Vozes que não calaram

July 4, 2017 | Autor: Moacir Sousa | Categoria: Radiodifusão Pública
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O cineasta Linduarte Noronha conta que no final de 1963, com o apoio da Universidade Federal da Paraíba, trabalhava no roteiro de Mangue, um documentário sobre os pescadores de caranguejo de João Pessoa. Para a realização do filme, a instituição havia adquirido em São Paulo uma câmera cinematográfica de marca russa. Depois do golpe militar, o projeto do cineasta foi suspenso e a câmera confiscada pelos militares por tratar-se de material subversivo. Até um tradutor foi convocado para estudar minuciosamente o manual do aparelho, pois havia suspeita de que escondesse alguma mensagem contrarrevolucionária. A Universidade Federal da Paraíba, portanto, foi a única instituição no mundo a comprar um equipamento cinematográfico profissional de 35 milímetros e nunca o usar por questões políticas. Devido ao fantasma da câmera russa, Linduarte Noronha teve negada sua contratação pela Universidade de Brasília. O equipamento russo, restaurado, faz parte hoje do acervo do Núcleo de Documentação Cinematográfica – NUDOC, da Universidade Federal da Paraíba.

Ver o documentário de Eduardo Coutinho Cabra Marcado pra morrer.
Conforme dados da Comissão Pastoral da Terra de 1996. Até agosto de 1997, 13 sem-terra foram condenados, sendo processadas 521 pessoas entre agricultores, sindicalistas e religiosos na luta pela reforma agrária. A assessoria jurídica da comissão na Paraíba acompanhava 79 processos.
Max Nunes criou sátiras políticas no rádio de 1945. Ademar de Barros era o caixa desonesto da boate Ali Babá e os 40 garçons, na Rádio Mayrink Veiga. Juscelino Kubitschek era o presidente da Marmelândia, o país das maravilhas, na Rádio Tupi.

Carlos Gomes nasceu a 11 de julho de 1836 em Campinas, interior paulista. Em 1859 mudou-se para o Rio de Janeiro, capital político-cultural do Império. Escreveu o Hino Acadêmico e diversas modinhas, entre elas, a mais conhecida Quem Sabe. Morreu de câncer em 16 de setembro de 1896.

VOZES QUE NÃO CALARAM
RADIODIFUSÃO E CENSURA NO BRASIL E NA PARAÍBA
Professor doutor Moacir Barbosa de Sousa


