maneira de encarar a fotografia permite considerar este estudo de Ernesto de Sousa como um trabalho de autor que tanto merece o devido destaque na bibliografia artística da escultura portuguesa, como igual realce na história do pensamento sobre a fotografia em Portugal. José Oliveira Doutorando em História da Arte Contemporânea (UNL-FCSH), bolseiro FCT e investigador do IHA da FCSH da UNL. Colaborador externo do CAMJAP da FCG e docente de fotografia e cul- tura visual no IADE. Co-fundador do projecto de curadoria independente “interface/arte con- temporânea”, comissariando exposições. Bibliografia: FRANÇA, José-Augusto (1966). “Ernesto de Sousa – Para o Estudo da Escultura Portuguesa (Edição ECMA, Porto, 1965)”, in Colóquio nº38 (Abril 1966). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 68-69. FREITAS, Maria Helena de, e WANDSCHNEIDER, Miguel (coord.) (1998). Ernesto de Sousa / Revolution My Body. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian – Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão OLIVEIRA, José (2008). A Fotografia e o Fotográfico em Ernesto de Sousa, Lisboa: Universidade Nova de Lisboa - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas [Tese de Mestrado policopiada] SOUSA, Ernesto de (1965). Para o Estudo da Escultura Portuguesa, Porto: Edição ECMA 8 “A noção de que a fotografia reproduz exactamente um objecto é errada. Ver como falar é algo que se aprende; o fotógrafo precisamente na medida em que dispõe de um meio mecânico, fotografa apenas o que vê e o que vê, depende «dos seus desejos, da sua experiência e talento, e sobretudo da sua cultura geral; enfim, depende do seu esquema do universo, e do que tenciona ou aspira face a esse universo».” (Sousa, 1965:58)

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Os Álbuns Portugal 1934 e Portugal 1940, Imagens do país no Estado Novo Natasha Revez

Resumo Os álbuns Portugal 1934 e Portugal 1940 como ponto de partida para uma reflexão sobre a necessidade de estudar as imagens fotográficas e sobre o significado de fazer a sua história no presente. Artigo O tema dos álbuns fotográficos foi durante muito tempo ignorado ou secundarizado, resultado de uma determinada matriz de pensamento que lhes negou importância ou qualidade. O facto de terem começado a merecer uma atenção que anteriormente não teriam pode assim talvez denunciar a emergência de uma forma diferente de pensar sobre estes objectos e sobre o modo como, neles, as imagens se ligam umas às outras, construindo algo que ultrapassa a mera soma das partes de que são feitos. Num álbum, cada fotografia é como que uma peça do puzzle das nossas histórias familiares. É neles que ensaiamos a forma como nos identificamos, como nos apresentamos, como decidimos mostrar-nos, como gostaríamos de ser vistos e como nos relacionamos. Um álbum é fotografia mas também é livro. Num álbum conjugam-se uma série de ideias complexas que nos forçam necessariamente a assumir uma postura de interdisciplinaridade, obrigam-nos a pensar em conjunto os temas da imagem, da montagem, da memória, da identidade, da comemoração, do ritual, do livro e talvez mesmo da escrita. Esta apresentação focar-se-á especificamente em dois álbuns fotográficos, com os quais Portugal se apresentou e se reconheceu nos anos 30. Não se trata pois aqui já de álbuns de família, no sentido que normalmente atribuímos ao termo, mas de álbuns de um país. Ainda assim parece-nos que em ambos os casos (álbuns de família e álbuns de um país) subjaz um conceito de álbum como definidor de uma ideia de identidade e de pertença a uma “comunidade imaginária” e é como tal que procuraremos analisar estes objectos. Os álbuns a que nos referimos - Portugal 19341 e Portugal 19402 - foram ambos encomendados pelo Secretariado da Propaganda Nacional (SPN), o órgão político, criado em Setembro de 1933, que chamaria a si a propaganda do regime ditatorial que se designou Estado Novo. Estes álbuns têm muitas características comuns mas também algo que os distingue. Em comum têm o facto de ambos terem sido encomendados a Leitão de Barros (1896-1967), um pintor, cenógrafo, cineasta e director de periódicos ilustrados como O Domingo Ilustrado (1925-1927), O Notícias Ilustrado (1928-1935) e O Século Ilustrado (1938- 1989). Em comum têm ainda a pessoa que os encomendou, já que foram ambos mandados fazer por António Ferro (1895-1956), jornalista que se notabilizara com as suas entrevistas aos ditadores (reunidas na obra Viagem à volta das Ditaduras)3 e que Salazar nomeia para o cargo de director do Secretariado da Propaganda Nacional em Outubro de 1933.

1 Portugal 1934, Lisboa: SPN, s/data 2 Portugal 1940, Lisboa: SPN, s/data 3 António Ferro, Viagem à volta das Ditaduras, Lisboa: Empresa Diário de Notícias, 1927

António Ferro, cuja juventude se encontrara ligada à Revista Orpheu (1915) e ao futurismo, que fora, ele próprio, director da Ilustração Portuguesa em 1921, que havia tecido o primeiro elogio público do cinema4, que colaborara enfim para o catálogo do I Salão dos Independentes que teve lugar na Sociedade Nacional de Belas Artes em 1930 - a primeira exposição de cariz artístico onde a fotografia se faz representar, com imagens do fotógrafo Mário Novais e dos escritores Branquinho da Fonseca e Edmundo de Bettencourt, - sabia bem da importância que a imagem tinha na projecção de um país. No texto que redige para este catálogo, Ferro declara que não sabe (…) onde está a fronteira entre a forma e o espírito, entre o scenário e o drama, entre o corpo e a alma. O espírito cria o scenário e o scenário projecta o espírito. Não há casa sem fachada, não há livro sem capa, não há ideia sem frase. “Personagens bizarras”, “progressos mecânicos”, “prestígios scenográficos”, não são elementos para desprezar na construção de uma obra literária ou de uma obra de arte.5 Nesta atenção que dá à “fachada”, na convicção de que é indissociável da casa, poderemos talvez encontrar a justificação da sua decisão de encomendar o primeiro retrato consistente do país, logo que toma posse do cargo de Director do Secretariado da Propaganda Nacional. Conforme refere, em entrevista concedida ao Diário de Lisboa, entre as suas primeiras resoluções, cabiam a de Fazer uma série de publicações de carácter nacionalista e, imediatamente, um grande álbum de luxo - “Portugal-1934”, que documente com gravuras expressivas, irrespondíveis o que se tem feito em Portugal nos últimos anos.6 É deste modo que surge a encomenda do álbum Portugal 1934, encomenda que se repetiria, anos mais tarde, a pretexto das comemorações do Mundo Português, e que se consubstanciaria no Portugal 1940. Estes dois álbuns têm ainda em comum a circunstância de procurarem oferecer uma ideia de Portugal e de, para esse efeito, se servirem de imagens fotográficas produzidas por fotógrafos e fotojornalistas conhecidos, tais como Horácio Novais (1910-1988), Mário Novais (1899-1967), Salazar Dinis (1900-1933), Denis Salgado (1895-1963), Silva Nogueira (1892-1959), entre outros. Essas imagens haviam sido publicadas, em grande parte, na imprensa ilustrada, que Leitão de Barros dirige, e vão ser integradas nos álbuns através do processo da montagem, agora facilitado pela técnica da rotogravura. De facto, enquanto director do Domingo Ilustrado, Leitão de Barros havia tido a oportunidade de viajar pela Europa onde contacta com novas formas de trabalhar a imagem, através do processo da montagem, tanto na imprensa ilustrada como no cinema. Em entrevista que daria mais tarde a Carlos Fernandez Cuenca (1904-1977), jornalista e crítico de cinema espanhol, publicada no Mundo em 1945, Leitão de Barros refere: Sou um pintor morto. Um dia, em 1927, suicidei-me como pintor e deixei os quadros para entrar no cinema7. É nesse mesmo ano que também O Domingo Ilustrado se “suicida” para renascer como O Notícias Ilustrado no ano seguinte. Para esse facto, foi decisiva a introdução da rotogravura através da aquisição de maquinaria própria, conforme se encontra anunciado na contra-capa do penúltimo número d’O Domingo Ilustrado: Damos nesta página a reprodução duma das nossas máquinas que adquirimos e onde, dentro em breve será, pelos mais modernos processos de gravura, impresso o nosso DOMINGO. Pela primeira vez será impresso em Portugal um jornal em ocogravura.8

4 António Ferro, As Grandes Trágicas do Silêncio, Lisboa/Rio de Janeiro: H. Antunes: Imp. Manuel Lucas Torres, 1922 5 António Ferro, (Sem título), in: Catálogo do I Salão dos Independentes, p. 24 6 “O Director do Secretariado da Propaganda Nacional expõe-nos o seu plano de acção para dar cumprimento ao recente decreto que criou aquele organismo”, in: Diário de Lisboa, 11/10/1933. 7 Cfr. Entrevista a Carlos Fernandez, publicada no Mundo em 1945, citada por José de Matos Cruz (coord.), J. Leitão de Barros, Lisboa: Cinemateca Portuguesa, 1982, p. 23 8 O Domingo Ilustrado, Ano III, n.º 153, 18.12.1927.

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O avanço que esta técnica proporciona é de tal ordem que o periódico que a adoptou não poderia manter a sua designação e teve de mudar de nome, renascendo como O Notícias Ilustrado. Enquanto os processos de impressão anteriores cingiam as imagens às colunas de texto, a rotogravura proporciona uma total liberdade de arranjo da página, sendo a sua composição obtida a partir da aplicação das técnicas da montagem em que os diferentes elementos, impressos em suporte transparente (celulóide), podem ser movidos ou justapostos, obtendo uma diferente relação entre o texto e a imagem. As imagens fotográficas impressas em positivo e os textos dactilografados ou manuscritos em celulóide eram agora cortados nos mais diversos formatos e montados sob uma placa de vidro, obtendo-se, com essa composição, a imagem final a ser transposta para o cilindro de gravação. O processo de obtenção da imagem é, pois, em tudo semelhante ao da fotomontagem, processo de formação de uma imagem a partir de diferentes fotografias, símbolos, desenhos, textos, que aqui desempenham também um papel estético que entra na composição de toda a página. O “salto quântico” que a introdução desta técnica representa é de tal ordem que O Notícias Ilustrado dedicalhe uma página, referindo-se-lhe nos seguintes termos: (…) Ânimos alevantados e crenças firmes resolveram trazer para o nosso paiz o dificílimo e moderno processo de gravura em cobre. E o resto é o que o público tem visto: - o Notícias Ilustrado que marcará por todo o sempre, nas artes gráficas portuguesas o início e a introdução em terras luzitanas do dificílimo processo da rotogravura9 Daqui retiramos não só o impacto que este novo processo de gravura desempenha nas artes gráficas do país, como a “crença firme” que leva à sua introdução em Portugal, uma crença no alcance da imagem, naquilo que a imagem pode fazer. Numa das imagens desta peça, sob a legenda “montagem do jornal”, podemos ver de que modo este processo tipográfico é análogo ao de uma mesa de montagem cinematográfica. Mas, para além destas semelhanças, é importante dar conta da actividade como cineasta que Leitão de Barros desenvolvera paralelamente. A primeira incursão de Leitão de Barros no cinema acontecera em 1917-18 na Lusitânia Film. Esta, no entanto, não sobreviveria e só em 1926 Leitão de Barros voltaria a dedicar-se ao cinema, destacando-se com os documentários Nazaré, Praia de Pescadores10 e Lisboa Crónica Anedótica11 e com o filme Maria do Mar12. A influência do cinema russo nestas obras é manifesta, particularmente em Lisboa, Crónica Anedótica, onde a narrativa se apresenta de forma fragmentária, com o recurso a uma montagem dinâmica. Nesta crónica anedótica, Leitão de Barros procura mostrar “como se nasce, vive e morre em Lisboa”, uma vida que é cómica mas também trágica sem cair no “coitadismo” ou no lamento. O filme mostra-nos uma cidade já tocada pelo progresso, sem, simultaneamente e recorrendo ao humor, deixar de evidenciar algumas injustiças sociais e as condições de trabalho daqueles que tornam esse mesmo progresso possível. Embora se trate de um filme mudo, o dinamismo das suas imagens sugere-nos uma sinfonia, com os sons das máquinas, a tipografia, os pregões e as buzinas. As cenas em câmara lenta, ou “ao retardador” como se dizia então, os movimentos sincronizados dos marinheiros, a lavagem do convés do navio Sagres, focando os movimentos de pés e pernas, fazem lembrar uma dança. Da ligação entre diferentes planos, Leitão de Barros obtém um filme cujos sentidos resultam dessa mesma ligação. Despidas do encadeamento que a montagem proporciona, as imagens teriam sentidos totalmente diferentes. Esta forma de relacionar as imagens não desaparece quando Leitão de Barros entra na tipografia e manifestase, portanto, nos dois álbuns a que nos referimos, particularmente ou de forma mais evidente no primeiro. Ambos começam com as imagens das suas “personagens principais”, os “salvadores da pátria”, nas figuras de Oliveira Salazar, o Presidente do Conselho de Ministros, e de Óscar Carmona, o Presidente da República, e desenvolvem-se numa série de imagens de construções, estradas, pontes, escolas, muitas das quais haviam aparecido na imprensa ilustrada que Leitão de Barros dirige e que adquirem novo significado no encadeamento em que são agora colocadas. Fosse outra a sequência e o seu sentido seria diferente. Leitão de Barros constrói estes álbuns como se de filmes se tratassem, socorrendo-se predominantemente da imagem fotográfica, e combina diversos tipos de planos grandes planos com planos gerais - e diversos tipos de ângulos - picados e contra-picados - através da montagem. As imagens ultrapassam uma função meramente ilustrativa e são apresentadas num discurso visual autónomo, 9 “Como se faz O Notícias Ilustrado”, in: O Notícias Ilustrado, n.º 32, série II, 10.03.1929. 10 Nazaré, Praia de Pescadores, 35mm – PB – 390 mts, realização de J. Leitão de Barros, Prod Artur Costa de Macedo, 1929 11 Lisboa, Crónica Anedótica, 35 mm – PB – 2600 mts, realização de J. Leitão de Barros, Prod. Salm Levy Jr, 1930 12 Maria do Mar, 35 mm – PB – 2500 mts, realização de J. Leitão de Barros, Prod. Sociedade Universal de Superfilmes, 1930

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onde o recurso à palavra é mínimo e convertido, ele próprio, em imagem, num elemento de composição gráfica da página. Os dois álbuns, que tanto têm em comum, são todavia muito diferentes. E distinguem-se essencialmente na ideia de país que pretendem promover, o que, por sua vez, vai ter repercussões na forma como a própria montagem se realiza, mais dinâmica e próxima das experiências cinematográficas que Leitão de Barros levara a cabo no início dos anos 30, no primeiro álbum, e mais presa e pesada no segundo. No primeiro álbum, no meio das construções, estradas, pontes e escolas encontramos um país que se afirma, combativo, viril, fortemente militarizado, com os seus aeronautas, biplanos, oficiais, praças, tanques de guerra, vasos de guerra, tropas nativas, baionetas e corpos atléticos. Já no segundo, no meio de construções, estradas e obras semelhantes, descobrimos antes um país que, apesar de atlético, foi desmilitarizado. É um país cuja juventude gaiata, e talvez despreocupada, tem na sua retaguarda a herança do passado, conforme nos é sugerido pela fotomontagem que justapõe imagens da mocidade em saudação romana à do padrão dos descobrimentos. É finalmente um país que procura na tradição e na cultura popular os elementos constitutivos da sua identidade13. Mas as diferenças não se limitam ao modo como a montagem imbrica e sobrepõe as imagens umas sobre as outras e lhes atribui sentidos distintos. Manifestam-se ainda em vários outros aspectos como as suas dimensões e nas suas capas. O álbum Portugal 1934, editado em grande formato, com 43,5 cm de altura por 32 cm de largura, obriga a um envolvimento físico do leitor num movimento dinâmico de descoberta ao longo das suas 42 páginas repletas de imagens. Já o Portugal 1940, muito mais modesto nas suas dimensões (com 32,7 cm por 24,8), mas também muito mais espesso (107 páginas), oferece-nos uma ideia do país mais pesada que, embora não consiga alcançar a síntese que o álbum predecessor proporcionara, é no entanto aquela que mais consequências parece ter tido no imaginário de Portugal nos anos subsequentes. Quanto às imagens de abertura de cada um destes álbuns, poderá dizer-se que se constituem como uma súmula dos “filmes estáticos” que eles veiculam. Se estes álbuns fossem filmes, estas imagens de capa seriam seguramente os seus cartazes e, como sucede com um bom cartaz de cinema, numa única imagem devem ser capazes de nos oferecer uma ideia do filme que nos marque e nos convença a embarcar na viagem que nos proporciona. E quando olhamos para estas “capas-cartazes” percebemos que nos propõem viagens diferentes. Na primeira, é uma viagem ao país-navio. Ele está ainda no estaleiro, prepara-se para um mundo de possibilidades que se abrem à sua frente. É a potencialidade da aventura, é o país-estaleiro onde se forja “Portugal”, é o país empreendedor, guerreiro, pois que o navio nos reporta para o poder naval, determinante na luta pela sobrevivência da qual só “os mais aptos” prevalecerão. Corresponde, enfim, ao momento zero em que tudo ainda é potência, em que tudo está a postos. Na segunda, a viagem é ao país estátua. Uma estátua de pedra. Um país cuja solidez lhe advém do seu passado, da sua memória. A estátua que esta capa nos mostra havia sido projectada por Cotinelli Telmo (1897- 1948) para a porta principal do “Pavilhão dos Portugueses no Mundo”, virada para a “Praça do Império”, na Exposição do Mundo Português de 1940.Este elemento escultórico seria materializado por Leopoldo de Almeida (1898-1975), em representação da “Soberania”, uma figura feminina, possante com uma esfera armilar na mão direita e a mão esquerda 13 Uma análise mais detalhada destes álbuns pode ser encontrada na dissertação de mestrado que apresentei em 2012. Natasha Revez, Os Álbuns Portugal 1934 e Portugal 1940, Dois Retratos do País no Estado Novo, Lisboa: Universidade Nova de Lisboa (Policopiado), 2012

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apoiada sobre uma coluna onde se inscrevem os nomes dos continentes com caracteres góticos. Temos aqui um país que, no seio de uma Europa em guerra e com as fronteiras mal definidas, pretende mostrar-se neutral sem deixar de evidenciar “o eterno desenho das linhas das [suas] fronteiras”14 e lembrar a sua História. Mas Ferro advertia no preâmbulo do álbum que “o culto do passado só interessa quando desperta um orgulho construtivo e consciente e não um sentimento de contemplação doentia”. Trata-se pois de dois álbuns com polaridades distintas e, em termos talvez um pouco simplistas, poderia dizer-se que um fala de um país “progressista”, com os olhos no futuro, e outro de um país “conservador”, com os olhos no seu passado. Se o primeiro é o ponto de partida, o segundo é o da chegada. Se no primeiro encontramos um retrato de um país que se estava a (re)construir, no segundo é o resultado da (re)construção. Podemos discordar dos projectos que cada um parece oferecer do/ao país, mas não podemos deixar de reconhecer que havia a percepção de que Portugal precisava de construir uma imagem de si e para si. É que um país sem imagem é um país que não sabe ou não consegue definir para onde quer ir, é um país sem saída, é um país que, ou não sai do lugar ou, saindo, é arrastado passivamente na corrente do tempo que passa. Esta circunstância obriga-nos a reflectir sobre o nosso presente. Que imagem temos hoje de Portugal? Um artigo de opinião recente sugere-nos que “Portugal não existe”, isto é, que “Portugal é fascinante, mas ninguém lhe liga: não existe”15. E, de facto, embora aparentemente Portugal esteja na “moda”, que imagem poderemos ter deste país para além da de uma pitoresca colónia de férias “para inglês ver” (ou talvez mesmo viver)? Para os que cá andam, que imagem, que projectos? Tristemente, a imagem que temos hoje de Portugal corresponde muitas vezes à de um sinal de trânsito de estrada sem saída. Sendo este workshop dedicado ao tema da “Fotografia – Investigação – Arquivo”, nada nos parece mais pertinente que interpelar e questionar as nossas imagens fotográficas, esses arquivos visuais da memória. Não nos parece que as nossas colecções de fotografia sejam tão desinteressantes como se diz. Talvez o problema resida no presente, isto porque é no presente que devemos colocar as questões e talvez nós, investigadores, não tenhamos sabido fazer a pergunta certa às nossas imagens. No entanto, é importante referir que a responsabilidade não deve ser colocada exclusivamente do lado dos investigadores. Todo o investigador de fotografia conhece as dificuldades de acesso às colecções de fotografia. Por isso deve ser lançado desde já o desafio também às instituições que acolhem os espólios no sentido de os tornarem facilmente disponíveis ao público. Considerando a crescente diminuição da atribuição de bolsas de investigação e a situação económica actual, é importante referir que uma parte significativa dos investigadores tem de ter uma profissão remunerada para se poder sustentar, tem de ter uma profissão obviamente sujeita a horários de trabalho que não são compatíveis com os horários das instituições que acolhem os espólios fotográficos. É assim conveniente sensibilizar não só os investigadores para a necessidade de estudar as colecções de fotografia, como também sensibilizar os organismos que as acolhem para a necessidade de facilitar o seu acesso. É verdade que, nestes últimos anos, muito tem sido feito para resolver este problema. Mas, considerando o atraso da investigação sobre a fotografia em Portugal, este esforço parece-nos ainda insuficiente face às necessidades do investigador actual. E, de facto, de que serve conservar todas estas colecções em museus ou arquivos se elas não chegarem a ver a luz do dia? Se há algo que podemos dizer sobre a história das fotografias em Portugal é que esta foi também uma história de clausura e em regime de solitária!... As imagens fotográficas foram privadas do olhar do público e o olhar do público privado do delas. Talvez por isso tenhamos hoje tanta dificuldade em construir uma imagem do país que não seja a de um sinal de trânsito de estrada sem saída... Talvez por isso não encontremos outras saídas que não sejam apenas vender tudo, vender o país... É o estudo destas imagens de arquivo que nos vai permitir encetar um diálogo com o passado. Os nossos espólios fotográficos merecem ser tornados públicos, digitalizados, estudados e é importante que não tenhamos de esperar por um Martin Parr ou por um Gerry Badger para começarmos a prestar atenção e a dar valor àquilo 14 António Ferro, “Carta Aberta aos Portugueses de 1940”, Diário de Notícias, 17/06/1938, reproduzida in Revista dos Centenários, N.º1 de 3/01/1939 15 Lucy Pepper, “Portugal não existe”, in: Observador [on line], 7/9/2014, disponível em http://observador.pt/opiniao/portugal-nao-existe/ [consultado em 7/9/2014]

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que no país se produz(iu). Mas não nos debrucemos sobre o nosso passado para o mumificar ou fazer dele um pastische, como já fizemos em situações anteriores. Debrucemo-nos sobre estas imagens para as interrogar com as questões do agora. Que imagem poderemos construir hoje de Portugal? Se eu fosse um país, que imagem gostaria de projectar? Talvez recriasse a minha imagem: os meus sonhos, os meus projectos de vida, gravá-los-ia em pedra para nunca deles me esquecer, para nunca deles me perder… E no meu navio, que até poderia ser uma arca, salvaria tudo o que tivéssemos de bom para que não se perdesse no dilúvio em que parecemos viver. Natasha Revez Mestre em História da Arte, com a dissertação “Os álbuns “Portugal-1934” e “Portugal 1940”. Dois retratos do país no Estado Novo”. Doutoranda em História da Arte na FCSH UNL

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Do auto-retrato da artista ao retrato da actriz – inclusão e asserção

Teresa Meruje

Resumo O auto-retrato feminino apresenta a artista, despojada de adereços, no exercício da sua pro- fissão. O retrato da actriz traz, nos atavios, o encanto como aura dominante. Cotejaremos quanto, um e outro, denunciam o anseio de auto-afirmação e ganho de credibilidade. Artigo O retrato, imagem e identidade, resgata da morte, promete que virá um tempo de ressurreição.

Aura Abranches O retrato existe desde o início da arte assente em dois mitos, o mito de Butades e o mito de Narciso. Segundo Plínio, o Velho – Naturalis Historia, Livro , XXXV, 12, 77d.C. –, que cita o Mito de Butades, foram os deuses do amor os responsáveis pelo primeiro retrato. Butades de Sikyon [tido como o primeiro escultor grego a trabalhar em argila, activo cerca de 600 a.C.] desenhou, na parede, a sombra do perfil do amado de sua filha Kora, preenchendo o contorno com argila, assim criando um retrato realista em perfil, de modo a que Kora guardasse a imagem do seu enamorado. De acordo com Leon Battista Alberti – De Pictura, 1435 – o retrato começa com o herói mitológico Narciso apaixonado pela sua imagem reflectida nas águas serenas. Ambas as conjecturas – amor pelo outro / amor-próprio – declaram quanto o amor é a motivação maior e a força matriz que determina a arte e apresentam o indivíduo como a temática mais poderosa e atractiva. Silhueta e reflexo vivem, todavia, no efémero de uma idealização frágil, imagem que se extingue ao menor movimento do foco de luz, a um sopro.

