Voltaire - O espírito da Revolução

July 27, 2017 | Autor: Chesterton Portugal | Categoria: G.K. Chesterton, Voltaire
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VOLTAIRE: O Espírito da Revolução

António Campos Sociedade Chesterton Portugal Março de 2015

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Índice Capítulo 1- Voltaire: Ω e α, Fim e Princípio

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Introdução

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Começando Pelo Fim

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A Conversão

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A Circunstância

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O Homem

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Associações Secretas

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Conclusão

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Bibliografia

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Capítulo 2 – Voltaire e o Mito de Sísifo

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O Método

11

A Igreja

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A Propaganda

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O Relativismo

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A Tolerância

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Capítulo 3 – Voltaire, O Escarnecedor

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Capítulo 4 – Chesterton e As Amizades Perversas da História

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Capítulo 5 – Voltaire e o Meu Pai

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Capítulo I - VOLTAIRE: Ω e α, Fim e Princípio

Introdução

Tenho umas contas a ajustar com Voltaire que não são deste rosário. Dele foi dito que deu o seu nome ao século XVIII. Este homem que estudou num colégio de jesuítas ficou conhecido pelo sarcasmo e pelo cinismo. Tornou-se um caluniador sistemático dos homens do clero e da Igreja, particularmente dos jesuítas, por quem nutria um ódio de estimação. É exemplo de que inteligência e virtude não são de todo sinónimos, uma das crendices do nosso tempo. Viveu numa França governada por Luíses que competiam para ver qual deles o mais megalómano, devasso ou idiota. A Igreja francesa que produziu tão grandes santos e pensadores teve sempre no topo da sua hierarquia uma tentação cesaropapista; e a monarquia, não apenas a ambição, mas o próprio proveito. No tempo de Voltaire, esta tendência atingiu o seu zénite. A legitimação do rei como infalível, porque eleito por Deus, esquece que o rei é apenas mais um homem caído. Resistir à injustiça, mesmo quando ela tem origem real, não é um pecado. Voltaire é um exemplo vivo de alguns paradoxos do nosso tempo: citado por católicos que não avaliam o verdadeiro alcance das suas palavras, admirado por padres que não compreendem o seu desprezo, reverenciado pela sua inteligência, numa época em que prosperidade e/ou inteligência são sinónimos de virtude. As pessoas esquecem que os genocidas mais famosos eram inteligentes. O Mal é inteligente, é uma das propriedades que conserva; se fosse idiota não seria nem atraente nem eficaz.

Começando Pelo Fim

Diz-se que o nascimento projecta socialmente o homem, mas se queremos verdadeiramente saber o tipo de homem, nada melhor do que contemplar o seu fim. Nenhuma biografia é melhor do que aquela que começa com o fim, pois nas palavras de Maria Stuart, citada por Chesterton no leito de morte, “o meu fim é o meu princípio.” Confesso que sempre me surpreendeu o fim de alguns grandes homens: um Kant de 40 Kg, encarquilhado e demente, possuído por terrores nocturnos,1 um Nietzsche alucinado e coprofágico, descrito pelo professor Mobius (uma das glórias da medicina) como um louco a quem não se pode dar crédito,2 um Stalin paranóico e comatoso 3

afogado na contemplação do retrato de Nadezhda “Nadya” Alliluyeva (1901-1932) que se suicidou…3

A Conversão

“Quando Voltaire teve o ataque (acidente vascular cerebral ou AVC) apercebeu-se que estava à beira da morte e o remorso tomou conta de si. Mandou chamar o padre e afirmou que pretendia “reconciliar-se com a Igreja”. Os seus confrades e bajuladores ateus correram ao seu quarto para impedir a sua conversão; mas apenas tiveram oportunidade de testemunhar a sua ignomínia…e a deles próprios. Ele amaldiçoou-os e como a sua presença aumentasse a sua angústia ele berrava continuamente: «Afastai-vos malditos! Fostes vós quem me trouxe a este ponto. Ide-vos, deixai-me! Que glória miserável é esta para a qual me conduzistes!» Na esperança de acalmar a sua angústia com uma conversão escrita, ele escreveu-a, assinou-a e exigiu testemunhas. Mas tudo isso foi inútil. Durante dois meses foi atormentado por tal agonia que por vezes rangia os dentes numa raiva impotente contra Deus e contra os homens. Outras vezes numa lamúria insistente, exclamava: «Ó Cristo, ó Senhor Jesus!». Então, voltando a face, clamava: «vou morrer abandonado por Deus e pelos homens!» À medida que o fim se aproximava, a sua condição tornou-se tão medonha que os seus confrades ateus sentiam receio de se aproximar da sua cama. No entanto, mantinham-se à porta, para que outros não pudessem saber de que forma tão horrível um ateu pode morrer. Até a sua enfermeira afirmaria: «Nem por toda a riqueza da Europa eu vou assistir à morte de outro ateu». Foi assim o fim bem documentado de um homem que possuiu uma inteligência notável, uma educação excelente, grande prosperidade e todas as glórias da terra.”4

A Circunstância

Escritor, satirista, filósofo, diplomata e possivelmente espião, François Marie Arouet (1694-1778) encarna o espírito do século XVIII: o espírito da secularização, do pensamento racional e do cepticismo que invadiu a sociedade, não nas classes médias e populares, mas nos meios aristocráticos e cultos. Este espírito de racionalismo e emancipação penetrou na corte esplendorosa e decadente de Louis XV, formando-se na mente das damas ilustres e dos magnatas cultos - a alta sociedade - um ambiente filosófico cuja principal manifestação era a crítica demolidora dos princípios e pressupostos teóricos em que, no entanto, se apoiavam a sociedade e a monarquia. A aristocracia, os homens de letras, a magistratura, a burguesia rica e os eclesiásticos ilustrados eram o núcleo de um movimento que não teve grande importância filosófica, mas teve enorme relevância histórica e política: o Iluminismo ou Ilustração.5 4

O seu nome indica realmente o propósito de iluminar todos os sectores da realidade para fazer com que o homem se guie apenas pela razão e assim promova o progresso. Segundo este modo de pensar, todo o conhecimento religioso e filosofia metafísica não seriam mais do que explicações imaginárias que o homem concebe sobre aqueles sectores da realidade onde ainda não chegou o conhecimento científico, racional que o progresso da ciência terá o mérito de anular fazendo ver a esterilidade e falsidade dessas pseudo-ciências. As afirmações de Voltaire, “As verdades da religião nunca são tão bem entendidas como por aqueles que perderam a sua capacidade de raciocinar” ou “Quando aquele que fala e aquele que ouve não entendem o que é dito, isso é a metafísica”, fizeram o seu curso e são ilustrativas. Iluminismo também se refere à iluminação provocada por um deus superior ao Deus Cristão ou Demiurgo, que terá feito este mundo material mau. A maioria dos subscritores de um documento hoje obsoleto, mas que foi a base do movimento - a Enciclopédia-, Diderot, d’Alembert, Rousseau e Voltaire, eram deístas, i.e., trouxeram à superfície as crenças e valores da heresia gnóstica dos séculos II e III. O enciclopedista puro não era um verdadeiro revolucionário. A sua atitude em relação à religião e às instituições era meramente crítica e depreciativa. Era uma atitude semelhante à dos antigos gnósticos, para quem as crenças religiosas não passavam de visões imaginativas, representações populares, de uma verdade mais profunda que é a concepção filosófica do universo.6 Em 6 de Fevereiro de 1778, ano da morte de Voltaire, Luís XVI assinaria um tratado de aliança militar com os Estados Unidos, colónia independente desde 4 de Julho de 1776, culminando uma longa acção diplomática, militar, política e de espionagem, conduzida sobretudo pelo grande amigo de Voltaire, Benjamin Franklin e John Adams (que viria a ser o segundo presidente dos Estados Unidos), que assegurou desde o início o apoio financeiro e militar francês à guerra da colónia contra a Inglaterra. Deste modo, a revolução americana e francesa encontram-se estreitamente entrelaçadas, como o testemunha a estátua da Liberdade, a Semiramis dos babilónios ou Vénus grega. Voltaire diria a Franklin em 1778: “Se eu tivesse quarenta anos, iria eu próprio estabelecer-me na sua bela terra natal.”

Quando, em 1793, a cabeça do rei maçon Luís XVI rolou ceifada pala guilhotina, 7 caía um regime que fundia as suas raízes e o seu prestígio nos mais remotos tempos da Idade Média e começava para os povos um regime de base revolucionária. As pessoas que viveram esta revolução parisiense, que acabou com o povo a adorar na catedral de Nossa Senhora a deusa Razão, estavam longe de suspeitar que testemunhavam e interpretavam na História uma mudança tão dramática, que é apenas comparável com a entrada dos bárbaros em Roma, i.e., com a queda do mundo antigo.

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O Homem

François Marie nasceu em Paris em 1694, filho de um rico notário. Inicialmente educado pelo abade de Châteneuf, seu padrinho, em 1704 entrou para o colégio jesuíta de Louis-le-Grand. Abandonou o colégio, na sequência de ter recebido uma herança,juntou-se ao círculo dos jovens libertinos e “livres-pensadores” (Societé du Temple) e iniciou os seus estudos em direito. Com 19 anos acompanhou, como secretário, o embaixador da França na Holanda, o marquês de Châteneuf, irmão do seu padrinho. Voltou em 1716 na sequência do envolvimento amoroso com uma jovem protestante holandesa. Colocou a circular dois textos contra o Regente e foi preso na Bastilha durante 11 meses (Maio de 1717 a Abril de 1718). Após sair da prisão, adoptou o pseudónimo de Voltaire, um anagrama do seu nome: Arouet le jeune.. Em 1726 viria ser de novo aprisionado na Bastilha na sequência de uma desavença com o cavaleiro de Rohan-Chabot.

