Voto e cultura política no sertão cearense: como os eleitores analisam a política

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8º ENCONTRO DA ABCP

ÁREA TEMÁTICA 02 - CULTURA POLÍTICA E DEMOCRACIA

VOTO E CULTURA POLÍTICA NO SERTÃO CEARENSE: COMO OS ELEITORES ANALISAM A POLÍTICA

José Raulino Chaves Pessoa Jr. – Universidade Regional do Cariri (URCA) Monalisa Lopes Soares – Universidade Federal do Ceará (UFC)

GRAMADO - RS 01 a 04/08/2012

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VOTO E CULTURA POLÍTICA NO SERTÃO CEARENSE: COMO OS ELEITORES ANALISAM A POLÍTICA José Raulino C. Pessoa Jr.1 Monalisa Soares Lopes2

1-) Introdução: Pesquisas consideravam o Nordeste brasileiro uma região resistente à mudança social e política, onde elites tradicionais mostravam-se contrárias à adoção do capitalismo moderno e eleitores mantinham no poder oligarquias centenárias. No entanto, após a redemocratização, essa dominação “tradicional” passou por uma corrosão, surgindo novos atores e uma situação política de maior disputa eleitoral. Se antes a literatura fazia uso do conceito “curral eleitoral” para referir-se ao fato de que os eleitores seriam conduzidos como “animais” às urnas para votar no candidato indicado pelo chefe político, como ocorre essa relação atualmente? Esta concepção de um padrão tradicional das elites políticas cearense foi reforçada nas eleições de 1982, pois, ao indicar o candidato ao governo, os três chefes políticos à época no Ceará (Adauto Bezerra, César Cals e Virgílio Távora) fizeram um acordo, formalmente registrado, de dividir os quadros da administração pública em três partes iguais. Assim, esse pacto político acabou por reforçar a imagem-marca do Ceará como uma região sob a égide de coronéis maquiavélicos, contrastada com o contexto nacional de redemocratização e de luta por maior participação política. Dessa forma, predominou a ideia de que o Ceará seria, entre todos os estados do Nordeste, o mais “encarniçadamente oligárquico”. Assim,

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Professor da Universidade Regional do Cariri e pesquisador do Núcleo de Estudos Regionais (NERE-URCA) e do Grupo de Pesquisa sobre Política, Eleições e Mídia (LEPEM-UFC). 2 Estudante de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará e integrante do Grupo de Pesquisa sobre Política, Eleições e Mídia (LEPEMUFC).

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produziu-se sobre a criminalização das elites nordestinas que se mantinham hegemônicas através da permanência do quadro de miséria da população3. Esse artigo é parte de uma pesquisa em andamento em que analisamos o comportamento político dos eleitores de cidades de médio e pequeno porte4 no estado do Ceará. O objetivo

é complexificar as análises sobre

comportamento eleitoral e investigar como os cidadãos dessas comunidades se relacionam com a política institucional, como compreendem e analisam fenômenos como a corrupção e a “compra” de votos. Qual o grau de confiança desses indivíduos com relação às instituições políticas e aos políticos. Assim, analisaremos nesse artigo o cenário político do município de Catarina, localizado no sertão do Ceará, e a especificidade das eleições de 2012 na história política local. Posteriormente, investigaremos as postagens de usuários que comentaram sobre a nova configuração política local nas redes sociais. A opção metodológica de analisar as redes sociais, especificamente o facebook, se deu pelo fato de comentários e discussões já estarem ocorrendo na internet em dois grupos do facebook, “Filhos da Terra” e “Eleições 2012”, sobretudo após o evento dramático de um rompimento político. Além disso, como o pesquisador pertence a comunidade analisada e o município possui poucos habitantes isso dificultaria a realização de um grupo focal, já que os indivíduos poderiam se sentir coagidos ao expressarem suas opiniões. No entanto, os dados colhidos pela análise das postagens no facebook apontam dados reveladores de aspectos importantes do comportamento dos eleitores. Cabe destacar que esse artigo não traz elementos conclusivos, mas que é um exercício para pensar sobre essa nova configuração política pósredemocratização em municípios de pequeno e médio porte, sobretudo na análise de como os eleitores compreendem a política local. 3

Ver produção sobre o conceito de “indústria da seca”, sobretudo a obra de Antônio Callado (1960). 4 Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são considerados municípios de pequeno porte aqueles com menos de 20 mil habitantes, de médio porte aqueles de 20 mil até 100 mil e de grande porte aqueles com mais de 100 mil habitantes.

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2-) Catarina na dinâmica política regional: Catarina é um município de pequeno porte, segundo o censo do IBGE de 2010 possui 18.745 habitantes. De acordo com o Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TER-CE) apresenta em 2012 o total de 8.876 eleitores aptos a votar. Está localizado na região dos Inhamuns, que possui o município de Tauá como sede regional. Segue mapa abaixo: FIGURA 1 – Mapa da região dos Inhamuns

Fonte: Acesso em: 07/06/2012.

Na década de 1950, período da emancipação política de Catarina, tivemos a existência de três famílias que assumiram posições de liderança política: Cavalcantes, Paes de Andrade e Rodrigues, esta última família dividida em dois grupos: Rodrigues Pereira e Rodrigues Martins. A formação dessas lideranças ocorria em virtude da posição estrutural que os elementos dessas famílias possuíam na hierarquia social local. Assim, tínhamos categorias como: comerciante (Cavalcantes), proprietários rurais (Rodrigues Martins e Paes de Andrade) e funcionários do Estado (Rodrigues Pereira). Na primeira eleição tivemos uma disputa municipal centrada em torno de duas famílias: Cavalcantes e os Rodrigues coligados com os Paes de Andrade. João Vieira Cavalcante, do Partido Social Progressista (PSP), foi eleito nessa eleição de 1958. No entanto, não contava com o apoio do governador Parsifal Barroso do Partido Social Democrático (PSD). Assim, o grupo dos Rodrigues