É impossível imaginar a pintura sem imagens humanas, mas, após a queda da antiga civilização romana1, o retrato não abunda na Europa ocidental. Em seu lugar, predomina a pintura religiosa – Virgem e Menino, santos e anjos –, considerando-se que a imagem destas figuras representava apenas a sua natureza humana e não a divina. No que respeita o retrato individual, o retrato físico enquanto identificação2, este não era relevante na Idade Média, sendo os laços familiares e filiação em instituições, bem como o cargo desempenhado, mais representativos do eu. Seria a Renascença a alterar estas noções, dando vida ao retrato pessoal, autónomo, autopraticando-o, ou sob encomenda, por questões de identidade e individualidade, intenção ou obsessão estético-metafísica de sobreviver à morte ou em representação de estatuto e poder. O retrato passa, então, a fazer parte do clero e nobreza [muitos noivos de linhagem foram apresentados através do retrato, assim se firmando casamentos entre casas reais], indicador de riqueza e status, imortalizando os grandes senhores, procurando os artistas registar o aspecto físico e a personalidade, trazendo a pessoa para a vida, ou eternidade, imortalizando-a. Nos séculos seguintes, o retrato continuou ligado ao privilégio eclesiástico e aristocrático, até que a viragem para oitocentos opera uma transição, alargando-o a uma burguesia em crescendo, resultante das mudanças em curso, tornando as distinções sociais mais complexas, no que o evento da fotografia teve um papel igualmente determinante. A imagem do indivíduo, no modo como olha, veste, posa e na sua imobilidade actua, regista detalhes da aparência e individualidade, permitindo-nos tecer considerações sobre o carácter a partir da fisionomia. Todavia, ao observar um rosto, e porque este não é apenas fisionomia, procuramos descobrir emoções, sentimentos e pensamentos, apreciar o carácter através das sensações visuais que esse semblante nos transmite, apreciações intrincadas porque lemos a expressão através de uma pose retratada pelo artista, o real que este captou através da observação, mas que projecta também a sua emoção, vivências e leituras da natureza humana, improvisando ou distorcendo no modo como escolheu representar o retratado. Apresenta-se difícil aferir de uma submissão da modelo ao pintor, sobre quem possui o olhar, quem vê e quem consente ser visto, pois também o sujeito, que se sabe sob observação e se sabe assunto, escolhe – no modo como olha e se oferece à tela – como ser retratado, como representar, agindo qual actor numa line border do teatro, em poses que, sem fugirem às convenções, dizem da persona, do self, na sua versatilidade ou máscara, assim mobilizando o espectador. No caso da fotografia, o retrato é realizado porque o fotógrafo entende que é artístico e segundo o discurso deste, ele mesmo encenador. Porém, tal como na pintura, nunca se discerna quem domina, se o fotógrafo ou a fotografada, pois a actriz fazia-se fotografar, ou consentia ser, ela mesma, na sua psicologia e história própria, e na narrativa em que se apresenta ao outro. Modelo/actriz e artista/fotógrafo são, assim, agentes na construção de ideias, e mesmo preconceitos, no observador, sucedendo, ainda, que a disposição de recepção enquanto espectador determina a forma como este interage com o retrato, tecendo assumpções sobre o que vê segundo os preconceitos resultantes das suas aprendizagens anteriores. Deste modo, um retrato é sempre subjectivo, pois que é pose, logo representação. De igual modo, por muito que se pretendesse construir uma realidade genuína, não só a fotografia não é objectiva, como o próprio espelho devolve uma imagem às avessas. A fotografia é, porém, a representação visual mais próxima do real, arquivo material que produz conhecimento, porquanto representa as especificidades do ser humano, sendo que a fotografia não traz o humano apenas na sua identidade e sociabilidade, mas também como tipo, o sujeito-imagem da sua classe social ou ocupação profissional. É esta dicotomia profissional-tipo e individualidade, presente nos auto-retratos de artistas e retratos de actrizes, taxonomia que prescreve reconsideremos as nossas ideias e preconceitos uma vez que não podemos julgar apenas pelo que vemos. 1 No final de 1889, salteadores de túmulos trouxeram à luz do dia retratos fantásticos da região de Fayum, situada a oeste do Nilo. Remontam à época da ocupação romana, datando-se, assim, dos primeiros séculos da nossa era. Os rostos de Fayum perscrutam-nos com os seus olhares vivos, a nós, que havíamos de vir. 2 O primeiro retrato conhecido foi pintado por Simone Martini (1284-1344) para o seu amigo Petrarca, de modo a captar a beleza de Laura, cf. Catálogo de Exposição Portrait Painting in Florence in the Later 1400s. National Gallery of Art, USA, October 2008 [tela perdida]

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Considerando que, em um e outro caso, a trilogia imagem/identidade/idealização está inerente ao retrato, propomo-nos observar que intenções de comunicação são tecidas nestes diálogos, pois que, na mediação da imagem e sua mise-en-scène, ver-se [a si próprio], ver [o outro], ser visto [pelo outro], estoutra trilogia, ganha uma dimensão que apela a maior reflexão sobre a subjectividade e a dinâmica visual, tendo no retrato a intenção imediata de entabular comunicação, porquanto, sendo o corpo interface entre o eu e o outro, é no olhar do outro que o eu reconhece a sua existência enquanto eu. O homem, artista, surge, desde cedo, representado no seu mester, revelando as suas aptidões, enquanto a mulher-artista, por este retratada, assome, por largos séculos, como noiva, esposa ou mãe, enquanto ícone de beleza, elegância e qualidades, ausente de dados que digam do seu estatuto, ou em temática religiosa, mitológica ou alegórica. O auto-retrato feminino percorre as histórias da História, da arte, movimentos e estéticas. Os primeiros auto-retratos, onde a mulher se apresenta pintando, e porque de religiosas se trata, não declaram uma afirmação artística, sendo somente representativos da religiosidade ou visões das suas autoras. Contêm, por vezes, uma legenda ou a inscrição de uma única letra capital3, identificando a artista, e são comuns no período medieval. Sendo a pintura censurável, sobretudo enquanto métier, muitas artistas, a receio ou recato, optam por se representarem lendo, tocando ou em prece, actividades mais conformes com os preceitos sócio-culturais e aceites enquanto sinais de feminilidade e modelos de passividade. E artistas houve que fizeram a apologia da sua beleza, auto-retratando-se adornadas e belas – como Elisabetta Sirani (1638-1665) e Rosalba Carriera (1675-1757) ou Elisabeth Vigée-Lebrun (1755-1842) e Adélaïde Labille Guiard (1749-1803)4. Estas duas últimas expuseram pela primeira vez, e no mesmo ano, no Salon de la Correspondance de 1782, os seus auto-retratos exibindo uma paleta em mãos, tidos como uma provocação dada a afronta no assumir público da profissão de pintoras. Tal não as refreou, ambas continuaram a expor no Salon du Louvre, abraçaram a fama e abriram uma fissura na resistência masculina da Académie Royalle, que se decide pela aceitação de um número limite de quatro elementos femininos, abrindo portas a outras que se sucederiam como Mary Moser (1744-1819) ou Laura Knight (1877-1970)5, também eleitas membros da Academia. Porém, para maior ganho de credibilidade, muitas se despojaram de quaisquer artifícios e adornos, num rigor manifesto, exibindo-se no seu labor, restringindo a narrativa à sua prática artística, como Catarina van Hemessen (1528-1587)6, Sophonisba 3 Claricia von Augsburg, autora das iluminuras in Psalter, séc. XII, usava a letra Q, cf. W. 26, fol.64; e Guda, que se assumira como a mulher que copiara e ilustrara o livro Humiliarium Sancti Bartholomei, séc. XII, usava a letra D 4 Elisabetta Sirani. Auto-retrato, 1660, imagem in http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/e/e7/Elisabetta_Sirani.jpg Rosalba Carriera. Auto-retrato, 1709, imagem in http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/c/ca/Rosalba_Carriera_Self-portrait.jpg Elisabeth Vigée-Lebrun. Auto-retrato,1782, imagem in http://www.arthistoryarchive.com/arthistory/rococo/images/ElisabethVigeeLebrun-Self-Portrait-1782.jpg Adélaïde Labille Guiard. Auto-retrato, 1785, imagem in http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/dd/Labille-Guiard,_Self-portrait_with_two_pupils.jpg 5 Mary Moser. Auto-retrato, 1780, imagem in http://www.thetimes.co.uk/tto/multimedia/archive/00422/129996875__422124c.jpg Laura Knight. Auto-retrato, 1913, imagem in http://london-student.net/wp-content/uploads/2014/01/NPG_713_1175_SelfPortraitby.jpg 6 Catarina van Hemessen. Auto-retrato, 1548, imagem in http://irea.files.wordpress.com/2008/10/23-19.jpg É de Catarina van Hemessen (1528-1587), pintora flamenga da Renascença, o primeiro auto-retrato de uma mulher na Europa Ocidental conhecido enquanto afirmação e data de 1548. Representa-se a artista no exercício da sua profissão e contém a legenda, em latim, Eu Catarina de Hemessen pintando-me a mim mesma com a idade de 20 anos, inscrição que nos permite inferir de uma artista visionária que reivindica a autoria, salvaguardando uma posterior atribuição errónea. Num tempo em que se pretendia dar ênfase ao imaginativo, e menos ao conteúdo prático, uma mulher aparece tendo como prioridade mostrar que sabia pintar, talvez inspirada na ilustração da antiga pintora Márcia, referida nos manuscritos de Boccaccio – Marcia trabalhando no seu estúdio, c. 1470. in Boccaccio, Des Clères et Nobles Femmes, Paris. New York Public Library, Astor, Leno and Tilden Foundations, Spencer Collection. Márcia trabalhando no seu estúdio, c. 1470, imagem in http://revue-textimage.com/05_varia_2/photos/beauge/beauge08_pouce.jpg

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Anguissola (1532-1625)7, Artemisia Gentileschi (c.1593-1652), Judith Leister (1609-1660), Anna Waser (16781714), Angelica Kauffman (1741-1807) ou Marija Bashkirtseva (1858-1884)8. Se atentarmos, ainda, nos auto-retratos de Jeanne Hébuterne (1898-1920), Tamara de Lempicka (18981980), Sonia Delaunay (1885-1979) ou Vieira da Silva (1908-1992)9 – em que as artistas ocorrem despojadas da paleta ou pincéis como adjuvantes –, verificamos que estes se mostram cunho de um tempo de reconhecimento em que não urgia mais fazerem-se acompanhar dos seus atributos profissionais. No caso dos auto-retratos de pintoras é manifesta a afirmação de uma identidade profissional. Na sua maioria, advinham de um contexto familiar privilegiado – frequentemente filhas, irmãs ou mulheres de pintores – e/ou usufruíam de protecção das casas aristocráticas ou distintos e abastados patronos. O testemunho do autoretrato feminino, exibindo a artista no exercício da sua profissão, manifesta a toma de consciência das mulheres pintoras, denuncia o inconformismo das suas autoras e o desejo de serem reconhecidas enquanto artistas, pelos seus pares e pela sociedade, permitindo avaliar como negociaram as suas expectativas e a sua circunstância num universo predominantemente varonil. Observando as mutações que o auto-retrato promove no campo simbólico, aferimos como, desprovida de adereços pessoais, a artista reivindica um lugar no mundo das artes, derrubando o estigma da mulher-musa, pois que a igualdade reside na descida do etéreo para chegar à materialidade. Fugindo ao convencionalismo com que os seus pares a pintaram, num percurso de materialização, encetando uma reivindicação de género e construindo a paridade, entabulando e encenando diálogo com o observador, a mulher artista faz-se agente e do outro faz testemunha-cúmplice, liberando-se dos grilhões da sociedade e construindo a paridade. A fotografia veio, nos primórdios do século XX, a tornar-se uma linguagem estética, considerando os preparativos pro/precedentes, porquanto fotografar não é somente congelar o instante. Novo medium – à imagem da imprensa que, face aos incunábulos, divulgou a escrita e incrementou a leitura –, apresentou-se de mais fácil divulgação e acessibilidade às classes sociais emergentes acompanhando a indústria crescente. Importante na difusão do retrato pessoal, a fotografia regista e encena, pois aos retratados – por escolha pessoal, do fotógrafo ou de ambos – assistia toda uma cenografia, onde, seguindo o cânone tido pela pintura como atractivo, a fotografia da actriz inova porém as poses para conquistar o público. 7 Sophonisba Anguissola. Auto-retrato, 1556, imagem in http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/5/56/Self-portrait_at_the_Easel_Painting_a_Devotional_Panel_by_Sofonisba_ Anguissola.jpg O segundo auto-retrato feminino conhecido, de Sophonisba Anguissola (1532-1625), data de 1554, e nele, conforme a legenda, a artista representa-se com um livro na mão, que contém, porém, a frase, Sophonisba Anguissola virgem, este fez ela mesma em 1554, aos vinte dois anos. Seguir-se-ia, em 1556, um segundo auto-retrato, já no exercício do seu mester. Sophonisba retratou-se desde a juventude à velhice. Primeira mulher a tornar-se célebre enquanto pintora profissional, são da sua autoria o maior conjunto de auto-retratos que uma artista mulher realizou entre 1550-1560, num tempo em que era raro o artista ser tema da sua própria pintura, assim contribuindo bastante para este género em que inúmeras outras artistas se inscreveram. 8 Artemisia Gentileschi. Auto-retrato, 1630, imagem in http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/e/e5/Self-portrait_as_the_Allegory_of_Painting_by_Artemisia_Gentileschi.jpg Judith Leyster. Auto-retrato, 1630, imagem in http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/6a/Judith_Leyster_-_Self-Portrait_-_Google_Art_Project.jpg Anna Waser. Auto-retrato, 1691, imagem in http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/5/58/Anna_Waser_-_1691.jpg Angelica Kauffman. Auto-retrato, 1775, imagem in http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/0/0d/Angelica_Kauffmann_by_Angelica_Kauffmann.jpg Marija Bashkirtseva. Auto-retrato, 1882, imagem in http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/e/e0/Maria_bashkirtseva_autoportrait.jpg 9 Jeanne Hébuterne. Auto-retrato, 1916, imagem in http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/7/75/Jeanne_H%C3%A9buterne_-_Autoportrait.jpg Tamara de Lempicka. Auto-retrato, 1925, imagem in http://www.arthistoryarchive.com/arthistory/artdeco/images/TamaraDeLempicka-Self-Portrait-in-Green-Bugatti-1925.jpg Sonia Delaunay. Auto-retrato, 1916, imagem in http://www.artvalue.fr/photos/auction/0/45/45388/delaunay-terk-sonia-1885-1979-autoportrait-2202697.jpg Vieira da Silva. Auto-retrato, 1942, imagem in http://uploads8.wikiart.org/images/maria-helena-vieira-da-silva/self-portrait-1942.jpg

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De grandes públicos diferenciados, não de massas embora funcione como uma indústria, a fotografia cruzase com o despertar da consciencialização de libertação da mulher, sendo várias as actrizes em cuja pose, corte de cabelo e vestuário é manifesta a influência da garçonne e o conceito de uma nova mulher, independente e liberal, que se difundia através da imprensa, mas sobretudo do teatro, cinema e rádio.

Virginia Vitorino

Ausenda de Oliveira

Beatriz Costa

Num teatro impulsionado por todo o contexto de mudança em novecentos, o advento da fotografia, com os seus meios técnicos de reprodutibilidade, mais contribuiu para divulgar o rosto, a singularidade da persona, atendendo às novas liberdades que usufrui, projectando a mulher-actriz, concedendo-lhe toda uma cenografia que aformoseia – véus diáfanos, pérolas, peles e outros atavios –, favorável à sedução, adjuvando uma narrativa de beleza e glamour através da pose livre de qualquer mimesis.

Beatriz Belmar

Corina Freire

Albertina Vilanova

Aurora Freire

O véu, volátil e diáfano, que, a um mesmo tempo, oculta e revela, apresenta-se como o atavio mais recorrente. A actriz surge sem qualquer outro adorno, em pose frontal, a 2/3 ou de perfil, que se revela de grande apreço. Sorriso, pose e véu, que envolvem a figura, fazem oscilar entre a femme fatale e a femme fragile, conforme as

Adelina Forte

Amélia Vaz

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Virginia Soler

fotos de Beatriz Belmar, audaz, e Corina Freire, em êxtase, e as de Albertina Vilanova e Aurora Ferreira, que, expressando familiaridade, não ostentam qualquer sugestão de convite. As pérolas são amigas dos véus. Adorno intemporal, desde sempre apreciado, é considerável o conjunto de fotografias em que aos véus se acrescentaram as pérolas, presentes ainda quando o véu se ausenta e o sorriso

Constança Navarro

Virginia Vitorino

Amelia Rey Colaço

desaparece, dando lugar a uma pose mais meditativa ou teatral, ocorrendo, por vezes, numa manifesta melancolia, na senda Dürer, que se verifica igualmente no apreço por adereços orientalistas numa diegese à imagem dos ricos panejamentos comuns na Renascença e Barroco, que avultou os ornamentos. As peles, mestras do glamour, apresentam-se como outro adorno frequente. À imagem do véu, em que a mulher ou se despe/veste diáfana, as peles aformoseiam e escudam, assomando em narrativas desafectadas ou atractivas.

Vitoria Pirillos

Georgina Cordeiro

Ausenda de Oliveira

Dina Teresa

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Zulmira Miranda

Anita Salambó

Beatriz Costa

O encanto ocorre, assim, tanto no despojamento quanto nos excessos, remetendo para a sedução enquanto convite. Porém, as imagens de Amélia Lopiccolo e Adelina Abranches, na demasia; de Mercedes Blasco ou Ausenda de Oliveira, envoltas em peles; e de Palmira Bastos, de ombros desnudos, trazendo a actriz quando característica, ou seja, já consagrada na sua carreira, contrariam o preconceito de que os atavios favorecem somente a sedução, pois as actrizes apresentam-se nestas imagens quando já divas veneradas.

Virginia Soler

Deolinda de Macedo

Se observarmos, também, a Illustração Portugueza, 1906, referindo-se a Adelina Abranches (1866-1945), ainda criança, como alguém que Todos a estimavam […] a previsão de um grande triunfo […] uma grande actriz ou nos debruçarmos sobre O Domingo Ilustrado, 1927, cujas as referências a Amelia Rey Colaço, realçam o seu

Amélia Lopicollo

Adelina Abranches

Mercedes Blasco

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Ausenda de Oliveira

Palmira Bastos

desempenho e seu contributo para a divulgação do Teatro português e exaltam à gratidão e ponderarmos que Adelina Abranches tinha, à altura, onze anos e Amelia Rey Colaço vinte e nove anos, um e outro artigo mais robustecem serem estas poses muito em favor da credibilidade da actriz, da publicidade ao espectáculo e à arte e não mero apelo de sedução. O corpus de imagens que coligimos, em muito maior número que as aqui presentes, dada a economia que urge, revela a ausência de qualquer teatralidade do espaço [arquitectura/cenografia, reposteiro/cortina ou panejamentos, paisagem ou utensílios pessoais/domésticos]. Nesta ausência de fundo/cenário, o corpo/rosto, nas suas fotogenia, beleza e glamour – quer na vampe, dama galante, quer na ingénua – cria o seu próprio espaço, enche o espaço. Uma narrativa em que apenas existe o mundo em frente, organizada para o espectador. O jogo de sombra e luz, que permite realçar os traços do rosto, cabelos, vestuário e adereços, surge adornando uma face iluminada, que se destaca do fundo, contribuindo para uma aura de mistério, enigmática, um efeito de ilusão. Porém, simultaneamente, cotejamos quanto o retrato da actriz/eu soberano, particularmente a difusão da fotografia de oferta ao admirador, tendo o encanto como aura dominante, se apresenta como uma estética que nem sempre tem o convite/sedução como dominante. Ainda que o sorriso, que encontramos em vastas fotografias da actriz, contraste com a rigidez do retrato individual feminino de família – sujeito ao rigor social, privilegiando o privado e o recato –, o retrato da actriz, embora a sua teatralidade, revela, sobretudo, de uma proximidade com o fotógrafo, a cumplicidade com este ou a colega, actriz venerada, a quem a fotografia era oferecida, pois verificámos que muitas fotografias apresentam dedicatórias à actriz ou actor com que contracena, inscrições familiares ou profissionais, frequentemente com humildade, a uma colega muito prezada, como é o caso das inúmeras ofertadas a Corina Freire, Beatriz Costa, Palmira bastos, Maria Matos ou Amelia Rey Colaço. Numa construção cultural com conexões, a abordagem interpretativa e contemplativa do retrato da actriz, à imagem do auto-retrato da artista, denuncia o anseio de auto-afirmação, ganho de credibilidade e reconhecimento. A um mesmo tempo, senhora do seu corpo e do seu destino, a fotografia da actriz apresenta uma mulher capaz de se tornar um ser activo e despertar o outro do estado passivo, pois, através do retrato, a actriz enceta e encena diálogo com o espectador, convite que atende à conquista e fidelidade do público e a consequente divulgação/ publicidade do espectáculo teatral, assim contribuindo para a história das artes de palco. Teresa Meruje, FSCH – UNL Mestre em Património Europeu, Multimédia e Sociedade de Informação, doutoranda em História da Arte e professora do Ensino Secundário. Colaborou em jornais, revistas e antolo- gias, com artigos e ensaios sobre arte e literatura, e é Membro do Conselho Redactorial da revista AVE AZUL – Arte e Crítica [Viseu]. * Agradecemos, ao Museu Nacional do Teatro, a autorização de utilização de imagens de arquivo – do seu acervo e Arquivo Fotográfico DGPC – que permitiu a boa execução desta investigação * As imagens de auto-retratos de artistas foram consultadas em 15 de Abril de 2014

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O Arquivo Municipal de Lisboa/Fotográfico 20 Anos de portas abertas ao público Paula Figueiredo Cunca/ Luís Pavão

Resumo O AMLx/Fotográfico celebra 20 anos de existência nas atuais instalações. Em 1994 apre- sentou um novo conceito de arquivo fotográfico, de portas abertas ao público com a ex- posição Provas Originais 1858 – 1910 - 20 anos depois, apresentamos um olhar retrospe- tivo sobre o trabalho desenvolvido a partir desta exposição. Artigo I - Há 20 Anos, a remodelação O Arquivo Fotográfico foi criado em 25 de março de 1942 (há 72 anos!), de modo a centralizar e a organizar todas as fotografias dispersas pelos serviços da Câmara Municipal de Lisboa, do registo das alterações da cidade e de cerimónias da edilidade. No ano de 1871 houve uma intenção de criar a memória fotográfica da cidade numa deliberação camarária que aprovou a seguinte proposta: «Propomos que a câmara mande photographar todos os edifícios antigos que os seus proprietários pretendem demolir e possam inspirar qualquer interesse arqueológico, e bem assim todos os locaes que tenham de sofrer transformações importantes.»1 Contudo, só na década de 1890 foi possível retomar esta intenção e foram feitas as fotografias da cidade, sendo de referir a deliberação que iniciou este levantamento: «a repartição de obras seja encarregada de mandar tirar photographias de quaisquer ruas ou edifícios que tenham sido transformados, juntando-lhes uma memória descritiva com todos os esclarecimentos que seja possível obter, e que dessas photographias, com respectiva memória descritiva, irá uma prova para o archivo da Câmara, e outra para o Torre do Tombo».2 Durante várias décadas, o Arquivo esteve precariamente instalado, tendo sido somente acolhido na antiga fábrica de conservas do século XIX, situada na rua da Palma, nº 246, a 21 de março de 1994, já num edifício remodelado e preparado para receber condignamente o acervo do Arquivo Fotográfico. Sempre em instalações precárias, muda-se várias vezes até 1993. Desde a década de 1960 Fig.1- Palácio da Mitra, então Museu da Cidade, Primeira localização do Arquivo desde março esteve à consulta do público. de 1942. Nos anos subsequentes, das décadas de 1950 e 1960, o Arquivo Fotográfico recebeu diversas coleções de fotografia, mantendo-se até 1990 com apenas dois ou três funcionários que mantiveram intacto o sistema de ar1 Maria do Rosário Santos, «Arquivo Fotográfico», in Provas Originais 1858-1910, Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, 1995, p. 7. 2 Ibidem.

rumação e acondicionamento dos negativos e provas fotográficas proposto por Mário Chicó, na década de 1940, então conservador do Museu da Cidade.

Fig. 2 – O Arquivo Fotográfico instalado no Palácio da Rosa até 1993.

Fig. 4 – Arquivadores em armários de madeira para os negativos (gavetas de baixo) e para as provas de consulta ao público (estantes de cima) no Arquivo Fotográfico (Palácio da Rosa até 1993).

Fig. 3 – Interior do Arquivo Fotográfico no palácio da Rosa até 1993.

