Vocação, paixão, e método: A face historiadora de J. de Figueiredo Filho e a construção do Cariri cearense

June 6, 2017 | Autor: G. Anpuh Rs | Categoria: Theory of History, History of Historiography, History of Brazilian Republic
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Descrição do Produto

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA






Vocação, paixão, e método: A face historiadora de J. de Figueiredo Filho e
a construção do Cariri cearense


HILDEBRANDO MACIEL ALVES

Texto apresentado para discussão em atividade do GT de Teoria da História e
Historiografia da ANPUH/RS









Porto Alegre
2016
SUMÁRIO[1]

Capítulo 1: "Fez da pena a sua arma, dos livros e jornais, a sua
trincheira": o intelectual e seus lugares
1. José Alves de Figueiredo Filho: o "filho do Crato" e sua "missão"
2. Espaços de atuação e relações de legitimação das narrativas sobre o
Cariri
1. O Instituto Cultural do Cariri (ICC)
2. A Academia Cearense de Letras (ACL)
3. O Instituto do Ceará (IC)
4. A ANPUH
1.3Apresentando o Cariri para o Brasil: a historicidade da "república das
letras caririense"

Capítulo 2: "Fez da pesquisa histórica a trajetória luminosa": operando
(com) o passado, tornando-se historiador
1. Uma história para o Cariri: o papel do conhecimento histórico na
construção de uma região
2.2 A operação historiográfica de J. de Figueiredo Filho: um panorama de um
ofício
2.2.1 Magistra Vitae
2.2.2 A cientificidade do ofício
2.2.3 O documento e o fato
2.2.4 O progresso como tônica da história
2.3 O fato e a narrativa: as obras historiográficas de J. de Figueiredo
Filho
2.3.1 Cidade do Crato
2.3.2 História do Cariri (Vol.I- Vol.IV)
2.3.3 Publicações na ANPUH


Capítulo 3: "Tudo isso para a grandeza do Crato e do Cariri": O sul do
Ceará sob os olhares de Clio
1. A "guardiã" do tempo (?): como a historiografia constitui espaços
2. O Cariri e a narrativa histórica: a construção de um passado para ser
lembrado
3.2.1 Para além de uma gênese: o caririense nos primeiros registros do
passado nacional
3.2.2 Confederação do Equador
3.2.3 Heróis para uma grande região
3.3 O tempo, o espaço e a narrativa histórica: a "invenção" do Cariri por
Figueiredo Filho

INTRODUÇÃO




A região do Cariri cearense é um oásis, o verde coração do
semi-árido nordestino. Apesar de ser uma terra de farturas
e de portentos, sua história revela a tragédia do processo
civilizatório sertanejo no destino de um povo - os Cariri
(Kariri ou Quiriri) - que se fundiu na carne e na alma dos
seus inimigos: fazendeiros, criadores de gados,
agricultores e vaqueiros oriundos de Sergipe, de
Pernambuco e da Bahia. Ao Cariri cearense, centro
geográfico com eqüidistância para as principais capitais
do Nordeste, desde meados do século XVII até os dias de
hoje, continuam a chegar multidões sertanejas, em um fluxo
constante, atraídas pela fertilidade e pela sagração do
território como espaço mítico.[2]



Ao realizar a leitura do trecho acima, a região do Cariri cearense é
apresentada de uma maneira, no mínimo, singular: por estar sendo veiculada
em um dos jornais de maior circulação no estado do Ceará e por ter sido
escrito por um cineasta que tem larga trajetória de estudos e trabalhos no
estado[3], o que se percebe é uma valorização exacerbada, com requintes de
mitificação/sacralização, de uma determinada imagem desse espaço. Apesar da
ressalva acerca da dizimação da população que deu origem ao nome da região,
o que prevalece é uma adjetivação positiva acerca do sul cearense, trazendo
a noção de mítico como baliza fundamental em sua legitimação. Rosemberg
Cariry é considerado pelos meios intelectuais como um grande conhecedor da
região caririense; contudo, esse caso não é exclusivo. Inúmeros foram os
projetos que se propuseram a inventar o Cariri[4] e não estão restritos à
contemporaneidade. Percebe-se aí, que a construção de uma região por possui
elementos diversos e complexos.
Procura-se compreender, com o referido estudo, o papel da
historiografia de José Alves de Figueiredo Filho – tomada como uma das
formas de se perceber os usos que são feitos do passado e as relações
estabelecidas com as categorias temporais (passado/presente/futuro) – na
construção de uma imagem para o Cariri[5]. Nessa perspectiva, é fundamental
colocar em primeiro plano as especificidades dessa forma de escrita
enquanto uma forma de elucidar o jogo de temporalidades construídas pelo
autor para o lugar que ele se propõe a (d) escrever. A escrita da história
toma como elemento central de sua constituição o passado. Já antepostas
ressalvas acerca da impossibilidade de se realizar a reflexão histórica
apenas com essa categoria temporal – dada a efetiva força do presente e do
futuro no ofício histórico –, vale refletir acerca da concepção de passado
que se procura empreender para tal finalidade. Neste caso, o passado não é
simplesmente o que passou, e sim uma complexa composição subordinada aos
interesses de quem aciona os jogos de memória. (RAMOS: 2012, 13) De
antemão, uma escolha já é assinalada: pensar os diversos elementos que
estejam interligados ao campo de pesquisa proposto a partir de sua
formação, não os tomando como algo dado e já pré-existente ao olhar
reflexivo do profissional da história. Tanto o passado como a
historiografia serão percebidas desde sua concepção epistemológica até sua
operacionalização dentro da narrativa, elemento último que sintetiza as
ideias que regem uma determinada pesquisa.
As diversas reflexões que surgiram ao longo da pesquisa e escrita do
texto foram norteadas a partir da seguinte problemática: Como a
historiografia, compreendendo-a como uma operação
(reflexão/prática/reflexão) que trata de interpretações e usos do passado,
atua diretamente na construção de uma espacialidade? Atribuo à escrita
(estruturada em forma de narrativa) um papel central para compreender as
relações entre os sujeitos e o tempo; colocando nesse caso, aquela como um
elemento que legitima uma imagem sobre o que se fala. A narrativa, neste
caso, assume um papel relevante tratando-se de uma escrita que possui o
tempo como elemento presente. O historiador Régis Lopes nos alerta que não
há tempo sem ação, ou melhor, sem ação narrada: é no modo de encadear os
fatos que o tempo ganha volume e sentido; é na maneira de ajeitar o mapa do
verbo existir que se cria a ideia do tempo dividido entre passado, presente
e futuro. (RAMOS: 2012, 13) Aproximando-se a perspectiva abordada por Paul
Ricoeur (1994), tempo e narrativa são postos em diálogo para compreender a
historiografia, sendo atribuída a segunda o papel de "materializar" o
primeiro.
O principal pressuposto teórico utilizado para pensar a historiografia
nesse trabalho, de modo geral, é o historiador francês Michel de Certeau e
suas contribuições formuladas no texto "Operação historiográfica". Segundo
o mesmo,


Encarar a história como uma operação será tentar, de
maneira necessariamente limitada, compreendê-la como a
relação entre um lugar (um recrutamento, um meio, uma
profissão,etc), procedimentos de análise (uma disciplina)
e a construção de um texto (literatura). É admitir que ela
faz parte da "realidade" da qual trata, e que essa
realidade pode ser apropriada "enquanto atividade humana",
"enquanto prática"[6]


A escolha pelas questões abordadas por Certeau, para nortear as
discussões aqui propostas, se deu pela maneira abrangente que ele lançou a
questão da escrita da história. Inúmeros elementos movem reflexões dessa
envergadura e muitos outros podem ser abordados por quem deseja mergulhar
nesse "oceano desconhecido" que é a reflexão de caráter mais epistemológico
acerca do nosso ofício. Contudo, o autor de A escrita da história, enumera
elementos que são muito conhecidos por estarem presentes de maneira nítida
em todo o processo de formulação/construção/legitimação da narrativa
historiográfica e que, paradoxalmente, são tomados como naturais e –
portanto – não muito "dignos" de uma reflexão do próprio agente da ação. A
proposta ao usar Michel de Certeau e a noção de "operação historiográfica",
é compreender com o maior número de informações possíveis como J. de
Figueiredo Filho vai construindo sua face e obra historiadora; atentar para
os elementos que atravessam todas essas etapas é de fundamental importância
para compreendermos a própria historicidade da escrita historiográfica e da
prática historiadora.
Dentro da perspectiva proposta, a questão do tempo ganha uma
notoriedade na forma de ferramenta para a construção das análises a serem
realizadas e como um elemento a ser cuidadosamente analisado, partindo do
pressuposto que o tempo atua diretamente nas dinâmicas históricas e
historiográficas. As reflexões em torno dessa categoria histórica são um
grande desafio para a historiografia contemporânea, tendo em vista que


Pensar sobre as maneiras com as quais os historiadores têm
trabalhado com a categoria do tempo é, portanto, uma
tarefa bastante inquietante e complexa. Abre um amplo
leque de problematizações, que vão desde a investigação
sobre as imagens temporais com que lidamos e as discussões
sobre as representações do passado, aos modos pelos quais
temos produzido o conhecimento histórico e definido, ou
não, as bases políticas da História. (RAGO: 2005, 26)


Como salienta Margareth Rago, a abertura de uma reflexão
historiográfica (de certo modo seguindo uma perspectiva epistemológica da
história) com base nesse ponto específico tende a ampliar as possibilidades
de se pensar o ofício da história e compreender as diversas formas pela
quais o passado é utilizado/representado/construído. Sendo assim, pensar a
construção de uma imagem para o Cariri pela historiografia, atenuando-a
como uma escrita que tem no tempo um de seus nortes, traz inúmeras
possibilidades de compreensão da historicidade desse processo. Obviamente,
que alguns cuidados devem ser levados em consideração ao tratar do tempo no
campo da história, inicialmente vale lembrar que Na sugestiva proposição de
Michel Serres (1998, p.62): "o tempo tem paradas, rupturas, poços, chaminés
de aceleração fulminante, rasgamentos, lacunas, tudo numa composição
aleatória, numa espécie de desordem, ao menos visível". (apud. RAGO: 2005,
31)
O que nos leva a tomar, como em diversas reflexões realizadas pelos
historiadores, a heterogeneidade, as inconstâncias, rupturas como parte
constitutiva do tempo. Reflexões essas que reiteram a necessidade de tomar
o tempo como um objeto para as reflexões por nós, historiadores,
realizadas. O historiador François Hartog nos alerta para a falta de
atenção para os aspectos assinalados acima: "O tempo tornou-se a tal ponto
habitual para o historiador que ele o naturalizou ou o instrumentalizou. O
tempo é impensado, não porque seria impensável, mas porque não o pensamos
ou, mais simplesmente, não pensamos nele. (HARTOG: 2013, 26) Com base nas
assertivas de Hartog, a proposta é refletir sobre esse elemento
naturalizado nos âmbitos da experiência histórica e historiográfica (vale
ressaltar que ambas são intimamente interligadas, e no caso da escrita da
história em si compactuam do mesmo espaço).
Tomando a questão do tempo como algo intrinsecamente ligado à escrita
da história, o filósofo francês Paul Ricoeur traz contribuições de
considerável relevância ao pensar o diálogo entre o tempo e a narrativa na
consagrada obra Tempo e Narrativa. Para Ricoeur, a história se configura em
forma de narrativa, sendo essa uma das formas articuladoras da
temporalidade. De maneira geral, a perspectiva adotada pelo sujeito acima
citado parte de uma nova concepção da hermenêutica: para além da
compreensão do texto e dos significados atribuídos através/por meio/ a
partir dele, procura-se compreender a relação entre o texto e as condições
de produção do mesmo. É um diálogo proposto entre o texto e a vida. Segundo
Aldo Bona, a hermenêutica é, para Ricoeur, o 'método de tratamento de todas
as questões que conduzem à interpretação do sujeito, a narrativa é a forma
de expressão do 'produto' dessa interpretação. (BONA: 2012, 153).
A escolha de Paul Ricoeur para introduzir a questão do tempo na
historiografia parte da premissa adotada pelo próprio autor: não existe
história sem narratividade[7]. A narrativa, neste caso, é encarada como uma
mediação das construções que a sociedade realiza ao longo do tempo. (BONA,
2012) Procurando dialogar com as formulações propostas em Tempo e
Narrativa, o que se projeta é articular de maneira mais alargada a forma
com que o tempo vai atuando de forma incisiva e presente na instituição de
uma história/historiografia/temporalidade para a região do Cariri.
Uma das principais contribuições de uma pesquisa dessa envergadura é
refletir de forma mais apurada os percursos que compõem a escrita
historiográfica enquanto uso do passado em resposta às demandas do
presente. Trata-se de estudar como o conhecimento histórico é concebido,
problematizado enquanto uma relação construída em uma determinada
temporalidade e que suscita inúmeras relações (poder, pertencimento,
legitimação, identidade, militância).
O sujeito escolhido para a realização dessa reflexão foi José Alves de
Figueiredo Filho. Natural da cidade do Crato nasceu no dia 14 de julho de
1904 e faleceu em 29 de agosto de 1973[8]. Filho de Emília Viana de
Figueiredo e José Alves de Figueiredo (mais conhecido como Zuza da Botica)
passou parte de sua infância junto de seu pai no centro da cidade, onde
iniciou seu contato com a vida no interior e as primeiras impressões sobre
o mundo.
Zuza da Botica era dono da Farmácia Central do Cariri - lugar de
reunião de inúmeros personagens políticos do Crato e local apresentado como
de fundamental relevância em sua formação. Logo no início de seu relato de
vida, ele apresenta o caráter amplo e central da botica de seu pai:


Não somente estabelecimento farmacêutico para atender
doentes e despachar receitas médicas. Como quase todas as
boticas do passado, ali era o ponto de reunião
indispensável de certas pessoas graúdas de minha terra.
Médicos, bacharéis, negociantes, funcionários públicos e
caixeiros viajantes. Porém, predominavam na roda da
Farmácia central do Cariri os elementos políticos locais
do partido acciolino (FIGUEIREDO FILHO: 1996,9).

