Webleitores e o Debate online durante o Período Eleitoral: Uma análise dos comentários no Facebook do Estadão em 2014.

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Webleitores e o debate online durante o período eleitoral: Uma análise dos comentários no Facebook do Estadão em 20141 CARVALHO, Fernanda C. de2 MASSUCHIN, Michele G.3 MITOZO, Isabele B.4

Resumo: As redes sociais online têm se constituindo como uma nova esfera de debate e os veículos jornalísticos as utilizam a fim de ampliar o contato com seus leitores. Exemplo disso são as páginas no Facebook, em que os jornais postam informações propensas a comentários dos internautas. O objetivo deste paper é avaliar como os webleitores do jornal O Estado de S. Paulo utilizam tal espaço para expor suas opiniões e debater com os demais usuários sobre o tema “eleições”. Analisam-se, aqui, três pontos: 1) postura dos comentadores em relação aos demais participantes do debate; 2) tipo de reflexividade adotado durante a discussão; e 3) tipo de reflexividade ligado a cada candidato citado nos comentários. A metodologia adotada foi a análise de conteúdo quantitativa. Como resultado, observa-se que o Estadão, além de possuir comentadores mais propícios ao debate, agrega aqueles mais dispostos a persuadir, mas com maior tendência à radicalização ao mencionar Dilma Rousseff. Palavras-chave: Debate público. Eleições 2014. Facebook.

Introdução Os estudos acerca das relações entre internet e debate público têm se voltado para as discussões que permeiam as redes sociais digitais, como é o caso do Facebook. Em períodos eleitorais, esses novos espaços de debate também propiciam as discussões sobre temas políticos, principalmente referenciando candidatos e sua posição política. As redes sociais abrem espaço tanto para os próprios políticos obterem canais diretos com seus eleitores quanto para os meios tradicionais que passam a criar suas próprias páginas, oferecendo conteúdo informativo por meio delas, mas também suscitando o debate com as ferramentas interativas, como é o caso dos comentários analisados neste paper5. 1

Trabalho apresentado no XVIII Seminário de Inverno de Estudos em Comunicação. UEPG, 2015. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPR. [email protected] 3 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de São Carlos – UFSCAR. [email protected] 4 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPR. [email protected] 5 Este paper faz parte dos trabalhos do Núcleo de Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública (CPOP), da UFPR, e se utiliza de dados coletados na pesquisa coletiva, desenvolvida pelo grupo, que analisa os posts e comentários do Facebook de jornais locais, regionais e nacionais durante o período eleitoral de 2014. 2

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A literatura tem indicado um aumento considerável de estudos sobre política e internet (SAMPAIO; BRAGATTO; NICOLÁS, 2012), especialmente em relação ao estudo das redes sociais, a partir de 2006, com maior empenho no desenvolvimento de pesquisas empíricas. Este trabalho, por sua vez, endossa essa subárea e procura estudar o debate suscitado entre os webleitores da página do jornal O Estado de S. Paulo, a partir do momento em que esse tipo de veículo adentra as redes sociais, em que é permitido aos leitores comentarem o que é postado pelas páginas. De forma mais específica, o objetivo do artigo é apresentar uma investigação acerca de como se os webleitores se comportaram ao comentarem os posts difundidos pela página d’O Estado de S. Paulo, nomeada “Estadão”, no Facebook6. Por meio da metodologia a análise de conteúdo quantitativa, o paper terá como foco a análise das seguintes variáveis: 1) postura do comentador (se responde ou não a outros comentadores), conforme classificação de Dahlberg (2002) e 2) reflexividade, seguindo o que teoriza e aplica Jensen (2003), em seu estudo. Tais variáveis serão, ainda, cruzadas com a citação de cada candidato, a fim de indicar quando o diálogo se desenvolve de forma mais ampla em relação à citação de um candidato, assim como o tipo de reflexividade que mais se expressa nessa mesma relação, com o objetivo de observar quando o debate atende melhor às premissas do modelo ideal apresentado por Dahlgren (2005). A unidade de análise constitui-se, portanto, dos comentários postados pelos webleitores na referida página de Facebook. O período de análise considera as 13 semanas que compõem o primeiro turno das eleições presidenciais (julho-setembro/20147) e para esta pesquisa fez-se o seguinte recorte: comentários que mencionavam diretamente ao menos um dos três principais presidenciáveis, feitos a posts que, igualmente, citavam um deles. Assim, trabalhou-se com o total de 63.730 comentários na análise. O artigo está dividido em três partes: na primeira, discutem-se alguns pressupostos teóricos da pesquisa, na sequência apresentam-se algumas questões metodológicas e, após, os resultados da pesquisa. Ao final, são feitas algumas considerações.