Os pedidos de reprodução de imagens eram executados no exterior, em diversos laboratórios fotográficos, tendo-se perdido algumas espécies pelo caminho, no transporte a que estavam sujeitas ou por mau manuseamento. A partir de 1974, a Instituição sentiu as reduções orçamentais que impediram o crescimento do espólio do Arquivo. Se, por um lado, a ausência de condições para preservar as coleções, de equipamentos ou áreas técnicas e de uma equipa técnica tornaram a Instituição passiva, sem iniciativas ou atividade própria, por outro, o manuseamento excessivo dos negativos, a deterioração progressiva das espécies, em especial em suporte de vidro e em suportes de plásticos degradados, acentuavam a decadência do acervo. A consulta ao público também estava comprometida com um catálogo pouco abrangente, com zonas cinzentas e muitas imagens por catalogar e organizar e um sistema manual de consulta muito limitado, as coleções estavam subaproveitadas. Passada uma fase de estudo, que parte muito do empenho do Dr. João Soares, Vereador de Cultura e do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Dr. Jorge Sampaio, foi escolhido o edifício e iniciadas as obras. 47

Fig. 5 – Obras de remodelação do edifico do Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa em 1992/93 (futura receção da Instituição).

Fig. 6 – Receção do Arquivo Municipal de Lisboa/Fotográfico em 2014.

A decisão de disponibilizar as imagens ao público por meios informáticos, foi uma grande aposta do novo equipamento cultural da cidade. Em julho de 1991, o Arquivo encerra ao público no palácio da Rosa, a fim de se preparar a mudança. Assim as opções políticas foram: • Manter o Arquivo Fotográfico separado. Preservá-lo num contexto autónomo. Isto é referente a 1991. • Dotá-lo de meios para a promoção da Fotografia. fia.



Destacar o valor autoral da fotogra-

Pelo facto de exigir condições de conservação e preservação da fotografia e pela aposta na divulgação da fotografia, houve a necessidade do Arquivo ter casa própria. A fotografia deixou de Fig. 7 - Obras de remodelação do edifico do Arquivo Fotográfico Municipal ser um mero documento administrativo. de Lisboa em 1992/93 (futura Sala de Exposições do R/C, atual Galeria de Exposições).

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Fig. 8 – Galeria de Exposições do Arquivo Municipal de Lisboa/Fotográfico em 2014, com a exposição O Arquivo Saiu à Rua (exposição no âmbito das comemorações dos 40 anos do 25 de Abril).

O projeto para as novas instalações previa uma Sala de leitura (com terminais de consulta e uma biblioteca especializada em fotografia), salas de exposições, depósitos climatizados, salas técnicas para trabalhos de conservação e registo de fotografia e gabinetes para digitalização e catalogação. Das coleções mais importantes, destacamos: • Fundo Antigo (1898-1908), constituída por cerca de 3 777 negativos em vidro, corresponde ao levantamento dos edifícios dos bairros populares. • Provas Originais (1858-1910) é uma coleção de 1 444 provas fotográficas em diversos processos fotográficos, em especial do século XIX, havendo muitas da cidade de Lisboa e outras cidades. • Legado Seixas (1862 - 1950) com 448 imagens da zona ribeirinha da cidade de Lisboa, monumentos e outros temas. • Joshua Benoliel (1900-1930), consta de 3 100 imagens, que documentam a vida social e política da cidade de Lisboa durante o período que vai do final da Monarquia à revolução de Sidónio Pais. • António Novaes (1903-1911), com 1 351 imagens de acontecimentos oficiais diversos dos reinados de D. Carlos e D. Manuel II, a coleção é constituída por negativos de gelatina e prata em nitrato de celulose e provas em papel de revelação.

Fig. 10 - Sociedade Protetora das Cozinhas Económicas de Lisboa na rua do Bento. Fotógrafo não identificado [entre 1898 e 1908]. PT/AMLSB/FAN/000875

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Fig. 9 - Rua do Poço dos Negros. Fotógrafo não identificado [entre 1898 e 1908]. PT/AMLSB/FAN/000870

Fig. 11 - Construção do arco da rua Augusta, Lisboa. Wenceslau Cifka. c. 1862. PT/AMLSB/ORI/000830

Os objetivos, da remodelação, continuam atuais com a preservação das coleções, o acesso às fotografias através da consulta informatizada, a aposta no estudo e divulgação das coleções e a promoção no público do conhecimento e gosto pela fotografia e confirmam que o Arquivo Municipal de Lisboa – Fotográfico, integrado na Divisão de Arquivo Municipal, Departamento de Património Cultura da Câmara Municipal de Lisboa é uma Instituição incontornável para estudar a história da fotografia em Portugal.

Fig. 12 – Praça do Comércio, década de 1900. PT/AMLSB/ SEX/000172

Fig. 13 - O fotógrafo Joshua Benoliel e o chefe Carvalho nas galerias romanas da rua da Prata. Fotógrafo não identificado. Outubro de 1909. PT/AMLSB/ JBN/001240

Olhar vinte anos para trás Há vinte anos tomaram-se as opções corretas, que ainda se mantêm no nosso projeto de trabalho. Valorizamos a fotografia como meio de expressão e como obra autoral, continuamos a digitalização e a informatização das fotografias – temos cerca de 150.000 imagens na internet e uma grande atividade expositiva (6 a 8 exposições por ano) durante 20 anos. O reconhecimento do público e a boa resistência a crises financeiras, faz da Instituição uma referência no panorama cultural da cidade de Lisboa com repercussões no País. II - A Inauguração do Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa Em 21 de março de 1994, o Arquivo Fotográfico iniciou um projeto de trabalho inovador em instalações próprias e com uma equipa especializada vocacionada para o estudo da imagem fotográfica. A exposição Provas 50

Originais 1858 – 1910 foi determinante para apresentar este novo projeto. A partir desta foi possível divulgarmos os processos fotográficos do século XIX (papel direto, prova em albumina, cianotipia e outros) e na época ainda pouco conhecidos, um modo de apresentar os originais, realçando a importância do suporte fotográfico e a máquina fotográfica, alusiva a esse período. O catálogo que acompanhou a exposição disponibilizou um glossário com a informação sobre os processos expostos com uma clara intenção pedagógica, disponibilizando informação pouco divulgada.

Fig. 14 – Rally Paper com a presença da Família Real. 6 de agosto de 1904. PT/AMLSB/AVN/000556

A memória de uma Lisboa recuada foi também referida nos pequenos textos que acompanharam o catálogo e nas breves biografias dos fotógrafos representados, sublinhando a importância dada aos autores.

Fig. 15 – Obras de remodelação do edifico do Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa em 1992/93 (futura Sala de Leitura).

Fig. 16 – Sala de Leitura do Arquivo Municipal de Lisboa/Fotográfico em 2014.

Fig. 17 - Obras de remodelação do edifico do Arquivo. Fotográfico Municipal de Lisboa em 1992/93 (futuro Depósito Limpo).

Fig. 18 – Depósito Limpo do Arquivo Fotográfico depois de 1994.

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A fotografia foi enaltecida e apresentada como manifestação nobre, deixando de ser só um documento de apoio à investigação histórica. O Arquivo transformou-se também em galeria expositiva e ganhou importância no roteiro cultural da cidade. Em oposição, mantiveram-se posições críticas quanto à missão do Arquivo que deixou de estar fechado e reservado só a alguns para estar aberto ao público, a todos os que gostavam de fotografia, fossem eles simples curiosos ou investigadores. Na época, a ressonância jornalística fez-se sentir em diversos artigos que sublinhavam o facto do Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa ter casa própria e adequada à conservação das coleções à sua guarda. A visão contemporânea foi sublinhada e a imagem fotográfica ganhou terreno na reflexão cultural. O Arquivo contribuiu para uma mudança de mentalidades quanto ao papel da fotografia no estudo da imagem. O saber fazer foi valorizado e o conhecimento técnico dos processos fotográficos veio fornecer as condições para o estudo da fotografia com as Salas de exposições e a Sala de Leitura, com a pesquisa e a Biblioteca especializada, que apoiava muitos alunos de fotografia nos seus trabalhos, tendo sido eleito o local propício à investigação sobre fotografia. A equipa de fotógrafos e técnicos de restauro e conservação de fotografia, sempre disponíveis para acompanhar estagiários e a coordenação da saudosa Luísa Costa Dias, criaram as condições propícias para o Arquivo Fotográfico se afirmar a partir de 1994, mantendo-se na atualidade. Um ano depois, em 21 de março de 1995, a exposição Provas Originais 1858 – 1910 é reposta no Arquivo Fotográfico com outra montagem. Se, atualmente, o investimento num equipamento cultural com esta tipologia é de incontestável valor, em 1994 ainda suscitava crítica e contestação. Com este novo espaço cultural, a fotografia ganhou referências no panorama da produção expositiva fotográfica e assumiu-se como novo território da expressão contemporânea, apesar das propostas de fotografia antiga, o Arquivo Fotográfico acolheu exposições de jovens fotógrafos, com propostas contemporâneas (veja-se a exposição de Melanie Machot, Posta Restante, Works 1991-95, em 1995 ou de José Luís Neto, Irgendwo, em 1998) e atentas a uma reflexão do discurso fotográfico (veja-se António Júlio Duarte, Oriente/Ocidente, em 1995). Para além de ter acolhido exposições coletivas de incontornável relevo para o Fig. 19 - Provas Originais 1858 – 1910 (exposição patente ao público de 22 de discurso fotográfico como sejam O Profano e março a 30 de abril de 1994). o Sagrado, em 2000 e, mais tarde, fazer parte da organização da LisboaPhoto (2003 e 2005), provando a sua relevância no panorama fotográfico nacional e internacional. De modo a continuar o estudo das coleções de fotografia do acervo da Instituição, em 2013 foi apresentada a exposição Ana Maria Holstein Beck – Álbuns de Fotografia, uma coleção de fotografias privadas em álbuns e, em 2014, a exposição do fotógrafo Artur Pastor numa mostra dividida entre as instalações do Arquivo Municipal de Lisboa/Fotográfico, o Pavilhão Preto do Museu da Cidade e a Colorfoto. O Arquivo mantém igualmente a atenção nas manifestações contemporâneas a partir da imagem fotográfica numa articulação com os outros documentos do Arquivo, tendo apresentado a exposição Arquivos Secretos, em 2012, com vários autores, entre eles, João Tabarra, Fabrice Ziegler, Carla Cabanas e João Paulo Serafim. 52

Atualmente, o Arquivo Municipal de Lisboa/ Fotográfico tem à sua guarda mais de 600 000 imagens em diversos suportes e processos fotográficos com cerca de 150 000 imagens disponíveis na internet a partir do site http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/ . Com coleções de reconhecida importância e algumas ainda pouco divulgadas, a Instituição mantém o tratamento cuidado das coleções, disponibilizando-as ao público, tais como:

Fig. 20 – Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa – Sala de Leitura em 1995.

Fig. 21 – Palácio da Rosa – Identificação dos processos fotográficos com a lupa binocular para a exposição Provas Originais 1858 – 1910.

• Eduardo Portugal (1919-1950) com cerca de 6 000 imagens, disponíveis ao público, integra as fotografias de autor (onde se destaca a temática de Lisboa) e as fotografias que colecionou em vida. • António Passaporte (1940-1960) tem cerca de 1 500 fotografias disponíveis ao público. A coleção é constituída por encomendas, como a série das fardas dos funcionários municipais de Lisboa e por imagens da cidade e arredores, que foram editadas em postais. • Lisboa Anos 90 – Esta coleção foi uma encomenda feita a António Pedro Ferreira, Michel Waldmann, Eurico Lino do Vale, Luís Pavão, Paulo Catrica, Paula Figueiredo e Pedro Letria para ilustrar a cidade de Lisboa e reúne 319 imagens feitas nos finais da década de 1990. • Holstein Beck – É uma coleção de fotografias privadas da família de Ana Maria de Sousa e Holstein Beck com cerca de 6 000 provas fotográficas. Desde 1996 que foram traçados objetivos estratégicos para o Arquivo Municipal de Lisboa/Fotográfico; foi dada prioridade à inventariação e à descrição do acervo. Mais tarde, deu origem a um novo sistema de informação comum às diversas vertentes do Arquivo, o X-Arq, que se tornou público em 2004. A partir da utilização desta aplicação, a informação passou a chegar de uma forma mais célere ao público e, nesse ano, foi possível disponibilizar a Base de Imagens através da internet. Desde 2000, os fotógrafos do Arquivo Municipal de Lisboa/Fotográfico têm vindo a fazer o levantamento fotográfico da cidade de Lisboa, abordando vários temas. 20 anos depois e, apesar das condições adversas que não favorecem as manifestações culturais, o Arquivo continua o seu projeto de divulgar o seu acervo, a partir do estudo das coleções, apresentando-as em exposições, desenvolvendo temáticas relacionadas com a fotografia através de workshops, conferências, debates, entre outros, com um tratamento documental validado, sempre disponível para acompanhar estagiários e apoiar investigações, bem como realizar atividades do Serviço Educativo para todos os públicos. Em 2014, através do registo no Facebook e com o lançamento do novo sítio do Arquivo Municipal de Lisboa, a divulgação chegou a novos públicos. 53

A aposta em parcerias com outras instituições e a realização de protocolos de doação de espólios tem também possibilitado o aumento do acervo de fotografia.

Fig. 22 - Avenida Almirante Reis junto ao cruzamento com a rua dos Anjos. 1940. PT/AMLSB/POR/013592

Fig. 23 – Praça dos Restauradores. C. 1956. PT/AMLSB/PAS/001609

Fig. 24 – Edifício da Bolsa de Valores de Lisboa. Paulo Catrica. 1999. PT/AMLSB/LIS/000209

Fig. 25 - Versailles September 1922. Self, Tatim. [Ana Maria Holstein Beck e Joaquim Baltazar Manoel no palácio de Versailles, França, setembro, 1922]. PT/AMLSB/BEK/003/001116

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Deste modo, o Arquivo mantém-se num processo de contínua melhoria focado no papel que a instituição assumiu quando inaugurou: disponibilizar as fotografias como suporte privilegiado de informação e como médium cultural relevante, sempre atento às manifestações da cultura visual. Com propostas expositivas desde 2011, o Arquivo permanece fiel ao seu projeto com uma equipa exigente e que concilia os projetos de estudo da fotografia, tendo em conta as exigências da atualidade.

Luís Pavão e Paula Figueiredo Cunca Técnicos Superiores no AMLx/Fotográfico. Luís Pavão, fotógrafo e mestre em Conserva- ção de Fotografia (Rochester/EUA), responsável pela Conservação e Restauro no AMLx/ Fotográfico e Paula Figueiredo Cunca, licenciada em Filosofia pela UCP/FCH e mestre em Comunicação, Cultura e Tecnologias da Informação (ISCTE) tem desenvolvido trabalhos de investigação sobre fotografia privada

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O Porto e os seus Fotógrafos : o acervo do Arquivo Histórico Municipal Maria do Rosário Guimarães

Resumo O arquivo fotográfico do AHMP detém um valioso acervo com interesse para a história do país no final do séc. XIX. e início do séc. XX. A sua divulgação permitirá realçar o contributo dos fotógrafos portuenses no desenvolvimento da fotografia em Portugal Artigo Objetivos Garantir a preservação, conservação e divulgação do património iconográfico do Município. Disponibilizar de forma sustentada o acesso à informação através da plataforma online http//gisaweb. cm-porto.pt. Fomentar a investigação na área da fotografia

Preservar

Tratar

Divulgar

O Arquivo Municipal A Câmara Municipal do Porto iniciou a sua coleção fotográfica para ilustrar publicações produzidas pelos diversos serviços municipais no decurso da sua atividade, através de encomendas efetuadas a vários fotógrafos da cidade. Tem particular destaque a documentação proveniente do Antigo Gabinete de História da Cidade (1936-1982) a quem, pelo seu regulamento, competia editar obras sobre a história da cidade do Porto e realizar exposições documentais. De salientar concretamente as que foram produzidas para a edição do “Corpus Codicum Latinorum”, para a série monográfica “Documentos e Memórias para a História da CiGabinete de História da Cidade, 1936-1982 dade do Porto” e para o “Boletim Cultural da Câmara”. O Arquivo do Município conserva também a documentação fotográfica do extinto Laboratório Fotográfico da CMP, assim como das espécies fotográficas dos Serviços de Habitação, e dos Serviços de Protocolo e Relações Públicas. É igualmente o depositário do levantamento aéreo da cidade efetuado em 1939/40 . Completam o fundo municipal um conjunto de exposições fotográficas, algumas realizadas nas instalações do AHMP e outras adquiridas por oferta dos autores. Têm vindo a ser incorporados no acervo municipal vários arquivos e coleções privadas que contribuem para uma política de salvaguarda , preservação e difusão da memória fotográfica da cidade e do país.

A Direção dos Serviços de Urbanismo e Obras -1938-1966

Evolução da cidade do ponto de vista urbanístico da construção habitacional, e dos equipamentos.

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Laboratório fotográfico municipal (1960-1994), engloba as mais variadas atividades: demolições, construções, eventos políticos ,sociais e religiosos.

Laboratório Fotográfico 1960-1994

Reportagens fotográficas da atividade do Município.

Gabinete de Comunicação e Imagem 1994-2006

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Arquivos Privados

Emílio Biel & Cª. 1880-1925

Ferreira Alves 1883-1944

Bonfim Barreiros 1894-1973

Platão Mendes 1905-1987

Foto Guedes 1885-1932

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Coleções Fotográficas A Coleção fotográfica foi sendo adquirida a alguns alfarrabistas e antiquários , por ofertas e doações. Versam diversos temas: vistas da cidade do Porto e arredores, acontecimentos sociais, políticos e religiosos.

Armando Couto 1901-1997

Germano Silva 1931-

Helder Pacheco 1937-

Coleção de fotografias avulsas 1860-1976

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Maria do Rosário Guimarães Técnica superior no Arquivo Histórico Municipal do Porto. Licenciada em Filosofia e pós graduada com o Curso de Especialização em Ciências Documentais pela FLUC.

Acesso à informação - http//gisaweb.cm-porto.pt

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As coleções fotográficas da Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian Ana Barata

Resumo Apresentação e caracterização das colecções fotográficas da Biblioteca de Arte; recuperação da informação, formas de acesso e disponibilização Artigo A Biblioteca de Arte (BA) possui atualmente 180 coleções fotográficas. Foram incorporadas por aquisição ; doação ; encomendas da FCG aos seus autores; um conjunto resultou da atividade académica de bolseiros da Fundação Calouste Gulbenkian. Em termos de tipos de suporte, as coleções da BA são maioritariamente constituídas por negativos e diapositivos (p&b e cor) em película (c. 220.000 imagens). Existem ainda outros suportes: negativos em vidro ; provas a p&b e cor ; provas fotomecânicas. gal.

Os processos fotográficos acompanham praticamente toda a evolução da História da Fotografia em PortuTotal de imagens fotográficas : 500.000 Total de imagens fotográficas digitalizadas : 100.000

As imagens digitalizadas são disponibilizadas no catálogo da BA – internet ou intranet – e no FLICKr de acordo com a legislação em vigor relativa aos direitos de autor e direitos conexos. Na sua diversidade, todas são relevantes para estudo e investigação nas áreas da história da arte, arquitectura e património. Alguns exemplos: Col. Azulejaria Portuguesa (5.028 imagens resultantes do inventário de J. M. Santos Simões realizado entre 1960-68). Col. A Talha em Portugal (3.421 imagens realizadas por Robert Smith, na década de 1960). Col. Fotografias do Oriente (519 imagens realizadas por Francis Millet Rogers, em 1962). Col. Exposição Rainha D. Leonor (2.115 imagens realizada em 1958, no âmbito da expo. por Abreu Nunes, Mário de Oliveira, Mário Novais e Sena da Silva). Col. A arquitectura gótica em Portugal (334 imagens realizadas por Mário Novais para a obra de Mário T. Chicó). Col. I e II Exposições de Artes Plásticas (968 imagens realizadas por diversos fotógrafos, entre 1957 e 1961, documentando diversos aspetos das exposições). Col. Estúdio Mário Novais (80.309 imagens) e Col. Estúdio Horácio Novais (59.298 imagens digitalizadas

de um total de 93.819). Col. Casimiro Vinagre (144 imagens da Exposição do Mundo Português de 1940). Col. Do Estádio Nacional ao Jardim Gulbenkian (929 imagens resultantes da recolha documental e fotográfica que deu origem à exposição com o mesmo nome). Col. Reportagem sobre a montagem da coleção de pintura na “Brasileira” do Chiado (55 imagens, realizadas em 1971, por José Luís Madeira). Col. Jorge Ribeiro (3.353 imagens documentando aspetos do património e da paisagem rural e urbana portuguesa). Col. Electro Reclamo (986 imagens, impressas a p&b, sobre a atividade da empresa em várias cidade nacionais, entre 1930 e 1959, realizadas por vários fotógrafos da época). Disponibilização e acesso Apresentação sumária em www.biblarte.gulbenkian.pt Pesquisa através do catálogo O sistema informático utilizado para a descrição das imagens é o Horizon. Em termos de normas de descrição bibliográfica, são utilizadas as seguintes para : - a Catalogação: as RPC ; as ISBD ; as AACR2 BASE

- a Indexação: o Art and Architecture Thesaurus (AAT); o Thesaurus for Graphic Materials; a SIPOR- a Classificação: a CDU

Todas as coleções têm uma entrada bibliográfica no catálogo da BA; a cada uma foi atribuída a cota CFT

fig. 1

fig. 2

fig. 3

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(que começa em 001 e é sequencial). Do total, 19 coleções encontram-se já tratadas em termos biblioteconómicos e podem ser pesquisadas separadamente no Catálogo, no seu conjunto ou individualmente. Disponibilização e acesso

fig. 4

fig. 5

fig. 6

fig. 7

A BA é membro do Flickr The Commons https://www.flickr.com/photos/biblarte/ desde maio de 2008. Tem cerca de 15.200 imagens divididas por 9 coleções e 242 álbuns, que tiveram até agora mais de 13.711.663 visualizações. A selecção destas colecções obedeceu aos seguintes critérios: diversidade temática, representatividade face ao universo, importância dos conteúdos quer para especialistas quer para o público em geral e a ausência de direitos de autor e conexos que impedissem a sua divulgação. Com esta participação no FLICKr The Commons, a BA pretende, por um lado, aumentar a acessibilidades às suas coleções fotográficas e, por outro, contribuir para ampliar a informação disponível sobre elas através dos contributos dos utilizadores, assim como promover a sua utilização em contextos diversificados e diferenciados. Cada fotografia no FLICKr é identificada com um título e acompanhada de uma descrição que permite identificar, de forma breve e clara, o seu conteúdo e de palavras-chave (tags). Os utilizadores que visitem as imagens fotográficas das coleções podem deixar os seus comentários e/ou sugestões informativas. Para mais informação sobre a participação da BA no Flickr ver: LEITÃO, Paulo – “Uma biblioteca nas redes sociais: o caso da Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian no Flickr”. In Actas do Congresso nacional dos Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas, Guimarães 2010. Acessível em http://www.bad.pt/publicacoes/index.php/congressosbad/article/view/189 .

Ana Barata Bibliotecária de referência da Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian, mestre em História da Arte pela FCSH da UNL. 64

A Figueira na Boca de Cena, História do Teatro na Coleção do Arquivo Fotográfico Municipal da Figueira da Foz Guida Cândido

Artigo O Teatro Príncipe Carlos, reduzido a cinzas em 1914, não ditou o fim do teatro na Figueira da Foz. Atores, alçados neste e noutros palcos, construíram o imaginário duma cidade com tradição nesta arte. Eis as imagens que contam essa história. Abram as cortinas!

Na verdade, não é exata a afirmação anterior. Não podemos contar através das fotografias da nossa coleção tão longa e profícua história das artes de Talma. Se colocarmos o início da fotografia no remoto ano de 1839, perdemos imediatamente a possibilidade de ilustrar tudo o que se encontra para trás pois, segundo a tradição, já em 1788 se representava teatro em Brenha, e em Maiorca, também no século XVIII, duas das freguesias do concelho. Façamos o exercício de ilustrar a brilhante investigação sobre esta temática, do distinto Professor Rui Cascão (Cascão 2009). SALAS Ainda que a fotografia não seja coeva, mostramos o edifício da Casa do Paço, um dos ícones arquitetónicos da Figueira da Foz e onde, entre 1820 e 1823, existiu o mais antigo teatro da cidade, no piso térreo, montado por uma “sociedade particular de curiosos dramáticos” (Pessoa 1879: 326-327). A sala apresentava condições muito básicas, com uma plateia térrea, com apenas uma ordem de camarotes e bancos de pinho. Um incêndio em 14 de outubro de 1860 anunciou a sua morte.

Em 1863 funcionava o Teatro do Pinhal, com instalações bastante rudimentares e onde mais tarde esteve instalado o quartel do C.I.C.A. 4.

Seguindo a cronologia de Rui Cascão, te mos em 1866 o Teatro Natalense, uma sala a funcionar sobre um armazém de vinhos e aguardentes, na actual rua dos Combatentes. Tratando-se a Figueira de uma terra com uma população residente que ultrapassava as 4000 almas e com outras tantas que vinham a banhos, a necessidade de construir um teatro com condições melhoradas era urgente. Com os impulsionadores e homens distintos figueiresenses Bernardo Augusto Lopes e Afonso Ernesto de Barros, a Empresa Construtora do Teatro Figueirense ergue o que veio a chamar-se Teatro Príncipe D. Carlos em 1874, «elegante, bem ventilado e em condições de segurança» (Bastos 1908: 354).