O destaque atribuído à farmácia de seu pai encontra-se presente em sua
autobiografia Meu mundo é uma farmácia, publicada no final da década de
1940. Nela, percebemos o destaque dado aos momentos vividos na Farmácia
Central, o caráter quase inevitável de sua vida profissional e os
desdobramentos dessas experiências para sua formação. Logo no texto que
apresenta sua autobiografia, ele aponta: [...] abri os olhos para o mundo
dentro de uma farmácia. Meus primeiros brinquedos foram brindes oferecidos
por antigas drogarias e laboratórios. [...]. Comecei a ver o mundo somente
através das grades de um estabelecimento farmacêutico. (FIGUEIREDO FILHO:
1996,7). O caráter de legitimidade de seus escritos encontra-se nas
experiências vividas por ele. Percebe-se o desejo de sempre afirmar que seu
livro não é baseado em invencionices nem no cabotinismo. Nada de
artificialismo. Nasceu sem pretensões. Apenas um depoimento de vida simples
e abnegada de um farmacêutico. (FIGUEIREDO FILHO: 1996,7) A modéstia,
simplicidade e o compromisso com a verdade seguirá os inúmeros estudos que
ele realizará e será base de sua concepção de história.
Figueiredo Filho conclui o curso de Farmácia em 19 de dezembro de
1925, com a noção de que o farmacêutico, enquanto profissional, deveria
possuir qualidades que fossem para além do campo profissional: o caráter
humano era moldado pela dignidade, compaixão para com o próximo,
assistência aos menos favorecidos e compromisso com a vida. O título de sua
obra merece destaque; a farmácia não é vista apenas como o lugar de
trabalho, mas o um espaço que contribui na formação do autor enquanto
sujeito. Em maio de 2011, o jornal Diário do Nordeste publica uma matéria
onde a neta de Figueiredo Filho apresenta alguns elementos que auxiliam a
compreender o esforço do avô pela valorização da tradição e cultura de sua
terra:

[...] desde cedo vovô convivia com o povo simples no
ambiente da farmácia e andava nos pés de serra do Crato,
onde o seu pai tinha um sítio. Ali teceu os laços de
amizade e afeto que logo vieram a fecundar um sentimento
de valorização pelas manifestações culturais desta gente,
imortalizado, assim, nos seus livros.[9]

A relação entre Figueiredo Filho e seu pai tem como elo central a
profissão que ambos exerciam. Contudo, o diálogo não ocorria apenas na
elaboração de receitas e medicamentos, existia um gosto pelo conhecimento e
pelas tradições da região; configura-se, neste caso, uma herança imaterial.

Após receber o diploma de farmacêutico, em Fortaleza, pela Faculdade
de Farmácia e Odontologia do Ceará, o filho de Zuza da Botica retornou à
sua cidade, onde viveu grande parte de sua vida. Uma de suas grandes ações
foi a fundação de uma agremiação intelectual chamada Instituto Cultural do
Cariri (ICC). Inspirado na atuação e organização do Instituto do Ceará
(1887), o ICC era composto por pesquisadores da região e tinha por
finalidade – de acordo com seu estatuto de fundação – o estudo das
ciências, letras e artes em geral, com enfoque maior para a História
Política e Geografia do Cariri. Diversas atividades eram realizadas:
sessões solenes em homenagem à sujeitos e fatos marcantes para as cidades
caririenses, realização de palestras, eventos e uma publicação anual: a
revista Itaytera.
Sua atuação se deu em diversos espaços e instituições de valorização
da terra natal: fundou e presidiu Instituto Cultural do Cariri, exerceu
cargo de confiança enquanto Inspetor Regional de Educação, atuou na
formação de professores da região e desenvolveu pesquisas sobre a história
da região na posição de professor da Faculdade de Filosofia do Crato (onde
ministrou a disciplina de História do Cariri),e estabeleceu contato com
intelectuais de outras localidades do estado ao ocupar a cadeira de nº34 na
Academia Cearense de Letras. Seus escritos eram assinados enquanto "J. de
Figueiredo Filho", modo como ele será referenciado neste estudo.
J. De Figueiredo Filho pode ser considerado um autor de inúmeras
faces. Sua produção não está restrita ao campo da história; sua trajetória
perpassa diversos gêneros narrativos, que serão apresentados a seguir por
ordem cronológica: iniciando suas publicações no formato de livro, temos o
romance intitulado Renovação (1937), que tratava sobre as dificuldades
vividas pelos sertanejos devido à seca que assolava a região e seus
costumes; seu livro de memórias Meu Mundo é uma farmácia (1940); o estudo
da agroindústria canavieira através do livro Engenhos de Rapadura do Cariri
(1958) que estava vinculado ao Ministério da Agricultura, através do
programa de Documentação da Vida Rural (1951) [10]; os estudos que
retratavam a cultura popular-noção voltada para o viés
folclorista/antropológico – através das obras O Folclore no Cariri (1962) e
Folguedos Infantis Caririenses (1966) e os estudos propriamente ditos de
historiografia, História do Cariri (publicado em quinze capítulos, dividido
em quatro volumes entre os anos de 1964 e 1968) e Cidade do Crato (1953) -
publicado em co-autoria com Irineu Pinheiro (1881–1954) em homenagem ao
centenário de emancipação da Cidade do Crato.
No que diz respeito à sua escrita, é necessário situá-la dentro de uma
lógica maior que a espacialidade que, juridicamente, marcava o sul do
estado e a temporalidade na qual esse sujeito estava circunscrito. O século
XX irá acolher um desejo antigo dentro do Estado Brasileiro: a
construção/legitimação de uma identidade nacional. Desde o Segundo Reinado
com o fortalecimento do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1838),
passando pelas explorações das Comissões Científicas e pela literatura
indianista (destaque para a obra Iracema, de José de Alencar), o país
tentará intensamente criar uma ambiência de unidade sentimental em torno do
território. E um dos projetos que irá tomar grande força nesse contexto,
diz respeito aos intelectuais e a cultura letrada. Dentro dessa sistemática
percebemos os desdobramentos de suas ações, onde:


"Os intelectuais ocupados com a questão nacional, muito
frequentemente, forneceram munição teórica que, em certos
casos, foi retomada, modificada e apropriada pelas formas
de enunciação política. [...] O discurso nacional tornou
imprescindível a elaboração de narrativas históricas. A
identificação de um passado comum foi um dos elementos
constituintes de sentimento de irmandade em torno da
nação."[11]

A experiência do IHGB se coloca como de fundamental importância para
a compreensão desse projeto de identidade nacional. O historiador Manuel
Luiz Salgado Guimarães realiza alguns estudos que nos servem de norte para
a compreensão da historicidade desse movimento. Em um de seus escritos,
percebemos que o circuito intelectual em questão é tido como:


"Herdeiro de uma tradição marcadamente iluminista e
vivenciado como tal por seus membros, o instituto propõe-
se a levar acabo um projeto dos novos tempos, cuja marca é
a soberania do princípio nacional enquanto critério
fundamental definidor de uma identidade social." [12]


Um projeto muito aproximado aos moldes do velho continente e que terá
como palco inicial não a academia universitária, mas sim os círculos
intelectuais de base iluminista que irão empreender esse movimento. Por
mais que esse contexto não seja especificamente o mesmo que Figueiredo
Filho esteja vivendo, irá se perceber – ao longo do trabalho – que muitas
características apresentadas acima estarão em diálogo com a produção
historiográfica caririense. São relações de permanências e rupturas
temporais que a narrativa (e o tempo figurado nesta) nos auxiliam a
compreender com mais nitidez. De imediato, é notória a dívida/inspiração da
escrita historiográfica dos pesquisadores caririenses em relação ao IHGB e
à cultura oitocentista. Esse diálogo espacial/temporal vai abrir inúmeras
possibilidades de pensar a construção de uma historiografia própria para a
região sul do estado e, consequentemente, um projeto de temporalidade para
a mesma.
Em aspectos mais locais, a produção sobre o Cariri carrega um ímpeto
que tangencia as mais diversas modalidades de escrita: da historiografia
aos estudos etnológicos, passando por romance, folclore e botânica, o
sentido da escrita sobre esse lugar é norteado pelo desejo de reivindicar
um espaço de legitimação dessa terra na história do Brasil. Ao longo do
trabalho, serão apontadas algumas das justificativas para esse discurso,
bem como as ferramentas utilizadas para a tentativa de execução desse
projeto. O que se deve ter nítido, é que J. de Figueiredo Filho está
inserido em um movimento que não se restringe a ele, por mais que – em
determinados momentos – seja a principal referência. Outra questão que
deve, desde já, ser colocada, é a historicidade desse movimento
intelectual: antes mesmo dos intelectuais que vão fundar o ICC e
protagonizar um movimento relevante que parte do Crato, outros sujeitos
irão se lançar a tomar o Cariri como objeto de estudo, inclusive por moldes
historiográficos: João Brigído (1829-1921) é um dos casos mais
emblemáticos.[13]
Alguns aspectos podem já ser apontados, no sentido de realizar uma
identificação mais nítida dos motivos e dinâmicas que compuseram a
historicidade da escrita intelectual dessa região. O primeiro aspecto está
diretamente ligado a uma disputa interna existente entre duas cidades:
Crato e Juazeiro do Norte. Segundo a historiadora Otonite Cortez, a
primeira passa por um processo de declínio político e econômico com a
ascensão da segunda durante a virada do século XIX para o século XX.
Tomando o fenômeno religioso ocorrido em Juazeiro[14], a elite política
(que envolvia diretamente os "sujeitos das letras") iniciou um intenso
processo de diferenciação entre as duas cidades, tomando o Crato como
"cidade da cultura", do progresso do desenvolvimento, enquanto Juazeiro
seria a terra do fanatismo e do atraso. Essa disputa é central na
estruturação das relações de poder que vão sendo construídas no campo
intelectual caririense: majoritariamente a produção sobre o Cariri que tem
visibilidade no contexto de Figueiredo Filho tem o Crato como ponto de
partida; é o a região apresentada sob o olhar cratense.
A tônica do progresso, que é central no discurso vanguardista do
Crato, é o segundo aspecto a ser levantado. Não restrito aos naturais da
"Princesa do Cariri", a noção do desenvolvimento e do progresso era parte
integrante das práticas e discursos dos intelectuais das mais diversas
cidades caririenses. Tomando as grandes cidades européias como modelo de
urbe a ser desenvolvida no interior cearense, esses sujeitos irão absorver
e irradiar as noções que a chamada modernidade irá difundir: conhecimento,
progresso, desenvolvimento, a noção de cidade urbana como modelo a ser
copiado. Contudo, esse progresso passa pela valorização de elementos
locais; não se procura extinguir as particularidades da região em prol de
um "transplante total" de práticas externas. Afinal, o que prevalece é o
desejo de mostrar/provar a relevância do Cariri para o país como um todo.
Em artigo inicial do segundo número da publicação do ICC, Figueiredo Filho
aponta algumas das diretrizes gerais que seus pares seguiam, no que diz
respeito ao progresso:


"Incontestàvelmente está o progresso a penetrar pelo
interior na carroceria dos caminhões. Encontram se as
distância com a recém penetração do avião pela
interlândia. Já se pode ver em muitas cidades sertanejas,
desfrutando-se muitas das vantagens da moderna
civilização, o que não acontecia até há bem pouco. O
Brasil continua, no entanto, a pulsar bem vivo no
interior, a despeito de muitas mazelas que nos chegam com
o progresso. Nos grandes centros litorâneos há muito de
artificialismo que não pertence às verdadeiras raízes da
nacionalidade."[15]

Existe, nesse caso, uma conotação positiva ao que vem juntamente com a
modernidade. São experiências nunca antes vividas que melhoram a vida do
morador do sertão e abre novas possibilidades de ver o mundo. Já se
percebe, de maneira inicial, a modernidade chegando ao lugar de fala dos
membros da agremiação em questão; contudo, é papel desses sujeitos
"remodelar" esse progresso à realidade local: como nas cidades o que
prevalece é o "artificialismo" e as "mazelas da modernidade", o grande
trunfo e a essência da nacionalidade (tópico amplamente debatido no
período) reside no sertão; a modernidade, ao não chegar em determinadas
localidades de maneira imediata, pode se valer de alguns detalhes que
"efetivamente representam o que é o brasileiro". O lugar e a origem do
Brasil estão no sertão, é neste espaço onde "pulsa o verdadeiro país".
É dentro desse contexto que o Cariri é chamado para "cumprir sua
missão", pois somente essa região pode "salvar o Brasil". É nítido o uso
político dos textos iniciais da revista Itaytera na demarcação de posição e
escolhas ideológicas que regem os estudos dos intelectuais associados.
Nesse momento ciência e ideologia se fundem formando uma simbiose que não
possui defeitos, apenas um bem maior que rege: a salvação da nação
brasileira:


"O interior, ainda com parte de suas virtudes intactas,
tem de reagir para salvar o Brasil. O movimento de
renovação que se processa na interlândia, embora ainda
desordenado, não pode prosseguir só no sentido material.
Tem de ser acompanhado por movimentos de ordem
intelectual. Crato e o Cariri, pelas suas reservas
acumuladas em duras pelejas cívicas e sacrifícios, estão
bem aparelhados para tomar posição de vanguarda dessa luta
para a valorização do interior." [16]

O que se destaca no trecho acima apresentado, é a amplitude atribuída
à chamada "renovação" que o país deve passar. Para além de questões
materiais – que, porventura, devam estar relacionadas com o aprofundamento
do sistema urbano/capitalista e sua estrutura no país (fábricas,
ordenamento da cidade, construção de malha viária/férrea, a chamada
modernização dos lugares) –, o que também é apontado como mudança
necessária é o papel do conhecimento. As mudanças deveriam ocorrer também
no meio simbólico, o que dá um novo caráter à concepção de modernidade
desses sujeitos. E o "sujeito" que reúne o maior número de atributos para
tal fim seria o Cariri Cearense.
A obra de Figueiredo Filho dialoga diretamente com esses ideais. Após
seu falecimento, é publicado um número da Itaytera que traz em grande parte
do número da publicação homenagens ao historiador cratense. Nesse diálogo
entre a ação intelectual e a "missão da brasilidade", se atenua a frase de
capa da revista na qual Gustavo Barroso, comentando a produção do ex-
presidente do ICC, aponta:


"Obra de brasilidade e de espiritualização, de ensinamento
e de fé em dias melhores, merece ser lida pelos que amam o
Brasil [...]. É brado de despertar de um brasileiro do
interior, que sente, que sofre, como todos os brasileiros
do interior, e comunga com seus irmãos do Brasil a mesma
hóstia de dor."[17]
Sua obra é caracterizada como uma ferramenta a serviço das melhorias
pelas quais o país estava necessitando passar. O conhecimento é tomado como
transformador de realidades e o produtor deste, como um sujeito em destaque
nesse processo. Suas obras devem ser lidas por aqueles que amam o país; ou
seja, existe um público direcionado: o autor escreve para a Nação e os
brasileiros; é apontada uma ligação entre o autor e o leitor. São
características que ambos vivenciam (estilo de vida, sentimentos acerca do
país, auguras em comum) e credenciam o autor como alguém que possui em sua
obra uma pretensa "descrição real" da situação. Existe um diálogo direto,
segundo Gustavo Barroso, entre autor/realidade/público alvo. É diante dessa
tríade que Figueiredo Filho vai conquistando seu espaço enquanto um dos
homens mais respeitados de sua região. A obra e o sujeito para terem
alcance precisam estar conectados com a realidade e o público, e ele
consegue atender á esses "pré-requisitos".
A dissertação está dividida em três capítulos. No primeiro, a proposta
é promover uma reflexão inicial acerca da relação entre o intelectual e
seus lugares sociais de produção/atuação. Sob as proposições de Michel de
Certeau (2011), será realizado um exercício de mapeamento das instituições
em que Figueiredo Filho constituiu diálogos no campo das letras, bem como
sua atuação nas mesmas, com o objetivo de compreender seu processo de
legitimação enquanto um sujeito com respaldo para escrever acerca do
passado de sua terra. Vale ressaltar que a construção de um lugar de fala é
de fundamental importância na consolidação do autor e de seus escritos,
dado o poder que a instituição possui na legitimação de seus ideais. Não
obstante, a assertiva acima apontada não deve ser vista apenas sob uma
ótica: o que se propõe, juntamente com esse exercício, é pensar uma espécie
de "via de mão dupla" entre o sujeito e o lugar; a legitimação da
obra/escritor e da instituição se retroalimenta em diálogo constante. A
análise de fontes (discursos, notícias, artigos, críticas, ensaios)
referentes a esses espaços (O Instituto Cultural do Cariri (ICC), A
Academia Cearense de Letras (ACL), O Instituto do Ceará (IC), A ANPUH),
possibilitarão compreender a construção do intelectual/militante em prol de
sua terra e da imagem que vai sendo forjada tanto para o escritor como para
seu objeto.
Esse intento será realizado a partir de duas balizas centrais: a
compreensão da trajetória pessoal de Figueiredo Filho – a partir de uma
égide que vai sendo colocada para o mesmo, enquanto "o filho da terra" – e
a historicização da ambiência intelectual no qual o mesmo estava inserido.
Neste caso, fazem-se necessário compreender de modo mais detalhado, as
motivações que levaram ao sul do Ceará desenvolver um conjunto de práticas
letradas que valorizavam o conhecimento dito científico o passado glorioso
de sua terra. Com esses elementos abordados, o que se objetiva é criar a
possibilidade de aprofundar com mais segurança nas características
específicas que construíram a concepção de história de Figueiredo Filho e
como ela se estruturou na escrita sobre o passado caririense.
O segundo capítulo tem como objetivo principal realizar um estudo mais
detalhado, seguido de uma análise conjunta com as proposições mais gerais
da dissertação, da concepção de história formulada nos escritos sobre o
passado caririense de Figueiredo Filho e a forma como elas foram sendo
estruturadas nas suas respectivas obras. É uma etapa do trabalho que se
torna central pela forma como foi estruturada e os objetivos dessa
modelação: ao delimitar algumas tópicas recorrentes (Magistra Vitae/noções
de usos do passado, a cientificidade do ofício, o documento e o fato, o
progresso como tônica da história) na obra de Figueiredo Filho, realiza-se
– de maneira mais incisiva – uma atitude de caracterização do sujeito
dentro do campo do conhecimento histórico; o que se torna fundamental para
um trabalho que se propõe a contribuir nos estudos em torno da prática
historiadora e suas singularidades. Partindo dessa delimitação, o que se
procurou realizar foi um conjunto de reflexões interligadas, que não
extinguissem as particularidades, das tópicas na construção da
historiografia do Cariri. A proposta foi perceber como cada um desses
elementos era pensado pelo historiador e questão, a forma como ele
utilizava na sua narrativa e seu impacto na obra e na historiografia do
período.
Com o intuito de não deslocar essa escolha das questões mais gerais,
será realizada de maneira anterior, uma discussão acerca do papel do
conhecimento histórico nas construções de regiões. O historiador Durval
Muniz e sua obra A invenção do Nordeste, foram de fundamental importância
para auxiliar nas problemáticas que envolvem a temática do espaço na
história e o papel de uma escrita que tem o tempo como elemento chave
entrando em diálogo com questões propostas pelo autor acima citado. As
proposições de Mateus de Morais Servilha, em Quem precisa de região?,
apresentarão novas possibilidades de pensar a região dentro do campo das
ciências humanas. Utilizando referenciais teóricos como Pierre Bourdieu e
Ann Markusen, o referido autor propõe uma nova relação de pesquisa para com
os espaços denominados regionais; a contribuição da Geografia, neste caso,
alerta de forma mais contundente para a necessidade de olhar com mais
cuidado para as relações socioespaciais e disputas simbólicas construídas
nos espaços. De forma a contribuir por outro viés, o historiador Régis
Lopes e sua obra O fato e a fábula: o Ceará na escrita da História trará
valorosas contribuições em dois grandes aspectos: pensar a historicidade da
construção de um passado para o espaço cearense e compreender a diversidade
de formas de se compreender as relações estabelecidas entre os sujeitos e o
tempo pretérito. Utilizando José de Alencar e Alencar Araripe – de forma
mais sistemática – Régis nos apresenta uma proposição de reflexão
epistemológica da historiografia que não se restringe aos estudos
propriamente tidos como históricos.
Percebendo, de maneira, panorâmica a operação historiográfica
empreendida por J. de Figueiredo Filho, o segundo capítulo é encerrado com
uma discussão acerca dos escritos historiográficos produzidos por ele: Os
livros Cidade do Crato e História do Cariri (Vol. I ao Vol. V) e os artigos
publicados nos anais de encontros da ANPUH. Compreendendo os contextos de
produção e as características presentes nesses escritos, o intuito de
perceber como a história é pensada e operada pelo filho de Zuza da Botica
deve ser alcançado.
Por fim, o terceiro capítulo visa refletir sobre questões necessárias
ao campo da historiografia: a partir da história do Cariri, apresentada
pelas obras analisadas, refletir acerca dos usos da história na construção
de percepções sobre o tempo e o espaço. Esse ponto da pesquisa está
dividido em três momentos: inicialmente a proposta é refletir acerca da
escritura histórica e a instituição de espaços. Esse momento será de
aprofundar algumas das questões levantadas no capítulo anterior, procurando
pensar de maneira mais sistemática de que modo as relações entre narrativa
e tempo estão inseridas nesse contexto. Autores como Hayden White e Paul
Ricoeur serão de grande valia nesse esforço. Propor pensar a narrativa como
algo intrínseco ao fazer história e pensar o tempo como um elemento ativo
nesse processo e em diálogo constante com o aquele é o principal objetivo
desse tópico. Instrumentalizando essa proposta, três tópicos são analisados
de maneira mais pontual na escrita de Figueiredo filho: os primeiros
registros da história do Cariri, A Confederação do Equador (1824) e a
instituição de alguns heróis para o passado caririense. O que se objetiva é
perceber como que são organizados e apresentados os propósitos acima
levantados, atentado para a forma e a imagem do Cariri que vai sendo
forjado por José Alves de Figueiredo Filho.
O trabalho aqui desenvolvido propõe contribuir para os estudos de
história da historiografia partindo do pressuposto da necessidade de
aprofundar pesquisas, questionamentos, problematizações em torno do fazer
história para além do século XIX e do eixo Sul-Sudeste do país. Pensar o
desenvolvimento de uma cultura historiográfica na segunda metade do século
XX e longe dos grandes eixos político-econômicos do país é um desafio que
se apresenta na contemporaneidade e que deve ser encarado por quem deseje
ampliar os horizontes de Clio. Como aponta Manoel Luiz Salgado Guimarães,
dentre as inúmeras "crises" que a história vem passando na
contemporaneidade, defendo a possibilidade de pensar a historiografia como
um caminho importante neste momento de impasses aos desafios impostos à
história como disciplina. (GUIMARÃES: 1998, 10). Longe de propor saídas
concretas, a intenção é – por meio da apresentação e análise do caso de J.
de Figueiredo Filho – apresentar mais elementos acerca da atuação dos
historiadores nos meios públicos, de revisitar as próprias tópicas tão
consagradas que definem os limites do nosso ofício e de contribuir com o
debate de questões que são recebem pouca atenção pela historiografia
brasileira (a relação entre narrativa e tempo na escrita da história).
Partindo dessa justificativa de destaque temporal/espacial, salienta-
se a preocupação em não endossar o discurso desenvolvido pela
historiografia tradicional em rotular o que é produzido fora do eixo Rio de
Janeiro/ São Paulo (salvo algumas exceções isoladas) enquanto "história
regional". Compreender a formação de uma região, e suas fronteiras, é
perceber que estas são frutos de um processo histórico e, consequentemente,
possuem uma historicidade a ser abordada. Uma percepção histórica de um
território regional pode ser construída partindo de três questões
fundamentais: afirmar o caráter histórico e multiforme de sua criação,
pensar nas redes de relações que forjam esse espaço e compreender que o
espaço regional espacializa (localiza de modo mais visível) as relações de
poder que o constituem.[18]
Três pressupostos podem ser destacados a partir de algumas
considerações que Durval Muniz de Albuquerque Júnior nos traz, com o
intuito de construir um debate de maneira mais qualificada e rica em
elementos para análise. Primeiro, o tratamento natural e a absorção do
termo regional vindo de quem produz o conhecimento histórico sobre e a
partir de uma "região". Inexiste, quando não o é realizado de maneira
tímida, qualquer problematização acerca do que é realizar a escrita de uma
história regional; toma-se essa divisão como algo natural e inerente ao
lugar de onde se escreve tornando as relações de poder que envolvem a
produção do conhecimento histórico alheias de qualquer interferência na
forma como a pesquisa histórica é apresentada. Por seguinte, tomar a região
enquanto natural evoca um caráter a-histórico para o espaço. É constituída
uma ilusão de que se existe uma história ocorrida no espaço, mas não uma
história do espaço; a historicidade das relações torna-se vazia, neste
caso. Por fim, pensar a produção dos espaços como algo presente e influente
na construção da imagem sobre estes é fundamental para os trabalhos
historiográficos tendo em vista a estreita relação entre a escrita da
história no Brasil e as construções de "nação" e "região". (ALBUQUERQUE
JÚNIOR: 2008). O que se reivindica, neste caso, é que


"o historiador do regional questione permanentemente o
próprio papel desempenhado pela historiografia, pelo seu
discurso, por suas práticas, na reafirmação de uma dada
identidade regional. É importante que ele problematize o
papel que a elaboração de versões do passado, de memórias,
de lugares de memória, que a invenção de tradições, que a
elaboração de sujeitos e culturas regionais, tomando
versões da história como base, tiveram e têm na
formulação, veiculação, recepção, legitimação,
justificação e introjeção de recortes regionais
específicos."[19]

A problematização dos elementos que construíram o Cariri (a
historiografia, os estudos produzidos pelos membros do ICC, as comemorações
do centenário da cidade do Crato, os discursos e eventos produzidos pela
intelectualidade local, as relações institucionais formadas ao longo de
suas trajetórias) será uma prática constante ao longo desse estudo. Não
tomando as questões apresentadas pelas fontes como algo natural ou dado, se
abre um leque de possibilidades de compreender de que forma (interesses e
elementos escolhidos) vai sendo forjada a imagem da terra dos reisados, da
fé popular, das tradições centenárias, dos grandes feitos e fatos. É nesse
ponto que se deve debruçar: a compreensão das práticas que construíram um
tempo e um espaço caririense.
Uma das grandes motivações, se não a principal, para a realização
dessa pesquisa se deu por uma inquietude de cunho pessoal durante algumas
visitas à própria região do Cariri antes mesmo da minha inserção no curso
de graduação em História pela Universidade Federal do Ceará: a maneira como
o sul do Ceará é apresentado e defendido pelos próprios habitantes da
localidade e do estado como um todo é algo que desperta curiosidade pela
homogeneidade e consistência do discurso. Admitindo que uma das funções que
o historiador deve possuir é de refletir acerca das construções elaboradas
ao longo de uma trajetória temporal por um determinado grupo de sujeitos,
me vi com a inquietude de compreender de que modo discursos, práticas,
subjetividades e o próprio conhecimento (com enfoque no campo da história
especificamente) foram construindo essa "capa" que mais parece – ao ser
analisada com calma – uma "colcha de retalhos" que contém variadas
experiências, visões de mundo, interesses, projeções futuras, etc.
A historiografia, neste caso, é utilizada de maneira mais alargada e
menos ortodoxa. Atribuo a este campo de pesquisa – se pode ser considerado
assim – como uma "janela" que abre novas perspectivas de pensar a ação
humana no tempo/espaço, não a delimitando a determinadas questões que
possivelmente possam ser tomadas como prerrogativas ou inerentes a este ou
aquele contexto. A defesa que se faz, nesse momento, é de pensar a história
de maneira mais livre e aberta; para além das amarras que instituíram essa
pretensa "disciplina científica" ou "ciência disciplinada", se espera que
esse estudo contribua para o conhecimento humano de modo geral, sem muitas
definições ou adjetivações: é um trabalho de história.

CAPÍTULO 2: "FEZ DA PESQUISA HISTÓRICA A TRAJETÓROIA LUMINOSA": OPERANDO
(COM) O PASSADO, TORNANDO-SE HISTORIADOR

"Finalmente, o que é uma 'obra de valor' em história? Aquela que é
reconhecida como tal pelos pares. Aquela que pode ser situada num conjunto
operatório" (CERTEAU, 2011: 57).