Exilou-se em Inglaterra durante três anos (1726-1729), onde entrou em contacto com Berkeley, Swift, e Pope e aprofundou os seus estudos sobre Newton e Locke. Retorna a França em 1729 e em 1732 tem um sucesso triunfal com a tragédia Zaire. Em 1734 publica as Cartas Filosóficas sobre os Ingleses, que viriam a ser condenadas pelo Parlamento. Fugiu para o castelo de Cirey, onde permaneceu por quinze anos com a sua amiga e admiradora, marquesa de Châtelet. Reconciliado com a corte e apoiado por Madame Pompadour, foi nomeado historiógrafo real e em 1746 entrou para a Academia Francesa.

De 1749 a 1753 foi viver na corte de Frederico II, O Grande, a convite deste(em 13 de Setembro de 1740, Frederico II tinha formado a grande loja mãe da Alemanha, a Zu Den Drei Weltkugeln, Loja dos Três Globos).8 Recebido com grandes honras em Berlin, terminaria a sua estadia com nova prisão. Ainda hoje se pode visitar o quarto de Voltaire no Palácio de Sans Sousi em Potsdam. Desavindo com Frederico O Grande a quem se referiu com sarcasmo no poema La Loi Naturelle e num livro publicado postumemente, apontando a sua tirania, o seu deboche e homossexualidade. Em Genebra, ofendeu católicos com o seu ensaio sobre Joana d’Arc (A Donzela d’Orléans, 1755), protestantes, com o Ensaio sobre os Costumes, 1756 e Jean Jacques Rousseau, o seu arqui-inimigo, com o Poema Sobre os Desastres de Lisboa, 1756. Em 1759 publica Cândido ou o Optimismo, onde critica Leibniz e o seu mote “Este é o melhor mundo possível”, em 1762 publica o Tratado Sobre a Tolerância (influenciado por Locke, excluía da tolerância católicos e as raças inferiores, negros e índios) e em 1764 publica o Dicionário Filosófico.9

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Associações Secretas

O contacto de Voltaire com as sociedades secretas ter-se-à iniciado muito cedo com a formação de uma Academia Secreta, em que Voltaire era o presidente, e que tinha como objectivo publicar livros, forjar ou alterar outros, mudando-lhes o conteúdo ou imputando falsamente a sua autoria a escritores famosos já falecidos, libertando-os para o mercado por forma a beneficiar da publicidade dos seus nomes. Eram publicados e vendidos ao menor preço possível, por vezes distribuídos gratuitamente, numa sucessão ininterrupta, dirigidos a todos os tipos de homem e em todas as partes do reino.10 Este procedimento não nos deve surpreender num homem que afirmava: “Esmagai o infame (o religioso católico) – que Nietzsche colocaria no seu Ecce Homo - , caluniai, caluniai, caluniai, porque algo ficará para sempre.”11 Lembremos que Voltaire é tomado como um símbolo, um pioneiro, da tolerância. Na sua carta a Thiriot de 21 de Outubro de 1736: “Menti, menti, que ficará sempre qualquer coisa. Deve mentir-se como o diabo, não timidamente, não uma única vez, mas sempre e com ousadia.”12 Em 1778, d’Alembert era o presidente da Academia das Ciências. Numa reunião foram combinados os detalhes entre Benjamin Franklin, John Adams e Voltaire, para a entronização pública de Voltaire na Loja das Nove Irmãs (não se tratou de um rito de iniciação). Também era membro da Loja das Nove Irmãs, Joseph Guilhotin, o inventor da guilhotina, onde era mestre venerável desde 1775.8 Entrou para a Loja das Nove irmãs a 7 de Abril de 1778, com 83 anos (morreria a 30 de Maio), apoiado no Braço do embaixador dos Estados Unidos em França, Benjamin Franklin.13 Franklin seria eleito grão-mestre 33 da Loja das Nove Irmãs em 21 de Maio de 1779 e reeleito em 1782. Em 1782 tornou-se membro da Conclave “Loja Real dos Comandantes do templo a Oeste de Carcassonne. Benjamin Franklin já era Grãomestre desde 1734, com 28 anos.14 Franklin esteve em Londres entre 1757 e 1763. A sua estadia em Londres relaciona-o ao mayor de Londres, John Wilkes, que emigraria para a América e seria o pai de John Wilkes Booth, o assassino de Abraham Lincoln, a Sir Francis Dashwood e ao conde de Sandwich. Este relacionamento remonta à guerra de independência dos Estados Unidos, em que Franklin era o responsável máximo pelas comunicações americanas e Sir Francis Dashwood era o responsável máximo pelas comunicações britânicas. Sir Francis Dashwood era um conhecido maçon, membro da loja do Príncipe de Gales (George II), fundou a sociedade secreta de Os Franciscanos (!) e o tristemente célebre “Clube do Fogo do Inferno”, de que Franklin foi também um membro activo, e que se dedicava ao rapto, assassínio, estupro, pedofilia e satanismo (seguiam o lema de Rabelais: faz o que quiseres será o teu lema de vida).15 As ossadas de crianças encontradas nas escavações da casa de Ben Franklin em Londres, nos anos 70, levaram o Governo Britânico a proibir a sua prossecução. 16 O génio de Franklin na maçonaria só seria igualado pelo fundador da Ku Klux Klã, Albert Pike. Mas as suas vidas são ilustrativas de um misconcept que assombra os católicos: os grandes homens nem sempre são dignos de admiração ou de citação. 7

Conclusão

François Marie Arouet morreu a 30 de Maio de 1778, "o maior, o mais ilustre e talvez o único monumento desta época gloriosa em que todos os talentos, todas as artes do espírito humano se pareciam ter elevado ao mais alto grau da perfeição". O seu corpo foi enterrado na abadia de Scelliers contra a vontade do bispo de Troyes em nota emitida a 2 de Junho, porque Voltaire tentou destruir essa igreja e utilizá-la como templo maçónico. A Revolução de 1789 transladou Voltaire para o Panthéon onde jaz em frente do seu maior inimigo, Rousseau.17 Em Novembro de 1778, Ben Franklin conduziu uma cerimónia fúnebre maçónica em honra de Voltaire na Loja das Nove Irmãs.18 Em 20 de Fevereiro de 1778, Voltaire tinha recebido uma carta do jesuíta Abbé Gaultier sobre o seu interesse em debater a sua eventual conversão. Voltaire responderia a 21 de Fevereiro de 1778: “A sua carta, caro senhor, parece-me provir de um homem honesto: isso é o suficiente para que eu tenha decidido aceitar a sua visita no dia ou na hora que achar conveniente. (…) Tenho oitenta e quatro anos de vida e estou prestes a apresentar-me perante Deus, o Criador de todo o universo. Se tem algo para me dizer, será o meu privilégio de o receber, apesar do sofrimento que me acompanha.”19 O resto já o sabemos do início do artigo, a conversão, apesar dos esforços dos seus confrades para a ocultarem ao mundo. Ao olhar para a vela na sua mesa de cabeceira, interrogava a sua enfermeira: “Já são as chamas?” Ao seu médico disse: “Sinto-me abandonado por Deus e pelos homens. Dou-lhe metade do que valho se me der mais dois meses de vida. Depois vou para o inferno e você irá comigo. Ó Cristo, ó Jesus Cristo.” O testamento que fez escrever sobre a sua conversão: "Eu, o que escreve, declaro que tendo sofrido um vómito de sangue há quatro dias, na idade de oitenta e quatro anos e não tendo podido ir à igreja, o pároco de São Suplício quis de bom grado me enviar ao senhor Gautier, sacerdote. Eu confessei-me a ele, se Deus me perdoava, morro na Santa Religião Católica em que nasci esperando a misericórdia divina que se dignará a perdoar todas minhas faltas, e que se tenho escandalizado a Igreja, peço perdão a Deus e a ela. Assinado: Voltaire, 2 de Março de 1778 na casa do marquês de Villete, na presença do senhor abade Mignot, meu sobrinho e do senhor marquês de Villevielle, meu amigo."20 Nas palavras do seu médico: “Quando eu comparo a morte de homens justos, que me parece o ocaso de um lindo dia, com a de Voltaire, noto a diferença entre o tempo limpo e claro, com uma tempestade negra. Dizia-me que se sentia rodeado de fumo por todo o lado. Calhou-me que este homem morresse às minhas mãos. Muitas vezes lhe falei da verdade.”4 Assim morreu o homem que afirmou: “Foram precisos doze homens para erigir o cristianismo, mas bastará um para acabar com ele!” O grande homem Voltaire todos conhecem, mas o homem que fez Voltaire compreender o quanto ele era pequeno, Abbé Gaultier, quase todos desconhecem. Era bom que os católicos não esquecessem, da próxima vez que elogiem os “grandes 8

homens”, que o seu mestre era aprendiz de carpinteiro, de uma “cidade” esquecida de uma província remota do Império Romano.

Bibliografia:

1

The English Mail-coach and Other Essays, Thomas Quincey, 1912, edição de 1923, The Last Days of Immanuel Kant, pp. 162-209, Everyman’s Library, London. 2

To Nietzsche: Dionysius, I love You! Ariadne, Claudia Crawford. ISBN-13: 9780791421505. 3

80 Vidas que a morte não apaga, Iosif Estaline, pp 169-172, Carlos Loures, 1997.

4

Dying Testimonies of Saved and Unsaved, S. B. Shaw. ISBN-13: 978-1604161564.

5

Pequena História da Filosofia, Rafael Gambra, 1991. ISBN: 972-731-022-2.