Na madrugada do dia 25 de fevereiro, quatro décadas depois de promissoramente abrir as portas a um público ávido de teatro, as chamas consomem uma casa que ainda assim, marcou de forma indelével e perenemente a história do teatro na Figueira. 66

Se os Regeneradores impulsionaram a construção dessa sala de espectáculos, são os progressistas que deram asas ao sonho de erguer o Teatro-Circo Saraiva de Carvalho com um projecto do conceituado arquiteto nacional José Luís Monteiro, erguido em 1884, dez anos após a inauguração do Teatro Príncipe.

Veio posteriormente a transformar-se em Casino e Salão de Baile. E embora se designasse como teatro, as actividades ai desenvolvidas eram essencialmente o animatógrafo e salão de variedades.

Para além destas salas, fun cionavam também alguns teatros imp rovisados, com construções efémeras, em diversos espaços da cidade, nomeadamente no Cais da Alfândega ou no emblemático Quebra-Mar de Santa Catarina, onde se instalou a Companhia Rafael de Oliveira na época balnear de 1956 e 1958. 67

COMPANHIAS e ATORES A Figueira teve durante os séculos XIX e XX, para além das múltiplas companhias de amadores a encher os seus palcos, algumas das mais pre stigiadas companhias profissionais nacionais, sobretudo de Lisboa e Porto, que não vamos agora enunciar, mas igualmente estrangeiras, como as companhias de zarzuelas espanholas e companhias italianas de ópera.

Um dos atores de maior relevo, o ator Taborda, representou nestes palcos em 1869.

Por economia de espaço, não se enumeram todos os nomes que passaram pelos palcos da Figueira, no período em análise, mas deixemos alguns rostos que a arte da fotografia permitiu que teimosamente persistissem na memória dos que buscam figuras do passado, como o ator António Pedro.

O amador António Dias Guilhermino (1839-1893) que abraça posteriormente uma brilhante carreira no teatro profissional, conhecido por Ator Dias.

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Na década de 20 do século passado, as companhias de Palmira Bastos e de Amélia Rey Colaço- Robles Monteiro, vieram à Figueira com as suas figuras de proa.

No teatro amador figueirense de oitocentos as mulheres casadas não sobem ao palco, o mesmo não se verifica com as raparigas solteiras, que dão corpo aos seus talent os nas artes da representação, como a jovem Emília Adelaide, uma das mais conceituadas atrizes amadoras da década de 60 do século XIX, muitas vezes ao lado do irmão, Manuel José Esteves, no Teatro do Pinhal. De resto, os exemplos de irmãos e outros laços familiares entre atores é uma constante nestas lides do teatro figueirense.

Nos anos 70 tem destaque outros nomes, sobretudo membros da Sociedade Dramática 1º de Dezembro que funcionou em 1876-1877. Destacam-se André de Assunção, Acácio Antunes e Pedro Fernandes Tomás Pipa. Em 1880 funciona a Sociedade Dramática 8 de Maio, com nomes já consagrados e outros estreantes. Em 1881 o Club Moderno está em plena atividade e de 1890 a 1903 a Sociedade Recreio Operário é uma referência no contexto amador figueirense. 69

As associações desportivas tiveram igualmente um papel relevante na arte dramática. Comecemos pelo Ginásio Clube Figueirense que em 1896 já dava notícias das suas representações (Guimarães 2007: 43-47 e 53-63).

Esta secção dramática teve actividade pelo menos até 1958, embora de forma descontinuada. Ainda assim, a sua atividade além de longa teve a particularidade de o fazer fora de portas, nomeadamente em 1931 na cidade de Aveiro, onde levaram a opereta O Segredo de Aurora, com a participação de Severo Biscaia, Violinda Medina e Silva. Também esta associação teve o ensejo de organizar um grupo dramático, o qual atuou em 1921, aquando das comemorações do 21º aniversário da associação. Embora sem notícias concretas, conhecesse a existência da secção dramática da Assembleia Figueirense, desde 1858, uma das mais profícuas no século XX.

Na Figueira da década de 40 do século XX a arte cénica encontrava-se numa fase relativamente adormecida, em contraste com o que se verificava em algumas das suas freguesias que, com um esforço acrescido, mantinha alguma pujança e as cenas em palco. 70

Destacavam-se a Sociedade de Instrução Tavaredense, sob a direcção do incontornável José da Silva Ribeiro.

O Grupo Caras Direitas de Buarcos

E o Teatro Taborda AUTORES E PEÇAS Em relação aos autores, podemos indicar como um dos mais meritórios António Pereira Correia. A sua produção mais antiga é A Princesa de Caceira de 1889, uma tragédia burlesca.

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Da prolífica obra destacam-se ainda O Barão de Antanholes, representado pela primeira vez em 1895 e Os Vidinhas, dois anos mais tarde.

Uma das tradições mais antigas na Figueira são os autos pastoris, ou presépios, com enredos que remetem para os Autos de Gil Vicente, embora com um vinco mais naif.

Esta tradição perdura nos tempos e actualmente ainda é possível assistir a estas típicas encenações pelas ass ociações musicais Filarmónica Figueirense e a 10 de Agosto, no período das festas natalícias, bem como o Cortejo dos Reis Magos. 72

Apesar de contarmos com um número reduzido de imagens sobre esta temática, o AFM tem no seu acervo algumas fotografias de atores que nã o se confinam à história local.

Não é este o fim deste pequeno introdutório. Fechamos antes, c om o retrato de Redondo Júnior, um dos mais ilustres encenadores e teatrólogos. O Arquivo Fotográfico está incontornavelmente relacionado com este figueirense pois, foi na sala com o seu nome, nas instalações da Biblioteca Municipal, que o arquivo deu os primeiros passos nesta demanda da preservação da memória colectiva, que é património comum. Nas suas palavras: «Que o amor ao Teatro também se conquista, como as mulhe res, com o espírito e os sentidos. É preciso compreendê-lo – ou tentar – e senti-lo, mas senti-lo na carne, por contacto, sem que o amor nunca se realiza. Por isso eu gostava dos palcos embrulhados na penumbra gelada, vazios de mistério e de sonhos e recriá-los à medida dos fantasmas da s minhas ilusões.» (Júnior 1978). Texto e coordenação: Guida da Silva Cândido Apresentação: Ana Domingues Pesquisa: Guida Cândido; Ana Domingues; Mónica Reis e Paulo Matos Arquivo Fotográfico Municipal da Figueira da Foz Bibliografia: BASTOS, António de Sousa (1908), Diccionario do Theatro Portuguez, Lisboa. CASCÃO, Rui (1983), “O Teatro na Figueira da Foz (1860-1884)”, Revista Munda, 6, Coimbra, pp. 61-71. GUIMARÃES, Maria Alice Ramalhete Pinto (2007), O Ginásio Clube Figueirense. Da Fundação a 1914, Figueira da Foz: Câmara Municipal da Figueira da Foz. JÚNIOR, Redondo (1978), A Juventude pode salvar o teatro, Lisboa: Editora Arcádia. PESSOA, A. de Amorim (1879), Almanach da Praia da Figueira para 1879-1880. Guia do Banhista, Figueira da Foz.

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O caso da UFA: fotografias de cena e de rodagem de filmes com múltiplas versões Teresa Barreto Borges

Resumo Descrição do trabalho de indexação de provas fotográficas de filmes produzidos em mul- tiversões linguísticas pela UFA (Universum Film AG) no início dos anos 30. Identificação da versão retratada (fotografias de cena e de rodagem) a partir dos elementos presentes na imagem. Artigo Contexto: Salvo raríssimas excepções, as provas fotográficas do acervo da Cinemateca, num total aproximado de 400.000 itens, são arquivadas nas estantes não por fundos ou colecções mas por um esquema de classificação temático que contém 3 classes: fotografias de filmes (subclasses organizadas por realizador, por sua vez subdivididas por filme específico e, dentro deste, por tipo de obra: fotografias de rodagem ou de produção, fotografias de cena, fotografias promocionais), fotografias de personalidades e fotografias de outros assuntos relacionados com a história do cinema (por exemplo, eventos, salas de cinema, estúdios e laboratórios, etc.). Este esquema de organização dos documentos nas estantes1 implica, assim, que o enfoque do processamento documental seja colocado na análise e descrição de conteúdo, operação indispensável para a sua “justa” arrumação. De salientar, ainda, que as fotografias de filmes são frequentemente documentos “mudos” ou “silenciosos”, isto é, que não contêm em si os dados formais desejados para a sua identificação plena (título, autor, data e local de produção, objecto representado, etc.), sendo por isso necessário consultar fontes diversas para completar a sua descrição – e, consequentemente, a sua arrumação, acesso e comunicação. Em análise: A situação que aqui se apresenta diz respeito ao tratamento documental de provas fotográficas de filmes produzidos em diversas versões linguísticas, realizados na Europa e nos Estados Unidos nos primeiros anos da década de 30 como resposta aos obstáculos linguísticos na difusão internacional de filmes decorrentes da introdução do cinema sonoro2: um mesmo filme é rodado em simultâneo por equipas diferentes oriundas de diversos países e diferentes línguas3. A ideia é aplicada por diversas companhias produtoras, mas será nos estúdios da UFA (Universum Film AG) em Neubabelsberg, nos arredores de Berlim, que o fenómeno de co-produção intra-europeia em multi-versões linguísticas conhece maior dimensão. As produções eram trilingues e, por vezes, quadrilingues (alemão, francês, inglês, húngaro4), de modo a abarcar inúmeros mercados no mundo inteiro. O 1 À excepção, por exemplo, dos álbuns fotográficos, cujas fotografias podem abranger imagens das diferentes tipologias, de acordo com o gosto do coleccionador ou a intenção da entidade produtora. 2 Esta introdução não foi apenas uma alteração tecnológica mas uma transição que afectou todos os elementos do ecossistema (produção, distribuição, exibição, recepção), envolvendo processos sociais e manifestando-se numa alteração das práticas culturais. 3 Portugal não ficou alheio ao fenómeno ou estratégia: em 1930, a companhia norte-americana Paramount instala-se em Joinville (França) para produzir versões em diversas línguas e a sua subsidiária portuguesa faz um recenseamento artístico em Portugal para a produção de versões em língua portuguesa. Desse “recenseamento” são seleccionados os actores (Corina Freire, Raul de Carvalho, Ester Leão) que interpretariam A Canção Do Berço, de Alberto Cavalcanti (versão em língua portuguesa do filme norte-americano Sarah and Son, de Dorothy Arzner filmada e sonorizada nos estúdios Paramount em Joinville) e A Dama Que Ri, do realizador chileno Jorge Infante (versão do filme The Laughing Lady de Victor Schertzinger, igualmente filmada e sonorizada nos estúdios Paramount em Joinville). 4 Veja-se a fotografia de rodagem do filme Melodie des Herzens (realização: Hanns Schwarz, 1929) em que, segundo a legenda aposta no

alcance comercial não foi uniforme, tendo a co-produção para as versões em língua inglesa terminado em 1933 por não conseguir penetrar no tão desejado mercado norte-americano, mantendo-se a produção de versões em língua francesa, de maior sucesso e capacidade de exportação. No caso português, a maioria dos filmes produzidos em múltiplas versões linguísticas exibidos foram-no na sua versão francesa, «por a língua nos ser mais familiar»5, o que não implica, de todo, que as provas fotográficas existentes no acervo da Cinemateca correspondam a essas versões6. Mas se as filmagens são poliglotas, as fotografias mantêm-se silenciosas, colocando-se assim a pergunta: qual o filme (ou a versão) retratado na imagem? #1. A primeira imagem com que nos deparámos quando começámos a trabalhar as fotografias de cena e de rodagem de filmes com diversas versões produzidos pela UFA foi uma fotografia identificada no verso, a lápis, com o título Stupéfiants, filme de Kurt Gerron e Roger Le Bon rodado, em parte, em Portugal em 1932. Sabendo que o filme teve duas versões, alemã e francesa, importava por isso saber a qual delas corresponderia aquela precisa imagem: à versão principal (alemã) ou à sua equivalente em língua francesa? Na imagem vê-se um barco, o General Osório mas todos os seus ocupantes estão de costas. Sabendo, pela leitura de literatura especializada, que embora a assumpção de que as cenas de rua e de multidões eram geralmente filmadas em planos gerais e usadas em todas as versões seja comummente aceite, a análise de filmes específicos pode demonstrar o contrário dado que os mercados a que estes filmes se destinavam eram bastante abrangentes mas não homogéneos e por isso as diferentes versões procuravam ir ao encontro dessa hegemonia, não podíamos assumir que o plano representado na imagem corresponderia às duas versões. A imagem tem uma marca de impressão: «72 - - F.53». Não existem mais imagens do(s) mesmo(s) filme(s). #2. Várias fotografias do filme FP1, distribuído em Portugal pela Agência H. da Costa. A sua identificação foi bastante mais simples do que o “caso” anterior, uma vez que as três versões do filme (nas línguas alemã, francesa e inglesa, todas elas realizadas por Karl Hartl) tiveram como protagonistas actores sobejamente conhecidos (respectivamente, Hans Albers, Charles Boyer e Conrad Veidt) e nas provas em arquivo os protagonistas estão presentes em todas as imagens. As fotografias da versão alemã apresentam uma marca de impressão numérica. #3. Um outro conjunto de imagens em tratamento era constituído por fotografias do filme Ich und die Kaiserin (Moi et l’Impératrice na versão em língua francesa, The Only Girl na versão em língua inglesa). Problema: se é verdade que os actores representados na imagem são tantas vezes eloquentes para a sua descrição, como vimos no exemplo anterior, neste caso até esse elemento se revelou ser insuficiente, uma vez que Lilian Harvey (estrela alemã nascida no Reino Unido e igualmente fluente em francês) interpretou as três versões linguísticas… e não foi a única, também Mady Christians interpreta a Imperatriz tanto na versão em língua alemã como na versão em língua inglesa! Das imagens existentes no arquivo, duas representam a mesma cena em que Juliette (nome da personagem interpretada por Harvey) acende o “narguilé” à Imperatriz – numa delas, a actriz francesa Danièle Brégis, na outra Mady Christians. Ou seja: uma questão resolvida (identificação sem dúvidas da fotografia correspondente à versão francesa), outra por resolver (pela simples análise da imagem não foi possível atribuir a segunda imagem a uma versão linguística específica). A imagem de Lilian Harvey e Mady Christians apresenta uma marca de impressão no canto inferior direito: «56». #4. L’Étoile de Valência, o caso seguinte, demonstrou ser um pouco mais conversador nestes diálogos da identificação: no conjunto de provas deste filme em acervo inclui-se uma fotografia de rodagem que tem aposta no verso uma legenda indicando tratar-se dos “realizadores e protagonistas do filme nas versões em língua alemã e em língua francesa” (da esquerda para a direita na imagem, Alfred Zeisler, Jean Gabin, Serge De Poligny, Paul Westermeier). Ou seja, em termos de pontos de acesso: L’Étoile de Valência (realização: Serge De Poligny) mas também Der Stern von Valencia (realização: Alfred Zeisler). A prova apresenta uma marca de impressão no canto inferior esquerdo: «33 - - F.34». verso da prova, «Willy Fritsch aprende a pronunciar a lingua magyar». 5 FRAGOSO, Fernando (1932), «A UFA trabalhou em Lisboa», Cinéfilo, nº 202, 2 de Julho de 1932, p. 3-10. 6 Para dar um exemplo: em 1929, António Lopes Ribeiro inicia um périplo pela Europa (Paris, Berlim, Moscovo) com vista a aperfeiçoar os seus conhecimentos cinematográficos. Dessa viagem, trouxe inúmera documentação fotográfica que utilizou para ilustração de artigos em revistas especializadas portuguesas cujos acervos fotográficos foram entregues, pelo menos parcialmente, à guarda do fundador da Cinemateca.

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Muitas outras provas do conjunto são fotografias de rodagem do filme (planos gerais) e todas apresentam uma marca de impressão semelhante à anterior: dois códigos, o primeiro apenas numérico, o segundo alfanumérico. Excepto uma, que apenas tem o código alfanumérico e onde estão retratados Serge De Poligny e Jean Gabin (realizador e actor da versão francesa). Foi esta diferença que nos fez interrogar: seria possível que estas marcas de impressão nos dessem pistas para a identificação das imagens? Ou, concretamente: seria possível que a letra «F» significasse “versão francesa” e, por sua vez, o código simplesmente numérico indicasse a versão alemã (país da companhia produtora)? A ser verdadeira a hipótese assim colocada, seria também possível determinar a versão a que correspondiam as fotografias anteriormente descritas! #5. Na ânsia de encontrar novos “casos” que pudessem dar-nos mais pistas, deparámo-nos com uma fotografia de rodagem de uma cena num casino previamente identificada como sendo do filme Bomben auf Monte Carlo. Nesta prova, os códigos são três: «142 - - F.65 - - E.66». E três foram as versões produzidas: a alemã (Bomben auf Monte Carlo, realização de Hanns Schwarz), a inglesa (Monte Carlo Madness, igualmente com realização de Hanns Schwarz), a francesa (Le capitaine Craddock, realização de Hanns Schwarz e Max de Vaucorbeil). Com estes dois exemplos, entrámos em contacto com os nossos congéneres alemães do arquivo UFA, colocando-lhes a hipótese por nós levantada. A resposta veio passados uns dias: «Encontrámos fotografias de cena do filme Bomben auf Monte Carlo em 3 versões: a versão alemã contém a letra ‘D’ antes do número, a versão francesa contém a letra ‘F’ antes do número, a versão inglesa contém a letra ‘E’ antes do número. A letra poderá querer indicar a versão linguística específica. Nenhum dos meus colegas conhece o significado ou código das diferentes fotografias de cena.» Hurray!, pensámos. Estamos no caminho certo! #6. Hurray? Nem por isso. No conjunto seguinte deparámo-nos com uma fotografia com a marca de impressão «P.339». «P»?! Como se isso não bastasse, um dos actores retratados é, nada mais, nada menos, do que o português Arthur Duarte, à época estabelecido em Berlim e actor em diversos filmes alemães. Mas se se trata de uma fotografia de um filme mudo (Asphalt, de Joe May) e se, mesmo considerando a hipótese de se encontrar indevidamente identificada e pertencer antes a um filme sonoro, na UFA não terem sido produzidos filmes em língua portuguesa, ou polaca… o que significava este «P»? Nova démarche em busca de outras fotografias que nos pudessem dar pistas levou-nos ao encontro de fotografias já não de filmes mas de actores e actrizes no seu quotidiano7. Esta nova pesquisa teve como resultado a constatação de que a maioria destas fotografias apresenta uma marca de impressão alfanumérica, tendo o código «P» antes do número da tomada de vista. Poderíamos então concluir, embora sem certezas, que a fotografia de Arthur Duarte e Betty Amann era uma fotografia promocional, não correspondendo a nenhuma cena do filme. Sim, essa hipótese existe. Tal como as outras hipóteses colocadas por esta análise das colecções. Mas terão ainda de ser comprovadas mediante o visionamento do filme – ou dos filmes nas suas diversas versões – e, espera-se, com a continuação dos estudos e investigações em torno deste património. À laia de conclusão, algumas reflexões: A indexação de fotografias de filmes em múltiplas versões linguísticas implica um maior dispêndio de tempo – se bem que igualmente aprazível – quando comparada com a indexação de fotografias de outros filmes, dado o imperativo de enorme atenção ao detalhe. Mas, ao fazê-lo, recolhendo e organizando adequadamente os dados, compreendendo a sua natureza e significados histórico, económico e social, o documentalista produz uma mais-valia informativa dos documentos conservados, enriquecendo e valorizando o catálogo de acesso público. E poderá igualmente, como resultado desse trabalho, produzir uma mais-valia cultural dos bens conservados, pela organização e planeamento sistemático de exposições do acervo, assim disseminando o conhecimento destas colecções e com isso franqueando mais uma etapa da valorização patrimonial. Teresa Barreto Borges Coordenadora do Centro de Documentação e Informação da Cinemateca Portuguesa. Licenciada em Comunicação Social pela FCSH da UNL, pós-graduada em Ciências Docu- mentais pela FLUL. 7 O sistema de produção e distribuição dominante à época incluía, para todos os grandes filmes, uma campanha fotográfica intensa, que consistia numa série de sessões em estúdio com as vedetas. Eram produzidos retratos simples (apenas caracterização), retratos de composição (caracterização e guarda-roupa completos, incluindo ideias dramáticas da personagem interpretada), fotografias promocionais e publicitárias – do filme e também da própria vedeta. Apresentavam uma visão idealizada da vida convidando os leitores dos jornais e revistas onde eram publicadas a emulá-la.

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A actriz Palmira Bastos, um projecto de fotobiografia Paulo Baptista, Beatriz Neves MNTeatro Resumo Processos de investigação fotobiográfica no Museu Nacional do Teatro. Alguns aspectos e imagens da actividade teatral em Portugal através da carreira de uma das mais destaca- das intérpretes, Palmira Bastos, e do seu percurso em palco de 1890 a 1915. Artigo O projeto de fotobiografia da atriz Palmira Bastos surgiu de circunstâncias que o aprofundamento de dimensões específicas do trabalho de inventariação do arquivo fotográfico do Museu Nacional do Teatro suscitou. Com efeito, o elevado número de fotografias de Palmira Bastos existentes no arquivo mereceram especial atenção pela circunstâncias de abrangerem uma cronologia extremamente longa e de diretamente se relacionarem com os espetáculos em que contracenou, visto que Palmira Bastos terá sido porventura também a mais ativa atriz de um longo tempo que se inicia ainda. Por outro lado, como sublinharemos adiante, existem entre Palmira Bastos e as representações fotográficas da sua imagem enquanto actriz, relações muito particulares que traduzem uma situação inovadora no campo do retrato fotográfico em Portugal. Palmira Bastos1 terá sido, sem dúvida, uma das mais aplaudidas e fotografadas actrizes da sua geração. Tendo começado a sua carreira de forma discreta, afirmando-se apenas no teatro mais ligeiro e na opereta, soube ir conquistando os mais destacados palcos portugueses tanto na comédia como no drama. O seu primeiro marido e, simultaneamente, empresário teatral, António Sousa Bastos, não se cansou de promover a sua jovem esposa e escriturada e ter-lhe-á transmitido preciosos ensinamentos da gestão da carreira artística e da imagem, apesar de a ter deixado viúva quando a jovem actriz ainda se encontrava em plenos auges da vida e da carreira. Efectivamente, os ensinamentos de Sousa Bastos relativamente à preocupação com a imagem terão sido bem apreendidos pela jovem actriz pois essa foi uma constante da carreira da actriz Palmira Bastos. já em 1894, uma série de fotografias2 realizadas por ocasião da representação da revista Sal e Pimenta3, que estreou no Teatro da Trindade em Julho desse ano4, revela bem o natural à vontade com que a actriz, ainda adolescente, prestes a casar com Sousa Bastos5, se entrega à câmara em poses que têm tanto de timidez quanto de sedução, de coquete como diriam os seus contemporâneos6. Embora desconheçamos o fotógrafo que as realizou, o que nos impossibilita de 1 Palmira Bastos (1875-1967) actriz portuguesa, de seu nome Maria da Conceição Martinez de Sousa Bastos, filha de actores ambulantes espanhóis. A ligação ao empresário teatral António Sousa Bastos, com quem se escriturou e consorciou, foi determinante na ascenção que realizou no meio teatral português, tornando-se numa das mais importantes vedetas do seu tempo. Estreou-se em 1890, na opereta O Reino das Mulheres, a partir da década de 1920 dedica-se à comédia e ao drama, integrada na companhia Rey Colaço-Robles Monteiro. Abandonou a carreira com a peça O ciclone, em 1966. 2 As quatro fotografias desta série constam de um álbum informal que integra o espólio da actriz Palmira Bastos e têm o número de inventário MNTeatro 3208 3 A actriz Palmira Bastos participou na estreia e nas primeiras representações da revista em substituição da protagonista e cabeça de cartaz, a actriz Mercedes Blasco que adoecera. Vd. Mercedes Blasco, Memórias de uma actriz, Lisboa: Viúva Tavares Cardoso, 1907, p. 113. 4 O crítico refere-se ao desempenho dos actores nos seguintes termos: Dos actores destacam-se Alfredo de Carvalho e Joaquim Silva que, com a sua inesgotável veia cómica, conseguem conservar o publico em hilaridade, Portugal, Palmira, que têm os melhores papéis da peça[…]” vd. “Teatros” in IO Século, 14º ano, Nº 4488, 22/7/1894, p. 3. 5 Que ocorre em 1 de Julho de 1894 vd. António Sousa Bastos, A Carteira do Artista, Lisboa: Antiga Casa Bertrand-José Bastos, 1898, p. 205. 6 Poses que a actriz soube representar de forma particularmente conseguida, uma forma “encantadora e sedutora” como refere a crítica à representação de Condessa Cornisky na Niniche, vd. “Lisboa no teatro: Avenida-Niniche” in Diário Ilustrado, 33º ano, Nº 11314,

