William James e Wittgenstein: pragmatismo, terapia e enação

June 1, 2017 | Autor: Arthur Araujo | Categoria: Philosophy of Mind
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William James e Wittgenstein: pragmatismo, terapia e enação

Este trabalho parte de três hipóteses cujo objetivo é uma aproximação entre James e Wittgenstein – 1) o pragmatismo é um método ou terapia de tornar clara a significação de palavras e sentenças; 2) é o uso que determina a significação nas atividades da linguagem; e 3) de um ponto de vista pragmático, consequentemente, a linguagem se constitui como ação de significação ou enação – uma noção que terá inicialmente como matriz o sentido performativo da linguagem de Austin. No seu sentido amplo, o trabalho é uma arqueologia dos textos de James e Wittgenstein em torno dos indícios de uma concepção pragmática da linguagem.

Método pragmático e terapia O que significa ‘pragmatismo’ ? Hoje, certamente, não é um termo de significação consensual. Aqui, em particular, ‘pragmatismo’ terá a significação atribuída por William James sobre o princípio de um método: ‘[…] what pragmatism means […] was first introduced into philosophy by Charles Peirce in 1878 [How to make clear our ideas] To develop a thought’s meaning we need therefore only determine what conduct it is fitted to produce; that conduct is for us its sole significance; and the tangible fact at the root of all our thought-distinctions is that there is no one of them so fine as to consist in anything but a possible difference of practice’ (James [1907] 2000, p. 25). ‘Our conception of these practical consequences is for us the whole of our conception of the object, so far as that conception has positive significance at all. This is the principle of Peirce, the principle of pragmatism’ (James, VRE, 295). Não considerarei aqui as discordâncias posteriores entre James e Peirce sobre o sentido do pragmatismo. Mas, além da referência a Peirce, dois aspectos merecem destaque: 1) O pragmatismo é uma teoria da significação e a significação consiste na consequência prática de uma ação; 2) A ação é o traço distintivo da significação e uma noção central no pragmatismo1. Sobre o ponto 1 acima, James ([1907] 2000, p. 25) apresenta o pragmatismo como um ‘método’: ‘The pragmatic method ... is to try to interpret each notion by tracing its respective pratical consequences’. Para James, o método pragmático tem um claro sentido de interpretação do significado das noções e, em particular, interpretação da significação de palavras e sentenças da linguagem. Assim, pode-se traçar uma 1

Do ponto de vista pragmatista, ‘ação’ significa atividade de pensamento e, portanto, não deve ser confundida com a noção de comportamento (ou behaviorismo).

aproximação entre o método pragmático de James e a concepção de Wittgenstein da filosofia como um conjunto de terapias. É, portanto, a significação de palavras e sentenças nas atividades da linguagem o ponto de partida de uma aproximação entre a concepção jamesiana de significação como consequência prática e a noção de ‘uso’ como significação para Wittgenstein (IF, 43). Em On Certainty (422), Wittgenstein diz: ‘So I am trying to say something that sounds like pragmatism. Here I am being thwarted by a kind of Weltanschauung’. Wittgenstein diz alguma coisa que soa pragmatismo e, ao mesmo tempo, é alguma coisa frustrante ! No parágrafo anterior (OC, 421), no entanto, afirma Wittgenstein: ‘I am in England – Everything around me tells me so; whenever and however I let my thoughts turn, they confirm this for me once’. Esta crença ou pensamento ‘de estar na Inglaterra’ mostra um paralelo com a concepção pragmática de James de que as crenças de um indivíduo constituem um sistema (Goodman, 2002, p. 24). Uma crença não está isolada e é, na verdade, parte um estoque de crenças. É o que James ([1907] 2000, p. 76) chama ‘senso comum’ que, no seu conjunto, constitui um quadro holístico de conhecimento. Do ponto de vista de Wittgenstein, comparativamente, o senso comum de James é o equivalente ao ‘quadro do mundo’ sobre o qual se distinguem as afirmações verdadeiras e falsas (Goodman, 2002, p. 25). No início das Investigações Filosóficas (1), é bem conhecido o que Wittgenstein chama a visão augustiniana da linguagem. É uma visão sobre a essência da linguagem: as palavras são nomes e o significado são objetos substituídos por elas cuja correlação entre eles é ostensiva. Assim, a linguagem teria como função essencial nomear e descrever2. Wittgenstein rejeita a visão augustiniana da linguagem. Ele entende que grande parte dos problemas filosóficos é resultado de confusões conceituais. Segundo Wittgenstein, a terapia da linguagem significará um método de tratamento dos conceitos filosóficos: [...] ‘Toda elucidação deve desaparecer e ser substituída apenas por descrição. E esta descrição recebe sua luz, isto é, sua finalidade, dos problemas filosóficos. Estes problemas não são empíricos, mas, são resolvidos por meio de um exame do trabalho de nossa linguagem ... A filosofia é uma luta contra o enfeitiçamento do nosso entendimento pelos meios da linguagem’ (IF, 109). [...] ‘A verdadeira descoberta é a que me torna capaz de romper com o filosofar, quando quiser. – A que acalma a filosofia, de tal modo que esta não seja fustigada por questões que colocam ela própria em questão ... Resolvem-se problemas (afastam-se dificuldade), não um problema. Não há um método da filosofia, mas sim métodos, como que diferentes terapias’ (IF, 133). Como um método ou terapia da linguagem, o pragmatismo aponta um tratamento pluralista da significação de palavras e sentenças. E é sobre o sentido de uma terapia da linguagem que a noção de prática ganha sentido: que sentido prático tem a significação de uma palavra ou sentença sobre o curso de uma atividade da vida. Para Como se verá adiante, comparativamente, é o que Austin designa a ‘falácia descritiva’ de atribuição à linguagem de uma única função. 2