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Disponível em http://facebook.com/estadao São considerados os comentários feitos aos posts, sobre a disputa presidencial, de 01/07 a 29/09/2014. O dia 30/09 integra a semana 14, a última do primeiro turno, não incluída nesta análise, porque o banco de outubro encontra-se em fase de finalização. 7

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1. Jornalismo e debate nas redes sociais online O jornalismo pode ser considerado um elemento imprescindível ao jogo político, interferindo na forma como a política se desenvolve (MONT’ALVERNE; MARQUES, 2013) e no debate público, sendo até chamado por alguns de novo “quarto poder”, como uma espécie de “poder moderador” (ALBUQUERQUE, 2000). Sua forma de alcançar o leitor, porém, foi durante muito tempo unilateral: os veículos de comunicação de massa assumiam o papel de emissores, enquanto ao público restava a função de receptor da mensagem. No entanto, essa relação unidirecional foi superada quando se consideraram as características da comunicação

via

web,

como

a

descentralização

da

produção

de

conteúdo,

a

multidirecionalidade e a interatividade. Essa última característica é responsável pela presença dos comentários entre eleitores nos posts das redes sociais, o que é objeto da análise proposta. Ressalta-se que, assim como o público, os veículos tradicionais também estão na internet. Nas redes sociais, como o Facebook, exploram as ferramentas possíveis para compartilhar seu produto – a notícia – muitas vezes com o conteúdo modificado pela interação de seu leitor, ativo, principalmente, nas redes sociais. A presença dos veículos jornalísticos na web, e em suas diversas plataformas como o Facebook, acaba propiciando uma nova configuração da forma a partir da qual a audiência recebe e interage com o que é publicado. E esse é um fator importante quando se pretende estudar debate público, já que, agora, o leitor não é mero receptor, podendo questionar diretamente a notícia, bem como debater com outros webleitores por meio dos comentários, por exemplo, que é o objeto deste estudo. Janssen e Kies (2004) consideram as possibilidades interativas da internet como implicações democráticas, havendo diferenças significativas em relação aos meios tradicionais de comunicação, pois, além da presença de informação, existe no ambiente online um espaço distinto de debate que, segundo os autores, é menos centralizado, mais aberto, sem limitação geográfica e temporal, assim como permite maior liberdade dos cidadãos para expressarem suas opiniões. Se, por um lado, a possibilidade de interação entre jornal e webleitor existe, há também a interação entre leitores, em que eles podem desenvolver uma conversação (DAHLGREN, 2005) e, inclusive, tornarem-se politicamente ativos. Embora algumas estratégias tenham apenas sido transportadas dos media tradicionais aos media digitais, como