delas tirar consequências de outra natureza, três das fotografias desta série são particularmente surpreendentes, pela sua elegância, que deve muito tanto ao ângulo invulgar a partir do qual as fotografias foram obtidas, com algum plongée, numa situação que é potenciada pela posição da cabeça da actriz, levemente inclinada para baixo, acentuando o apelo e pelos próprios braços que o reafirmam, desafiantes nas ancas, em duas das fotografias, ou então em súplica, cruzados sobre as omoplatas, numa delas. Assinale-se também que o fundo neutro evita distrairnos daquilo que é essencial, a pose da actriz, situação que escapa inteiramente aos convencionalismos fotográficos ainda em vigor em 1894. É inegável que a actriz demonstra já, nesta série de fotografias, um evidente entendimento da sua imagem e do seu corpo7. Mesmo que se possa atribuir uma parte dessa responsabilidade aos ensinamentos do seu empresário e noivo, é incontestável que a aprendizagem da jovem actriz foi particularmente intuitiva. Essa evidente capacidade, que mais tarde virá a ser designada como fotogenia, poderá ser, por isso, inata em Palmira Bastos, num grau que desconhecemos já que o anonimato do autor das fotografias e a ignorância da sua intervenção no processo não permitem um esclarecimento mais cabal. Essa inata capacidade de pose tornar-se-á extremamente útil à actriz no decurso da sua longa e bem-sucedida carreira, nas infinitas circunstâncias em que a pôde usar, não só perante as objectivas fotográficas mas, sobretudo nos palcos, perante o público, onde sabemos que a postura e a atitude estavam a ganhar cada vez maior espaço na profunda transformação por que então passava a representação teatral, nesses derradeiros anos do século XIX em que o naturalismo ia ganhando terreno à representação romântica, dominante nas décadas anteriores. Na cena portuguesa, terá sido porventura Palmira Bastos uma das primeiras actrizes, senão mesmo a primeira, a conseguir fazer uma exímia gestão da sua carreira, circunstância que lhe permitiu atingir uma assinalável longevidade artística. Não nos podemos esquecer que Palmira Bastos pisou os palcos logo em 1890, tendo-se mantido activa até 1966. Evidentemente que essa longevidade de carreira deveu muito ao cuidado que sempre colocou na sua imagem, nomeadamente naquela que foi sendo fixada através da fotografia. Com efeito, poderemos ver em Palmira Bastos um dos primeiros e mais evidentes exemplos da forma como a fotografia e a imagem se começavam a tornar, no dealbar do século de Novecentos, numa ferramenta essencial e imprescindível dos artistas de palco, capaz de afirmar e acentuar a sua importância, registando os seus triunfos para memória futura, evidentemente, mas sobretudo para propaganda imediata. O meio teatral lisboeta, embora não apresentasse um nível de competitividade como o das grandes metrópoles europeias, não deixava de representar um enorme desafio para uma jovem actriz em início de carreira. Palmira Bastos tê-lo-á seguramente sentido visto que foi sucessivamente confrontada com a ascensão de outras jovens actrizes que com ela competiam em talento e beleza, pela ribalta do teatro8. Algumas das “campanhas” de imagem que Palmira Bastos protagonizou coincidiram com o sucesso de outras jovens figuras femininas do palco. Já em 1913 a impressão dessa coincidência pode perpassar pelo espírito de quem lê o artigo que a revista Ilustração 3/9/1904, p 2 7 É possível que este conjunto de fotografias tenha sido realizado no Brasil já que, em 1894, Palmira Bastos integrou uma tournée de actores portugueses com os quais se estreou nos palcos brasileiros, Essa estreia mereceu os mais rasgados elogios do Jornal do Brasil, que assinalou o seu potencial mesmo a contracenar com figuras tão grandes dos palcos portugueses quanto Eduardo Brasão, João e Augusto Rosa, Rosa Damasceno e Lucinda Simões vd. “Palmira Bastos no Rio de Janeiro” in Diário Ilustrado, 26º ano, Nº 9454, 8/7/1899, p 2. 8 Uma das rivais de Palmira Bastos, a actriz Lucinda do Carmo, com ele contracenou no vaudeville “A cigarra” com o interessante comentário do crítico teatral mencionar uma verdadeira luta em palco entre os desempenhos de cada uma das duas actrizes, em que Palmira terá levado a melhor, no entendimento do comentador vd “Lisboa no Teatro: A Cigarra” in Diário Ilustrado, 33º ano, Nº 11269, 20/7/1904, p 3.

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Portuguesa dedica a Palmira Bastos, por ocasião da sua festa artística9. A singular fotografia de abertura do artigo que a Ilustração Portuguesa dedica à actriz Palmira Bastos na sua edição de 21 de Maio de 1913 merece ser analisada com atenção. A actriz é retratada em meio corpo, coberta por um véu translúcido e fita directamente a objectiva, ou seja, o leitor/espectador. Julgamos encontrar neste registo fotográfico múltiplos significados. Em primeiro lugar é certo que a feliz circunstância da dupla maternidade das suas filhas Alda e Amélia tinha, contudo, retirado à actriz Palmira Bastos alguma da elegância de formas com que fizera o seu debute nos palcos10. Contudo, ao invés de deixar que o fotógrafo encontre nessa circunstância um pretexto para a penalizar, a actriz dela tira partido, com o recurso à transparência de um véu para “diafanizar” as formas mais arredondadas do seu rosto, agarrando-o com a mão sobre o peito, numa posição que acentua a ondulação do véu. Infelizmente também desconhecemos a autoria dessa fotografia, que a Ilustração Portuguesa não menciona. Contudo, estamos em crer que também a profícua relação fotográfica que a actriz encetou com a Casa Vasques data desse ano de 1913 e não nos surpreende que possa ter sido dessa casa fotográfica a autoria da referida fotografia, visto que outras fotografias do mesmo ano de 1913 foram realizadas por esse estúdio e apresentam evidentes semelhanças formais. Mas não podemos deixar de aproximar a leitura formal desse retrato de Palmira Bastos às circunstâncias da própria carreira, numa fase em que acabara de enviuvar, perdendo simultaneamente o seu empresário e principal protector artístico, e em que começam a surgir outras jovens actrizes que se assumiam, pela juventude e frescura, como fortes candidatas aos mesmos papéis de primeira figura que Palmira Bastos pudera assumir nas duas décadas anteriores. Entre as concorrentes mais directas de Palmira Bastos contavamse as actrizes Cremilda de Oliveira e Ausenda de Oliveira, cuja adequação para os papéis de ingénua, de coquete ou de amorosa era mais evidente. Estará talvez aí a razão que terá motivado a viúva Palmira Bastos a inteligentemente, com a cobertura de um véu transparente, dar a sugestão de uma condição de vestal que a habilitava ainda a disputar papéis de “dama galante” às jovens rivais. No entanto deve assinalar-se que já anteriormente circunstâncias semelhantes tinham ocorrido na sua carreira porque o seu debute coincidiu praticamente com o de uma das mais destacadas figuras da cena teatral portuguesa e também uma das suas mais importantes rivais, a actriz Lucília Simões. Com efeito, Lucília Simões terá sido porventura uma das mais promissoras actrizes da sua geração que beneficiou além disso, como sucedeu com Palmira Bastos, do apadrinhamento de um familiar chegado, nesse caso sua mãe, a grande actriz e empresária Lucinda Simões, para guiar os seus primeiros passos em 9 O artigo intitulado “Palmira” traz, muito a propósito, o seguinte texto:“As revistas do ano, como Sousa Bastos as sabia fazer, tiveram durante tempo, como uma indispensável colaboradora do seu êxito, Palmira a encantadora intérprete de tudo quanto nelas havia de delicado e de grácil. Não é a actriz dos doubles sens que as plateias populares aclamam, é, antes a artista que dá ao trabalho uma linha que a crítica tem forçosamente de aplaudir, mesmo quando discorde dos detalhes. Inteligente, viva, apreende rapidamente a personagem e só assim se compreende como ela, com o intervalo de poucos dias, pode interpretar e admiravelmente, pois de outro modo fácil é a qualquer faze-lo, os mais desencontrados feitios de mulheres, exteriorizados no palco. Todo este repertório da “opereta”, que se pode dizer agora, num atrevimento, clássico, desde a Nitouche, à Mascote, aos Sinos [de Corneville], aos 28 dias de Clarinha, ela representou com êxito; a música de Auber e de Planquette, cantou-a com a mais extraordinária intenção e, durante anos, as plateias viram-na ser a religiosa, a guardadora de perus, a romântica Clarinha com o mesmo entusiasmo e o mesmo amor. A Grã-duquesa de Gerolesten, que qualquer empresa devia pôr em cena, porque essa peça jamais envelhece, não se olvida interpretada por Palmira Bastos, tendo nesse papel quadrado muito ao [encontro do] seu temperamento. Aquelas alternativas de cómico e de grave, nenhuma actriz as deu melhor do que ela. Um dia enveredou para o [sic] drama e mostrouse sóbria, natural, humana. No seu regresso à opereta moderna, aos endiabrados e singulares entrechos, de Franz Lehar e dos seus imitadores, desde a Viúva Alegre à Dama Roxa, a distinta actriz tem sido uma bela intérprete desse repertório [em] que, como no tempo das revistas do ano, se pode dizer ser ela um elemento essencial para o seu triunfo entre nós. Palmira Bastos acaba de fazer a sua festa artística, no teatro da Trindade, com uma peça deste género intitulada Querido Agostinho, no meio do geral agrado e das mais merecidas manifestações de simpatia.” in Ilustração Portuguesa, II série, Nº 374, 21/4/1913, p. 484 10 O que é evidente logo em 1895, aquando do nascimento da sua primeira filha, aquando da tournée que realizou ao Brasil, em Agosto, numa fotografia do seu espólio que integra o acervo fotográfico do Museu Nacional do Teatro, inv MNTeatro 3212.

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palco e promover a sua ascensão nesse meio agreste. A aguda inteligência de Palmira Bastos no uso da própria imagem em favor da sua carreira veio a ter outros episódios mas o mais insólito dos quais terá sido o ocorrido no final da década de 1920, já divorciada do seu segundo marido, o actor Almeida Cruz, quando posa para o fotógrafo Silva Nogueira de ombros inteiramente descobertos, em evidente sugestão erótica11. Tal ousadia só se pode explicar, numa actriz que estava a atingir, ou passara mesmo os cinquenta anos, pela vontade tenaz de fugir aos papéis secundários, aos chamados papéis de característica, que a crueldade implacável dos palcos reservava às actrizes menos jovens, circunstância que terá acabado por permitir que Palmira Bastos conseguisse escapar a esse destino até ao final da sua carreira artística. A mensagem implícita nessa fotografia reveladora afirmava a sua disponibilidade para assumir em palco de uma maior ousadia, numa época em que tal circunstância era mandatória para a maior parte das principais primeiras figuras femininas das companhias, sobretudo do teatro ligeiro. Deste episódio podemos reter a forma exímia com que a actriz Palmira Bastos soube usar a imagem como instrumento da afirmação das circunstâncias da sua carreira, de uma forma que terá sido, porventura, a mais bem-sucedida da cena teatral portuguesa do seu tempo. A comparação das fotografias da actriz Palmira Bastos com as das suas contemporâneas francesas e americanas mostram muitas semelhanças formais. Essas semelhanças dão prova da atenção com que a actriz seguia o que se passava no mundo teatral internacional. Desde logo podemos encontrar na Fedra da actriz Sarah Bernardt, captada pelo parisiense Nadar, muitas afinidades com a Palmira “vestal”, sobretudo no véu e na posição do braço. O véu, no entanto, muito devia a uma série de fotografias da actriz Carmen de Villiers, que a Ilustração Portuguesa tinha publicado em 190812. Uma outra fotografia mostra-nos Palmira Bastos levantar as pontas do seu longo vestido13, aproximando-se bastante da pose da dançarina americana, Minnie Renwood14, fotografada pelo nova-iorquino Benjamin J. Falk15. No entanto será uma longa série de fotografias de estúdio do papel que Palmira Bastos interpretou na opereta Maridos Alegres, dando continuidade à colaboração com a fotografia Vasques,em que a inspiração nos modelos importados de Paris se torna mais evidente. A opereta Maridos Alegres estreou no Teatro Avenida, em 11 de Dezembro de 1913, e a Ilustração Portuguesa dedicou uma página inteira à protagonista, Palmira Bastos, num dos seus primeiros números de 191416. Embora a página da Ilustração Portuguesa só nos mostre três imagens alusivas à representação da opereta Maridos Alegres, conhecemos toda a série de imagens e encontrámos nelas a circunstância de se situarem, de forma inédita, justamente entre a fotografia de teatro e a fotografia de moda. Desde final de Oitocentos, os figurinos eram presença constante nas revistas ilustradas portuguesas, no entanto, graficamente, ou se tratava de gravuras dos figurinos ou, já bem dentro do século vinte, de fotografias de modelos parisienses. Por isso, neste capítulo Palmira Bastos inovou, as toilettes que a modista, madame Pilar Martin, confeccionou para a actriz são de assinalável elegância escapando totalmente ao pesado gosto vitoriano que caracterizara ainda os primeiros anos do século17, mas é sobretudo nessa sequência longa de fotografias que a casa Vasques captou da actriz18 que nos devemos debruçar, já que elas são uma prova de que o estatuto da fotografia se estava a alterar, deixando de ser algo raro, único, precioso para se tornar, cada vez mais, num instrumento adequado a determinada função, neste caso ao serviço da imagem de uma actriz. Palmira Bastos tivera a possibilidade de estudar longamente os figurinos que as revistas ilustradas de teatro francesas, e em particular a Comoedia Illustré19, publicavam das actrizes parisienses e dos seus trajos de cena. Essas rubricas, como “as 11 Museu Nacional do Teatro, inv MNTeatro 2792. 12 Vd. “Um prémio de beleza: Carmen de Villers” in Ilustração Portuguesa, II série, Nº 147, 14/12/1908, s. p.. 13 Museu Nacional do Teatro, inv MNTeatro 2893. 14 Popular dançarina activa em final do século XIX, especializou-se na dança da serpente, embora Loie Fuller tenha tentado demovê-la judicialmente, alegando direito de exclusividade. 15 Fotógrafo teatral activo até 1915. 16 Vd. “Palmira Bastos” in Ilustração Portuguesa, II série, Nº 415, 2/2/1914, p. 157. 17 Devemos salientar que ao longo da carreira de Palmira Bastos é recorrente aa chamada de atenção para o cuidado na escolha dos trajos vd. p. ex. “Lisboa no teatro: Avenida-Niniche” in Diário Ilustrado, 33º ano, Nº 11314, 3/9/1904, p 2 18 Museu Nacional do Teatro, inv MNTeatro 151944, inv MNTeatro 58924, inv MNTeatro 181806, inv MNTeatro 181802, inv MNTeatro 676, inv MNTeatro 181803, inv MNTeatro 151941, inv MNTeatro 181770, inv MNTeatro 3223, inv MNTeatro 17579, inv MNTeatro 3188, inv MNTeatro 3204, MNTFot5742, MNTFot5836, MNTFot5850, MNTFot5946. 19 Que terá circulado entre os meios intelectuais e artísticos portugueses vd. José Sasportes e António Pinto Ribeiro, História da Dança, Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1991, p. 41. Refira-se também a significativa menção de António Ferro: […]nas colunas da

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nossas estrelas e a moda”20 já tinham surgido em 1911 e apresentavam as actrizes nos trajos de palco, promovendo as modistas, numa situação que esteve na génese, no fundo, do mundo da moda e da alta costura que se veio a desenvolver após a Grande Guerra. Apesar da sociedade portuguesa não se encontrar porventura preparada, nesses primeiros anos da década de 1910, para acompanhar o cosmopolitismo dos modernos trajos de cena que Palmira Bastos trajava, em linha com os palcos franceses, ainda assim essa vertente artística mereceu assinaláveis elogios por parte da crítica21, o Diário de Notícias referiu-se-lhes como coporchic toilette22 e um crítico teatral da época, Teixeira de Carvalho, teve mesmo o seguinte comentário: Palmira Bastos, sempre graciosa e da mais fina distinção, quer nas “toilettes” simples do primeiro e terceiro actos, quer na moderníssima do segundo acto um capricho de “bonne faiseuse”, elegante camo linha e cor, teve no segundo ocasião de mostrar todos os recursos da sua excelente voz, emitida quase sem esforço, terna, quente, apaixonada, detalhando com o gesto, a palavra, o som, como se na sua voz se juntassem com toda a justeza do recitativo na expressão falada, todo o encanto, a força sugestiva que a alma humana foi buscar à mais complicada instrumentação, não tendo encontrado na voz humana a expressão de amor e sofrimento que anda espalhada na voz da natureza inteira[…]Palmira Bastos continua a ser rainha incontestada na opereta que escolheu, como o tem sido em qualquer género de teatro para onde a leve o seu capricho. “Encanta e canta, o que é difícil de encontrar na mesma actriz. Sabe vestir e mover-se com simplicidade natural sem falsas elegâncias de teatro: move-se naturalmente no seu meio, sorri, ri e canta, como agora abrem naturalmente as flores, de que tem a elegância esguia, o colorido delicado.”23 Porventura os traços de cosmopolitismo da situação estética que juntou Palmira Bastos e Carlos Vasques terão coincidido com outras manifestações artísticas que procuravam seguir, salvas as devidas distâncias, as tendências mais modernas da cena parisiense. É certo que não podemos ver nestas fotografias uma manifestação modernista, porque elas não deixam de ser registos convencionais de estúdio, mas a situação inédita criada, aliada à qualidade do registo fotográfico, que nos dá conta já de um contacto, mesmo que inconsistente, com a nova iluminação de estúdio e as preocupações com a tridimensionalidade e a separação dos planos, é reveladora de uma consciência da capacidade expressiva que os mais modernos meios técnicos colocavam ao dispor dos fotógrafos e que uma nova geração irá explorar ao longo dos anos 20. No entanto esta leitura precisará do complemento de uma análise aprofundada à sua vida nos palcos que o projeto de fotobiografia pretende levar a cabo

Comoedia a favor dos pobres de Cahors. Dia a dia os lanços vão sendo cobertos, insinuando a Comoedia, chegada hoje a Lisboa[…] em “Beleza dogmática de Cécile Sorel” in António Ferro, Intervenção Modernista: Teoria do Gosto, Lisboa: Verbo, 1987, p. 122. 20 “Nos Etóiles et la Mode” in Comoedia Illustré, Nº9, 1/2/1912, p. 325. 21 Vd. “Teatros, primeiras representações, Teatro Avenida: Maridos Alegres” in A Capital, 4º ano, Nº 1210, 12/12/1913, p.2 22 Vd. “Teatros” in Diário de Notícias, Ano 49º, Nº 17274, 12/12/1913, p. 5. 23 Vd. Dr. J. M. Teixeira de Carvalho, Teatro e artistas, Coimbra: Imprensa da Universidade, 1925, pp. 252, 253 e 258.

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Seguem-se alguns exemplos do trabalho já desenvolvido:

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Beatriz Neves é licenciada em História Contemporânea de Portugal ISCTE Paulo Baptista é investigador do MNT, doutorando em História da Arte Contemporânea, Investigador do IHA da FCSH-UNL, co-editor da revista Gardens & Landscapes of Portugal.

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Arquivo Marques Abreu: um arquivo invulgar

Pedro Aboim Borges

Resumo O arquivo do fotógrafo e editor José Antunes Marques Abreu, funcionário da DGEMN (Monumentos do Norte) documenta sobretudo a arquitectura românica, mas tam- bém a arquitectura gótica, renascentista e barroca, e mesmo a pintura e a escultura. Comporta provas e negativos fotográficos, equipamento fotográfico, correspondên- cia, documentação técnica e divide-se por dois espólios, o de Marques Abreu pai e o de Marques Abreu Jr., que acompanhou o pai em múltiplas campanhas para prossecução dos projectos editoriais. É um arquivo imprescindível para o entendimento da historio- grafia sobre a Arte Românica em Portugal e determinantn e para o estudo da edição e da protecção patrimonial entre 1900 e 1935. Artigo Marques Abreu, editor, fotogravador e fotógrafo “amador”, nascido na Beira Alta e radicado no Porto desde 1893, representa um exemplo de Homem de Cultura, de Arte e de Defesa do Património, desde 1900 até à sua morte, em 1958. Conjugou brilhantemente estas valências em projectos de vanguarda em Portugal, que só encontraram verdadeiro eco décadas depois. Foi um inovador e pioneiro no campo editorial ilustrado dedicado ao Património e à sua defesa e salvaguarda, com particular ênfase no projecto da Arte Românica em Portugal, obra ímpar no Portugal das duas primeiras décadas do séc. XX. Inscrevendo-se num tipo de fotografia que não colheu a devida e ponderada crítica contemporânea, como é possível detectar em António Sena (1998: 212; 216) e Maria do Carmo Serén (O Porto e os seus Fotógrafos, 2001), valorizando esta investigadora duas figuras cimeiras da fotografia portuense (Aurélio Paz dos Reis e Alvão, p. ex.), enquadrando aquele na linha da fotografia tardo-oitocentista de um Emílio Biel, mas sem aquilatar a verdadeira dimensão e importância do trabalho de fotografia e de edição que Marques Abreu desenvolveu ao longo de perto de 50 anos em prol da defesa e da divulgação do património en dos monumentos nacionais. Na realidade, as influências patentes na fotografia praticada por Marques Abreu encontram-se na pintura de Malhoa e de Cândido da Cunha, no tocante às temáticas retratística, de género ou paisagista. No âmbito patrimonial, estamos perante uma fotografia documental, preocupada em dar a conhecer o património arquitectónico português, com particular incidência no românico do Norte do país. Uma das características que perpassa por esta abordagem fotográfica radica na capacidade de desmontar o todo em partes distintas e constitutivas, destacando aspectos que a fotografia de arquitectura em Portugal não era comum apresentar, como o apontar aspectos relacionados com materiais de construção, elementos de decoração, enquadramentos longitudinais definidores das linhas de força da arquitectura românica, a questão da luz no interior, mas também a forma como a luz externa revelava a dinâmica arquitectónica. Toda esta abordagem fotográfica não compaginava com o modelo desenvolvido pelos fotógrafos ditos comerciais, ou mesmo com o de Emílio Biel, demasiado arreigado aos grandes enquadramentos de contextualização. Para Marques Abreu, era essencial constituir um thesaurus fotográfico, onde fosse possível encontrar elementos que ajudassem o investigador em História da Arte, mesmo que esses elementos não estives-

sem visíveis de imediato, pois a fotografia teria “a capacidade de conduzir, para lá do seu uso documental, a «resultados que não poderíamos ter sem ela»” (Gunthert 2000: 31) -– a função heurística da fotografia. Marques Abreu propugnou a defesa do património monumental português, com particular ênfase colocado no do Românico. Para isso, editou 3 revistas (A Ilustração Moderna 1898-1903; Arte 1905-1912; Ilustração Moderna 1926-1932) onde a defesa e divulgação da arte e do património são devidamente apresentados em artigos entregues a especialistas. Particularmente cuidadas na apresentação, paginação, gravação e fotografia, tiveram grande aceitação junto de uma elite informada culturalmente e ciente da importância do património enquanto memória e identidade, e seguidora do conceito do Culto da Arte e dos Monumentos, defendido por Ramalho Ortigão. A profusa ilustração fotográfica e gráfica que estas revistas integravam funcionava como um aliciante extra para o seu arquivo, pois Marques Abreu sempre defendeu a necessidade de inventariar o património para melhor o conhecer, estudar, preservar e divulgar. Esta preocupação entronca nos propósitos defendidos por Joaquim de Vasconcelos, seu mentor e amigo, e colaborador em várias publicações suas, como a Arte, Arte Românica em Portugal (1916-1918) e Ilustração Moderna. Entre 1916 e 1918 edita, conjuntamente com Joaquim de Vasconcelos, a Arte Românica em Portugal, em 25 fascículos, seguindo um modelo de apresentação que será adoptado posteriormente por outros editores e por outros projectos, como Paisagem e Monumentos de Portugal, em 1940, de Carlos Queiroz e Luís Reis Santos e fotografias de Mário Novais, por ocasião das comemorações centenárias de 1940. Para a Arte Românica, Marques Abreu e Joaquim de Vasconcelos irão criar um arquivo de fotografias que pretendia cobrir geograficamente o Portugal Românico, com a colaboração dos assinantes e dos párocos. Neste caso particular, Joaquim de Vasconcelos preparará um questionário extremamente bem elaborado e minucioso, que permitiria aos párocos, menos à vontade na caracterização dos seus templos, descrevê-los, integrando essas fichas num mais vasto inventário do Românico português. Esta inovadora mais-valia testemunhava o vanguardismo deste projecto e o enunciar de novos projectos de inventário que se pensavam vir a concretizar. Na década de 1920 Marques Abreu irá direccionar a sua actividade editorial para monografias de arte, sempre profusamente ilustradas, onde o texto das legendas, de início complemento do texto, inicia um processo de autonomização, proporcionando um corpo informativo paralelo e, paulatinamente, complementar. Ainda nesta década criará a sua terceira revista, Ilustração Moderna, onde exporá inovadoras abordagens às técnicas vigentes de restauro, mostrando novos caminhos como a criação de equipas interdisciplinares, recurso a técnicos estrangeiros de reconhecida competência, uso do desenho e da fotografia para complementar e testemunhar o normal desenrolar da actividade de restauro, descrevendo a metodologia empregue e os materiais adoptados. Ainda nesta década de 1920, entre 1926 e 1932, Marques Abreu irá criar e editar uma colecção de pequenas monografias de divulgação patrimonial e turística, A Arte em Portugal, dotadas de um pequeno texto acompanhado por um número significativo de fotografias (entre 42 e 52), abordando cidades e vilas ricas em património e turismo, monumentos identificativos da História portuguesa e museus (Museu Nacional de Arte Antiga, Museu Nacional Soares dos Reis, Museu Municipal de Viana do Castelo, Mosteiro de Arouca). Não renegando as suas matrizes espanhola e italiana (El Arte en España e L’Italia Monumentale), distingue-se delas pela sua participação directa no levantamento fotográfico essencial a cada um dos 25 números editados, bem como no texto dos diferentes autores escolhidos. O permanente acompanha85

