Waldemar Cordeiro e a fotografia: a ruptura como metafora

May 24, 2017 | Autor: Helouise Costa | Categoria: Fotografia Y Arte, Movimento Arte Concreta, WALDEMAR CORDEIRO
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Descrição do Produto

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waldemar cordeiro

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PETROBRAS

CatalogaQao na fonte do Departamento Nacional do Livro FundaQao Biblioteca Nacional Costa, Helouise: Waldemar Cordeiro: a ruptura como metatora. 80 p. Sao Paulo: Cosac & Naify, Centro Universitario Maria Antonia da USP, 2002. ISBN 85-7503-140-6

agradecimentos Analivia Cordeiro Augusto de Campos Giorgio Moscati Lenora de Barros Marcia e Jose Mario Bittencourt Neuza Narimatsu Rubens Fernandes Saul Libman Tadeu Chiarelli Museu de Arte Contemporanea da USP

1. Artes 2. Artista brasileiro 3. Waldemar Cordeiro (1925-1973)

o projeto

de pesquisa que resultou nesse ensaio e na curadoria da exposiQao foi contemplado com a Boisa Vitae de Artes no bienio 1999-2000

The research project that resulted in this essay and curatorship exhibition was conducted with a Vitae de Artes scholarship at the biennial 1999-2000.

Direitos reservados Ii Cosac & Naify EdiQoes Rua General Jardim 770/2° 01223-010 Sao Paulo SP Tel (5511) 32181444 Fax (55 11) 3257 8164 [email protected] Atendimento ao professor Tel (55 11) 3218 1466

waldemar cordeiro

Helouise Costa Vivian Boehringer

DEDALUS-AceNo-MAC 11111111111111111111111111111111111111111111111111111111I1I1II111

Cosac & Na ify

Universidade de Sao Paulo Reitor

Projeto Arte Concreta Paulista IdealizaQao

Adolpho

Alberto Tassinari Tadeu Chiarelli

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Vice-reitor Helio

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da Cruz

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CoordenaQiio de produQiio Carvalhosa

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secretaria

Versiio para

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0

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Latina

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~

Diretor tesoureiro Paulo Standerski

Diretor secretario Rodrigo

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Diretor de programaQao Marco

Antonio

Ramos

Coordenadora Tania Rivitti

Projeto cultural e assessoria Walter

Ramos

PETROBRAS

waldemar cordeiro

waldemar cordeiro: a ruptura como metafora

waldemar cordeiro: rupture as metaphor

66

bibliografia creditos fotograficos

80

10

Augusto de Campos Profilograma 4 (Waldemar Cordeiro) 1993

6

Augusto de Campos Profilograma 4 (Waldemar Cordeiro) Poema postumo em homenagem a Waldemar Cordeiro Posthumous poem in honour of Waldemar Cordeiro

Waldemar Cordeiro em frente ao seu escritorio, rua Major Sertorio, Sao Paulo dee.60 Waldemar Cordeiro in front of his office, rua Major Sertario, Sao Paulo 60's

Ora, toda ruptura simboliza, aD se manifestar, a dualidade de todo ser: tudo 0 que vivo ou construldo (...) carrega 0 germe de sua propria destrui~iio. E a alternancia da integra~iio e da desintegra~iio que significa a ruptura, marcando principalmente a fase negativa. Mas essa nega~iio a condi~iio de urn renascimento, de uma renova~iio. (...) dominar ou domar uma ruptura (...) subir a urn Dutro nlvel de existencia.1 -jean chevalier e alain gheerbrant

e

e

e

Now, all rupture symbolizes, upon manifesting itself, the duality of all being: all that lives or is constructed (..J carries the germ of its own destruction. It is this alternation of integration and disintegration which signifies rupture, particularly marking the negative phase. But this negation is the condition of rebirth, of renovation. (' . .J To dominate or tame rupture is to climb to another level of existence. 1 -jean chevalier and alain gheerbrant