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passaram a desfrutar da influência política no governo do estado. Nesse período, estava ocorrendo uma seca e o governador, por ser opositor ao prefeito de Catarina, cortou as verbas do município destinadas aos bolsões da seca. Somado a isso, uma intriga envolvendo o então prefeito João Vieira Cavalcante e o coletor fiscal e líder dos Rodrigues, Francisco Rodrigues Pereira, resultou no assassinato do último. Com isso, os Cavalcantes retiram-se da disputa política local. Nas eleições seguintes, 1962, os Paes de Andrade passaram a ocupar o espaço vácuo deixado pelos Cavalcantes. Assim, a disputa polarizou-se entre os Paes de Andrade (PSD) e os Rodrigues da União Democrática Nacional (UDN). O resultado foi favorável aos Paes de Andrade. No entanto, ao longo da administração, os Paes de Andrade passaram a se aproximar dos Rodrigues Pereira, pensando em um apoio para as próximas eleições, visto que Antônio Paes de Andrade iria se candidatar ao cargo de deputado federal. Os Rodrigues Pereira estavam sendo liderados por Frutuoso Rodrigues Neto, filho do coletor assassinado. Nas eleições seguintes, percebemos a gestação de um articulador político, pois Frutuoso Rodrigues Neto resolveu disputar as eleições e fez um acordo com o provável candidato a vice do grupo dos Rodrigues Martins. Assim, ofereceu o posto de prefeito a essa liderança tradicional, um proprietário rural que não lidava com as táticas da “realpolitik”, e se candidatou a vice. Assim, os Rodrigues se dividiram e os Rodrigues Martins coligaram-se com uma liderança política emergente, um comerciante e o então líder da Câmara dos Vereadores, Odolino de Mendonça. Nessa eleição os dois grupos eram da filiados ao mesmo partido, a Aliança Renovadora Nacional (ARENA). O resultado foi favorável à chapa articulada por Frutuoso Rodrigues. Nesse mandato, percebemos a articulação de Frutuoso Rodrigues com a Câmara dos Vereadores, pois o prefeito passou por dificuldades na aprovação de seus projetos e resultou na reprovação de suas contas. Assim, tivemos o rompimento do prefeito com o vice e Frutuoso Rodrigues Neto candidatou-se a prefeito na eleição seguinte. A eleição de 1970 era estrategicamente importante para a consolidação do grupo político que comandaria a administração da cidade, já que esse era o

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período da ditadura militar e da “política dos coronéis” no âmbito estadual. Segundo Mota (1985, p. 178), este acordo tinha dois preceitos: “união na cúpula e divisão na base”. O objetivo era concentrar o poder nas mãos da Arena, não deixando espaço para o surgimento de novas lideranças. Assim, o grupo que vencesse essas eleições conseguiria o aval dos coronéis para controlar o “curral eleitoral”, visto que o imperativo da política na época era o fortalecimento das oligarquias. Esses grupos, alguns dos quais surgiram ou se fortaleceram no período da ditadura militar no Ceará, apesar de comporem sublegendas da ARENA funcionavam, na prática, como partidos políticos independentes e disputavam mais a hegemonia política entre si do que mesmo com o partido adversário, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Dessa forma, os três chefes políticos que governaram o Ceará no período militar procuraram construir e consolidar suas bases políticas nos municípios, formando grupos como “cesistas” (César Cals), “virgilistas” (Virgílio Távora) e “adautistas” (Adauto Bezerra). Cabe ressaltar que, quando algum dos chefes políticos era indicado ao Executivo estadual, conseguia fortalecer e ampliar sua rede social no interior do estado, alimentando com verbas e empregos toda a sua clientela política. Nessa eleição, Frutuoso Rodrigues (ARENA) se candidata a prefeito e se coliga com a maior família do município, os Gomes. Opondo-se a esse grupo tínhamos a candidatura de um comerciante local também pela ARENA. Frutuoso Rodrigues conseguiu ser eleito e assim pode desfrutar as benesses de contar com o apoio irrestrito dos coronéis, podendo consolidar seu poder. Nesse período conseguiu para o município vários empregos do estado e os distribuiu como dádivas. É importante ressaltar que Frutuoso Rodrigues conquistou ampla fidelidade mediante concessão desses empregos. Afinal, em um município de restrita atividade econômica, baseado no modelo agricultura tradicional dependente de chuvas regulares, a possibilidade de obtenção de trabalho é restrita. A ocupação de um posto encontra campo fértil para ser concebida como dádiva, tanto para aquele que é empregado como para quem emprega, garantindo assim a fidelidade e gratidão de várias famílias. Com isso, pode

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governar com tranquilidade dezoito anos (1970-1988)5, sem sofrer nenhum abalo no seu domínio, isso até a derrocada dos coronéis no âmbito estadual em 1986. Percebemos assim a fragilidade dessa elite que depende do apoio do governo estadual para manter seu domínio. Frutuoso Rodrigues era então a principal liderança política no município, sua posição de poder se dava não por sua riqueza, embora este fosse dono de terras, gados e plantação de algodão, mas por assumir uma posição de chefe político, concedendo emprego e sustento à grande parte da população, garantindo para este uma posição de homem de “valor”. A categoria “chefe político” faz referência ao predomínio de um poder tradicional. Para Queiroz (1976), o chefe político não ocupa necessariamente postos ou cargos no governo, seu poder provém do monopólio político em um domínio geográfico (distritos, municípios, regiões ou o Estado) em que possui controle dos votos. Assim, através da relação estabelecida com o governo estadual e com os deputados estaduais, Frutuoso Rodrigues conseguia a nomeação para cargos públicos no município. Porém, na década de 1980 o domínio político de Frutuoso Rodrigues começou a ser questionado. Tivemos a crise da agricultura tradicional com a praga do bicudo que devastou a cotonicultura, destruindo assim a base de sustentação econômica da elite política de Catarina, já que cerca de 70% dos vereadores eleitos eram recrutados em famílias que se dedicavam a cotonicultura. Cabe ressaltar também que Frutuoso Rodrigues tinha sua base econômica na cotonicultura. No entanto, o fator que mais abalou o poderio de Frutuoso Rodrigues foi a ascensão de uma nova elite política no âmbito estadual. Essa elite, centrada na figura do empresário Tasso Jereissati, ao ganhar as eleições de 1986 procurou implantar uma nova ordem política no Estado. Assim, ao buscar implantar uma ordem burguesa e industrial, promoveu “caça às bruxas”, aos políticos tradicionais, procurando liquidar com o clientelismo e a corrupção.

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Durante esse período os candidatos que Frutuoso indicava eram eleitos. Nas eleições de 1972 indicou o comerciante José Neuzo de Araújo (ARENA), em 1976 sua esposa Celina Araújo Rodrigues (ARENA) e em 1982 o comerciante Odolino Pedrosa de Mendonça (ARENA).