1. Antecedentes históricos

E
m 1964, parte da esquerda brasileira optou pela luta armada como forma de resistir ao Regime Militar e assim abrir caminho para uma revolução. Destacaram-se neste processo a Ação Libertadora Nacional (ALN), liderada por Carlos Marighella, ex-deputado e ex-membro do Partido Comunista Brasileiro, morto numa emboscada em 1969; Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), comandada pelo ex-capitão do Exército Carlos Lamarca, morto na Bahia, em 17 de setembro de 1971; e o Partido Comunista do Brasil (PC do B), uma dissidência do PCB. As organizações armadas, utilizando táticas de guerrilhas, fizeram assaltos a bancos e seqüestros de diplomatas para trocá-los por presos políticos e colaboradores do regime.
A Ação Popular foi, na década de 60, um dos mais importantes movimentos de resistência ao regime militar. Teve origem em 1962 a partir de grupos católicos, especialmente influentes no movimento estudantil. De 1962 até 1972 a Ação Popular fez todos os Presidentes da UNE. Inicialmente moderada, a AP passou a discutir a necessidade da luta armada, devido à radicalização dos órgãos de repressão. A AP lançou o movimento Contra a Ditadura e em 1967 mudou sua sigla para APML (Ação Popular Marxista-Lenista) buscando aliar-se aos movimentos camponeses e de bóias-frias. Com vários de seus líderes assassinados, a AP foi incorporada ao PC do Brasil.
Quando ocorreu a renúncia do Presidente Jânio Quadros em agosto de 1961, e com o consequente veto à posse de João Goulart como seu substituto pelos setores militares, milhares de pessoas foram às ruas exigir o cumprimento da Constituição. Em João Pessoa, os locais onde se realizaram as concentrações populares foram o Ponto de Cem Réis e o Parque Solon de Lucena e em Campina Grande, a Praça da Bandeira. A Associação Paraibana de Imprensa – API organizou a resistência ao golpe colocando alto-falantes em todo o centro da capital transmitindo a Rádio Tabajara com a Cadeia da Legalidade, de Porto Alegre.
Contraditoriamente, foram alguns oficiais nacionalistas do I Grupamento de Engenharia e Construção, simpatizantes com a causa, que exerceram papel mais destacado do que as lideranças estudantis e sindicais. O sindicalismo, devido à tardia industrialização paraibana, não tinha destaque (MELLO, 1996). Em Campina Grande, onde predominavam as microempresas e o comércio, o movimento era praticamente nulo. Apenas o Sindicato dos Bancários, ligado ao Comando Geral dos Trabalhadores, com apoio de alguns metalúrgicos e os telegrafistas da União Brasileira de Servidores Postais e Telegráficos, lutavam por reformas estruturais de base.
Na Associação Paraibana de Imprensa, com predominância do pensamento de extrema esquerda, os moderados de centro esquerda foram isolados. Entre 1961 e 1962 a entidade esteve afinada com a direção dos órgãos de divulgação oficiais do Estado, a Rádio Tabajara e o jornal A União. Organizações como a Frente de Mobilização Popular, de orientação brizolista, o Comando dos Trabalhadores Intelectuais, o Grupo Compacto de Imprensa e o Clube do Livro Progressista passaram a se reunir na sede da API. Os setores de música, teatro e cinema entraram no movimento das reformas com apoio da Universidade Federal da Paraíba.
Entre 1961 e março de 1964, em Sapé, no interior paraibano, o Movimento das Ligas Camponesas tornou-se, ao lado do seu congênere pernambucano, o mais importante da região. O governo de Jango havia apoiado com a instalação de postos médicos do SAMDU, assistência técnica, política de crédito fácil e com a promessa de Reforma Agrária. O município paraibano era tão importante até internacionalmente, que o Presidente americano John Kennedy preparava-se para visitá-lo numa de suas viagens ao Brasil, quando foi assassinado em novembro de 1963.
Em 29 de julho de 1962, o Presidente Goulart visitou a Paraíba, participando de concentrações populares em João Pessoa e Campina Grande. A maior parte da assistência nos dois comícios era constituída de militantes das Ligas Camponesas. O deputado Francisco Julião, fundador das ligas no Engenho Galiléia, em Pernambuco, em 1958, era partidário da chamada "linha chinesa" do comunismo internacional. Seus seguidores atuavam em Sapé, Santa Rita e Pedras de Fogo.
No município de Sapé destacou-se a figura de Pedro Teixeira, um camponês que, ao tornar-se líder do movimento rural na região, terminou seus dias assassinado por ordem de um usineiro do Vale do Mamanguape. Como as autoridades decretaram sua prisão preventiva, o mandante do crime assumiu apressadamente, depois de conchavos políticos, uma cadeira na Assembleia Legislativa, já que era suplente, a fim de se proteger com imunidades parlamentares. A mulher de Pedro Teixeira, Elizabeth, substituiu o marido na luta dos camponeses do interior paraibano.
Os proprietários de terras formaram uma entidade paramilitar, a Associação dos Produtores Rurais da Paraíba – APRA, ligada à direita da UDN e a setores do Partido Libertador e Partido Democrata Cristão. Com o fortalecimento das Ligas Camponesas e a resistência dos grandes latifundiários à implantação da Reforma Agrária, acentuaram-se os conflitos do campo na região nordestina. O primeiro crime na briga por terras na Paraíba ocorreu em 14 de março de 1962, na Fazenda Miriri, em Sapé, tendo como vítima o agricultor Alfredo Pereira do Nascimento. Até o momento já morreram 20 trabalhadores rurais.
A Paraíba era considerada um dos estados mais violentos da região nordeste no que se refere aos conflitos agrários. Diferente de outros estados da região, como Bahia e Pará, por exemplo, aonde os latifundiários chegam a possuir propriedades de até dez mil hectares, na Paraíba as terras são menores, o que acentua o problema. Apenas quatro assassinos foram a julgamento. Um foi condenado, mas após três anos de prisão já está em liberdade. No dia 19 de maio de 1997 ocorreu o último assassinato de trabalhador rural na Paraíba: o lavrador Manuel Luiz da Silva, líder dos camponeses na região, foi emboscado e morto na Fazenda Taipu, município de São Miguel de Taipu. Entre as vítimas dos conflitos por terras no estado destaca-se a figura da líder Margarida Maria Alves, morta no dia 12 de agosto de 1983 com um tiro de espingarda na porta de sua casa em Alagoa Grande.
Com os tumultos no campo envolvendo tropas federais, a Polícia Militar da Paraíba, jagunços da APRA e os camponeses, o movimento de 31 de março chegou ao Estado. Em Rio Tinto, a Prefeitura, as Ligas Camponesas e sindicatos tentaram resistir, mas foram duramente reprimidos. O exército ocupou a rodovia BR-101, que liga João Pessoa a Recife. Uma companhia do 15º Regimento de Infantaria sediado na capital paraibana participou, em Recife, da deposição do Governador Miguel Arraes, junto ao qual se encontravam lideranças estudantis e sindicais da Paraíba, além de outros estados que foram a Recife dar seu apoio à resistência organizada pelo Governador deposto.
Na Paraíba, foram depostos os prefeitos dos municípios de Mulungu, Rio Tinto e Itabaiana. Um monumento em homenagem a Pedro Teixeira nas proximidades da rodovia BR-230, que liga a capital ao interior do Estado, foi dinamitado. No dia 1º de abril o Governador Pedro Moreno Gondim anunciou seu apoio ao golpe. A Assembleia Legislativa da Paraíba cassou parlamentares do Partido Socialista; as câmaras municipais de João Pessoa, Rio Tinto, Campina Grande, Sapé e Guarabira seguiram o exemplo. Houve intervenção na Associação Paraibana de Imprensa. O reitor da Universidade Federal da Paraíba, Mário Moacir Porto, foi afastado e seu substituto empenhou-se em demitir professores e funcionários.
No auge do abuso das prisões, João Alfredo Dias, o Nêgo Fuba e Pedro Inácio de Araújo, o Pedro Fazendeiro, foram aprisionados por grupos paramilitares que desapareceram com os corpos dos dois líderes camponeses. Tempos depois, duas ossadas carbonizadas foram encontradas numa estrada próxima a Campina Grande. Correram boatos de que os corpos teriam sido jogados numa fornalha de usina de açúcar depois de torturados e assassinados.
Com a desarticulação dos opositores pelos militares, os movimentos sociais se retraíram na Paraíba. Só em 1967 voltaram à baila envolvendo a imprensa, o que havia restado dos sindicatos, entidades estudantis, intelectuais e o clero paraibano, este dirigido desde 1966 pelo arcebispo Dom José Maria Pires, cuja linha, voltada para as questões sociais, era contrária à dos seus antecessores que se preocupavam apenas com a salvação das almas. As manifestações de 1968 ecoaram na Paraíba, onde estudantes secundaristas e universitários foram às ruas protestar. No dia 28 de março uma manifestação contra a má qualidade do ensino, realizada no restaurante estudantil Calabouço, no Rio de Janeiro, foi violentamente reprimido pela polícia, resultando na morte do estudante Edson Luís Lima Souto. A reação dos estudantes foi imediata: decretaram greve nacional que foi reprimida com violência em todo país.
No enterro do jovem estudante aconteceu um dos maiores atos públicos contra a repressão. Missas de sétimo dia foram celebradas em quase todas as capitais do país. Em Campina Grande ocorreu uma passeata, noticiada pela Rádio Arapuan de João Pessoa com críticas à forte repressão policial e atribuindo a responsabilidade ao Governador do Estado, João Agripino. Por este motivo a emissora foi fechada a pedido do próprio Governador. Logo depois, o chefe da Casa Militar do Presidente Costa e Silva, general Jaime Portela, deu ordem para reabrir a rádio, atendendo a pedidos de políticos paraibanos, do Presidente da assembleia Legislativa e do vice-governador Clóvis Bezerra. A Rádio Arapuan voltou ao ar às 20 horas de um domingo, ao som do Hino Nacional e do Hino da Independência.
A Polícia Federal cumpria à risca as determinações superiores convidando as emissoras de rádio e os jornais a moderar a linguagem ao noticiar a situação política do país. Estudantes paraibanos foram presos no congresso de Ibiúna e voltaram para casa de cabeça raspada. As denúncias de tortura no país levaram o arcebispo Dom José Maria Pires (atualmente arcebispo emérito da Paraíba), a fundar o Centro de Defesa dos Direitos Humanos. Os problemas agrários retornaram com força, destacando-se desta vez uma pendência na Fazenda Alagamar, localizada no município de Salgado de São Félix, próximo a Itabaiana, que durou de 1977 a 1984. Os donos da fazenda haviam transformado as terras herdadas em zona de pecuária extensiva. Os arcebispos de Olinda, Dom Hélder Câmara e da Paraíba, Dom José Maria Pires, chegaram a tanger o gado que invadia as roças de antigos posseiros. O Governador Tarcísio Burity promoveu a desapropriação de Alagamar e nela instituiu um projeto de colonização estadual.
O presidente Emílio Garrastazu Medici disse em certa ocasião que se sentia feliz, todas as noites, quando ligava a televisão para assistir ao jornal. Segundo ele, enquanto as notícias davam conta de greves, atentados e conflitos em várias partes do mundo, o Brasil marchava em paz, rumo ao desenvolvimento. Era como se tomasse um calmante depois de um tenso dia de trabalho, finalizou. No que diz respeito às greves, os atos institucionais baixados pelos militares brasileiros durante o regime proibiam qualquer movimento do gênero.
Quanto aos atentados, foi uma forma radical de ser fazer ouvir por setores da oposição; para eles não havia resistência passiva, coisa de hippies e de partidários da filosofia hindu, costumavam dizer. Os conflitos que, segundo o general-presidente não existiam no Brasil, eram escamoteados pela ferrenha censura que se abateu sobre os meios de comunicação. Enquanto os 90 milhões em ação cantavam Eu te amo meu Brasil, eu te amo/ meu coração é verde, amarelo e branco/ azul de anil, nos porões dos órgãos de repressão centenas de irmãos eram torturados e o "milagre brasileiro" era vendido à opinião pública brasileira e mundial.
A tarefa de censura das diversões públicas era atribuição da Divisão de Censura do Departamento de Polícia Federal sendo, portanto, uma atividade do Estado. O governo Vargas criou um órgão de divulgação a quem cabia também a tarefa de censurar jornais, revistas, músicas, peças de teatro e programas de Rádio. O regime de 1964 manteve a imprensa brasileira sob severa vigilância. Em várias ocasiões, jornais e noticiários de Rádio e televisão foram obrigados a divulgar ofensas dos militares à própria imprensa.
Em 1976 o músico brasileiro Egberto Gismonti foi convidado para gravar um disco em Oslo e realizar uma série de shows em quatro cidades alemãs. Na época, para sair do país o cidadão brasileiro teria de pagar ao governo a taxa de 12 mil cruzeiros. Alegando que iria ao exterior divulgar a cultura brasileira, Gismonti, que não era bem visto pela censura da época, pediu dispensa de pagamento do imposto. A solicitação foi negada pelo Ministério da Educação, a quem foi encaminhado o pedido. Pouco tempo depois, o MEC dispensou o pagamento da taxa por Adelaide Fraga de Oliveira, terceira colocada no concurso de miss Brasil, que iria representar o país em Londres, no concurso de miss Mundo.
No governo militar do general Artur da Costa e Silva foi criado o Conselho Superior de Censura que só viria a ser regulamentado anos depois durante os ventos da abertura política. O conselho assessorava o Ministro da Justiça na apreciação de recursos contra as decisões da Divisão de Censura de Diversões Públicas. Houve momentos em que a imprensa estatal foi alvo da repressão do próprio Estado, como no caso da morte do jornalista Vladimir Herzog, do Departamento de Telejornalismo da TV Cultura de São Paulo, em 1975. A 15 de março de 1982, o presidente João Batista de Figueiredo ocupou uma cadeia de emissoras de Rádio e Televisão para divulgar uma mensagem convidando a sociedade para uma "cruzada contra a pornografia e a dissolução dos bons costumes".
O chefe do Serviço de Censura no Rio de Janeiro convocou reunião com os representantes de todas as emissoras de radiodifusão para pedir a suspensão da exibição de mulheres de biquíni durante as programações e que fossem evitadas cenas de sexo, adultério e até propaganda de absorventes femininos e roupas íntimas. O Conselho Superior de Censura havia revogado até 80% das proibições da Censura Federal. Após o pronunciamento do presidente Figueiredo o número de revogações caiu para 25%.
Em 1983, durante as greves dos petroleiros e metalúrgicos, a Rádio Bandeirantes de São Paulo foi fechada por ordem do Dentel devido à abordagem dada ao movimento trabalhista. A maioria das emissoras apenas divulgou entrevistas com autoridades que amenizavam a situação e pediam aos operários para não aderirem à greve, tranqüilizando a população de que a situação se achava sob controle.
O Último Tango em Paris, filme de Bernardo Bertolucci foi exibido em Salvador, capital da Bahia, durante uma tarde de sábado de dezembro de 1976, em cópia dublada em espanhol pertencente a um argentino de passagem pela capital baiana. O filme foi exibido na sede de uma empresa cujo nome a imprensa não pode revelar e contou com a presença de banqueiros e empresários. Foi servido uísque e comeram-se salgadinhos em homenagem aos 51 anos do empresário argentino. O crítico José Augusto, do jornal A Tarde, de Salvador, disse: "achei excelente, muito menos imoral do que a maioria das pornochanchadas que andam sendo livremente exibidas por aí". Às dezenas de pessoas que procuravam inutilmente o endereço do cinema onde o filme teria sido exibido, o crítico respondia: "não sei, porque a censura proibiu este filme". Enquanto filmes com os títulos Elas gozam de quatro, Delírios sexuais de uma boca gulosa, Quando elas deram atrás eram liberados a custa de liminares, e cineastas da famosa Boca do Lixo paulista adotavam pseudônimos do tipo H. Romeu Pinto, a própria Igreja Católica se omitia, e ela mesma incentivava a proibição do filme de Jean-Luc Godard Je vous salue Marie.
Os Repórteres sem Fronteira, uma ONG que defende a liberdade de informar e ser informado divulgou relatório analisando a situação da liberdade de imprensa em 140 países do mundo, durante o ano de 1997 e início de 1998. Foram assassinados durante o período 29 jornalistas, entre eles dois brasileiros; 150 foram presos, 181 ameaçados ou agredidos e 110 veículos de comunicação foram censurados. Dos 185 estados-membros da ONU somente em 80 respeita-se a liberdade de imprensa. Nos demais 105 a situação varia entre difícil e extremamente difícil. Cerca de 40% dos assassinatos de jornalistas no mundo ocorridos em 1997 e início de 1998 ocorreram na América Latina.
A nova constituição aboliu a censura, seja política, ideológica ou artística. O governo federal pode apenas classificar os programas de Rádio e televisão em termos de propriedade e impropriedade para certas faixas de idade, em relação a horários de exibição, tornando essa classificação pública sob a forma de recomendação e não mais obrigação.