waldemar cordeiro: a ruptura como metafora

o

aniversario de cinqUenta anos do Manifesto Ruptura oferece uma excelente oportunidade de revisitarmos a produc;ao artistica de Waldemar Cordeiro. As camadas sobrepostas do tempo diminuiram a importancia de aspectos circunstanciais, permitindo-nos hoje rever seu trabalho at raves de parametros outros. Se tentarmos buscar em sua produc;ao uma coer€mcia estilfstica estaremos fadados a julgamentos equivocados. Por isso tomarei aqui a ideia de ruptura, naquilo que ela traz de dialetico, ou seja, em seu carater contraditorio e essencialmente transformador, como chave para essa aproximac;ao de Waldemar Cordeiro, considerando que somente assim teremos condic;oes de nos deixar conduzir par seu pensamento inquieto e provocador. Escolhida a chave de entrada, a fotografia sera 0 fio condutor a nortear esse percurso. A proposta dessa exposic;ao insere-se numa preocupac;ao pessoal mais ampla em refletir sobre a dissoluc;ao das fronteiras entre as artes plasticas e a fotografia no Brasil nas ultimas quatro decadas. Inumeros artistas romperam com a rigida demarcac;ao entre esses dois territorios, utilizando estrategias distintas. No caso de Waldemar Cordeiro a fotografia surge a partir do infcio dos anos 60, quase sempre apropriada dos meios de comunicac;ao de massas. A incorporac;ao da imagem fotografica se da no momenta em que ele abandona a bidimensionalidade do quadro de cavalete e passa a ocupar 0 espac;o expositivo com diferentes tipos de objetos que exigem uma atitude participante do observador. Posteriormente a fotografia servira de matriz das imagens que Cordeiro ira produzir at raves de suas experiencias com computador.

Ja de infcio e importante salientar que a fotografia nunca

10

mereceu uma reflexao especffica por parte de Waldemar Cordeiro, muito embora tenha uma presenc;a fundamental em sua produc;ao, colocando-se, em diferentes momentos, como um elemento crftico capaz de materializar diversas de suas inquietac;oes artfsticas ou mesmo fornecer parametros operativos para algumas obras. Isso e 0 que pretendo aqui demonstrar. Proponho um exercfcio crftico em que a fotografia, direta ou indiretamente, possibilitara estabelecer relac;oes entre obras e levantar problematicas que nao se dao aver somente no ambito da forma.

1 Verbete ruptura. In: Dicionario de simbo/os, p. 792.

2 Ver Rodolfo Franco Puttini. '0 conceito de cultura em Antonio Gramsci:

Waldemar Cordeiro cultivava amplos interesses, tendo se dedicado nao somente a pratica artfstica como tambem a teoria e a crftica. Atuou na cidade de Sao Paulo entre 0 final da decada de 1940 e infcio de 1970. Por sua origem, formayao e convicyoes ideologicas, materializa a figura do artista culto, politizado, essencialmente urbano, de verve cosmopolita e que pensa a arte inserida no amago de uma sociedade industrial. Preocupado com a fundamentayao teorica de seu trabalho, Cordeiro mantem-se atualizado em relayao ao pensamento crftico de sua epoca, aderindo e renegando princfpios, que ele conjuga a alguns referenciais teoricos essenciais, aos quais permaneceria fiel ao Iongo de toda a sua atividade artfstica. Esse e 0 caso de sua filiayao ao pensamento de Antonio Gramsci de quem assimila as reflexoes acerca do papel do intelectual em seu compromisso com as massas e 0 entendimento de que cultura e atuayao polftica sac instancias indissociaveis. Para Gramsci a 'cultura acontece quando 0 intelectual C..) critica em si mesmo 0 seu modo de pensar e agir:2 Veremos que essa autoconsciencia crftica foi incorporada por Waldemar Cordeiro de maneira radical, 0 que resultou em diversos momentos de ruptura em seu itinerario artfstico. A sua obra, portanto, nao pode ser corretamente contextualizada sem que tenhamos em mente um mapeamento das referencias teoricas que a nortearam. A trajetoria artistica de Waldemar Cordeiro e, em grande medida, pontuada por varios dos impasses que marcaram a arte do seculo XX. De formayao c1assica, Cordeiro inicialmente transita pelas propostas das vanguardas: passa por uma fase expressionista, incorpora elementos do cubismo e ensaia composiyoes abstratas informais, que logo se tornam geometricas, sinalizando sua adesao a princfpios construtivos. A referencia historica e Mondrian, mas a atualizayao se da at raves do contato com as ideias de Max Bill, que tenta adequar o construtivismo as condiyoes sociais do pos Segunda Guerra.3 Como um dos fundadores e teoricos do Concretismo no Brasil no infcio dos anos 50, Cordeiro formula e assina, juntamente com os artistas concretos de Sao Paulo, o Manifesto Ruptura em 1952. Bem ao gosto das provocayoes vanguardistas, 0 manifesto e contundente na