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a capacidade de enquadrar notícias, esses webleitores têm se tornado agentes cada vez mais importantes para a dinâmica da comunicação via web, inclusive podendo decidir conversar mais com outros internautas que com as notícias (CERVI, 2013). Os sites de redes sociais, mais especificamente, tomaram tanto o primeiro plano das campanhas eleitorais quanto o da circulação de notícias jornalísticas. Isso porque, além da maior potencialidade de circulação de conteúdo em relação aos websites e portais, as redes agregam mais seguidores, pois são gratuitas ao usuário e são consideradas, pelo próprio público, um importante canal para se informar segundo dados da Pesquisa Brasileira de Mídia (BRASIL, 2014)8. Na perspectiva de Dahlberg (2001), o ciberespaço é uma extensão da esfera pública e a internet contribui com a prática democrática na medida em que é possível expandir o debate público. Além de ler as informações postadas pelas páginas, os usuários podem interagir e debater. Dahlgren (2005), por exemplo, nomeia alguns espaços na internet que demonstram algumas extensões da esfera pública, como sites governamentais interativos (e-Government), sites de ativistas para gerar intervenções políticas, fóruns online e a presença de veículos de comunicação que interagem com os leitores por meio da internet. Ao observar o debate que ocorre nos meios digitais, alguns pressupostos teóricos da teoria habermasiana da esfera pública são adaptados para a discussão. Segundo Dahlberg (2001), há alguns pontos delimitados por Habermas que definem a prática do debate, seja ele na esfera pública tradicional ou na extensão propiciada pela internet. Esses requisitos são tematização e crítica racional, reflexividade, ideal role taking, sinceridade, autonomia do estado e poder político e, por fim, inclusão e igualdade discursiva. Estas são condições para o debate tomadas por Dahlberg (2001) como ponto de partida para observar interações em espaços online. O estudo de Jensen (2003) observou diferentes possibilidades de debate, comparando um espaço oferecido por iniciativa governamental e outro “anárquico”, e investigou qual deles se aproximaria mais de uma esfera pública online. Os resultados indicaram que o espaço oferecido pelo governo – nordpol.dk – teve mais qualidade nos quesitos argumentação, respeito e deliberação, mas que, de maneira geral, o debate online é uma atividade composta por uma quantidade de cidadãos restrita bem educada e politicamente ativa (JENSEN, 2003), 8

A Pesquisa Brasileira de Mídia (BRASIL, 2014) aponta o Facebook como o site/rede social mais acessado pelos brasileiros em dias de semana e nos finais de semana, bem como o site/blog/rede social mais acessado pelo público para se informar.

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o que não demostra, de fato, uma ampliação de acesso ao debate público por meio de ferramentas tecnológicas. Segundo o autor, há regras, como moderação, afiliação geográfica e presença de políticos, que interferem na qualidade do debate gerado pelos espaços digitais. No caso do Brasil, já há diversas experiências de debate online analisadas, como é o caso dos fóruns online do orçamento participativo digital (OPD) de Belo Horizonte, estudados por Sampaio, Maia e Marques (2010). A conclusão dos autores, por se tratar de um espaço específico de debate, é de que estes ambientes podem oferecer trocas discursivas qualificadas, com altos índices de justificação, respeito e identificação. Com uma discussão mais próxima do objeto a ser analisado neste paper, Sampaio e Barros (2010) analisam comentários feitos por leitores de periódicos em postagens no site da Folha de S. Paulo. Os resultados indicam que houve um alto grau de deliberação, mas, o objetivo dos participantes, muitas vezes, era a vitória discursiva e não o entendimento mútuo. Também observando o debate gerado pelos webleitores, Cervi (2013) analisa o conteúdo dos comentários gerados nas notícias sobre eleições no portal d’O Estadão, sendo que o principal resultado indica que os internautas falam entre si e se distanciam do conteúdo das postagens, ganhando autonomia. Além disso, o debate tende a apresentar pouca justificativa e serve para reforçar posição. A transposição do ambiente de debate para as redes sociais digitais como o Facebook, em que se costumam desenvolver conversações cotidianas, no entanto, abre novo campo aos estudos dessa área. O trabalho de Garcêz (2011) sobre a luta por reconhecimento dos surdos por meio da internet analisa a rede Orkut como uma plataforma que, mesmo, a priori, não se caracterizando como espaço de discussão política, configurou-se como importante instrumento ao engajamento político das pessoas do referido grupo social. Desse modo, as conversações em redes sociais derivam de um post ou comentário, constituindo-se como “embrião das discussões políticas” (GARCÊZ, 2011, p. 239). No entanto, ressaltam-se também algumas questões que ainda limitam a ampliação do debate online: as diferenças culturais e sociais que permanecem e são transferidas para a rede (NORRIS, 2001); a ideia de que a tecnologia sozinha não é capaz de alterar as práticas políticas tradicionais (DAHLBERG, 2001); e a existência do risco de os grupos não dialogarem com opiniões diferentes e o debate online sirva apenas para reforçar posições e opiniões (SUNSTEIN, 2003), criando segmentação de grupos e espaços de dispersão e não de