Wittgenstein, assim como no processo terapêutico freudiano, a atividade da linguagem tem um papel decisivo de restabelecer a significação das palavras e sentenças como parte de um processo compreensão dialógica. Ao longo das Investigações Filosóficas, por exemplo, é evidente a construção dialógica do texto em que Wittgenstein procura vivificar a presença de interlocutor: ‘For therapy to be successuful, the interlocutor must freely come to acknowledge the picture as that which constrained their thinking and led to their disquiet. Once the picture has been brought to consciousness, it loses its power to effect psychological disturbance’ (Hutchinson and Read, 2013, p. 160). Assim como a terapia freudiana exige uma prática dialógica do indivíduo, como um método de tornar consciente certo conteúdo de pensamento, o pragmatismo promove um exercício de tratamento e avaliação das atividades da linguagem a uma terapia. Porque, por exemplo, se, entre duas hipóteses, não se pode estabelecer entre elas uma consequência ou diferença prática, então, elas significam a mesma coisa. Consequentemente, o pragmatismo oferece uma terapia como exercício ou técnica de tornar clara a significação dos conteúdos conceituais e hipóteses, assim como dissipar as intermináveis disputas filosóficas verbais (James [1907] 2000, p. 27). James aplica o método pragmático como um tratamento da significação de três termos clássicos em disputa ao longo da história da filosofia (substância/matéria, desígnio inteligente e livre-arbítrio). Se, por exemplo, a substância ou matéria da realidade do mundo é material ou imaterial, ou se a natureza tem ou não um desígnio e se temos ou não livre-arbítrio, que significação prática estas hipóteses têm ? Se elas não mostram ter significação prática, segundo James ([1907] 2000, p. 46), são hipóteses ou diferentes nomes que significam a mesma coisa e são, portanto, objeto de mera disputa verbal: ‘Accordingly, in every genuine metaphysical debate some pratical issue, however conjectural or remote, is involved. To realize this, revert with me to our question, and place yourselves this time in the world we live in, in the world that has a future, that is yet incompleted whilst we speak. In this unfinishied world the alternative of ‘materialism or theism ?’ is intensely pratical’ (James [1907] 2000, p.47). Em Varieties of Religious Experience (1902), James aplica o método pragmático aos termos religiosos como um princípio da significação. Os termos religiosos têm significação porque eles têm uma significação prática – a palavra ‘Deus’ não significa conhecimento de alguma realidade e, no entanto, tem um uso prático. Mas, James está também interessado no significado verdadeiro dos termos religiosos: ‘James here [The varieties of Religious Experience] separates the question of meaning from that of truth. The significance of religious terms, unlike the truth of claims made using them, is precisely not a hypothesis; it is established by their use. Although James defends the “hypothesis” that religious claims are true, he does not take this claim to be established by the utility of believing it. He does not embrace here the crude pragmatic theory of his detractors, including Wittgenstein: that the

use is the useful. Rather, he holds a view much like Wittgensteinian view that provokes Wittgenstein’s question about his own pragmatism – that the “service” to which we put religious pictures, or religious teachings, provides or constitutes something we “understand” ’ (Goodman, 2002, p. 154). O comentário de Goodman sugere, portanto, uma tensão conceitual entre a significação e a verdade dos termos religiosos: de um lado, James sustenta que as hipóteses sobre os termos religiosos podem ser verdadeiras; de outro, conforme Wittgenstein, seu significado é estabelecido pelo uso. Neste segundo caso, é o uso que concede às palavras um sentido especial (ibidem). Se os termos religiosos têm algum significado, eles não têm o significado epistemológico de hipóteses verdadeiras sobre a realidade: ‘Questões morais apresentam-se imediatamente como questões cuja solução não pode esperar por uma prova sensível. Uma questão moral não é uma questão do existe no plano sensível, mas, do que é bom, ou do que seria bom se existisse ... A questão de ter crenças morais é decidida por nossa vontade ... Como o intelecto puro pode decidir ?’ (James [1896] 2001, p. 37-8). Os termos morais não teriam como objetos ‘realidades’ do mundo sensível. Do ponto de vista de Kant, comparativamente, as ideias Deus, a alma imortal e a liberdade podem apenas ser pensadas e não conhecidas efetivamente. A razão não pode objetivamente conhecer os objetos que correspondam aos conceitos pensados de ‘Deus, ‘alma imortal’ e ‘liberdade’. Embora a concepção de James sobre os termos religiosos gere uma tensão conceitual entre significação e verdade, a leitura de The varieties of Religious Experience teve uma influência reconhecida por Wittgenstein sobre o significado da variedade da experiência humana: religiosa, secular, emocional, cognitiva, receptiva, ativa, extraordinária, comum (Goodman, 2002, p. 3; 11-2). Dessa leitura de James, Wittgenstein tira uma lição importante do método pragmático: a filosofia é uma prática de tornar claro o significado de palavras e sentenças e, portanto, ela caracteriza uma interseção entre ação e pensamento. Para Wittgenstein, com efeito, a filosofia é uma atividade constituída entre diferentes métodos ou terapias. E é entre os diferentes métodos ou terapias que podemos aprender alguma coisa sobre o uso e o significado das palavras e sentenças. Uso e critério de significação Saber a significação de uma palavra ou uma sentença é compreender e empregar seus usos corretos e efeitos práticos. Assim como, segundo James, as ideias são ‘formas’ que a vida toma para nós, para Wittgenstein, as palavras estão inseridas em jogos de linguagem e formas de vida. Para Wittgenstein, por exemplo, as formas religiosas têm significação porque têm um uso ou função na vida humana – elas são parte das ‘formas de vida’ (ou práticas de vida). A significação como uso tem, com efeito, uma função prática entre as diversas formas e experiências de vida. Nos termos de Goodman (2002, p. 161): For James and Wittgenstein, [...] meaning is fundamentally