Em 1998, o presidente Fernando Henrique Cardoso pediu aos congressistas para pensar formas de regulamentar a ação dos "formadores de opinião", ou seja, os donos de jornais, revistas e emissoras de rádio e televisão. A proposta estudada remetia para um tipo de autocensura ou auto-regulamentação dos órgãos de imprensa. Com isso, sem interferir diretamente no conteúdo da informação, sem censurar como nos tempos da ditadura militar, o governo manter-se-ia ao largo do problema, jogando a responsabilidade para os meios de comunicação; no entanto a iniciativa continuou sendo do Estado. O falecido e grande diretor de cinema Federico Fellini afirmou que "a censura é uma maneira de admitir fraqueza e pobreza intelectual". O censor José Leite Otati disse (Veja, 17/11/76, p. 120):

O rádio não tem imagem, não tem o exemplo visual. O cinema e o teatro possuem, em si, elementos já restritivos, como custo do ingresso, necessidade de deslocamento do espectador até a sala de projeção ou de espetáculo. Mas a televisão atinge todos, dezenas de milhões de pessoas diariamente, a maioria delas semianalfabetas. Então, precisa ser controlada, porque a censura não existe para o sábio, que sabe tudo, nem para o analfabeto, que não sabe nada. A censura existe para o semianalfabeto, aquele que pensa que sabe e acredita em tudo que vê.

O crescimento do rádio foi proporcional à autonomia dos proprietários privados em relação ao Estado, apesar da dependência político-financeira do meio para com o próprio Estado. Os anunciantes privados faziam parte de uma economia cujos setores mais dinâmicos se encontravam em mãos da burguesia industrial nacional e internacional. Com o fim da Segunda Guerra Mundial e fim do Estado Novo surgiu um clima liberalizante, principalmente depois da aprovação da Constituição de 1946, que garantia a liberdade de expressão.
Como antes havia o domínio autoritário do Estado Novo e a circulação de ideias nazistas, a sociedade civil, em geral, mostrou-se sensível ao controle do Estado sobre as atividades econômicas e culturais. Houve uma aliança de classes que incluiu nacionalistas e setores populares aparecimento de um clima liberal; por exemplo, em São Paulo, a Rádio Marconi e no Rio, a Rádio Mayrink Veiga mantinham orientação progressista. Nos tempos do governo Vargas havia um censor designado para cada três emissoras de rádio anotando e comunicando irregularidades.
A Rádio Nacional teve grande parte de seus artistas perseguidos e cassados pela revolução de 1964, entre eles Mário Lago e Dias Gomes. César de Alencar foi acusado de delatar os companheiros aos militares. A Rádio Mayrink Veiga foi fechada, seu proprietário não foi indenizado e ela nunca mais voltou ao ar.
Em meados da década de 50, o país experimentou mudanças e um rápido crescimento. Os setores econômicos mais desenvolvidos eram as indústrias de bens de consumo duráveis e bens de consumo supérfluos, abertos ao capital estrangeiro. Como havia grande produção, passou a ser necessário um mercado consumista. Para isso era necessário um sistema de comunicação instantâneo e nacional. O rádio, e depois a televisão, se prestaram para isso, pois não dependiam de um complexo sistema de distribuição (na época), de público alfabetizado e de maior poder aquisitivo, como o meio impresso o necessitava.
A partir de 1955, com o surto industrializante, o rádio tornou-se o que ainda é hoje: concentrador de propriedade e da produção artística, dependente, altamente publicitário, massificante e apoiado no entretenimento. Para regular a atividade da radiodifusão, o Estado valeu-se da Lei 4117, o Código Brasileiro de Telecomunicações, submetida ao Congresso Nacional em 1957 e aprovada em 1962. Dois anos depois começaria um período de rígido controle da radiodifusão, na forma do Decreto-Lei 236, que complementou e modificou o Código. A alteração incluiu um sistema de punições, facilitado pelos outros instrumentos "legais" de controle sobre a comunicação de que dispunha o regime militar: Lei de Imprensa, Lei de Segurança Nacional e o AI-5. O meio mais sacrificado foi a radiodifusão, pois com seu altíssimo índice de penetração, foi nele que a Censura caiu com todo vigor.
Matéria em A Folha de São Paulo (2 ago. 1996) revela a existência de correspondência trocada entre a Rede Globo e o SBT com a Censura Federal em São Paulo, no ano de 1981, onde se deduz que as duas redes mantinham com a extinta Censura Federal um relacionamento bem mais harmonioso do que se imagina. Numa das cartas, datada de 11 de junho de 1981 e endereçada ao superintendente da Rede Globo de Televisão em São Paulo, o chefe da Censura agradece a doação de um aparelho de TV em cores, marca Sanyo. A assessoria de imprensa da Rede Globo informou à reportagem da Folha que realmente foi feita a doação, porque na época, a Censura estava muito desequipada.
Outra carta, de 9 de novembro de 1981, endereçada a Luciano Callegari, diretor-presidente da TVS (o SBT fora criado em agosto e ainda era conhecido como TVS), o chefe da Censura paulista acusa o recebimento de um conjunto estofado, agradece a oferta, mas informou que devolveria os móveis. Callegari também confirmou a doação, não só dos móveis, mas também de aparelhos de TV e videocassetes. Negou que os presentes tivessem a intenção de amansar os censores; seriam apenas para ajudá-los, pois a precariedade com que trabalhavam às vezes atrapalhava a emissora, cujos programas não eram liberados em tempo por falta de vídeos em número suficientes para apreciar todas as fitas.