3 A respeito das aproximaQoes e diferenQas entre 0 pensamento de Waldemar Cordeiro e 0 de Max Bill ver: Gabriela Wilder. 'Waldemar Cordeiro: pintar vanguardista, difusor, critico de arte, te6rico e lider do movimento concretista nas artes plasticas em Silo Paulo na decada de 50; p. 34.

Ambigiiidade

1963

tinta aluminio e espelho 75x150cm col. familia Cordeiro

sabre tela

Ambiguity aluminum paint and mirror on canvas

defesa de novos princfpios para a pratica artfstica e no diagnostico do ambiente local: 'arte moderna n8.o e ignorancia, nos somos contra a ignorancia: Vanguardista seria tambem 0 tipo de atuay8.o estrategica e coletiva que Cordeiro proporia como princfpio etico/polftico de conduta para 0 grupo. Inspirado pelo pensamento do teorico Konrad Fiedler, ele abdica da ideia de arte como representay8.o e passa a entende-Ia como processo de conhecimento. 0 objeto ganha autonomia, transformando-se numa realidade em si. Do ideario construtivo viria a proposta de uma arte industrial, orientada por princfpios matematicos, e a defesa da integray8.o do artista a industria. Ja as bases formais para a afirmay8.o do rigor construtivo, viriam da Gestalt, estudo cientffico das leis que regem os fen6menos da percepy8.o. Num esforyo de sfntese, diria que estes foram os fundamentos que nortearam Waldemar Cordeiro ao longo dos anos 50.4

Uma crise de cunho existencial, aliada a dispers8.o do Grupo Ruptura, marcariam um novo direcionamento nas preocupayoes de Waldemar Cordeiro a partir da decada de 1960. 0 artista reve criticamente 0 Concretismo, incorpora questionamentos advindos das chamadas tendencias neofigurativas internacionais e advoga por um novo humanismo. Esse seria um passo decisivo para o rompimento com a especificidade dos meios artfsticos at raves da produy8.o de objetos, que adotam procedimentos proximos as operayoes ready-made, bem como elementos da pop arte e da arte cinetica. Cordeiro iria manter, no entanto, a aplicay8.o de postulados concretistas que ainda considerava validos, formulando os princfpios de uma 'arte concreta semantica:5 Tratavase, em outras palavras, de abrir a pratica concreta as 'relayoes mais amplas e complexas, que tem origem e se ramificam fora do campo especffico da arte:6 Outros pressupostos pass am a nortear 0 seu trabalho a partir de entao: busca de novas estruturas significantes, abordagem dos problemas sociais, critica a alienayao do indivfduo e ao consumismo impostos pelos meios de comunicayao de massas e proposta de apresentayao das coisas do mundo na obra de arte, ao inves da sua representay8.0.7

4 Um estudo aprofundado sobre as atividades de Cordeiro nessa decada encontra-se na dissertac;;ao de Gabriela Wilder, ja citada. 5 Waldemar Cordeiro. 'Arte concreta semantica: In: Waldemar Cordeiro. Galeria Atrium, dez. 1964. 6 Waldemar Cordeiro. 'Realismo ao nivel da cultura de mass a; 1965. In: Aracy Amaral, p. 142. 7 Waldemar Cordeiro. 'VII Bienal: Nova Figurac;;aoden uncia a alienac;;aodo individuo: In: Aracy Amaral, p. 119. Para um panorama hist6rico detalhado da difusao das tendencias neofigurativas e neo-realistas internacionais no Brasil, ver: Daisy Peccinini. Figurar;:6es: Brasil anos 60.