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deliberação (DAHLGREN, 2005). Portanto, do ponto de vista analítico, consideram-se neste paper os espaços online pelo viés da participação política e do engajamento dos internautas/eleitores na campanha eleitoral e menos pela discussão de deliberação (JENSEN, 2014), fazendo menos exigências quanto ao conteúdo esperado desse processo participativo e usando os requisitos da teoria de Habermas apenas como um modelo “ideal”. 2. Proposta metodológica para análise dos dados Os pressupostos teóricos discutidos anteriormente são transformados em indicadores analíticos por Dahlberg (2001, 2002), Jensen (2003) e Janssen e Kies (2004), que discutem formas de analisar o debate na rede. Tais indicadores são adaptados para a análise proposta neste paper e já foram utilizados, de modo semelhante, em outros trabalhos que analisam experiências de debate na rede no Brasil, como Sampaio, Maia e Marques (2010), Penteado e Avanzi (2013), Sampaio e Barros (2010) e Cervi (2013). Dentre os tipos de estudos apontados por Sampaio, Maia e Marques (2010), este trabalho se encaixa no segundo grupo, daqueles que buscam analisar as características do debate online. Este paper se concentra em compreender como os webleitores d’O Estadão agem na condição de comentadores dos posts desse jornal em sua página oficial no Facebook. A escolha da referida página deu-se, primeiramente, pela constatação em trabalho anterior (MITOZO; MASSUCHIN; CARVALHO, 2015) do quanto esse veículo se destacou em relação aos outros quality papers nacionais, Folha de S. Paulo e O Globo (MONT’ALVERNE; MARQUES, 2013), quanto ao notado maior nível de reciprocidade que seus comentadores apresentaram. Em segundo lugar, é interessante observar como os webleitores interagem sobre o tema eleitoral no perfil oficial do Estadão, sendo um jornal que possui tradição em deixar explícito seu posicionamento político. Por outro lado, vale ressaltar que esse jornal possui o portal online mais democrático, por ter sido o primeiro dentre aqueles três maiores jornais nacionais a abrir a possibilidade de se comentar, nele, suas notícias (CERVI, 2013). O jornal O Estado de S. Paulo, durante o primeiro turno9 das eleições de 2014, publicou em seu perfil no Facebook 3.747 posts, dos quais consideramos 276 como pertencentes ao tema “Campanha Eleitoral”, por citarem um dos três principais candidatos à

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Considerando as 13 semanas aqui analisadas.

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Presidência da República10. A partir disso, a análise a seguir traz algumas características do debate público nestes posts, pela investigação de 63.730 comentários, que totalizam as citações dos principais candidatos pelo próprio público no ato de comentar. A primeira variável – reciprocidade – foi elaborada a partir de uma discussão adequada também por outros autores como Janssen e Kies (2004) e Sampaio e Barros (2010). A variável permite observar o perfil de conversação, considerando se os comentários mostram que o utilizador está lendo as outras mensagens e seguindo a discussão. Portanto, o comentário pode ser caracterizado como monológico – quando não há uma conversa entre os comentadores – ou dialógico – quando se observa que o webleitor comenta considerando outros participantes no debate. A segunda variável incluída na análise é a reflexividade (JANSSEN; KIES, 2004; JENSEN, 2003). Esta variável é usada aqui para avaliar a possibilidade de debate, considerando que no modelo ideal do debate público os webleitores vão usar esse espaço para falar uns com os outros, tentar convencer por meio de argumentos e promover o debate. Os comentários são classificados em Persuasão (quando o autor tenta ou demonstra que foi persuadido por outros), Progresso (quando há discussão com os outros, com argumentos e informações são acrescentadas) e Radicalização (quando não há diálogo aberto e o autor mostra uma reação negativa, inclusive utilizando palavras de baixo calão). Embora Janssen e Kies (2004) avaliem como uma propriedade muito difícil de medir, os autores propõem que a persuasão e o progresso são positivos para o debate, enquanto radicalização é negativa ao andamento do debate entre os participantes.