human phenomenon, constituted within human experience (for James) or language game (for Wittgenstein). Embora alguns indícios textuais sejam exemplares de uma concepção pragmática da linguagem, ela mesma não representa uma primeira preocupação da teoria da significação de James: ‘But if you follow the pragmatic method, you cannot look on any such word as closing your quest. You must bring out of each word its pratical cash-value, set it at work within the stream of your experience’ (James ([1907] 2000, p. 29). ‘The pragmatic rule is that the meaning of a concept may always be found, if not in some sensible particular which it directly designates, then in some particular difference in the course of human experience which its being true will make’ (James [1910] 2000, p. xvii). A ideia de que as palavras têm um valor prático efetivo e que elas funcionam dentro de uma atividade ou fluxo de uma experiência, mostra uma possível aproximação com a preocupação de Wittgenstein sobre o sentido linguístico do termo ‘uso’: ‘Pode-se, para uma grande classe de casos de utilização das palavras “significação” – se não para todos os casos de sua utilização, explicar assim: a significação de uma palavra é seu uso na linguagem’ (Wittgenstein, IF, 43). Assim, entre James e Wittgenstein, ao contrário de uma teoria da correspondência em que a significação de uma palavra é entendia sobre uma relação fundamental entre linguagem e mundo, a noção de uso das palavras indica uma atividade fluida e diversificada. É o que Wittgenstein designa ‘práxis’ ou ‘prática’ de um ‘jogo de linguagem: ‘Na práxis da linguagem, um parceiro enuncia as palavras, o outro age de acordo com elas; na lição de linguagem, porém, encontrar-se-á este processo [em] ... que todo processo do uso das palavras é um daqueles jogos por meio dos quais as crianças aprendem sua língua materna. Chamarei esses jogos “jogos de linguagem”, e falarei muitas vezes de uma linguagem primitiva como de um jogo de linguagem’ (Wittgenstein, IF, 7). Aprendemos o significado das palavras aprendendo a práxis de seus usos, assim como, por exemplo, aprendemos xadrez aprendendo como as peças podem ser movidas segundo regras e não associando peças e objetos. A noção de uso implica, portanto, uma práxis de seguir regras e seguir regras é seguir práticas contextualizadas: ‘O que chamamos “seguir uma regra” é algo que apenas uma pessoa pudesse fazer apenas uma vez na vida ... Não pode ser que apenas uma pessoa tenha, uma única vez, seguido uma regra ... – Seguir uma regra, fazer uma comunicação, dar uma ordem, jogar uma partida de xadrez, são hábitos (costumes, instituições). Compreender uma frase significa

compreender uma linguagem. Compreender uma linguagem significa dominar uma técnica’ (Wittgenstein, IF, 199). As atividades da linguagem supõem contextos e instituições linguísticas de realização de diversos e distintos ‘jogos de linguagem’: ‘O termo “jogo de linguagem” deve aqui salientar que o falar da linguagem é uma parte de uma atividade ou de uma forma de vida’ (Wittgenstein, IF, 23). Não sem muita imprecisão, no entanto, um jogo de linguagem pode ser entendido como um tipo particular de contexto linguístico: em que condições o uso de uma palavra é relevante como parte de uma práxis da linguagem. Aliás, assim como as formas de vida são também diversas e distintas, também o são os jogos de linguagem. Mas, a relação entre uso e significação de uma palavra não tem um sentido causal: o uso não causa o significado da palavra. É da determinação lógica entre uso e significado da palavra que se pode verificar se a regra de um jogo é seguida ou não. O uso e a significação das palavras supõem contextos e instituições linguísticas públicas em que se realizam certos jogos de linguagem segundo regras particulares. A significação das palavras emerge dos múltiplos usos que elas podem ter e os usos seguem regras. Uma característica da noção de uso é também função, ferramenta ou instrumento. Wittgenstein traça uma analogia entre o uso ou função de ferramentas e a significação das palavras: ‘[...] o conceito geral da significação das palavras envolve o funcionamento da linguagem ... quando estudamos os fenômenos da linguagem em espécies primitivas de se emprego, nos quais pode-se abranger claramente a finalidade e o funcionamento das palavras’ (Wittgenstein, IF, 5). ‘Pense nas ferramentas em sua caixa apropriada: lá estão um martelo, um metro, um vidro de cola, cola, pregos e parafusos – Assim como são diferentes as funções desses objetos, assim são diferentes as funções das palavras ... o que nos confunde é a uniformidade da aparência das palavras’ (ibidem, 11). ‘… A meaning of a word is a kind of employment of it. For it is what we learn when the word is incorporated into our language’ (Wittgenstein, OC, 61). ‘That is why there exists a correspondence between the concepts ‘rule’ and ‘meaning’’ (ibidem, 62). ‘Compare the meaning of a word with the function of an official. And ‘different meanings’ with ‘different functions’’ (ibidem, 64). Para James, uma ideia tem igualmente um caráter funcional e, portanto, pode-se conceder à noção de uso uma significação pragmática ampla. As ideias têm uma característica ‘plástica’ de uso e significação (James [1907] 2000, p. 31). Uma característica plástica que mostra ser similar ao significado funcional das palavras, segundo Wittgenstein. Da concepção wittgensteiniana de relação entre uso e significação das palavras, comparativamente, pode-se estabelecer uma aproximação ao