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Essa onda “movimento pró-mudanças” reverberou-se nas eleições municipais de 1988 onde tivemos a disputa política centrada entre duas lideranças: o primeiro era Frutuoso Rodrigues, filiado ao Partido da Frente Liberal (PFL), do grupo “bezerrista”, e tributário de um poder com feições tradicionais e clientelistas; o outro era Dermeval Pedrosa, filiado ao Partido Municipalista Brasileiro (PMB), funcionário do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), que defendia uma administração pública racional moldada na competência técnica. Frutuoso Rodrigues, percebendo a importância do apoio do governo estadual na vitória/derrota de uma eleição municipal, estabeleceu um acordo com o sobrinho de Antônio Paes de Andrade do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), e então Presidente da Câmara Federal e aliado de Tasso Jereissati, para assim neutralizar o apoio de Tasso Jereissati a Dermeval Pedrosa. Com essa coligação, Frutuoso Rodrigues consegue ganhar as eleições. Assim, pode estender seu domínio político e atualizar o mito de sua “indestrutibilidade política”. Posteriormente, o grupo liderado por Dermaval Pedrosa fundou o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) em Catarina, passando a se articular na formação de uma única chapa, em coligação com Frutuoso Rodrigues, para as eleições de 1994. Em oposição a essa chapa única o vice-prefeito, Iran Paes de Andrade (PMDB), passou a fazer oposição a Frutuoso Rodrigues. Novamente, o grupo de Frutuoso Rodrigues é eleito e posteriormente ocorre o rompimento de Dermaval Pedrosa com Frutuoso Rodrigues, visto que as sonhadas “mudanças políticas” não foram possíveis. Frutuoso Rodrigues articulou o diretório do PSDB de Catarina, numa nova fase do governo Tasso Jereissati, onde este grupo reorientou suas ações no sentido de consolidar o seu poder tendo como base o interior do estado. Assim, a liderança política de Frutuoso Rodrigues, que se mostrava fragilizada anteriormente em virtude do declínio da política tradicional e da nova ordem política desencadeada pelo “governo das mudanças”, toma fôlego com essa

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nova fase do Cambeba6. Volta assim o tempo das “vacas gordas” onde se pode contar com o apoio irrevogável do governador. Na eleição seguinte, o filho de Frutuoso Rodrigues, Lamartine Araujo Rodrigues (PSDB), candidata-se a prefeito e novamente a oposição se sustenta centrada na liderança dos Paes de Andrade (PMDB). No entanto, após a derrota, os Paes de Andrade retiram-se da política local deixando um vácuo político. Lamartine Araujo Rodrigues governa a cidade durante oito anos (19972004). É importante ressaltar que a emergência de novos atores, classe média urbana interiorana, na cena política em Catarina no final da década de 80 foi fruto de transformações estruturais (mudanças nas relações de trabalho no campo, urbanização, maio acesso a escolaridade). Assim, os profissionais liberais e os comerciantes passaram a se sobrepor aos agropecuaristas na formação das elites políticas. Nesse contexto, estreia como evidência política um médico, Jefferson Paes de Andrade, que começa a construir seu capital político no exercício de sua profissão, sendo cogitado como provável opositor de Frutuoso Rodrigues. No entanto, foi cooptado e posteriormente casou-se com uma sobrinha de Celina Araújo Rodrigues, à época esposa de Frutuoso Rodrigues, passando a carregar o sobrenome de Rodrigues. Foi candidato a prefeito em 2004 pelo PSDB, disputando contra um odontólogo Wandevelde Guedes (PMDB), e obteve 75% dos votos válidos. É importante ressaltar que o vice de Wandevelde Guedes, o empresário Manoel Nogueira, pertence à elite política dos “empresários paulistas”. Trata-se de catarinenses que fizeram fortuna em São Paulo e que voltaram para Catarina para investir nas eleições, buscando desbancar o poder de Frutuoso Rodrigues. Trata-se de uma elite política em ascensão no município. Cabe ressaltar que na política local existe uma polarização política em virtude da liderança política de Frutuoso Rodrigues. Assim, encontra-se o grupo da “situação” que o apoia, seja em virtude de emprego na máquina 6

Cambeba foi como ficou conhecida a administração do governo Tasso Jereissati após a transferência da sede de sua administração do Palácio da Abolição para o Centro Administrativo Virgílio Távora, conhecido como Cambeba.

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administrativa ou devido à dívida de favores prestados; e o grupo da “oposição” que são críticos dessa liderança, seja por questões ideológicas, perseguições políticas ou por descumprimento de algum trato selado anteriormente. No léxico político local existem categorias nativas que buscam explicar essa polaridade: “bicudos” e “xelengas”. O vocábulo “bicudo” faz alusão ao grupo da situação e possui esse nome por dois motivos: o primeiro, que carrega um sentido pejorativo, faz referência a uma praga do mesmo nome que destruiu as plantações de algodão na cidade, comparando assim esse grupo a uma calamidade que está destruindo o desenvolvimento do município. O segundo motivo se dá pelo fato da situação ser filiada ao PSDB e como o símbolo desse partido é um tucano (este tendo o bico grande), então os filiados a esse partido seriam bicudos. “Xelenga” representa as pessoas que são da oposição, esse nome vem da palavra xeleléu que significa bajulador, adulador. Esses dois grupos sociais são coesos e compõe uma identidade, embora em cada eleição alguns indivíduos flutuem nessa polaridade, mas existe um núcleo duro (lideranças política, indivíduos) que sustenta essa dicotomia. Assim, em período eleitoral grande parte das relações sociais é permeada e ditada pela política loca, com quem você deve ou não ser visto, com quem você deve ou não falar, onde você deve ou não ir e se uma pessoa toma partido por um ou outro nessa dicotomia, quase todas suas relações e atividades vão ocorrer em torno dessa escolha: o comércio onde ela vai fazer compras, o bar que ela frequenta, as pessoas com quem conversa, etc. Isso é mais evidente em épocas de campanhas eleitorais, representando assim as típicas práticas da “política de comunidade”. Nas eleições de 2008 a disputa ficou polarizada entre o candidato a reeleição, Jefferson Paes de Andrade Rodrigues (PMDB), tendo como vice Frutuoso Rodrigues (PSDB); e Ricardo Almeida do Partido dos Trabalhadores (PT), tendo como vice o coronel Gomes Filho do Partido Republicano Brasileiro (PRB). Ricardo Almeida é natural de Acopiara, cidade vizinha a Catarina, exdeputado estadual e pertence a uma tradicional família política. Sua candidatura tinha como objetivo conquistar os votos da “oposição” de Catarina e aniquilar a liderança de Frutuoso Rodrigues.