Podemos ainda aferir outras preocupayoes de Cordeiro manifestas nas duas obras que ele expoe na Sienal de 1963. Ambiguidade e Opera aperta sao telas monocromati cas, sabre as quais ele faz aderir pequenos fragmentos de espelhos que materializam uma primeira reinvidicayao do artista par uma atitude participativa do observador. As variayoes constantes do ambiente refletido na obra impossibilitam a sua cristalizayao como uma forma fechada. Os pr6prios tftulos desses trabalhos nao escondem a interesse que Waldemar Cordeiro nutria naquele momenta pela Semiologia e pela Teoria da Informayao.8 Opera aperta e a tftulo original de um dos livros mais influentes de Umberto Eco, no qual a ensafsta italiano define a obra de arte como um fen6meno aberto, au seja, 'uma mensagem fundamental mente ambfgua, uma pluralidade de significados que convivem num s6 significante:9 Embora Eco admita que essa caracterfstica e comum a toda obra de arte, afirma que 'tal ambiguidade se toma - nas poeticas contemporaneas - uma das finalidades explfcitas da obra, um valor a realizar de preferencia a outros: 10 A nOyao de obra aberta pressupoe, portanto, uma nova relayao com a observador, uma vez que a ele cabe envolver-se nos jogos perceptivos que a obra propoe e estabelecer um 'dialogo interpretativo' que Ihe permita acionar a pluralidade semantica que ela oferece. Tanto as princfpios neofigurativos de aproximayao do real, quanta a concepyao da obra como mensagem ambfgua, manifestam-se mais c1aramente no trabalho de Cordeiro a partir de 1964, at raves do conjunto de trabalhos que expoe na Galeria Atrium, juntamente com poemas visuais de Augusto de Campos. Os objetos, assim como as poemas, receberam do poeta a denominayao de popcretos. Pareceu-me que aqueles 'quadros' estruturalmente concretos haviam deglutido crftica e antropofagicamente, brasileira, a experi{mcia da Pop Art Americana. Oaf 0 compos to pop-creto (pop + concreto). 0 trocadilho pegou logo e acabou servindo de bandeira de luta, embora talvez Fosse preferfvel falar-se em arte concreta popular ou, como quer 0 proprio Cordeiro, arte concreta semantica.11

a

14

Popcreto para um popcrftico, Massa sl indivfduos e Joma/, sao obras datadas de 1964, que enquadram-se nessa categoria, embora somente a primeira tenha participado da referida exposiyao. Elas tem em comum a apro-

8 Cordeiro materializava esse interesse na leitura dos seguintes autores: Umberto Eco, Abrahan Moles, Max Bense e Marshall McLuhan. 0 CD-ROM organizado por Analivia Cordeiro, filha do artista, traz uma listagem de livros e catalogos pertencentes a sua biblioteca, 0 que nos permite ter uma nOQaomais clara de suas referencias. 9 A respeito da disseminaQao das ideias de Eco no Brasil e significativo 0 comentario do proprio autor na introduQao a ediQao brasileira de seu livro: 'Eo mesmo curioso que, alguns anos antes de eu escrever Obra aberta, Haroldo de Campos, num pequeno artigo, Ihe antecipasse os temas de modo assombroso, como se ele tivesse resenhado 0 livro que eu ainda nao tinha escrito, e que iria escrever sem ter lido seu artigo. Mas isso significa que certos problemas se manifestam de maneira imperiosa num dado momenta historico, deduzem-se quase que automaticamente do est ado das pesquisas em curso: In: 'IntroduQao a ediQao brasileira: Umberto Eco. Obra aberta, p. 17. Como sabemos, Haroldo de Campos e poeta e fazia parte do circulo de artistas concretistas de Sao Paulo, convivendo com Cordeiro nesse periodo.