pragmatismo de James: o que determina a significação de uma ideia ou pensamento é a plasticidade de uso ou função que se estabelece entre a experiência e a linguagem. Assim como entende Wittgenstein a relação entre uso, significação e regra, comparativamente, a ‘diferença prática’ torna-se a regra pragmática da significação de um conceito, segundo James. É a noção de uma regra de significação cuja característica fundamental é a plasticidade – nada é significado isoladamente, mas, a própria significação é parte de uma prática sobre um background. Assim, pode-se atribuir aos jogos de linguagem a mesma característica de plasticidade sobre as práticas de significação: ‘And to imagine a language means to imagine a form of life’ (Wittgenstein, IF, 19). O método pragmático tem como consequência uma teoria da verdade. Mas, segundo James, a ‘verdade’ ou a significação verdadeira ‘acontece’ [happens] a uma ideia de acordo com a função prática que ela possa ter em concordância com a realidade: a ‘função de concordância’ (ou não) com a realidade torna-se o critério de verificação da significação de uma ideia (James, p. 89). No Prefácio de The Meaning of Truth ([1909] 2000. p. 135), James diz que a ‘verdade’ é uma ‘relação’ que se pode obter entre uma ‘ideia’ (‘opinião, crença, afirmação ou não’) e um ‘objeto’ – ‘a ‘verdade’ é uma propriedade de algumas de nossas ideias’3. Uma ideia ‘torna-se’ [becomes] verdadeira não somente porque ela pode ser representada por uma proposição (Sprigge, 2006, p. 131), como, por exemplo, é o caso das atitudes proposicionais, mas, porque ela tem uma função prática de significação que se verifica em concordância com a realidade: ‘Its verity is in fact an event, a process’ (James, [1907] 2000, p, 88). De igual modo, sobre a propriedade funcional e dinâmica da verdade, pode-se afirmar que a significação acontece a uma palavra por meio do uso e conforme certos jogos de linguagem. Entre James e Wittgenstein, portanto, a significação e a verdade são formas de vidas que as ideias ou as palavras assumem: "So you are saying that human agreement decides what is true and what is false?"— It is what human beings say that is true and false; and they agree in the language they use. That is not agreement in opinions but in form of life (Wittgenstein, IF, 241). A verdade significa, portanto, que uma ideia ‘funciona’ ou ‘realiza’ uma ‘função casada’ [marriage-function] de interação com o mundo (James [1907] 2000, p. 33 – What pragmatism means). A verdade não significa um conteúdo ou uma referência objetiva. A concepção de que a verdade tem um conteúdo funcional caracteriza a própria concepção do que significa o pragmatismo: um ‘método’ e uma ‘teoria genética da significação da verdade’ (ibidem). Assim, como método e teoria, o pragmatismo estabelece práticas de verificação e identificação da significação da verdade quando se afirma que uma tem um valor efetivo, é satisfatória ou funciona (James [1907] 2000, p. 34 – What pragmatism means). Ao contrário de uma concepção tradicional e estática, James vê a correspondência ideia e significação como parte de um ‘processo ativo de interelação’ [process of active commerce] (James, [1907] 2000, p. 35) – um processo que teria a significação wittgensteiniana das formas de vida.

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Este não é o caso dos termos religiosos. Eles podem ser significativos no seu uso e, no entanto, não se pode atribuir a eles a noção de verdade. Como assinalado antes, segundo James, podem ser verdadeiras as hipóteses sobre os termos religiosos.

