XXI Encontro de Iniciação à Pesquisa Uma análise sobre a abrangência jurídica da pornografia de vingança

May 28, 2017 | Autor: Natalia Pinto | Categoria: Pornography Studies, Sexual and Gender-Based Violence
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XXI Encontro de Iniciação à Pesquisa Universidade de Fortaleza 19 à 23 de Outubro de 2015

Uma análise sobre a abrangência jurídica da pornografia de vingança.

Natalia Pinto

Costa¹, Paula Barbosa Venancio Alencar²*, Roberta Moreira Barbosa Castro³, Anarda Pinheiro Araújo4

(PQ).

1. Universidade de Fortaleza – Curso de Direito 2. Universidade de Fortaleza – Curso de Direito 3. Universidade de Fortaleza – Curso de Direito 4. Advogada. Professora da Universidade de Fortaleza e professora do laboratório de Ciências Criminais (LACRIM) [email protected] [email protected] [email protected] [email protected] Palavras-chave: Pornografia de vingança. Lei Maria da Penha. Direito digital. Direito à intimidade.

Resumo O trabalho em questão pretende analisar o vazamento de mídias íntimas na rede mundial de computadores sob a ótica jurídica, tendo como tema principal a ser estudado a modalidade da pornografia de vingança, com o escopo de identificar a prática como uma violência psicológica praticada principalmente contra mulheres. Por ser um fenômeno recente, advindo após a popularização das redes sociais em geral, buscou-se conceituar o que é a pornografia de vingança, além de exemplificar suas consequências na vida das vítimas e examinar o contexto jurídico o qual essa prática está inserida. Ademais, foram utilizados dados de pesquisa para comprovação da severidade da pornografia de vingança; notou-se que acontece também com menores de idade, demonstrando mais uma vez a necessidade do aprofundamento do estudo desse fenômeno. Houve a preocupação de observar o bem jurídico tutelado atingido — o direito à intimidade e à liberdade individual — e então discutir sobre a necessidade ou não de legislação específica na qual se tipifique a questão em pauta.

Introdução A violência de gênero não é novidade alguma no Brasil, principalmente após a promulgação da Lei Maria da Penha e da tipificação do feminicídio na legislação vigente. Com o passar dos anos, outras modalidades de tal tipo de violência começaram a surgir, se valendo de meios de comunicação e do pensamento ainda patriarcal da sociedade atual. Uma dessas modalidades é a pornografia de vingança (derivada do termo em inglês revenge porn), que consiste em publicar, reproduzir ou disponibilizar imagens ou vídeos de conteúdo sexual sem a devida autorização da vítima, com o intuito de humilhar e constranger, num sentimento de vingança. Ultimamente, a maioria das vítimas que passam por esse tipo de exposição são mulheres saídas de um relacionamento, no qual os parceiros não se conformam com o fim e agem num intuito de vingança (GUIMARÃES, DRESCH; 2014). No entanto, há casos de imagens obtidas sem a vítima perceber – em ambos, temos em comum a falta de consentimento na exibição desse tipo de mídia, seja em redes sociais como o Facebook ou Whatsapp, ou até mesmo em sites especializados nessa categoria de pornografia. Tal problemática ainda aguarda uma legislação específica e proporcional aos seus efeitos, visando garantir a proteção dos direitos previstos no artigo 5 o, X, principalmente no que se trata do direito à intimidade. ISSN 18088449

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Metodologia A metodologia utilizada no presente trabalho foi baseada em estudos analítico-descritivos, desenvolvido por uma pesquisa bibliográfica. Quanto à utilização e abordagem dos resultados, a pesquisa é pura — posto que terá como fim o aprofundamento dos conhecimentos — e qualitativa — visto que busca avaliar a realidade do tema no ordenamento jurídico nacional. Quanto aos objetivos, é descritiva — pois procura relatar, explicar, classificar e elucidar o problema exposto — e exploratória, com o intuito de aprimorar as ideias através de informações sobre o tema destacado.

