Whistleblowers: os caçadores de recompensa da atualidade

July 25, 2017 | Autor: B. de Azevedo e S... | Categoria: Whistleblowing, Compliance
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Whistleblowers: os caçadores de recompensa da atualidade Bernardo de Azevedo e Souza Rodrigo Carril

RESUMO: Nos últimos anos temos visto o desenvolvimento do país ser comprometido por diversos escândalos de corrupção. A despeito de todas as tentativas de erradicar o problema, a corrupção é um mal que triunfa no silêncio, o que torna sua identificação e combate de extrema dificuldade. Para enfrentar a realidade apresentada, foram apresentados recentemente no âmbito do Congresso Nacional projetos legislativos que estabelecem programa de recompensa a informantes de crimes praticados contra a Administração Pública. A iniciativa, espelhada na experiência norte-americana, premia os indivíduos responsáveis por trazer a conhecimento das autoridades informações relevantes para a investigação de infrações cometidas no âmbito da atividade empresarial (lá chamados de

whistleblowers). O presente artigo tem por pretensão tecer breves considerações sobre esta figura de suma relevância ao enfrentamento da corrupção, bem como efetuar uma análise crítica dos projetos legislativos atualmente em trâmite, de modo a verificar, ao final, a (in)adequação do programa de recompensas no contexto brasileiro.

1. INTRODUÇÃO

No combate aos crimes cometidos em sede empresarial o auxílio dos envolvidos configura elemento essencial. Ao mesmo tempo em que se reconhece que as empresas possuem a capacidade de apresentar documentos e buscar qualquer forma de registro dos delitos praticados em seu seio, é inegável que os  



Texto publicado nos anais do V Congresso Internacional de Ciências Criminais. Mestre em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Especialista em Ciências Penais (PUCRS). Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais (PUCRS). Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Ética, Anticorrupção e Compliance do Núcleo de Pesquisa em Ciências Criminais (NUPCRIM-PUCRS). Advogado. Especialista em Direito e Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais (PUCRS). Graduando em Administração de Empresas (USP). Pesquisador com ênfase nos temas deautorregulação, regulação de mercado ecompliance. Advogado do Escritório Urquiza, Pimentel e Fonti Advogados - São Paulo (SP).Professor convidado do Programa de Mestrado da Universidade Candido Mendes (RJ).

fatos ocorridos, as histórias, as circunstâncias e as motivações somente poderão ser desvendadas em seus mínimos detalhes pelas pessoas físicas, aquelas que vivenciaram os acontecimentos. Ainda que diversos países apresentem constantes esforços na busca por alternativas ao incentivo de denúncias, é em verdade no programa de recompensas norte-americano que se encontra o verdadeiro modelo para um eficaz enfrentamento da corrupção. Já em 1977 os Estados Unidos apresentaram aquela que viria a ser o principal modelo de legislação para o resto do mundo no que tange ao combate à corrupção: o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA). Com deste diploma legal buscou-se enfrentar práticas de corrupção de empresas norte-americanas no exterior, sobretudo após o escândalo da empresa Lockheed, que pagava propinas para agentes estrangeiros garantir a celebração de seus negócios na indústria aeronáutica. Além deste episódio, à época o Congresso americano descobriu que mais de 400 empresas realizaram pagamentos ilegais no exterior para autoridades públicas, totalizando um montante superior a R$ 300.000,00 (trezentos milhões de dólares). Sem embargo das intenções do FCPA, a aplicação da legislação era reduzida, tendo a verdadeira mudança surgido somente em julho de 2010, com o advento do