A voz do dono
Criado em 1931, o Departamento Oficial de Propaganda do governo Getúlio Vargas foi reestruturado em 1939 transformando-se em DIP - Departamento de Imprensa e Propaganda. O órgão tinha entre as suas atribuições produzir um programa radiofônico retransmitido obrigatoriamente para levar à opinião pública informações oficiais, antecessor da Hora do Brasil. Em 1934 o DOP era denominado DNPC - Departamento Nacional de Propaganda e Difusão Cultural - e visava à utilização do cinema, radiotelegrafia e outros meios como instrumentos de divulgação do governo. Depois se chamou DNP - Departamento Nacional de Propaganda. Ligada ao departamento surgiu a Agência Nacional, que distribuía notícias e artigos para a imprensa.
A partir de 1939 utilizou os meios de comunicação para popularizar Vargas como o grande líder. O departamento também tinha atribuições de censura, proibindo as críticas ao governo e de "levar aos ouvintes radiofônicos nacionais e estrangeiros por meio da Radiodifusão nacional tudo o que possa fixar-lhes a atenção sobre as atividades brasileiras em todos os domínios do conhecimento humano". Cabia-lhe ainda "organizar um programa denominado Hora do Brasil". Em 1940 foram submetidos à censura 3.770 programas, 1.615 sketches, 483 peças e 2.416 gravações. Naquele ano, o país tinha 78 emissoras de Rádio. Cerca de 110 programas foram proibidos na época.

No início da carreira, fazendo dupla com Grande Otelo, Oscarito (1906-1970) era especialista em imitar Getúlio Vargas (além de programas de Rádio, juntos fizeram mais de 30 filmes). A dupla cômica sertaneja Alvarenga e Ranchinho também foi uma das vítimas da repressão da censura de Vargas. A sua especialidade era satirizar políticos através de paródias dos comerciais ou "reclames", como em "Plínio Salgado quando abre a voz/Faz mal ao fígado de todos nós", paródia do jingle das Pílulas de Vida do Doutor Ross. A dupla abria suas apresentações nos programas de auditório com a paródia à marchinha de Eratóstenes Frazão e Roberto Martins, Cordão dos Puxa-sacos, gravada pelos Anjos do Inferno: "Neste mundo tem muito puxa-puxa/Que com nós vai ficar aborrecido/Pois nós vai mexer com os maiorias/E quem não gostar é melhor tapar os ouvido". Uma das sátiras de Alvarenga e Ranchinho mexia com o chefe de polícia do Estado Novo, Felinto Muller: "Na sua casa tem integralista/Não vou lá/Na sua casa tem comunista/Não vou lá/Peço licença prá mandar/Felinto Muller em meu lugar", uma paródia com o jingle do inseticida Detefon; ou ainda "Mangabeira baiano/Paisano fiel/Beija a mão do Eisenhower/Que lindo papel", a respeito da foto publicada nos jornais onde o político Octavio Mangabeira beijava a mão do presidente americano Eisenhower.
O DIP proibiu sátiras com a figura do presidente da República. Na década de 40, a censura proibiu nomes próprios por extenso em letras de músicas. Alegavam as autoridades do DIP que isso afetava a privacidade das pessoas. No cenário teatral brasileiro, o ano de 1948 marcava o surgimento do Teatro Brasileiro de Comédias, fundado pelo grupo que no ano seguinte participava da criação da Companhia Cinematográfica Vera Cruz. Os grandes jornais da época de Getúlio Vargas mantiveram acirrada campanha antigoverno. Quando retornou à presidência, em 1951 ele assinou o Decreto 29.783, de julho de 1951, modificando o prazo das concessões de rádio, de dez para três anos. Segundo os empresários da radiodifusão da época, o decreto de Vargas foi um atentado à liberdade da radiodifusão. Com o fim do seu governo, a medida também caiu. Em 4 de abril de 1938 a lei n.º 38 definia os crimes contra a ordem política e social e punia "quem instalasse ou fizesse funcionar clandestinamente estações retransmissoras ou receptoras".
A Hora do Brasil foi criada em 22 de julho de 1935. O primeiro programa foi transmitido dos estúdios da Rádio Guanabara, do Rio de Janeiro e apresentado por Luiz Jatobá, tendo como característica musical a abertura da ópera O Guarani, de Carlos Gomes e sendo retransmitido por oito estações brasileiras. Em 1937, a retransmissão passou a ser obrigatória. O programa, pelo seu caráter de obrigatoriedade, transformou-se em foco principal de uma polêmica envolvendo a Rádio Eldorado-AM, de São Paulo.

No dia 5 de julho de 1995, um acidente na Marginal Pinheiros parou a capital paulista. Com a finalidade de prestar um serviço de utilidade pública aos ouvintes, a Rádio Eldorado-AM entrou em contato com a Radiobrás e solicitou permissão para atrasar a transmissão da Voz do Brasil naquele dia. O pedido foi negado e o caos tomou conta de São Paulo até a madrugada, com as pessoas presas no trânsito sem informações ou orientações.

A União das Rádios do Brasil e a Rádio Eldorado lançaram a campanha denominada "Voz do Brasil? Não, muito obrigado". Dias depois, na própria Eldorado, o presidente da Radiobrás, o ex-deputado Maurílio Ferreira Lima, homem de passado fidelíssimo aos governos, disse, exaltado: "A Voz do Brasil é obrigatória e quem não quiser ouvi-la que desligue o rádio ou tape os ouvidos". O jurista e professor Ives Gandra da Silva criou a expressão "avanço do retrocesso", ao se referir à obrigatoriedade de transmissão do programa oficial. Segundo Gandra, a partir de 5 de outubro de 1988 a obrigatoriedade de veiculação do noticiário do governo não poderia mais existir, por ser inconstitucional conforme o artigo 220 da Carta, que não admite restrição aos meios de comunicação. A União das Rádios do Brasil chegou a encaminhar processo ao Procurador Geral da República, Geraldo Brindeiro em dezembro de 1997; alegando "firulas jurídicas" o procurador declarou-se incapaz de julgar a questão. A própria Ordem dos Advogados do Brasil, ao ser contatada para defender a causa em nome da Rádio Eldorado e da União das Rádios do Brasil, recuou da posição. CAPARELLI (1982, p. 159) cita pronunciamento de Mauro Salles, durante conferência na Escola Superior de Guerra, em 24 de agosto de 1978:

É lógico que, sendo concessão federal [o Rádio] pode, e deve, o seu espaço ser requisitado sem ônus quando o interesse público o justificar. É assim em toda parte [...] O que não se justifica, é a compulsoriedade e a regularidade de um processo que acaba por banalizar a comunicação oficial, tirando-lhe grande parte do mérito.

A polêmica acerca do tema, na Paraíba, também registrou suas vozes a favor ou contrárias. Para muitos o programa oficial é uma forma de se levar a informação a certas regiões do norte e Nordeste. Outros dizem que a obrigatoriedade fere apenas os donos de emissoras que estão mais de olho no lucro ao comercializar o espaço destinado ao programa do que em prestar serviço informativo à comunidade.
O hábito de ouvir A Voz do Brasil ainda é cultuado no interior do Nordeste, principalmente pelo público mais adulto. Uma solução salomônica seria flexibilizar a veiculação do informativo, liberando o horário de transmissão a critério de cada emissora.
Pesquisa do Instituto Data Folha de dezembro de 1995 constatou que só 11% da população ouve A Voz do Brasil, 45% às vezes escuta e 34% não ouve nem quer ouvir. Apenas três países no mundo têm redes obrigatórias de Rádio: Burundi, Cuba e Brasil.
Em 1975 a Radiobrás foi criada como empresa pública, para centralizar a administração e as operações das emissoras de Rádio e TV do governo federal. Segundo o próprio governo, um dos objetivos da empresa era empresa era participar da batalha contra a invasão eletrônica promovida na região amazônica por emissoras do leste europeu e Caribe. No mesmo ano foi criada a Assessoria de Imprensa e Relações Públicas da Presidência da República – AIRP. Já existia um órgão criado em 15 de fevereiro de 1968, a Assessoria Especial de Relações Públicas da Presidência da República, e que deu lugar à AIRP.
Em 1979 surgiu a Secretaria de Comunicação Social do governo federal, Secom e no ano seguinte a Radiobrás absorveu pessoal e equipamentos da Empresa Brasileira de Notícias, sucessora da Agência Nacional, que passou a existir sob a denominação de Agência Brasil. Em 1995 passou a integrar a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. Em 1996 eram as seguintes as emissoras da Radiobrás: Rádio Nacional AM de Brasília, com 300 KW de potência; Rádio Nacional Ondas Curtas da Amazônia, 250 KW de potência, nas faixas de 25 e 49 metros; Rádio Nacional Ondas Curtas de Brasília, com 250 KW de potência; Rádio Nacional AM do Rio de Janeiro, 100 KW e Rádio Nacional FM de Brasília, 10 KW.




