Weber e Japiassu: Breves considerações sobre o saber científico nas Ciências Sociais

May 29, 2017 | Autor: Sabrina Menezes | Categoria: Positivismo, Weber, Japiassu Interdisciplinaridade
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Weber e Japiassu: Breves considerações sobre o saber científico nas Ciências Sociais
Sabrina Menezes

Para pensar a produção de conhecimento científico, sobretudo na Ciência Social, há que se discutir primeiro o que se entende por conhecimento "científico". Porque em uma área do conhecimento que leva "Ciência" no nome, o cientista deve ter ciência da Ciência que se pretende produzir.
É lugar comum nas ciências sociais relembrar a herança positivista de Augusto Comte e sua influência em Durkheim na produção de uma Ciência que tinha como foco o estudo sobre a sociedade. Mas uma nova Ciência que pretendesse seguir um modelo naturalista de ciência, através do uso métodos e perspectivas analíticas da Física, Biologia e etc., em busca de uma lógica social estável e de leis que pudessem prever e até controlar as relações entre os indivíduos. As repetidas críticas ao modelo positivista tendem a dar a impressão que esse modelo já foi superado nas Ciências Sociais.
Em todo o caso, Max Weber questionou essa certeza do Positivismo em sua capacidade de formular leis sociais. A repetição dos eventos sociais e a disposição de se controlar e manipular os dados referentes à sociedade deixa de ser algo certo e previsível. Weber dirá que a cultura, por exemplo, é uma arena significativa na qual os próprios indivíduos atribuem valor ao que fazem. Esse argumento permeará a sua construção teórica, entretanto é necessário aqui chamar a atenção para dois pontos importantes:
1) Se os indivíduos atribuem valor ao que fazem, aquilo que julgam valioso ou não, partirá de uma construção subjetiva que produz significados. Ou seja, os indivíduos agirão de forma a dar significado às suas ações sociais. Nesse sentido, o positivismo não será capaz de apreender de forma eficaz o comportamento humano, já que consideramos que os indivíduos não são meros reprodutores da lógica social. Isso confere uma complexidade completamente nova ao pensamento sociológico.
2) Se os cientistas são indivíduos pertencentes àquela cultura, se eles também agem de forma a dar valor ao que fazem, como podem eles produzir um conhecimento tão absolutamente objetivo isento valores, como prevê o positivismo?
Por esse motivo o termo "objetividade" ganha aspas no título do texto weberiano. O autor questiona o que significará esse termo. Mas é preciso evidenciar que a questão das Ciências Sociais serem ou não vazias de interesses não implicará necessariamente na sua capacidade ou não serem "objetivas". Para Weber "objetividade" não quer dizer desligamento dos interesses. Mas o que não podemos confundir sãos os valores e ideais que são inerentes à ciência, com a criação de uma Ciência moralizante do mundo. Não caberia às Ciências Sociais, de acordo com Weber, ter um pensamento contaminado por juízo moral.
Assim sendo, o conceito de "objetividade" é ressignificado pelo autor. Podemos dizer, a grosso modo, que um conhecimento objetivo para Weber é um conhecimento universalmente válido. Isso é o que ele chama de validade objetiva. Então uma explicação sociologicamente válida ("objetiva") deve ser:
1) neutra axiologicamente;
2) parcial, abandonando a ideia de totalidade;
3) sensível ao substrato subjetivo dos fenômenos sociais e
4) fazer uso de uma metodologia própria: os tipos ideais.
Não é preciso se debruçar sobre esses critérios para entender que o que Weber pretende é construir uma ciência social que consiga investigar com clareza o seu objeto, sem fazer uma distinção moralizante do que foi observado. É preciso separar o entendimento do que "é" do entendimento do que se "dever ser". Essa confusão deve ser revolvida para se atingir um conhecimento científico verdadeiramente objetivo.
É importante destacar, no entanto, que Weber assinala o prodigioso apontamento de que a ciência nasce do interesse do cientista. Quando ele (o cientista) define um determinado objeto de estudo, está implicitamente afirmando sua maior importância em relação a outros. Weber construiu esse argumento há um século. Se concordamos, ainda que parcialmente, com essa passagem, como ainda falamos da ciência como se falássemos de alguma "espécie de poder onipotente, de mágica admirada e temida, de gigantesco processo industrializado de produção de conhecimentos?" (JAPIASSU, 1977, p. 13).