Dodd-Frank Act1. O FCPA, assim, adquiriu forças para sua aplicação. Na oportunidade, a Securities Exchange Comission (SEC), órgão regulador do mercado de valores mobiliários norte-americano, estabeleceu regras para o tratamento de denúncias recebidas. Nesse sentido, as denúncias deveriam (a) ser baseadas em informações originais, (b) referir-se à violação de leis federais do mercado de valores mobiliários, (c) ser ofertadas voluntariamente, (d) resultar em processo exitoso, seja na esfera judicial ou administrativa (aqui se incluindo o FCPA) (e) e resultar em multa ou outra condenação de, no mínimo, R$ 1.000.000,00 (um milhão de dólares), possibilitando aos denunciantes receber entre 10% e 30% (dez e trinta por cento) dos valores recuperados. Os indivíduos responsáveis por trazer a conhecimento das autoridades (ou do público) informações relevantes para investigação de casos de corrupção, de má gestão, de ilegalidades ou de algum outro tipo de delito cometido no âmbito da atividade empresarial acabaram recebendo a denominação whistleblowers. A 1

Dodd–Frank Wall Street Reform and Consumer Protection Act (Dodd–Frank).

expressão, em verdade, é uma referência ao árbitro, cuja função consiste em coibir as jogadas ilegais praticadas pelos jogadores por meio do sopro do apito. À semelhança dessa figura, os whistleblowers, ao verificar quaisquer irregularidades ou mesmo infrações perpetradas no seio empresarial, “soprariam o apito”, divulgando tais práticas para que as devidas providências fossem tomadas. Os whistleblowers são, desse modo, fruto da sobrevinda do Dodd-Frank Act, que representa atualmente a principal reforma no sistema financeiro norteamericano desde a Grande Depressão. Para além de contribuir com diversas áreas do direito, o referido diploma legal também teve a preocupação de incluir os

whistleblowers em programas de proteção próprios (whistleblowers programs), de modo a incentivá-los a trazer a conhecimento das autoridades informações sobre crimes, levando os envolvidos a ser identificados, processados e, finalmente, devolver às vítimas os valores desviados. O relatório de 2014 da SEC sobre o Whistleblower Program apresenta dados de suma importância, que retratam a efetividade deste instituto dentro do ordenamento jurídico norte-americano. No último ano, a SEC recebeu 3.620 denúncias, sendo 159 relacionadas ao FCPA. Apenas em 2014, a SEC recompensou nove whistleblowers e, entre estes, autorizou o pagamento de R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de dólares) a apenas um denunciante, registrando a maior recompensa da história do programa. À semelhança dos Estados Unidos, que regulamenta e protege a atuação dos

whistleblowers, o Brasil vem demonstrando recentemente preocupação com esta figura de suma importância ao enfrentamento da corrupção. No âmbito do Congresso Nacional foram apresentados nos últimos anos projetos legislativos que tratam sobre a criação de mecanismos para recompensar aquelas pessoas que comunicam as autoridades sobre crimes praticados contra a Administração Pública. Sendo assim, ainda que se reconheça aqui a importância de um estudo de maior profundidade acerca dos whistleblowers norte-americanos2, não nos deteremos no presente ensaio a analisar seus pormenores, sendo a ênfase direcionada aos projetos de lei mencionados.

2

É importante destacar que as regras criadas para regulamentar a atuação dos whistleblowers em solo norte-americano criaram profundas mudanças na operação de negócios, procedimentos internos de comunicação e reporte, investigações internas e atividades internas de resposta.

2. DOS PROGRAMAS DE RECOMPENSAS AOS COMUNICANTES DE ATOS DE CORRUPÇÃO: BREVE ANÁLISE DOS PROJETOS DE LEI EM TRAMITAÇÃO NO CONGRESSO NACIONAL

Uma vez introduzida a temática, cumpre-nos a partir deste momento analisar os projetos legislativos apresentados no Congresso Nacional que criam os programas de recompensas aos informantes de delitos, de forma pormenorizada, seguindo a ordem cronológica em que foram apresentados.