A epígrafe de Michel de Certeau abre precedentes para refletir acerca
de dois aspectos fundamentais no campo da historiografia: a legitimação de
um estudo enquanto pertencente ao campo da história, bem como a
identificação do sujeito que escreve enquanto historiador[20]. O presente
capítulo visa aprofundar o debate acerca dos elementos que caracterizam um
perfil para o autor e a obra histórica, levando em conta sua historicidade
e a dinamicidade dos elementos que os estruturam. Vale ressaltar que tal
modelo de reflexão está intimamente ligado com questões que vão de encontro
à prática de pesquisa e reflexão epistemológica acerca do conhecimento
histórico: o lugar social do sujeito (abordado no capítulo anterior), a
intencionalidade da escrita, o contexto específico de produção da obra e a
historicidade do acontecimento relatado devem ser postos em diálogo para um
diagnóstico mais preciso acerca da percepção historiográfica que se procura
trabalhar.
A escritura histórica deve ser pensada como plural e diversa; é um
processo histórico que possui sua própria historicidade e elucida relações
entre o sujeito e a obra e o sujeito e seu lugar social. São debates que
colocam o ofício do historiador como objeto de suas pesquisas e reflexões.
Nesse sentido, a dimensão textual (que é a forma última de todo o processo)
do historiador ganha um caráter central. As análises realizadas a partir
dos textos produzidos na fase historiadora de Figueiredo Filho trazem um
número maior de informações que mesclam o campo teórico e a prática,
trazendo à tona as especificidades do objeto de pesquisa com o intuito de
mostrar a heterogeneidade presente na produção historiográfica desse
período.
No caso abordado nesse estudo, vale salientar a questão do
regionalismo/construção de regiões como parte dessa escrita, dada a
intencionalidade de Figueiredo Filho ao tratar de sua terra natal pelos
olhares de Clio. Recorrer ao clássico estudo sobre a chamada "invenção do
Nordeste" nos aponta para o cuidado de pensar que

Definir a região é pensá-la como um conjunto de enunciados
e imagens que se repetem, com certa regularidade, em
diferentes discursos, em diferentes épocas, com diferentes
estilos e não pensá-la uma homogeneidade, uma identidade,
presente na natureza.[21]

O Cariri, neste caso não deve ser pensado estritamente a partir da
historiografia. Ou seja: os sujeitos que se propuseram a escrever sobre o
sul cearense com base na operação historiográfica não detém o domínio sobre
o passado. O passado, nesse caso, será tomado como mais como uma
tipificação idealizada do que como um ponto de vista ou ideologia concreta.
(WHITE: 2012) O posicionamento de não mitificar a história enquanto a única
maneira legítima de tratar sobre os fatos ocorridos em um determinado local
em um único dado espaço gera – dentre inúmeros outros, no mínimo – dois
resultados: um olhar historicizante (portanto, desacralizador) sobre a
própria história e a compreensão de processos que não são heterogêneos e
consonantes na forma como são apresentados. Durval Muniz já nos alerta
acerca da complexidade que é pensar a construção de uma região; não a
tratando apenas como um processo histórico, mas como um movimento
heterogêneo e dinâmico. O espaço, de modo geral, deve ser tratado como
produção cultural e como representação espacial, intimamente interligado ao
poder e à política, configurando horizontes de expectativas na definição de
territórios. (NEVES: 2008, 14)
Comumente percebido de modo naturalizado, o espaço é dotado de
características como a perenidade, a estabilidade, a fixidez, muitas vezes
associado diretamente à natureza. O que gera uma percepção inversa sobre o
tempo; tratado como algo fugaz e veloz e de fluxo contínuo. A partir das
proposições iniciadas pelos estudos contemporâneos de história dos espaços
(com centralidade nos estudos iniciados por Durval Muniz), surge a
necessidade de pensar a temporalidade como interna aos espaços. Trata-se,
neste caso, de se pensar a temporalidade como uma ideia que está
intimamente ligada à percepção/ação humana. A temporalidade está
relacionada com a imaginação, as vivências do sentido humano sobre o tempo.
Pensar em temporalidades é, de certa maneira territorializar o tempo, tomar
posse do devir aparentemente indiferenciado, percebê-lo simbolicamente –
operacionalizá-lo, enfim. (BARROS: 2013, 33) Agindo desse modo, ampliam-se
as possibilidades de pesquisa e percepção históricas exigindo ao
historiador que se propõe a trabalhar com espaços de uma maneira
historicizante


[...], pensar o histórico, a temporalidade, como fazendo
parte dos espaços, dando a eles plasticidade, tornando-os
móveis, pensando-os como fluxos multidirecionais, dotando-
os de equivocidade, pensando-os como um conjunto de
posições móveis, alternáveis, substituíveis, negociáveis,
nascidas de lutas, conflitos e confrontos.[22]


São propostas três questões dentro desse conjunto maior: inicialmente,
pensar acerca da atuação do conhecimento histórico na
construção/delimitação de espaços – mais especificamente de regiões.
Preocupação de tal envergadura que se deu a partir da leitura de alguns
trabalhos – com destaque para A invenção do Nordeste e outras artes, de
Durval Muniz de Albuquerque Júnior e O fato e a fábula: o Ceará na escrita
da história, de autoria de Francisco Régis Lopes Ramos – que pensaram a
produção intelectual e a instituição de demarcações espaciais. Os dois
historiadores acima citados contribuíram de maneira substancial para pensar
a relação entre conhecimento histórico e a constituição de espaços.
Por conseguinte, tornando mais nítidas algumas reflexões de cunho mais
teóricas, serão realizadas discussões acerca do ofício do historiador per
si – dando ênfase aos elementos que vão sendo atribuídos como pertencentes
ao operador do(s) tempo(s) – e das concepções teóricas que vão construindo
a disciplina histórica. Nesse momento, será realizada a construção de um
panorama mais detalhado dos elementos mais recorrentes na escrita de
Figueiredo Filho sobre a história do Cariri; a intenção é perceber como
essas tópicas (a magistra vitae, a cientificidade do seu ofício, o
documento e o fato, o progresso como tônica da história) são percebidas
pelo autor e inseridas na estruturação da sua escrita.
Por fim, as três ordens de escrita que fomentaram a historiografia de
Figueiredo Filho serão discutidas (A coletânea dos 4 volumes, o livro em
efeméride ao centenário da Cidade do Crato, as publicações em anais de
encontro) com a intenção de perceber como a ideia de história é apresentada
no seu estágio final: a publicização da operação historiográfica acerca do
passado caririense. Trazer à tona a historicidade dessas obras/publicações
torna-se um imperativo para a obtenção de êxito na proposta que esse
capítulo traz. Ao procurar discutir o ofício do historiador como
intimamente atrelado às seus posicionamentos teóricos, escolhas
metodológicas, trabalho com documentos/fontes e construção de uma
narrativa, cabe inserir esses elementos a uma série de relações que são
fundamentais para a efetivação da pesquisa histórica. A produção
historiográfica não está isolada do meio na qual ela procura retratar: são
inúmeras as questões que influenciam a escrita da história (elementos
políticos, culturais, econômicos), e estas devem ser apresentadas de modo a
dar inteligibilidade ao escrito.
O que se procura nesse capítulo, é traçar com um grau mais apurado de
informações, o perfil historiador de José Alves de Figueiredo Filho;
pensando como o tipo de conhecimento que ele produz atua na constituição de
sua região, estabelecendo de maneira mais sistemática suas concepções
teorias sobre seu ofício e como estas vão auxiliar na sua prática e
apresentando o "produto final" de sua operação podemos visualizar de
maneira mais nítida a face historiadora do filho de Zuza da Botica,
percebendo como que sua escrita o legitima como um sujeito apto a falar de
sua terra e cria uma imagem sobre ela que vai perdurar durante muito tempo.

2. Uma história para o Cariri: o papel do conhecimento histórico na
construção de uma região

"[...], o historiador age essencialmente como um sujeito político na
elaboração de seus enredos e na construção de significados." (AVILA: 2010,
140)

Fazer história, no sentido operatório como nos propõe Certeau (2011),
não deve ser encarado como um ato essencialmente neutro ou isolado da
realidade pela qual se está vivendo e da que se pesquisa. A escrita da
história é realizada por sujeitos que possuem um grau de participação
consubstancial no seu andamento e não deve ser encarada como uma prática
que, por seguir determinados padrões de existência ou estruturação, é
considerada completa e isenta de questionamentos. Trata-se aqui de refutar
a noção de cientificidade tão defendida no século XIX, quando se desejava
instituir um grau de legitimidade à história aproximando-a das ciências
naturais; ciência esta que não permitia a interferência do pesquisador ao
longo do processo de investigação.
Pensando a escrita da história como uma prática social, e tendo como
parâmetro de escolha ou definição do que venha a ser um potencial objeto de
estudo para a história – que seria justamente as práticas e relações
estabelecidas pelos sujeitos ao longo do tempo – compreende-se a
plausibilidade de pensar o ofício do historiador como objeto de estudo para
a própria história, chegando ao que vem convencionalmente denominando de
história da historiografia, ou história da história da história. Vale
salientar que uma escolha dessa ordem corrobora diretamente com o ensejo de
aprofundar questionamentos de caráter epistemológico na história, o que
durante muito tempo não fora realizado.
Deste modo, é salutar identificar na figura de quem realiza a
pesquisa histórica uma peça fundamental na construção de um dado
conhecimento sobre relações estabelecidas anteriormente. Pensar esse
sujeito como político é atribuir a este um grau de autonomia e
responsabilidade sobre a elaboração dos significados que sua escrita
produzirá e localizá-lo em meio a uma série de outras relações (de poder)
que são imprescindíveis para a concretude de suas percepções em forma de
uma narrativa que visa elucidar os processos ocorridos no passado. Assim
sendo, atribui-se à narrativa – enquanto forma de apresentação da
historiografia – um papel central, podendo ser adjetivado de poder
moralizante. Apresentado, dessa forma, a considerável presença da narrativa
histórica, se projeta a possibilidade de uma maior compreensão acerca da
relevância dada aos historiadores e suas práticas. (AVILA: 2010, 141)
Tratando de J. de Figueiredo Filho e sua escrita sobre o passado do
Cariri, surge a necessidade de compreender o papel desse gênero de escrita
nas dinâmicas que constroem/inventam/estruturam/imaginam espaços e suas
mais variadas classificações – dentre elas damos destaque à região.
Pensando inicialmente no espaço dentro do conhecimento histórico, algumas
questões devem ser colocadas em discussão. Inicialmente como todo conceito,
e a noção de espaço mais ainda, serve para realizar demarcações,
separações, classificações, estabelecer relações, propor uma ordem para as
coisas, uma ordem para o sublunar. (ALBUQUERQUE JÚNIOR: 2008, 67) Ao pensar
o Cariri, tomando o objeto da escrita de Figueiredo Filho, é nítido o
ímpeto dele e de seus pares e delimitar o Cariri enquanto uma região
diferenciada e com um papel fundamental no desenvolvimento do estado e da
nação. A construção do "espaço-Cariri" atua como uma ferramenta de
instituição e afirmação de poder por parte dos sujeitos que ali vivem; com
a tônica discursiva de uma histórica exclusão por parte dos governos
centrais e do litoral, eis que é apresentado um dos "reais motores do
progresso da nação"; é visível a intenção em mostrar que seus escritos
atuam como "desveladores de uma realidade oculta", o que dá a essas
informações um caráter mais forte de legitimidade. Os intelectuais
caririenses procuram inserir-se em uma rede de poder intelectual no qual
eles são periféricos e, para isso, o seu espaço de atuação necessita da
mesma inserção. É um jogo de poder/conhecimento que se utiliza dos espaços,
onde

[...] os espaços servem para localizar, em seu duplo
sentido, de fixar ou delimitar ou mesmo inteirar-se do
paradeiro de um dado objeto ou sujeito e no sentido de que
essa localização atribui um valor ou descreve um lugar
numa determinada hierarquia de poder.[23]

A proposta elaborada por Durval Muniz procura, ao tornar o espaço um
elemento de discussão para o campo da história, desnaturalizar esse
elemento, compreendendo-o como fruto de relações que possuem sua própria
historicidade. É atribuída a categoria espacial uma agência no processo
histórico, antes renegada. A possibilidade de pensar esse elemento como
delimitador de diversas relações traz um ganho significativo nas reflexões
em torno das disputas de poder e seus locais de atuação. A delimitação do
Cariri enquanto região está para além de elementos meramente burocráticos
ou institucionais per si; se deve perceber as disputas e jogos de poder
instituídos ao forjar esse tipo espacial e compreender os caminhos e
ferramentas usadas para tal. Essa perspectiva é colocada em diálogo com o
geógrafo Mateus Servilha, onde o mesmo nos apresenta que


A região é pensada a partir dos interesses sociais em que
está incorporada. Ela é vista não simplesmente como uma
categoria de análise do pesquisador, como comumente
ocorre, mas também como categoria da prática, acionada
pelos grupos sociais em muitas de suas práticas
cotidianas, e ainda como categoria normativa, no sentido
sociopolítico de um instrumento possível de ser mobilizado
a partir de determinados interesses políticos.[24]

Considera-se, a partir do excerto acima, que o ato de regionalizar é
sempre um ato político, profundamente imbricado com os sujeitos aí
envolvidos. (SERVILHA: 2015, 13). Essa proposta toma o espaço não como algo
dado ou natural, mas fruto de um processo histórico que envolveu disputas,
construção de representações e narrativas. A região deixa de ser apenas o
palco das ações na qual o historiador vai se debruçar e passa a ser o
próprio objeto de pesquisa desse profissional. Pensando além do que ocorre
dentro da região, a historiografia recente dos espaços propõe compreender a
formação das próprias espacialidades.