3. O Estadão no Facebook: comentários dos posts durante o primeiro turno de 2014 Primeiramente, observou-se a postura que o comentador d’O Estadão adota. A postura é um dos fatores que Dahlberg (2002) aponta como importante categoria de análise indicativa de predisposição ao debate, na medida em que só se pode categorizar um debate como tal na medida em que os webleitores levam em consideração as opiniões e comentários dos demais. Quando não há essa predisposição ao debate, classificamos, ainda, como fez Sampaio et al. (2010), a ausência dessa resposta como postura monológica. 10

Até agosto, consideram-se os nomes de Aécio Neves (PSDB), Dilma Rousseff (PT) e Eduardo Campos (PSB). Em agosto e setembro, passa-se a considerar também o nome de Marina Silva (PSB).

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Como se pode ver na tabela a seguir, há uma predominância de comentários em que os webleitores conversam sozinhos, o que representa 74% do total. De qualquer forma, se olharmos para a proporção apresentada entre esses e aqueles em que houve reciprocidade, 26% do total, há uma diferença significativamente menor entre as duas categorias em relação aos outros grandes jornais de circulação nacional, conforme apresentado em estudo anterior (MITOZO; MASSUCHIN; CARVALHO, 2015)11. Assim, mesmo que o jornal O Estado de S. Paulo se apresente como veículo de posição política conservadora explícita, ele agrega comentadores mais dispostos a responder, de alguma forma, outros internautas ou que, pelo menos, consideram e fazem referência a postagens anteriores. TAB. 1 - Tipo de Postura do Comentador no Estadão Postura do Comentador Monológico Recíproco Total O Estado de S. Paulo Frequência 47244 16486 63730 Percentual 74% 26% 100% Fonte: As autoras, com dados do Núcleo CPOP/UFPR

E ainda que pareça pouco o percentual de 26%, ele é maior do que os demais jornais de abrangência nacional. Pelo menos, pode-se dizer que há uma predisposição ao debate por parte destes webleitores, o que seria positivo para retomar o debate proposto por Dahlberg (2001). Quando não há um processo dialógico, a conclusão é de que a ferramenta comentário serve para que as pessoas adicionem suas opiniões, mas que não se trata de um espaço de debate entre leitores e participantes. No entanto, em pelo menos 26% dos comentários houve condições mínimas para o debate, o que é positivo para indicar as redes sociais de veículos de comunicação como espaços de discussão ou possível extensão da esfera pública. E quanto mais dialógico, mais próximo dos parâmetros de vertente habermasianos do debate na esfera pública se chega. Por outro lado, deve-se ressaltar uma tendência dos comentários em se distanciarem do “debate” para apenas uma apresentação de opinião, como já identificado em trabalho anterior (MITOZO, MASSUCHIN; CARVALHO, 2015). A tabela a seguir permite observar a expressão da reciprocidade agora relacionada à citação dos candidatos. Nela, pode-se constatar que os internautas estiveram mais dispostos a

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A Folha de S. Paulo teve 82,4% dos comentários monológicos e 17,6% recíprocos. Os dados são ainda mais negativos para O Globo: 91,6% de comentários monológicos e somente 8,4% recíprocos.

