Vivência ou Fingimento – Estamos chegando ao cerne da abordagem de Stanislávski? - John Gillet

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GILLET, John. Experiencing or pretending - are we getting to the core of Stanislavski’s approach? Stanislavski Studies 1, February, 2012. Traduzido para fins didáticos por Laédio José Martins (Dez. 2015/Jan. 2016). Vivência ou fingimento – estamos chegando ao cerne da abordagem de Stanislávski? John Gillett Não há arte verdadeira onde não há vivência – Stanislávski (An Actor’s Work [O Trabalho do Ator]: 28) O “Sistema” de Stanislávski... fornece lógica e consistência ao processo de... criação de uma vida orgânica no palco – Anatoly Smeliansky, Diretor da Escola do Teatro de Arte de Moscou (Teaching Stanislavski [Ensinando Stanislávski]: 79) O cerne, o alicerce, o alfa e o ômega, o elemento essencial absoluto da abordagem de Stanislávski, sem o qual Stanislávski não teria a enorme relevância e influência que ele ainda tem, é a crença na vivência. “Vivência” é, na verdade, o subtítulo de Ano Um, a primeira parte de An Actor’s Work [O Trabalho do Ator] na tradução de Benedetti. Ironicamente, como Sharon M. Carnicke destacou, tornou-se o “termo perdido de Stanislávski” (Stanislavsky in Focus [Stanislávski em Foco]: 107); e na proliferação de livros sobre atuação e escolas, Universidades e Cursos de Teatro que incluem algumas técnicas de Stanislávski, essa noção fundamental pode se perder, uma possibilidade que indicarei parcialmente mais tarde, com referência à Teaching Stanislavski [Ensinando Stanislávski] (o projeto de pesquisa, [que] envolve entrevistas com os profissionais em ensino de teatro [drama education], iniciadas pela CUPDT, a Conferência Universitária Permanente dos Departamentos de Teatro [SCUDD, the Standing Conference of University Drama Departments], em conjunto com Palatina, a Superintendência Universitária para a Dança, Teatro e Música [Palatine, the HE Academy Subject Centre for Dance, Drama and Music]).

Flores reais ou flores de plástico? O que Stanislávski quer dizer com vivência? A palavra russa é perezhivanie, e também tem sido traduzida como reviver ou experimentar/passar por/viver através [live through] ou viver o papel, dentre muitas variações.

O que isso significa na prática específica? Esta vivência significa percorrer um processo orgânico, usando o próprio ser natural, mental, físico, emocional, ao invés de construir uma forma externa através de um conjunto de escolhas racionais. Nos submetemos a explorações criativas e ativas utilizando-nos de nós mesmos para transformar em outra coisa durante o ato da performance. Como atores – e falo como um ator e não como um observador objetivo – uma vez que conhecemos as circunstâncias básicas precisamos nos lançar nelas imaginativamente e abrir-mo-nos à sua influência como ao ar em nossos pulmões. Quando eu vivencio, em oposição a dizer a mim mesmo conscientemente o que eu deveria estar fazendo, eu tenho uma série de qualidades. Estou focado e tranquilo, absorvido e engajado nas circunstâncias imaginárias da improvisação ou texto, na ação, nas condições do personagem, como se a situação fosse real, então eu acredito que isso está acontecendo no sentido de imaginar com compromisso que está acontecendo: me faço acreditar com a ingenuidade de uma criança. Isto é quando eu começo a sentir que Eu sou [I am] (ou como Benedetti coloca de forma mais ativa, Eu estou sendo [I am being]) esse personagem neste momento, nesta situação, aqui e agora. Eu percorro a ação momento a momento concentrado somente nos atores/personagens opostos a mim e ao que está acontecendo a mim e a eles, tentando afetá-los e modificálos com o que eu quero, como eu faria na interação com as pessoas na vida real. Esta experiência da ação e interação com outras pessoas é a base da arte do ator para Stanislávski: “Atuar é ação – física e mental” (An Actor’s Work [O Trabalho do Ator]: 40). Ele concebe que isso ocorre como um processo espontâneo, flexível e livre dentro da estrutura dada das circunstâncias e da disciplina da prática de uma forma de arte. Ela [a ação] é impulsionada pela imaginação, não pelo intelecto, por um sentido de jogo, não ao estalar de compartimentos cerebrais, e crucialmente coloca “Eu o ator” na situação do personagem, ao invés de estar sendo objetivamente removido dela. Nessa conexão básica com a ação de uma cena, integramos todos os outros elementos associados à atuação como uma arte: total consciência sensorial, sentimento fluindo a partir e através da ação, desenvolvimento do mundo imaginário do texto, atmosfera, aspectos vocais e físicos da caracterização, a forma e o equilíbrio do papel, a relação com o público, e assim por diante. Uma vez que todos estes elementos estejam no lugar, então pode haver uma experiência completa do papel. Em Minha Vida na Arte (492) Stanislávski deixa claro, “...elementos separados da arte podem cumprir os propósitos da criatividade não mais do que elementos separados do ar podem servir ao homem para respirar”.

Assim, como Stanislávski concebe o processo, fazemos então alguma preparação consciente imaginativamente comprometida com a ação, liberando nossa intuição, e alcançando organicamente níveis subconscientes de operação e inspiração. Através disso chegamos a seu propósito final de criar a vida do espírito humano do papel, a vivência completa da vida interior do eu como o personagem comunicado através de forma artística e expressão física: meus pensamentos, sentimentos, desejos, motivações, consciência sensorial e visualizações criativas, a energia criada dentro de mim e entre mim e os outros, a apropriação do elemento universal no meu personagem que me vincula a uma humanidade comum e transmite melhor as ideias do escritor, para que realmente nos conectemos com o público fazendo-os pensar, sentir, entender, oferecendo-lhes não apenas entretenimento, mas a iluminação sobre a condição humana. Portanto, Stanislávski tem uma visão orgânica e holística da atuação e do teatro, a sua teoria, prática e propósitos; um conjunto de ideias, e não só estéticas, mas também morais e filosóficas, relativas ao seu interesse na filosofia oriental e [no] yoga e da natureza do teatro e da sociedade ao seu redor; Mas ele esforçou-se em negar [que] suas ideias fossem uma filosofia, sistema ou método, porque isso implicava algo fixado, [motivo] pelo qual eu prefiro a palavra abordagem. Sua crença na vivência e [em] processos orgânicos naturais também foi enfatizada por ele e o Teatro de Arte de Moscou (TAM) porque ele queria diferenciar sua abordagem dos estilos de atuação vigentes da época, ainda muito evidentes no mundo atual. Na performance de cada papel em cada peça, ele manteve “ao lado de momentos de vivência real, há momentos de mera representação, de repertório pronto [stock-in-trade], cabotinagem e aproveitamento [ham and exploitation]” (An Actor’s Work [O Trabalho do Ator]: 35). Aproveitamento da arte [Exploitation of art] pelos atores significa simplesmente usar a atuação “para fazer uma carreira para si” pela exibição de seus notáveis atrativos pessoais. Atuação cabotina [ham acting] envolve grosseiros clichês comuns como os péssimos estereótipos raciais. Por atuação de repertório pronto [stock-in-trade] Stanislávski queria dizer frases recitadas, truques teatrais fixos, clichés mecânicos para indicar sentimentos. Tenho certeza que todos nós podemos pensar em exemplos contemporâneos. Atuação representativa [Representational acting], no entanto, ele via como uma arte porque o ator pode vivenciar o papel no ensaio ou em casa, mas:

“O papel da vivência não é o fator criativo mais importante, mas somente uma das etapas preparatórias. O trabalho que se segue é a busca de uma forma artística externa, uma que dê uma expressão visual clara para o conteúdo interior. Aqui, o ator se baseia acima de tudo em si mesmo e tenta sentir totalmente, vivenciar a vida de seu personagem. Mas, repito, ele não faz isso durante a performance, na frente de uma plateia, mas apenas em casa ou no ensaio” (An Actor’s Work [O Trabalho do Ator]: 23). Embora com a abordagem representativa os atores possam tentar retratar a vida interior de um papel, eles vão recorrer à “cópia, imitação, que nada tem a ver com o verdadeiro trabalho criativo” (An Actor’s Work [O Trabalho do Ator]: 25). O ator francês Benoît Constant Coquelin (1841-1909) foi o teórico da atuação representativa. Em The Art of the Actor [A Arte do Ator], ele afirmou, conforme cita Stanislávski, “O ator não vive, mas representa/interpreta/joga [plays]. Ele permanece frio em relação ao objeto de sua atuação... A arte não é a vida real, nem mesmo o seu reflexo. A arte é em si um criador. Ela cria sua própria vida, fora do tempo e do espaço, bela em sua própria abstração”. Ao que Stanislávski responde: “Eles podem realmente acreditar que sua técnica é mais poderosa do que a própria natureza?” (An Actor’s Work [O Trabalho do Ator]: 26). Este tipo de atuação se baseia em convenções e ilustra o papel, como imitando uma imagem vista na memória. Eu preciso deixar claro aqui que isto não é o mesmo que a noção de visualizar o personagem de Michael Chekhov, uma técnica que muitos atores irão usar em algum momento. Chekhov viu o personagem na sua imaginação, ele foi ao encontro de si mesmo, como Stanislávski também defendeu, mas então vivenciou sua criação emocional e fisicamente. Isto era a não adoção de uma máscara. Stanislávski conclui: “Este tipo de atuação... é eficaz ao invés de profunda. A forma é mais interessante do que o conteúdo... Você se maravilha, mas você não acredita... quando se trata da expressão de paixões profundas, é chamativo demais ou muito superficial.” (An Actor’s Work [O Trabalho do Ator]: 26). Curiosamente, Uta Hagen chama também de “formalismo” (A Challenge to the Actor [Um Desafio Para o Ator]: 42). A atuação representativa no seu pior pode incluir exemplos de algumas das outras formas mais cruas mencionadas, e frequentemente na experiência contemporânea nem sempre é evidente que os atores principalmente preocupados com a forma artística exterior têm realmente se preocupado em explorar a vida interior de um papel em tudo. Em resumo, podemos dizer que a atuação orgânica de Stanislávski é vivência; a atuação representativa é fingimento. Assim, o sentimento irá ser vivenciado em uma (como sentimento recorrente, repetido – An Actor’s Work [O Trabalho do Ator]: 208) e

fingido na outra. A atuação orgânica é essencialmente fazer, criar ações físicas e ações psicológicas dos impulsos internos decorrentes das circunstâncias; a atuação representativa indica a ação, condutas, e estados emocionais. A atuação orgânica trabalha do consciente para o subconsciente para criar e recriar a vida do espírito humano do papel; a atuação representativa concentra-se na forma externa. Como resultado, a atuação orgânica tende a abranger o universal, apoiada na profundidade da experiência humana enquanto a atuação representativa muitas vezes segue a moda. A atuação orgânica usa o criativo lado direito do cérebro, no momento da espontaneidade e se concentra no que e por que algo está acontecendo; a atuação representativa usa mais o lado esquerdo do cérebro, de tomada de decisão racional, predetermina o que vai acontecer, e se concentra em como algo será feito. Conforme relata Nikolai Gorchakov em Stanislavsky Directs [Stanislávski Dirige] (397), “Stanislávski dedicou-se... ao desenvolvimento de uma técnica de viver o papel; um sistema de transformação que era oposto ao sistema de atuar o papel, o sistema comumente aceito antes de seu tempo no teatro ocidental.” Stanislávski traça um paralelo hortícola: “Estas duas técnicas são diferentes uma da outra, do [mesmo] modo que plantas reais num viveiro diferem de flores artificiais feitas em uma fábrica” (citado na introdução de Benedetti [ao livro] de Toporkov, Stanislavsky in Rehearsal [Stanislávski Ensaia]: xi).

Os fundamentos da vivência Há o que eu chamo de uma dinâmica da ação na raiz do processo de vivenciar. A vivência completa será alcançada através de todos os elementos no processo criativo, mas a exploração da ação num texto frequentemente será a fonte do fluxo. Num ensaio para Almas Mortas [Dead Souls], de Gogol em 1932, Stanislávski fez esta observação sobre o trabalho na ação: “... Não force nada, cautelosamente faça de seu ponto de partida as mais simples, vivas, ações orgânicas. Não pense sobre o personagem. O personagem irá emergir como resultado da sua execução de ações verdadeiras nas circunstâncias dadas. Você acabou de ver... como você pode construir um caminho passando de uma pequena verdade para outra, testando a si mesmo, liberando a sua imaginação e assim, alcançar um vívido personagem expressivo” (Stanislavsky in Rehearsal [Stanislávski Ensaia]: 88).

Este é um exemplo do Método de Ação Física no embrião. Seis anos mais tarde, trabalhando na peça de Molière, Tartufo, como um exercício para explorar esse processo, ele reitera este ponto: “A atuação real começa quando não há ainda nenhum personagem, mas um “eu” nas circunstâncias hipotéticas. Se não for esse o caso, você perde contato com você mesmo, você vê o papel de fora, você o copia.” (Stanislavsky in Rehearsal [Stanislávski Ensaia]: 110) Os três elementos básicos na dinâmica inicial da ação são: Eu nas circunstâncias, a interação com os outros e, o que eu quero? Poderíamos abordar estes elementos de uma forma fria, intelectual, analisá-los acadêmica e objetivamente, e eu suspeito que essa possa muito bem ser a abordagem em alguns cursos de curta duração sobre Stanislávski e até mesmo em alguns cursos de escolas de Teatro. Usar as ferramentas e fazer os exercícios não necessariamente traz a abordagem à vida, particularmente se houver pressão de tempo, e o ‘canteiro’ Stanislávski é só um entre muitos [de flores] reais ou de flores de plástico alcançando a luz do sol. Há também o problema envolvido em aprender algo novo. O cérebro e o corpo têm que absorver informações e entendê-las antes que elas possam ser processadas e se tornar uma segunda natureza. Alguns estudantes e atores podem bloquear aspectos do processo e resolutamente manter ‘na cabeça’. Isso torna ainda mais vital que os elementos da abordagem sejam tratados criativamente e relacionados a processos naturais.

Eu nas circunstâncias É somente quando conhecemos os acontecimentos e as circunstâncias ao nosso redor que sabemos o que fazer, e descobrimos as circunstâncias dadas para uma cena principalmente a partir do escritor. Quando Stella Adler encontrou Stanislávski em Paris, em 1934, “Ele disse que onde você está é o que você é e como você é e o que você pode ser. Você está em um lugar que vai alimentá-lo, que lhe dará a força que lhe dará a capacidade de fazer o que quiser” (The Art of Acting [A Arte da Atuação]: 139). No entanto, o conhecimento intelectual de uma lista de circunstâncias não será bom o suficiente. Todos os fatos que nos são dados necessitam ser destilados em uma plataforma de lançamento criativa a partir da qual o ator entra em cena. Esta é fornecida pelos Q’s [W’s: who, where, why], um rápido resumo de quem eu sou, onde estou – e onde estive e para onde vou – e por quê que eu estou lá, preenchido com imagens visualizadas, sons

imaginários, sabores e cheiros conjurando lugar e tempo e uma forte sensação do que acabou de me acontecer, e dando a crença de que eu estou presente neste lugar e tempo como se fosse real. Entramos na ação numa onda imaginária, ao invés de [fazê-lo] sob o peso da desordem intelectual. Isso nos impede de simplesmente caminhar a partir das coxias ou de uma cadeira no espaço de ensaio, ao invés disso, emergimos de e para uma realidade imaginada, de modo que viemos do passado para o presente, sabendo que temos um futuro. Nossa preocupação, então, é: Se eu estou nesta situação [que] eu imagino ser real, o que eu faço? Stanislávski coloca assim: Se eu estivesse nessa situação como uma possibilidade da vida real, o que eu faria? Numa cultura de atuação ainda, creio eu, dominada pela atuação representacional, isso pode facilmente levar os atores a pensar sobre o que eles podem fazer ou tem feito e conscientemente imitar, ao invés de explorar as circunstâncias imaginárias neste momento e realmente vivenciá-las como se elas fossem reais, fazendo descobertas que são informadas por experiências passadas, observações e memória em um nível intuitivo e subconsciente. Portanto, a ênfase está na imaginação e na ação vivenciada, que produz espontaneamente uma ação reconhecidamente humana, ao invés de uma ação intelectual e descritiva, que produz algo sem

vida

e

distante.