mento que faz em todas as suas edições mostra um preocupado editor que procura garantir a qualidade das suas publicações, quer no que diz respeito à gravura e à fotografia, quer no que diz respeito ao texto e aos desenhos e mapas que as integram. A década de 1930 assiste a uma redução drástica das suas publicações, motivada pelo dissabor que o restauro de S. Pedro de Lourosa lhe provocou, visível na belíssima monografia que dedicou a este monumento pré-românico português, onde, mais uma vez, inovou na apresentação gráfica e no desdobramento do texto iconográfico do estudo histórico-científico realizado por Aguiar Barreiros. Marques Abreu decidiu denunciar o processo de restauro a partir do levantamento fotográfico que realizou ao longo dos 4 anos que durou este processo, e ao qual esteve intimamente ligado por responder enquanto presidente da sua Comissão de Acompanhamento. Se o texto de Aguiar Barreiros prima pela objectividade e pela descrição, sem denunciar abertamente a metodologia seguida pelos Monumentos do Norte, dependentes da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais/DGEMN, criada em 1929, a coerência e eficácia do discurso iconográfico que Marques Abreu imprimiu permitem a identificação imediata das várias falhas que este restauro praticou. A partir de uma ideia simples, mas extremamente eficaz, Marques Abreu propõe um “itinerário” ao monumento e às diferentes fases do restauro, utilizando uma ideia simples, mas de grande utilidade: cada fotografia é acompanhada por uma planta/ diagrama do monumento, anterior ao restauro. O enquadramento adoptado pelo fotógrafo é marcado, a negrito, na planta/diagrama, permitindo o fácil acompanhamento do restauro, quer cronológica quer interventivamente. Embora sem paralelismo com outras publicações semelhantes, quer nacionais, quer estrangeiras, este modelo não teve continuidade directa, embora determinasse o modelo do Boletim da DGEMN, iniciado em 1935 e delineado pelo seu director, eng. Henrique Gomes da Silva, como se pode constatar na correspondência trocada entre este responsável e Marques Abreu. Uma das últimas obras editadas por Marques Abreu em co-autoria com Manuel Monteiro é a belíssima Igrejas Medievas do Porto, de 1954, verdadeira homenagem à cidade do Porto e à sua paisagem monumental, como que prefigurando um verdadeiro itinerário turístico e monumental à cidade invicta, servido por um excelente texto e por um conjunto de imagens verdadeiramente excepcionais. Este preâmbulo serve para justificar a valia e a excelência do arquivo de Marques Abreu. Não é só a actividade editorial que se faz representar, mas um conjunto muito significativo de documentos de carácter pessoal, uma correspondência rica de mais de 1300 cartas trocadas entre as principais personalidades intelectuais e culturais da época, como também políticas, e um conjunto de recortes da imprensa diária e hebdomadária que reflectiram a actividade editorial de Marques Abreu. A este espólio documental deve-se acrescentar as cerca de 15000 imagens (negativos e positivos) que cobrem uma actividade fotográfica ininterrupta ente 1898 e 1969. Esta última data justifica-se pelo facto de este arquivo ser não de um, mas de dois homens, José Antunes Marques Abreu e José Marques Abreu Jr. (filho do primeiro), engenheiro e arquitecto da DGEMN, integrado nos Monumentos do Norte, onde realizou 86

exaustiva campanha de inventariação do românico e das diferentes campanhas de restauro por aquela Direcção Geral empreendidas, entre 1935 e 1969, e acompanhadas de levantamentos fotográficos e cartográficos que permitiram colmatar o inventário iniciado por seu pai Este espólio foi por mim trabalhado aquando do trabalho de investigação que empreendi para a tese de doutoramento, e centrei-me no papel que Marques Abreu desempenhou na defesa e divulgação do Património Monumental, e no papel específico da fotografia e da edição neste campo. Ao ter tido a possibilidade de analisar a variedade do espólio, obrigou-me a circunscrever o estudo maioritariamente à correspondência trocada entre o fotógrafo e editor José Antunes Marques Abreu e várias personalidades no campo das artes e da política portuguesa entre 1900 e 1958, permitindo-me corroborar, corrigir dados em investigações anteriores, e descobrir novos dados na política da defesa do património e do papel que algumas personalidades e instituições desempenharam nessa defesa. Esta análise e estudo constituiu um desafio, pelo facto de permanecer nas mãos das suas herdeiras, comportar várias árias (fotografias - negativos e positivos -, material fotográfico, correspondência, documentação técnica, imprensa) e se dividir em dois espólios, como mencionado anteriormente: o de Marques Abreu pai e o de Marques Abreu Jr., que acompanhou o seu pai nas múltiplas viagens realizadas para a prossecução dos projectos editoriais. O aspecto mais determinante deste arquivo/espólio reside na correspondência. Esta aborda temáticas tão diversificadas como questões relacionadas com as edições (gravura, escolha e qualidade das imagens, relação entre o texto e aquelas, equilíbrio entre o número de páginas de texto e o de imagens – fotografias, desenhos e plantas -, qualidade do papel, preço e direitos de autor), os artigos a integrar as diferentes revistas, diferendos científicos entre os diversos autores, a distribuição e o preço de capa, ou mesmo a oportunidade editorial respeitante ao lançamento de um título. Um aspecto extremamente valorizado prende-se com a política de defesa e de divulgação patrimonial, com intervenção directa de Marques Abreu junto de Alfredo de Magalhães, ministro da Instrução Pública na fase inicial da Ditadura de 1926, ou na “discussão” da política da DGEMN, onde pontificava Gomes da Silva. Neste desiderato é crucial a sua relação com António Garcia de Vasconcelos, professor em Coimbra, na forma como este articula os diferentes “peões” no xadrez político na fase inicial da política patrimonial do Estado Novo. No campo da fotografia, verifica-se especial incidência na arquitectura românica, mas não se esgotando nesta, pois abrange outras temáticas, como arquitectura gótica, renascença e barroca, raramente o séc. XIX ou o XX. A pintura e a escultura são também abordadas, tal como as paisagens e a arquitectura civil. A imprensa está representada por diversos recortes relacionados com iniciativas editoriais de Marques Abreu, mas também com questões políticas ou ideológicas, e editoriais. É um arquivo complexo, pois a correspondência, quase por inteiro manuscrita, e em excelente estado físico, permite uma visão mais concreta sobre o papel da DGEMN nos restauros iniciados ou continuados por esta instituição, num período embrionário, decorrente da reestruturação dos serviços de património iniciados 87

em 1929. A troca de cartas entre Marques Abreu e Henrique Gomes da Silva, Alfredo de Magalhães e António de Vasconcelos, por exemplo, permite aferir a importância das relações pessoais na condução dos restauros entre 1929 e 1932. Do mesmo modo, é possível reconstruir todo o percurso e metodologia relacionada com a edição da Arte Românica em Portugal, e terminar com algumas afirmações espúrias. Falamos, por exemplo, da sua co-autoria, muito mais ampla do que se supunha. Este espólio foi igualmente alvo de estudo por Maria Leonor Botelho, Graça Silva e Mariana Sousa Santos para os seus, respectivamente, doutoramentos e mestrado. Este é um arquivo/espólio determinante para o estudo da edição e da protecção patrimonial entre 1900 e 1935, e, no campo da fotografia, permitiria completar os espólios fotográficos e documentais quer da DGEMN quer da Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian, que já detém o inventário monumental dos irmãos Horácio e Mário Novais, que colaboraram com aquela Direcção Geral, e cujos espólios se encontram naquela Fundação. Sassoeiros, 15 de Julho de 2014 Pedro Aboim Borges Doutorado em História da Arte Contemporânea (Fotografia e Património) e mestre em História da Arte (Fotografia) pela FCSH da UNL. Professor-adjunto na Escola Superior de Turismo e Hotelaria do Estoril. Bibliografia Borges, José Pedro de Aboim (2014), Marques Abreu: a fotografia e a edição fotográfica na defesa do património cultural, Tese de doutoramento em História da Arte. Orientada pela Professora Doutora Raquel Henriques da Silva. Universidade Nova de Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. Disponível em http://hdl.handle.net/10362/11868. Botelho, Maria Leonor (2010), A Historiografia da Arquitectura da Época Românica em Portugal. Tese de doutoramento no Ramo de Conhecimento em História da Arte. Orientada pela Professora Doutora Lúcia Maria Cardoso Rosas. Universidade do Porto. Faculdade de Letras: Departamento de Ciências e Técnicas do Património. Gunthert, André (2000, Mai), La rétine du savant. La fonction heuristique de la Photographie. Études Photographiques, 7, 2848. Paris: Société Française de Photographie. Santos, Mariana M. S. (2011), A fotografia do românico em Marques Abreu. Dissertação de Mestrado em História de Arte orientada por pela Professora Doutora Maria Clara Loureiro Borges Paulino. Faculdade de Letras da Universidade do Porto: Departamento de Ciências e Técnicas do Património. Sena, António (1998), História da Imagem Fotográfica em Portugal - 1839-1997. Porto: Porto Editora. Siza, Maria Teresa (coord.) (2001), O Porto e os seus Fotógrafos. Porto: Tripé da Imagem. Porto Editora. Porto 2001 Capital Europeia da Cultura.

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O arquivo de fotografia e a construção da memória Filipe Figueiredo

Resumo A partir da análise dos Livros de Registo de Repertório da companhia Rey Colaço–Ro- bles Monteiro (1821-1974), na Biblioteca-Arquivo do TNDM II, esta comunicação visa abordar a possibilidade de construção da memória através da colecção de fotografias. Artigo O ARQUIVO DE FOTOGRAFIA E A CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA1

Fig. 1. Exemplar dos Livros e Registo de Repertório, relativo a 1960-61

A memória da actividade do Teatro Nacional de D. Maria II (TNDM II) foi uma das grandes paixões de Gustavo de Matos Sequeira (1880-1962), que chegou a ser comissário2 do Teatro ainda nos anos da 1ª República e entre 1926 e 1936. Entre sua extensa bibliografia destaca-se a História do Teatro Nacional D. Maria II (SEQUEIRA 1955a), em dois volumes, onde traça a vida deste teatro, pouco depois da celebração do centenário da sua inauguração, em 1946. Esta obra dá conta de uma colecção notável de imagens que também já tinha sido 1 Este estudo só foi possível realizar com a colaboração da Biblioteca-Arquivo do Teatro Nacional de D. Maria II. Agradece-se, por isso, à Directora de Documentação e Património, Drª Cristina Faria, e à técnica da Biblioteca-Arquivo, Drª Ana Catarina Pereira. Todas as imagens que acompanham o texto são da responsabilidade do autor e autorizadas pelo TNDMII. 2 Foram Comissários do Governo no TNDM II, sucessivamente: 1911-1916 (intercalado) Lino Ferreira; 1916-17 – Juís Galhardo, substituído interinamente por Domingos Freire Teixeira Marques na época de 1917-18 (?); 1918 – Augusto de Castro; Lino Ferreira – gerente durante a Comissão de Reformas, demitindo-se em 1925 e substituído por Luís Pinto; 1926-1936 – Gustavo de Matos Sequeira; 1936-1942 - João Pereira Dias; 1942-1945 – Luiz Pastor de Macedo; 1948-1960 – Pedro Oliveira de Moura e Sá; 1960-1974 - António Carlos Rodrigues de Pinho Leónidas.

mostrada na “exposição bibliográfica e iconográfica sobre a vida do Teatro e dos artistas que pisaram o seu palco.”, como dizia Luís Pastor de Macedo na Nota Introdutória (SEQUEIRA 1955a) Este acervo integra, entre outros materiais, a Colecção de Lino Ferreira (1884-1939), que tinha tido importante papel na gestão do teatro desde os primeiros anos da república. Segundo Matos Sequeira, “A colecção Lino Ferreira [que] constava de cerca de cinco mil espécies, constituídas por livros, peças de teatro portuguesas, francesas, espanholas e italianas, gravuras, programas, fotografias, etc.” (SEQUEIRA 1955b: 713) foi adquirida em 1943, época em que o arquivo foi alvo de melhorias substanciais e ainda enriquecido com a aquisição de outros materiais como “retratos de artistas e escritores à Livraria António Maria Pereira”3.

Fig. 2 a 4. Folha de rosto e páginas com ilustrações da obra Gustavo de Matos Sequeira, História do Teatro Nacional D. Maria II: publicação comemorativa do centenário 1846-1946.

O curador de todos estes materiais terá sido José de Matos Sequeira, a quem já no início da obra antes citada4 o seu pai se referia como o “fiel-arquivista”. É nessa qualidade que é mencionado, a partir da época de 1944-1945, nos Livros de Registo e Repertório (LRR), além de secretário do Conselho de Leitura, cargos que manterá até ao desfecho da Companhia Rey Colaço – Robles Monteiro (RC-RM), em 1974. Assim o confirma a sua assinatura na última página de todos os LRR até essa data! No seio do Arquivo do teatro, a colecção dos LRR tem um particular interesse pelo levantamento sistemático da actividade teatral desenvolvida desde 1845 até 19745, contudo nem todos os livros terão tido 3 “A organização do Arquivo, que tantos cuidados merecera ao Comissariado, apurou-se neste período, enriquecendo-se notavelmente esse depósito de material de investigação e estudo. Ampliou-se a instalação, reparou-se o soalho, compraram-se estantes, feituraram-se prateleiras de arrumo de espécies e impetrou-se verba especial para aquisição de um ficheiro (1.400$00 esc.), que só em Fevereiro de 1943 foi concedida; adquiriram-se retratos de artistas e escritores à Livraria António Maria Pereira, e, o que foi mais, comprou-se a Colecção Lino Ferreira, excelente repositório, com milhares de espécies biblio-iconográficas. A colecção completa, que se oferecera, por 20.000$00 escudos o ficheiro e por 8.500$00 escudos os livros, fotos, manuscritos e estampas, não foi, então, toda adquirida. Com o parecer do perito, Dr. Jorge de Faria, foi apenas comprada esta parte da colecção, tendo-se solicitado superiormente a respectiva verba. O Dr. Jorge de Faria opinara que o ficheiro valeria até 10.000$00 escudos.(4) Houve várias ofertas, fez-se uma cuidada catalogação, comprou-se algum mobiliário e o Arquivo, a que nenhum dos sucessores do Dr. Pereira Dias deixou de prestar atenção afectiva, melhorou extraordinariamente. [Nota do texto citado] (4) A colecção Lino Ferreira constava de cerca de cinco mil espécies, constituídas por livros, peças de teatro portuguesas, francesas, espanholas e italianas, gravuras, programas, fotografias, etc. O despacho ministerial de 25 de Fevereiro autorizou o levantamento da verba para a compra, com dispensa da dedução dos 10 por cento. O ficheiro só veio a adquirir-se mais tarde.” Gustavo De Matos Sequeira, História do Teatro Nacional D. Maria II: publicação comemorativa do centenário 1846-1946, 2 vols., 2. Lisboa: Teatro Nacional D. Maria II, 1955b. p.713. 4 “Deste livro foi essencial colaborador o senhor José de Matos Sequeira, Fiel-arquivista do Teatro Nacional D. Maria II, não só no fornecimento de elementos de trabalho, mas ainda com a autoria das relações dos artistas e das peças representadas no teatro, e de todos os índices da obra.” Ibid., 1, nota introdutória. 5 A colecção dos LRR foi recentemente alvo de trabalho de conservação e encadernação. Infelizmente, o LRR referente à época 1959-60 encontra-se desaparecido. Carece fazer a digitalização de toda a colecção de LRR, mas não houve verba disponível para

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produção coeva aos anos a que se reportam. A informação que integram terá sido coligida, a posteriori, por Gustavo de Matos Sequeira, com vista à organização de materiais que lhe permitissem a redacção da sua história do TNDM II, em 1955. Terá para esse fim recorrido a um outro conjunto de livros de repertório: um grupo6 de quatro livros que documentam a actividade entre 1898 e 1930 (1), e ainda um outro livro da Companhia Meneses & Ferreira, com registos do período de 1907 a 1909 [10-10-1907 a 28-02-1909].

Fig. 5. Livro de Registo e Repertório Nº 3, capa. Fig. 6. Livro de Registo e Repertório Nº 3, registo referente à peça D. Afonso VI. Fig. 7. Livro de Registo da Companhia Meneses & Ferreira, registo referente à peça Kean.

A colecção de LRR reúne 45 livros, dactilografados, tem um carácter bastante homogéneo, no exterior e no interior7, e dá informação relativa aos espectáculos de cada época artística, faz um apanhado estatístico da época e integra documentos legislativos, recortes de imprensa, etc.8

Fig. 8. Vista da colecção de Livros de Registo e Repertório.

A partir de 1944-1945, tem lugar a secção “Documentação Fotográfica”, que acolhe algumas imagens associadas a determinados espectáculos da época. Apesar de as imagens surgirem nestes LRR apenas nesta data - 1944 - um outro livro/álbum integra registos e imagens de algumas peças de anos anteriores – 1934, 1939, 1940, 1941, 1942, 1943 e, um mais tardio, 1956. o efeito até ao momento. 6 Integram este conjunto de livros os seguintes exemplares: “Nº 1 – Theatro de D. Maria II – Registo do Repertório de Outubro de 1898 a Novº de 1906”; “Nº 2 – Theatro de D. Maria II – Registo do Repertório” – 29-12-1906 a 19-01-1917; “Nº 3 – Theatro de D. Maria II [em carimbo quase invisível] Registo do Repertório” (com selo na 1ª página “Teatro Nacional Almeida Garret – Sociedade Artística– Lisboa) – 30-01-1917 a 09-06-1926; “Livro 4 – Registo do Repertório” (1º livro da Companhia Rey- ColaçoRobles Monteiro) – 23-12-1929 a 17-12-1930, acrescido de outros registos sem data e com outras páginas com as grelhas a lápis desenhadas e com o título da peça a lápis, para marcar o seu lugar; deste conjunto de folhas, a última peça indicada parece ser de 1931. 7 Este aspecto resulta ainda mais reforçado pelo trabalho de encadernação recente. 8 Reúne críticas, informações de necrologia ou referências a obras realizadas no Teatro. Dá-se aqui conta dos contratos de exploração celebrados entre o Ministério da Educação Nacional e a empresa RC-RM. Por exemplo, no LRR da época 1949-1950 é copiado no anexo o contrato de 13 Dezembro de 1949 com 9 páginas

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Fig. 9 a 11. Pormenores de um exemplar de Livro de Registo e Repertório.

Parece que, a par do livro de registos que se estava a produzir se quis criar um outro, em paralelo, com um formato mais próximo do “álbum fotográfico”. Este álbum é composto por pranchas impressas, quadrangulares, com um cabeçalho que se mantém em todas as folhas, a coroa da república portuguesa, a designação do teatro em maiúsculas, seguido em baixo por alguns campos para registo manual. O restante espaço da prancha é deixado completamente livre para a colocação das fotografias respectivas, acompanhadas de legenda manuscrita. A única excepção a este modelo são as duas pranchas relativas ao espectáculo Amor de perdição (1956), que parecem ser um acrescento ao álbum inicial9.

Fig. 12 e 13. Interior de Livro de Registo e Repertório (1934-1956).

Excluindo estas, as fotografias mais tardias do álbum datam de 1943, a época anterior ao início da “Documentação Fotográfica” nos LRR. Se a intenção de constituir um arquivo fotográfico da actividade teatral resulta evidente com a criação do álbum em 1934, parece ter-se tornado mais pertinente para o seu responsável a inclusão destas imagens junto da restante informação.

Fig. 14. Interior de Livro de Registo e Repertório (1934-1956). 9 São folhas lisas sem o cabeçalho referido impresso e com uma legenda dactilografada num pequeno pedaço de folha colado sobre a fotografia, com a referência a “Teatro da Trindade”. Este espectáculo não está registado nos livros referentes à época de 1955-56 ou 1956-57, pelo que não se sabe onde pertence.

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Não obstante os LRR pertencerem ao TNDMII e se referirem a toda a sua história, desde 1845, o âmbito cronológico das imagens fotográficas direcciona a atenção para a actividade da companhia RC-RM, concessionária do teatro de 1929 até 1974. O cruzamento dos dados da companhia com os LRR permite de imediato constatar que o número de peças com fotografias é menor do que o número de peças representadas, dando conta do seu carácter relativo. Com auxílio dos gráficos seguintes pode verificar-se:

Fig. 15. Total de peças por época vs. número de peças com fotografias nos LRR.

1) o número de espectáculos com fotografias apresenta grandes oscilações ao longo do período, com uma ligeira tendência para aumentar no curso do tempo; 2) o número de espectáculos por época tem tendência a diminuir no período; 3) só 25% do total de peças tiveram documentação fotográfica nos LRR; 4) apesar de variável, verifica-se uma tendência para o aumento desta percentagem, que se justifica com a diminuição da média do número de peças representadas por época. À medida que se caminha para o fim do período, o número de peças com fotografias torna-se, por isso, mais significativo, com taxas de 100% em alguns anos (1966-67, 1967-68, 1969-70, 1972-73, 1973-74).

Fig. 16. Quadro de síntese de número de fotografias por peça

Quanto ao volume de fotografias, pode verificar-se terem sido usadas, ao todo, nos LRR, mais de seis centenas de imagens. E, quanto à sua distribuição, com uma média de mais de 18 fotografias por época, é perceptível que foi bastante irregular, verificando-se situações extremas, de 3 e 47 fotografias por época.

Fig. 17. Número de fotografias vs. número de representações da peça.

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Fig. 18. Total de fotografias por época.

Apesar destas variáveis, resulta clara a existência de um programa de documentação fotográfica que importa questionar. No que respeita à autoria das imagens, apenas foi possível identificar o fotógrafo responsável a partir de alguns trabalhos da época de 1943-44, com a presença de Horácio Novais, com as fotografias das peças Frei Luís de Sousa, Otelo, Os Maias, Férias e Antígona.10 Segue-se depois um vazio autoral das imagens até 1948-49, quando surgem os trabalhos de Ismael Jorge Ferreira sobre as peças Outono em Flor, A senhora das brancas Mãos, Chuva perigosa, ou Cardeal Primaz, esta de 1949-50, e provavelmente outras peças destas duas épocas, sem confirmação ainda. Ismael Ferreira volta a fotografar, para a companhia nas peças O vestido de Noiva (1951-52) e Sonho de uma noite de verão (1952-53). Em 1951-52, Manuel Monteiro fotografa Crime e Castigo, sendo as imagens de A menina tonta, da época seguinte da responsabilidade do fotógrafo dos Estúdios técnicos - Fotografia e Cinema11, e A história da carochinha , em 1953-54, da casa Instanta. Furtado D’Antas fotografou, pelo menos, A terceira palavra e Pleito de família, respectivamente em 1954-55 e 1956-57. A restante época de 1956-57 e as seguintes até 1958-59 foram documentadas por Artur Costa de Macedo, que se intitula “técnico Foto- Cinegráfico”12. Na última época da década, José Marques (1924-2012) ocupará o lugar de fotógrafo residente. Não obstante a colaboração deste autor com outras instituições, será a partir de agora o fotógrafo de todas as produções da Companhia RC-RM, no TNDMII até 1966 e nos outros espaços que a companhia ocupou em virtude do incêndio que destruíra aquele teatro.

Fig. 19. Fotógrafos identificados no LRR e quantidades de fotografias.

Uma das questões que se coloca é de saber por que razão se optou por uma peça em detrimento de outra; quais os critérios para decidir quais as peças que deveriam ser acompanhadas pela designada “documentação fotográfica”. Até ao momento, pouco ou nada se apurou acerca da contratação dos fotógrafos e da selecção das imagens, em particular no que respeita ao período anterior a José Marques. Além da diferença notada entre o número de peças representadas e as documentadas fotograficamente nos LRR, a análise do repertório visado foi pouco esclarecedora. As peças com anexo fotográfico tanto correspondem a estreias como a reposições; não estabelecem uma relação directa com o tempo que estão em cena: há fotografias tanto de peças que tiveram 2 apresentações como outras que contaram mais de 150. E também nenhuma relação directa parece existir entre o número de fotografias e o “tempo de vida” da peça, variando o número de fotos entre 1 e 15 por peça. Por exemplo, a peça O Vendaval com 42 apresentações, tem 8 fotografias anexas, o mesmo número de fotografias 10 Uma análise das fotografias coladas no álbum de 1934-43(56) aponta para três autorias distintas: Horácio Novais assina as fotografias do Frei Luís de Sousa (1943), a A.N.R. – Agência Nacional de Reportagens assina imagens referentes ao Amor de Perdição (1956) e as restantes fotografias podem ser trabalho de um mesmo autor, não identificado, tendo em conta o papel, acabamentos e enquadramentos das fotografias. 11 Com estabelecimento na Av. Almirante Reis. 12 Com estabelecimento na Av. Da Liberdade.