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Nessa eleição, seguindo a dicotomia na cidade, a disputa ficou centrada entre os dois grupos existentes. A nova configuração dessa disputa foi que os números dos partidos foram representados pelos seus respectivos animais no jogo dos bichos7. Assim, a disputa que eram entre PMDB e PT ficou entre Jacaré (15) e o Galo (13). Essa campanha foi muito competitiva e Jefferson Paes de Andrade Rodrigues foi reeleito.

3-) Eleições de 2012 - Catarina e a (re)configuração política local: Na semana da festa de emancipação do município, de 22 a 24 de maio de 2012, o prefeito, Jefferson Paes de Andrade Rodrigues, organizou um evento para comemorar essa data e na ocasião contratou três bandas de forró muito conhecidas, entre elas, Aviões do Forró8. Essa estratégia foi para que o prefeito tivesse palanque para divulgar seus candidatos. Na ocasião, o prefeito estava acompanhado de um deputado estadual que anunciava a todo instante as atrações da festa e cantava um trecho da música de uma das atrações: “caranguejo é quem anda pra trás, quem vive de passado é museu”9. Posteriormente começou a circular no facebook, no grupo Eleições 2012 o seguinte comentário: “Prefeito Jeferson Paes de Andrade, pode está rompendo mesmo com o grupo de Frutuoso Rodrigues? Fiquei sabendo através de notícia em rádio local de Tauá” (Wesley Ricarte em 23 de maio de 2012 no grupo Filhos da Terra). Essa postagem gerou comentários no grupo, de alguns duvidando do rompimento e de outros comemorando tal notícia. Nesse mesmo dia, um deputado estadual aliado ao prefeito, Perboyare Diógenes (PMDB), fez uso da tribuna da Assembleia Legislativa para denunciar o fato do prefeito está sendo ameaçado de morte por Frutuoso Rodrigues após o rompimento político com Lamartine Rodrigues. Como percebemos na página seguinte: 7

“Jogo dos bichos” é um jogo de azar que está enraizado no imaginário popular, sobretudo por ser uma modalidade que permite a aposta de qualquer quantia. Assim, existem 25 grupos que corresponde cada qual a um animal. Assim, o 01 é avestruz, o 02 é Águia, o 13 é Galo, o 15 é Jacaré, o 24 é Veado, o 25 é Vaca etc. 8 Aviões do Forró é uma banda cearense que ganhou destaque nacional ao possuir suas músicas como trilha sonora de novelas da rede Globo. Assim, essa banda passou do status de consumo local para a divulgação nacional. 9 A música se chama “Caranguejo” e é cantada por Toca do Vale.

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Eu quero aqui mostrar que a família do Frutuoso tá inconformada. É uma família que nunca produziu nada, o velho que nunca trabalhou e tá no desespero político porque não pode viver sem o FPM [Fundo de Participação dos Municípios] de Catarina. É um desespero monstro e ontem o prefeito de Catarina, o Doutor Jefferson Paes de Andrade. Prefeito para vocês terem uma ideia é primo da Doutora Mônica, esposa do nosso querido senador Eunício Oliveira, sobrinho de Paes de Andrade [...] Peço aqui que façam uma comissão e não vá amanhã não, vá hoje, fazer um pacto, não uma união. É fazer um pacto para que esse crime seja evitado. Eu não tenho nenhuma duvida, porque eu conheço a genética, eu conheço a origem desses coronéis da região. E eu não tenho nenhuma dúvida que se não fizemos alguma coisa esse crime

vai

acontecer

(Pronunciamento

do

deputado

Perboyare

Diógenes na Assembleia Legislativa em 23 de maio de 2012).

Nesse depoimento podemos perceber que o conflito entre as duas lideranças é pelo FPM da prefeitura do município, já que, segundo o deputado, o Frutuoso Rodrigues depende desse instrumento de poder para se manter. Além disso, intuímos também as relações de parentesco do prefeito, pois o deputado expõe mostrando que este é primo da esposa do Senador, ou seja, não seria “qualquer prefetinho” e sim uma pessoa que tem trânsito com outros poderes. Por fim, o deputado convocar o poder do Estado para interferir na política local, caso contrário acontecerá uma tragédia na cidade. O objetivo de Perboyare Diógenes é promover um clima de tensão na cidade e chamar atenção para a especificidade política de Catarina. Além disso, buscava construir uma imagem de vítima para o prefeito Jefferson Paes de Andrade Rodrigues, que estaria sendo ameaçado por “coronéis maquiavélicos”. Essa estratégia repercutiu na imprensa estadual, sendo pauta do jornal O Povo10. Cabe ressaltar que o clima de tensão após o rompimento se deu, sobretudo porque em outubro de 2011 Lamartine Rodrigues filiou-se ao PMDB, partido do então prefeito Jefferson Paes de Andrade Rodrigues, na estratégia de 10

ALVES, Pedro. Tensão e ameaça de morte agita clima político. O Povo. Fortaleza, Política, p. 12,31 de maio de 2012.

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ser candidato a prefeito em Catarina com o apoio deste. Assim, após o rompimento Lamartine Rodrigues não podia mais se candidatar, pois já tinha expedido o período de mudança e filiação de partidos e este não ia ser candidato pelo PMDB, já que o candidato seria Rafael Paes de Andrade, primo do prefeito. O grupo da “oposição”, ou “xelengas” estavam buscando emplacar a candidatura do Coronel Gomes Filho. Este foi candidato a vice-prefeito em Catarina nas eleições de 2008, é coronel da Polícia Militar e ocupou postos de confiança no governo do estado na gestão Cid Gomes (PSB). Gomes Filho se destacou na política local após sua atuação na prisão de bandidos que assaltaram o Banco do Brasil no município. Na época, este era Comandante do Policiamento do Interior do estado e através da sua influência comandou perseguições aos ladrões. Esse acontecimento foi acompanhado pela população que divulgava fotos dos assaltantes mortos pela polícia e constantemente elogiavam essa atuação, embora alguns, antevendo a disputa política que se anunciava, criticavam essa ação para assim desconstruir a imagem do futuro candidato. Após a oficialização do rompimento, os grupos políticos passam por uma (re)organização. Jefferson Paes de Andrade Rodrigues se aliou com um empresário de Catarina que mora em São Paulo, Neném do Boza (PT); e Lamartine Rodrigues com seu pai Frutuoso Rodrigues apoiaram a candidatura do Coronel Gomes Filho (PSB), com o objetivo estratégico de desarticular a força política dos Paes de Andrade que cresceu ao ponto de não ser mais controlada. Jefferson Paes de Andrade Rodrigues concedeu entrevista a rádio local do seu grupo político para explicar os “reais motivos” que o levaram ao rompimento, como este comenta: Eu estava no meu apartamento em Fortaleza com minha esposa [...] quando o Lamartine chegou com um rapaz. Até então, todos sabem que eu ia apoiar o Lamartine para ser o candidato e o Lamartine chegou com esse rapaz, ele me pediu um particular e eu fui pra área, sentei com ele, nós ficamos tomando um café e de repente ele me apresentou esse rapaz como um suposto policial federal [...] E eu