Stanislávski

enfatizou

que

o

‘se’

é

um

provocador/motivador/impulsionador [a prompt] para a vida interior e exterior, para a imaginação e para a ação. Então, em qualquer situação em que haja um problema a superar, eu preciso absorver as circunstâncias e acontecimentos que me cercam, respirá-las e a partir do meu plexo solar, responder a elas, em vez de avançar por elas com uma agenda prédeterminada. Minhas ações – como reações à situação – devem se desenrolar a partir de impulsos que emergem da situação, cada ação justificada por ela e com alguma emoção que emerge organicamente através da ação, ao invés de serem representadas para indicar um estado emocional em vez da ação. O que também resulta de descobrir o que você faz é o que você quer, o que você está tentando alcançar, o objetivo, para o qual eu vou me voltar em breve. Se eu não estou improvisando como eu mesmo, mas interpretando [playing] um personagem em um texto, então o “se” torna-se o que eu faço se eu estou nas circunstâncias deste personagem, num país diferente, época, cultura, com sua diferente idade, posição social, relacionamentos e atitudes. Assim, o “se” torna-se um meio de criativamente compreender e assumir características que não são minhas, de ‘ir ao

encontro do’ personagem, ao invés de trazer o personagem para mim, como é a tendência no Método de Strasberg. Um elemento-chave nesta abertura para as circunstâncias é o papel do plexo solar. Muita experiência é processada aqui porque ele é um dos principais complexo[s] de nervos, ele está intimamente conectado ao nosso centro de respiração diafragmática, e na filosofia oriental é o centro do prana, a força energética vital de que fala Stanislávski, a qual está ligada com suas ideias sobre a irradiação de energia entre as pessoas. É o centro de energia ou chakra associado com o sentimento e Stanislávski chamou-o de “a sede da emoção” (A Preparação do Ator [An Actor Prepares]: 198). O plexo solar nos conecta com as circunstâncias de uma maneira experiencial e nos centra como atores e seres humanos. Sair da cabeça e adentrar o sistema entérico tem muito a ver com isso, de modo que as circunstâncias trabalham em nós, ao invés de trabalharmos nas circunstâncias.

Interação com os outros Stanislávski insiste sobre “a primeira regra do diálogo: atenção ilimitada para o seu parceiro” (Stanislavsky Directs [Stanislavsky Dirige]: 318). A vivência só pode ocorrer se ouvirmos e respondermos, se fizermos ações que são reações, se adaptar-monos espontaneamente a cada novo impulso. Isso não significa decidir com antecedência como iremos reagir ao que alguém diz ou faz. Isso não significa “acionar” o texto na primeira semana de ensaio, um exercício de pré-programação invariavelmente cerebral. Precisamos fazer um contato de duas vias com o todo, uma pessoa viva a nossa frente, para vivenciar a totalidade de seu ser e comunicar a nossa própria. Isso se aplica inteiramente se estamos interpretando personagens. Nós somos seres humanos reais que estamos usando a nossa própria humanidade tangível para apresentar novas versões de nós mesmos, e temos de continuar a nos comunicarmos como as pessoas reais. O elenco na sala são os personagens. Um elenco diferente faria diferentes versões dos personagens. Temos de nos comunicar com seja quem for que estiver realmente na nossa frente, não com uma abstração imposta como o personagem como nós o vemos. Os meios vitais para estabelecer essa comunicação são através dos olhos. Ouvimos com os olhos, bem como com as orelhas. Os olhos criam um fluxo contínuo de contato e energia que impele palavras, ações, pensamentos e sentimentos, alguns dos quais podem ser expressos, alguns dos quais só podem ser vivenciados enquanto a outra pessoa está falando: o processo de comunicação verdadeira Stanislávski chamou de radiação – uma pessoa transmite e a outra recebe sem interrupção. Há uma linha ininterrupta de

adaptação, com os seus sentidos tomando em cada nuance do que o outro está dizendo e fazendo, cada sutileza da intenção, da entonação verbal, do movimento físico e a expressão emocional. Você reage natural e simplesmente apenas para o que foi feito para você. Como insiste Sanford Meisner, você só faz o que a outra pessoa faz você fazer. Stanislávski descreveu esta comunicação tal “como um rio subterrâneo, que flui continuamente sob a superfície tanto das palavras quanto dos silêncios” (A Preparação do Ator [An Actor Prepares]: 214). Em Para o Ator [To the Actor], Chekhov também coloca ênfase em dar e receber: “Atuação verdadeira é uma troca constante dos dois. Não há momentos no palco quando um ator pode permitir-se – ou melhor, sua personagem – a permanecer passiva... sem correr o risco de enfraquecer a atenção do público e criando a sensação de um vácuo psicológico... Para realmente receber os meios para desenhar na direção de si mesmo com o máximo poder interior as coisas, pessoas ou eventos da situação” (Para o Ator [To the Actor]: 19). Stanislávski diz que devemos ser como um buldogue e “agarrar com os nossos olhos, ouvidos e todos os nossos sentidos” para alcançar garra/determinação [grasp], a força de nossa capacidade para permanecer totalmente conectados uns com os outros, e a qual precisa aumentar em força de acordo com o poder de um papel e da peça (A Preparação do Ator [An Actor Prepares]: 217). A transmissão e o recebimento mútuos em nossa comunicação criam uma interação viva, espontânea e dinâmica, a qual é tão sensibilizada que ela poderia ir em diferentes direções dado um diferente pensamento, sentimento ou ação em um determinado momento. É irônico que Mamet ataque o que ele chama de “o ‘Método’ de Stanislávski” por que não objetiva precisamente por este resultado orgânico. No entanto, ele diz muito corretamente, “A verdade do momento é outro nome para o que está realmente acontecendo entre as duas pessoas no palco. O intercâmbio é sempre imprevisto...” Ele continua, “...e é com o fim de esconder/ocultar/mascarar/omitir [concealing] tal intercâmbio que a maior parte do treinamento do ator é dirigida” (True and False: Heresy and Common Sense for the Actor [Verdadeiro e Falso: Heresia e Senso Comum para o Ator]: 20). Um pouco de exagero, mas frequentemente vemos (todos nós já vimos) evidências nas produções estudantis e profissionais deste elemento essencial da abordagem de Stanislávski ser ignorado e a utilização de técnicas que bloqueiam a interação, por exemplo, motivação pela caracterização externa, escolha racional das ações, pressionando pela emoção, dizendo aos atores como fazer algo, forçando-os na produção de “conceitos”, ausência de qualquer exploração do mundo imaginário pelos próprios atores, e assim por diante. Claro, há também as armadilhas comuns para o ator

as quais criam um bloqueio na comunicação e impedem a vivência: não escutar, esperar pelas deixas, tentar lembrar as falas decoradas mecanicamente, pensar como dizer as falas, falar pelo efeito ou por força do hábito, imaginar que a pessoa na sua frente é alguém além, não concentrar-se na ação sobre o palco, etc. etc.

O que eu quero? Conforme eu recebo e absorvo as circunstâncias e as ações, palavras, sentimentos, gestos, expressões de outras pessoas, eu ajo sem objetivos [objectives] – ou propósitos [aims], metas [goals], motivações, quereres/desejos [wants], intenções. Todos os termos vêm originalmente da palavra russa, zadacha, a qual Benedetti traduz como tarefa [task] e outros também têm traduzido como problema [problem]. Eu não acho que a infeliz Hapgood possa ser responsabilizada por todos os desentendimentos das ideias de Stanislávski, e, na verdade, seu termo objetivo [objective], é perfeitamente bom quando considerado do ponto de vista da atuação no contexto real das circunstâncias vivenciadas. Na tradução de Miriam Goldina de Stanislávski Dirige, problema [problem] é usado para descrever uma razão de ser nas circunstâncias, um estado de ser, algo que precisa ser feito (97-8), e o obstáculo para alcançá-lo (100). A própria definição de problema de Goldina é um “desejo interior” a guiá-lo até conseguir o que você quer em uma dada situação (401). Problema, então, como usado aqui, nem sempre corresponde à nossa compreensão usual do significado da palavra em Inglês. Sharon Carnicke refere-se à ideia de Stanislávski de problema [problem] como um problema aritmético nas circunstâncias e tarefa [task] como algo que exige o cumprimento através da ação (Stanislavsky in Focus [Stanislávski em Foco]: 87, Twentieth Century Actor Training [Formação/Treinamento do Ator no Século Vinte]: 25). Benedetti usa apenas tarefa [task], como “o que um personagem tem que fazer, o problema que ele tem para resolver, num Acontecimento [Fact] para alcançar o seu fim” (Stanislavski and the Actor [Stanislávski e o Ator]: 153). Portanto, tarefa [task] expressa uma consciência objetiva daquilo que o personagem precisa fazer. Quase

uma

indústria

está

se

desenvolvendo

para

provar

a

exatidão/veracidade/precisão [correctness] de um determinado termo e as alegadas distorções de Elizabeth Reynolds Hapgood, mas do ponto de vista do ator isso muitas vezes vem como semântica acadêmica. Por quê? Porque no processo de atuação todos os termos podem ter uma relevância. Entramos em circunstâncias imaginárias e