2.1 Projeto de Lei da Câmara nº 1.701, de 29 de junho de 2011 Apresentado em plenário pelo Deputado Federal Carlos Manato (PDT-ES), o PL 1.701/11 foi o primeiro projeto a tratar sobre a criação de um Programa Federal de Recompensa e Combate à Corrupção, por meio de premiação (recompensa) a indivíduos que fornecerem informações às autoridades competentes para a elucidação de atos de corrupção. De acordo com a justificativa do projeto, o incentivo à denúncia por meio de recompensa pecuniária configura medida essencial para auxiliar a Polícia e o Poder Judiciário na coleta de provas, acelerando os procedimentos investigatórios e judiciais e promovendo resultados favoráveis na resolução das infrações. Acrescenta que a denúncia eficaz não só previne a prática do crime por desencorajar o agente à prática do ato de corrupção, como também permite a reprimenda ao agente criminoso por meio de prisão e de recuperação dos valores e bens desviados ou subtraídos. Ainda segundo a justificação do PL 1.701/11, a adoção de um programa de recompensas desestimulará a prática de atos de corrupção e incentivará a fiscalização da sociedade fiscalizará de ato que possam vir a prejudicar a coletividade. Ademais, aduz que para um combate efetivo da corrupção se faz necessário proteger o informante, por meio de mecanismos de proteção à sua vida, com punição daqueles que não respeitarem o sigilo da fonte e anonimato do informante. Conclui que o aumento no número de denúncias efetivas acarretará a prevenção e um eficaz combate à corrupção. O art. 3º do projeto estabelece que a denúncia deverá conter (a) a descrição dos fatos de forma clara e detalhada, contendo informações relevantes e elementos

úteis à apuração, (b) as provas e documentos comprobatórios da prática do ilícito, se possível, e (c) a indicação do autor do ato ilícito ou descrição que possa levar à sua precisa identificação. Preenchidos tais requisitos, o informante fará jus a uma recompensa em moeda nacional correspondente a 10% (dez por cento) sobre o total apurado dos valores e bens apreendidos (art. 4º). Mediante simples cálculo aritmético, poder-se-ia constatar que, se devolvido aos cofres públicos o numerário de R$ 100.000,00 (cem mil reais), o informante faria jus ao recebimento da quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais) pela contribuição fornecida. Sem embargo da redação do dispositivo, deve-se atentar para uma contradição operada no parágrafo único. Veja-se que se num primeiro momento o projeto estabelece ao comunicante a recompensa de 10% sobre o total apurado dos valores e bens apreendidos (art. 4º), logo em seguida (parágrafo único), institui que a recompensa não poderá ser superior a 100 (cem) salários mínimos vigentes à época do pagamento da recompensa ao informante. Nessa linha de raciocínio, ainda que o informante fornecesse informações às autoridades acerca de atos de corrupção englobando bilhões de reais, a quantia máxima que poderia receber pela contribuição seria a de R$ 72.400,00 (setenta e dois mil e quatrocentos reais), tendo por base o valor do salário mínimo nacional em vigor a partir de 01/01/14. A incongruência verificada nas redações do art. 4º e parágrafo único é, pois, clara. O projeto ainda trata sobre a criação de um Fundo de Recepção e Administração de bens e valores recuperados em processos judiciais relativos aos crimes referentes ao art. 1º, com sentença condenatória transitada em julgado. O art. 5º preceitua que os bens e valores depositados em Juízo serão transferidos para o Fundo, o qual providenciará seu gerenciamento e devolução aos órgãos públicos do qual foram desviados, e deduzirá do montante apreendido a porcentagem de 10% (dez por cento) devida ao informante, nos moldes do que foi salientado anteriormente. Para receber a quantia decorrente da contribuição fornecida às autoridades, o informante deverá instaurar um processo de habilitação de crédito sigiloso junto ao Fundo de Recepção e Administração de bens e valores recuperados. Uma vez iniciado o processo, caberá ao Fundo apreciar o pedido, requerendo informações confidenciais à autoridade que recebeu a denúncia, a fim de comprovar a

participação do informante

no

deslinde

da

investigação.