Da concepção pragmática de significação da verdade, portanto, segue-se uma visão pluralista. A significação das ideias torna-se incontável entre diferentes formas particulares [‘each-form’] de compreender as realidades do mundo. Uma visão pluralista da significação também indicada por Wittgenstein (IF, 23): ‘But how many kinds of sentence are there? Say assertion, question, and command? — There are countless kinds: countless different kinds of use of what we call "symbols", "words", "sentences". And this multiplicity [pluralidade] is not something fixed, given once for all; but new types of language, new language-games, as we may say, come into existence, and others become obsolete and get forgotten’. Segundo James, comparativamente, a verdade de uma ideia tem condições de verificação se ela tem uma função ou uma significação efetiva e plural de concordância com a realidade. Assinala James ([1907] 2000, p. 35): ‘True ideas are those that we can assimilate, validate, corroborate and verify. False ideas are those that we can not. That is the practical difference it makes to us to have true ideas; that, therefore, is the meaning of truth, for it is all that truth is known-as’. Quando James analise o significado da palavra ‘verdade’ [truth], o que se pode dizer que é verdade ou não sobre a sentença ‘a coisa existe’ ? Nestes termos, nada ! Mas, alguém pergunta: que coisa ? Resposta: a mesa ! Onde ? A resposta aponta uma direção: lá ! Assim, destaca James ([1908] 1978, p. 2834): ‘This notion of a reality independent of either of us, taken from ordinary social practice experience, lies at the base of the pragmatist definition of truth … Pragmatism defines ‘agreeing’ to mean certain ways of ‘workings, be they actual or potential’ […] You cannot get at either the reference or the adaptation without using the notion of the workings. That the thing is, what is, and which is … points determinable only by the pragmatic method’. Segundo o método pragmático, com efeito, podemos retomar a estória contada por James ([1907] 2000, p. 24) sobre a significação da experiência do esquilo. A situação é a seguinte: de um lado do tronco de árvore, agarrado a ele, está u m esquilo; do lado oposto ao esquilo, está uma pessoa. Não importa quão rápido ela tenta alcançar o esquilo, ele se move ainda mais rápido e a árvore está sempre entre eles. Dois grupos animam uma calorosa discussão: afinal, a pessoa contornou ou não o esquilo ? Enquanto um grupo afirma que a pessoa contornou o esquilo, o grupo rival afirma que a pessoa não contornou o esquilo. Então, os grupos disputantes pedem a James uma opinião que resolva a querela. E ele responde: ‘Which party is right ...depends on what you practically mean by ‘going round’ the squirrel’ (ibidem). Se a pessoa contornou a árvore e passou pelos quatro pontos cardeais, certamente, ela contornou o esquilo; mas, se ‘contornar o esquilo’ significa estar em frente a ele, ao lado e atrás, obviamente, a pessoa não contornou o esquilo. Como uma aplicação do método pragmático, James afirma que ambos os lados estão certos e errados de acordo com o que o verbo ‘contornar’ significa e que consequência prática ele implica. Considerando o método pragmático como uma teoria da significação, afirmar a significação de uma palavra não implica conceder a ela um

conteúdo ontológico sobre o mundo. Quando os dois grupos disputam a significação do verbo ‘contornar’, eles não percebem que, concretamente, ambas as afirmações significam a mesma coisa porque não mostram ter diferença prática efetiva. Segundo James (ibidem, p. 25), o método pragmático procura precisamente traçar as respectivas conseqüências práticas da significação das palavras. Do ponto de vista pragmático, além da sensibilidade e adaptação ao contexto, a significação tem uma conseqüência prática efetiva sobre o background de uma atividade da vida. De igual modo, nos termos de Wittgenstein, as significações do verbo ‘contornar’ dependem de jogos de linguagem e contextos particulares do uso, segundo as regras de um jogo de linguagem 1, por exemplo, o verbo ‘contornar’ significa ‘o indivíduo contornou o esquilo’. Mas, segundo as regras de um jogo de linguagem 2, o verbo ‘contornar’ não significa ‘o indivíduo contornou o esquilo’. Não se podem transgredir as regras de um jogo de linguagem por outras de outro jogo, assim como não se substituem as funções de uma ferramenta por uma outra diferente – assim como os usos das ferramentas, não se aprendem os usos das palavras de uma única vez. Aprendese os significados das palavras como uma atividade entre diferentes jogos de linguagem e formas de vida: “É como se pudéssemos apreender todo emprego das palavras de um só golpe” ... Mas, não há, naquilo que acontece, nada de espantoso, nada de estranho. Torna-se estranho quando somos levados a pensar que o desenvolvimento futuro deva estar já de algum modo presente no ato de compreender [...] – Onde está conexão efetuada entre o sentido da expressão “joguemos uma partida de xadrez !” e todas as regras do jogo ? Ora, nas instruções do jogo, na lição de xadrez, na prática [práxis] diária de jogar (Wittgenstein, IF, 197). Assim, o que pode resumir a aproximação entre James e Wittgenstein sobre o critério de significação das palavras é, respectivamente, a comparação entre ‘efeito prático’ e ‘uso’: a significação de uma palavra é seu uso ou efeito prático sobre o background de uma atividade da vida.

Linguagem e enação Nas últimas duas décadas, aproximadamente, a noção de enação tem sido corrente entre filósofos e cientistas cognitivos como alternativa a uma visão representacionalista da mente: ‘[...] Nous proposons ... le terme d’enaction [*** Nous avons gardé au verbe to enact ses traductions consacrées, à savoir “susciter”, “faire emerger” ou “faire adevenir”], dans le but de souligner la convinction croissante selon laquelle la cognition, loin d’être la représentation d’un monde prédonné, est l’avènement conjoint d’un monde et d’un esprit … L’approche enactive prend ainsi sérieux la critique philosophique de l’idée selon laquelle l’esprit et un mirroir de la nature’. ‘Enaction ou faire-émerger de la signification sur un fond d’un arrièreplan de compréhension’ (Varela et al., 1993, p. 35; 210 – L’inscription corporelle de l’esprit).