(encontramos um problema: meu pai morreu e minha mãe se casou com meu tio e eu me sinto arrasado. Isso cria uma tarefa: a necessidade de descobrir o que está por trás de tudo isso. Então, Stanislávski traz o processo para o racional ao sugerir usar Eu quero para criar o “impulso para a ação”, para formular um desejo subjetivamente vivenciado que é tangível, específico, ativo, endereça a ação no palco, e excita o ator, engrenando a vontade: eu quero descobrir por que meu pai está vindo a nós como um fantasma e estabelecer se ele tem algo esclarecedor para me dizer (An Actor’s Work [O Trabalho do Ator]: 149-151). Objetivo [Objective] de acordo com meu Dicionário Oxford significa “algo procurado/perseguido [sought] ou visado [aimed at]”, e descreve bem este “Eu quero”, motivo pelo qual muitos atores irão continuar a usá-lo. Quando eu chego ao ponto de realmente afirmar-me e estou emitindo, ao ter recebido as circunstâncias, isto expressa um ímpeto imediato, um impulso interior e um comprometimento pessoal me colocando dentro e não fora da ação, qualidades que Stanislávski realmente procurava. Tarefa [Task], em Inglês, tem o sentido de uma tarefa doméstica objetivamente percebida, contudo é precisa enquanto uma tradução (para um ponto de vista semelhante ver Acting, the basics [Atuação, o básico], Bella Merlin, 165). Todos os termos podem ser úteis e podem corresponder a etapas do processo, como indicado acima, mas a coisa crucial para a vivência é criar o impulso interior o qual traz a ação para resolver o problema, e são esses impulsos encadeados que nos direcionam em meio à ação da peça como explosões de combustível num motor. Esta analogia de Stanislávski é especialmente boa porque indica como os objetivos [objectives] precisam ser corporificados, fisicamente vivenciados e afetar os sentimentos e a vontade. Quando em performance nós não devemos estar conscientemente pensando num objetivo totalmente formulado, mas precisamos a centelha de uma única palavra, imagem, pensamento, sentimento ou sensação que nos lance na próxima tentativa para mudar a situação. E essa atuação sobre os impulsos oferece tanto a segurança de uma estrutura interna quanto a liberdade da ação espontaneamente improvisada, e também o acesso aos sentimentos, porque não estamos pensando nas falas ou “qual é o meu objetivo/ação” enquanto estamos atuando. Esta improvisação sobre a ação também significa que atuamos/agimos [we act] nossos quereres/desejos [wants] através das falas e das ações, e não paralelamente a elas, produzindo uma separação muito comum entre corpo/mente, ação/sentimento, texto/discurso. Se os objetivos são formulados de uma forma racional, o ator irá permanecer “na cabeça”, no lado esquerdo do cérebro controlado pela razão e pela lógica. Os objetivos

tornam-se simplesmente uma ferramenta para analisar o texto. Se eles tiverem de ser um meio para vivenciar o texto e a ação, temos que abordá-los com o lado direito do cérebro controlado pela imaginação e pela intuição: se estou nas circunstâncias deste personagem, o que eu quero alcançar, para mudar na situação? O querer/desejo [want] tem que vir de uma necessidade vivenciada, não simplesmente um querer colocado na cabeça. Por exemplo, eu como o personagem estou desesperadamente apaixonado pela pessoa “A”, e eu acho que ela tem sentimentos por mim – evidenciados em um número de situações imaginadas por mim, o ator, e eu tenho uma compreensão do amor a partir de minha própria experiência – gravada através de meu corpo nos nervos e emoções – e pela observação dos outros. Eu preciso chegar perto dessa pessoa e confrontá-la. Fora isso vem o meu objetivo: quero fazer “A” consciente dos meus sentimentos e ganhar o seu amor. O que está em jogo é toda a minha paz de espírito e felicidade futura. Se isso se tornar apenas uma instrução mental para conseguir que “A” diga que me ama, não vai corporificar a experiência mais profunda do personagem. Se eu somente “fizer as ações” associadas com a necessidade de amor sem os fortes impulsos por trás delas, será mecânico: “...a coisa mais importante não são as ações em si, mas o surgimento de impulsos naturais na direção delas” (O Trabalho do Ator Sobre o Papel [An Actor’s Work on a Role]: 55). Através da análise ativa e do método de ação física (na verdade ação “psicofísica”, conforme aponta Torporkov em Stanislavski in Rehearsal [Stanislávski Ensaia]: 158), exploramos a ação através da improvisação, mas também as circunstâncias anteriores, circunstâncias dadas, os objetivos e os impulsos por trás deles para enraizar e envolver os atores nas circunstâncias imaginárias – como a si mesmos, mas sensíveis à transformação através da ação. Trabalhar com os objetivos/tarefas, superobjetivo e uma linha transversal de ação não cria autoconsciência em si, como se reivindica às vezes, mais do que trabalhar com o corpo em acrobacias ou dança moderna. Falta de autoconsciência depende do processo de aprendizagem e da absorção. Foi o período de prolongada análise de mesa de Stanislávski o que encheu as cabeças dos atores com a desordem irrepresentável, enquanto que a improvisação do texto e da ação no método de ação física, como “Eu nas circunstâncias do personagem”, constantemente motiva/incita [prompt] a exploração, a imaginação e a interação.

Cérebros Duplos Tal como indicado acima, diferentes partes do cérebro controlam atividades diferentes, e algumas partes são mais úteis do que outras para Stanislávski, ou para qualquer outro processo criativo orgânico. Nós aprendemos tudo: a andar, falar, comer, pensar. Andar de bicicleta apresenta uma difícil tarefa de coordenação e equilíbrio; mas uma vez que tenha sido aprendido torna-se uma segunda natureza, algo sobre o que não temos que pensar conscientemente. As habilidades que um ator aprende, como melhorar o discurso e a postura ou absorver a técnica de atuação, também tem que ser conscientemente aprendidas e então absorvidas em uma parte diferente do cérebro para se tornar um novo hábito, automático de um jeito criativo. Esta aprendizagem envolve uma complexa coordenação entre o cérebro e o sistema nervoso: o cérebro é parte do nosso corpo e ambos dão ordens e recebem feedback, e algumas áreas do cérebro têm mais controle consciente do que outras. Numa descrição muito simplificada, o cérebro pode ser dividido em Cérebro Novo e Cérebro Antigo ou Primitivo, o qual tem mais em comum com o cérebro de outros animais. O Cérebro Velho está preocupado com as emoções básicas e respostas primitivas como a raiva, prazer, desprazer, luta e fuga, e também a motivação, memória, sentimentos, reflexos e nossa respiração automatizada (Essentials of Neurology [Fundamentos de Neurologia]: 89). O Cérebro Velho é um centro subordinado que pode ser anulado pelo córtex mais desenvolvido do Cérebro Novo. Este evoluiu tardiamente e nos tornou capazes de atividade mais elevadas, tais como consciência, percepção e memória, compreensão da linguagem e elaboração de discurso. O cérebro possui áreas motoras, centros nervosos que controlam o movimento; e áreas sensoriais, que transmitem as sensações dos órgãos dos sentidos. É constituído do Prosencéfalo (parte frontal do cérebro) e do Sistema Límbico, que é compartilhado com o Cérebro Velho. O Prosencéfalo (parte frontal do cérebro) é dividido em hemisfério esquerdo e hemisfério direito, e esta é a questão-chave aqui. O Lado Esquerdo do Cérebro é responsável por: consciência, intelecto, pensamento, as palavras em si, transmissão de significado e pensamentos, articulação, símbolos, descrições, análise, racionalização, elaboração de significado e todas as ações controladas. O Lado Direito do Cérebro, trabalhando juntamente com o Cérebro Velho, é responsável por: associações, imaginação, intuição, criatividade, atividades esportivas e artísticas, como dizemos as palavras, a musicalidade da linguagem e sua expressão, consciência espacial, gestos.