6

Maçonnerie et Sectes Secrètes: le cotê cache de l’Histoire, Epiphanius. ISBN: 2913643-12-4. 7

Histoire de La Révolution Française, Louis Blanc, 1861.

https://archive.org/details/histoiredelarvo19blangoog. 8

http://www.freemasons-freemasonry.com/cronologia_ma%C3%A7onica_parte2.html.

Louis XVI foi iniciado com os seus irmãos, o duque de Provence e o Conde d’Artois, antes de 1775, uma vez que neste ano foi fundada uma loja em Versailles em sua honra, a loja À l’Orient de la Croix, também denominada como La Militaire de Trois Frêres. 9

História da Filosofia, IV Parte, cap. XII, VI-Voltaire, 255-260, Giovanni Reale – Dario Antiseri. ISBN: 978-85-349-2255-5. 10

The Duty of the Americans at the Present Crisis, July 4, 1798, Timothy Dwight, 2010. ISBN: 1171104235. 11

Governados Pela Mentira, Agostino Nobile, 2013. ISBN: 978-989-96259-4-5.

12

L´Église Occupée, J. Ploncard d’Assac, pp. 43-44, éd. de Chiré, 1983.

13

Mackey's Encyclopedia of Freemasonry (1 de Julho de 2011).

14

The History Channel, Mysteries of the Freemasons: America, video documentary, August 1, 2006, por Noah Nicholas and Molly Bedell. 15

The Temple and The Lodge, Michael Baigent and Richard Leigh.

16

https://www.youtube.com/watch?v=bKZmv-A0HGc. 9

17

http://www.findagrave.com/cgi-bin/fg.cgi?page=gr&GRid=1519.

18

Benjamin Franklin: An American Life, Walter Isaacson, pp. 354-355, 2005. ISBN: 0684-80761-0. 19

http://www.whitman.edu/VSA/letters/21.2.1778.html.

20

Correpondance Littérairer, Philosophique et Critique (1753-1793), volume XII pp. 8788, Abril de 1778.

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Capítulo II - Voltaire e o Mito de Sísifo

Voltaire foi tão importante no ataque à Igreja Católica, que se poderá afirmar sem errar muito que quando se vê um argumento contra a Igreja sem autor determinado, o mais provável é que o seu autor tenha sido Voltaire. E, no entanto, a defesa da hipótese mítica de que era adepto é hoje insustentável por qualquer académico sério, independentemente das suas crenças, tendo em conta os documentos históricos disponíveis. É então muito mais interessante para um católico analisar a consequência de três outras ideias de Voltaire: o conceito de tolerância, a propaganda e o relativismo. Estas ideias são hoje responsáveis pelo suicídio da civilização ocidental, enquanto que o anticlericalismo de Voltaire, mais baseado no sarcasmo e no desdém do que na consistência, apenas apaixona o pessoal dos partidos políticos onde, como sabemos, o que sobra em intriga falta em qualidade intelectual.

I - O MÉTODO

Em grande medida para escapar à censura real, Voltaire desenvolveu um método de ataque indirecto, camuflado, colocando na boca de outros os seus próprios pensamentos. O objectivo seria sempre colocar a semente da dúvida na mente das pessoas, mais do que discutir argumentos. “É incrível o que aquela seita tem a audácia de afirmar”, seguindo-se uma pormenorizada descrição dos argumentos da suposta seita, terminando, não com a refutação dos argumentos ou o exercício do contraditório, mas com uma afirmação boçal: “Felizmente que em França possuímos a Igreja que explica que essas ideias são apenas maluqueira e devem ser ignoradas.” A verdade é que a Igreja era acusada precisamente do contrário: de analisar cuidadosamente as "novas" ideias à luz da Doutrina e declará-las conformes ou heréticas.

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II - A IGREJA

Ataque sobre a Trindade

No Dicionário Filosófico encontra-se uma série de argumentos contra a Trindade, conceito aliás que a Igreja sempre considerou um mistério. São usadas afirmações que só poderão convencer aqueles que não conhecem a Bíblia. A afirmação final é a de que a Trindade nunca foi afirmada pelo próprio Cristo mas que foi uma invenção dos concílios da Igreja. Só pessoas ignorantes ou com preconceito podem ficar convencidas de que Voltaire efectuou um artigo sério de revisão sobre o assunto. Voltaire usa o argumento de que o Judaísmo e o Cristianismo são responsáveis por muitas guerras e mortes e que ele aceita Jesus Cristo sem o dogma das religiões, i.e., sem a sua doutrina, negando a sua divindade, sem a sua marca distintiva.

A Divindade de Cristo

Num ensaio em que Voltaire supostamente ataca aqueles que recusam a divindade de Cristo, Voltaire “sugere” uma história de como Jesus terá sido considerado uma divindade, supostamente centenas de anos após a sua morte. Voltaire dá corpo a heresias, como a ariana e o islão, mas ilustra-as de forma tão brilhante que ainda hoje elas são populares na mente do homem moderno. ““Os Socinianos que são tidos por blasfemos, não reconhecem a divindade de Jesus. Atrevem-se a afirmar, como os filósofos da Antiguidade, como os judeus, como os maometanos, como a maior parte das outras nações, que a ideia de um homem-deus é monstruosa; que a distância entre o homem e Deus é infinita; e que é impossível a um corpo perecível ser infinito, omnipresente e eterno. Eles até citam Eusébio, bispo de Cesareia, que na sua História Eclesiástica, declara que é impossível e absurdo que o imutável e Todo-Poderoso possa ter tomado a forma de um homem. Citam os pais da Igreja, Justino e Tertuliano, que afirmaram a mesma coisa, nos seus “Diálogo com Triphonius” e “Discurso contra Praxeas”. Citam S. Paulo que nunca chama Deus a Jesus Cristo e frequentemente lhe chama “homem”. Eles vão ao cúmulo de afirmar que os cristãos levaram três séculos a formar a apoteose de Jesus, seguindo o exemplo dos pagãos que deificaram os seus mortais. Primeiro, Jesus era apenas visto como um homem inspirado por Deus, depois como uma criatura mais perfeita do que as outras. Mais tarde, foi-lhe dado um lugar acima dos anjos, como diz São Paulo. Cada dia algo mais se adicionava à elaboração. Tornou-se a emanação de Deus manifesta no tempo. Mas isto não bastou: foi elevado à condição de ter nascido antes do próprio tempo. Finalmente fizeram-no Deus, consubstancial a Deus.”

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Claro que quem estuda sabe que a divindade de Jesus Cristo, “Eu e o Pai somos um” e “Quem me olha vê o Pai”, foi estabelecida pelo próprio Cristo, documentada em escritos do primeiro e do segundo séculos. Os esforços da Igreja não consistiram em fazer tais afirmações, mas em combater quem as refutava, como os gnósticos no século III. Mas para efeitos de propaganda o que interessa isso? As afirmações de Voltaire funcionam como as notícias na imprensa que destroem a honra das pessoas mesmo que sejam falsas – os desmentidos nunca têm o mesmo destaque e nunca limpam o dano completamente. Como afirmaremos mais tarde, no meio académico, esta tese da evolução da religião cristã por três séculos encontra-se desacreditada, quer por documentos como o papiro de Rylands, quer pelos primeiros escritos apócrifos que combatem a doutrina da Igreja Nascente.

A Cristandade como mito

“Um sistema religioso atribuído a Jesus Cristo, mas realmente inventado por Platão, melhorado por São Paulo, finalmente revisto pelos papas, pelos concílios e outros intérpretes da Igreja. Desde a fundação deste credo sublime, a humanidade tornou-se melhor, mais sábia e mais feliz. O mundo livrou-se da contenda, dos problemas, vícios e males de todo o tipo; uma prova incontestável de que a Cristandade é divina, e que só quem está possesso do diabo se permite duvidar de tal credo ou da sua origem”; “a superstição nascida do paganismo e adoptada pelo judaísmo, insinuou-se na Igreja desde o início. Todos os padres acreditavam no poder da magia. A Igreja condenavaa, mas acreditava nela: ela não excomungava os bruxos como lunáticos que estavam enganados, mas como homens que estavam em comunicação com o diabo.” Sobre este assunto, provaremos que foi o próprio Voltaire quem construiu um mito. O ponto aqui não é acreditar em demónios, mas acreditar no sobrenatural. Desse ponto primeiro tudo decorre.

A Religião como superstição irracional

“Reparem que entre todas as disputas entre cristãos, Roma sempre favoreceu a doutrina que subjuga a mente e aniquila a razão”; “todo o bom cristão adora a loucura da cruz. Nada é mais contrário ao padre e à religião que a razão e o senso comum”; “as verdades da religião nunca são tão bem compreendidas como por aqueles que perderam a capacidade de raciocinar”.

O Ódio ao Sacerdócio

“O primeiro padre foi o primeiro aldrabão que encontrou o primeiro maluco”; “o padre é o parasita que vive à custa do idiota que trabalha”. “Os padres ali têm tudo e o povo 13

nada; é a obra pura da razão e da justiça. Quanto a mim, não conheço nada mais divino do que os padres, que aqui fazem guerra aos reis de Espanha e de Portugal, e que na Europa confessam esses reis; que aqui matam espanhóis e em Madrid os mandam para o Céu: isto me encanta.” Se pensarmos que os missionários na América defendiam os índios da ambição dos colonos europeus, se entendermos que Voltaire tinha negócios relacionados com a escravatura e a posse de terras, entendemos melhor a sua hipocrisia. Neste particular seguiu as pisadas do seu mestre Locke.