2.2 A operação historiográfica de J. de Figueiredo Filho: um panorama de um
ofício

José Alves de Figueiredo Filho possuía uma relação direta com seus
objetos de estudo. Escrever sobre os costumes, práticas, fatos de sua
cidade natal e de sua região fez parte de sua trajetória enquanto figura
pública caririense. Sua autobiografia, Renovação, já apresenta a principal
característica de sua ação intelectual: tendo como principal objeto de
estudo e escrita o Cariri cearense (seus costumes, características, grandes
momentos e sujeitos), ele vai delineando dentre os mais diversos gêneros
literários uma pretensa homogênea imagem para o espaço no qual viveu grande
parte de sua vida.
Deste modo, a ligação direta do autor com o objeto é um elemento a ser
colocado em evidência para compreender a legitimação dos mais diversos
gêneros escritos por ele. Como já evidenciado, as diversas facetas do
Cariri apresentadas pelo filho do proprietário da Farmácia Central precisam
ser compreendidas dentro de suas historicidades específicas; cada escrita
parte de uma demanda específica, demanda essa que precisa ser compreendida
de maneira interligada com as relações mais estruturais do período. Nos
alerta Régis Lopes:

"[...] o fundamental será a identificação da demanda. Um
autor terá sua realização na identificação de uma falta.
Não qualquer ausência, mas exatamente o ausente que gera
carência. Isso, vale insistir, não vem apenas de vontades
individuais, como se houvesse o fundador do desejo de
passado ou iluminados que pudessem, de modo privilegiado,
iluminar a passagem do tempo."[25]

Partindo desse pressuposto, vale ressaltar que os regimes de escrita
propostos pelo presidente do ICC não se constituem de maneira nenhuma uma
exclusividade sua: os estudos acerca do passado caririense possuem uma
historicidade que vão além de suas obras, diversos pesquisadores
predecessores e até contemporâneos realizaram intentos para descrever e
inscrever os feitos do sul do Ceará no passado nacional. Cada regime de
escrita irá enfatizar um "Cariri específico"; contudo, não se deve esquecer
que "os Cariris" estão interligados por uma questão maior: o reconhecimento
do seu valor.
Do ponto de vista dos escritos historiográficos, alguns aspectos mais
gerais precisam ser apontados, desde já, com o intuito de abrir espaço para
uma melhor compreensão do que era pensado enquanto história pelo autor em
questão e como essa disciplina era pensada no seu sentido prático (sua
funcionalidade para suprir tais demandas). Reiterando o ideário construído
pelos intelectuais que compuseram o Instituto Cultural do Cariri,
Figueiredo Filho detinha como norte de sua ação intelectual o ensejo de
demonstrar que o Crato/Cariri fez parte da História do Brasil. Isso quer
dizer que grandes eventos ocorreram e homens passaram ou nasceram pelo sul
do Ceará e que esses pontos influenciaram diretamente em dinâmicas que
mudaram ou construíram os rumos da nação brasileira.
Existia uma tônica de afirmação e reivindicação de um lugar de destaque
para o Cariri; o que não deve ser esquecido é que o mesmo lugar que as
narrativas representam é o lugar de fala desses sujeitos. Surge então uma
convergência que fortalece a prática desses intelectuais: o Cariri heróico
e histórico é o Cariri intelectual e ambos devem ser reconhecidos pelo
presente, por meio dos escritos sobre o passado.
A produção, de modo geral, dos membros do ICC valorizava os aspectos que
fortalecessem essa noção de vanguarda, fortaleza, coragem e caráter do
caririense. Pensar na concepção de história desses sujeitos é fundamental
para conceber os traços pelos quais o passado dessa região vai sendo
pensado. Percebemos, assim, a natureza de uma escrita histórica que é
repleta de lições de moral, privilegia a ação política, enfatiza o papel de
grandes personagens. (VIANA: 2011, 87)
Partindo dessas informações, o que se percebe é que a historiografia de
Figueiredo Filho detinha uma função muito delimitada, que – por sua vez –
era pautada por um ideário que não era de seu exclusivo domínio. Uma das
questões que esse trabalho procura salientar é que, por meio de uma análise
da historicidade da produção historiográfica sobre o passado caririense
realizada pelo então presidente do ICC, não se pode pensar a escrita da
história de modo isolado apenas por um autor. Dificilmente um sujeito
realiza uma operação de tal especificidade partindo apenas de questões
individuais. Suas inovações, questionamentos, proposições, devem sem
inseridas em uma lógica maior, principalmente quando tratamos de um sujeito
que estava imerso em uma agremiação intelectual e fazia de sua prática de
"homem de letras" um constante diálogo com outros pesquisadores e
principalmente com instituições; percebe-se, assim uma construção coletiva
(norteada por um projeto maior) que fazia com que

[...],a função da História do Cariri produzida por ele era
fornecer grandes exemplos de moral e patriotismo, na
tentativa de estabelecer uma continuidade histórica com as
aspirações do passado. Por fim, seu objetivo era mostrar
"como" e "porque" a história legou ao Crato "o espírito de
pioneirismo no decorrer dos tempos"[26]

A obra de grande destaque, em moldes do ofício do historiador, foi
História do Cariri. Posteriormente será dado o devido espaço à análise mais
aprofundada acerca dessa coletânea construída em quatro volumes e quinze
capítulos. Contudo, vale ressaltar que esta representa a perspectiva
adotada pelo autor do que pensava sobre o conhecimento e a história. O
historiador Figueiredo Filho atuou incansavelmente pra a profusão de uma
historiografia caririense, tendo na organização e participação de diversos
encontros o grande momento de seus esforços em apresentar o passado da
terra da nação Kariri, sob a égide de Clio. O historiador Ítalo Bezerra nos
apresenta uma síntese de seu empreendimento historiográfico:


Figueiredo Filho participou de dois simpósios promovidos
pela ANPUH, um no Rio Grande do Sul, em 1967, outro em
Campinas, em 1969. Na Faculdade de Filosofia do Crato, ele
organizou o I Simpósio de História do Nordeste, em Junho
de 1969. No ano seguinte, o Simpósio foi realizado em João
Pessoa, na Paraíba, onde Figueiredo Filho apresentou o
trabalho Onde e quando morreu Bárbara de Alencar. O estudo
se propunha a corrigir versões recorrentes na
historiografia cearense sobre as datas e locais "exatos"
do nascimento e da morte de Bárbara de Alencar.[27]

Após um breve apontamento de elementos mais inerentes à face
historiadora de J. de Figueiredo Filho, a análise será prosseguida por uma
ótica que visa identificar alguns topos presentes em sua escrita. Procura-
se com esse intento perceber como ele pensa tais recorrências no campo da
história e como essas organizam sua forma de operar com as temporalidades.
Vale ressaltar que a visibilidade notória dessas noções não é algo dado;
algumas aparecem com mais facilidades e outras estão imersas de modo geral
na estruturação da narrativa, organização dos fatos e concepção geral de
sua obra.

2.2.1 Usos do passado/Magistra Vitae

Inicialmente, antes de adentrar na análise propriamente dita, se faz
necessário explicitar de maneira mais nítida o sentido que está sendo
apreendido quando se utiliza o conceito de topos neste trabalho. Essa noção
partiu da leitura do artigo de Valdei Lopes de Araújo intitulado Sobre a
permanência da expressão historia magistra vitae no século XIX brasileiro;
para o historiador, o topos é um espaço, um lugar predefinido onde podemos
articular a experiência. (ARAÚJO: 2011,133-134) Ou seja, partindo das
reflexões propostas por Reinhart Koselleck acerca do enfraquecimento do
topos da magistra vitae[28] no século XIX, Araújo vai desenvolver um
conjunto de reflexões que abarcam desde a permanência dessa forma de se
relacionar com o passado (com diferentes estruturas) até a reflexão em si
sobre o sentido de topos. No caso de Figueiredo Filho, duas propostas que
partiram do estudo acima elencado serão utilizadas – embora sejam
realizadas as devidas adaptações: de modo geral, iremos pensar a
permanência de diversos aspectos historiográficos do século XIX (que
tomaremos como topos) na escrita sobre o Cariri (que foi realizada no
século XX) e a perspectiva de pensar esses aspectos enquanto topos,
partindo das contribuições de Valdei.
Pensando o topos como um lugar que articula experiências, podemos
abordar as características de uma escrita da história como fruto de um
conjunto de relações sociais inseridas em um determinado período, dando a
esta uma historicidade. Mesmo após a mudança do sentido dessas
experiências, o léxico continua; o que nos coloca diante da necessidade de
pensar os processos que envolvem a historiografia também sob a égide das
permanências e rupturas, trabalhando-a a partir de sua dinamicidade e
características específicas. Esse capítulo também procura analisar a
historiografia como um processo histórico.
Segundo Valdei, duas formas de compreender a magistra vitae foram
identificadas: a primeira tem como principal característica o ensinamento
pelo uso de exemplos e imitações (uma definição mais restrita) e a segunda
seria uma forma mais dilatada, onde exista a intenção de ensinar e
moralizar, mesmo que não necessariamente pelo uso dos artifícios utilizados
na primeira forma. Deste modo, conseguimos compreender que a intenção de
Figueiredo Filho ao escrever sobre o passado do Cariri, mesmo em moldes não
historiográficos, detinha uma intenção moralizante e de ensino. Para ele, o
conhecimento possuía um papel fundamental no desenvolvimento e progresso
das regiões menos favorecidas, o que torna o intelectual um sujeito central
nesse momento.
Esse topos identificado nos seus escritos deve ser analisado da
maneira mais abrangente possível, pois é uma perspectiva de relação com o
passado que não está explicitamente grafado nas páginas de suas obras.
Trata-se mais de uma concepção epistemológica do papel da história em
relação ao tempo pretérito – os usos que serão feitos do passado,
ressaltando o objetivo – e a função do historiador nesse momento. Ao
iniciar o primeiro volume de História do Cariri, o autor vai justificar a
produção de uma obra de tal envergadura:


A Faculdade de Filosofia do Crato, através de sua coleção
ESTUDOS E PESQUISAS, resolveu editar os cinco primeiros
capítulos de minha despretensiosa 'HISTÓRIA DO CARIRI'. É
obra relativamente arrojada que encetei por motivo de
falta de compêndio apropriado para a cadeira que dirijo,
naquele estabelecimento que tantos benefícios tem trazido
à cultura intelectual da região, sob a competente direção
do Prof. José Newton Alves de Sousa.[29]


Dois aspectos merecem ser destacados, a partir da leitura do trecho
acima: a legitimidade da escrita pela instituição responsável pela
publicação da obra e a função primária da obra produzida. Os quatro volumes
que narrariam o desenvolvimento da região sul do Ceará foram materializados
por meio da Faculdade de Filosofia do Crato, instituição a qual Figueiredo
Filho estava ligado, onde ministrava a disciplina de História do Ceará e do
Cariri. Existe, nesse caso, uma relação dupla entre autor e instituição:
dívida e reconhecimento. A partir do momento que uma instituição de ensino
superior nutre a produção intelectual sobre um determinado assunto, o mesmo
ganha uma relevância no meio social que não deve ser ignorada; com esse
cenário, é estabelecida uma espécie de "gratidão" pelos esforços geridos e
a necessidade de pautar a instituição não somente como financiadora, mas
como agente legitimador do que se está trabalhando. Aliado a esse aspecto,
se tem a justificativa dada para a formulação da obra: o ensino da história
do Cariri para alunos da graduação na Faculdade de Filosofia do Crato.
Pautando da maneira mais genérica possível a perspectiva de passado e
sua funcionalidade dentro da história, para Figueiredo Filho, o cenário que
se apresenta é de uma função professoral da história (enquanto uso do
passado) para as gerações presentes. A história ganha um sentido e um valor
para o escritor caririense; uma missão não somente do criador, mas da
criatura: É nessa missão pedagógica que o valor da história escrita será
parte importante da transformação dos "selvagens" em "civilizados". (RAMOS:
2012, 26). Ao conhecimento, de modo geral, é atribuído um papel civilizador
e progressista. O conhecimento do passado, para Figueiredo Filho, levaria
ao desenvolvimento regional e seu reconhecimento pelas demais partes do
país. A escrita da história acaba por assumir uma função formadora não
somente pelo seu conteúdo, mas principalmente pelas circunstâncias de
escrita e os trâmites pelos quais a mesma tende a passar. Contribuindo de
maneira considerável, Michel de Certeau já nos alerta que


De fato, a escrita histórica – ou historiadora – permanece
controlada pelas práticas das quais resulta; bem mais do
que isso, ela própria é uma prática social que confere ao
seu leitor um lugar bem determinado, redistribuindo o
espaço de referências simbólicas e impondo, assim, uma
lição: ela é didática e magisterial.[30]

Apontando, antecipadamente, algumas das características gerais da obra
em questão, conseguimos compreender melhor os usos feitos do passado e a
disposição da magistra vitae nesse intento: a obra em si, possui um caráter
de adjetivação positiva do pretérito caririense com o objetivo de mostrar
os grandes feitos da região para o país. Essa tônica carrega consigo uma
lógica moralizante para quem lê: se pensarmos em uma obra que visa
demonstrar que uma determinada região teve uma relevância considerável no
desenvolvimento do país, é fundamental que o passado atue como elemento de
"esclarecimento" dessa posição. O passado, nesse caso, ganha uma
centralidade notória e é carregado com uma série de informações que devem
ser utilizadas para uma funcionalidade presente, nem que esta seja o
reconhecimento do valor que o Cariri possui, nesse exemplo específico.
Refletindo a partir desse aspecto, o que pode se compreender é a
continuidade do topos da magistra vitae (percebendo-a como o uso do passado
com finalidade de moralizar ou ensinar sujeitos do tempo presente, com as
ferramentas – ou não – da repetição e do exemplo) na cultura
historiográfica brasileira do século XX, mesmo depois do seu
enfraquecimento, como apontado por Reinhart Koselleck (2006).
A legitimidade do espaço tratado pelos intelectuais caririenses se
daria por meio de suas obras. Estas, por sua vez, teriam a função de
mostrar/ensinar o que estaria "oculto" e seria desvelado pelos estudos dos
membros do ICC. Um dos primeiros aspectos, seguindo essa linha de reflexão,
apontados no primeiro volume da obra do professor da Faculdade de Filosofia
do Crato, dizia respeito às características básicas do sujeito caririense.
Percebe-se, nesse caso, que o início de sua obra não é pautado
exclusivamente em uma busca pelas origens; o passado é tomado a partir de
outros parâmetros que seriam considerados mais adequados para os objetivos
que o historiador desejava[31]. Um dos grandes desejos desses intelectuais
era demonstrar a singularidade do caririense em relação ao resto do estado.
Para tal fim, inúmeros elementos serão utilizados em suas narrativas
(físicos, geográficos, humanos). Essa escolha não está desvinculada do
tempo presente: caracterizando os nativos da região, o que se percebeu foi
uma tentativa de fundamentar uma lógica de continuidade entre passado e
presente alertando para uma perspectiva de longa duração que envolveria até
gerações futuras.
Basicamente, o nativo[32] é utilizado como base da população da
região; o mesmo já possuía características que seriam fundamentais para o
desenvolvimento da localidade e formação de grandes líderes. Segundo o
autor, o indígena, que vivia aqui, como em outras importantes regiões
nordestinas, era de bravura inexcedível e a significação de seu nome que
alguém diz ser covarde, apelido que lhe fora dado pelos tupis, não passa de
mentira indigna de registro. (FIGUEIREDO FILHO: 2010,9) A bravura apontada
com fixidez demonstra já de início um posicionamento político que vai ser
dado em relação ao Cariri: a defesa do mesmo diante de outras informações
que venham a colocar sua terra natal em segundo plano. Interessante notar
que determinadas polêmicas vão ser apresentadas ao longo de sua obra como
forma de legitimar seu conhecimento sobre o assunto: apresentando o que se
tem dito sobre um determinado fato, Figueiredo procura demonstrar que
possui total conhecimento sobre o que está falando.