Piratas invadem o éter
Na maior parte do Ocidente, incluindo a América Latina, os maiores jornais e revistas são empresas privadas e as emissoras de Rádio e televisão são concessões do Estado exploradas pela iniciativa privada. Como tal, não fogem ao objetivo de gerar lucros e por isso os programas não são planejados com fins educativos ou informativos (as exceções ficam por conta de algumas emissoras educativas); o objetivo é o lucro. Neste caso, os indivíduos não têm acesso aos meios de comunicação para expressar pontos de vista, para debater ideias e para divulgar produções artísticas fora dos grandes esquemas comerciais. Patrocinadores, anunciantes e proprietários de concessões são os que determinam as linhas dos programas.
Sempre ao lado dos governos ao longo dos tempos, os meios de comunicação acusam o empresariado nacional de boicote às iniciativas oficiais de estabilização da combalida e frágil economia brasileira por ocasião de lançamento, de tempos em tempos, dos chamados "pacotes econômicos". Estes meios de comunicação esquecem que eles próprios são um oligopólio, escamoteando informações da sociedade e dando o enfoque que interessa aos donos desses veículos.
Como o Estado exerce o controle das emissões das ondas eletromagnéticas, o movimento das rádios piratas foi uma contestação a esse monopólio estatal. Qualquer uso das faixas do espectro que não seja autorizado pelo Estado será considerado ilegal e passível de sanções. A concentração dos meios de comunicação nas mãos dos poderosos levou setores da sociedade a buscar formas de possuir seus próprios veículos onde a informação pudesse circular democraticamente.
O movimento alemão de rádio operário teria origem no final dos anos 10, coincidindo com o termo da I Guerra Mundial, a Revolução Socialista e a implantação da República de Weimar, uma coalizão social-centro-democrata que vai governar o país até a ascensão do nazismo, no início da década de 30. O movimento atua sobretudo junto à recepção, de duas maneiras principalmente: criando condições para a expansão do rádio entre os trabalhadores, inclusive estimulando a construção dos próprios aparelhos receptores; e fomentando a criação de comunidades de ouvintes para audição e discussão de programas, incluindo os de procedência estrangeira e das emissões de direita da Rádio Deutsche Welle, encarregando-se de remeter as críticas às emissoras na tentativa de influir sobre a programação.
Por volta de 1932 Hitler encontra à sua disposição cerca de cinco milhões de radiorreceptores, atingindo por volta de 15 milhões de pessoas, número bastante expressivo para ajudar a difundir a propaganda nazista (ORTRIWANO, 1990, p. 11-19).
Em 1925 surgiu uma Rádio comunitária na Áustria e em 1947 elas espoucaram na América Latina. No final da década de 50 as "piratas" proliferaram na Inglaterra, muitas delas transmitindo de bases instaladas no Mar do Norte para fugir à fiscalização e à rígida legislação inglesa que punia não apenas os responsáveis pelas emissões clandestinas, como também os ouvintes das estações. Os barcos de onde as emissoras transmitiam costumavam hastear bandeiras negras com o símbolo da pirataria, o que deu origem ao termo Rádio Pirata. Em 1958 surgiu a primeira rádio inglesa "pirata", a Rádio Merkur FM, transmitindo da costa dinamarquesa. Em 1964 a Rádio Veronique transmitia da Holanda, embora fosse inglesa. Essas rádios buscavam penetrar no monopólio publicitário das emissoras "legais" com o apoio de empresas multinacionais que patrocinavam as emissões.
Em 1930, Bertold Brecht comentava que a concentração dos meios mecânicos, e a crescente especialização da educação requeriam uma espécie de "rebelião" por parte do ouvinte que deveria ser elevado também à categoria de produtor, isto é, interferindo no processo de criação das mensagens radiofônicas. Na Itália e na França o movimento das piratas toma grande impulso na metade a partir da metade da década de 70 até o início da década seguinte. Nos dois países, as rádios piratas seguem duas tendências: uma comercial, na Itália, e a outra de cunho político e cultural tem o apoio do governo socialista da França. A Revista Brasileira de Radiodifusão (abr. 1967, p. 9) assinala:

As "emissoras piratas", que operam irregularmente em águas internacionais, próximas às costas de países europeus, particularmente da Inglaterra e da França, continuam em grande atividade, ganhando grande preferência do público radiouvinte. Essa preferência é tanto maior quanto em maior número são os programas educativos transmitidos pelas emissoras oficiais daqueles países.

Em 1983 as autoridades francesas obrigaram a redução das estações de 100 para 22 apenas. Em outros países elas foram autorizadas a funcionar, o que de certa forma contribuiu para o fim do espírito revolucionário da maioria, segundo MACHADO e outros (1986, p.76/78), afirmando ainda que as remanescentes não poderiam "transformar em barulho o silêncio da maioria". Outro fator de grande influência neste refluxo foi a mudança dos movimentos dos jovens e dos trabalhadores que alimentavam o conteúdo das emissoras. Segundo MARCONDES FILHO (1989, p. 167), o fracasso econômico também levou ao desaparecimento das piratas, pois logo os organizadores descobriram a dificuldade em atuar fora de um esquema comercial que desse suporte às estações.
No Brasil, o movimento das rádios piratas teve seu centro no município de Sorocaba, em São Paulo. Entre 1982 e 1983 instalaram-se mais de 50 estações com programações das mais diversas linhas. Em 1971 surgiu em Vitória a Rádio Paranóica, que operava em 1.494 Khz e tinha como slogan "a única que não entra em cadeia com a Agência Nacional". O responsável pela estação era menor de idade; seu pai teve de se explicar às autoridades provando que ele e o filho não tinham ligações com o movimento comunista. A seguir, em Sorocaba, em 1976, surge a Spectro Voyage Clandestina, também de um estudante.

Em 1989, realizou-se em São Paulo o I Encontro Nacional sobre Rádios Livres. Em 1990, em Goiânia, teve lugar o II Encontro que contou com representantes de Rádios livres de outros países, como da Rádio Venceremos, de El Salvador. O III Encontro, ocorrido em Macaé, no estado do Rio de Janeiro, foi marcado pela ousadia dos organizadores que divulgaram abertamente local, datas e programação, embora não ocorresse repressão.
Por ocasião do acidente com o Fokker da TAM em outubro de 1996 que matou 98 pessoas, falando em nome da Abert, associação que reúne os proprietários de emissoras de Rádio e televisão, seu presidente Joaquim Mendonça levantou hipótese segundo a qual as emissoras piratas haviam interferido no equipamento do avião. O coordenador do Fórum Democrático na Comunicação, criado em junho de 1991, professor José Carlos Rocha, da Universidade de São Paulo, falou que seria impossível tal interferência, senão haveria aviões caindo a toda hora.
Para o coronel da Aeronáutica Ricardo Nogueira, do Serviço Regional de Proteção ao Vôo de São Paulo (Imprensa, n. 144, ano XIII, 1999, p. 52), o problema da interferência existe, "mas não chega nem perto do 'terrorismo' feito contra emissoras sem concessão, nem justifica o fechamento de todas elas". Segundo o coronel Nogueira, se a Anatel está fechando as Rádios, deve ser devido à regulamentação. Essa "invasão" de faixas destinadas a serviços essenciais como polícia, bombeiros e aeroportos pode ocorrer até com emissoras legais e que se encontram com todos os equipamentos corretos, admite o coronel. Há alguns anos, segundo o militar, a Rádio Globo FM do Rio de Janeiro chegou a invadir a faixa da Aeronáutica.
Na verdade, a posição da entidade representativa do poder dos donos de emissoras seria impedir a proliferação daquelas emissoras, pois viam nelas concorrentes comerciais. A alegação de que as rádios "legais" pagam impostos e vão ao ar depois de demorado processo de concessão escondia um poderio político-econômico e o receio de ver entidades populares com direito a voz nas suas comunidades.
A polêmica acerca da conceituação do que é "comunitária" ou "pirata" deve ser encarada do ponto de vista das finalidades educativas, informativas e de utilidade pública da emissora que opera sem as devidas concessões legais. As rádios comunitárias não podem ser consideradas ilegais pois vários juízes federais já concederam liminares favoráveis ao seu funcionamento.
Em dezembro de 1997, antes de o governo autorizar o funcionamento das estações comunitárias, havia no Brasil 7.500 emissoras de baixa potência. Em setembro de 1997 reuniu-se em Recife a Associação Nacional de Radiodifusão Comunitária que criticou a política do governo para a radiodifusão e apresentou emendas para serem levadas ao Senado acerca da legalização das "piratas". Entre as propostas constava o limite de potência de 250 watts, a formação de conselhos para discutir o problema e a necessidade de publicidade. No dia 4 de junho de 1998 o governo baixou decreto regulamentando as rádios comunitárias. Entidades filantrópicas, culturais e assistenciais devidamente reconhecidas poderão explorar os serviços de Radiodifusão comunitária. Quando várias entidades concorrerem à exploração no mesmo espaço, o Ministério das Comunicações dará a palavra final.
A programação deverá ser informativa e cultural e o patrocínio sob a forma de apoio cultural. Sem a regulamentação, as emissoras piratas chegariam a dez mil no país. Elas tiveram um crescimento vertiginoso a partir de 1991, quando o juiz Cassem Masloum absolveu o dono da Rádio Reversão, de São Paulo, alegando que esse tipo de emissora operava em baixa potência sem oferecer perigo de interferência nas rádios legais e atendia a interesses comunitários.
Por outro lado, em 1996 o juiz da 1ª Vara Criminal Federal de São Paulo negou pedido de habeas corpus em favor de Ana Alves de Jesus, dona da Rádio Nova Adoração FM, de apenas 48 watts de potência. A defesa alegou que a rádio não era clandestina, pois tinha endereço certo e se encontrava aguardando a regulamentação pelo Congresso Nacional, além de veicular mensagens de utilidade pública. Seria apenas mais um caso de rádio "ilegal" levado à justiça, não fosse a sentença proferida pelo juiz (Jornal da Associação das Emissoras de Rádio e Televisão do Estado de São Paulo – Ano 14, n.145, abr. 1996, p. 9):