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“conversar sozinhos”, não importando qual candidato mencionasse. Essa opção de manter-se distante do diálogo também foi encontrada no trabalho de Cervi (2013), o que indica que não é algo estrito a esta análise. Ainda assim, é possível identificar se houve, proporcionalmente, concentração dessa característica quando há menção específica de um dos candidatos12 por meio da análise dos resíduos padronizados13. TAB. 2 – Relação da Postura do Comentador X Citação de Candidato Postura do Comentador Monológico Recíproco Total Cita candidato no Só Dilma n 16788 (26,3%) 6158 (9,7%) 22946 comentário Rp -1,7 2,9 Só Aécio n 8937 (14%) 2444 (3,8%) 11381 Rp 5,4 -9,2 Só Campos/Marina n 14494 (22,7%) 5108 (8%) 19602 Rp -0,3 0,5 Mais de um n 7025 (11%) 2776 (4,5%) 9801 Rp -2,8 4,8 Total n 47244 (74%) 16486 (26%) 63730 (100%) x² = 156,989 Fonte: As autoras, com dados do Núcleo CPOP/UFPR.

É interessante observar que há uma concentração significativa de comentários que apresentam reciprocidade com a citação apenas de Dilma (Rp 2,9) e de comentários mais monológicos quando somente Aécio (Rp 5,4) é citado. Já para a citação de Campos ou Marina não há concentração significativa em nenhuma das posturas do comentador. Os resíduos padronizados da Tab. 2 são significativos também para a presença de mais de um candidato quando o comentário possui reciprocidade (Rp 4,8). Porém, o maior destaque é para o alto resíduo negativo para a reciprocidade em comentários que citam apenas Aécio (Rp -9,2), o que demonstra a ausência do diálogo nos comentários destinados a falar sobre este candidato. Após identificar que os comentários monológicos predominam ante os dialógicos e que Dilma Rousseff é a candidata mais citada entre os principais, inclusive com comentários recíprocos, passa-se ao estudo de uma variável que complementa aquela anterior por acrescentar, mesmo que de forma restrita, uma visão qualitativa quanto às características dos 12

Cria-se a variável “citação de candidato” identificando se o comentador faz referência a apenas um deles ou se cita mais de um em seus comentários. Essa nova informação permite uma comparação mais precisa da presença de um candidato no comentário com as características do debate que são analisadas aqui: postura e reflexividade. 13 O resíduo padronizado permite verificar se há concentração do atributo maior ou menor que a esperada, sendo estatisticamente significativo quando estiver acima de |1,9|, positiva ou negativamente.

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comentários em período eleitoral: o tipo de reflexividade apresentada. Essa variável ajuda a investigar como essa maior reciprocidade foi expressa entre os comentadores d’O Estadão. Identifica-se se o webleitor/comentador tentou 1) persuadir; 2) progredir, apresentando informações complementares ao debate; ou 3) radicalizar, comportando-se de forma desrespeitosa durante a discussão. Como já salientaram Janssen e Kies (2004), há diferenças qualitativas para o debate se um comentador prefere optar por persuadir ou progredir ao invés de radicalizar, sendo este último prejudicial ao debate público. TAB.3 - Tipo de reciprocidade no Estadão Persuasão Radicalização Progresso Frequência 16427 10224 4619 Percentual total 25,8 16 7,2 Percentual válido 52,5 32,7 14,8 Fonte: As autoras, com dados do Núcleo CPOP/UFPR.

Ausente 32460 50,9 -

Total 63730 100 100

Como exposto na Tab. 3 acima, a categoria “persuasão” foi aquela mais utilizada pelos comentadores, representando 52,5% das ocorrências válidas. Em seguida, a radicalização apareceu em 32,7% dos casos, superando “progresso”, que representou apenas 14,8% do total. Ainda que 52,5% do percentual válido tenha sido de “persuasão”, o que é positivo ao debate por definir uma proposta mais próxima de um modelo de esfera pública online, a radicalização está presente em mais de 30% dos casos. Unindo esse “achado” com o de que os comentários são majoritariamente monológicos, tem-se um resultado que demonstra uma participação aquém do esperado. Isso expressa a ideia de Sunstein (2003) de que a internet tende a dificultar o diálogo e a aceitação do debate com pessoas que possuem opiniões divergentes, o que leva a um debate mais radical e com menor tolerância por parte dos participantes. Esse resultado distancia os dados empíricos de um modelo ideal de debate, principalmente de uma extensão da esfera pública (Dahlberg, 2001). Ainda que este tipo de posicionamento possa aparecer em qualquer espaço, ele fica bastante evidente na análise, não proporcionando nenhum tipo de informação relevante ao debate. Conforme foi feito com a postura do comentador, analisa-se, também, o tipo de reflexividade que os comentadores apresentaram ao mencionar cada candidato. Para tanto, foi realizada uma análise de correspondência entre as variáveis “citação de candidato” e “tipo de