O historiador cearense Catunda achava os Cariris de
inteligência inferior e incapazes de receber o menor grau
de cultura. Também os considerava mais antropófagos do que
os outros índios e sem qualquer noção de propriedade. O
padre Mamiani que foi grande estudioso do Cariri afirma
que êle não praticava a antropofagia e Beton que era habil
na tecelagem de algodão.[33]

Diante das inúmeras afirmativas acerca de uma série de elementos que
legitimariam a tese da incapacidade do progresso chegar ao sul do Ceará,
sua escrita vai procurar refutar toda e qualquer possibilidade de impedir a
formação de uma "genealogia do progresso" que percorre o caráter do Cariri.
A coragem, disposição e hombridade vão ser amplamente destacadas como
pertencentes a nação dos nativos e utilizadas como a base da formação
subjetiva dos sujeitos que ali desenvolveriam uma civilização.


O mestiço do Cariri, pela sua afoiteza em lutas
individuais, de cacete ou de facas, com o nó na camisa, ou
nos movimentos épicos da guerra da Independência, dos
campos do Paraguai, do desbravamento da Amazônia, nos
embates contra a natureza hostil, é autêntico herói
nacional. É digno de ser amparado pelos poderes públicos
para que tanta energia indomável não venha a soçobrar,
pela miséria coletiva.[34]


Ao realizar uma leitura mais detalhada do excerto acima, dois
elementos são destacados: a perspectiva de continuidade das características
positivas do sujeito que vive no sul do Ceará e sua inserção nas grandes
narrativas nacionais. A "afoiteza", o caráter "desbravador" e o título de
"autêntico herói nacional" são diretamente atribuídos ao mestiço
caririense; este que esteve presente nos grandes momentos da trajetória de
construção nacional mercê ser amparado pelo poder público diante de um
cenário de abandono e miséria pelo qual ele vive. Ao longo de toda sua
obra, é recorrente a tentativa de inserir os fatos ocorridos no Cariri (em
especial na cidade do Crato) dentro do que se considerava enquanto
narrativa nacional. Era uma forma de "provar" que os ocorridos em sua terra
tinham total interferência nos rumos do país. Um dos exemplos mais fortes a
serem colocados, diz respeito ao modo como a independência política do
Brasil em relação a Portugal foi abordada: para além de um abrandamento em
relação à Coroa Portuguesa, era freqüente a comparação do Brasil (por via
do Cariri) em relação à outros processos de emancipação política.

O Ceará sempre foi pedaço bem nacionalizado do Brasil.
Fizera parte, no princípio de sua história, do ESTADO DO
MARANHÃO e depois para o ESTADO DO BRASIL. Constituía-se o
elo natural entre as duas partes da colônia portuguesa da
América. Nas lutas da independência, entre 1822 e 1824,
passou a ser factor decicivo que contribuiu para a
emancipação do Piauí e do Maranhão. É o papel que tem
desenvolvido bem em todo o Brasil, de Norte a Sul Com seu
sangue de brasileiro já formado, contribuiu para que a
Amazônia não se tornasse inteiramente indígena a ainda
hoje dá imensa contribuição para que elementos
estrangeiros não prodominem totalmente, em certas regiões
do sul. Foi o cearense que fêz sua independência, em 1822,
do centro para a periferia e que deu a maior contribuição
de fora para que não se repetisse no jovem império o
fenômeno do Canadá, em relação à União Americana.[35]

A escrita do passado para Figueiredo Filho atua também como uma forma
de denúncia e cobrança de reconhecimento aos que tanto contribuíram para o
desenvolvimento e progresso da nação. A tônica pedagógica do passado se
alarga e abraça uma perspectiva mais voltada para denúncia ou
posicionamento político. Uma estrutura discursiva que tem como um dos
principais elementos o estabelecimento de uma continuidade – ou pelo menos
a tentativa de constituir uma narrativa que elabore essa imagem – entre
presente e passado, sendo que o segundo legitima o primeiro e o auxilia a
ser compreendido.
Partindo de alguns elementos já levantados, o que se percebe são
escolhas tradicionais para a construção de sua narrativa: por mais que não
seja a pretensão encontrar o exato início da região, a temática serve de
premissa para suas reflexões iniciais. Ao utilizar-se de um recuo temporal
alargado, o autor justifica/legitima alguns elementos característicos da
região e de seus habitantes por meio do valor atribuído ao passado enquanto
uma dada ordem de verdade. Com essas informações, encontramos a base dos
ideais que vão estruturar toda a obra: a repetida vontade de afirmação do
Cariri enquanto um espaço que produziu grandes feitos e vultos para a
história local e nacional, o que o torna um lugar privilegiado e digno de
ser incorporado nas grandes narrativas.
São usos constantes realizados do tempo pretérito, o que reforça a
questão apontada no início desse tópico, a permanência do topos da magistra
vitae na escrita de José Alves de Figueiredo Filho. Contudo, vale ressaltar
que essa continuidade não representa uma imobilidade total no sentido ou
léxico. Como nos alerta Araújo,


O que a categoria parece sugerir é que ao longo desse
processo acontece uma espécie de fragmentação de uma
totalidade de experiência da história que havia sido
produzida ao longo de 2 mil anos. Elementos dessa
totalidade continuam, no entanto, vigentes como fragmentos
e possibilidades de significação de parcelas da realidade,
[...].[36]



A historiografia presente nos membros do ICC ainda possui inúmeros
vestígios da cultura oitocentista. A própria instituição a qual estes
pertencem possui uma ligação e inspiração direta na maior égide da história
do século XIX: O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Não é de se
surpreender que a formação dos membros da agremiação cearense, aliado à
perspectiva de história ainda presente em diversos espaços institucionais
reforce o caráter pedagógico e moralizador dado ao passado, em sua
operacionalização no presente. Pontuar a existência da magistra vitae na
composição da operação historiográfica do autor de História do Cariri não é
somente uma simples constatação: o ensejo desse exercício inicial de
reflexão foi dialogar as perspectivas epistemológicas e metodológicas na
ação do ofício do historiador. Campos que historicamente foram tomados como
opostos pela historiografia, mas que pensados juntos contribuem de forma
significativa para a compreensão da cultura historiográfica de um período e
maior entendimento acerca dos meandros que envolvem a tessitura dos tempos.

2.2.2 O documento e o fato

Em história, tudo começa com o gesto de separar, de reunir, de transformar
em "documentos" certos objetos distribuídos de outra maneira (CERTEAU:
2011, 69)

Uma das grandes questões que o trabalho do historiador enfrenta diz
respeito à legitimidade de seu trabalho. Diante de inúmeras fontes de
informação sobre um dado passado, o que respalda seus escritos é o
compromisso com a verdade – desde que ancorado em uma série de elementos
que envolvem um aparato teórico que auxilie na análise de uma dada
documentação (evidência do passado), que por sua vez deve ser guiada por
uma metodologia apropriada. Para tal fim, determinadas ferramentas e
escolhas são realizadas com o intuito de pautar seu trabalho como legítimo
em relação aos demais existentes – sejam eles ou não de áreas
diferenciadas. Segundo Antonie Prost, o historiador não exige que as
pessoas acreditem em sua palavra, sob o pretexto de ser um profissional
conhecedor de seu ofício – embora esse seja o caso em geral –, mas fornece
ao leitor a possibilidade de verificar suas afirmações. (PROST, 2008: 55).
A referida assertiva acima propõe refletir acerca das práticas
historiográficas que são utilizadas para referenciar o trabalho historiador
que é apresentado após o término da operação. Diante dessas questões, serão
apresentadas algumas perspectivas de Figueiredo Filho que dialogam com esse
conjunto de elementos; o uso exacerbado de documentos como prova e a
centralidade no fato em suas narrativas, nos apontam para uma concepção de
história e verdade basicamente factual e documental no sentido mais
restrito possível.
Nesse momento, a noção de evidência torna-se elementar na compreensão
do olhar de Figueiredo Filho sobre o passado caririense e as formas de
representá-lo a partir de uma escritura histórica. François Hartog, em sua
obra Evidência da história: o que os historiadores vêem, nos traz alguns
elementos para pensar acerca dessa questão. Para o historiador francês,
três concepções de evidência podem ser destacadas: a primeira é atribuída à
René Descartes e a trata como uma visão completa, algo que fornece certeza
ou um conhecimento; a segunda noção é tomada a partir de Homero, e vê a
evidência já de maneira mais abrangente: seria um aspecto que daria
inteligibilidade e/ou daria visibilidade a determinados elementos; a
terceira concepção é a mais utilizada na contemporaneidade e atribui à
evidência a noção de prova.
Procurando ir além da constatação de que a evidência não é somente a
fonte/documento, mas sim a maneira como o historiador percebe o mundo (o
que, nos estudos de historiografia, é fundamental para a compreensão da
historicidade do autor, obra e fato analisado), Hartog nos sugere um exame
mais cuidadoso acerca do próprio olhar do historiador sobre seu ofício e os
elementos que o constituem – nesse caso, dando enfoque ao documento.
Pensar a história restritamente a partir de fatos (que possuem uma
tônica específica para o Cariri: política/administrativa/institucional) e
de documentos (oficiais ou fruto de pesquisas de sujeitos tidos como
"gabaritados" para tal função) aponta para uma ótica muito limitada acerca
do passado caririense; isso demonstra que o processo de construção do
passado dessa localidade passou por um crivo muito rígido e deixou inúmeros
elementos de fora quebrando com a falsa perspectiva e projeto oitocentista
de que a escrita da história tem pretensões universais. A pretensão, nesse
momento, é refletir de maneira mais apurada acerca da necessidade de um
método, de ferramentas que construíram um grau de respeito pautado na
inteligibilidade do passado, a partir da narrativa do historiador.
Logo no primeiro volume de História do Cariri, ainda na sessão
"Explicando", Figueiredo Filho faz questão de apontar que suas afirmações
não saíram de sua imaginação ou de conversas informais. O rigor do método e
a existência de documentos sobre fatos relevantes são apresentados no seu
"cartão de visita": "Bebi ensinamentos em muitas fontes puras, entre as
quais, as dos pesquisadores eméritos – Irineu Pinheiro, já falecido e o
Padre Antônio Gomes de Araújo, incansável e inteligente investigador de
nosso passado." (FIGUEIREDO FILHO: 2010, s/p, vol. I). Dois aspectos são
tomados como relevantes: o uso do termo "fontes puras" para referenciar de
onde as informações que serão apresentadas a seguir foram tiradas e o uso
de outros nomes da historiografia/pesquisa histórica para sustentar seus
escritos. Identificando sua concepção e prática historiadora com o século
XIX e alguns dos seus pressupostos (cientificismo, história magistra vitae,
culto ao documento/fato), o filho de Zuza da Botica reitera com veemência
que as fontes das quais as informações que estão no seu livro foram
retiradas, são verdadeiras; a noção de "fonte pura" remete a uma
inviolabilidade da informação, incapacidade de existência de algum tipo de
fraude e, consequentemente, mínima margem de possibilidade de existência de
mentira ou inverdades.
O segundo elemento, diretamente relacionado com o primeiro, é o uso de
outros historiadores para legitimar seus escritos. No caso dessa citação,
ele atrela o acesso às "fontes puras" a Irineu Pinheiro e Padre Antônio
Gomes de Araújo; este último conhecido como um incansável pesquisador dos
arquivos. Em diversos momentos de sua obra ele agradece o acesso a
determinadas documentações que lhe foram cedidas por colegas de profissão,
o que lhe isenta a responsabilidade total sobre o que está escrito – por um
lado – e legitima sua pesquisa, pois mais de uma pessoa corrobora com as
assertivas que estão contidas ali – por outro. O uso recorrente dessas
expressões indica o grande cuidado que Figueiredo Filho possui ao afirmar
determinadas questões: Mostramos já, com abundância de argumentos e provas
límpidas, [...]. (FIGUEIREDO FILHO: 2010,14, vol. I) Para além das provas,
a questão do argumento é fundamental na construção de uma narrativa
inteligível na história, em História do Cariri.
As primeiras ponderações realizadas sobre a história caririense por
Figueiredo Filho são marcadas pela necessidade de estabelecer alguns
marcos. Apesar de não procurar delimitar uma origem específica para
determinadas questões relativas aos primórdios do sul cearense, o autor
posiciona-se diante de questões consideradas polêmicas sempre tendo como
base a existência de documentos que comprovem as informações que estejam
sendo apresentadas. Sobre a influência baiana na região, afirma o
historiador: É mais uma prova da versão vitoriosa, defendida pelo
historiador Pe. Antônio Gomes de Araújo, que demonstrou matemàticamente,
tal influência, com a presença, no Cariri, de mais de quatrocentas famílias
de origem baiana e duzentas e tantas sergipanas. (FIGUEIREDO FILHO:
2010,23, vol. I) Interessante notar que logo de início é apresentada a
noção de "versão vitoriosa". Isso porque é comum em sua narrativa a
apresentação de divergências historiográficas sobre variados assuntos.
Presume-se que essa prática seja uma ferramenta de legitimação, pois
apresentando as mais variadas afirmativas acerca de um fato, o sujeito se
legitima enquanto um grande conhecedor do assunto – legitimação essa que é
respaldada ainda mais pela escolha daquela versão que possua
provas/documentos legítimos. A demonstração, atribuída ao sacerdote Gomes
de Araújo foi realizada pela documentação encontrada por ele, o que é uma
prática recorrente desse pesquisador, a busca em arquivos por informações.
A fundação do que viria posteriormente a se chamar cidade do Crato
também é objeto de análise em História do Cariri. Seguindo a perspectiva de
não assumir posições definidas em casos de inexatidão, Figueiredo Filho
aponta que

Não se sabe, como aconteceu com a Missão do Miranda, a
data exata de sua fundação. Os documentos, entretanto, dão-
lhe notícias precisas em tempos anteriores aos que
apareceram em tôrno do aldeiamento dos Cariús, às margens
do Granjeiro.[37]