O trabalho do ator opera, por um lado, com informação verbal comunicada através de palavras e pensamentos e portanto, tem de acessar o Lado Esquerdo do Cérebro, o qual decodifica e transmite o significado. Por outro lado, o ator opera com os aspectos não-verbais de como a linguagem é falada e as ações executadas, e isso envolve o Lado Direito do Cérebro e o Cérebro Velho. O Lado Direito do Cérebro e o Cérebro Velho operam com a música e a espontaneidade do discurso e do movimento sem pensar nisso intelectualmente – eles simplesmente improvisam o que acham adequado. Podemos ver que o processo de atuação contém em si uma disputa: exemplificada pelas diferenças entre atuação representacional e atuação orgânica. Se o Lado Esquerdo do Cérebro domina, a espontaneidade é diminuída e o resultado na atuação soa e parece racional e excessivamente controlada. Este é também o caso quando vemos os atores não totalmente conectados com o texto ou a seus próprios corpos e vemos uma atuação fragmentada e uma divisão mente/corpo. Há uma falta daquilo que frequentemente chamamos de liberação – que permite a intuição do lado direito do cérebro assumir o controle. Precisamos coordenar as diferentes áreas do cérebro, a fim de integrar os aspectos internos e externos, intelectuais e emocionais, mentais e físicos da atuação, de modo que vejamos um ator integrado e centrado, por mais contraditório e confuso que o personagem possa ser. A abordagem holística da Stanislávski é baseada em processos naturais, utiliza o trabalho consciente para chegar ao intuitivo e espontâneo, portanto precisamos permitir que o Lado Direito do Cérebro/Cérebro Velho funcione. Podemos ter que operar tanto com um conteúdo intelectual altamente sofisticado quanto com um profundamente vivencial, emocional e físico: em Shakespeare, por exemplo. A fim de alcançar uma forma orgânica de atuar, é necessário que haja uma parceria entre os Lados Esquerdo e Direito do Cérebro. Depois de entendermos a linguagem e os conceitos básicos da ação, o lado esquerdo do cérebro deve renunciar o controle e permitir que a função criativa do Lado Direito do Cérebro/Cérebro Velho assuma o controle (Performing Power [Performar com Potência]: 90) – como andar de bicicleta, ou como podemos ver quando o pianista toca um concerto sem olhar as notas, ou uma dançarina executa um balé sem pensar nos passos, e como disse Degas, “Só quando ele já não sabe mais o que está fazendo é que o pintor faz coisas boas” (Free Play [Jogo Livre]: 140). Este é o processo para o ator “sair da cabeça” e agir “a partir das tripas” [‘from the gut’]: do consciente para o subconsciente, do lado esquerdo do cérebro para o lado direito/cérebro velho, da fragmentação da mente e do corpo para a integração.

Eus Duplos Estas diferentes funções no cérebro ecoam fortemente a noção de “dupla consciência” na atuação, o fenômeno identificado por Denis Diderot, Coquelin e pelo próprio Stanislávski. Diderot, no século XVIII, defendeu que o ator cultiva uma “cabeça de gelo” enquanto interpreta um personagem (citado em The Art of the Actor: The Essential History of Acting, from Classical Times to the Present Day [A Arte do Ator: A Indispensável História da Atuação, dos Tempos Clássicos aos Dias Atuais], de Benedetti). Coquelin, em The Art of the Actor [A Arte do Ator], no século XIX, definiu o ator em duas partes: número um, a mente e instrumentista, que ‘puxa as cordas’; e número dois, os meios expressivos e instrumento. Coquelin, como mencionado anteriormente, na sua época foi o principal defensor da representação ao invés da vivência. Isso não significa que a aceitação desse duplo eu tenha que levar à atuação representacional. Strasberg, por exemplo, não acreditava que o ator “se esquece de que ele está atuando” numa atuação imaginária (Um Sonho de Paixão [A Dream of Passion]: 52), mas procurava trazer o personagem para a experiência pessoal do ator pela expressão de si usando principalmente a “memória afetiva para criar uma realidade sobre o palco” (Um Sonho de Paixão: 122). Stanislávski, por outro lado, acreditava em “ir ao personagem” através da transformação criativa do ator, posteriormente ecoado por Stella Adler. Seu conceito de dupla consciência era que o ator tem uma consciência criativa separada, um monitor artístico, mas a atuação do personagem ainda é vivenciada. Uma realidade teatral é criada pelo ator vivenciando as circunstâncias e eventos da peça como se eles fossem reais. Ele cita o famoso ator italiano, Tommaso Salvini: “Um ator vive, chora, ri sobre o palco, mas chorando ou rindo ele observa seu riso e lágrimas. E é nessa vida dupla, que oscila entre a vida e o papel que jaz a arte” (An Actor’s Work [O Trabalho do Ator]: 302). Michael Chekhov identificou um exercício diário de controle consciente sobre uma consciência criativa, o eu superior ou ego, para produzir uma terceira consciência, a do personagem. Chekhov, como Coquelin, viu uma imagem de seu personagem fora de si mesmo, mas ao invés de ilustrá-lo e descrevê-lo formalmente, como sugerido por Coquelin, ele corporificou a imagem com vida e sentimento, de modo que “a imagem desaparece do olho de sua mente e existe dentro dele e age sobre seus meios de expressão a partir de dentro dele” (On the Technique of Acting [Sobre a Técnica de Atuação]: 155). Portanto, há uma diferença entre a consciência artística de vivenciar um papel enquanto ator, usando o lado direito do cérebro/cérebro velho, e simplesmente

fingir e distanciar-se de toda sua apresentação numa manifestação de atuação do lado esquerdo do cérebro. Infelizmente, Carnicke confunde essa diferenciação, a qual é uma realidade importante para atores, por apontar para a conclusão de que “... o pensamento de Stanislávski sobre Diderot coloca a noção de dupla consciência ao mesmo tempo no campo da “representação” e no teatro da “vivência” (Stanislavsky in focus [Stanislávski em foco]: 123). É verdade que a consciência se alterna entre a consciência artística e a consciência do personagem criado, que a realidade teatral não é a realidade cotidiana. Ela cita Stanislávski: “Sobre o palco a verdade é aquilo que você acredita e na vida a verdade é o que realmente é” e “a vivência do ator sobre o palco não é de todo a mesma que é na vida” (Stanislavsky in focus [Stanislávski em foco]: 121). Contudo, isto não contradiz a ideia de que o ator e o personagem parecem ser um para o público. Carnicke apresenta a ideia de Strasberg de fusão “onde não há aparentemente nenhuma diferença entre o ator e o personagem”, como uma clara diferença do entendimento de Stanislávski (Stanislavsky in focus [Stanislávski em foco]: 122). Embora Stanislávski não fale sobre fusão ou imersão total no personagem, ele certamente procurava a crença do ator, um sentido de verdade, e para o público acreditar na “realidade” daquilo que foi testemunhado no sentido de seu reconhecimento como uma recriação da vida real, e não como um artifício dentro de um artifício. São os meios e não o resultado desejado o que diferencia as abordagens de Stanislávski e Strasberg, como indicado anteriormente. Carnicke sugere que quando Stanislávski responde à proposição de Coquelin “o ator não vive, mas age” com “o ator não age, mas vive”, ele pode também estar abrangendo uma “noção mais sútil: atores “ao vivo” sobre o palco, porque eles “criam” sobre o palco – reduzindo assim “ao vivo” [‘live’] por “viver” [‘exist’] e extraindo seu sentido criativo de vida experiencial através de uma realidade imaginária. E atores representativos também criam – a coisa chave aqui é que eles fazem isso de maneiras diferentes dentro da situação teatral, e Stanislávski envidou esforços para tornar clara essa diferença, como eu acredito que nós precisamos fazer com estudantes e atores profissionais, se é para concretizar a essência da abordagem de Stanislávski.

O Modelo Industrial Seja qual for o estudo e experimentação que possa estar acontecendo em centros de pesquisa e universidades ao redor do mundo, e por mais que possamos ver nosso trabalho como uma forma de arte, a grande maioria dos atores trabalham e praticam sua