A Blasfémia

“Se Deus nos fez à sua imagem, nós devolvemos o cumprimento”; “a inspiração é um efeito de divina flatulência emitida pelo Espírito Santo para os ouvidos de uns poucos escolhidos por Deus”; “o ateísmo é o vício de um punhado de pessoas inteligentes”, “o ateu é aquele que não acredita no Deus do padre”. Exemplo sublime de um defensor da tese mitológica e do uso do ateísmo, por um não ateu, como arma de destruição. Ou então, como diziam Unamuno e Pascal, deísmo e ateísmo poucas diferenças possuem. Os Cristãos, grandes Criminosos da História e Deus criminoso e sádico “É o fanático que comete crimes porque o ateu não tem paixões”; “enquanto houver superstições haverá atrocidades”; “a boa nova que o evangelho dos cristãos anuncia é a de que o seu Deus é um Deus de ira, que destinou a maior parte deles ao inferno, que a sua felicidade depende da sua imbecilidade, da sua credulidade, do seus delírios sagrados,…e na sua perseguição de todos aqueles que não concordam com eles.” Sobre a passagem de Josué, 10, 12-14: “foi a favor destes monstros que o sol e a lua se detiveram pelo meio-dia”. Voltaire utilizou esta passagem para apontar todos aqueles que matam em nome de Deus. Claro que Voltaire esqueceu todos aqueles que matam em nome do homem novo, a começar pela Revolução Francesa, com o Reino do Terror e o massacre da Vendeia. Portanto, o ateu também tem paixões, como o século XX viria a revelar tragicamente.

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III - A PROPAGANDA

Semeador da dúvida e do erro

Voltaire era um velhaco prolífico, divertido e perspicaz, tinha um conhecimento pleno das técnicas de propaganda. Ainda hoje tanta gente cita Voltaire sem entender que as suas afirmações se encontram saturadas de ironia. A influência de Voltaire na Igreja foi como fermento em massa. Muitas pessoas que se dizem pertencentes à Igreja, dissociam o clero do comum dos leigos, não entendendo que não existe culto sem clero e que o clero é formado por meros homens, não por santos ou deuses – esta foi uma alegação voltaireana. A contestação da Trindade ou da divindade de Jesus são outras. Tudo pelo argumento de que isto é o que afasta as pessoas da fé, sem que os crentes entendam que se isto é o que afasta as pessoas da fé o que resta não é fé nenhuma, porque nada tem de inacreditável. O que resta é uma sabedoria ou uma filosofia. O que resta é o logos, a que nem os deuses podem escapar. O que resta é uma divindade que nada pode fazer pelos homens. Ou não pode ou não quer. A consequência foi que as igrejas que se formaram com base nas alegações de Voltaire se tornaram mais dogmáticas do que era a Igreja Católica que Voltaire atacava e, desde então, recusam mudar a sua orientação, mesmo quando as provas arqueológicas e os manuscritos provam que elas estão erradas. Embora tenham sido muitas vezes refutadas, as teses de Voltaire são mainstream e o alicerce das doutrinas cristãs liberais, neo-ortodoxas e pós-modernas. De certo modo, Voltaire é um espinho cravado no flanco dos cristãos católicos por mais de três séculos, o que o encheria seguramente de uma grande vaidade. Isto, se ele não tivesse coisas mais graves para resolver no momento…A regra de ouro ao analisar qualquer uma das novas propostas progressistas que pareçam ter validade contra a doutrina da Igreja é a seguinte: é muito possível que tenha tido início ou tenha sido popularizada por Voltaire mas nunca fará vacilar nenhum cristão que tome o seu tempo a reflectir ou a fazer a sua própria pesquisa sobre o assunto.

Um Sistema

Timothy Dwight em 1798 retratava Voltaire como construtor de um sistema para destruir a Cristandade e implementar em seu lugar o ateísmo. Para isso, associou-se a d’Alembert , Diderot e Francisco II da Prússia, todos inteligentes e ateus: 1 – Na Enciclopédia, a teologia cristã é retratada como ridícula e absurda e a mente do leitor é sempre conduzida a duvidar do dever e da convicção. 15

2 – Derrubar a ordem religiosa em vários países. 3 – Estabelecer seitas teosóficas que orientassem os novos valores morais. 4 – Tomar para os membros destas seitas os lugares na Academia Francesa das Ciências, a entidade literária por excelência, tradicionalmente considerada como tendo homens de excelente carácter. Para isso envidaram todos os esforços para incluírem entre os homens de valor intelectual apenas membros destas seitas e indicarem os valores literários à nação. 5 – Elaborar todo o tipo de livros para atacar a Cristandade, sobretudo para fomentar a dúvida, o desprezo e o escárnio. Para isso, escreveram livros agradáveis à leitura, dirigidos a todo o tipo de homens, vendidos gratuitamente ou por valor simbólico. 6 – Constituição de uma academia secreta, com Voltaire presidente, destinada a forjar livros de autores populares já falecidos, com conteúdo manipulado.

IV - O RELATIVISMO

O Elogio à Viagem e o Desprezo pela Verdade

O relativismo é a sua imagem de marca. Voltaire elogia mais o querer conhecer do que o chegar a uma verdade objectiva: “A dúvida não é uma condição reconfortante, mas a certeza é absurda.” Estranha afirmação para quem pretensamente defende a ciência… ”Eu quero uma religião que seja simples, sábia, digna de Deus e feita para nós.” Ou será…por nós? “No meio de todas as dúvidas que se discutiram de 4000 modos diferentes por 4000 anos, o melhor é não fazer nada contra a consciência de cada um. Com este segredo, apreciaremos a vida e não recearemos a morte.”

Este amor pela busca e desprezo pela certeza não obedece ao método científico. Embora seja uma atitude cultivada e muito querida das modernas sociedades secretas, ela toma um de dois pressupostos do relativismo: a verdade não existe ou, se existe, o homem não a pode alcançar. O argumento é completamente contraditório. Em primeiro lugar, afirmar o relativismo é admitir que existe algo que é verdadeiro: o relativismo. Então, nenhum relativismo é absolutamente relativista, ou deixa de ser 16

relativismo. Em segundo lugar, se a verdade não existe ou não se pode alcançar, de que adianta continuar a busca? O que temos aqui é o elogio do mito de Sísifo dos gregos, mas estes modernos pensam ter descoberto alguma coisa. Existe algo de paranóico no mito de Sísifo, kafkiano para as mentes mais sensíveis: o absurdo de Camus.

O Pessimismo

Voltaire não só combateu o optimismo em Cândido, mas era intrinsecamente pessimista, porque como todos os deístas, nunca encontrou uma explicação para o mal. Por outro lado, por influência gnóstica, concebia o mundo e o homem como maus. “Se Deus não existisse tudo seria permitido”, “Se Deus não existisse teria que ser inventado”. O pessimismo, como explicado por Camus, também decorre da noção de que nunca é possível conhecer a verdade, o que torna a vida estéril e aética. Camus não encontra resposta ao absurdo no suicídio, como outros o fizeram, mas na revolta. No entanto escorrega para a conclusão de que todas as condutas são legítimas, o que é, em si, outra forma de dissolução e de pessimismo sobre o valor do homem como ordenador jurídico e moral.

O Elogio da Lascívia “É apenas uma superstição da mente humana ter imaginado que a virgindade possa ser uma virtude”; “Deus criou o sexo, o padre criou o casamento.”

V - A TOLERÂNCIA

Voltaire é sempre apresentado pelos modernos intelectuais como o exemplo máximo da tolerância. Atribui-se-lhe falsamente a afirmação de uma sua biógrafa, Evelyn Beatrice Hall (1868-1919): “eu detesto o que escreves mas daria a minha vida para que fosse possível tu continuares a escrevê-lo”. Ou a afirmação de S. G. Tallentyre, em Os Amigos de Voltaire, “eu não concordo com o que dizes, mas eu defenderei até à morte o teu direito de o dizeres”. “O que é a tolerância? É o espelho do humanismo. A nossa natureza consiste na fragilidade e no erro; perdoemos as nossas loucuras recíprocas – essa é a primeira lei

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da natureza. É claro que aquele que persegue um homem, seu irmão, porque ele não é da mesma opinião, é um monstro.” Isto necessita de um pouco de reflexão, porque uma falsidade nunca é tão falsa como quando é quase verdadeira. A fragilidade e o erro fazem parte da nossa natureza? Sim! Temos que nos perdoar? Sim! Não existem acções que devam ser severamente punidas e para as quais não devamos mostrar qualquer tolerância mas a mais absoluta firmeza? Esta é a diferença…de outro modo caminhamos para a dissolução. Mas será que a tolerância tão elogiada no nosso tempo não tem limites? Então porque são proibidas expressões xenófobas? Porque se encontra proibido o livro Mein Kampf? Porque são removidos conteúdos do Facebook, uma rede global que é um espelho da nossa sociedade mítica? Perante tanta hipocrisia, temos que elogiar Voltaire como um grande construtor de mitos! O papel de Voltaire na História lembra muito o de Bakunin. O modo como sendo deísta, usa o ateísmo para atacar o teísmo, lembra como o movimento anárquico foi útil para derrubar a ordem social. Mas o que é característico das revoluções é a sua extrema intolerância para qualquer tipo de anarquismo ou de novas revoluções. Se há um revolucionário odiado pelas revoluções é o contra-revolucionário. A revolução impõe uma nova ordem e não tem nenhuma tolerância para com aqueles que não adoptam essa ordem ou pensam fora dos cânones permitidos. De certo modo, a revolução odeia o homem vivo. É uma ironia: o resgate do homem torna-se o seu grilhão; o céu na terra torna-se a antecipação do inferno. Mas seria Voltaire um adepto sincero da tolerância ou um propagandista soberbo que, sob a capa da lógica e da razão, desrespeitava o princípio da não contradição? Trinta dos cento e dezoito artigos do seu Dicionário Filosófico são anti-semitas, mais propriamente anti-judaicos: “os nossos patrões e os nossos inimigos, que detestamos e reputamos como o mais abominável povo da terra”. Outros artigos daquele “Dicionário”, tão querido de laicos iluminados, são de natureza racista: “os pretos são escravos de outros homens por natureza”, “os homens de cor, segundo os filósofos gregos, nasceram do acasalamento de mulheres com macacos”. É este o herói dos iluministas! Aliás, Voltaire, como antes o seu admirado Locke, negociaram com a escravatura e financiaram o genocídio dos índios. Tinham da tolerância a mesma visão. Locke afirmava: ”Grande parte da humanidade está destinada a trabalhar, escravizada pela sua condição medíocre”; “o patrão tem o direito de impor ao escravo um domínio absoluto e o poder legislativo da vida e da morte”; “os filhos dos pobres devem ser separados dos seus pais e mandados trabalhar a partir dos três anos de idade”. E a tolerância para com os cristãos? Zero! “Os crentes, aqueles simplórios, que aceitam, entre outras absurdidades, tanto o evangelho de Mateus como o de Lucas”. E a sua recomendação a Thiriot de que é necessário mentir despudoradamente? Ou o seu slogan: “caluniai, caluniai sempre, que algo sempre fica”. Que grande tolerante! Que grande moralista! Joseph Goebbels afirmaria muitas coisas em comum com 18