Encerrado o

procedimento, o Fundo deverá providenciar, em 30 dias, o depósito em conta bancária indicada pelo informante (art. 6º, §§ 1º e 2º). Para além de assegurar o anonimato e o sigilo da fonte (art. 3º), o projeto trata da proteção especial ao informante. De acordo com o art. 7º, o fornecedor de informações relevantes para a elucidação dos crimes elencados na lei receberá proteção por meio de ingresso no Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas, instituído pela Lei nº 9.807, de 13 de julho 1999. Não obstante, pela leitura atenta do dispositivo é possível constatar a necessidade do preenchimento de determinados requisitos, sem os quais a proteção não será concedida ao informante, quais sejam: (a) a efetiva necessidade da proteção; (b) a punição dos envolvidos; (c) a devolução aos cofres públicos dos valores e bens desviados. A despeito da intenção do projeto em proteger a figura do informante, cabe frisar que a redação do art. 7º é, no mínimo, preocupante. Isso porque o preenchimento dos requisitos supramencionados é de difícil configuração, estando à mercê de uma análise subjetiva do intérprete. Ora, em primeiro lugar, em que consiste a efetiva necessidade de proteção? Quais circunstâncias ensejam o ingresso do informante junto ao Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas? Eventuais ameaças proferidas pelos denunciados são suficientes para que a proteção seja concedida? É necessário que o informante sofra algum atentado à sua vida? Ou somente à sua integridade física? O projeto não especifica. Além disso, o que se deve entender pela punição dos envolvidos? A “punição” deve-se dar de que forma? Por meio de sentença judicial que condene os denunciados? Se afirmativo, a sentença lavrada por um juiz de primeiro grau é suficiente para que o informante seja autorizado a ingressar no programa? Ou somente o trânsito em julgado da sentença penal poderia ensejar a proteção? Por último, a devolução dos valores e bens desviados aos cofres públicos deve ser total? Se praticamente a totalidade do valor desviado for devolvido (parcial), o informante já poderá receber o benefício?

Com a submissão do projeto à Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP) da Câmara dos Deputados, foi apresentado substitutivo3 ao projeto, sendo acrescentado que o comunicante somente fará jus à recompensa se a informação concedida resultar em condenação judicial transitado em julgado, ou em desaprovação das contas, de forma irrecorrível, do agente público denunciado (art. 4º §2º). Ainda, foi ampliada a possibilidade de recompensa ao indivíduo que apresentar informações inéditas sobre uma mesma denúncia, sendo vedado, contudo, o pagamento a mais de um cidadão pela mesma informação prestada (art. 4, § 3º). Em novo adendo, foi inserida a disposição de que o informante não poderá recorrer da decisão do órgão responsável pela investigação, quando este decidir pela não procedência da denúncia (art. 4º). Foi acrescido ainda que, sendo a denúncia formulada com provas falsas/adulteradas, deverá o informante ser responsabilizado, respondendo por ação de perdas e danos (art. 5º). O processo de habilitação de crédito sofreu também algumas modificações. O art. 8º acrescentou que caso a denúncia seja aceita, o denunciante receberá um código pela Internet para acessar e acompanhar o processo. Foi inserida também a disposição de que, fazendo o informante jus ao prêmio, o órgão pelo responsável pela apuração deverá imediatamente comunicá-lo, para dar início ao processo de habilitação (art. 8, §1º). Finalmente, foi acrescido no art. 8, § 4º que, em sendo a fraude comprovada sem, porém, existir valores a ser recuperados (totais ou parciais), o informante nada receberá, dado o fato de que a indenização é de 10% sobre a quantia efetivamente restituída. Por derradeiro, salienta-se que ao PL 1.701/11 foi apensado, em 02/09/2013, o PL 6.132/2013, do Deputado Federal Enio Bacci (PDT/RS)4, tendo sido emitido, em 26/11/2013, parecer favorável do deputado Policarpo pela aprovação do apensamento. O projeto atualmente se encontra no âmbito da CTASP da Câmara dos Deputados.