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perguntei porque ele tinha trazido um Policial Federal para minha casa e então foi quando ele, eu até me assustei com que ele me pediu juntamente com esse rapaz, e disse que eu deveria dar a eles 300 mil reais [...] a partir de então a minha vida e a da Fernanda [sua esposa] virou um verdadeiro inferno, o Lamartine exigindo essa quantidade absurda e eu logo aleguei que jamais daria aquele dinheiro porque eu não tinha nada a dever [...] Mas eu lhe digo, com sinceridade, eu nunca tomei uma decisão tão acertada em toda minha vida. Foi dura, mas eu fiz muito mais pelo povo da Catarina. Porque eu me sinto hoje livre, eu me sinto em paz comigo mesmo e as pessoas vão entender, tenho certeza, que a gente fez isso porque jamais eu acho que a nossa cidade não merecia ser, de forma alguma, entregar a administração da cidade a uma pessoa que tem coragem de fazer uma coisa dessas (Entrevista de Jefferson Paes de Andrade Rodrigues na rádio Portal dos Inhamuns FM em 31de maio de 2012).

Esse depoimento do prefeito funcionou como mito de origem do rompimento político, pois explicaria as razões desse ato. É interessante observar a constante referência ao dinheiro e a extorsão, pois, segundo o prefeito, esse seria a razão do desafeto entre os dois, já que este não iria dar essa quantidade ao Lamartine Rodrigues. Na fala percebemos o emprego da expressão “fiz muito mais pelo povo de Catarina”, pois busca construir a imagem que o prefeito rompeu não por conta de questões pessoais entre os dois, mas para o bem comum da comunidade. No mesmo dia, a primeira dama, Fernanda Ribaisa Custódio, prima de Lamartine Rodrigues, concedeu uma entrevista e alegou que embora esse rompimento tenha afetado a relação familiar ela estaria segura da decisão tomada. Após esse pronunciamento, Lamartine Rodrigues contou sua versão na rádio coligada ao Coronel Gomes Filho: Esse prefeito de forma covarde, traidor, vem inventando uma história dessas de extorsão. Extorsão se dá meus amigos quando você faz um boletim de ocorrência, quando você faz um flagrante aí é uma extorsão. Agora, esse prefeito para romper um compromisso político que ele tinha comigo e com meu pai [Frutuoso Rodrigues] que ao final dos oito anos de mandato ele ia retornar a candidatura a casa do Frutuoso, esse era o compromisso assumido, testemunhado pelas

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famílias que estavam no acordo (Entrevista de Lamartine Rodrigues na Nossa FM em 31de maio de 2012).

Interessante observa o uso da expressão “retornar a candidatura a casa do Frutuoso”, pois ressalta o fato desse candidato acreditar que através do acordo firmado entra as famílias a sua posição de candidato ao executivo em Catarina estaria assegurada. Percebemos a existência de uma lógica tradicional de campanha em que o chefe político, através de uma rede capilarizada de apoiadores e cabos eleitorais, davam a conhecer a sua vontade aos eleitores, não havendo uma competição política acentuada. Após o rompimento, instaurou-se uma nova ordem política no município. Nessa configuração política, o grupo composto por Gomes Filho e Frutuoso Rodrigues é identificado como “caranguejo”, por conta da letra de uma música de forró e pelo fato de caranguejo andar para trás, denunciando que essa aliança não traria o desenvolvimento da cidade, pois estaria voltando no tempo, “no tempo do Frutuoso”. O outro grupo, liderado pelo prefeito Jefferson Paes de Andrade Rodrigues, é nomeado como “traíra”11, pelo fato do prefeito de traído Lamartine Rodrigues ao romper a aliança e impossibilitar a candidatura deste, agindo assim sorrateiramente delatando e prejudicando seu colega. 4-) Como os eleitores refletem sobre a política: análise dos grupos “Filhos da Terra” e “Eleições 2012” Nessa seção busco analisar as postagens dos grupos “Filhos da Terra”12 e “Eleições 2012”13. Pretendo observar as características discursivas das mensagens postadas nesses grupos entre o dia 23 de maio de 2012, data da oficialização do rompimento entre o prefeito Jefferson Paes de Andrade Rodrigues e Lamartine Rodrigues, e 30 de junho, data da última convenção em

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Traíra é um peixe carnívoro de água doce muito comum na região. Esse grupo do facebook, , é aberto e atualmente, em 12 de setembro de 2012, possui 633 membros. Foi criado para que as pessoas da comunidade de Catarina se encontrem e troquem informações sobre o município. Ele é muito utilizado para informações gerais da cidade, uma espécie de jornal diário, mas em época de eleições é muito utilizado para o confronte de ideias entre os grupos políticos. 13 Esse grupo do facebook é fechado e atualmente, em 12 de setembro de 2012, possui 515 membros. Foi criado com o objetivo de debater as eleições de 2012 em Catarina. 12

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Catarina. Cabe ressaltar que o objetivo dessa análise é apontar dados para que possamos compreender aspectos importantes do comportamento dos eleitores. A análise do facebook se mostra importante porque revela como esses agentes constrói sua representação sobre a política. Nessas postagens percebemos o que pode e deve ser dito publicamente, pois fornecem a visibilidade desejada as opiniões, projetos e visão de mundo desses indivíduos. Estes buscam se mostrar, ou expor a partir de um cálculo apenas o que é de seu interesse. Dessa forma, buscam ao exibir suas ideias aos usuários interessados que existem diferentes maneiras de perceber determinado evento político e assim tentam formar opinião e tecer uma rede de apoio. Além disso, a análise dessas mensagens pode abrir a possibilidade de uma fonte de dados importante, contribuindo para questionar a tese de que no Nordeste predomina o “voto de cabresto”. Busca assim complexificar essas análises sobre comportamento eleitoral e demonstrar que em municípios de pequeno porte as teias de significados e sentidos sobre a política são complexas. A interface entre internet e democracia rendeu uma série de estudos. Embora no início as teses otimistas fossem hegemônicas, anunciando que a utilização dessa tecnologia possibilitaria uma democratização, já que os representados acompanhariam e participariam de forma mais ativa dos processos democráticos. Atualmente, essa tese vem sendo questionado por estudos que afirmam que essa media digitais reforçariam as desigualdades existentes no campo político (MARQUES, 2011). Pretendo analisar o teor das mensagens postadas, os tipos de conteúdos mais recorrentes, estabelecendo categorias de organização das falas desses agentes políticos. Assim, fazendo um mapeamento dessas mensagens chegouse a seguinte classificação:

-) Desconfiança da política e dos políticos: Em muitas postagens os usuários comentam um certo desencantamento da política, sobretudo na desestruturação dos grupos políticos que estavam consolidados no município, com discursos, programas e tomada de posição.