Voltaire, não apenas sobre cristãos, judeus ou negros, mas sobretudo sobre o espírito: “uma mentira repetidamente afirmada transforma-se em verdade!” Os gritos de “Caçai o infame!” começaram-se a ouvir no genocídio da Vendeia (1794) e no reino do Terror de Robespierre. Mas os regimes ateus e deístas não terminaram por aqui. Os gritos de caçai o infame ouviram-se vezes demais nas gélidas ruas de Moscovo ou Leningrado, ecoaram vezes demais do sapateado da Gestapo na escura noite da Alemanha.

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Capítulo III - Voltaire, O Escarnecedor

Em O Sonho de Platão e Cândido e o Optimismo, Voltaire ataca o conceito optimista de que tudo está certo no melhor mundo possível. Incapaz de dar uma resposta satisfatória ao problema do mal, o optimismo iluminista lida deste modo com o problema de justificar a presença do mal perante uma divindade benevolente. A resposta só pode ser uma: o mal não existe, tudo está no seu devido lugar. O mundo não podia ser melhor atendendo àquilo de que a sua existência depende e, no cômputo geral, é um mundo bom. Ora, este tipo de resposta iluminista ao problema do mal é atacada pela resposta pessimista: se tudo é bom, se tudo está no seu devido lugar, porque há terramotos, porque sofrem as crianças, etc.? Em O Sonho de Platão analisa-se criticamente se de facto a Terra está bem dimensionada para a vida. A análise é indirecta, como sempre em Voltaire. Tudo ocorre durante um sonho de Platão, em que o Demiurgo cria o cosmos. O Demiurgo dos gnósticos oscila entre a fonte do próprio mal e um deus subordinado ao Grande Arquitecto. A ideologia gnóstica supõe que a matéria é má, a criação é má, tudo o que há de material no homem é mau. O homem deve ansiar por se livrar do corpo para libertar a alma. Este Grande Arquitecto, acima do Demiurgo, é que ilumina e conduz o homem ao conhecimento perfeito, de natureza filosófica, por ascese ou iluminação, a gnosis, de forma a que o homem se livre da acção do Demiurgo para sempre. Voltaire, deísta, coloca a criação nas mãos do Demiurgo, que por sua vez subcontrata um demogorgon ou demiurguinho para fazer a Terra. Uma vez feita a Terra, os outros génios ou demogorgons troçam daquele que fez a Terra com o argumento de que a Terra não é perfeita, nem completa, nem completamente bem adequada à vida e se encontra repleta de incongruência, inconsistência, insuficiências e defeitos (desertos, plantas venenosas, doenças, cobras e aranhas, desavenças e toda a espécie de malícia). A resposta do demigorgon que fez a Terra é um tanto surpreendente, uma vez que desacredita o próprio argumento dos que sustêm o pessimismo: “ela é muito boa, sobretudo se compararmos com tudo o resto, aquilo que vocês fizeram. (…) Pensas que é fácil fazer um animal que seja sempre razoável, que seja livre e que jamais abuse da sua liberdade?” Este tropeço de Voltaire é muito típico dos escarnecedores, melhores a criticar do que a construir, cegos à inconsistência em casa própria. Voltaire extrai os argumentos para a sua teodiceia deísta do livre arbítrio e da necessidade, com uma estratégia de expor a sua fraqueza, mas ao fazê-lo mais por uma defesa inconsistente do que por um ataque fundamentado, mina a sua própria credibilidade. Talvez isso apenas expresse a sua hesitação.

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O demogorgon usa a ciência para provar quanto o universo se encontra afinado para a vida, seja por ser criado ou estocástico, ele encontra-se de facto no papel de ser o melhor dos mundos possíveis até onde a ciência nos dá a conhecer. Mas mesmo que este seja o melhor dos mundos que conhecemos, atendendo à imensidão do universo não existe nenhuma razão para supor que o homem seja algo de importante. Esta tinha sido uma ideia de Micromegas (1752). Neste conto, os extra-terrestes de Sirius têm 40 quilómetros de altura e vivem mil e duzentos anos. Um destes, Micromegas, vai até Saturno onde encontra um saturniano com mil e oitocentos metros e ambos se dirigem à Terra. Apercebem-se então de que existem umas minúsculas partículas vivas e inteligentes na superfície do minúsculo planeta. Claro que Voltaire não é tão tolo como muitos dos seus seguidores que se renda à vertigem do tamanho: "Reconheço, mais do que nunca, que nada devemos julgar por sua grandeza aparente. Ó Deus, que destes uma inteligência a substâncias que parecem tão desprezíveis, o infinitamente pequeno vos custa tão pouco como o infinitamente grande; e, se é possível que haja seres ainda mais pequenos do que estes, podem ainda ter um espírito superior ao daqueles soberbos animais que vi no céu e cujo pé bastaria para cobrir o globo a que desci." Mas logo à frente Voltaire trai o seu próprio argumento ao achar ridículo que os homens lutem desde tempos imemoriais por “uma porção de lama do tamanho do vosso calcanhar” (a Palestina). Pode concluir-se que a paixão de Voltaire pela religião, sobretudo pelo clero católico, é tão grande que o faz trair a consistência das suas próprias conclusões: “Aliás, não é a estes que é preciso punir, mas sim a esses bárbaros sedentários que, do fundo de seu gabinete, ordenam, durante a digestão, o massacre de um milhão de homens, e em seguida o agradecem solenemente a Deus.”

G. K. Chesterton também sublinha a fraqueza do argumento da vertigem do tamanho: “Aquele argumento de que o homem parece menor e vulgar face ao universo físico, nunca me menorizou, porque se trata apenas de um argumento sentimental e não racional. Eu posso sentir-me aterrorizado se observar um homem de quinze metros a caminhar pelo meu jardim, mas mesmo no pico do meu terror eu nunca teria qualquer razão para supor que tal homem fosse vitalmente mais importante do que eu, ou mais elevado na escala ontológica, ou mais próximo de Deus, ou mais próximo do que quer que seja a verdade. O sentimento de um cosmos imenso e todo-poderoso é um sentimento agarotado e histérico, embora muito natural e humano. Mas se queremos realmente discutir se o homem é, de facto, o centro moral deste mundo, ele não se encontra menorizado pelo facto de não ser a maior estrela ou por não ser o maior mamífero. A menos que se tenha como a priori que a Providência tem que colocar a maior alma no maior corpo, tornando o centro físico sinónimo do centro 21

moral, "a vertigem do infinito" não tem mais valor espiritual do que a vertigem de uma escada ou a vertigem de um balão."

Ao conferenciar com os minúsculos terráqueos, os extra-terrestres surpreendem-se perante a sua incapacidade de definir a alma e, mais uma vez, Voltaire contradiz o argumento deísta: “(…) perguntou-lhe o que era a sua alma, e o que fazia. - Absolutamente nada - respondeu o filósofo - é Deus que faz tudo por mim; vejo tudo em Deus, faço tudo em Deus: é Ele quem faz tudo, sem que eu me preocupe. - É o mesmo que se não existisses - tornou o sábio de Sírio.”

Ora o objectivo de Voltaire não é a vertigem do tamanho mas a afirmação da existência de vida extraterrestre. O ataque à afirmação tomista de que tudo foi feito para ficar à disposição do homem. Perante tal argumento os extra-terrestres desmancham-se a rir e acusam criaturas tão pequenas de serem muito arrogantes. Aparentemente tal afirmação cai por terra se houver vida extra-terrestre.

Ou não…

A ciência, ao sublinhar as tremendas exigências para a existência da vida no universo, reafirma o quanto a Terra está adequada à vida, i.e., a sua singularidade. A ciência jamais provou até hoje a existência de vida extra-terrestre. Nem sequer afirmou que é provável, pois não tem dados para cálculo de probabilidade. O que a ciência afirma é que é possível. Voltaire falha no seu escárnio pela superficialidade da argumentação. Se a nossa existência é uma causalidade contingente, então é miraculosa, porque até agora, tanto quanto conhecemos, é única; se a nossa existência depende de uma inevitabilidade evolucionista, então é criação. Isto significa que a questão do significado e do nosso lugar no universo não é uma questão científica, o que apenas pode preocupar os devotos do cientismo. Voltaire, em Micromegas, reflecte a mente de Locke; o seu Deus resultante do pensamento puramente humano: “Eu não sei como penso, excepto que nunca penso sem que seja por sugestão dos meus sentidos. Não duvido que haja substâncias imateriais e inteligentes, mas duvido seriamente que Deus possa fornecer a capacidade de pensar à pura matéria. Eu não afirmo nada, limito-me a afirmar que tudo é mais possível do que as pessoas supõem.” Voltaire aplaude mais a viagem do

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que o destino, mais a busca em si do que a verdade. Este pensamento é tipicamente gnóstico e relativista: “Prometeu-lhes que redigiria um belo livro de filosofia, escrito bem miudinho, para seu uso, e que, nesse livro, veriam eles o fim de todas as coisas. Com efeito, entregoulhes esse volume, que foi levado para a Academia de Ciências de Paris. Mas, quando o secretário o abriu, viu apenas um livro em branco.” Esta controvérsia relativista persegui-lo-ia até à morte. Defensor da tolerância atacava os cristãos e os escritos bíblicos. Mozart diria da sua morte: “Esse grande canalha finalmente chutou o balde (os suicidas pela forca tinham que chutar o balde para ficarem suspensos pela corda).”