Varela (1988, p. 90-1; 98) retoma o sentido de ‘senso comum’ e assinala que os critérios de pertinência cognitiva são contextuais e criativos: a cognição é atividade criativa, sensível ao contexto e incorporada. É interessante traçar aqui um paralelo com a noção de ‘senso comum’ no pragmatismo de James ([1907] 2000, p. 74-5; 76): ‘[...] our knowledge is incomplete at present and subject to addition [...] our minds thus grow in spots [...] My thesis now is this, that our fundamental ways of thinking about things are … the stage of common sense’. A noção de enação de Varela tem motivado diversas perspectivas filosóficas recentes: (a) ‘A linving organism enacts the world it lives in; its effective, embodied action in the world actually constitutes its perception and thereby grounds its cognition’. ‘Without action, there is no “world” and no perception. This is the heart of the conception of enaction: every linving organism enacts, or as Maturana (1987) liked to say brings forth the world in which it exists’ (Stewart et al., 2010, p. vii; 3 – Enaction – Toward a New Paradigm for Cognitive Science). (b) ‘The Concept of a Pragmatic Turn Cognition is understood as capacity of “enacting” a world Systems states aquires meaning by their relevance in the context of action’ (Engel, 2010, p. 221 – Directive minds: How Dynamics Shapes Cognition. In Stewart et al., – Enaction – Toward a New Paradigm for Cognitive Science). (c) ‘What we perceive is determined by what we do … we enact our perceptual experience; we act it out’ (Noë, 2006, p. 1). (d) ‘Enactivism is inspired by the insight that the embedded and embodied activity of living beings provides the right model for understanding minds. Not all contemporary spokespersons for enactivism are as steadfast in their commitement to this anti-content, anti-represenational view. Most prominent among such ideas is the thought that organism “enact” or “brings forth” their worlds – that enaction enables a world to “show up” for individuals’ (Huto and Myin, 2013, p. 4-5 – Radicalizing Enactivism – Basic Minds without Content) Embora o sentido de enação caracterize primeiramente uma co-relação entre percepção e mundo, pode-se, no entanto, destacar as características particulares da noção de enação que interessam aqui: 1 – Enação é um ‘fazer-emergir’ da significação sobre o fundo de um background; 2 – Enação é a criação ou significação do mundo por um organismo; 3 – Enação não é representação;

4 – A significação de um estado interno do organismo é sua relevância no contexto da ação – temos aqui o que se pode considerar a enação como um princípio pragmático de significação. É importante assinalar a distinção entre dois sentidos de ‘representação’ indicados por Varela (1988, p. 99-0): 1) ‘representação do estado do mundo’; e 2) ‘noção pragmática de representação’. No segundo sentido, a noção pragmática de representação destitui a assimilação interna de um mundo pré-determinado e a significação se constitui como circularidade entre ação e interpretação: ‘a representação pragmática não veicula implicação epistemológica ou ontológica’ (Varela, 1988, p. 100). Entendido ‘estado interno’ de um sistema como ‘ideia’ ou ‘pensamento’ (James [1909] 1978, p. 179-0), uma ideia só significará alguma coisa no contexto de uma ação e, consequentemente, a significação emerge de um background da relação entre indivíduo e meio. A significação de uma ideia não é, portanto, uma representação ou tem um conteúdo representacional do mundo. Considerada uma palavra, comparativamente, ela só terá significação no contexto de uma ação. As noções de que a significação de uma palavra é seu valor prático efetivo (James) e que o uso das palavras determina sua significação (Wittgenstein) mostram características de enação: uso é ação ou enação de palavras ou sentenças do qual o resultado é a significação efetiva sobre o curso de uma atividade. O termo ‘enação’ tem, no entanto, um significado originalmente linguístico. Na Teoria dos Atos de Fala de John Austin (1962), o verbo ‘enagir’ [to enact] significa um tipo particular de ação performativa. É partir da raiz performativa do significado de enação que procuro aproximar James e Wittgenstein em torno de uma compreensão pragmática da atividade da linguagem. Não é uma perspectiva, no entanto, que se designaria um tipo de ‘pragmatismo linguístico’ – no sentido da filosofia analítica, o pragmatismo linguístico assume a linguagem como nosso acesso ao significado e um modo de ação fixada as formas de comunicação (Johnson, 2014, p 14). Do ponto de vista de James, comparativamente, a noção de enação nos permite retomar o significado pragmático da experiência como experiência da linguagem. Portanto, não se trata aqui da tradicional oposição entre linguagem e experiência: enação é entendia como ação situada de experiência da significação. ‘[...] there is no such thing as “language” in itself – no language without our experience of language, and no language experience without an enactment of meaning that involves more than just linguistic the depths of experience by focusing only on language and linguistic practices of validation and justification. Consequently, we cannot pretend to escape justification, for there are no such practices that are not themselves experiences embedded within a context of perceiving, meaning-making, appraisal, and acting that is not itself all or only a matter of language’ (Johnson, 2014, p 15). No seu excelente estudo sobre James e Wittgenstein, Goodman (2002, p. 133) assinala uma distinção importante sobe a função que a linguagem tem entre ambos os autores: ‘James sees language as a set of leadings or transitions – to use a term of J. L. Austin’s, a set of perlocutionary acts, defined in terms of their effects. Wittgenstein, in contrast, sees not only the perlocutionary but the illocutionary acts we perform with language, which allows him to