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reflexividade”, considerando apenas as categorias válidas14. Tendo atentado, anteriormente, para a ausência de relação entre ser recíproco e apresentar-se mais polido no debate, a análise a seguir, permite uma percepção mais nítida desse fenômeno. TAB. 4 - Perfis de coluna da Análise de Correspondência Citação de candidato Reflexividade Só Dilma Só Aécio Só Campos/Marina Persuasão 0,412 0,644 0,591 Progresso 0,122 0,115 0,195 Radicalização 0,466 0,241 0,213 Margem Ativa 1,000 1,000 1,000 Fonte: As autoras, com dados do Núcleo CPOP/UFPR.

Massa 0,521 0,145 0,334

Comparando os dados obtidos na tabela acima, observa-se que a radicalização em Dilma (0,466) é a única superior à massa (0,334), i.e. houve uma correspondência maior entre esse tipo de reflexividade e as citações da referida candidata, e representa quase o dobro da relação de radicalização quando somente Aécio (0,241) ou somente Campos/Marina (0,213) são citados. Assim, constata-se que o comentador que citou Dilma Rousseff, se, por um lado, esteve mais propenso a ler e dar continuidade à discussão, por outro, apresentou-se como aquele que mais radicalizou o debate também. Portanto, ainda que 32,7% do debate tenha esse teor, como anteposto na Tab.3, a fração de comentários radicais não se refere diretamente a Aécio Neves ou a Campos/Marina, fazem referência, predominantemente, a Dilma. Os comentadores que mais estiveram abertos ao progresso, preocupando-se em inserir novas informações e, assim, reforçar a argumentação, foram aqueles que citaram somente Eduardo Campos/Marina Silva (0,195). Percebe-se que os outros candidatos tiveram perfis, de correspondência com a categoria “progresso”, bem próximos (0,122 e 0,115), o que caracteriza aqueles que os mencionaram com um perfil, em relação a essa categoria, bem similar, mas ambos se distanciando deste tipo de reflexividade. Por fim, os comentadores que mencionam Dilma Rousseff são também os únicos que estão menos dispostos a persuadir ou serem persuadidos, como indicado na leitura da Tab. 4, em contraste com os comentadores que citam Aécio Neves e Eduardo Campos/Marina, que possuem perfis superiores à massa em “persuasão”. Isso implica dizer que os comentadores que fizeram menção a Aécio foram aqueles mais dispostos a persuadir outros debatedores. 14

Nesta análise, passa-se também a excluir da análise a categoria “Mais de um” da variável de citação de candidato.

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Estas informações sobre a reflexividade e citação somente de um dos candidatos podem ser visualizadas de modo mais explícito no gráfico abaixo. GRÁF. 1 – Correspondência reflexividade e citação de um dos candidatos

Fonte: As autoras, com dados do Núcleo CPOP/UFPR.

A distribuição dos pontos no gráfico15 indica a correspondência do atributo de reflexividade com a citação de cada um dos candidatos. Nota-se a proximidade das relações já identificadas anteriormente: a) o comentador que só cita Aécio Neves em seu comentário tende a persuadir ou já foi persuadido; b) há tendência a progresso no debate quando o comentador cita somente Campos ou Marina Silva; c) os comentários que citam apenas Dilma são os que mais radicalizam o debate. Ainda que a categoria de citação “Só Dilma” não esteja no mesmo quadrante que “Radicalização”, a localização de ambas no gráfico, além da já constatada relação, demonstra como elas se isolam das demais categorias. A dimensão 1, que representa as distâncias

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O gráfico se mostra explicativo e permite afirmar a correspondência entre as categorias por ser significativo (sig 0,000) a partir do alto qui-quadrado encontrado (x²=1827,124).