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Capítulo IV – Chesterton Perversas da História

e

As

Amizades

O grande ensaio de G. K. Chesterton sobre Voltaire e Frederico II, lança luz sobre outra das dimensões de algumas personalidades marcantes da História, sobretudo quando o que preside à sua relação é a real politik, mais do que o afecto ou a verdade dos factos. Uma atitude que Chesterton compara à relação entre Herodes e Pilatos, que se tornaram de odiados a amigos na sequência da condenação de um inocente apenas por motivos políticos: “É melhor que morra um só homem!” Para Chesterton, o encontro do Sr. Arouet, mais conhecido como Voltaire, com Frederico II, marca o início do moderno cepticismo da mesma forma que o “encontro” entre Herodes e Pilatos marca o início do cristianismo. Uma começou com uma estranha amizade que acabou em desavença; a outra com uma desavença que acabou numa estranha amizade. Chesterton chamou a isto as amizades perversas da História: “Às vezes parece-me que a História se encontra dominada por estas amizades perversas.” Chesterton descreve esta monstruosa combinação, como o ciclope Polyphemus, depois de Ulisses o ter cegado na caverna (Virgílio, Eneida): monstrum, horrendum, informe, ingens, cui lumen ademptum (um monstro horrível, disforme, imenso, desprovido da luz e de visão). Como uma amizade destas se funda na conveniência e não no amor, o que dela resulta não é nada de bom, não é uma coisa una, mas dois males conflituantes; uma dialética. Com Voltaire, os latinos aprenderam o cepticismo raivoso; com Frederico, os alemães aprenderam o orgulho furioso. O facto de ambos serem cosmopolitas e não patriotas (Voltaire ridicularizou a padroeira de França e Frederico falava francês em vez de alemão na sua corte – aliás, desdenhava da literatura alemã), fez com que não apenas não amassem o respectivo país, mas com que desdenhassem do homem e do cosmos. Apesar de Voltaire infantilizar os pobres (como Locke), sem os respeitar, falando da crueldade para com os pobres como se fala da crueldade para com os animais, Chesterton acreditava que Voltaire era melhor pessoa do que Frederico: “Nenhum deles jamais amou muito alguma coisa. Voltaire era o mais humano dos dois; mas Frederico por vezes também falava do humanismo cínico que era a marca da sua época hipócrita. Voltaire, mesmo no âmago do seu brilhantismo, iniciou a atitude moderna que arruinou o humanismo que sinceramente defendia. Iniciou o hábito horrível de tentar ajudar os seres humanos por lhes chamar idiotas e não por os respeitar (ajudar por comiseração não por amor). Para ele, a opressão dos pobres era 24

uma espécie de crueldade para com os animais, perdendo todo aquele sentido místico de que ferir a imagem de Deus é insultar o embaixador de um rei. E, no entanto, acredito que Voltaire tinha coração, enquanto que Frederico era mais implacável quando era mais humano.” Chesterton sublinha o ateísmo ou deísmo de ambos os personagens e acusa-os de trair os ideais democráticos promovendo a tirania (Frederico) e o secretismo (Voltaire e Frederico): “Estes dois cépticos concordavam em que não existia Deus nenhum, ou a existir um Deus, ele preocupar-se-ia tanto com os seres humanos como com os ácaros do queijo. Nesta base concordaram, nesta base discordaram: «Provarei que o escárnio de um céptico pode construir uma república de uma revolução que por toda a parte derrubará o trono e o altar». E Frederico respondeu: «E eu mostrarei que um cepticismo desdenhoso pode ser usado para resistir à Reforma, para ser o suporte da pior das tiranias, para o mais brutal despotismo de um senhor sobre os seus escravos». Despediram-se e, desde então, encontram-se separados por dois séculos de guerra.” “A promessa de Voltaire de produzir uma revolta que levantasse as multidões para derrubar os tronos não foi a evolução final do cepticismo. O efeito final naquilo a que chamamos democracia foi o desaparecimento das multidões. Podemos dizer que havia multidões no início da Revolução e nenhuma no seu final. Que a influência de Voltaire não se quedou pela regra das multidões, mas pela regra das sociedades secretas. Falsificou os políticos em todo o mundo latino, de que a recente contrarevolução italiana (Mussolini) é um exemplo. Voltaire produziu um tipo de político profissional, pomposo e hipócrita, o qual ele seria o primeiro a satirizar.” “Frederico que não adorava nada tornou-se um Deus para ser cegamente adorado; ele que não gostava particularmente da Alemanha tornou-se o grito de guerra daqueles que vêem a Alemanha acima de tudo (o hino alemão é Deutschland über alles). A raiz de ambas as perversidades emana do mesmo tipo de irresponsabilidade ateia: nada impediu o céptico de transformar a democracia em secretismo; nada o impediu de interpretar a liberdade como uma licença para a tirania.” Chesterton termina dizendo que no seio do protestantismo sempre se duvidou de Voltaire, mas que Frederico foi muitas vezes visto, pelo menos em Inglaterra, como um herói protestante: “Podemos ser ensinados pelo general Göring, pelo menos até aprendermos que nada é mais anárquico do que a disciplina separada da autoridade, i.e., do direito.” Para Chesterton, desta dialética quase resultou a morte da fé, mas o vaticínio de Voltaire não se confirmou: não só a fé sobreviveu à sua morte, como o seu ateísmo não prevaleceu até ao fim. Face ao nacional-socialismo emergente na Alemanha (este ensaio As I Was Saying foi escrito no ano da morte de Chesterton, 1936), Chesterton responsabiliza mais Frederico do que Voltaire como o maior anarca dos dois (na verdade, a muralha de Berlin foi mandada construir não para defender a cidade, mas para evitar a deserção dos cidadãos em idade militar, transformando Berlim numa prisão). 25

Para quem crê que Chesterton julga Frederico com dureza, nada melhor do que ler o poema do próprio Voltaire, A Lei Natural, dedicado a Frederico, o Grande, após a sua prisão em Frankfurt: "De contradições, uma pilha monstruosa, Chamando aos homens irmãos, esmagando-os sem piedade; Com ar humano, um bruto misantrópico; Quase sempre impulsivo, por vezes muito deslambido; Fraco na sua cólera, modesto no seu orgulho; Ansiando pela virtude, é a luxúria personificada; Estadista e escritor, de um povo esquivo; O meu mecenas, aluno, e também perseguidor." Estes dois homens eram homens de alta cultura e percepção era coisa que não lhes faltava. O que lhes faltou foi ouvir e aceitar o testemunho de uma fé sobrenatural que não permeabiliza o orgulho. A sua cultura resultou em orgulho e desprezo, tentando destruir aquela civilização no seio da qual eles próprios se formaram. Chesterton combateu toda a sua vida precisamente contra esta insensibilidade para com os outros que resulta da falta de humildade. Este “deserto de ingratidão” nunca dá bom fruto, porque nunca conduz os seus próprios possuidores a qualquer tipo de felicidade, porque nunca os predispõe à partilha e porque do seu hedonismo e desprezo só resulta sofrimento.

Nota: Texto baseado no livro de Chesterton As I Was Saying de 1936, capítulo IX.

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Capítulo V - Voltaire e o Meu Pai

Dos passeios pela mão do meu pai, nas tardes de sábado de mãe ausente, guardo o cheiro a mar e a flor, o vôo de gaivotas, o marejar de cacilheiros e a luz do Império. E os conselhos do meu melhor amigo: “António, a inteligência é coisa boa, mas pode perder um homem.” Voltaire torna-me órfão de pai, do meu pai que me ama e que comigo sofre e propõe-me o ateísmo ou o deísmo. Num caso sou vertido num caixote do Pigalle, perdido entre os outros seres e substâncias, no outro sou produto de um albergue espanhol. Enquanto a minoria de ateus me obriga a perseguir a autenticidade da minha fé, esmerilando-a, a seita iluminada dos deístas, no esforço de argumentos científicos ou filosóficos, oferece-me um deus-mito, mera construção da imaginação humana, absolutamente indiferente a mim, insensível à minha sorte. Não quero semelhante deus. O deus do Gott mit uns ou do In God we trust. Um deuslogos dos filósofos, chorando sobre a sorte dos homens sem nela poder intervir. Para um deus assim, antes ser ateu. Que me interessa conhecer um pai desconhecido que me abandonou à minha sorte, insensível ao meu sofrimento? Que redenção, que conforto esperar de um ser assim, com coração de pedra? A um ser assim indiferente, também eu lhe sou indiferente. Se existe um pai que sempre me ajuda e comigo sofre, então vale a pena procurar esse pai. Não por curiosidade ou necessidade, mas por amor e gratidão. Eu quero procurar um Deus que seja comigo ateu. Pelo menos relativamente a todos os deísmos e a todos os mitos ou demonstrações. Um Deus separado de mim e que garanta a minha liberdade, mesmo à custa do meu sofrimento. Eu quero procurar esse Deus laico, liberto de todas as magias da Antiguidade. Eu quero procurar esse Deus humano, que caminha para o futuro e não a serpente que morde a própria cauda num eterno retorno. Eu só entendo o mal conhecendo o Deus que sofre. Se Deus não sofrer, ele é um sádico e não se espera nele liberdade nenhuma.