arte como parte de uma profissão dentro de uma indústria. Diferentemente da maioria dos estudantes nas Universidades de Estudos Teatrais, Artes da Performance ou Cursos de Inglês e de Teatro [University Theatre Studies, Performance Arts or English and Drama Courses], os estudantes de atuação nas escolas de teatro estão treinando especificamente para se tornarem atores profissionais na indústria do entretenimento. “O defeito básico na nossa atividade foi que, enquanto nós tentamos manter uma política de teatro verdadeiro artisticamente, procedemos economicamente em uma base do show-business. Os nossos meios e nossos fins estavam em contradição fundamental” – Assim escreve Harold Clurman em The Fervent Years [Os Anos Efervescentes], seu livro sobre o Group Theatre, 1931-41, o qual tentou produzir um novo teatro NorteAmericano e uma companhia teatral usando uma versão da abordagem de Stanislávski. É possível produzir o que o Conselho Britânico das Artes [Arts Council England] chama a “Grande Arte para Todos” sem a longo prazo as companhias serem financiadas de forma sólida? Sem um conjunto de profissionais com uma visão compartilhada e um método de trabalho? Sem o direito de experimentar e arriscar algum grau de fracasso financeiro? Nós não vamos muito a companhias na Grã-Bretanha. Somente algumas empresas atualmente, por exemplo, Dundee repertory [Repertório Dundee], Northern Stage [Palco Norte] e Theatre de Complicité [Teatro da Cumplicidade] têm atuado como companhias, mantendo uma corporação continuada com uma visão particular. O RSC, depois de ter experimentado ser uma companhia com um contrato de três anos, agora está voltando aos contratos de um ano ou menos e a formação continuada inicial foi cortada. Ao contrário de algumas empresas alemãs, por exemplo, nossas companhias de teatro não são organizadas como as grandes orquestras sinfônicas. Os atores não são consultados sobre o repertório e a contratação de diretores. Não temos empresas como o Maly Drama Theatre [Pequeno Teatro Dramático], de São Petersburgo ou o Polonês Stary Teatr [Velho Teatro], onde se reconhece que “...tudo o que é realmente profundo precisa de tempo” (Ensemble Theatre Conference [Conferência das Companhias de Teatro], 2004). Visão compartilhada, ensaios longos, trabalho colaborativo, compromisso de longo prazo é o que eles têm e nós não. Hamish Glen, que dirigia o Dundee e agora o Coventry Belgrade, descobriu que uma companhia aprofunda a qualidade e a variedade do trabalho e das habilidades adquiridas e produz uma tranquilidade não competitiva na apresentação. Stanislávski insistiu que a sua abordagem estava baseada na criatividade coletiva e numa necessária organização de grupo. No entanto, as companhias podem custar mais e muitos diretores aqui e em outros lugares querem escolher a partir do zero para cada peça. Isso

configura uma série de problemas artísticos básicos, os quais militam contra a produção de uma apresentação organicamente vivenciada pela companhia inteira: * A companhia “a patir do zero” será normalmente escolhida pela adequação percebida para os papéis, e os membros estão cada vez mais estereotipados numa indústria cada vez mais dominada pelo dinheiro e pelos cortes de financiamento público. Coesão na abordagem da atuação e probabilidade de uma companhia que trabalha bem em conjunto não serão considerações prioritárias, e o resultado pode ser uma miscelânea de estilo e método. * Os ensaios são geralmente de quatro a cinco semanas, menos na orla: um pouco mais curtos do que os meses a um ano empregados por algumas companhias europeias. As dificuldades surgem na criação do bem-estar, confiança, compreensão e coesão no seio dessas companhias a curto prazo. Na minha experiência, companhias num “clique” [‘clicking’] – seja no ensaio ou na apresentação – acontecem por acaso, e não por projeto forjado ao longo de um período de tentativa e erro coletivo. * Apesar da noção de que o trabalho Stanislávski é abrangente, muito poucos diretores o aplicam. Eu trabalhei com dois em 40 anos que usaram os aspectos chave da abordagem de uma forma meticulosa, embora outros utilizaram casualmente “ferramentas” como improvisação, objetivos e ações: não necessariamente para ajudar a criar uma atuação vivenciada – uma atuação representacional mais clara pode ser o que seja requerido. Depois, há também uma crença generalizada de que Stanislávski realmente só se aplica ao “naturalismo”, então esqueça todos os clássicos! * O conceito, elaborado pelo diretor e pelo cenógrafo, pode exigir, não exploração, descoberta, e espontaneidade, mas que os atores sejam supermarionetes. *Fim de Aposta [End-gaming]: o ator ou diretor pressionam para alcançar o resultado final no começo, então os atores tentam “dar” o personagem inteiro na leitura corrida e nos primeiros ensaios e assim bloqueiam qualquer desenvolvimento orgânico, a interação, ou conexão real um com o outro. * Certos processos de ensaio forçam o ator para o lado esquerdo do cérebro, por exemplo, “bloqueio” dos movimentos, que bloqueiam no ator a resposta intuitiva; acionar intelectualmente o texto na primeira semana de ensaio antes que os atores tenham a oportunidade de interagir e explorar a ação, mais ligados

à análise de mesa de

Stanislávski rejeitada posteriormente pela análise ativa; pressão para aprender as falas o quanto antes; a exclusão dos atores de uma apreensão coletiva de sobre o que é a peça.

* Adicione a tudo isso, uma taxa média de desemprego de 90% entre os atores no Reino Unido, e você tem uma mistura desconfortável de insegurança, desespero, medo, suscetibilidade, dependência, competitividade e o cinismo ao lado do idealismo, compromisso, colaboratividade, coragem, abnegação, resiliência e paixão. Muito potencial e tão poucos pontos de venda. E as produções realmente boas podem ser apenas acidentes felizes. Como Lev Dodin, diretor do Maly, disse: “o processo de criação de uma apresentação não é como colocar tijolos, mas mais como dar à luz: todos os elementos têm de trabalhar organicamente” (Journey Without End [Jornada sem Fim]: 55). As tentativas individuais do ator para dar à luz a um papel organicamente podem ter que suceder sem uma parteira criativa. Isso coloca a maioria da responsabilidade sobre a independência do ator e a preparação antes e durante o ensaio. Usar a visão de Stanislávski da atuação pode ser uma paquera solitária na Grã-Bretanha.

O Modelo de Formação Uma indústria eclética com uma enorme variedade de companhias, que trabalham de formas diferentes, em diferentes tamanhos e tipos de teatros ou completamente fora dos teatros, atuando para o público em geral ou para públicos específicos, periodicamente, por projeto, ou sem financiamento, produzindo teatro comunitário para idosos e Shakespeare ao ar livre, musicais e teatro fórum, Rattigan no National [Theatre] [Teatro Nacional] e Woyzeck sob um arco ferroviário, sem surpresa solicita uma formação eclética. Formação específica numa técnica particular, vamos dizer, Meisner, Strasberg ou Michael Chekhov, geralmente ocorrem em cursos de curta duração fora dos conservatórios de teatro. A formação de três anos aqui irá cobrir uma gama de gêneros de teatro: os Russos, os Americanos, o contemporâneo, Shaw e Wilde, Shakespeare e os clássicos, commedia [dell’arte] e Restauração, e assim por diante. O movimento pode envolver influências do balé, de Laban, Lecoq, ou Grotowski. O trabalho vocal pode ser influenciado por Berry, Linklater, Rodenburg, Lessac, e assim por diante. Um problema surge quando diferentes estilos de teatro são enganosamente chamados de estilos de atuação, quando Stanislávski é visto como se fosse um escritor num estilo particular, como Brecht, e quando ele está estritamente limitado ao “naturalismo” e ao “behaviorismo”. Em Teaching Stanislavski [Ensinando Stanislávski] – um professor refere-se a “Stanislávski Limitado” desta forma (71-3). Uma Unidade do curso da BTEC (Business and Technology Education Council [Conselho de Educação de Negócios e Tecnologia]) descreve os estilos de atuação como naturalismo,

expressionismo, Grego, épico, Restauração, farsa, físico, absurdo, etc. quando estes são na verdade estilos de teatro dentro dos quais os atores atuam. Nas entrevistas com professores universitários em torno de suas atitudes para com Stanislávski, o entrevistador resume: “o terreno comum aqui reside no modo como todos os quatro palestrantes empregam o termo ‘naturalismo’, e na ideia de que a metodologia Stanislavskiana é, de algum modo, explicitamente ligada à televisão e a atuação em filmes e, portanto, relevante.” Primeiro de tudo, a descrição dos estilos teatrais não é definida pelos próprios autores, mas por eruditos do teatro. Beckett não inventou o Teatro do Absurdo, o escritor Martin Esslin o fez. [O Teatro da] Restauração é definido por um período histórico, e os diretores criaram um estilo de afetação para ele. Reconhecidamente, Brecht definiu seu próprio teatro como “épico” e depois “materialista dialético”, mas as pessoas têm fracassado ao tentar fazê-lo de acordo com um conjunto de orientações intelectuais qualificadas por ele posteriormente. As peças são antes de tudo sobre alguma coisa. Sobre o que elas são, quer seja costumes sexuais na década de 1660, vidas confusas e fragmentadas, ou luta revolucionária; as questões que o escritor quer transmitir, sejam leves ou pesadas, entretenimento ou educativo; o tipo de personagens retratados, sejam superficiais ou complexos; e o efeito sobre o público, todos realmente determinam o estilo; mas através do uso e abuso as peças passam a ser vistas como encaixadas dentro de “um estilo” – o que Stanislávski chama de “falsas tradições” (Minha Vida na Arte [My Life in Art]: 16). Isso se torna uma fórmula ossificada adotada por diretores que determinam como as peças são abordadas, atuadas e esperadas para serem assistidas pelo público. O ator deve ir para a realidade dentro de cada gênero. Beckett e Ionesco escrevem sobre os seres humanos, ainda que em situações extremas e metafóricas. Shakespeare escreve sobre seres humanos contraditórios que falam em verso branco. Brecht escreve sobre seres humanos em situações sociais e políticas extremas que são quebradas por canções e se endereçam ao público. Nenhum escritor nos diz que temos que representar seus personagens como unidimensionais, cifras de papelão. Brecht insistiu: “Para o inferno com a minha maneira de escrever. Claro que o palco de um teatro realista deve ser povoado por pessoas vivas, tridimensionais, autocontraditórias, com todas as suas paixões, afirmações desconsideradas e ações... Vamos ter uma atuação vazia, superficial, formalista, mecânica se em nosso treinamento esquecermos por um momento que é dever do ator retratar pessoas vivas” (De uma Carta para o Ator [From a Letter to an Actor],

