Viver o espaço ‐ construir o Lugar
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Viver o espaço -‐ construir o Lugar (sobre Cadernos de Campo de Maria Lopes) Conheci a Maria Lopes no Ar.Co, onde fomos colegas desde 2008 até terminarmos o Curso Avançado de Fotografia (CAF) em 2012. Tenho com ela uma relação pessoal e de cumplicidade. Vi, no campo, muitos dos seus Cadernos serem fotografados. Sinto-‐me, assim, numa posição privilegiada para poder escrever sobre “Cadernos de Campo” pois vi-‐os crescer e acumularem-‐se até atingirem um corpo de trabalho significativo mas sempre em aberto. A temática de “Cadernos de Campo” começou a ganhar forma por volta de 2011. Nas imagens vemos a distribuição pela paisagem de uma espécie de monumentos resultantes da recolha e armazenamento de materiais proveniente do trabalho do Homem no campo, seja ele na floresta ou na lavoura, e que se encontram numa pausa intermédia antes de continuarem o seu percurso para a sua função final. Em termos técnicos, as fotografias são feitas em película preto e branco usando uma câmara de médio formato. Esta forma de trabalhar exige tempo e rigor na captação das imagens e é apenas o primeiro passo no seu processo. Seguem-‐se a impressão de provas de trabalho em laboratório e a edição. Ainda durante o CAF a Maria Lopes investiga o trabalho de Robert Smithson na relação deste artista com o espaço que encontra e/ou onde intervém. A sua investigação não tem qualquer intenção académica ou teórica e prende-‐se com conhecer e compreender o obra de um artista com o qual sente especial afinidade. Vi alguns dos livros que consultou e encontrei as suas leituras assinaladas com sublinhados. Cito alguns exemplos (traduções minhas): Obras de artes enquanto projetos em evolução em vez de produtos finais. Arte e ecologia vistos em termos sociais em vez de questões estéticas. Natureza enquanto matéria em vez de condição figurativa.
Robert Smithson na carta a Jonh Dixon [1] (p. 377) Ao longo das margens do rio Passaic estavam muitos ‘monumentos menores’, como pilares em betão, que suportam uma nova autoestrada que está a ser construída.
Robert Smithson em A tour of the monuments of passaic [1] (p. 68-‐74) [sobre Broken Circle/Spiral Hill] Um trabalho com esta escala não termina com a sua apresentação. Tem uma forma de gerar um movimento continuado.
Ingrid Commandeur e Trudy van Riemsdijk-‐Zandee [2] (p. 11) Nas frases que selecionei de Smithson nota-‐se o interesse da Maria Lopes por um certo padrão de pensamento: o afastamento relativamente à obra de arte como fim em si e a aproximação à ideia de evolução da criação, partindo de elementos mutáveis e dinâmicos e usando-‐os para a construção de algo que vai para além de um produto final com caráter figurativo. Tal é evidente em obras como Broken Circle/Spiral Hill ou Spiral Jetty, onde a própria condição e localização as sujeitam a uma constante alteração, mas é-‐o também nos monuments of Passaic, onde se identifica uma relação mais estreita com o trabalho da Maria Lopes pois o tipo de atenção que Smithson dá aos monumentos menores nas margens do rio Passaic é o mesmo que a Maria dá aos seus monumentos nos Cadernos de Campo.
Os Cadernos são um estudo de espaços intervencionados pelo Homem e transformados pela Maria Lopes em lugares com um carácter deveras singular. Não importa o concreto do território geográfico, não importa sequer o país. Importa apenas o campo tal e qual se lhe apresenta, tal e qual está naquele momento, depois de o homem lhe ter mexido e o ter deixado numa pausa que à Maria interessa. Das infinitas possibilidades a fotografar, a Maria escolhe aquelas que revelam o saber do homem e o seu fazer (o cortar, o juntar, o empacotar, o arrumar e o guardar) captando neles um momento de pausa que se nos apresenta de forma definitiva e, tal como nos monumentos de Robert Smithson, desfrutando apenas daquela paisagem evidentemente humana mas, ao mesmo tempo, tão anónima no seu ser. As imagens dos Cadernos de Campo, e de cada Caderno em particular, estabilizam aqueles espaços sem lhes dar a possibilidade de evoluir, apresentando-‐se-‐nos como absolutos e definitivos, e dando-‐lhes uma personalidade própria característica de um Lugar. No cartaz da exposição, criado pela Maria Lopes, encontra-‐se um esquema tomando por base o diagrama de Rosalind Krauss no seu famoso artigo Sculpture in the Expanded Field [3]
Nele está a forma de trabalhar da Maria, entrecruzando o que existe (a paisagem transformada em função da prática quotidiana do Homem) e a forma como ela a trabalha (caminhando num registo cartográfico de memória). “Cadernos de Campo” são, assim, a paisagem involuntariamente transformada pelo homem de acordo com a forma como este utiliza o espaço. É nela que a Maria Lopes cria os seus monumentos como momentos finais, como se não houvesse passado nem futuro, como se eles fossem estar ali para sempre. A memória do seu esquema não está no tempo mas no local, e essa é uma diferença essencial. É entre o Caminho que percorre e a Cartografia que daí resulta que está todo o seu trabalho. Bibliografia [1] J. Flam, Ed., Robert Smithson: The Collected Writings. Berkeley: University of California Press, 1996. [2] I. Commandeur e T. van Riemsdijk-‐Zandee, Eds., Robert Smithson: Art in Continual Movement. Amesterdam: Alauda Publications, 2012. [3] R. Krauss, «Sculpture in the Expanded Field», October, vol. 8, pp. 31–44, 1979.
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