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O Erro de Voltaire

Voltaire é apenas humano, demasiado humano, como diria Nietzsche, nos seus erros e contradições. Ele vê a religião cristã como um mito construído à medida do homem. Mas, como acreditar no deus de Voltaire, quando o homem constrói um mito muito melhor e mais generoso do que ele? Como é que o ser idiota constrói um mito muito mais perfeito do que o Ser Supremo? Esta é uma contradição insanável do deísmo. Mas Voltaire incorre num outro erro de julgamento: ele julga o cristianismo com olhos demasiado cristãos. Na verdade, o cristianismo iniciou-se no seio do judaísmo. Cristo era judeu, tal como os apóstolos e os primeiros fiéis. Só após Paulo é que o evangelho é pregado de forma sistemática aos gentios. Para avaliarmos o cristianismo nascente, a sua essência, temos que o observar com olhos judaicos. A esta luz, o cristianismo não é um mito, é uma heresia.

Heresia e Blasfémia

Adorar um homem como Deus, o inefável, Aquele cujo nome impronunciável só possui consoantes, era para um judeu a suprema abominação. A maioria dos messias que ocorreram no seio judaico era não só mais importante do que Cristo, mas jamais pensou em se equiparar ao próprio Javé. Além de que com nenhum deles a História se partiu ao meio, em antes e depois; mesmo no meio judaico: após o ano 70 foram abolidos o sacrifício e o sacerdócio para sempre e Israel deixou de acreditar num messias humano e passou a acreditar num messias-povo; Israel só voltaria à Palestina em 14 de Maio de 1948. A sobrevivência do obscuro messias ressoa as palavras de Gamaliel, membro do Sinédrio sobre os discípulos de um messias supostamente ressuscitado: “Deixai esses homens e ponde-os em liberdade: porque se este desígnio ou esta obra vem dos homens, há-de dissolver-se; mas se vem de Deus, não podereis dissolvê-la.” No entanto, em quarenta séculos de vida religiosa de Israel, Jesus é o único hebreu a quem os hebreus um dia adoraram. Mas a blasfémia não ficava por aqui. Um israelita que dissesse “bebei o meu sangue” quebrava um dos tabus mais importantes do judaísmo: o da abstenção do sangue!

Um Mito da Pior Qualidade

E como é que os discípulos continuaram a acreditar num messias cuja esperada vinda não se concretizou? Como compreender que o cristianismo seja o produto de um bando de iletrados que escreveram em mau grego para propagandear uma fé blasfema? E o que dizer de uma genealogia de um messias que incluía quatro mulheres? Para os hebreus a mulher não contava nas genealogias. Tamar prostituiuse com o sogro; Raab era prostituta; Ruth era pagã e ofereceu-se a Booz; Betsabé era 28

a adúltera mulher de Urias. Ninguém inventaria uma genealogia assim. Para já não falar na total ausência de descrição física ou aptidão escolar do ungido. Na verdade nem se sabe se sabia escrever, apenas que sabia ler. Tudo o que escreveu foram uns garatujos no chão. Ora, na mentalidade judaica, só a cultura confere autoridade. Um messias que não pertence à tribo de Levi, a estirpe sacerdotal, e cujo nome é dos mais comuns em Israel. Em todas as mitologias o herói tem não só um nome único mas também solene.

Uma mensagem insuportável

E quanto à qualidade dos seguidores? Uns tipos de carácter tão fraco que nem conseguiram vigiar com ele uma hora, que fugiram perante o perigo, acovardados, que o deixaram morrer no abandono e na solidão completa. Repreendidos severamente por diversas vezes por não terem entendido o significado da mensagem, apresentamse sem fé, embora exijam dos outros a fé. É impossível pior carta de recomendação. Como é que se pode confiar em gente assim? Como é que inventaram uma história tão bizarra destinada ao fracasso? A primeira aparição de Cristo foi perante o pior tipo de testemunha: as mulheres.1 Ninguém em Israel lhes dava crédito. E o que dizer das afirmações de que não é fundamental sepultar os mortos ou abandonar a família, dois preceitos interditos na lei judaica? Aliás, este messias dá notícias pelos 12 anos porque fugiu da família e deixou-a preocupadíssima durante dois dias, deixando uma pobre imagem da obediência filial e da capacidade de tutela dos seus pais. E quanto à afirmação de que o Reino dos Céus é das crianças, que não eram consideradas pessoas na Antiguidade?2 Falta mencionar a “invenção” da cruz. Uma invenção tão “popular” entre estes mitólogos que eles se recusavam a representá-la visivelmente, tal era o opróbrio a ela associado, não só entre os romanos mas também entre os judeus: “O suspenso num poste é objecto da maldição de Deus”, Dt 21. Não será mais inteligente afirmar que os pobres discípulos, homens comuns, foram fiéis depositários e nomeados propagandistas de uma mensagem impossível? Uma mensagem se não indesejada pelo menos indesejável? Que as consequências que muitos sofreram, não apenas em Israel, como Estêvão, mas em todo o Império Romano, seriam facilmente previsíveis? Como se deixa sacrificar alguém até à morte por uma mensagem que sabe ser falsa, que não lhe traz nenhum proveito material e que lança a si e à sua família na maior ignomínia? Acreditar nesta bizarria como o fazem os ateus e deístas requere realmente muita fé! Dir-se-ia que requere pessoas não diria crentes, mas muito crédulas.

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O Testemunho da História

Mas Voltaire até admitia que semelhante mestre não existiu. Como explicar então esta labareda da História sem o fósforo que a acendeu? Não é este um desrespeito do princípio da causalidade, um sistema solar com ausência do sol? Outra versão é que os livros foram adulterados ou inventados ab initio, muitos anos após os supostos acontecimentos. Mas os primeiros livros foram escritos com milhares de testemunhas oculares ainda vivas. O evangelho da Marcos é anterior ao ano 70, i.e., anterior à destruição de Jerusalém, e nele é descrito como o processo de divinização de Cristo está completo. A Primeira Carta de Paulo aos Coríntios anterior ao ano 57 (em que Paulo refere precisamente que Cristo apareceu a mais de 500 irmãos, a maioria dos quais se encontra ainda viva), tal como a carta aos Gálatas. Pelo ano 40, 17 anos antes de ter sido escrita a carta aos Gálatas, ocorreu o primeiro encontro com os chefes da Igreja de Jerusalém. A Primeira Carta de Paulo aos Tessalonicences antes do ano 52 (e nela a reprodução do slogan oral do cristão, o kérygma, encontra-se intacto: “Cristo morreu, foi sepultado e ressuscitou”). O papiro de Rylands prova cientificamente que o evangelho de João é anterior ao ano 125. A construção de um mito, por mais absurdo que pareça, requere muito tempo e não sobrevive à presença de testemunhas oculares entre os prosélitos, que o desmentiriam de pronto. No ano 79 já existia uma casa com símbolos cristãos que foi encontrada em 1939 por baixo das cinzas do Vesúvio. Em 1968 foi descoberta em Cafarnaum a casa de Pedro que existia como “igreja” cristã desde o ano 100. Os documentos judaicos sobre Jesus não desmentem a historicidade dos evangelhos; apenas os usam como fonte de troça e de desdém. O trecho de Flávio Josefo, citado por Agápio de Hierápolis, segundo a versão presente na Universidade Hebraica de Jerusalém: “Naquela época vivia um sábio chamado Jesus. A sua conduta era boa e era estimado pela sua virtude. Numerosos foram aqueles que, entre judeus e outras nações, se tornaram seus discípulos. Pilatos condenou-o a ser crucificado e a morrer. Mas aqueles que se tinham tornado seus discípulos não deixaram de seguir o seu ensinamento. Eles contaram que lhes aparecera três dias depois da sua crucifixão e que estava vivo. Talvez ele fosse o Messias de quem os profetas contaram tantas maravilhas.”

De facto, não só nenhum outro líder religioso se igualou a Deus, como nenhum outro foi pré-anunciado nas escrituras com dois mil anos de antecedência. Estes dois factos deveriam bastar para que os ignorantes entendessem que as religiões não são todas iguais.

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As Variações nos Testemunhos como sinais de autenticidade

Voltaire, como muitos críticos depois dele, pensam ter descoberto as inúmeras variações nas descrições entre evangelhos: sermão da montanha na planície, 42 antepassados de Cristo para Mateus e 56 para Lucas, etc.. Este modo de raciocinar de Voltaire revela a mente burguesa. Pensa ter descoberto alguma coisa. No ano 150 foi escrito na Síria o Evangelho de Pedro, uma tentativa de conciliação entre os 4 evangelhos, que a Igreja considerou apócrifo. No ano 170, Taciano tentou nova síntese harmoniosa: o Diatéssaron. Marcião pretendeu o mesmo e a Igreja rejeitou este ponto de vista lógico e declarou os marcionitas hereges. Portanto, a contestação à doutrina da Igreja começou muito cedo, o que invalida a hipótese mítica. As discrepâncias entre os Evangelhos já eram conhecidas de todos no século II. É engraçado senhor Voltaire, como é que uma comunidade que tudo teria inventado se recusa a adoptar o último passo da invenção, precisamente aquele que eliminando as contradições tornaria o relato mais credível? A resposta parece óbvia: porque a Igreja se recusava a tocar em textos que considerava provas testemunhais. Como qualquer relato efectuado por diversas testemunhas, existem sempre pequenas variações à matéria fundamental. Não é por isso que não se levam em conta. Voltaire revelou desconhecer a heresia marcionita, Taciano ou o evangelho apócrifo de Pedro. O seu orgulho levou-o a pensar ter sido o primeiro a descobrir discordâncias nos evangelhos! Não entendeu que a Igreja considerou a prova testemunhal intocável. A Igreja preferiu sempre o apontar para o firme, o mistério pascal, em vez de se preocupar com as famosas discordâncias que tanto divertiam Voltaire e todos os seus enfatuados sucessores, geralmente bem menos brilhantes do que ele. Paulo usa sempre expressões como “testemunhas segundo a carne” e “o meu evangelho obteve a aprovação daqueles que foram testemunhas”. Por vezes nota-se que o escritor do evangelho escreve uma mensagem cujo conteúdo não entende completamente, mas recusa-se a adulterá-la. Curiosamente, Voltaire e outros críticos, não criticam os cristãos por serem fiéis seguidores de Cristo; pelo contrário, criticam-nos por o não serem bastante. Assim elevam eles próprios a qualidade da mensagem!