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horizontais dos pontos no gráfico, é a dimensão explicativa, com valor singular de 0,256. Ou seja, quanto mais distantes os pontos no eixo horizontal, menor a relação, o que permite ratificar as afirmações anteriormente expostas de que quem cita Aécio ou Campos/Marina não radicaliza o debate, assim como quem cita somente Dilma está longe de persuadir ou progredir no diálogo.

Considerações finais Apesar de, entre os comentários analisados, o debate nos posts d’O Estado de S. Paulo apresentar quase três vezes mais comentários monológicos do que recíprocos, esses comentaristas tendem a apresentar mais reciprocidade, especialmente na comparação direta com o debate realizado nos comentários na Folha e n’O Globo no mesmo período (MITOZO; MASSUCHIN; CARVALHO, 2015). Portanto, ainda que a reciprocidade seja presente em menos de um terço de todos os comentários, esse dado é elevado em relação aos demais veículos que usam a internet e possuem um número elevado de webleitores comentando as postagens. Mas claro que, de modo geral, permanece a mesma ideia apontada por Cervi (2013), de que os comentadores “falam sozinhos”. Porém, só esse dado não é suficiente para se afirmar que o diálogo “qualificado” ocorre de maneira fluente entre os comentadores na página do veículo e que há um debate, de fato, construtivo entre os participantes. Esta análise preliminar identificou algumas características do webleitor que comenta no Facebook d’O Estadão para além da diferença entre veículos, notada no já apontado trabalho anterior das autoras. Pode-se verificar também que a grande maioria dos comentadores tende a tentar convencer e persuadir os outros, usando o espaço dos comentários para tentar mudar a opinião ou ponto de vista dos demais, mas de maneira adequada e civilizada. O que menos aparece – sem somente 7% – é a progressão do debate por meio da adição de informações, o que significa que poucos webleitores estão dispostos a adicionar mais informação ao debate. Há, ainda, um número alto de comentadores que tendem à radicalização, interrompendo o diálogo e se fechando às ideias de outros comentadores, muitas vezes, agredindo candidatos e outros participantes, o que tem relação com as ressalvas feitas por Sunstein (2003) quanto ao debate online. Em relação à citação de candidatos nos comentários, observa-se que há muito mais

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radicalização quando Dilma Rousseff é citada nos comentários, o que significa que há um viés e que esse tipo de comportamento está atrelado à citação de algum candidato. Além disso, percebe-se mais progresso quando há referência a Eduardo Campos ou Marina Silva. Esse trabalho também apontou que estes nomes pautaram bem mais o debate entre os comentadores do que o nome de Aécio Neves, presente em menos de 27% dos comentários. Esses dados também indicam concentração do debate quanto a alguns candidatos, ainda que isso nem sempre signifique que seja apoio ou algo positivo destinado a eles. Como se pode perceber, a radicalização normalmente continha conteúdo negativo ao debate e, também, aos candidatos citados, o que ocorreu com relevância no caso da incumbente. A análise apresentada neste trabalho, por outro lado, leva também à conclusão de que ainda há muitas investigações a serem realizadas, a fim de traçar-se um perfil do tipo de comentador, mesmo na página de um único veículo jornalístico dentro do Facebook. Este trabalho pode ser tomado como ponto de partida para nova análise, uma vez que é interessante perceber também como o leitor-eleitor se põe no debate ao longo do período eleitoral e a quem os comentadores se referem ao postarem seus comentários (destinatário) e qual o formato predominante desses comentários (crítica ou elogio). Inclusive, esses dados se referem ao período eleitoral para o primeiro turno, sendo que as posições dos webleitores podem se modificar com o acirramento da disputa, havendo possibilidade de comparar os dados de primeiro e segundo turno.

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