1951, em Brecht on Theatre [Brecht no Teatro]: 234/5). Alienação não tem de significar alienar a atuação. O ponto de vista de John Barton sobre interpretar Shakespeare foi que “o ator deve estar enraizado na natureza” e começar com os pensamentos e o significado (Playing Shakespeare [Representando Shakespeare]: 19). Temos de descobrir as pessoas reais nessas diferentes formas. Se fizermos isso, então o “estilo” virá através disso. Se atuarmos “estilo”, estamos em perigo de perder o contato com o significado da ação e da linguagem e simplesmente representar maneirismos. Em segundo lugar, o que é “naturalismo” e Stanislávski está confinado a ele? Num sentido básico, sua abordagem deriva da natureza; ele queria que os atores fossem naturais e críveis em circunstâncias imaginárias. No sentido de um estilo de teatro específico, no entanto, as definições variam. Para Zola e de Maupassant, é a aplicação do método científico para o estudo da realidade humana, e o foco na influência da fisiologia, do ambiente e das circunstâncias sobre a psicologia humana. De Maupassant posteriormente rejeitou-o como “a fotografia banal da vida” em favor do “realismo”: “a verdade selecionada e expressiva” (Preface to Pierre et Jean [Prefácio de Pierre e Jean], 1888). Hoje, o naturalismo também é usado para descrever Tchekhov, TV e cinema, teatro “fatia de vida” contemporâneo, ou simplesmente qualquer coisa que tenha alguma descrição detalhada da vida cotidiana e do “comportamento”. A maioria deste trabalho, incluindo teatro documental, no entanto, é altamente estruturado. Por esse motivo, o termo torna-se tão amplo e solto a ponto de ser sem sentido nos termos das exigências sobre o ator. Stanislávski montou as peças de Tchekhov, as quais dificilmente se encaixam em qualquer destas definições, que não a que seja decorrente da natureza e de observação verdadeira, o que se aplica a muitas outras peças de vários tipos “não-naturalistas”. Stanislávski injetou muito de detalhe naturalista dentro delas. Por exemplo, em A Gaivota, os personagens secavam a boca e limpavam os dentes com palitos de fósforo. O próprio Stanislávski criticou sua montagem pela dependência do detalhe externo em detrimento da verdade interior (The Moscow Art Theatre [O Teatro de Arte de Moscou]: 109,106). Na verdade, Toporkov o registrou rejeitando a “expressão naturalista”: “É definitivamente ruim e não artística; ela deturpa nossa desejada tentativa para criar uma atuação realista. O realismo na arte é o método que ajuda a selecionar somente o típico da vida. Se às vezes somos naturalistas em nosso trabalho de palco, isso só mostra que nós ainda não sabemos o suficiente para sermos capazes de penetrar na essência histórica e social dos eventos e personagens. Nós não sabemos como separar o principal do

secundário, e assim enterramos a ideia com detalhes do modo de vida” (Stanislavky in Rehearsal [Stanislávki Ensaia]: 143). Julgamento severo, e único que reflete sua busca para encontrar a verdade sob a superfície das coisas, e seu desejo de explorar outras formas de teatro através da obra de Ibsen, Sófocles, as peças simbolistas de Maeterlinck e Knut Hamsun, o teatro político de Gorki, e o teatro épico de Shakespeare nos primeiros dez anos do TAM, sozinho. Aqueles que seguiram em sua abordagem, como Vartángov e Michael Chekhov, desenvolveram o “realismo fantástico”, um senso do grotesco e uma forma mais elevada de atuar. A ideia de um “naturalismo” onipresente no TAM à qual a abordagem de Stanislávski está confinada é um mito. Em vez disso, Stanislávski insistia em criar “a vida do espírito humano do papel” através da vivência orgânica dentro de todas as formas de teatro, apesar dos erros que ele possa ter cometido. Os atores precisam apreender o conteúdo realista da experiência humana em todas as formas de teatro, qualquer que seja a definição literária acadêmica que lhe seja dada. A menos que estejamos caindo no vazio maneirismo e no formalismo, nós precisamos interpretar as pessoas inequivocamente, plenamente, e com crença dentro das necessidades do idioma em particular, a forma e o estilo de cada peça. A escolha principal é: queremos vivenciar um personagem através de processos naturais ou representar e fingir? Os russos estão imersos numa formação baseada em Stanislávski, Michael Chekhov e Meyerhold, entrelaçados em quatro a cinco anos de curso, não em oposição como eles são frequentemente vistos aqui, mas como complementares. Teatros como o TAM e o Maly têm escolas adjacentes que treinam os alunos a fazer parte desta tradição teatral. A influência de Stanislávski percorre tudo. Nossa tradição é diferente. Michel Saint-Denis criou o London Theatre Studio [Estúdio de Teatro Londrino] e a Old Vic Theatre School [Escola de Teatro Velha Vic] nos anos 1930 e 1940 e, com base em algumas ideias Stanislavskianas, almejava “trazer a realidade para a interpretação de todos os estilos teatrais, particularmente o clássico” (Theatre – The Rediscovery of Style [Teatro – A Redescoberta do Estilo]: 97). Komisarjevski, o diretor do Teatro Bolshoi, influenciado por Stanislávski, fez uma série de montagens renomadas nos anos 1920 e 1930, e Michael Chekhov desenvolveu seu centro em Dartington Hall a partir de 1936 a 1939. Alguns atores como John Gielgud, Peggy Ashcroft, e Michael Redgrave foram influenciados por Stanislávski, mas não foi assim até os anos 1950, até que qualquer tipo de treinamento consistente de Stanislávski entrasse nas escolas de teatro britânicas. Até então, o treinamento era baseado na voz e no movimento e a aprendizagem se dava através

dos ensaios. O Método Norte-Americano teve uma influência através do cinema, mas o estilo predominante de atuação permaneceu o representacional, e ele vive fortemente em muitas apresentações profissionais e estudantis, a indústria de fora afetando os alunos na escola. Minha experiência de mais de quarenta anos de atuação, ensino ou direção é que a ênfase de Stanislávski sobre a vivência orgânica não tem permeado o teatro Britânico; que os praticantes das escolas de teatro, enquanto num esforço por enfatizar sua importância, também salientam a necessidade de uma variedade de teorias, das quais Stanislávski é uma; e concordo que os atores-estudantes devem ser verdadeiros, centrados, comprometidos com o trabalho, etc., mas não necessariamente fornecem o terreno para criar essa vivência confiável da realidade. Examinando Teaching Stanislavski [Ensinando Stanislávski], e minha própria experiência e a de outros, eu acredito que as limitações sobre a relevância de Stanislávski na formação podem ser colocadas de várias formas: * Ele é colocado numa caixa exclusiva de modo que a sua relevância se limita a si mesmo. Compreender os benefícios da abordagem de Stanislávski de aprender com a sua aplicação aqui, nos EUA, Rússia, Europa ou América do Sul. Considerar que Meisner, Stella Adler e Uta Hagen, por exemplo, focam em apenas determinados aspectos da abordagem de Stanislávski, uma vez que foi desenvolvida por mais de quarenta anos, eles contribuem com exercícios e técnicas que a complementam. A obra de Chekhov desenvolveu o papel transformador da imaginação e da fisicalização, e, embora ele tivesse diferenças sobre uso da memória emotiva, está enraizado na abordagem de Stanislávski – e não “fora da corrente principal da tradição de Stanislávski” como está implícito em Teaching Stanislavski [Ensinando Stanislávski] (98). Joan Littlewood usou Stanislávski, também ao montar Brecht, no Theatre Workshop [Teatro Oficina]. Augusto Boal aplicou Stanislávski para treinamento na sua escola em São Paulo, e seu gestual e trabalho em quadros pode adicionar compreensão social e política na ação para um processo de Stanislávski. Grotowski aprofundou seu trabalho sobre as ações físicas e o impulso. Todos estes praticantes em algum nível se focaram sobre a abordagem psicofísica com a vivência em sua base e podem informar e ser informados por Stanislávski. * Concentrar-se sobre as “ferramentas’ – tais como unidades, objetivos, ações – não produz automaticamente a vivência nas circunstâncias do personagem. Depende de como elas são usadas, e, se não criativamente, elas podem induzir os atores muito para o lado esquerdo do cérebro produzindo “desordem mental” (Veja Os Fundamentos da Vivência [The foundations of experiencing] acima, e Teaching Stanislavski [Ensinando