O Verdadeiro Revolucionário

De tudo o que foi dito, não foi Voltaire quem teve um comportamento desviante. Voltaire encarnou a sua época. Foi preso sempre por motivos pessoais, porque tinha uma língua viperina. Cristo foi um enfant terrible, com comportamento desviante. O verdadeiro revolucionário. Atribuiu um valor relativo a muitos preceitos, afirmou que todo o poder terreno está na dependência do demónio, conviveu com prostitutas e valorizou as mulheres e crianças, que não tinham qualquer valor no mundo clássico. Comia, bebia e oferecia a ébrios um bom vinho. Dava-se com mulheres com quem ficava à conversa e comia proximamente com pecadores. Curou uma mulher com a 31

doença mais desprezível: menorragias ou menometrorragias! Tocava em aleijados, leprosos e cegos e recusava o anúncio a uma seita: “Porventura traz-se a lâmpada para se pôr debaixo do alqueire ou debaixo da cama? Não é antes para se colocar sobre o velador?” Foi Cristo quem duvidou, quem chorou, quem rezou, quem vacilou. Foi, como dizia Chesterton, um Deus que por um momento se pode considerar ateu. Foi humano, demasiado humano! Cristo, o verdadeiro revolucionário; Cristo, o Deus alienado. Cristo, o que introduziu um outro valor desconhecido do mundo antigo, “aquele que se exalta será humilhado e aquele que se humilha será exaltado”: a humildade. Ainda hoje a não compreendemos. Humilis tem um significado pejorativo, algo ignóbil; mas Cristo contrapõe ao odioso realismo ou real politique, saída de Maquiavel e ecoada nos salões da Prússia, o regresso ao exemplo dos simples e das crianças. A sabedoria faz-nos voltar à infância, à pobreza da renúncia e do serviço aos outros, não à pobreza da preguiça e do “quero lá saber”.

A Voz de Outro Mundo

Francesco Carnelutti, jurista ateu e grande criminalista italiano, folheou casualmente um evangelho que encontrou por acaso, numa viagem de comboio. Os seus olhos detiveram-se com uma estranha frase do capítulo 25 de Mateus: “Estava no cárcere e foste visitar-me.” “Revi os assassinos, os estupradores, os parricidas, os larápios, toda aquela humanidade desconcertante, reduzida tantas vezes à condição de animais. E este Deus dos cristãos identificava-se com cada um deles, sem exclusões nem excepções. Não se quedava na nobreza do preso político ou do inocente vítima de abuso de poder. Não: “estive no cárcere”; ele é o condenado tout court, o delinquente comum. De súbito percebi que nenhuma fantasia religiosa poderia ter inventado um Deus assim. Somente o criador desta humanidade obscura e desesperada ousaria identificar-se com ela.” Como poderia uma comunidade religiosa identificar o seu Deus com um delinquente de qualquer espécie? E logo constituída por um grupo de pobres judeus timoratos, adoradores do intangível JHWH, o Santo dos Santos, o inatingível. Aquele cujo nome tremendo não poderia ser pronunciado com medo de o profanar. É a incredibilidade das palavras do evangelho que demonstra o seu crédito. Dizia o grande pensador marxista admirador de Chesterton, Ernst Blöch, que somente um bom cristão pode ser um ateu autêntico, i.e., somente um cristão afirma que não há melhor imagem de Deus no mundo do que a de um homem. A paternidade comum de Deus, firmada por Cristo e pelos apóstolos, é a recusa de todos os racismos e de toda a escravatura ou genocídio.

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Dizia Jean Guitton: “Ouvi uma vez Claudel afirmar, após ler a “Vida de Jesus” de Rénan, que se Rénan tem razão Deus não existe.” Como poderemos nós homens ter inventado um mito melhor que o próprio Deus e como pôde Deus deixar-nos no erro por vinte séculos? Como pode este mito estar associado às maiores obras de arte e ao maior desenvolvimento civilizacional à face da Terra. Como pode um mito importarse comigo e o Deus real ser indiferente à miséria da minha existência? Pois bem, se Cristo é um mito, então também eu sou ateu. Se eu sou indiferente para esse Deus dos deístas, então esse Deus também me é indiferente. Sem Cristo, não acredito em nenhum Deus!

Conclusão

“Os historiadores do ano três mil, que vierem à posse de uma biografia de Napoleão, salva por acaso da catástrofe atómica, se seguirem o mesmo método usado com Jesus, demonstrarão que a epopeia napoleónica não é mais do que um mito. Uma lenda, na qual os homens do longínquo século XIX encarnam a ideia pré-existente do “Grande Chefe”. As expedições no deserto e entre as neves, o nascimento e a morte numa ilha, o próprio nome, a traição, a queda, a ressurreição, a recaída definitiva sob os golpes da inveja e da reacção, o exílio no meio do oceano. «De tudo isto parece evidente que Napoleão nunca existiu. Trata-se do mito do eterno Imperador, talvez seja a ideia da própria França, a que algum obscuro grupo de fanáticos da fé patriótica deu nome, existência, empresas fictícias no início do século XIX» - dirão esses peritos, i.e., os sucessores daqueles estudiosos que aplicam este método ao problema de Jesus de Nazaré.”

E volto ao meu pai. O seu estado lembra-me o poema “Cavalinho” da adorável Matilde Rosa Araújo que hoje ninguém cita, porque os nossos corações foram tocados pelo olhar da medusa: Paizinho, paizinho/ Passou tempo sem medida/ Tu ficaste velhinho/ E eu tornei-me tão crescido”. O meu pai não é uma figura particularmente bonita, nem excepcionalmente inteligente, nem rico ou influente. Tem contudo, uma característica que o diferencia de todas as outras pessoas: é o meu pai! E neste passar do tempo que não volta foi na face dele que eu sempre encontrei a face de meu Pai, o Deus escondido, o Deus absconditus. Um dia sonho caminhar ao lado do meu pai nos bosques do Paraíso, onde entre regatos e castanheiros, encontrarei as lontras e as raposas da sua Beira Alta natal. Nesse dia sonho contemplar a face amiga e o olhar terno do meu Deus sofredor.

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Notas: Este texto é, em grande medida, uma sinopse do fantástico livro “Hipóteses sobre Jesus” de Vittorio Messori, cuja leitura não dispensa de modo nenhum.

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Levítico: O resgate de uma mulher vale exactamente o contrário do de um varão. Eclesiástico 42: “É melhor a maldade do homem do que a bondade da mulher.” Mas o valor da mulher fora de Israel era muito pior: O culto de Mitra do século IV, excluía completamente as mulheres. O único culto que poderiam seguir era o de Ísis ou a prostituição sagrada. Sócrates ignora as mulheres. Para Platão não há lugar para elas na boa organização social (nem sequer a nível sexual, considerando para este propósito muito melhores os jovenzinhos). Para o estóico Epícteto estão ao nível do paladar. Para Eurípedes, é o pior dos males. Para Aulo Gélio é um mal necessário. Para Aristóteles, é por natureza defeituosa e incompleta (interrogo-me sobre que órgão do homem lhe faltará…). Para Pitágoras, influenciado por todas as modas orientais, foi criada pelo princípio do mal que criou também o caos e as trevas. Para Cícero se não houvesse mulheres os homens falariam com os deuses. “Ficou em casa a fiar lã” era o máximo elogio dos epitáfios colocados nas tumbas das mulheres romanas. Para Giordano Bruno a mulher é vazia de todo o mérito, onde só se encontra soberba, ira, luxúria, falsidade, nojo, mau cheiro, cadáver em putrefacção, mercado de porcarias. Para Kant, a inteligência é característica do homem enquanto que sensibilidade e emoções são atributos da mulher. Para Nietzsche varia do “não te esqueças do chicote quando vais falar com mulheres” a um mais soft “a mulher foi o segundo erro de Deus.” Mas o livro do Génesis afirma a igual dignidade: “E criou-os homem e mulher”. Com Cristo: “No Céu viverão como anjos de Deus”. A parábola das virgens prudentes afirma que a mulher para realizar a sua missão humana não necessita tornar-se esposa e mãe. O Messias é “feito de mulher”, como afirma Paulo, que a eleva à qualidade de Mãe de Deus. “Todas as gerações me chamarão a bem-aventurada.”

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Em Roma e em Atenas, até ao reconhecimento da paternidade, o filho não tinha qualquer direito à vida; o seu destino estva completamente nas mãos do pai. Platão afirma ser necessário deixar morrer os filhos das famílias muito pobres. Para Aristóteles, a criação dos pequeninos deficientes deve ser proibida por lei. Os Essénios excluíam completamente as crianças. Para Cristo, elas são um modelo epistemológico e uma prova do verdadeiro amor.

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