note the differences among such rule-governed acts as promising, hinting, advising, and stating’. Um detalhe merece ser evidenciado. A teoria dos atos de fala de Austin (1962) é resultado de um conjunto de conferências dadas em 1955 na Universidade de Harvard e cujo título original é ‘The William James Lectures’. Austin parece claramente reconhecer a influência da teoria pragmática da significação de James sobre sua a teoria dos atos de fala. Austin (1980, p. 38) argumenta contra o que ele designa ‘falácia descritiva’ e defende que os enunciados não têm apenas ou essencialmente a propriedade descritiva, mas, eles têm também um caráter performativo – a ideia reflete a máxima da tese de Austin que afirma ‘dizer é fazer’. Segundo Austin, o apelo à dimensão unicamente descritiva da linguagem tem sido tendência errônea na filosofia: ‘Supor que ‘eu sei’ é uma frase descritiva é apenas um exemplo da falácia descritiva, tão comum na filosofia. Mesmo que alguma linguagem seja agora puramente descritiva, a linguagem não era assim na sua origem e continua não sendo assim na sua maior parte’ (Austin, 1949 [1980], p.38). Uma parte das sentenças tem uma função performativa, i.é, elas são ações de fazer coisas significativas e seu uso é muito comum na linguagem corrente – por exemplo, quando alguém diz ‘eu batizo este navio ...’. Austin (1980, p. 34) introduz a noção de erro gramatical e desloca o problema da significação dos conteúdos mentais internos do nível ontológico ao nível linguístico. O problema não é o que é, mas, o que significa os termos mentais visto que o termo ‘mente’ não corresponde à realidade ontológica de uma coisa mental ou física. Quando alguém diz alguma coisa, a significação depende da intenção do falante de ter uma resposta e, consequentemente, as condições contextuais são relevantes. Por exemplo, se alguém diz ‘está chovendo lá fora’, a significação não tem nada a ver com a significação verdadeira da sentença. A pessoa que enuncia a sentença tem a intenção de avisar a alguém que leve o guarda-chuva. É claro que a noção de intenção não tem aqui o sentido tradicional de uma propriedade dos estados mentais de ser sobre [aboutness] algum objeto ou estado de coisas no mundo. Quando Wittgenstein se dedica a analisar os conceitos mentais nas Investigações Filosóficas, por exemplo, a noção de intencionalidade é deslocada de uma concepção tradicional e a ela é concedida uma significação linguística: ‘Quando penso na linguagem não me pairam no espírito ‘significações’ ao lado da expressão linguística; mas a própria linguagem é o veículo do pensamento’ (Wittgenstein, IF, 329). ‘Podemos apenas dizer alguma coisa, se aprendemos a falar. Quem quer, pois, dizer alguma coisa, deve ter aprendido a dominar uma língua ... e quando refletimos a respeito, o espírito lança mão de representação ... da fala’ (ibidem, 338). Retomando a teoria da Austin, a realização [performance] de um ato locucionário tem, no entanto, duas perspectivas igualmente significativas: as

perspectivas ilocucionária e perlocucionária em que se podem identificar também duas formas de intencionalidade linguística: a) Perspectiva ilocucionária: ‘To perform a locutionary act is in general, we may say, also and eo ipso to perform an illocutionary act, as I propose to call it. To determine what illocutionary act is so performed we must determine in what way we are using the locution: asking or answering a question; giving some information or an assurance or a warning; announcing a verdict or an intention; pronouncing sentence; making an appointment or an appeal or a criticism; making an identification or giving a description’ (Austin, 1962, p. 98). b) Perspectiva perlocucionária: ‘Saying something will often, or even normally, produce certain consequential effects upon the feelings, thoughts, or actions of the audience, or of the speaker, or of other persons: and it may be done with the design, intention, or purpose of producing them […] We shall call the performance of an act of this kind the performance of a perlocutionary act or perlocution’(Austin, 1962, p. 101). Assim, por exemplo, um ato locucionário ou locução tem a seguinte estrutura segundo Austin (1962, p. 101-2): ‘Act (A) or Locution: He said to me ‘Shoot her !’ meaning by ‘shoot’ shoot and referring by ‘her’ to her. Act (B) or Illocution He urged (or advised, ordered, &c.) me to shoot her. Act (C) or Perlocution: He persuaded me to shoot her’. De um modo particular, pode-se afirmar que a diferença entre as perspectivas ilocucionária e perlocucionária dos atos de fala consiste em se pertencem ou não a um domínio convencional e se são ou não governadas por regras. No entanto, segundo Austin, as consequências das perlocuções são verdadeiramente consequências e não somente consequências convencionais de entender ou seguir uma ordem: ‘Perhaps distinctions need drawing, as there is clearly a difference between what we feel to be the real production of real effects and what we regard as mere conventional consequences’ (Austin, 1962, p. 102) ‘We must notice that the illocutionary act is a conventional act: an act done as conforming to a convention’ (Austin, 1962, p. 105). A perspectiva perlocucionária pode ter uma consequência efetiva sobre o curso de uma atividade de sentimento, pensamento ou ação de alguém além da própria