Stanislávski]: 71). Há uma visão de que na A/AS/BTEC [Business and Technology Education Council (Conselho de Educação de Negócios e Tecnologia)] estudar Stanislávski durante curtos períodos de tempo pode produzir a ideia de uma cartela de assinalar do “fazer Stanislávski” (Teaching Stanislavski [Ensinando Stanislávski]: 42/3). Isto pode aplicar-se em algum grau nas escolas de teatro, por exemplo, um estudante de atuação do terceiro ano da BA me disse uma vez “nós fizemos aqueles exercícios no primeiro ano, mas não mais desde então”. Os propósitos essenciais da abordagem de Stanislávski são raramente mencionados pelos entrevistados das escolas de teatro, somente os exercícios e técnicas que elas usam. Curiosamente, é um professor da BTEC em Teaching Stanislavski [Ensinando Stanislávski] que oferece a melhor apreeensão da abordagem de Stanislávski como uma “relação simbiótica entre os diferentes elementos que compõem o ‘sistema’ – todas as partes precisam ‘referência para o todo’”. Ele enfatiza a importância da imaginação, do jogo e da crença no início do curso; cenários encorajadores da “espontaneidade, intuição e trabalho a partir de si”; como acreditar é vital para os objetivos da atuação, e como a concentração requer relaxamento e imaginação. Ele também adota o trabalho psicofísico para conectar os estudantes “natural e organicamente” dentro “de um sistema que seja confiável e eficaz”. Ninguém mais, incluindo os profissionais da escola de teatro, se aproximam de tal compreensão holística e experiencial de Stanislávski e do sentido inequívoco de sua importância (Teaching Stanislavski [Ensinando Stanislávski]: 33-37). * Falta de continuidade. Algumas escolas fazem blocos de exercícios baseados em Stanislávski em determinados pontos num curso, por exemplo, em memória sensorial, exercícios com “objeto”, “se”, receptividade, objetivos, ações, etc. Dos alunos então, espera-se que apliquem o que apreenderam quando trabalham em projetos, muitas vezes com diretores externos, a maioria dos quais irá trabalhar de maneiras diferentes e possivelmente contraditórias; mas isso leva tempo e espaço e muita repetição concentrada para absorver um processo de modo que você possa trabalhar intuitivamente com ele (indo do lado esquerdo do cérebro para o lado direito/cérebro velho), e os estudantes também podem se sentir pressionados por um grande número de projetos concorrentes, tarefas e disciplinas. Na RATI, the Russian Academy of Theatre Arts [ARAT, a Academia Russa de Artes Teatrais] (também conhecida como GITIS), um professor trabalha com um grupo de estudantes durante todo o curso. O primeiro ano consiste do processo de atuação, exercícios e improvisações que abrangem os elementos da abordagem de Stanislávski

mais os exercícios psicofísicos de Chekhov: o foco está no entendimento de quem você é e em atuar com sinceridade em diferentes circunstâncias. Tais exercícios irão continuar ao longo do curso, conduzindo-o a partir de si para a transformação física completa como um personagem. Mikhail Mokeiev, um professor, me disse: “Você tem que dar-lhes tempo para percorrer a verdade”. Nosso ensino de Stanislávski, em comparação, parece ser fragmentado e estar longe de ser minucioso e sistemático. Stanislávski “defende” o treinamento, ele é importante, mas é um de diversos praticantes (Teaching Stanislavski [Ensinando Stanislávski]: 46). A realidade é que para a maioria dos trabalhos que os atores irão fazer, ele é absolutamente básico e não há nenhum teórico ou praticante comparável que possa abrir o caminho do ator para uma corporificação totalmente física e vivenciada de um papel. Mesmo em Beckett, Barker, Brecht ou no “teatro pós-dramático” há um nível de vivência a ser explorado e engajado, começando consigo mesmo, de qualquer maneira “não-naturalista”. A percepção de um professor universitário de escola de teatro é que a abordagem de Stanislávski é sempre lógica e racional, e eu penso que isso é um equívoco comum (Teaching Stanislavski [Ensinando Stanislávski]: 47-49). Considerando que uma sequência de impulsos e ações é criada, estes podem muito bem ser contraditórios, violentos ou imprevisíveis, mas ainda estão conectados de acordo com a psicologia do personagem, as circunstâncias sociais, e a realidade específica da peça. Stanislávski e Tchecov viram a contradição como um aspecto chave da nossa humanidade. Mais uma vez, o núcleo da abordagem trata de encontrar a experiência orgânica, e não encaixar aspectos do processo em definições “naturalistas”. É discutível que uma abordagem mais coerente e abrangente para combater Stanislávski e os praticantes que ele inspirou fará os atores mais confiantes, tranquilos e independentes do que tentar simular todas as várias influências diferentes que possam ser encontradas no mundo da atuação. A necessidade de tempo, espaço e continuidade para que os atores estudantes absorvam independentemente um processo orgânico pode muito bem ser prejudicada pelos cortes no financiamento educativo e pela pressão para reduzir a duração dos cursos. * Fazendo um feitiço do ecletismo. Eu não estou sugerindo que somente Stanislávski deva ser ensinado, como deve estar claro acima, mas quem são os outros profissionais com teorias de atuação alternativas e igualmente úteis? Artaud? Brecht? Berkoff? Não há nenhuma clara teoria de treinamento de ator aqui: eles são essencialmente escritores. * O mito de sua adesão ao “naturalismo”. Este refrão constante prejudica claramente o amplo uso da abordagem de Stanislávski e perde o ponto de que este não tem

essencialmente a ver com refletir o comportamento cotidiano mas criar a experiência humana reconhecível e muitas vezes universal, interior e exterior, em diferentes períodos, culturas e formas teatrais. * Escondendo seu legado. Sua importância é obscurecida por professores que não revelam sua influência em seu trabalho. Um professor pode usar os exercícios de Uta Hagen ou de Meisner, por exemplo, sem reconhecer sua proveniência ou a influência de Stanislávski sobre estes profissionais. “Os métodos e processos utilizados são vistos como sendo muito mais o resultado da própria vivência do professor em campo” (Teaching Stanislavski [Ensinando Stanislávski]: 63). Isto não serve à compreensão dos alunos ou atores profissionais e embora possa estreitar o vínculo entre aluno e professor o perigo é uma cultura da dependência e a criação de gurus e discípulos. O conhecimento e a conexão reflexiva com nossa história e a variedade de profissionais do campo psicofísico deve certamente vir antes de algum auto engrandecimento menor? Para alcançar a comodidade de grupo, foco, profundidade, riqueza e realidade na recriação da vida humana conseguida pelas grandes companhias russas, o que na Grã-Bretanha geralmente não conseguimos, precisamos aspirar ao modelo de grupo em nossas companhias; e valorizar o núcleo de imaginação, ação e vivência na abordagem de Stanislávski, em vez de cair na armadilha de tratá-los como um conjunto de ferramentas acadêmicas e exercícios para a atuação “behaviorista”. Para afetar a indústria, a nossa formação, por mais competente e abrangente que seja, deve apontar para mais rigor e consistência no ensino de Stanislávski, com ênfase na consistente vivência do seu processo ao longo de um curso de atuação, permitindo que ele seja totalmente absorvido sem pressa. Economia e ideologia, mal-entendidos e deturpações irão oferecer bloqueios para tais propósitos, mas a evidência do valor da abordagem de Stanislávski faz desta uma luta que vale a pena prosseguir.

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Uma nota sobre as traduções: Eu citei as traduções dos livros de Stanislávski tanto de Elizabeth Reynolds Hapgood como de Jean Benedetti de acordo com a relevância e a que eu considerei ser a melhor versão.

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