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que se encontra associado à peça O leque de Lady Windermere, apresentada 118 vezes, quase o triplo da anterior. Já a peça Tango que foi à cena 140 vezes, tem anexas apenas 5 fotografias. Não obstante a necessidade de analisar o espólio da companhia RC-RM no MNT, a recente aquisição por parte do TNDM II do espólio13 do fotógrafo José Marques veio permitir um confronto esclarecedor entre os vários materiais. Graças à disciplina de trabalho e ao rigor na organização do seu espólio, o fotógrafo José Marques legou um conjunto de instrumentos de trabalho cruciais para a compreensão da sua obra. José Marques deixou o registo de todos as suas fotografias, desde 1849, numeradas e identificadas, numa verdadeira articulação entre livros de registo, pastas de negativos e provas.

Fig. 20. Prancha com fotografias de cena da peça Vendaval (LRR)

A consulta destes materiais permite desde logo saber que J. Marques documentou praticamente todas as peças desde que passou a integrar o “elenco” do Nacional, o que torna ainda mais pertinente entender a escolha do “fiel-arquivista” ao longo dos anos. Marques dizia numa entrevista a Jorge Silva Melo que “Quem escolhia as fotografias no Teatro Nacional eram a Amélia Rey Colaço e o Luciano Donat [...]” (MELO et al. 2003: 111), mas referia-se certamente ao volume de fotografias que o Teatro adquiria e não especificamente às imagens que seriam integradas nos LRR.

Fig. 21. Registo da peça Madame Sans-Gêne no LRR.

13 Em 2013 o TNDNM II adquiriu aos herdeiros de José Marques o espólio do fotógrafo, constituído por mais de 100.000 imagens, na sua grande maioria de Teatro (de 1949 a 2011), mas também de Vida Social (sobretudo pós-25 de Abril), em vários suportes e formatos: negativos de vidro, negativos de película, provas fotográficas, fotografia digital, livros, slides, provas de contacto e de livros de registo.

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Atente-se ao caso concreto de uma peça: a Madame Sans-Gêne, levada à cena em Maio e Junho de 196114. De acordo com o seu livro de registos, José Marques realizou cerca de 220 fotografias desta peça ao longo de 20 sessões15. Cruzando as datas das sessões com as datas de apresentação do espectáculo, é possível determinar que oito sessões tiveram lugar nas duas semanas que antecederam a estreia, uma sessão corresponde ao dia da própria estreia, 11 de Maio, e as restantes onze acompanharam o tempo de vida do peça nesta temporada, até ao penúltimo espectáculo. Das 220 fotografias, foram integradas apenas 10 no LRR, todas produzidas nos 10 dias que antecederam a estreia da peça. Apesar de serem fotografias anteriores à estreia, são feitas no palco com todos os cenários, adereços e figurinos. Nestas sessões, Marques teria uma liberdade de movimentos que não encontrava nas apresentações com público, nomeadamente na escolha do ponto da tomada de vistas, a partir da plateia central. Talvez por isso, a escolha recaia nestas fotografias!

Fig. 22 a 24. Fotografias de cena da peça Madame Sans-Gêne no LRR.

Fig. 25 e 26. Fotografias de cena da peça Madame Sans-Gêne no LRR.

Se bem que este estudo não seja conclusivo, é contudo de destacar o elevado interesse dos LRR – do ponto de vista da fixação de uma memória da actividade de uma companhia tão marcante como foi a RC-RM, sendo importante questionar no futuro as possibilidades da sua leitura à luz dos conceitos de photobook ou modelbuch16.

Fig. 27 a 30. Fotografias de cena da peça Madame Sans-Gêne no LRR. 14 A peça estreou no TNDMII em 11mai e fez a última representação em 18 de Junho; repetiu no ano seguinte, 1962. 15 Esta informação é crucial para caracterizar o processo de trabalho deste autor, o que permite estabelecer confronto com outras relações laborais de fotógrafos-encenadores ou fotógrafos-actores: por exemplo, Agnès Varda e Jean Vilar, Roger Pic e a companhia Rennaud-Barraud (1946-70) ou a Ópera de Paris (1959-70) ou o TNP de Georges Wilson (1963-72) ou o Théâtre des Nations (1957-72). 16 Tomando como referência os Modelbucher de Bertolt Brecht.

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Referências bibliográficas MELO, Jorge Silva, et al. (2003), “Fotografar teatro”, Artistas Unidos -­ Revista, (9), p.98 - 133. SEQUEIRA, Gustavo de Matos (1955a), História do Teatro Nacional D. Maria II: publicação comemorativa do centenário 1846-­1946. 2 vols., 1. Lisboa: Teatro Nacional D. Maria II. -------------------------- (1955b), História do Teatro Nacional D. Maria II: publicação comemorativa do centenário 1846-­1946. 2 vols., 2. Lisboa: Teatro Nacional D. Maria II.

Filipe Figueiredo Investigador do CET (FL/UL), integra o projecto OPSIS, doutorando em Estudos Artísti- cos – fotografia de teatro (bolseiro FCT).

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Corpo, imagem, arquivo: a fotografia e o mimo Cosimo Chiarelli

Resumo Uma investigação sobre as relações entre fotografia e mimo, realizadanos arquivos daBi- blioteca Nacional Francesa: materiais, perguntas, resultados e perspectivas. (intervenção em língua inglesa). Artigo Como historiador da fotografia, ocupo-me já há alguns anos das relações entre a Fotografia e o Teatro, no sentido próprio da fotografia teatral até à teatralidade fotográfica e à influência das artes do espetáculo na linguagem fotográfica. Creio que entre essas duas formas de linguagem existe uma relação íntima. Como Roland Barthes refere na sua obra La Chambre Claire: « Ce n’est pourtant pas (me semble-t-il) par la Peinture que la Photographie touche à l’art, c’est par le Théâtre. »1 Mas se a ligação entre fotografia e teatro é incontestável, ela concretiza-se aparentemente num paradoxo. O encontro entre a fotografia e o teatro não se realiza no âmbito da convergência e da afinidade mas sim da conflitualidade e da traição. A imagem fotográfica do ator em cena encarna explicitamente essa ambiguidade: o gesto do ator esgota-se no ato e renova-se em cada representação parecendo, pela suspensão na imagem fixa, querer negar a sua profunda natureza transitória. Por outro lado, quando a fotografia se apresenta no espaço do teatro abandona a sua vocação pela realidade remetendo-se ao processo da ficção. Contudo, apesar dessa aparente incompatibilidade, ou talvez por causa dela, o teatro e a fotografia viveram ao longo dos tempos uma relação complexa e difícil mas, ao mesmo tempo, extremamente rica em sugestões recíprocas. Por um lado, devido ao seu poder de testemunho fiel da cena, a fotografia contribuiu genericamente para acelerar a evolução da linguagem teatral durante o século XX, desviando-a da supremacia do texto e facilitando o aparecimento da encenação. Por outro lado, através das diversas formas de encenação e performance, a contribuição do teatro permitiu à fotografia, desde os seus primórdios, exprimir as bases da sua própria linguagem e 1. Adrien e Félix Nadar, Pierrot photographe, o mimo superar o estrito mimetismo da realidade e a simples imitação Charles Deburau, 1854, Photo (C) RMN-Grand Palais dos cânones artísticos da tradição pictórica. (musée d’Orsay) A profunda ligação entre o teatro e a fotografia tem sido sistematicamente subestimada e só raramente foi objeto de investigação, em geral meramente específica e pontual, quer pelos investigadores em fotografia quer pelos investigadores teatrais. No entanto, essa ligação representa atualmente um terreno de investigação particularmente estimulante e pleno de novas perspetivas, constituindo-se como um dos principais campos para o estudo da 1 Roland Barthes, La Chambre claire: note sur la photographie. Paris, Seuil, 1980, p. 55

fotografia contemporânea nas suas diversas práticas artísticas e sociais. A certo ponto, a minha investigação sobre esse campo levou-me a dedicar uma especial atenção à relação entre a fotografia e o mimo. Esse interesse deveu-se, em grande medida, a um convite da Biblioteca Nacional de Franca, que me permitiu estudar aprofundadamente os seus importantes arquivos e coleções fotográficas dos departamentos de Artes do Espetáculo e de Fotografia ao longo de um ano. Creio que o mimo, mais ainda do que o teatro em geral, representa o “grau zero” da linguagem teatral, um teatro reduzido à dimensão visual, que partilha com a fotografia algo de muito profundo, aflorando as essências ontológicas dessas duas formas de expressão. O Pierrot photographe de Nadar (1854) (FIG.1), um dos primeiros ícones da historia da fotografia, é a encarnação perfeita dessa intensa cumplicidade e, apesar das numerosas leituras e análises que sobre ele foram feitas, conserva uma dimensão perturbadora que continua a questionar o espectador sobre a ambiguidade da natureza da fotografia. Essa fotografia de Nadar está na origem de uma longa tradição iconográfica que procurei reconstruir durante a investigação que levei a cabo nos arquivos da Bibliotèque nationale, feita de encontros e de influências recíprocas, que atravessa o tempo e as profundas mutações técnicas e estéticas da arte do mimo e da própria fotografia, até quase aos dias de hoje. As razões da proximidade profunda entre fotografia e mimo são múltiplas, de ordem histórica, estética e conceptual. Em primeiro lugar existe uma dimensão de natureza cronológica. Provavelmente não terá sido por acaso que a invenção da fotografia e o renascimento moderno da pantomina, com Jean-Gaspard Deburau e o Théâtre des Funambules (FIGG. 2-3), ocorreram no mesmo contexto cultural e social de transição para a modernidade, nessa Paris da primeira metade do século XIX. A pantomina dos Funambules constituía, no panorama dos espetáculos desse tempo, um género extremamente original e popular, mas baseado numa linguagem corporal primordial e, por isso mesmo, profundamente anti moderna. Do ponto de vista dos primeiros 2. Adolphe Martial, Gaspard Deburau. À 3. Adolphe Martial, Le Théâtre des Fufotógrafos, assim como de muitos inte- l’avant-scène des Funambules, 1840, BnF, nambules dans le boulevard du Temple, lectuais e artistas dessa época, a panto- Estampes et photographie, http://gallica. 1862, BnF, Arts du Spectacle, http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b8457644v mina exercia uma forte atração devido bnf.fr/ark:/12148/btv1b8457620f exatamente a essa tensão e a essa precariedade, que alimenta uma solidariedade de resistência contra a modernidade. Na hierarquia das artes, perante esse “teatro menor”, como foi definido2 por contraposição ao teatro oficial e à magnificência tecnológica da ópera lírica, a fotografia apresenta igualmente uma espécie de “equivalência de marginalidade” relativamente à tradição pictórica dominante, marcando ao mesmo tempo a sua contribuição revolucionária e a sua íntima fragilidade. Em segundo lugar, de um ponto de vista estético, a pantomina e a fotografia estão profundamente ligadas entre si, porque representam duas expressões paralelas da crise dos sistemas tradicionais de representação e do nascimento de um novo regime escópico, para usar a expressão de Christian Metz e Martin Jay3, definido pelo triunfo da iconosfera sobre a logosfera, que abre caminho à utopia de uma linguagem universal inteligível, mesmo prescindindo da palavra. 2 Ariane Martinez, La Pantomime, théâtre en mineur, 1880-1945, Paris, Presse Sorbonne Nouvelle, 2008 3 Martin Jay, “Scopic Regimes of Modernity”, in Hal Foster (dir.), Vision and Visuality, Seattle, Bay Press, 1988, pp.3-23

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Por fim, de um ponto de vista conceptual e semiótico, a fotografia e o mimo partilham o mesmo estatuto e os mesmos limites dos signos chamados “indiciais”, signos “inteiramente naturais”, de acordo com Saussurre4, ou então “sem prolongamento” como dizia Antonin Artaud a propósito de um mimodrama de Jean Louis Barrault : « Si l’on peut faire un reproche à ses gestes, c’est de nous donner l’illusion du symbole, alors qu’ils cernent la réalité ; et c’est ainsi que leur action, pour violente qu’elle soit et active, demeure en somme sans prolongements. Elle est sans prolongements parce qu’elle est seulement descriptive, parce qu’elle raconte des faits extérieurs où les âmes n’interviennent pas, parce qu’elle ne touche pas au vif des pensées ni des âmes. »5. Etienne Decroux, criador do mimo corporal contemporâneo e mestre de várias gerações de mimos, resume um conceito similar numa expressão que parece particularmente significativa se aplicada à fotografia: «  Le mime ne produit que présences qui ne sont point des signes conventionnels. Et s’il lui arrivait de produire de tels signes, il en mourrait. »6. O Mimo, em que a inevitável corporalidade do ator é um obstáculo à dimensão simbólica, e a Fotografia, condenada pelo seu estatuto referencial a representar apenas aquilo que se encontra em frente à objetiva, partilham as mesmas contradições e as mesmas aspirações simbólicas. De certa forma, o Mimo desafia o estatuto referencial da Fotografia e, ao mesmo tempo, obriga-a a adaptar 4. Une soirée chez Carjat (30 Juillet 1864) – Pierrot Photographe, acte 1er , permanentemente as estratégias de representação L’Univers Illustré, 6 Aout 1864, (collection privé) próprias de forma a ultrapassar a superfície do visível. Citando novamente Etienne Decroux : « Le mime n’imite rien », ao que eu acrescento, a Fotografia também não. Devido a estas profundas semelhanças e muitas outras afinidades, não surpreende que o mimo tenha constituído uma prova de fogo para diversas gerações de fotógrafos, especialmente no século XIX, como uma espécie de ritual iniciático da fotografia, « sub specie pantomimae ». Efectivamente, tendo Nadar escolhido justamente o filho do fundador dos Funambules, Charles Deburau, para seu modelo no início da nova arte (Nadar fora antes desenhador e caricaturista), poucos anos mais tarde, em 1862, o seu amigo Étienne Carjat (também ele caricaturista) realizaria nos primódios da sua carreira fotográfica uma série de retratos quer de Deburau, quer do seu principal rival Paul Legrand. Por outro lado, Carjat foi o autor

5. Adolphe Martial, Boulevard du Temple : Partie occupée par les théâtres jusqu’en 1862,1863 , BnF, Estampes et photographie, http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b84576406

6. Louis-Jacques-Mandé Daguerre, Vue du Boulevard du Temple, 1838, Bayerisches Nationalmuseum, Munich

4 Ferdinand de Saussure, Cours de linguistique générale. Lausanne, Payot, 1916, p. 86 5 Antonin Artaud, Le Théâtre et son double, Paris, Gallimard, 1994, p. 219 6 Etienne Decroux, Paroles sur le mime, Paris, Gallimard, 1963, p.44

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7 e 8. Paul Emile Pesme, A companhia dos Funambules na entrada do teatro, 1862, BnF Arts du Spectacle

do texto da pantomina Pierrot photographe, escrita especialmente para Legrand, encenando nada menos do que um “fotograficídio”. O manuscrito raro dessa pantomima encontra-se nos arquivos da BnF e podemos ver, publicada num jornal da época, uma gravura da representação desse espetáculo no pequeno teatro montado no jardim privado do atelier do fotógrafo (FIG.4). Tais imagens são particularmente importantes por documentarem o final da primeira grande fase da pantomina Oitocentista. Exatamente no mesmo ano do referido espetáculo de Carjat, o boulevard du Temple (também conhecido por Boulevard du Crime), sede do teatro dos Funambules, como de tantos outros teatros populares, local importante para o teatro mas também para a origem da fotografia, como nos mostra um dos poucos daguerreótipos sobreviventes de Daguerre (FIGG. 5-6), foi demoli9. Arthur G. da Cunha, Pierrot phodo em consequência da revolução urbanística tographe, Bulletin du Photo-Club de Haussmaniana que estava a transformar a Paris, 1896 (collection privée) 10. Anon, Pierrot photographe, serie cidade de Paris na capital da modernidade de postais, 1900ca., Fondation Auer metropolitana. pour la Photographie Esse evento representou uma tremenda ferida aberta no imaginário coletivo, contribuindo para construir em redor da figura de Pierrot uma aura nostálgica e anti moderna. Como consequência dessa demolição surgiu o desejo, por parte dos protagonistas, de fixar a memória visível dessa experiencia extraordinária, como prova a proliferação de imagens, principalmente estereoscópicas, geralmente de qualidade bastante medíocre mas que teve uma larga difusão popular. À demolição do Teatro dos Funambules, em 1862, ficaram ligadas algumas fotografias, provavelmente as primeiras e, possivelmente e por muito tempo, as únicas realizadas num espaço teatral. A série de vistas estereoscópicas de Paul Emile Pesme, mostram Deburau com a companhia dos Funambules praticamente barricados no vestíbulo do teatro num derradeiro esforço de resistência à destruição anunciada (FIGG.7-8). 11 Daniel Masclet, O mimo Georges Wague, 1923, Paris, Centre Pompidou - Musée national d’art moderne, http://www.photo-arago.fr/ Archive/27MQ2JH4QOU7/38/Le-Mime-Georges-Wague-2C6NU0WHVT6N.html

Com o passar do tempo, tanto Deburau como Legrand e as diferentes encarnações de Pierrot desde final do século serviram de modelo a numerosos outros fotógrafos, célebres ou quase desconhecidos, em Paris e até na província, contribuindo para fixar a personagem do Pierrot fotógrafo no imaginário coletivo, como podemos ver em encarnações tardias desse modelo, sejam as do fotógrafo português Arthur da Cunha, publicadas no Bulletin do Photo-Club de Paris, em 1896 (FIG.9), ou outra série de postais de caráter erótico, de autor desconhecido (FIG.10) ou até na publicidade de uma marca de material fotográfico (FIG.11) 101

12. Daniel Masclet, O mimo Georges Wague, 1923, Paris, Centre Pompidou - Musée national d’art moderne, http://www.photo-arago.fr/Archive/27MQ2JH4QOU7/38/Le-Mime-GeorgesWague-2C6NU0WHVT6N.html

No século seguinte podemos encontrar outros exemplos da função de iniciação ao mimo pelos fotógrafos, um sinal de que a prática gestual e corporal continuava a estimular a criatividade dos jovens autores. Limito-me a citar aqui alguns exemplos. Em primeiro lugar refira-se o exemplo de Daniel Masclet, um fotógrafo, crítico e teórico, que deu os primeiros passos na arte fotográfica em 1923 numa série de expressivos retratos do mimo Georges Wague. Com essa série, Masclet pôde destacar-se da influência do seu mestre, o famoso fotógrafo de moda Adolphe de Mayer, de quem fora assistente (FIG.12). O segundo exemplo, muito mais importante, é o do trabalho do fotógrafo Etienne Bertrand Weill que, logo após a guerra, começou uma longa colaboração com alguns dos mimos da nova geração, como sejam Etienne Decroux, Jean-Louis Barrault ou Marcel Marceau. Já nos anos 1950, a pesquisa de Weill sobre o movimento dos corpos, o seu equilíbrio e desequilíbrio levando-o a formas muito interessantes de fotografia abstrata, a que chamou Métaformes (FIGG. 13-15)7. Por fim, essa relação entre a fotografia e o mimo revela-se também indiretamente, temos disso um exemplo na célebre sequência do jogo de ténis mimado, a cena final do filme Blow-up de Michelangelo Antonioni (1966), por excelência o filme sobre fotografia (FIG.16).

13. Etienne Bertrand Weill, Jean Louis Barrault dans «Le sonneur de cloches», 1948, BnF, Arts du Spectacle, http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b85397418/f1.item

14. Etienne Bertrand Weill, Etienne Decroux dans «Meditation», 1948, BnF Arts du Spectacle, http://gallica.bnf. fr/ark:/12148/btv1b8539740v/f10. item (voire aussi: http://gallica.bnf.fr/ ark:/12148/btv1b8539740v)

De qualquer forma, parece-me que em nenhum desses casos apresentados estamos perante uma mera documentação iconográfica ao serviço do espetáculo. Pelo contrário, temos a nítida impressão de que a Fotografia se tem sempre servido do Mimo, não apenas para explorar e experimentar os seus próprios limites expressivos, mas sobretudo para se questionar a si própria sobre a sua essência e sobre a natureza “limite” da condição de “entre dois” e de “indecidibilidade” que Jacques Derrida atribuía ao mimo, mas que também se adapta na perfeição à própria fotografia, como o prova de forma evidente o referido retrato de Pierrot feito por Nadar.

15. Etienne Bertrand Weill, Variation pour un chorégraphe, Métaforme, 1975, BnF Arts du Spectacle, http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b85397982

16. Michelangelo Antonioni, Blow-Up, 1966

7 Permito-me, a este propósito, referir a exposição comissariada por mim e por Joelle Garcia em 2012, Vertige du corps. Etienne Bertrand Weill photographe (Paris, Bibliothèque nationale de France, sept-nov. 2012). Ver também: Cosimo Chiarelli, « Etienne Bertrand Weill, danseur d’images », Ligeia : dossiers sur l’art, n. 113-116, Janvier-Juin 2012, p.160-169

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Queria concluir esta apresentação com uma imagem feita a partir de um contexto exterior ao mundo teatral, da autoria da fotógrafa Lee Miller, captada durante a segunda guerra mundial (FIG.17) e que nos mostra de forma evidente como a memória inconsciente da figura do Pierrot fotógrafo, regressa a espaços, em certos momentos dramáticos da história, quando a fotografia é obrigada a questionar a natureza da sua relação com a realidade.

17. Lee Miller, David E. Scherman dressed for war, London, 1943

Cosimo Chiarelli Historiador da fotografia italiana, especialista das relações entre fotografia e teatro. Docente de Historia da Fotografia na Universidade de Pisa, actualmente a investigar as coleções do Departamento das Artes do Espectáculo da Biblioteca Nacional Fran- cesa. É director do “Centro per la fotografia dello spettacolo di San Miniato” (Pisa) e organizador (até 2011) do “Occhi di scena”, o único Festival Europeu dedicado à foto- grafia do espectáculo, com mostra de exposições originais de arquivos teatrais.