11 Augusto de Campos. In: Jose Louzeiro. 'Poetas de vanguarda tomam posiQao: Rio de Janeiro, Correio da Manha, 13 mar. 1965.

Opera aperta 1963 oleo, espelho, colagens 75 x 150 em col. familia Cordeiro

opera aperta oil, mirror, collages

sabre

on canvas

tela

Augusto de Campos OIho por olho (Baboeil) 1964

16

Calagem sabre cartaa 70 x 50 cm cal. particular

Este loi um das quatro poemas visuais apresentadas na Galeria Atrium na exposiQao canjunta de Augusto de Campos e Waldemar Cordeiro

Augusto de Campos Eye for eye (Babaeif) coflage on cardboard

This was one of the four visual poems presented at the Atrium Gallery as part of the joint

exhibition by Augusto de Campos and Waldemar Cordeiro

priaQao de imagens dos meios de comunicaQao de massa (no caso do jornal 0 artista incorpora 0 proprio veiculo de comunicaQao) e 0 recurso a fragmentaQao, alem de promoverem a presentificaQao de objetos de uso cotidiano. Como explicara Waldemar Cordeiro no ana anterior, a Nova FiguraQao vale-se do princfpio da montagem e prega um novo tipo de realismo, calcado na vida urbana dos centros modernos industrializados.

(...) a coisa entra agora na obra de arte, como elemento de uma montagem, porem, que a deglutina transformandoa em informac;ao, signa e mensagem construtiva. 0 artista tradicional adota como ass unto 0 mundo exterior enquanto natureza. Neste caso 0 da produc;ao industrial. Elementos, portanto, que pertencem paisagem criada pela tecnica do homem moderno. He. mais uma diferenc;a: os antigos representavam as coisas, ao passo que as coisas aqui san inseridas elas mesmas na obra. Nao h8. mais efeitos cenograficos, mas um realismo brutal, cuja possibilidade criativa e garantida pelo processo dialetico da montagem.'12

e

a

Esse realismo brutal nao poderia vir desvinculado do momenta politico que se vivia entao no Brasil. A instauraQao do regime militar, em marQo de 1964, marcaria 0 infcio de um perfodo de exceQao, caracterizado pelo autoritarismo. Tal situaQao provocaria em Cordeiro a vontade de oferecer ao publico nao apenas estfmulos perceptivos, mas estfmulos que Ihe incitassem, de algum modo, a refletir sobre a contexto historico e social de sua epoca. Prolongar a pesquisa aos nfveis sinte.tico e pragmatico pela atitude do avestruz. Para mim 0 problema e deslocar a arte objetivo-condutal da infra-estrutura para a super-estrutura, passando da esfera da produc;ao para a esfera do consumo. Deslocar a pesquisa do estudo racional do comportamento diante de fen6menos 6pticos para 0 do comportamento diante de fatos visfveis carregados de intencionalidade e significac;ao dentro de contextos hist6rico-sociais. Passar da percepc;ao (Gestalt) para a apreensao (Sartre). 00 fcone para a comunicac;ao, do estfmulo 'puro' para 0 estfmulo 'associado.' E nao basta pesquisar, a realidade exige opc;6es combativas.13

e optar

Retomadas sob esta otica as tres obras anteriormente comentadas ganham significados adicionais. Popcreto para um popcrftico apresenta-nos, sobrepostos a um fundo vermelho, uma enxada ladeada por recortes de fotos.

12 Waldemar Cordeiro. 'VII Sienal: Nova Figurayao denuncia a alienayao do individuo; 1963. In: Aracy Amaral, p. 119. 13 Waldemar Cordeiro. 'Arte concreta semantica; In: Waldemar Cordeiro. Galeria Atrium, dez. 1964.