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Assim, predominaria a “política suja” em que antigos adversários políticos se unem para conquistar o poder. Como vemos nas postagens abaixo: Vim aqui e postar inúmeras coisas sobre obras e cidadãos de Catarina é fácil. Difícil é denuncia a pouca vergonha que a polícia de Catarina faz com os mesmos (Jakson Rodrigues em 26 de abril de 2012 no grupo Filhos da Terra).

Gente, vamos manter a calma, não adianta nada troca de insultos, agressões, pois eles, os políticos, nunca são inimigos. Quando querem fazer suas alianças não importa a quem prejudicar, isso que esta acontecendo aí é mais uma disputa de poder, olha como essa prefeitura é valiosa. Tenham bom senso, não briguem, daqui a pouco eles estão de braços dados [...] (Olinda Dantas em 11 de junho de 2012, no grupo Filhos da Terra).

-) Promoção de uma nova cultura política: Esse evento dramático da ruptura política e a predominância de uma eleição competitiva estimulam alguns indivíduos a analisem essa situação como um amadurecimento político da cidade. Assim, defendem que a população promova uma nova cultura política e não interpretem as ações dos governantes como favor ou dádiva e sim como obrigação. Busca nesse sentido associar o voto a uma expressão política de cidadania e não a uma troca de favor ou a compra do voto, como observamos: Chega

de

ficarmos

agradecendo

nossos

governantes

por,

simplesmente, cumprirem suas obrigações. Afinal, não ficamos agradecendo aos professores por darem boas aulas, ou aos médicos por fazerem bons atendimentos. E não o fazemos por acharmos que estão apenas cumprindo seus deveres. Assim também são os governantes, meros cumpridores de obrigações e não esqueçam que o cargo que exercem são de meros funcionários, dos quais somos os patrões. ABRE O OLHO CATARINA, ABRE O OLHO BRASIL! (Simony Feitosa em 24 de maio de 2012 no grupo Filhos da Terra).

VOTO NÃO É TROCA DE FAVORES. O ELEITOR, NA HORA DE VOTAR, DEVE ESCOLHER O MELHOR ENTRE TODOS OS

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CANDIDATOS. LEMBRE-SE QUE O VOTO NÃO É TROCA DE FAVORES, NEM INDICAÇÃO DE POLITICOS. O voto é um direito dos seres humanos que vivem em regime democrático de direitos, deveres e garantias especiais. Votar é escolher, individualmente, o candidato que deverá assumir o comando do município, no caso específico das eleições municipais [...] (Airton Dantas em 07 de junho de 2012 no grupo Filhos da Terra)

Catarina, minha Catarina,muito cedo vim para capital e hj como me arrependo de nunca ter votado nesta CIDADE. Não pelas eleições passadas que eram óbvias em resultados, mas pelas atuais [...] Queria, sobretudo,ter essa oportunidade que os Catarinenses estão tendo de vir ao facebook e falar o que pensam, queria ter a oportunidade de olhar e olhar mesmo as propostas [...] Parabéns catarinenses pelo poder da escolha entre os seus governantes estas próximas eleições. Vocês mereciam isso. Saibam escolher [...] (Robevania Pessoa, 05 de junho de 2012, no grupo Filhos da Terra)

É interessante observar que muitos usuários alertam para o fenômeno da compra de voto, defendendo que os eleitores não podem vender seus votos, pois assim não teria como cobrar dos políticos, como observamos: Pense nisso, se vc vende seu voto, não pode cobrar, fiscalizar, denunciar. Necessitamos de políticos sérios e só podemos ter políticos sérios se nosso voto for consciente, livre, sem vendas ou conchavos. (Olinda Furtado 8 de junho de 2012, no grupo Filhos da Terra).

[...] Por isso, eu na minha humilde opinião de cidadão, brasileiro, eleitor (por obrigação), gostaria de ver como seria se os “políticos” de forma geral, tivessem que realmente merecer o nosso voto..... (daqui a pouco tem eleitor usando maquina da CIELO e dando comprovante pra candidato, ainda pergunta CRÉDITO ou DÉBITO), o povo não sabe a força e o valor que realmente tem, assim que você (eleitor) recebe algo ou alguma coisa em troca de seu voto, você automaticamente exime o político de qualquer comprometimento futuro, tanto com você como com sua família. ao invés disso procure ver o que ele poderá fazer, dentro de suas atribuições legais caso eleito por sua região como um todo, pense nisso[...] (Diogo Soares, 28 de Maio de 2012, no grupo Filhos da Terra).

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-) (Re)organização da política local: Após o rompimento os grupos políticos foram desestruturados. A dicotomia entre “oposição” e “situação”, entre “bicudos” e “xelengas”, foi rompida e assim nascia uma nova ordem política na cidade e a comunidade especulava sobra a política local, cada um tecendo sua opinião, como um usuário postou: “Õh lugar pra "ter" Cientista Político é aqui em Catarina viu” (Davidson Andrade, 28 de maio de 2012 no grupo Filhos da Terra). Dessa forma, a política que antes separava/unia muitos indivíduos e muitas famílias passou a aproximar/afastar. Como no comentário “Quem disse que a política não aproxima pessoas?” (Ubiratan Teixeira em 10 de junho de 2012 em Filhos da Terra). Essa nova ordem política assustava muitas pessoas por se tratar de um fenômeno novo na política local, que era baseada em uma estabilidade política. Assim categorias nativas como “oposição” e “situação” foram questionadas, como observamos: A política de Catarina tá como nuvem todos voando!!! Você olha e ela está de um jeito. Olha de novo e ela já mudou. E nós sabemos que em política só serve para dividir o povo, e o pior que sempre é preciso deixar um osso para a oposição roer, mas onde está a oposição???? (Deca do Sindicato, 29 de maio de 2012, no grupo Filhos da Terra)