2.2 Projeto de Lei do Senado nº 664, de 31 de outubro de 2011

3

4

O substitutivo foi aprovado pelo relator designado, qual seja, Deputado Federal Roberto Policarpo (PT-DF). Este projeto será tratado especificamente no ponto 2.4.

No âmbito do Senado Federal, foi apresentado pelo Senador Walter Pinheiro (PT-BA), na data de 31/10/2011, o PLS 664/2011. Com um único dispositivo, o projeto altera o art. 5, § 3º, do CPP para garantir retribuição pecuniária ao indivíduo que oferece às autoridades notícia de crime praticado contra a Administração: “Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de

infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito, sendo assegurado ao comunicante, nos casos de crimes tributários ou contra a Administração Pública, 10% (dez por cento) do valor que vier a ser recuperado.” Consoante a justificação do projeto, faz-se necessário criar um estímulo para a comunicação dos crimes, especialmente aqueles que implicam prejuízo ao erário, como os crimes tributários e os praticados contra a Administração. Para o PLS, a alteração no CPP para assegurar ao comunicante de crimes tributários ou contra a Administração 10% do que for recuperado, implicará de início considerável aumento na recuperação de dinheiro subtraído dos cofres públicos, suportando, com folga, a premiação que se quer instituir. Num segundo momento, o efeito esperado é o da diminuição das ocorrências criminosas, pois a sociedade estaria em constante vigilância. Submetido o projeto à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal, foi designado o Senador Randolfe Rodrigues como relator. Ao analisar o teor do PLS 664/2011, o Senador não vislumbrou imoralidade no ato de remunerar cidadãos com dinheiro público para comunicar crimes de que tenham conhecimento às autoridades, tampouco avistou inconstitucionalidade na conduta, referindo que “se nem a delação premiada é materialmente inconstitucional

segundo o STF, muito menos será a mera recompensa a qualquer do povo que, aliás, pode não estar envolvido nos fatos delituosos”. Ao concluir o voto, mostrouse completamente favorável ao pagamento de recompensa aos denunciantes de crimes contra a ordem tributária e a administração pública, aprovando o projeto, nos termos preconizados pelo Senador Walter Pinheiro (autor). Atualmente o PLS 664/20111 encontra-se no âmbito da CCJ do Senado.

2.3 Projeto de Lei da Câmara nº 3.506, de 22 de março de 2012 De autoria do Deputado Federal João Campos (PSDB-GO), o projeto insere o peculato (art. 312, CP), a concussão (art. 316, CP), a corrupção passiva (art. 317, CP) e a corrupção ativa (art. 333, CP) como crimes hediondos, modificando assim o art. 1º da Lei 8.072/90. O projeto também cria o programa de recompensa a delatores de crimes cometidos contra a Administração Pública. Todavia, cabe destacar que, ao contrário do PL 1.071/11, que estabelece ao comunicante a recompensa de 10% (dez por cento) sobre o total apurado dos valores e bens apreendidos, o PL 3.506/2012 determina patamar inferior, de 1% (um por cento). Conforme se infere pela leitura da redação do art. 3º: “A pessoa ou o grupo de

pessoas, que delatar a prática de crime contra a Administração Pública, receberá, como recompensa pela colaboração na elucidação deste delito, o valor correspondente a 1% (um por cento) do ressarcimento do prejuízo causado ao erário, previsto na Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992 [Lei de Improbidade Administrativa], pago pelo autor do ilícito.” O projeto também define quatro condições para o pagamento da recompensa (art. 4). São elas: (a) que o crime praticado contra a Administração Pública não seja do conhecimento das Autoridades com atribuição para elucidar delitos dessa natureza, situação demonstrada por intermédio da inexistência de investigação criminal a respeito dos fatos; (b) que a denúncia formulada pelo delator colabore efetivamente para a identificação da autoria e elucidação das circunstâncias do crime; (c) que o delator não seja integrante dos órgãos encarregados da investigação dos crimes praticados contra a Administração Pública; e, por derradeiro, (d) que o autor do delito tenha efetivamente ressarcido o prejuízo causado ao erário. À semelhança do PL 1.701/11, anteriormente tratado, também aqui é assegurado o sigilo e o anonimato em relação à identidade daquele que colaborar para a elucidação da autoria e das circunstâncias de crime praticado contra a Administração Pública. O procedimento de apresentação da denúncia e recebimento da recompensa pelo delator, de modo a manter sob sigilo a sua identidade, será regulamentado pelo Chefe de Polícia (art. 6º). O PL 3.506/2012 também assegura ao informante a possibilidade de participar do Programa