O cientista social não deve buscar "a causa" de um fenômeno social, mas "uma causa" pois uma situação pode ter várias causas. Se, por exemplo, um jovem assaltou uma senhora, eu poderia dizer que ele precisava do dinheiro para comprar drogas e essa seria a causa do assalto. Um psicólogo poderia dizer que ele sofreu um trauma na infância e hoje reprime essa dor nas drogas. Se ele não tivesse sofrido esse trauma, talvez não usasse drogas e não cometeria esse assalto. Então a causa, seria também o trauma. Outra pessoa poderia dizer que o assalto ocorreu porque a senhora estava saindo do banco sozinha com o dinheiro. Se não tivesse saído daquele banco com aquele dinheiro naquela hora, o assalto não teria acontecido. Não existe nas próprias coisas, critério algum que permita escolher dentre elas uma fração que possa entrar isoladamente em consideração (WEBER, 1992). A realidade, então, é complexa para Weber, ou seja, a ciência não parte do real, ela o constrói com seus métodos e teorias.
Pode-se dizer que a significação aparente do conhecimento encontra-se, nas intenções subjetivas dos próprios cientistas, cuja preocupação fundamental seria a busca do conhecimento. Mas então em nome de quê, essa ciência se impõe como o modelo por detentor de toda verdade? Pode ainda ser considerada como um saber puro, como uma contemplação desinteressada e amorosa da verdade? O que incomoda Japiassu é essa blindagem às críticas que impede a contestação, como se o consenso garantisse a verdade. Ou melhor, como se as verdades fossem absolutas, não um construção causal, como já nos apontava Weber.
Japiassu argumenta que trata-se da dupla ilusão da neutralidade objetiva, que dispensaria os cientistas, em nome de sua atividade racionalista, de tomar parte nos conflitos e nas incertezas da cidade política (o autor dirá que ele se apresenta neutro, mas é apenas hipócrita) e do magistério ético que reconheceria aos cientistas o direito que eles possuiriam de dizer o que é bom, porque conhecem o que é verdadeiro ("política cientificizada"). Apenas a falta de carisma na ciência a impede de reivindicar o direito de governar a sociedade.
A partir desse argumento, o autor tentará arrancar as "Máscaras da Ciência" desconstruindo, com uma sagacidade impressionante, os mitos acerca da produção de conhecimento científico. Um mito amplamente difundido é que a ciência conduz o progresso. Ele contestará que a busca do conhecimento é algo de bom em si, só diz respeito à coletividade científica, não possuindo intrinsecamente nenhuma significação moral ou política. Pois apoiado nesse mito que certos cientistas negam que "a ciência" seja responsável por Hiroshima ou quaisquer outras "más" aplicações. O segundo mito é de que a ciência é "pura" e politicamente desinteressada. Ora, administrativa e financeiramente, a ciência depende de múltiplos organismos oficiais. Alguns domínios de pesquisa são fortemente estimulados por razões que nada têm a ver com o saber em si pois pesquisa são orientadas para fins estratégicos. O que há de puro nisso? O mito da ciência pura funda, de um lado, a irresponsabilidade social dos cientistas; do outro, fornece ao Estado uma perfeita justificação do apolitismo da pesquisa. Japiassu ironiza dizendo que seria preciso ter uma "grande candura para imaginar que é somente o culto ao saber que legitima a conduta do Estado de integrar substancialmente a pesquisa no sistema sócio-econômico-político" (JAPIASSU, 1977, p. 14).
O saber pelo saber pode ser o objetivo romântico do desenvolvimento da ciência. Mas é possível dizer que atualmente a ciência desempenha um papel tão importante no desenvolvimento das forças produtivas, que há uma predominância incontestável desse saber para poder. A pesquisa científica e técnica comanda diretamente o desenvolvimento econômico. Distinguir, de um lado, ciência fundamental e desinteressada, do outro, técnica, não tem mais sentido, pois esse não é um modo correto de elucidar a dialética do saber e do poder na ciência atual.
"De fato, todo o processo científico está vinculado e procede da mesma vontade de poder, desde a pesquisa fundamental ao crescimento econômico, passando pela pesquisa aplicada, pela pesquisa de desenvolvimento que aprimora as descobertas e as inovações técnicas utilizadas pelas empresas. Essa evolução científica e técnica assegura a manifestação das forças produtivas e confere seu fundamento a novas relações sociais." (JAPIASSU, 1977, p. 15)
Não adianta procurar na ciência os males da ciência. Há de se perguntar qual é o papel da ciência. E a paixão pelo puro e simples conhecimento, mesmo se fosse verídico não deixaria de ser mais um ideal, mais uma simples posição. Este tipo de verdade não é atingível pela ciência. Desta forma, uma vez que não é possível comprovar cientificamente.
Bibliografia
WEBER, Max. A "Objetividade" do conhecimento na Ciência Social e na Ciência Política. In: Metodologia das ciências sociais. Parte I. São Paulo: Cortez, 1992, p. 107-154.
JAPIASSU, Hilton. As máscaras da ciência. Ciência da Informação, Rio de Janeiro, v.6, n.1; p.13-15, 1977








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