O mundo dá muitas voltas! Teria que ter imaginação muito fértil para ver Frutuoso e Lamartine na oposição de Catarina, o que de fato é a mais pura realidade. Isso chama-se PODER além de tudo!! Acredito esperançosamente em uma gestão de respeito exercida pelo então pré-candidato Coronel Gomes Filho em Catarina. Vamos trabalhar porque a política está acirrada! (Catarina Liberdade, 26 de Maio de 2012, no grupo Filhos da Terra)

Dessa forma, se antes a expressão “oposição” era utilizada para expressar os opositores da liderança política de Frutuoso Rodrigues, que representava o poder na comunidade, como entender a utilização dessa categoria se este se aliou com o candidato, Gomes Filho, que representava a oposição? Nesse caso, Frutuoso Rodrigues tornaria oposição e o prefeito

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Jefferson Paes de Andrade Rodrigues, que oficialmente está no comando da máquina administrativa, seria situação? Percebemos dessa forma que as utilizações dessas categorias passam por uma reconfiguração, como percebemos na fala da irmã do prefeito, Mikaela Paes de Andrade: “Oposicāo? Ou PODER! e a "oposição" de fato se opunha a quem mesmo? Haja imaginação! E coerência que é bom...” (28 de Maio de 2012, no grupo Filhos da Terra). Em resposta a essa postagem, a filha do candidato a prefeito Gomes Filho argumenta: Eu não estou entendendo muito bem... Ou melhor, não sei se vocês não querem entender... ATENÇÃO: O candidato de OPOSIÇÃO, Cel. Gomes Filho, não está ao lado de FULANO ou BELTRANO, mas sim do POVO. Nossa filosofia política não mudou. A briga e rompimento PELO PODER são de vocês Cicero Soares Cicinho [aliado do prefeito]... E não nossa! Muito me intriga você falando mal daquele que ainda é seu vice-prefeito [no caso Frutuoso Rodrigues]. Pleito passado a história e o discurso estavam diferentes, né? Só digo uma coisa: respeito as decisões de TODAS as lideranças políticas, por isso respeite a nossa. (Ianna Gomes, 28 de Maio de 2012, no grupo Filhos da Terra).

Observamos também que as categorias nativas de “bicudos” e “xelengas” também são questionadas. Essa dicotomia é inclusive alvo de comentários jocosos ao proporem uma nova classificação que expressaria a mutação desses grupos, seriam os "biculengas" e "xelecudos" Como comenta: A disputa eleitoral em Catarina tinha um ingrediente cômico, os “BICUDOS e os XELENGAS” e agora, quem são eles? Depois desse redemoinho, será que ainda podemos identificá-los? (Ubiratan Teixeira, 28 de maio de 2012 no grupo Eleições 2012).

Fim de bicudos e xelengas no município de Catarina estão em extinção... A em breve novos nomes já tão sendo cotados aguardem!!! Logo sai as duas logomarcas. (deca do sindicato, 29 de maio de 2012, no grupo Filhos da Terra)

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Assim, após a desestruturação das categorias de “bicudos” e “xelengas”, surge uma nova classificação: “caranguejo” e “traíras”. Na foto abaixo temos uma montagem que mostra Lamartine Rodrigues, que foi “traído” por Jefferson Paes de Andrade Rodrigues, pescando uma traíra. Isso retrata de forma jocosa que o Lamartine iria ganhar as eleições e que simbolicamente pescaria e comeria a traíra, como vemos na página seguinte: FIGURA 2 – Montagem feita Lamartine pescando os “traíras”.

com

Fonte:http://www.facebook.com/photo.php ?fbid=113769672094858&set=o.2433379 52431983&type=3&theater. Acesso em: 12 de junho de 2012.

-) Defesa do “silêncio”: Esse evento dramático afetou a relação de poder de muitos indivíduos e famílias que estavam acomodados nessa dicotomia política. De um lado tinha o grupo da “situação” ou “bicudos” que estavam no poder há quarenta e um anos (1971-2012), de outro a “oposição” ou “xelengas” que buscam se estruturar na política local, embora com dificuldades, pois muitos dos seus integrantes eram cooptados.

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Quando do rompimento as pessoas e famílias de ambos os grupos tiveram que fazer as contas e calcular a qual grupo eles pertenceriam. Essa tomada de posição para muitos não foi fácil e para que isso ocorresse muitos aspectos deveriam ser levados em conta: solidariedade familiar, dívidas e gratidões, possibilidade de emprego futuro, intrigas e desavenças passadas. Assim, indivíduos que apoiavam o Coronel Gomes Filho, quando souberam que a esposa do Frutuoso Rodrigues, Celina Araújo Rodrigues, iria ser sua vice, passaram a apoiar Jefferson Paes de Andrade Rodrigues. Assim como, muitos ao saberem que este não era mais apoiado por Lamartine Rodrigues e Frutuoso Rodrigues passaram a acompanhar o Gomes Filho. Como exemplo desse “tempo do silêncio”, temos a postagem da Secretária de Educação do município, Dorinha Rodrigues. Esta é tia do prefeito e seu marido, o vereador Tiê Custódio, é irmão da vice do Coronel Gomes Filho, Celina Araújo Rodrigues. Como comenta: Quero mandar só um recadinho para o atual Presidente da Câmara "Valmir do Monte Alegre", por favor não bote o nome do Vereador Tier em nenhuma das suas declarações sem antes consultá-lo, até hoje ele não se pronunciou por ser um HOMEM coerente em suas atitudes e decisões, respeite o momento, pois, ele é tio do Lamartine e tio da Fernanda ou o Sr não sabe disso? O vereador Tier conta com seis mandatos de vereador, ASSUMIU POR VÁRIAS VEZES a Presidência da Câmara desse município e nunca foi apadrinhado nem precisou se vender para conquistar esses mandatos, é eleito por familiares e amigos, pois, a amizade é o que ele mais prima na sua vida. Não se preocupe que ele não é homem de ficar em cima do muro, no momento certo ele irá tomar sua decisão, não ficar como alguns que são iguais a tapioca vira pra lá, vira pra cá, e não sabe sabe até mesmo onde está de tanto virar de lado, quem manda é "QUEM DÁ MAIS". Tier

é sinônimo de lealdade, compromisso, amizade,

responsabilidade, personalidade, caráter, fibra e muito mais... (Dorinha Rodrigues em 28 de maio de 2012 no grupo Filhos da Terra)

Nesse pronunciamento percebemos o quanto foi difícil para ela tomar uma decisão, já que além dos vínculos políticos, os laços de parentesco

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pesavam na decisão política. Porém, como política é tomada de posição, o vereador não podia “ficar em cima do muro” e precisava tomar partido. Esse período foi tido por muitos como um momento de discórdia, já que desestruturava a organização dos laços políticos, familiares e de amizade de muitos indivíduos, como comenta: O grande problema é que essa discórdia foi plantada dentro da casa de quase 100% dos catarinenses, isso é o que eu chamo de andar pra trás [...] E não adianta propalar falsas historias porque aqui nem o matuto é besta. (Renan Chaves, 29 de Maio de 2012, no grupo Filhos da Terra).