Especial de Proteção a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas, nos termos da Lei nº 9.807/99. Contudo, não há qualquer menção à expressão “necessidade de proteção”, tal como havia na redação do PL 1.701/11. Interesse atentar ainda para a redação do art. 5º, que concede ao integrante da Polícia Civil dos Estados e do Distrito Federal imediata promoção para classe superior, pelo critério de merecimento, independente de vaga, na eventualidade de elucidar quaisquer crimes praticados contra a Administração Pública, desde os delitos sejam de grande relevância e tenham causado grande prejuízo ao erário. O procedimento referido será regulamentado pelo Chefe de Polícia (art. 6º, in fine). A justificativa assinala que o projeto, ao classificar como hediondo os crimes de peculato, concussão, corrupção ativa e a corrupção passiva, propor recompensa para quem colaborar para a elucidação de crime contra a Administração Pública e premiar com promoção o policial componente de polícia investigativa (Polícias Civis e Polícia Federal) que elucidar o respectivo crime, introduz ferramentas interessantes ao combate da corrupção. Seriam mecanismos de incentivo promover a participação da sociedade na da luta contra a corrupção e maior dedicação dos policiais de todo o país. Por fim, o Deputado João Campos acrescenta que a adoção das providências por ele proposta certamente contribuirá para diminuir os alarmantes índices de corrupção no Brasil. Em face da proposta de modificar a Lei dos Crimes Hediondos, o PL 3.506/12 foi apensado em 10/04/2012 ao PL 3760/2004, de autoria do Deputado Federal Wilson Santos (PSDB/MT), por sua vez apensado em ao PL 5.900/2013, do Deputado Federal Pedro Taques (PDT/MT), compilando outros projetos que tratavam da mesma matéria, de modo a possibilitar a apreciação conjunta. Não há previsão de julgamento.

2.4 Projeto de Lei da Câmara nº 6.132, de 20 de outubro de 2013 O mais recente projeto apresentado foi o PL 6.132/2013, do Deputado Federal Enio Bacci (PDT/RS), concedendo prêmio ao indivíduo que comunicar às autoridades competentes a prática de crime em face da Administração Pública Federal, Estadual e Municipal, de que resulte a efetiva recuperação de valores ao Erário. De acordo com a justificativa, não basta detectar a corrupção atualmente,

sendo necessário apresentar soluções concretas para o problema, tais como o projeto, cuja finalidade consiste em coibir a prática de crimes praticados contra a Administração Pública Federal, Estadual e Municipal, inclusive crimes de natureza tributária, de caráter danoso à coletividade. Já de início (art. 1º) observa-se que o percentual da recompensa adotado pelo projeto é idêntico ao do PL 1.701/11: “Fica garantido à pessoa física que