[..] A constituição acabou com a censura, mas isto não quer dizer, entretanto, que os próprios serviços de radiodifusão sejam também imunes à ação governamental. Ou seja, a mensagem é livre, mas o meio nem sempre [destaque nosso]. O espectro das ondas utilizadas pela radiodifusão é finito. Imagine-se o caos que representaria o uso desordenado de tais meios com a interpenetração de mensagens radiofônicas de várias fontes: mensagens urgentes emitidas por aviões em perigo sendo 'borradas' por radioamadores.

O juiz federal de Uberaba Paulo Fernando Silveira admite que, desde 1995, vem concedendo habeas corpus preventivos proibindo a prisão dos presidentes de associações comunitárias e a apreensão dos equipamentos das emissoras piratas. Mais de 100 liminares já foram concedidas pelo juiz em sua jurisdição autorizando o funcionamento das rádios comunitárias. Para ele, a Anatel tem fechado as rádios comunitárias de forma criminosa, abusando do seu poder como agência controladora dos serviços de telecomunicações. Entre abril e setembro de 1991 foram lacrados os transmissores de mais de 400 estações "piratas" no país. Revelando um receio com a expansão dessas emissoras, as associações de empresas de Radiodifusão rotularam seus organizadores de criminosos e comunistas. Depoimento de um integrante do movimento de Rádios Livres de São Paulo sinaliza para a necessidade de aperfeiçoamento do movimento, para a perspectiva de deixar de ser pirata, profissionalizando as atividades e utilizando plenamente as potencialidades do Rádio: informar, educar, orientar e divertir.
Mostrando-se preocupada com as rádios piratas, a Abert encaminhou ao governo federal, em 1995, diversos documentos relatando seus receios. Um deles, assinado pelo presidente da entidade Joaquim Mendonça dizia (Revista da Abert, n.106, p. 11):

A acelerada proliferação das rádios clandestinas, fenômeno inquietador embora já corriqueiro, é mais um desafio ao poder regulamentador e de polícia do Estado, que vem enfraquecendo-se, a cada dia, de maneira aparentemente inexorável. Tardou a se manifestar nas comunicações e radiodifusão, mas não temos dúvidas que, a menos que o governo de Fernando Henrique Cardoso tome medidas enérgicas e inequívocas, também na radiodifusão teremos o banditismo e a usurpação [...]

Segundo ainda o mesmo documento, a entidade mostrou-se contrária à regulamentação das Rádios alternativas, como ficou claro neste trecho: "[...] a Abert tomou conhecimento, com grande inquietação, que o Ministério das Comunicações estaria propondo a organização do setor ilegal, por meio de decreto [...]"
A posição da entidade representativa dos patrões das empresas de Radiodifusão é compreensível. Eles temem a concorrência das pequenas estações comunitárias que, por se encontrar mais perto dos ouvintes dos bairros onde operam, serão porta-vozes daquele núcleo populacional, representando, por conseguinte, uma ameaça ao poder das chamadas estações legais.

Um dos itens do relatório das atividades da ABERT referente ao ano de 1988, datado de janeiro de 1989, demonstra o tipo de relacionamento dos patrões com o Estado e explica as pressões junto ao Governo para acabar com a radiodifusão comunitária (Revista da ABERT, n.41, abr. 1989, p. 13):

MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES – Prosseguiu o excelente relacionamento da ABERT com as autoridades [destaque nosso] do Ministério das Comunicações através de contatos, reuniões e participação de n/representantes em vários grupos de trabalho. Para a discussão de assuntos da área, o Ministro Antônio Carlos Magalhães recebeu várias vezes o presidente da entidade e, ainda, vários diretores. Com todos os setores do MINICOM são boas as relações existentes [destaque nosso].

A Lei 9.612, de 19 de fevereiro de 1998, instituindo o Serviço de Radiodifusão Comunitária no país é um dos primeiros passos no sentido de mudar a política de Comunicação Social no Brasil:

[...] O Congresso Nacional decreta:
Artigo 1º. Denomina-se Serviço de Radiodifusão Comunitária a radiodifusão sonora, em freqüência modulada, operado em baixa potência e cobertura restrita, outorgada a Fundações e Associações Civis, sem fins lucrativos, com sede na localidade de prestação do serviço.
Parágrafo 1º. Entende-se por baixa potência o serviço de radio difusão prestado à comunidade, com potência limitada a um máximo de 25 watts ERP e altura de sistema irradiante não superior a 30 (trinta) metros.
[...]
Artigo 3º. O Serviço de Radiodifusão Comunitária tem por finalidade o atendimento à comunidade beneficiada, com vistas a:
I - dar oportunidade à difusão de idéias, elementos de cultura, tradições e hábitos sociais da comunidade;
II - oferecer mecanismos à formação e integração da comunidade, estimulando o fazer, a cultura e o convívio social;
III - prestar serviços de utilidade pública, integrando-se serviços de defesa civil, sempre que necessário;
IV - contribuir para o aperfeiçoamento profissional nas áreas de atuação dos jornalistas e radialistas, de conformidade com a legislação profissional vigente;
V - permitir a capacitação dos cidadãos no exercício do direito de expressão de forma mais acessível possível. [...]


Na Paraíba foi costume misturar a denominação das rádios alternativas. Denominou-se de Rádios Comunitárias os antigos serviços de alto-falantes que dominaram as praças das cidades do interior de antigamente, transmitindo recados comerciais e oferecendo músicas de um alguém para você. Ao utilizar um tipo de circuito fechado de áudio sem ocupar faixas do espectro eletromagnético, esses serviços ou rádios Comunitárias, como eram chamados na Paraíba, não infringiam a legislação das concessões, eram, portanto, legais. Vários desses serviços ainda operam em João Pessoa transmitindo músicas e comerciais através de alto-falantes tipo "corneta" ou caixas de som instaladas no alto dos postes num determinado perímetro. Já as rádios alternativas ou livres, rejeitam o epíteto de "piratas".
A primeira transmissão "pirata" da Paraíba pode ser considerada aquela feita por Orlando de Vasconcelos em seu Serviço de Alto-Falantes Arapuan e que originou a Rádio Arapuan, na década de 50. Na década de 60, em Pombal, no sertão paraibano, Clemildo Brunet, na época um adolescente de 16 anos, participou do funcionamento de uma emissora pirata. Seu depoimento hoje:

Quando eu era pequeno, tinha mais ou menos dez anos de idade, eu comecei a sentir uma vocação para trabalhar. Na época não existia rádio [em Pombal], só serviço de alto-falante. Passei depois ao microfone; na época não tinha ainda voz de adulto. Devido ao contato direto com o serviço de alto-falante já ia pegando a prática [...] Quando chegou 66, tinha uma emissora clandestina, como a gente chamava na época, que foi montada através de um sistema de radioamador. Tinha a freqüência de ondas curtas, 3.270 quilociclos e funcionava na faixa de 80 metros. Era muito forte a potência. A gente colocou apenas 40 metros na antena, era uma antena horizontal, estilo antigo, antena de radioamador mesmo. Só que tinha uma mesa de som adaptada para funcionar como radiodifusão: separação dos picapes, microfones e boa qualidade de som. Tinha uma grande penetração e oferecia uma boa qualidade na música. A gente zelava muito por isso. A emissora começou a formação de uma escola de radialistas e tinha um nome A Voz da Cidade. Não podíamos funcionar como rádio, porque entrávamos nos receptores, então dizíamos apenas 'esta é a voz da cidade'. Essa emissora trabalhou num sítio aqui perto [em Pombal], mas ela veio da mão de um pastor evangélico. Ele era Radioamador, ele já é falecido, o reverendo Jonatas Barros de Oliveira. Ele aproveitou o cristal, porque ele era radiotécnico, e fez o transmissor e funcionava no sítio para uma igreja da zona rural. Ele só fazia meia hora de programa; ele tocava música e atendia a pedidos, mas era só música evangélica. Trabalho exclusivo da religião.
Fig. 2Fig. 2Fig. 3Fig. 3 (Clemildo Brunet. Depoimento ao autor, 1997).
Fig. 2
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Fig. 3
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Depois de insistir junto ao Reverendo Jonatas, Clemildo Brunet adquiriu a estação por cerca de 250 mil cruzeiros, apesar das advertências de que estava praticado ato ilegal. O equipamento foi levado para a casa dos seus pais e, depois de instalado pelo próprio reverendo, passou a funcionar levando ao ar a nova Voz da Cidade. Havia nos Correios e Telégrafos - órgão que fiscalizava os serviços de rádio no interior do país, na década de 60 – um funcionário que gostava de rádio e passou a integrar o grupo que trabalhava na estação. Com essa cumplicidade, os Correios de Pombal fizeram vista grossa para o "delito". A Voz da Cidade entrava no ar às cinco horas da manhã e funcionava até a uma hora da tarde. Depois voltava às 16 horas e permanecia no ar até às 22 horas. O número de pessoas que trabalhava na emissora chegou a dez; era trabalho de amador, porém feito com amor e como se todos fossem profissionais, recorda Clemildo Brunet.

Existe hoje uma diferença na dedicação. Por exemplo, hoje o rádio está adquirindo pessoas não habilitadas. Naquela época, quando o cara procurava o serviço de som, ele procurava porque sentia-se vocacionado para aquilo. Ele tinha algo que o levava para aquilo. Ele não ia por interesse comercial nem o interesse de ganhar nada. Mas hoje é tudo por interesse do emprego [...] No final de semana, a gente reunia a turma, já que não ganhava nada, no sábado à noite depois do expediente, fazia uma confraternização num bar. Cada um bebia a bebida de sua preferência, fazia aquela brincadeira, uns cantavam, outros contavam piadas, diziam que alguém leu uma notícia errada, aí corrigia. Era um clima de harmonia [...] Isso foi escola para muita gente. A gente tinha amor e fazia como se fosse profissional, a gente não era ainda [profissional], mas ia com tanto gosto que procurava se aperfeiçoar cada vez mais. Hoje tem profissionais que não usam a ética também.
(Clemildo Brunet. Depoimento ao autor, 1997)

Fig. 2 Fig. 2 Fig. 2 Fig. 2Cada um dos que atuavam na emissora tinha o seu trabalho particular. Toda a renda da emissora era revertida em prol dela mesma. Sua discoteca era bem sortida e atualizada, permitindo que a Rádio tocasse os últimos sucessos das paradas de discos, antes mesmo das emissoras de Cajazeiras. A Voz da Cidade cobria todo o município de Pombal e ainda não havia proliferação de estações. Dos municípios mais importantes e mais próximos, apenas dois possuíam emissoras Cajazeiras (Rádios Alto Piranhas e Difusora) e Patos (Espinharas). Sousa, outro município importante daquela região, ainda não tinha sua emissora. A rádio tornou-se uma escola e dela saíram locutores que se tornaram profissionais de respeito no Rádio da Paraíba:
Fig. 2
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Em João Pessoa temos Carlos Abrantes, que começou a testar aquela voz poderosa dele aqui na Voz da Cidade. Ele me agradece muito quando vem aqui; ele me chama de Professor. Ele tornou-se até porta-voz do governo do Estado, foi aprender cerimonial em Brasília. Outro que também se destacou na Voz da Cidade foi o José Eudes Trajano, já falecido. Ele é irmão de Otacílio Trajano, que hoje tá na Band Correio, em João Pessoa [na época em que foi colhido o depoimento, 13 de outubro de 1997, a TV Correio da Paraíba era afiliada à Rede Band; em 1998 mudou para a Rede Record [...] Tivemos também José Geraldo, que era um camarada que trabalhava no Banco do Brasil aqui e gostava de esportes, fazia a parte esportiva da Rádio. Fazia também programas políticos. Eurico Donato foi outro. Trabalhou conosco um tempo e está aqui conosco na [Rádio] Bonsucesso. Maciel Gonzaga, outro, está trabalhando em jornal no Rio Grande do Norte.
(Clemildo Brunet. Depoimento ao autor, 1977)

No período de ouro da emissora, Clemildo Brunet acumulava as funções de proprietário e locutor, e como este último, era o responsável por um programa de grande aceitação entre os ouvintes:

Na época, muito jovem, 17 anos de idade, eu tinha um programa que fechava a cidade. O programa era ao meio-dia. O nome do programa era Brotolândia. Estava no auge o iê-iê-iê, naquela época Roberto Carlos com aquela música Quero que vá tudo pro inferno, Wanderléa Prova de Fogo, Erasmo Carlos Sentado à beira do caminho. Havia um centro telefônico aqui em Pombal, muito precário, poucos telefones, se tivesse 100 telefones naquela época era muito. E na hora do programa os telefones não paravam,[os ouvintes] ligando para a Rádio, era o telefone 208, só tinha três números. Quem estava lá na central telefônica, não conseguia sossegar com os telefones chamando para a Rádio; dava então congestionamento. Era de meio-dia a uma hora. A audiência era completa, fechava mesmo.
(Clemildo Brunet. Depoimento ao autor, 1977)

A emissora fez também transmissões esportivas, como lembra Clemildo Brunet:

Jogo de futebol, a gente não tinha condições de transmitir, então eu adquiri um gravador Philips, de rolo. Levávamos o gravador para o campo de futebol para o rapaz narrar o jogo e depois passava na Rádio. O jogo era no domingo à tarde, quando era à noite a gente já estava soltando no ar na Voz da Cidade. E tem uma coisa, não tinha cabine, não tinha nada, o camarada ficava lá em cima do muro, naquele sol causticante, mas estava lá com gosto. E não ganhava nada, não. Ia porque tinha o gosto de fazer.
(Clemildo Brunet. Depoimento ao autor, 1977)

A experiência da emissora durou dois anos, tempo que inclui uma boa parte do período de maior repressão da ditadura militar. Clemildo Brunet recorda o fim das transmissões da Voz da Cidade:

Aí conseguimos uma licença para funcionamento dela [...] Essa licença foi assinada pelo promotor da cidade, ele assumiu a responsabilidade, e na licença dizia: 'Qualquer reclamação contra a expedição desta ordem, deve ser feita à pessoa signatária'. Era o Dr. Newton da Silva, já aposentado hoje. Fizemos até uma homenagem a ele e entregamos o título de Diretor Social da Rádio, como forma de compensação pela licença que ele tinha dado para o funcionamento. Quando os Correios, em João Pessoa, mandaram uma fiscalização, eles já tinham gravado a programação. Veio uma fiscalização, bateu aqui e fui procurado. Falei com ele [o fiscal] e mostrei o 'qualquer reclamação'. O Dr. Newton, por telefone, disse que tinha chegado de viagem de João Pessoa: 'pergunta aí a esse pessoal se pode passar na minha casa, cheguei agora de João Pessoa, estou pronto para recebê-los'. O pessoal aceitou ir lá. Na hora em que chegamos, o promotor falou 'mas, rapaz, você, metido neste negócio?' Eram conhecidos, tinham sido contemporâneos de colégio. 'Não, é que a gente veio com ordem expressa de levar a Rádio, o dono da Rádio, está tudo registrado lá, levar o material e abrir inquérito. Nós não vamos fazer isso com você. Você é contemporâneo nosso. Vamos combinar aqui uma coisa. Você vai me garantir que desativa a Rádio, tira a Rádio do ar e então, quando eu chegar lá, eu vou dizer que a Rádio não existia mais'. A gente explicou que o povo era barrista, gostava de Rádio e tal. A fiscalização disse o seguinte: 'deixa ela funcionando' – era uma terça-feira – 'até domingo e começa a fazer um movimento com a população que vai registrar a Rádio. Quando for domingo, vocês fecham. Então, comecem a avisar ao povo, incentivar o povo'. De fato, a gente fez isso. Tinha um jornalista que estava ajudando um político e se empenhou em ajudar a gente [destaque nosso]
(Clemildo Brunet. Depoimento ao autor, 1977)