Embora possamos identificar nesses pequenos cfrculos imagens de bocas, narizes e mechas de cabelo, um olho estrategicamente situado destaca-se do conjunto. Se exercitarmos a liberdade interpretativa que 0 artista preconizava e tom arm os como referE'lncia 0 imaginario politico da epoca, as possibilidades comunicativas dessa obra podem ser ainda mais ampliadas: vermelho-comunismo; enxada-campesinato; fragmentos de corpos-presos torturados; olho-controle centralizador. Ja Massa sl indivfduo problematiza questoes politicas de modo ainda mais explicito. Sobre uma lupa, Cordeiro monta diversas fotos de comfcios, tomadas com diferentes distanciamentos, promovendo, assim, por meio da sucessao dos recortes, 0 destaque da figura de um homem em meio a multidao. 0 olhar do artista opera como uma lente de aumento sublinhando a importancia do indivfduo na coletividade e 0 papel hist6rico das massas, provavelmente sob a inspirayao de Gramsci.

o carater

politico de Jamal tambem merece ser destacado. Sem duvida, uma das principais armas dos regimes autoritarios 0 controle da informayao. Cordeiro apropria-se de exemplares da Ultima Hara, peri6dico de cunho popular e orientayao esquerdista, que ele corta em tiras e depois remonta, impossibilitando a legibilidade dos textos e a apreensao das imagens. Mesmo em meio a esse embaralhamento sentimo-nos desafiados a decifrar as mensagens que originalmente estiveram ali. Guerra? Impostores? Revoluyao? Apenas retalhos de informayoes truncadas que nunca se completam, nao nos permitindo visualizar os acontecimentos. Em ultima instancia, 0 que 0 artista coloca em jogo aqui saG os pr6prios mecanismos de construyao do real pela da midia.

e

18

Se Jamal vincula-se a um momenta hist6rico especifico, problematizando a circulayao da informayao numa sociedade censurada, apresenta-se, ao mesmo tempo, como um exercfcio lingufstico generico que aponta para 0 modo de construyao e recepyao das mensagens num sentido mais amplo. Essa obra e uma das primeiras em que Waldemar Cordeiro da corpo a especulayoes com a linguagem escrita que teriam varios desdobramentos nos anos seguintes. 0 usa de sequencias de letras ou palavras poderfa nos fazer supor uma relayao mais pr6xima do artista com a poesia concreta. Vejamos, no entanto, 0 que nos conta Augusto de Campos.

Contra

0

naturalismo fisiohigico op.

1965 madeira e rodas de bicicleta 110 x 150,5 cm col. familia Cordeiro Against physiological naturalism op. wood and bicycle wheels

Amar(go) 1965 palavra pintada sabre tecido, lampadas 52 x 72 cm

col. familia Cordeiro word painted on fabric, fight bulbs

Acho que esse momenta dos popcretos foi capital para alguns desenvolvimentos, para encoraja-Io inclusive a mexer com palavras, que era uma coisa que ele nao tinha feito antes. Mas ele nao fez experiencias com poemas, essa informac;ao, embora conste em uma certa publicac;ao, e completamente errada, ele nao fazia isso. (...) quando ele pega amar/amargo tem alguma coisa a ver com 0 tipo de especulac;ao dos poemas de uma palavra, de duas palavras. Isso sim um ponto de con fluencia. (...) A relac;ao com os poetas, claro, existia desde os anos 50. Ele via os poemas de todo mundo, como a gente via os quadros dele e se contagia va um pouco daquelas estruturas. Como seria montar um poema no espac;o, sem ter mais 0 apoio da linha do verso? (...) Claro que as estruturas dos pintores concretos, nossos companheiros, cujos quadros a gente adorava, tiveram muita influencia sobre n6s, mas eles nao mexiam com palavras. Foi s6 a partir dos popcretos. Mauricio Nogueira Lima e Geraldo de Barros tambem usaram palavras depois disso, mas nao como poesia. Acho que 0 Cordeiro se sentiu mais en coraja do, de um ponto de vista de pintor e nao de poeta, e fez muito bem 0 que se propos. (...) Ele se aventurou a usar a palavra que era um territ6rio nao frequentado pelos pintores do grupo concreto. 14