comunicar às autoridades policiais ou administrativas a ocorrência de crime contra a Administração Pública Federal, Estadual e Municipal, inclusive de natureza tributária, de que resulte a recuperação de valores ao erário, o direito ao recebimento, em dinheiro, de quantia equivalente a 10% (dez por cento) do valor efetivamente recuperado.” O PL 6.132/2013 acrescenta que o recebimento do valor pela informação dada fica condicionado à consistência da denúncia (formal e escrita), devendo esta auxiliar a desvelar o delito. A exemplo do PL 1.701/11 e do PL 3.506/12, é assegurado o devido sigilo do nome dos informantes. Por derradeiro, o art. 3º preceitua que não farão jus à recompensa as pessoas envolvidas, na condição de autor, coautor ou partícipe, nas práticas de delitos contra a Administração Pública Federal, Estadual e Municipal, inclusive de natureza tributária. O PL 6.132/2013 atualmente encontra-se no âmbito da CTASP da Câmara dos Deputados, para fins de análise e designação de relator.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em análise à redação dos projetos legislativos expostos ao longo deste ensaio observa-se que ainda são necessários reparos. Inicialmente, afere-se inexistir consenso em relação ao termo que será adotado em nosso país para representar a figura do whistleblower. Cada um dos projetos mencionados adota uma expressão diversa para se referir ao indivíduo que relata às autoridades a prática de crime contra a Administração Pública. O PL 1.701/2011, por exemplo, emprega o termo “informante”, ao passo que o PLS 664/2011 utiliza o verbete “comunicante”. Já o PL 3.506/2012 adota a expressão “delator”. Contudo, tal diversidade

terminológica

acaba

causando

nebulosidade,

não

indicando

expressamente a quem se destina o programa de recompensas. Afinal, o benefício

seria concedido aos autores (e participantes) do crime ou, por outro lado, aos indivíduos que não possuem qualquer relação com o episódio e comunicam às autoridades o delito? Ainda que o PL 6.132/2013 tenha avançado nesse sentido, ressalvando, em seu art. 3º, que o autor, coautor e partícipe nas práticas delitivas não farão jus à recompensa, é necessária a adoção de um termo único para se referir ao

whistleblower. A expressão “delator” ou “colaborador” não se mostra, desse modo, como a mais recomendada, dada sua utilização em referência ao indivíduo que teve participação na prática delituosa e entrega os demais participantes, visando a reduzir sua pena posteriormente (delação ou colaboração premiada – arts. 13 e 14, da Lei 9.807/99).

Sob essa ótica, os termos “informante”, “comunicante” ou

“denunciante” se revelam mais adequados, visto que se distanciam da concepção de que o informante tenha participado do delito. A falta de uma palavra equivalente em português para traduzir

whistleblower impõe o uso da expressão na língua de origem ou com a devida tradução para duas situações distintas: “informante”, “comunicante” ou “denunciante” para se referir ao indivíduo que não participa do ilícito e “delator” e “colaborador” em alusão ao autor, coautor ou partícipe do delito que esteja em busca de um benefício legal. Sendo assim, os projetos devem rever os termos adotados para evitar confusões, sendo então empregada uma única expressão para simbolizar a figura do whisteblower. Sem embargo da iniciativa de criar programas de recompensas, os projetos de lei também precisam definir um único critério para efetivar a remuneração. A contradição verificada na redação do PL 1.701/2011, por exemplo, deve ser sanada. Não há sentido em estabelecer ao comunicante a recompensa de 10% sobre o total apurado dos valores e bens apreendidos e posteriormente instituir que o prêmio não poderá ser superior a 100 salários mínimos vigentes à época do pagamento. O mesmo pode-se dizer em relação ao patamar de recompensa adotado pelo PL 3.506/2012, a razão de 1% (um por cento), já que corresponde a um percentual ínfimo. Ambas as situações configuram verdadeiro desestímulo ao informante, em oposição à lógica do mecanismo. De todo modo, os projetos legislativos mencionados indubitavelmente fomentam o debate sobre esta ferramenta tão utilizada atualmente nos programas

de compliance em todo o mundo. Ao não enfrentar o tema em sua amplitude, técnica e juridicamente, o Brasil seguramente enfraquece esta importante ferramenta para a apuração de atos ilícitos internos, praticados dentro de determinada atividade empresarial, cujos reflexos atingem a estrutura e a transparência da empresa, além de oferecer danos a terceiros. A discussão é absolutamente necessária, seja para o fortalecimento e amadurecimento da figura do whistleblower, seja para possibilitar sua efetividade em nosso país.

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