Devido à delicadeza da questão (afinal, trata-se de precisar a exata
data de fundação da cidade que – segundo Figueiredo Filho – era a vanguarda
do Cariri), não seria saudável entrar em maiores embates historiográficos.
De modo a sair-se de maneira mais privilegiada, sua proposta foi de
apresentar apenas o que a documentação permitia. Contudo, não é de forma
totalizante e homogênea que o documento é tomado. Em um determinado caso, a
documentação é levada a prova diante de outras circunstâncias: Até agora,
diante dos fatos, podemos ligá-lo ao sesmeiro Gil de Miranda, que aparece
nas primeiras datas do Cariri, embora a região pelos documentos, fôsse
entregue primitivamente a Ariosa e aos Lobatos. (FIGUEIREDO FILHO, 2010:33,
vol. I) Tomando para análise a frase acima, o que se pode perceber é um
posicionamento mais crítico em relação a um determinado documento que não
deveria ser visto de forma isolada, e sim avaliado com outros aspectos;
isso levou à uma conclusão contrária ao que estava disposto na fonte.
Partindo do que já foi apresentado, podemos identificar em Figueiredo
Filho um "culto ao fato e ao documento", onde ambos são tomados como as
balizas da construção de uma narrativa heróica sobre o passado caririense.
Contudo, não se deve tomar essa escolha como natural e historicizá-la de
modo a compreender suas características específicas e sua função dentro do
próprio relato: ambientado em uma cultura oitocentista, o ex-presidente do
ICC percebia que a legitimidade de seus escritos deveria ser pautada em
elementos considerados convincentes; apelando para a tradição
historiográfica então vigente, o que se percebeu foi a delimitação de um
cânone teórico-metodológico que privilegiava a história factual
político/administrativa/institucional, onde diversos sujeitos e
perspectivas de análise sobre as experiências temporais eram colocadas de
lado. Por mais que fosse realizado o discurso de uma grande narrativa
totalizante, inúmeros sujeitos históricos eram deixados de lado para
homogeneizar o que, em muitos casos, era algo particular. A documentação
era a baliza desse processo, mas não qualquer tipo de documentação: o crivo
dos grandes pesquisadores/historiadores entrava em cena para delimitar o
que seria uma "fonte histórica", o que acaba corroborando com a já
mencionada tradição historiográfica oitocentista que era devota da
documentação oficial produzida pelas grandes instituições vinculadas ao
estado.
O grande contato e referência no trabalho do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, com sua instância estadual, vão servindo de molde
para a escrita da história no Cariri. Sendo assim, o passado caririense vai
sendo forjado de maneira factual e homogênea a partir de um conjunto de
perspectivas que visava uma totalidade para uma miscelânea de experiências
que formavam o sul das terras alencarinas.

2.3 O fato e a narrativa: as obras historiográficas de J. de Figueiredo
Filho

"O que implica o fazer história e, em primeiro lugar, de que e de quem
depende tal operação?" (HARTOG: 2013, 11)

François Hartog nos convida a refletir acerca do fazer história pelas
vias propostas por Michel de Certau. Ao propor pensar o sujeito que opera
com as dimensões temporais e lhes atribui uma inteligibilidade com base em
um aparato metodológico e opções teóricas, se consegue perceber a obra (o
"produto final) com mais afinco. Compreender a historiografia de Figueiredo
Filho implica compreender a posição do mesmo enquanto historiador e os
elementos que o constituíram como tal. Suas obras possuem uma
funcionalidade, assim como toda narrativa histórica. São ensejos, demandas,
inquietações, posicionamentos político-sociais que devem ser levados em
consideração para compreender a obra como um todo. De antemão, deve-se
tratar a narrativa histórica como algo que constrói um sentido moral para o
mundo, já que ao criarem um passado, se está invariavelmente abrindo um
espaço para o projetar de um certo futuro, desejado ou não. (AVILA: 2010,
144) Tal proposição articula a escrita da história diretamente com as
categorias temporais, tendo em vista que estas estão intrinsecamente
ligadas com aquelas, seja enquanto influência na construção como enquanto
objeto da narrativa.
Os escritos historiográficos de Figueiredo Filho serão abordados
dessa forma: Cidade do Crato, História do Cariri e as publicações da ANPUH
devem ser compreendidas para além da materialidade em si ou pelos
conteúdos, isoladamente. O contexto de produção da obra, a função da
escrita como elemento de inteligibilidade do mundo e as escolhas realizadas
durante a construção da obra são elementos a serem destacados nessa etapa
da reflexão. Como bem afirma Michel de Certeau:

A representação – mise-en-scène literária – não é
'histórica' senão quando articulada com um lugar social de
operação científica e quando institucional e tecnicamente
ligada a uma prática do desvio, com relação aos modelos
culturais ou teóricos contemporâneos.[38]

O relato histórico possui alguns elementos que o constituem como tal.
Dentre estes, podemos destacar o "corpo social" e a "instituição de saber".
Aspectos que nos auxiliam a compreender a formação e legitimação da obra.
No caso de Figueiredo Filho, a Faculdade de Filosofia do Crato, o Instituto
Cultural do Cariri e a ANPUH atuam nesse papel que possui dentro de si um
paradoxo: legitimam uma escrita e exclui outras inúmeras[39]. Existem
limitações que são inerentes e impostas à estes espaços: seja pela própria
condição que a narrativa possui de não conseguir delimitar determinadas
questões, seja pela própria estrutura na qual o estudo vai ser lançado
(livro, artigo, publicação em jornais), seja pelos interesses que movem
tais grupos e que, inevitavelmente acabam por realizar um processo de
ocultamento de diversas perspectivas que também fazem parte do Cariri.
Alguns aspectos já levantados no primeiro capítulo serão de grande
valia para a compreensão da historicidade das obras/estudos publicados por
Figueiredo Filho. Afinal, esse sujeito não estava isolado de uma série de
iniciativas que se propunham a pensar o Cariri de modo a "colocá-lo no
lugar merecido" e "demonstrar sua grande relevância e atuação no
desenvolvimento e progresso do país". Por mais que a escritura histórica
tenha sido cronologicamente a última forma de apresentar sua região, sua
trajetória de obras anteriores apontam diversas questões que foram sendo
amadurecidas e apresentadas – da mesma forma ou modificadas – em História
do Cariri , Cidade do Crato e nas publicações da ANPUH. A veia regionalista
e o desejo de colocar o Crato como vanguarda vai estar presente em suas
publicações e serão as duas balizas centrais pelas quais ele vai pensar a
apresentação de seus objetos de estudo.
Seguindo uma tradição intelectual que era fortalecida pelo desejo de
continuar sob um projeto civilizador, os escritores caririenses apontavam a
necessidade de um passado para o Cariri/Crato; era inconcebível uma
localidade de tamanha envergadura "não possuir uma história". Fora sendo
construído um tempo pretérito com bases em posições laudatórias sobre o
mesmo e de culto às letras e à civilidade. Pode-se afirmar que o regime de
escrita assemelha-se aos escritos que projetam a construção de uma nação.
Partindo dos pressupostos apontados por Otonite Cortez, se identificam
algumas características da produção historiográfica no Cariri: uma primeira
que expressa uma dimensão memorialística (onde se pautava o imperativo de
contar os costumes, pautando-se em uma lógica de civilidade) e uma dimensão
ensaística que procurava estabelecer determinadas análises sobre cenas
narradas (utilização de crítica de fontes e publicidade de dados
comprobatórios de suas teses). (CORTEZ: 2000, 93)
Deste modo, vale ressaltar que Figueiredo Filho – assim como Irineu
Pinheiro e o Padre Antonio Gomes de Araújo compactuam da mesma tradição
historiográfica: por mais que tenham suas especificidades no fazer história
estão unidos pelo desejo de expor as grandiosidades do sul do Ceará, dando
sua contribuição a partir de sua cidade: Crato. Como nos aponta Cortez:

"Os historiadores, apresentam-se como continuadores desse
discurso, transfigurando-o e inscrevendo-o como
comprovações do adiantamento econômico, político e
cultural do Crato na região e, em alguns casos, no Estado.
Desta forma, capitalizaram aquele discurso em favor da
construção da 'cidade da cultura'. Sistematizaram-no, e
somaram dados etnográficos levantados em fontes primárias
e bibliográficas, compondo o conteúdo dos seus escritos.
Lutaram pela editoração daqueles escritos, protegendo-o em
suportes materiais mais duráveis – os livros – e dando-
lhes publicidade." [40] (grifo meu)

É perceptível em diversos trechos de sua obra a centralidade dada à
cidade do Crato: ou iniciando os capítulos ou durante a narrativa dos
mesmos chegando a ele, Figueiredo Filho coloca a "Princesa do Cariri" como
centro irradiador dos grandes feitos e dos grandes sujeitos que promoveram
o desenvolvimento da nação.

2.3.1 Cidade do Crato

Publicado em 1953, em ação conjunta de José Alves de Figueiredo Filho
e Irineu Pinheiro, Cidade do Crato possui uma característica que a situa de
modo ímpar em relação às demais obras analisadas por esse estudo: fora
escrita "sob encomenda" para a realização da efeméride de centenário da
cidade do Crato. Ambos acreditavam que sua cidade era um lugar privilegiado
no interior nordestino e que, por meio desse estudo e sua publicação, seria
dado o devido espaço e valor às suas características. A obra foi dividida
da seguinte forma: Figueiredo Filho realizou os apontamentos sobre os
eventos mais recentes à publicação da obra e Irineu Pinheiro tratou de
abordar aspectos mais anteriores, ou o que eles consideravam o "passado
histórico" do Crato. A obra foi publicada com apoio do Ministério da
Educação e Cultura, obtendo apoio do deputado federal Antonio de Alencar
Araripe, pertencente à família de Bárbara de Alencar. (VIANA: 2011, 85)
Vale ressaltar que as comemorações centenárias realizaram um grande
papel na constituição de uma memória para o Crato que corroborasse com a
ideia vanguardista que os cratenses foram construindo ao longo de sua
trajetória[41]. O grande mote do discurso realizado nesse período, década
de 50 do século XX, era demonstrar a "inerência" ou "naturalidade" que a
cidade tinha para desenvolver-se e tornar-se próspera[42]. Tomado como algo
inevitável, o desenvolvimento e liderança da região ganharam a impressão de
terem sido inscritos na história antes mesmo da emancipação da cidade.
Três aspectos, de antemão, já podem ser assinalados nessa obra conjunta: a
crença que a emancipação do Crato iria levá-los a um novo patamar de
desenvolvimento, o desejo de mostrar que a cidade teria feito "história na
história do Brasil" e a tentativa de construir um elo entre o passado
cratense, a "inevitável" lógica do desenvolvimento e progresso, e o
presente dos moradores do centenário município. (VIANA: 2011, 15-16)

[...] foi no bojo das comemorações do primeiro centenário
da cidade do Crato que houve um maior esforço de se
debruçar sobre o seu passado, convocando os "grandes
homens" e seus "feitos gloriosos" a integrarem o quadro de
referências simbólicas capazes de construir uma identidade
cratense.[43]


As comemorações do centenário da Cidade do Crato trouxeram uma tônica
para a historiografia cratense que estava justificada na legitimação de um
caráter heróico do sujeito dessa terra. Um herói que contribuiu na
construção da nação brasileira a partir de atitudes patrióticas. Formava-
se, deste modo, uma concepção de história que visava congregar toda a
sociedade, por meio de valores que promovessem a unidade social e o
progresso local. (VIANA: 2011)
Nas primeiras palavras dos autores, no início da obra feita a quatro
mãos, já é possível identificar alguns aspectos presentes na concepção e
construção da obra/efeméride, onde se apresenta o sentido que será dado ao
Crato e de que modo o estudo publicado pode contribuir nesse momento:

"No decurso da primeira centúria lutou o Crato, venceu
algumas vêzes, em outras provou o sabor amargo do pó da
derrota. Tem sido lento, mas continuado e seguro seu
progresso sob o ponto de vista físico, intelectual e
moral. Oportuno lançamos, hoje, um curioso e rápido olhar
retrospectivo sôbre a história dêsses cem anos e
compararmos, embora sumariamente, o passado com o
presente, chamando a atenção do leitor para fatos e
homens."[44]

Percebendo, de imediato, a centralidade que Crato possuía devido às
comemorações em torno de sua elevação à condição de cidade, se fazia
necessário estabelecer marcos para legitimar esse espaço como acolhedor e
profusor de grandes feitos e homens; deste modo, o foco do estudo de
Pinheiro e Figueiredo Filho são os fatos e os sujeitos. A carga heróica que
a cidade possui chega, na construção da narrativa, trazer para o Crato uma
personificação; o lugar transforma-se em sujeito da ação. O progresso é
algo constantemente apontado pelos pesquisadores como algo inerente à
cidade; é um dos objetivos da obra: demonstrar a característica nata que a
"Princesa do Cariri" possuía para o progresso e desenvolvimento. Uma
justificativa que se ancora no passado como elemento legitimador e que, em
meio à efemérides, ganha uma carga simbólica mais sintomática.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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historiografía. Buenos Aires: EDUNTREF, 2012, p. 19-39.