Depois de dois anos no ar A Voz da Cidade encerrou suas atividades. A campanha sugerida pelo fiscal dos Correios foi iniciada e a ela aderiram o pároco local, Padre Zélio, ainda muito jovem e cheio de dinamismo, recorda Clemildo Brunet. As pessoas interessadas na reativação da emissora reuniram-se e lhe deram um novo nome, Rádio Sociedade de Pombal S/A, com registro em ata e demais atos legais. Tratava-se de uma sociedade anônima destinada a vender suas cotas na comunidade porque era necessário algum dinheiro para compra de equipamento e construção das instalações. Para presidente da sociedade elegeram o padre Zélio e como diretor-comercial foi escolhido Clemildo Brunet.
Dentro de algum tempo começaram as baixas na sociedade. A primeira veio na figura do Padre Zélio que foi transferido de Pombal e há quem veja na mudança, assinada pelo bispo de Cajazeiras, uma manobra para evitar a concorrência com a Rádio de Cajazeiras, pertencente à Diocese. Os representantes do comércio local, ao tomar conhecimento que o capital empregado não teria retorno em curto prazo, desistiram de continuar na sociedade. Quando a sociedade se desfez, a Rádio foi substituída por um serviço de alto-falantes denominado Lorde Amplificadora. Clemildo Brunet recorda aquela fase:

[...] foi outra escola de onde saíram mais profissionais como Evilásio Junqueira, que hoje é vereador em Campina Grande e faz parte da TV Borborema. Outro, Massilon Gonzaga é professor de Comunicação. Evilásio também, em Campina Grande. Foram da escola da Difusora Lorde Amplificadora. Outros como Otacílio Trajano, começou como controlista [operador de áudio] na Voz da Cidade e se aperfeiçoou na Lorde Amplificadora. Nós temos aqui um companheiro que é o Genival Severo, ele começou na Rádio clandestina e ainda está militando no Rádio. Essa Lorde Amplificadora passou uns 15 anos no ar. Ela entrou no ar logo depois que a Rádio foi desativada em 68 e ficou até 85, por aí.
(Clemildo Brunet. Depoimento ao autor, 1977)


Em meados dos anos 1980, começou o Movimento das Rádios Livres na Paraíba influenciado pelas experiências de São Paulo. No dia 11 de setembro de 1986, com a participação de estudantes e professores, ocorreu um debate público acerca do monopólio estatal das ondas de Rádio, na Sala Preta do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal da Paraíba, promovido pelo Centro de Cultura Alternativa, uma entidade sem fins lucrativos com sede provisória no próprio departamento, cuja principal atividade era registrar e arquivar as publicações alternativas.
Depois de lançadas as raízes do movimento, foi organizada uma cooperativa com a participação de diversas tendências e militâncias políticas: o Grupo Se Toque, do Centro de Cultura Alternativa, o Movimento Negro, ecologistas da Associação Paraibana dos Amigos da Natureza- APAN, pacifistas do Grupo Tudo pela Paz e estudantes do Centro Acadêmico do curso de Medicina.
No dia 16 de janeiro de 1988, sábado ao meio-dia, transmitindo diretamente da casa de um dos seus três integrantes, no Altiplano Cabo Branco, em João Pessoa, entrou no ar a Rádio Tirana, primeira emissora da Cooperativa de Rádios Livres da Paraíba (LIRA, 1998). Para fazer a Rádio funcionar, foi utilizado um transmissor de cinco watts, do tamanho de uma caixa de sapato, adquirido pela Cooperativa numa Rádio livre de São Paulo que acabara de comprar um transmissor mais potente, uma antena de um metro feita de cano de PVC, colocada em cima do telhado e um pequeno gravador National acoplado ao transmissor que reproduzia as gravações feitas em fita cassete. Os pioneiros utilizaram um gravador Sharp com microfone embutido para a parte de locução e um aparelho de som três em um Sony para gravar as músicas.
A Rádio Tirana nasceu como Se Toque, nome de uma revista da editora Marca de Fantasia, do Centro de Cultura Alternativa, que chegou a publicar vinte e dois números. A estratégia dos organizadores do movimento era associar a Rádio a uma publicação já conhecida para identificar o pessoal que se encontrava na retaguarda da estação clandestina. Depois a Se Toque virou Rádio Tirana, cuja apresentação era feita por um locutor que perguntava "'Ela não perdoa porque ela é... '[...] 'Um coro mal ensaiado e nada uníssono respondia: 'Tirana. Tirana'". (LIRA, 1998, p. 33)
A Cooperativa de Rádios Livre da Paraíba existiu entre 1986 e 1987. Promovendo constantes reuniões, figurava entre seus planos a compra de uma antena e um transmissor mais potente. Para isso, os grupos envolvidos com a Cooperativa pagavam mensalidades e para arrecadar mais dinheiro, foi promovida uma festa no Hotel Globo, localizado na parte histórica de João Pessoa, no dia 13 de dezembro de 1986. Somente no final do ano seguinte o equipamento foi adquirido. Conforme seu regimento interno, integravam a Cooperativa os grupos Tudo Pela Paz, Se Toque, Prá sair dessa maré e Corpo São para o prazer. O documento previa ainda o funcionamento da Rádio Tirana durante uma hora, três dias por semana, alternando os grupos.
Após a chegada do novo transmissor e antena, era hora de colocar as programações dos diversos grupos no ar de forma sistemática. Isso implicava um empenho maior dos participantes: gravação de programas e cumprimento dos horários de divulgação, distribuição de panfletos e outras atividades menores. Diante dessa nova realidade, o resultado foi uma desmobilização que redundou no fracasso do movimento das Rádios livres na Paraíba.
Em 1999, a Abert divulgou nota contrária as "rádios ilegais" veiculada nacionalmente nos meios eletrônicos inclusive conclamando a população a denunciar a existência dessas emissoras. O Sindicato dos Radialistas da Paraíba foi criticado por não ter tomado posição acerca do assunto. Na Paraíba já existe a APRAC, Associação Paraibana de Rádios Comunitárias. Há previsão de duas emissoras comunitárias para João Pessoa a serem liberadas "legalmente". No interior do Estado há registro de um grande número de Rádios comunitárias, algumas operando através de liminares, outras na "clandestinidade", mesmo. Lenilson Guedes, ex-presidente do Sindicato dos Radialistas, comenta a participação das Rádios comunitárias:

No programa que eu faço pela manhã na Rádio Tabajara [Jornal Estadual, das 6 às 7 horas], eles me ligaram e disseram "olha, esse programa é muito importante aqui no município, a cidade da gente não tem Rádio, agora tem uma emissora comunitária. A gente sintonizava esse seu programa na cidade vizinha, agora a gente quer saber como entrar em cadeia". Eu disse "vocês pedem uma linha permanente à Telemar, interligada com os estúdios da Rádio Tabajara, eu mando um ofício para a Telemar autorizando a liberação do sinal da Tabajara pra vocês". A lei até proíbe essas Rádios formarem cadeia, só existe autorização para retransmitir A Voz do Brasil, que dizer, foram duas irrregularidades.
(Lenilson Guedes. Depoimento ao autor, 2000)

Edileuson Franco (Fig. 3), outro veterano Radialista do interior paraibano, vê problemas que as Rádios Comunitárias deverão encarar pela frente, entre eles, a sobrevivência financeira:



Já estou prevendo um problema dessas Rádios Comunitárias. Não vai ser fácil porque o mercado publicitário está pequeno, porque de qualquer maneira elas concorrem tanto em audiência como no mercado publicitário. Algumas cidades pequenas vão ter Rádios Comunitárias. A própria Espinharas, da Diocese, vai ter concorrentes, porque as paróquias vão ter Rádios Comunitárias, até para gerar a nossa programação. É proibido hoje [outubro de 1997] e já tem seis mil emissoras, até aqui em Patos.
Edileuson Franco. Depoimento ao autor, 1977)

Fig. 3 - Edileuson Franco, da Rádio Espinharas de Patos; noticiarista, diretor comercial e narrador esportivo da emissora.



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