-) Eleições como conflito entre famílias e entre amigos: Temos também a interpretação que o período eleitoral afasta as pessoas, sobretudo após esse rompimento de uma aliança de oito anos e que tinha pretensões de se estender. Muitas postagens alertam para esse conflito entre as famílias e para a necessidade de moderação nos comentários, como percebemos: No período eleitoral um sentimento de bairrismo invade nossa vida, os relacionamentos, seja comercial ou pessoal, as amizades começam a cobrar uma liga, uma "fidelidade" surreal, romântica e infantil, sobrecarregando o amor livre e espontâneo, a ponto de ficarmos em transe coletivo com medo de curtir e comentar, numa artificialidade transparente. Nos pegamos fazendo perguntas, isso já com o dedo na opção, como :"Espera essa pessoa vota em quem? "Como se o valor fosse dado à pessoa e não à ideia, a postagem no caso [...] Na prática, a mesma apreensão, sejamos sinceros, são nuances, delicadezas, sutilezas, que antes desse nefasto período, seria considerado algo absolutamente normal, civilizado, educado, agora pode ser sinônimo de duas caras, trairagem (termo da moda), falsidade, fraqueza, pelo contrário, considero isso um ato de coragem [...] Sei o que quero,e não são as circunstâncias que irão mudar minhas ideias, meus ideais,nem tão pouco minha consciência, só tem medo de demonstrar o que sente, quem não confia em si mesmo, gostaria sim de coração, que essa minha atitude inspirasse outras pessoas a aniquilar esse sentimento bairrista eleitoral, que só é inteligente ou criativo, bem humorado quem for da "minha" turma, quem pensa como eu, quem concorda comigo,

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sempre odiei panelinhas, não é agora que vou mudar, adulta que sou! (Adriana Cavalcante em 6 de junho de 2012, no grupo Filhos da Terra)

Esse comentário alerta para a necessidade de ultrapassarmos o sentimento de intriga e desavença que existiria no período eleitoral tido como nefasto, e defende que tenhamos um sentimento de amadurecimento político ao separar as posições políticas dos afetos pessoais. Um comentário expressa o clima de tensão que estava ocorrendo na família da Custódio após a formação de dois grupos políticos: o grupo da Celina Rodrigues e do Lamartine Rodrigues e o grupo da primeira dama Fernanda Ribaísa Custódio: Amigos não nasci na Catarina, mas tenho um apreço muito grande por esta terra pois minha vó e meus tios e primos ai moram. Aprendi a gostar da cidade como se fosse minha. Fico muito triste por ver minha família tendo que fazer opções que irão trazer consequências para a convivência familiar. Como sei que na Catarina somos todos parentes peço para que a disputa política fique na esfera política e que esta disputa aconteça de maneira elegante, honesta, ética, civilizada e principalmente sem violência e que o maior beneficiário seja o povo da Catarina. Marjorie Mota, neta de Maria Custodio, prima do Lamartine e da Fernanda (Em 23 de junho de 2012, no grupo Filhos da Terra).

5-) Conclusão: Esse artigo teve por propósito analisar as postagens de dois grupos no facebook, “Filhos da Terra” e “Eleições 2012”. O objetivo era compreender como os agentes políticos constroem suas representações sobre a política. O recorte temporal dessas postagens foi entre os dias 23 de maio e 30 de junho de 2012, datas que mostrariam como a comunidade compreendeu e interpretou o rompimento político que instaurou uma nova ordem política na cidade. Analisamos a história política do município de Catarina, localizado nos sertões dos Inhamuns, mostrando que ao longo de sua trajetória política essa comunidade apresentou uma relativa estabilidade na composição dos seus grupos políticos. Essa estabilidade era representada pela polarização de dois grupos “situação” e “oposição” ou “bicudos” e “xelengas”. Porém, nas eleições

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de 2012, após o rompimento político do prefeito Jefferson Paes de Andrade Rodrigues com Lamartine Rodrigues, essa polarização foi alterada, surgindo assim novos grupos. Esse período foi dramático para a população, já que muitos indivíduos e famílias estavam acomodados na antiga polarização política. Na análise das postagens percebemos que os usuários faziam distintas interpretações da especificidade da política local. Muitos abordaram a temática da desconfiança da política e dos políticos, alegando que toda política é suja e que estes não mereciam os seus votos de confiança. Outros buscavam a promoção de uma nova cultura política, defendendo que os eleitores deveriam exercer sua cidadania votando e analisando as propostas dos candidatos. Algumas postagens discorriam sobre a (re)organização da política local, demonstrando que as categorias de “oposição” e “situação” não davam conta para explicar o atual cenário político e que para isto necessitavam da construção de outras categorias, como por exemplo “caranguejo” e “traíras”. A defesa do “silêncio” foi utilizada por agentes que tinham dificuldade para se posicionar na atual espectro político do município e por isso defendiam que as pessoas tivessem moderação e fizessem suas escolhas de forma racional. Por fim, temos postagens que interpretam as eleições como conflito entre famílias e entre amigos e que esse período era nefasto para a solidariedade da comunidade.

6-) Referências Bibliográficas: CALLADO, Antônio. Os industriais da seca e os “galileus” de Pernambuco: aspectos da luta pela reforma agrária no Brasil. Rio de Janeiro Civilização Brasileira,1960. MARQUES, F. P. J. A. ; SILVA, F.W.O. ; MATOS, N.R. . Estratégias de comunicação política online: uma análise do perfil de José Serra no twitter. In: 35º Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS), 2011, Caxambu, Minas Gerais. Anais do 35º Encontro Anual da Anpocs, de 24 a 28 de outubro de 2011, em Caxambu/MG, 2011. MOTA, Aroldo. História política do Ceará: 1945-1985. Fortaleza: Stylus, 1985. QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. O mandonismo local na vida política brasileira. São Paulo: Alfa-Ômega, 1976.

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