realização do ato de fala – a perspectiva perlocucionária tem implicitamente a significação prática e efetiva de uma ideia no sentido do pragmatismo de James. Entre um grupo particular de sentenças performativas, estão as sentenças ‘exercitivas’ [exercitives]: elas significam a decisão de alguma coisa a ser feita a favor ou contra certo curso de ação como, por exemplo, ordenar, proclamar, anunciar, recomendar, declarar, etc. (Austin, 1962, p. 154-5). Entre as sentenças exercitivas, em particular, Austin situa também o ‘enagir’ [to enact]. ‘Enagir’ é tornar alguma coisa ato significativo – por exemplo, o personagem Romeu é interpretado por um ator que tem a intenção de persuadir o público que a representação é o próprio Romeu quando diz: ‘Eu sou Romeu’. A declaração do ator torna-se enativa e, consequentemente, significa também a relação entre o personagem ‘Romeu’ e o público. Com efeito, o uso de palavras ou sentenças ‘enage’ sobre o curso de uma atividade e a significação emerge de processos de enação4. Por diversas vezes, Austin destaca o sentido do termo ‘uso’ ou ‘uso da linguagem’: de uma perspectiva ilocucionária, o uso é um ato convencional; contrariamente, de uma perspectiva perlocucionária, é natural (Austin, 1962, p. 103). Desta distinção de sentido do uso entre perspectivas ilocucionária e perlocucionária, com efeito, pode-se precisar a matriz de uma compreensão pragmática da linguagem entre James e Wittgenstein. Enquanto James vê a linguagem como atividade perlocucionária cuja significação se define em termos de efeitos práticos, para Wittgenstein, além da perspectiva perlocucionária, a linguagem é também atividade ilocucionária governada por regras. Não exatamente como uma taxionomia, Wittgenstein (IF, 23) identifica uma ‘multiplicidade de jogos de linguagem’ conforme uma atividade ou uma forma de vida: ‘O termo “jogo de linguagem” deve aqui salientar que o falar uma linguagem é uma parte de uma atividade ou de uma forma de vida. Imaginem a multiplicidade dos jogos de linguagem por meio destes exemplos e de outros: Comandar, e agir segundo comandos – Descrever um objeto conforme a aparência ou medidas – Relatar um acontecimento – [...] Representar teatro – [...] Pedir, agradecer, maldizer, saudar, orar’. Assim como a multiplicidade de jogos de linguagem, também as formas de vidas são múltiplas. Segundo a multiplicidade de jogos de linguagem, comparativamente, as atividades da linguagem oscilam entre práticas ilocucionária e perlocucionária que si situam sobre múltiplas formas de vida. Entre as perspectivas ilocucionária e perlocucionária dos atos de fala, pode-se situar aqui a noção de ‘enação’ como um princípio pragmático de significação entre James e Wittgenstein. Embora seja um tipo particular de ato performativo de linguagem, no sentido amplo de uma experiência, Ver Johnson (2014, p.): ‘Philosophy ... ought to emerge from and reconstruct my/our experience. Language is one part of this working, reconstructive practice, but only one parte’. 4

enação é uma ação de fazer alguma coisa e cuja significação tem consequência prática a favor ou contra o curso de uma atividade de pensamento, sentimento ou ação. Considerando a noção de uso e uso performativo da linguagem, enação é uma ação de significação: quando se usa uma palavra ou sentença, a significação emerge e tem no contexto da ação uma consequência prática a favor ou contra o background de uma atividade da vida. A noção de enação supõe uma concepção contextual e holista da significação. Assim, pode-se considerar que: ‘[…] human beings are holistically embedded creatures’ (Malachowski, 2013, p. 40). ‘[…] meaning (and language) involve an embodied, enacted, embedded experience of meaning’ (Johnson, 2014, p. 25). A linguagem é, portanto, enação como ação e experiência situada de significação. Do ponto de vista da perspectiva perlocucionária, comparativamente, uma ação performativa da linguagem visa produzir uma consequência efetiva e situada: a declaração do ator ‘Eu sou Romeu’ visa produzir a crença de que ele é realmente Romeu sobre o curso de uma atividade e o background de um contexto. E é este sentido de enação como ação de significação que pode estabelecer um núcleo de aproximação entre James e Wittgenstein acerca de uma compreensão pragmática da linguagem. A significação é um fenômeno ou ação humana constituído na experiência (James) ou nos jogos de linguagem (Wittgenstein). Entre várias passagens dos textos de James e Wittgenstein, pode-se mapear indícios da noção de enação como um traço da relação entre ação e significação: ‘The idea is thus, when functionally considered, an instrument for enabling us the better to have to do with the object and to act about it’ (James ([1908] 1978, p. 267). ‘Pragmatism is primarily an appeal to action’ James’ (ibidem, p. 267). ‘It is our acting, which lies at the bottom of the language-game.’ (Wittgenstein, OC, 204). ‘If I say “we assume that the earth has existed for many years past” (or something similar), then of course it sounds strange that we should assume such thing. But in the entire system of our language-games it belongs to the foundations. The assumption, one might say, forms a basis of action, and therefore, naturally, of thought’ (Wittgenstein, OC, 411). Entre os textos de pragmatismo de James e os textos tardios de Wittgenstein, os indícios do sentido de enação parecem latentes como uma interelação entre pensamento e ação – uma ação que toma lugar sobre um background como ‘quadro do mundo’ (Wittgenstein) ou como’ estoque de crenças antigas’ (James): ‘But I did not get my picture of the world by satisfying myself of its correctness; nor do I have it because I am satisfied of its correctness. No: it is the inherited background against which I distinguish between true and false’ (Wittgenstein, OC, 94).

‘New truths thus are resultant of new experiences and of old truths combined and mutually modifying each other … It follows that very ancient modes of thoughts may have survived through all the later changes in men’s opinions’ (James [1907] 2000, p. 75-6). Finalmente, entre os textos tardios de James e Wittgenstein, podem ser identificados duas características da significação como enação de pensamentos e palavras: 1) uma característica holista – a significação é parte de um background; e 2) uma característica emergentista – a significação emerge de uma ação como atividade prática da vida. Entre as características enatistas da significação, pode-se traçar uma aproximação entre James e Wittgenstein sobre uma concepção pragmática da linguagem.

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