e

No territ6rio da palavra Cordeiro produziu tambem Texto aberto. Tendo como pressuposto 0 conceito de obra aberta de Umberto Eco e 0 usa de uma estrategia de retalhamento semelhante a do trabalho que vimos anteriormente, 0 artista oferece ao publico a oportunidade de uma interayao mais direta com 0 objeto artfstico, pelo convite que faz a sua manipulayao. 0 observador pode deslocar as peyas de um quebra-cabeyas formado por letras fotografadas, que uma vez alinhadas revelam uma sequencia imprevisfvel: BCDEFGHIJLOPQRSU. As letras, em sua existencia fotografica, sac ao mesmo tempo imagem e signo. Parece-nos que Texto aberto e um bom exemplo para tentarmos entender melhor 0 tipo de relayao que Waldemar Cordeiro propunha naquele momenta com 0 publico at raves de seus objetos. Primeiramente e preciso esclarecer que 0 conceito de abertura de Eco nao define uma tipologia de obra. Tratase de um modelo te6rico que pressup6e a inexistencia de estruturas rigidas e prop6e certos tipos de relayao entre 0 publico e a obra. Se a fruiyao estetica s6 pode se dar a partir de uma atitude participante do obser-

14 Entrevista dada a autora em Sao Paulo em 27 de maio de 2002.

vador, a obra, por sua vez, deve ser deliberadamente capaz de gerar multiplas leituras.

a

Visando ambiguidade como valor, os artistas contemporaneos voltam-se consequentemente e amiude para os idea is de informalidade, desordem, cas ualida de, indeterminac;ao dos resultados; daf por que se tentou tambem impostar 0 problema de uma dialetica entre 'forma' e 'abertura': isto e, definir os limites dentro dos quais uma obra pode lograr 0 maximo de ambiguidade e depender da intervenc;ao do consumidor, sem contudo deixar de ser obra. Entendendo-se por obra um objeto dotado de propriedades estruturais definidas, que permitam, mas coordenem, 0 revezamento das interpretac;oes, 0 deslocarse das perspectivas.15 Ou seja, se a participaQao do observador e imprescindivel, deve contudo, firmar-se dentro de certos limites, racionalmente estabelecidos pelo artista, a fim de evitar a dissoluQao do estatuto da obra. 0 artista define a obra de antemao como um 'campo de possibilidades; dentro do qual 0 publico ira trafegar, po is, 'negar que haja uma unica experi€lncia privilegiada nao implica 0 caos das relaQaes; afirmava 0 te6rico italiano.16 Parte das obras que Waldemar Cordeiro produziu entre 1964 e 1967 exigem que a participaQao do observador se de at raves de uma aQao direta sobre 0 trabalho ou de seu deslocamento corporal no espaQo. Distorc;oes opticointencionais e Rebolando encaixam-se na primeira alternativa. Embora essas obras nao ten ham sido preservadas, podemos retomar suas propostas por meio de documentos de epocaY Um critico an6nimo assim descreveu Distorc;oes optico-intencionais:

22

Sao seus componentes: um retalho de jornal, cuja manchete apavorante contem a revelac;ao do ex-ministro russo sobre a existencia de uma bomba de extermfnio total. Em frente a este retalho, garrafas cheias de agua, presas por um fio, deformam figuras, transmitindo a ideia de uma realidade ffsica e de uma realidade moral se autodeformando. Assim, 0 fruidor da obra de arte, con vidado a cooperar com 0 artista, impulsiona de leve as garrafas, e ve uma corista que baila loucamente, Kruchev e uma estrela do cinema Frances em esgares terrfveis, e dentro de uma garrafa escura, a Figura do presidente Johnson, dos Estados Unidos.18

16 Umberto Eco, p. 62. 0 autor aplica a ideia de obra como campo de possibilidades ao comentar as m6biles de Calder. Ver, p. 153. Devemos acrescentar, em rela
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