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Sintra’s privileged picturesque landscapes offered by 19th century photography Ana Duarte Rodrigues

Resumo Sintra’s landscape photography in the 19th century clearly remains encoded within academic painting composition. In this paper I seek to analyze the construction of Sin- tra’s landscapes idealized image through a comparative approach with other media. (intervenção em língua portuguesa). Artigo Sintra’s landscapes are the most renowned for their unique beauty and because of that an interesting subject to analyze how different media convey typical late-18th/19th century aesthetical concepts. The concepts of beautiful, picturesque and sublime were a hot subject in gardens and landscapes theory in late-18th/19th century. William Hogarth’s (1697-1764)1 The Analysis of Beauty (1753) had codified beauty and Edmund Burke’s (1729-1797)2 A Philosophical Enquiry into the origin of our ideas of the sublime and the beautiful (1754)3 provided the idea of sublime as an aesthetical category; but none of these aesthetical concepts became more successful among landscape stakeholders than the Picturesque which reached a crucial development with Uvedale Price (1747-1829)’s Essay on the Picturesque (1794). Following Uvedale Price, Richard Payne Knight’s (1750-1824) The Landscape: a didactic poem, Humphry Repton’s4 (1752-1818) Sketches and Hints on Landscape Gardening and the Reverend William Gilpin (1724-1804)5 provided the theoretical framework to be conducted into landscape and garden design. The success of this movement in art of gardens and landscape can be understood by looking at his origins: in painting depicting landscape. “Pictoresque” is translated into Portuguese as “Pitoresco” in present days, but derivates from “Pinturesco” which is a word clearly connected with painting. Nevertheless, the success of this aesthetical movement in gardens and landscape art can also be understood because through the guide lines of variety and irregularity, it offered a certain freedom for gardeners’ creativity. Picturesque as a style was characterized by irregularity, variety and a certain roughness which resembles more natural nature6. In Andrew Jackson Downing’s (1815-1852) A treatise on the theory and practice of landscape gardening, adapted to North America (1859) there is a chapter dedicated to the analysis of the beautiful and picturesque concepts7. He makes a 1 On William Hogarth’s role for art critics see: Derek Jarrett, England in the Age of Hogarth, London: Hart-Davis, 1974; William Hogarth, Conciencia e crítica dunha época, [Santiago de Compostela]: Fundacion Caixa Galicia, D.L., 2000; and Robin Simon, Hogarth, France and British art: the rise of the arts in 18th-century Britain, [London]: Hogarth Arts, 2007. 2 See Frances Fergunson, Solitude and the sublime: romanticism and the aesthetics of individuation, New York, London: Routledge, 1992. 3 Recent edition with introduction and notes by Adam Philips. Oxford: Oxford University Press, 2008. 4 On Humphry Repton see Stephen Daniels, Humphry Repton: landscape gadening and the geography of Georgian England, New Haven: London: Yale University, 1999; André Rogger, Landscapes of taste: the art of Humphry Repton’s red books, London; New York: Routledge, 2007; and The art of landscape gardening: Humphry Repton and John Nolen and American Society of Landscape Architects, Memphis: General Books LLC, 2012. 5 Who wrote many essays specifically on the Picturesque: Dialogue upon the gardens of the Right Honourable the Lord Viscount Cobham, at Stow in Buckinghamshire (1748); Observations on the River Wye, and several parts of South Wales, etc. relative chiefly to picturesque beauty; made in the summer of the year 1770 (1782); Observations, relative chiefly to picturesque beauty, made in the year 1772, on several parts of England; particularly the mountains, and lakes of Cumberland, and Westmoreland (1786); Observations, relative chiefly to picturesque beauty, made in the year 1776, on several parts of England; particularly the High-lands of Scotland (1789); Remarks on forest scenery, and other woodlands views (relative chiefly to picturesque beauty), illustrated by the scenes of New Forest in Hampshire (1791); Three essays: on picturesque beauty; on picturesque travel; and on sketching landscape: to which is added a poem, On landscape painting (1792), among others. 6 A large revision on the concept of Picturesque was given by John Dixon Hunt in Gardens and the picturesque: studies in the history of landscape architecture, Cambridge: The MIT Press, 1992 and by the same author The picturesque garden in Europe, London: Thames and Hudson, 2003. 7 Downing, Andrew Jackson, A treatise on the theory and practice of landscape gardening, adapted to North America; with a view to the improvement of country residences, with remarks on rural architecture, 6th edition, New York: A. O. Moore & Co., 1859, p. 65-69.

correspondence between flowing lines and the concept of beautiful and between irregular lines and the picturesque: “Hence we find all Beautiful forms characterized by curved and flowing lines – lines expressive of infinity, of grace, and willing obedience: and all Picturesque forms characterized by irregular and broken lines – lines expressive of violence, abrupt action, and partial disobedience, a struggling of the idea with the substance or the condition of its being.”8. Furthermore, he makes a correspondence between how these concepts are used to evaluate landscape and how they are used to evaluate art: “The Beautiful is an idea of beauty calmly and harmoniously expressed; the Picturesqe an idea of beauty or power strongly and irregularly expressed. As an example of the Beautiful in other arts we refer to the Apollo of the Vatican; as an example of the Picturesque, to the Laocoon or the Dying Gladiator.”9 The main goal of this paper is to study the Picturesque’s expression in Sintra’s 19th century landscape photography and also to approach the construction of Sintra’s idealized landscapes through a comparative study of photography with other media. Photography is in fact a privileged medium to approach landscape and its connections with painting and other bi-dimensional arts are settled since the Renaissance. Michael Jakob puts it clearly like this: “Landscape has, since its origins, been a form and way of understanding connections with technology. There is no landscape without a central perspective, without representation techniques, without a window, without the “velo” or the “reticolato” of Alberti or Leonardo da Vinci, without measuring instruments. Seeing the world as landscape is inseparable from such apparatus, which have taught us how to frame it. Framing landscape has run through the centuries. The first photograph in history, by Nièpce, was of a landscape: a rectangle made possible by the window-rectangle and the glass-rectangle.”10 I have focused this study especially on half of a dozen of Emílio Biel’s (1838-1915) A Arte e a Natureza em Portugal photographs11, among some other photographs of the same period by other photographers. The reason of this choice is because, in Paulo Baptista’s words: “From the last quarter of the 19th century, photography brought a substantial contribution to change the relationship between Portuguese visual culture and landscape, particularly through the intervention of Emílio Biel, Oporto’s photographer and photographic editor devoted to publishing albums on heritage, with dramatic photographs of Portuguese landscapes, especially in A Arte e a Natureza em Portugal (1902-1905), a monumental album and therefore the widest Portuguese photographic survey”12. Biel took naturalist photographs driven by the need to create an identity, a picturesque one: the graphic quality obtained almost annuls the temporal reference generally associated with photography and takes us metaphorically back to a picturesque idealized world where a certain unity between man and nature provided identity, regional and national. The other reason why we have chosen these photographs is because they are not photographs of detail such as a tree trunk, a path winding through, flowerbeds with roses or a flowering vine. They are landscape overviews. These photographs reveal the dramatic aesthetics of the environment. Biel preferred the scenic overlook to make photographs sure to capture the grandeur of what he was seeing.

8 Id., ibidem, p. 54. 9 Id., ibidem, p. 54. 10 Michael Jakob, “The elusive landscape”, in Paisagem (coord. Isabel Lopes Cardoso), Évora: CHAIA/Pagine d’Arte, 2012, p. 88. 11 On Emílio Biel see Paulo Baptista, A Casa Biel e as suas edições fotográficas no Portugal de Oitocentos (The Biel Co and it’s photographic editions in XIX century’s), Lisboa: IHA/FCSH/UNL/Colibri, 2010 and from the same author, “Revealing Nature: Landscape Photographic Publication Before 1910”, in Gardens & Landscapes of Portugal, CHAIA/CHAM/Mediterranean Garden Society, nr. 2 (May 2014), pp. 45-59. 12 Paulo Baptista in Gardens & Landscapes of Portugal, nr 2 (May 2014), CHAIA/CHAM/Mediterranean Garden Society, p. 46.

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Are these photographs art or document? Can these photographs reveal us Sintra’s 19th century landscape? How do they convey the Picturesque? What characterizes them? Do they confirm what is expressed by other media or no?, are thus the questions posed. We have to take into consideration that photography in the 19th century was not, as it is in the 20th century, the most common of objects that change hands on a daily day. It was by then a privilege to the elites: a very avantgarde art, as to which Alberto Carlos Lima’s Dom Carlos e outras individualidades’ photograph is an evidence. However, it is our doorway on to a world waiting to be discovered: the look of 19th century landscape, before and after King D. Fernando II. The first point to recall is that landscape photographs, far from being a literal or mirror image of nature, are a form of representation of landscape13. They reveal the photographer’s rational and emotional because they offer his selective focus on some elements which appeared to be more appealing to him. Furthermore, photographs’ beauty to our eyes transformed them into artistic objects, thus turning them into art photograph to which art historians bring hermeneutics. In the end, the photograph is an open work of art with an endlessly sequence of accumulated meanings. Nevertheless, photography is a special medium of art because it registers and crystallizes reality. It is important to recall Rolland Barthes when he said whenever we look at a photograph we look at a dead world because the moment has passed. In this case even more, because we are looking at 19th century landscape photographs and the change occurred in this landscape is beyond recognition. We are looking to a representation of a nonexisting world. And because of that it tells us a lot about the natural scenery it depicts but also on the context which produced it, on how landscape was put into perspective, what were the most outstanding views, and what elements were chosen to be included in the photographs to add value to them. For example, the Pena Palace is chosen as a focal point of the photograph’s perspective and will become a sort of label of Sintra’s landscape. What we can see in these photographs is certainly the fragmentation of the national space into regional landscapes. One of the motifs which was used to define regional landscapes was the inclusion of historical monuments in the landscape representation which is the photography. The Image 1 beauty and historical-artistically importance of some monuments which announce or denounce a romanticist sensibility such as the Palace of Seteais, the Quinta de Monserrate, the Quinta do Relógio, and the Palace of Pena are shown in these photos. For example, Alberto Carlos Lima’s Parque e Palácio de Monserrate photograph (beginning of the 20th century, Image 2) stands as a great example of Sintra’s picturesque landscape. Biel’s choice coincided with the tourist views also offered by Sintra’s tourist guides focused always on the same paradigmatic historical monuments among which were the Pena Palace (see Vista Geral do Castello da Pena, Photo 1). Besides that it really seems Biel has chosen the vantage points of the site and he was also able to suggest the light and airy of Sintra’s atmosphere. In view of this, we want to stress that these photographs feed from the vocabulary of tourism, and structure themselves according to their representation in painting. Besides being an artistic object, these landscape photographs are certainly also documentary because that was probably the main goal of Biel, following the album La France Pittoresque (1835). Furthermore, these photographs can be a precious historical source to add knowledge, for example, to the location and use of 13 On landscape photography the seminal work for this paper was by Graham Clarke, The Photograph, Oxford; New York: Oxford University Press, 1997.

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17th century Neptune’s Fountain by Bernini and Ercole Ferrata. Joshua Benoliel’s Romaria ao Senhor da Serra em Belas inedited photograph (1907, Image 3) shows us people celebrating this religious date around a sculpture which is not even displayed as a fountain14. We can only observe the pedestal but we recognize it is the fountain bought by the Marquis of Belas to Count of Ericeira which came from the Palace of Anunciada in Lisbon’s downtown to Quinta do Senhora da Serra in Belas in late 18th century, and it is since 1940 in the gardens of the National Palace of Queluz15 (Image 4). Thus, art and document are two sides of Image 2 the same coin relative to Sintra’s 19th century landscape photographs. They cannot be evaluated without both perspectives. Another aspect of the picturesque conveyed by these media is the rocky feature of Sintra’s landscape. Some landscape features can be recognized in these photographs as well as in paintings or printings of the same period. The rocks, the arid and rustic look of Sintra’s landscape offered by Emílio Biel’s Vista Geral do Castello da Pena (19th century, Image 1), by José Chaves Cruz’ Rochedo de Sintra photograph (c. 1900, Image 5) and by some other anonymous photographs, can also be recognized in Legrand’s Lithography on Pena Palace (1843, Image 6) and in João Cristino da Silva’s Cinco artistas em Sintra painting (1855, Image 7). These idealized sceneries are artistic compositions and in view of this we have to be careful when taking them as documents to inform us on the geography. Nevertheless, for landscape’s general aspect I would consider it as a reliable source because they show exactly what we know about the transformation of Sintra’s mountain by King D. Fernando II: all these media show a deepen contrast between the rocky and arid landscape with what present Sintra’s landscape is renowned for its luxuriant vegetation. The various references to the imposing rocks suggest these are some of the more singular elements. They contribute the most to the hard side of Sintra’s mountain and the irregular topography. These rocks are hardly seen in the landscape nowadays but still appear as signature of this landscape in an ancient anonymous photograph circa 1900 with the Palace of Pena (Image 8) already built, nevertheless without the leafy vegetation that will cover these rocks.

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14 Different from the depiction of the same fountain in the Quinta de Belas in Archivo Pittoresco, vol. VI, p. 189. 15 On Neptune’s Fountain see the reference works by Teresa Leonor Vale, “La Fontana di Nettuno nei Giardini del Palazzo di Lisbona dei Conti di Ericeira, Un’Opera di Gian Lorenzo Bernini e Ercole Ferrata in Portogallo”, in Monica Lupetti (ed.), Traduzioni, Imitazioni, Scambi tra Italia e Portugallo nei Secoli. Atti del Primo Convegno Internazionale, Florence: Leo S. Olschki Editore.

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The picturesque composition for what contributes the inclusion of countrymen and domestic animals is recognized in many 19th century prints by William Burnett’s Paisagem de Sintra (19th century, Image 9), Domingos Schiopetta’s Paisagem de Sintra (c. 1829-1830, Image 10), or by Lady Jackson’s Sintra’s Landscape in Fair Lusitania (1880). Somehow the same idea is shown by João Cristino da Silva’s Cinco Artistas em Sintra (Image 7) when he dresses himself and some of his painters’ fellows as countrymen. They reflect the restful assumptions of upper classes that looked upon landscape scenery in aesthetic and philosophical terms, especially in the sense of lost rural paradise regained. They are part of the picturesque tradition which reflected a social harmony equivalent to an assumed natural beauty. However, this aspect stresses a main difference with Biel’s photographs now analyzed because these do not include countrymen (at least in Biel’s photographs analyzed by us).

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The other picturesque feature present in Sintra’s 19th century landscape photograph and also common in other media is the oak which is considered the proper tree of the Picturesque. The connections established between landscape and styles also include some statements on trees and the oak is by far considered the most picturesque tree, as Downing points out: “As an ornamental object we consider the oak the most varied in expression, the most beautiful, grand, majestic, and picturesque of all deciduous trees. The enormous size and extreme old age to which it attains in a favorable situation, the great space of ground that it covers with its branches, and the strength and hardihood of the tree, all contribute to stamp it with the character of dignity and grandeur beyond any other compeer of the forest. When young its fine foliage (singularly varied in many of our native species) and its thrifty form render it a beautiful tree. But it is not until the oak has attained considerable size that it displays its true character, and only when at an age that would terminate the existence of most other trees that it exhibits all its magnificence.”16 16 In Downing, Andrew Jackson, A treatise on the theory and practice of landscape gardening, adapted to North America; with a view to the

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This opinion was confirmed by Gilpin who says “The oak is confessedly the most picturesque tree in itself, and the most accommodating in composition. It refuses no subject either in natural or in artificial landscape. It is suited to the grandest, and may with propriety be introduced into the most pastoral”17. The Picturesque vision of Sintra’s 19th century landscape photographs convey an idyllic unity between nature and man where irregularity, variety, creativity, unevenness and rustic take place within a scenario of rocks and oaks, and historical monuments which are region’s label. There is no doubt landscape photography remains encoded within the language of academic painting, as we can confirm by comparing some of these photographs with Image 9 19th century paintings and printings. Furthermore, there is no doubt that this picturesque feeling was also given by literature. Indeed, the same vision was given by the same time in literature by William Beckford (1760-1844) who was also astonished with Sintra’s beauty; by the poet laureate and expert in Portugal and Brazil History Robert Southey (1774-1843); by Georges Gordon Byron (1788-1824), 6th Lord Byron and preeminent poet of British Romanticism who stands famous by his lucky expression “Cintra’s glorious Éden”; by the princess Maria Rattazzi (18131883) who writes Portugal’s portrait in 1879; and, among others, by Dora Wordsworth (1804-1847), daughter of the romanticist poet laureate William Wordsworth (1770-1850) who considers Image 10 Sintra one of the most beautiful places on Earth, if not the most beautiful, and certainly unique “in its character of beauty and its strangeness”, heighten mostly the nature and the beauty of the mountain, in the expression “What man has done is nothing to the situation itself!”18. The highest recognition of Sintra’s 19th century landscape was obtained the 6th December 1995, during the 19th Session of the UNESCO World Heritage Committee that occurred in Berlin, when Sintra was classified as World Heritage in the category of “Cultural Landscape”. Among the fundamental values that sustained the classification as World Heritage Cultural Landscape we count parks, estates, gardens and architecture. For that contributed the historical centre of Sintra’s old town, the castle of the Moors, the villa of Regaleira and specially the park of Pena and the park of Monserrate, among others; but the most important was landscape itself. Sintra’s natural beauty (which is not natural) depends always on our perception. It relies on an artistic operation. In this case Art is conveyed directly by nature itself due to the landscape creation that was made there, thus we can observe it in situ. But this beauty was enlarged and crowned by other media such as photography which spread as no other its landscape unique value. Ana Duarte Rodrigues Professora Universitária, Doutorada em História da Arte pela FCSH da UNL, investiga- dora do CHAIA da UE e do CHAM da FCSH da UNL, Investigadora (Fellow) na Universi- dade de Harvard (2013). Editora da revista Gardens & Landscapes. Autora de numero- sos livros e artigos científicos sobre jardins e paisagem e escultura.

improvement of country residences…, with remarks on rural architecture, 6th edition, New York: A. O. Moore & Co., 1859, p. 119. 17 In Downing, Andrew Jackson, A treatise on the theory and practice of landscape gardening, adapted to North America; with a view to the improvement of country residences…, with remarks on rural architecture, 6th edition, New York: A. O. Moore & Co., 1859, p. 119. 18 Quillinan, 1895, p. 180. For futher reading on this subject see Ana Duarte Rodrigues, Sintra’s gardens of the 17th and 18th centuries, Sintra: Câmara Municipal de Sintra (forthcoming).

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Documentos fotográficos na Torre do Tombo: tratamento e acesso Anabela Ribeiro, Carla Lobo, Fátima Ó Ramos, Fernando Costa, Paulo Leme, Paulo Tremoceiro

Resumo Condições de acesso: O acervo fotográfico do Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT) foi enriquecido com a fusão do ex. - Arquivo de Fotografia de Lisboa em 2007. Tornou-se, assim, num acervo bastante diversificado e com uma grande multiplici- dade de tipologias documentais. Dada a sua magnitude, apenas parte da documenta- ção fotográfica se encontra, atualmente, disponível aos mais variados utilizadores. A pesquisa fotográfica obedece a determinadas especificidades que a tornam singular dentro do ANTT. Não obstante, o acesso às imagens poderá ser condicionado pelas restrições de comunicabilidade previstas na lei. Artigo Conhecer o acervo fotográfico do Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), suas características, possibilidades de consulta e de pesquisa. O tratamento técnico e a apresentação de conteúdos. Finalmente a conservação, transferência de suporte e a disponibilização no catálogo em linha. O estado da questão no ANTT. Para melhor compreensão e desfrute dos fundos fotográficos ou dos fundos que incluem documentos fotográficos na posse do ANTT, recordamos um pouco da sua “História custodial e arquivística”. O Arquivo de Fotografia de Lisboa (AFL), arquivo dependente do Centro Português de Fotografia (CPF), foi criado pelo Decreto-Lei n.º 160/97, de 25 de Junho, tendo sido instalado no Instituto dos Arquivos Nacionais / Torre do Tombo (IAN/TT). No entanto, os fundos e coleções que iriam constituir o seu acervo só seriam transferidos para o IAN/TT durante o ano de 1999. Em Fevereiro, o AFL incorporou os fundos da antiga Fototeca do Palácio Foz (FPF) e, em Setembro, uma parte dos fundos e coleções do antigo Arquivo Nacional de Fotografia (ANF) (hoje, Arquivo de Documentação Fotográfica da Direção Geral do Património Cultural). O AFL, para além das preocupações relacionadas com a conservação e digitalização das espécies fotográficas assumiu também o compromisso de assegurar o atendimento ao público que era uma das principais vertentes das instituições suas antecessoras. Os primeiros passos dados na organização arquivística dos fundos e coleções foram iniciados e aprofundados nos primeiros anos do século XXI. Para além de outros trabalhos de organização e análise dos fundos e coleções do AFL, a criação das primeiras estruturas arquivísticas e respetivos códigos de referência dos fundos acessíveis ao público, possibilitou, para além de um melhor conhecimento da lógica interna que presidiu à constituição de cada fundo, uma melhoria acentuada no serviço público então prestado. As imagens passaram a ser fornecidas aos utilizadores devidamente identificadas, o que facilitou, sempre que necessário, a sua posterior localização. Em Abril de 2005, o CPF apresentou ao Programa Operacional da Cultura (POC), um Projeto intitulado “Promoção do acesso público aos arquivos de fotografia do CPF”. Para além do aumento do número de espécies tratadas, descritas e digitalizadas, da garantia da preservação e salvaguarda dos documentos e da promoção do acesso à distância através da disponibilização online, o Projeto visava “realizar um salto tecnológico no processo de arquivo fotográfico” (Barros et al. 2007: 8). Dois dos seus principais objetivos eram a descrição pormenorizada e posterior disponibilização na web de 14 500 documentos fotográficos e a publicação, em papel, de um primeiro guia de fundos e colecções dos arquivos de Lisboa e do Porto. O “Guia de Fundos e Colecções Fotográficos 07” viria a ser publicado em 2007.

Durante esse ano, no âmbito das orientações definidas pelo Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado (PRACE), o CPF e, consequentemente, o AFL foram extintos por fusão no então Instituto dos Arquivos Nacionais / Torre do Tombo (Decreto-Lei n.º 93/2007, de 29 de Março). Os referidos Arquivos fotográficos são constituídos, atualmente, por 40 fundos e coleções com cerca de dois milhões de documentos fotográficos. Este conjunto situa-se, cronologicamente, entre o último quartel do século XIX e a última década do século XX. Trata-se de um acervo com uma grande diversidade de fundos e coleções. Nele se inserem arquivos de publicações periódicas (Empresa Pública Jornal O Século, Revista Flama e Diário da Manhã e Época), de casas fotográficas (Foto Nunes, Foto Arte, Foto Vasques, Estúdio Nova Goa, Foto Correia, Foto Nova União, Foto Oriente, Foto Graça, entre outras), de fotógrafos (João Francisco Camacho, António Garcia Nunes, Fernando Santana Cardoso, Alfredo Fillon, Francesco Rocchini, Joshua Benoliel, Jorge Almeida Lima, Claudino Costa Madeira, Armando Serôdio, Amadeu Ferrari, entre outros) e de organismos públicos tais como o Secretariado Nacional de Informação e a Direção Geral da Comunicação Social. Os fundos e coleções atrás referidos são compostos por uma multiplicidade de tipologias documentais (fichas ilustradas, álbuns fotográficos, fotografias, negativos em vários formatos, e recortes de imprensa nacional e estrangeira). Os fundos, coleções e séries disponíveis para consulta são os seguintes: Empresa Pública Jornal O Século (EPJS) / Serviço de Fotografia / Séries: Álbuns Gerais (001) – a subsérie Álbuns Alfabéticos encontra-se em fase de descrição. No catálogo em linha, podem ser consultados os registos descritivos dos álbuns situados cronologicamente entre Janeiro de 1928 e Março de 1934 (os primeiros 61 álbuns). Com as imagens associadas aos respetivos registos, estão já disponíveis os anos de 1926, 1927 e o período compreendido entre Abril de 1934 e Setembro 1938. Os álbuns de datas posteriores estão digitalizados na íntegra, e disponíveis para consulta em formato pdf na sala de referência do ANTT; Caixotes Grandes (002) – organizada de forma temática e onomástica. A remissão para esta série é feita a partir das fichas existentes na série Ficheiro Central; Ficheiro Central (005) – organizada de forma temática e onomástica; Fotografias de 1921-1925 (006) – fichas digitalizadas mas ainda sem registo descritivo. A pesquisa e a selecção são efetuadas através de uma lista ordenada cronologicamente; Geografia (007) – série organizada alfabeticamente pelo nome da localidade; Joshua Benoliel (008) – imagens descritas e digitalizadas, disponíveis no catálogo em linha; Negativos 1970-1977 (010) – só consultáveis após digitalização; Século Ilustrado (011) – organizado pelo número da edição. Em alguns casos, a remissão para esta série é feita a partir das fichas existentes na série Ficheiro Central; Personalidades (012) – organizada alfabeticamente pelo apelido da personalidade. Flama (FLA) / Série: Positivos (PO) – em envelopes e pastas organizados alfabeticamente. Diário da Manhã e Época (DME) / Série: Positivos (PO) – em envelopes organizados alfabeticamente. 111

Secretariado Nacional de Informação (SNI) / Séries: Documental (DO) – organizada segundo um classificador; Reportagem Política (RP) – constituída pelas subséries “Presidentes da República”, “Primeiros Ministros” e “Política Geral”. Todas se encontram organizadas por ordem cronológica; Panorama (PN) – composta pelas subséries “Pastas Geográficas”, “Pastas Temáticas” e “Pastas Onomásticas”. As referidas pastas suspensas encontram-se organizadas alfabeticamente dentro de cada subsérie. Direção Geral de Comunicação Social (DCS) / Série: Reportagem (RP) – constituída pelas subséries “Comunicação Social” e “Política Geral”. Ambas se encontram organizadas por ordem cronológica. Agência Geral do Ultramar (AGU) / Séries: Angola (001), Cabo Verde (002), Guiné (003), Índia (004), Macau (005), Moçambique (006), São Tomé (007), Timor (008) e Arquivo Histórico (009). Os documentos encontram-se devidamente acondicionados, descritos, e disponíveis no catálogo linha. Como as imagens não estão digitalizadas, as fichas ilustradas vêm à consulta. Laboratório Industrial Fotográfico Santos de Almeida (LSA) Embora ainda não exista descrição abaixo do nível fundo, este é constituído por fichas ilustradas e pelos correspondentes negativos. Apenas os positivos são consultáveis e encontram-se organizados alfabeticamente pelo nome da respetiva terra. Antero de Seabra (AS) – Fundo descrito, digitalizado na totalidade e disponível no catálogo em linha com exceção da documentação descrita na secção “Atividades de âmbito pessoal e familiar” que não é comunicável. Alfred Fillon (AFN) – metade dos 81 documentos fotográficos que compõem este fundo estão já digitalizados. Jorge Almeida Lima (JAL) – encontra-se em fase de descrição e parcialmente digitalizado. Algumas imagens já estão disponíveis no catálogo em linha. Fernando Santana Cardoso (FSCR) – digitalizado na íntegra e em fase de descrição. Todos os documentos fotográficos digitalizados que compõem as séries dos fundos e coleções acima descritas, e que ainda não se encontram associados aos respetivos registos do catálogo em linha, podem ser consultados numa área específica, existente nos computadores da sala de referência. Os procedimentos de resposta a pedidos de pesquisa fotográfica têm em consideração os diferentes tipos de público (pessoas singulares, entidades particulares e oficiais, editoras e revistas) e permitem um leque variado de pesquisas temáticas, onomásticas e históricas. A pesquisa fotográfica requer frequentemente conhecimentos sobre Geografia e História de Portugal para possibilitar a contextualização e o cruzamento de dados. Atualmente esta processa-se da seguinte forma: 1. 2. 3. 4.

Entrada dos pedidos através do email oficial da DGLAB ([email protected]); Pesquisa nos fundos que ainda não estão digitalizados efetuada no depósito pelo técnico do ANTT; Seleção de imagens por parte do utilizador; Pedido de reprodução digital feito pelo utilizador através do formulário “Reprodução de docu112

mentos”, acessíveis no sítio do ANTT, WWW:
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