-----------------------
[1] A proposta, ao apresentar o referido sumário, é proporcionar uma visão
panorâmica – por parte dos leitores – acerca da proposta que vem sendo
pensada para a execução da dissertação. Ao longo do texto poderá ser
identificada a ausência de alguns tópicos presentes no sumário. Isso se
deve à incapacidade de conclusão dos mesmos para a discussão desse texto.
Deste modo, solicito uma apresentação oral inicial acerca da divisão dos
tópicos e a proposta específica de cada capítulo.
[2] Trecho extraído da matéria veiculada no periódico Diário do Nordeste em
29.08.2011, intitulada "Cariri, nação das utopias". Acesso em 11/09/15.
Link disponível:
http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/caderno-3/cariri-a-
nacao-das-utopias-1.503134
[3] Para mais informações sobre a trajetória de Rosemberg Cariry e sua
relação com o sul do Ceará, ler matéria veiculada no jornal O Povo, em
06/04/2013, intitulada "Cariry Universal: um perfil do cineasta Rosemberg
Cariry". Acesso em 11/09/15. Link disponível:
http://www.opovo.com.br/app/opovo/vidaearte/2013/04/06/noticiasjornalvidaear
te,3034208/cariryuniversal-um-perfil-do-cineasta-rosemberg-cariry.shtml
[4]Ao longo do texto, serão apresentadas algumas dessas iniciativas – com
enfoque e diálogo maior àquelas que dialoguem temporalmente com o recorte
temporal escolhido para o desenvolvimento desse trabalho. De início, pode-
se destacar que o cinema, artesanato, estudos de folclore, agremiações
intelectuais, o poder público e a escrita da história foram elementos
fundamentais nesse processo.
[5] Localizado no sul do estado do Ceará, o Cariri é formado, atualmente,
por 28 municípios e faz fronteiras com os estados do Piauí, Paraíba e
Pernambuco. As cidades consideradas mais desenvolvidas na região são Crato,
Juazeiro do Norte e Barbalha. A denominação "Cariri" deriva de um dos
grupos nativos da região anterior à colonização lusa, os Kariris. Durante o
decorrer do texto, será cunhada a grafia "CARIRI" para referir-se ao que
compreende à delimitação cearense do Cariri, tendo em vista que tal região
se faz presente nos estados de fronteira do Ceará.
[6] CERTEAU, Michel. A operação historiográfica. IN: ____________. A
escrita da história (3ª edição). Rio de Janeiro: Forense, 2011.
[7] Ao defender que a história está estruturada a partir da forma de
narrativa, é necessário realizar uma forte demarcação de defesa do caráter
diferencial da história em relação a outros gêneros – como a literatura,
por exemplo. Inúmeros autores procuraram realizar críticas a pesquisadores
que afirmaram que a história está estruturada pelo meio da narrativa. Vide
os embates historiográficos entre Carlo Ginzburg e Hayden White e as
inúmeras equivocadas e frágeis críticas realizadas ao historiador norte-
americano. O que se propõe ao defender a história como pensada e formulada
a partir da narrativa, é comungar do pensamento de Ricoeur; o mesmo
"entende que a definição da história como narrativa não compromete sua
identificação com a ciência e com a descrição do vivido. Considera que a
fragilidade científica da história não está em seu caráter narrativo, mas
reside na fragilidade epistemológica das leis gerais alegadas ou
tacitamente admitidas na explicação histórica." (BONA: 2012, 156)
[8] Realizar um estudo biográfico do autor não é o objetivo do trabalho.
Apesar de a historiografia ter realizado revisões fundamentais nos estudos
desse gênero (Ver: OLIVEIRA, Maria da Glória de. Escrever vidas, narrar a
história. A biografia como problema historiográfico no Brasil oitocentista.
Rio de Janeiro. Editora FGV. 2011; SCHMIDT, Benito Bisso. Quando o
historiador espia pelo buraco da fechadura: biografia e ética. Revista
História. São Paulo: 2014, v. 33, p. 124-144, Online ), optei por realizar
uma apresentação mais singela de Figueiredo Filho, tendo em vista que
outros elementos foram elencados como principais.
[9] Diário do Nordeste, 05 de maio de 2011. Disponível em:
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=983147
[10] Programa destinado a apresentar a diversidade da vida rural
brasileira, por meio das dinâmicas econômicas de produção que cada lugar
possuía, de acordo com suas especificidades. Era necessário destacar os
elementos expressivos e fundamentais para a composição desse setor da
sociedade brasileira. A amplitude desse programa era visível devido ao
processo de expansão dos fatores abordados nos escritos do projeto: para
além dos estabelecimentos agropecuários (engenhos, fazendas, garimpos), se
desejava registrar os elementos que compunham o cotidiano dos habitantes do
campo (manifestações folclóricas, danças, festas).
[11] AUGUSTO MOREIRA, Afonsina Maria. No norte da saudade: memória e
esquecimento em Gustavo Barroso. Tese de Doutorado (PUC-SP), 2006.
[12] GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. Nação e Civilização nos trópicos: o
Instituto Histórico Geográfico Brasileiro e o projeto de uma história
nacional. In: Revista Estudos Históricos.Rio de Janeiro,nº1, 1998, pp. 5-
27.
[13] Para mais informações sobre a trajetória de Brígido ver: RIOS, Renato
de Mesquita. João Brígido e sua escrita de uma história para o Ceará:
narrativa, identidade e estilo (1859-1919). Dissertação de Mestrado/UECE:
Fortaleza, 2013. Focando nas narrativas historiográficas sobre o Ceará de
João Brígido dos Santos, o autor desse estudo se propõe a perceber um
estilo que evidenciasse a função social da narrativa e dos intelectuais do
período em questão. A centralidade da figura de João Brígido na escrita de
uma história para o Ceará, que toma o Cariri como um dos pontos centrais de
sua escrita, o credenciam para tornar a proposta de estudo mais
inteligível.
[14] O chamado "milagre da hóstia" ocorreu quando a Beata Maria de Araújo,
ao receber a comunhão de Padre Cícero Romão Batista, supostamente viu a
hóstia transformar-se em sangue dentro de sua boca. A continuidade desse
fenômeno por outras vezes e a rápida divulgação do mesmo, proporcionou um
repentino movimento de romarias para a cidade que Padre Cícero comandava a
Igreja e, posteriormente, o desenvolvimento da mesma – que fora amplamente
incentivada e organizada pelo clérigo em questão. Para mais informações
acerca desse evento ver: DELLA CAVA, Ralph. Milagre em Joaseiro. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1976.
[15] FIGUEIREDO FILHO, José Alves de. A jornada prossegue, incentivada
pelas primeiras vitórias. IN: Revista Itaytera, nº2, 1956. p.2
[16] FIGUEIREDO FILHO, José Alves de. A jornada prossegue, incentivada
pelas primeiras vitórias. IN: Revista Itaytera, nº2, 1956. p.2
[17] Revista Itaytera, nº18, 1974
[18] Para além dos elementos acima abordados, vale salientar que o
regionalismo – na leitura de Durval Muniz, deve ser encarado para além da
perspectiva de uma ideologia dominante. Esse fenômeno envolve inúmeras
práticas, sensibilidades e elementos discursivos que devem ser postas no
bojo dos questionamentos de quem se propõem a pensar nesses elementos.
Pensando no caso específico desse trabalho, essas considerações são de
extrema valia; ao dar relevo aos sentimentos, ideais, subjetividades e os
diversos modos de organização desses pontos (livros, artigos, comunicações,
discursos, a própria pesquisa e escritura histórica), se consegue alcançar
um grau de percepção rico em informações sobre as dinâmicas internas da
construção do Cariri.
[19] ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. O objeto em fuga: algumas
reflexões em torno do conceito de região. Revista Fronteiras, Dourados/MS,
v.10, n.17, pp.55-67, jan/jun. 2008.p.66
[20] Acrescenta-se a esse aspecto a posição do historiador enquanto um
sujeito que possui o poder de escrever sobre o passado com base na crença
que sua escrita, por ser pautada em um aparato teórico, uma metodologia
definida e o compromisso com a verdade, possui um peso acerca do que se
fala.
[21] ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e outras
artes (5ª edição). São Paulo: Cortez editora, 200. p.35.
[22] ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz de. O objeto em fuga: algumas
reflexões em torno do conceito de região. Revista Fronteiras, Dourados/MS,
v.10, n.17, pp.55-67, jan/jun. 2008. p.85
[23] ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz de. O objeto em fuga: algumas
reflexões em torno do conceito de região. Revista Fronteiras, Dourados/MS,
v.10, n.17, pp.55-67, jan/jun. 2008. p.68
[24] SERVILHA, Mateus de Morais. Quem precisa de região? O espaço
(dividido) em disputa. Rio de Janeiro, Editora Consequência, 2015.
[25]RAMOS, Francisco Régis Lopes. O fato e a fábula: o Ceará na escrita da
História. Fortaleza, Expressão Gráfica e Editora, 2012. p.64.
[26] VIANA, José Ítalo Bezerra. O Instituto Cultural do Cariri e o
centenário do Crato: memória, escrita da história e representações da
cidade. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós Graduação em História/UFC.
Fortaleza: 2011, p.88.
[27]Idem, p.89.
[28] Segundo Reinhart Koselleck, na magistra vitae, [...] a história seria
um cadinho contendo múltiplas experiências alheias, das quais nos
apropriamos com um objetivo pedagógico. (KOSELLECK: 2006, 42) Na definição
acima apresentada, o historiador alemão apresenta a história sob o ponto de
vista da heterogeneidade de experiências e sua utilidade. Pensar que as
relações, práticas, ações realizadas pelas sociedades em outros tempos
possuem um determinado grau de funcionalidade e, consequentemente, relação
direta com o presente, aponta para uma perspectiva de análise que prime
pelo diálogo entre passado, presente e futuro. No caso desta última
categoria temporal, o conceito de horizonte de expectativa é apresentado
para interligar essa discussão. Para mais informações sobre a relação entre
passado e futuro em Koselleck ver: KOSELLECK, Reinhart. "Espaço de
experiência" e "horizonte de expectativa": duas categorias históricas. IN:
______________. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos
históricos. Rio de Janeiro: Contraponto/Ed. PUC-RIO, 2006.
[29] Figueiredo Filho. José Alves de. História do Cariri (Vol. I).
Fortaleza: Edições UFC, 2010. [fac-símile]. s/p
[30] CERTEAU, Michel. A escrita da história (5ª edição). Rio de Janeiro:
Forense, 2011. p. 91
[31] Podemos perceber, com isso, que os usos do tempo pretérito não possuem
uma estrutura pré-definida. O estabelecimento de uma imagem sobre
determinado olhar pode partir de diversos pontos de partida; o que gera
diversas possibilidades de representações a serem construídas – cada uma
diretamente relacionada com o aspecto escolhido e a forma de abordagem. A
busca pelas origens, a centralidade em aspectos, naturais, a definição de
uma "essência" para o caririense são alguns exemplos de usos do passado
realizados para iniciar a narrativa sobre o Cariri. Nesse momento, o que
interessa para a reflexão proposta, é compreender de que maneira o tipo de
abordagem escolhida por Figueiredo Filho, que vai centralizar da definição
de características gerais para os caririenses, vão estruturar essa
perspectiva educadora/pedagógica que o passado vai possuir. Importante
destacar que o passado vai ter esse caráter não somente nas primeiras
páginas de sua obra, mas vai perpassar toda sua concepção epistemológica da
história.
[32] Classificando o indígena que deu origem ao nome da região, ele aponta
que Procede a sua denominação de um dos ramos indígenas do Brasil,
classificados pelo grande historiador cearense – Capistrano de Abreu,
nesses oito grupos: TUPIS, GUARANIS, GUAICURUS, NUARUAQUES, CARIRIS, GÊS ou
TAPUIAS, CARAÍBAS, PANOS e BETÓIAS. (FIGUEIREDO FILHO: 2010, 6)
[33] Figueiredo Filho. José Alves de. História do Cariri (Vol. I).
Fortaleza: Edições UFC, 2010. [fac-símile]. p.11
[34] Idem. P.9
[35] Figueiredo Filho. José Alves de. História do Cariri (Vol. II).
Fortaleza: Edições UFC, 2010. [fac-símile]. p.29
[36] ARAUJO, Valdei Lopes de. Sobre a permanência da expressão historia
magistra vitae no século XIX brasileiro. In: Araujo, Valdei L. de, MOLLO,
Helena Miranda, NICOLAZZI, Fernando (Orgs.). Aprender com a História? O
passado e o futuro de uma questão. Rio de Janeiro: Ed. da FGV, 2011, pp.
131-148. p.139
[37] Figueiredo Filho. José Alves de. História do Cariri (Vol. I).
Fortaleza: Edições UFC, 2010. [fac-símile]. pp. 33-34
[38] CERTEAU, Michel. A escrita da história (5ª edição). Rio de Janeiro:
Forense, 2011.
[39] Estamos diante, nesse caso, de uma dupla função: o possível e o
impossível tornam-se constitutivos de uma linha tênue no campo da escrita e
divulgação histórica e devem ser pensados em constante diálogo. Promovendo
essa possibilidade de pensar os limites entre a permissão e a interdição,
chegamos ao chamado "ponto cego da pesquisa histórica". (CERTEAU: 2011, 63)
São questões que não estão diretamente explícitas na narrativa e,
consequentemente, não são visíveis a olho nu. É nesse ponto que os estudos
historiográficos entram e possibilitam pensar as relações e dinâmicas que
proporcionaram determinado tema ser escolhido como objeto de estudo e outro
não. Uma abordagem dessa natureza amplia de modo considerável a percepção
sobre as formas e os conteúdos que a história possui.
[40] CORTEZ, Antonia Otonite de Oliveira. A construção da "cidade da
cultura": Crato (1889-1960) Dissertação de Mestrado (PUC-RJ). Rio de
Janeiro: 2000. p.93
[41] Segundo o historiador Ítalo Viana, "o que se dizia pelas ruas do Crato
era que o momento celebrava um passado 'coroado de êxitos', que perpetuava
a herança de progresso e 'adiantamento' cultural e material daquela que,
supostamente, seria uma das mais importantes e de 'mais relevante
progresso' entre todas as cidades cearenses." (VIANA: 2008, 15) Partindo do
excerto acima, a inferência realizada é que o centenário realizou um grande
trabalho no sentido de envolver a população no discurso de superioridade
cratense em relação às demais cidade do Cariri. Elementos característicos
da modernidade, como progresso, adiantamento, cultura, foram utilizados
para justificar a posição superior da chamada "Princesa do Sul"; é nesse
intuito que a obra Cidade do Crato fora forjada.
[42] Destacam-se, nesse ponto, alguns aspectos tomados como indícios de
progresso no século XIX: casas de comércio, mercado público, imprensa
local, cemitério, casarões. Dentro dessa lógica, a modernidade e o
progresso são modelos importados; o que se projeta enquanto desenvolvimento
local, neste período, não são o desenvolvimento das potencialidades da
terra ou a integração com outras cidades/regiões: o que os dirigentes
locais propuseram foi seguir o que estava sendo pautado nos grandes centros
do país e da Europa e tomar aquilo como modelo a ser copiado. Uma "roupa
estranha" vai vestindo a "princesa do sul", adornando-a com "adereços" que
ela nunca viu.
[43] VIANA, José Ítalo Bezerra. O Instituto Cultural do Cariri e o
centenário do Crato: memória, escrita da história e representações da
cidade. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós Graduação em História/UFC.
Fortaleza: 2011.
[44] FIGUEIREDO FILHO, José Alves de; PINHEIRO, Irineu. Cidade do Crato.
Fortaleza: Edições UFC, 2010. p.10 [fac-símile]
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