Resultados e Discussão Em uma pesquisa realizada pelo Instituto Avon em parceria com o Instituto Data Popular em 2014, altos índices de violência nos relacionamentos foram revelados, bem como o uso do espaço virtual como ferramenta de controle entre jovens. O resultado obtido foi que, a cada cinco mulheres, três já sofreram violência dentro de uma relação afetiva. Através dessa análise, nota-se que é grande o índice de violência contra a mulher, e nos dias atuais essa forma de violência é propagada por meio da Internet, já que esse é segundo meio de comunicação mais usada hodiernamente (Agência Brasil, 2014). Em nossa Constituição Federal, no seu artigo 5º, inciso X, temos o direito e a proteção à intimidade, vida privada, honra e imagem explicitamente citados, sendo considerados um direito fundamental a cada indivíduo como cidadão. A intimidade nada mais é que um ramo da privacidade, uma forma de manter fora dos holofotes um espaço e tempo da vida que é de interesse apenas da própria pessoa. Está dentro também da liberdade individual, ou seja, a violação da intimidade não é mera questão de honra ou imagem, mas de liberdade, um bem jurídico tutelado de grande relevância. Além disso, é possível encaixarmos a pornografia de vingança, em casos de ex-maridos ou ex-namorados de longa data, na violência psicológica citada pela Lei nº 11.340/06, também conhecida como Lei Maria da Penha, sendo uma medida de ação afirmativa, uma vez que não há, entre homens e mulheres, igualdade material. Temse a necessidade, por meio da lei, de mudar a cultura de tratamento dado à mulher, porque, de certo modo, ao sentirem-se repreendidos, os indivíduos poderiam mudar seu comportamento. São notáveis então a influência e o impacto da pornografia de vingança no meio jurídico. É preciso frisar que o problema não se encontra em se permitir tirar fotos ou gravar vídeos com conteúdo sexual — é uma prática frequente entre casais, mantendo uma relação de confiança e liberdade entre os envolvidos. Como dito, o direito à intimidade existe e ele se estende a todos os cidadãos brasileiros, de forma que a violação da vida privada e do íntimo precisa ser o cerne no combate a esse tipo de ato. Passando para o lado social, a perturbação na vida das vítimas não se restringe apenas à exposição da intimidade, mas a um isolamento da mesma, uma má impressão no mercado de trabalho, até mesmo demissão sem causa aparente, além de perseguição de pessoas próximas, conhecidos e familiares. Quando as imagens ou vídeos caem em redes sociais, todo o assédio é intensificado, pois a identificação da vítima é feita rapidamente e a reprodução desse material costuma “viralizar” com mensagens de humilhações e xingamentos. Conhecida por slut shaming, esta é a ação de fazer uma mulher ter sentimento de culpa por práticas sexuais que não são esperadas dela, no intento de restringir ou coibir a sexualidade feminina (TANENBAUM, 2015). Muitas vezes, as vítimas precisam sair de toda a zona de conforto construída em escolas, universidades, cidades e até mesmo estados, precisam mudar radicalmente a aparência, para reconstruir a vida longe de todo o seu círculo pessoal. Há casos de até mesmo de suicídio ISSN 18088449

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de meninas e mulheres que enfrentaram o julgamento de todos e não conseguiram suportar tamanha perseguição e sentimento de falha. Um desses aconteceu com uma moça de 21 anos de idade, estudante da USP (Universidade de São Paulo). A garota, além de ver as publicações de suas fotos íntimas em perfis falsos e sites de pornografias, foi ameaçada de morte pelo ex-companheiro de 26 anos. Abalada, ela procurou as autoridades policiais para que cuidassem de seu caso, e usou as redes sociais para se defender, postando um desabafo que, em menos de 24 horas, recebeu 1.600 curtidas num ato de apoio (CARVALHO, 2013). Entretanto, nem todos os casos desse tipo têm o mesmo fim: de acordo com o site de notícias G1, uma adolescente de 17 anos, após ter um vídeo íntimo compartilhado na Internet, envergonhada com a exposição, foi encontrada morta no próprio quarto, enforcada, depois de se despedir da mãe numa rede social. Ultimamente, a profusão de vídeos e imagens lançados sem consentimento criou uma preocupação de movimentos sociais, organizações não-governamentais e do próprio Governo federal em relação a minimização dos efeitos maléficos na vida das vítimas. Para denúncias, há a possibilidade de registro e apoio no número 180, para atendimento e apoio às mulheres, além do site da Polícia Federal. Segundo a Agência Brasil (2014), a ONG Safernet, desde 2005, também recebe denúncias sobre crimes virtuais, principalmente voltadas à pornografia infantil. A ONG computou, no ano passado, 224 casos atendidos, com mais da metade tendo até 25 anos de idade, e 1/4 desse total sendo menores de idade. Todos os casos denunciados por vazamento de fotos íntimas na Internet. É válido relembrar que, quando algo é lançado na rede mundial de computadores, torna-se impossível conter sua divulgação completamente. Ainda que se tente tirar de provedores e de sites de busca, ou até mesmo das redes sociais de acordo com seus termos de uso, não há controle de quem teve acesso a essa mídia, nem do momento no qual o constrangimento pode voltar à tona. Logo, a extensão das consequências da pornografia de vingança vai além do imaginável, sendo mais um agravante na análise do real transtorno; diante, desta realidade é necessário que haja medidas que venham coibir tal prática. Os crimes cometidos no âmbito da Internet são previstos pela legislação penal e o autor pode ser punido criminalmente, porém há um empecilho: materializar o delito da autoria, ou seja, formalizar as provas necessárias para incriminar o autor. No Código Penal brasileiro, podem ser aplicados os crimes contra a honra, ou então, dependendo do caso, na Lei Maria da Penha. O seu artigo 5 o, a seguir, conceitua a violência doméstica e familiar contra a mulher: Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

No art. 7.º, prevê cinco espécies de violência, com destaque para o inciso II, que trata da “violência psicológica”. Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: [...] II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, ISSN 18088449

comportamentos,

crenças

e

decisões,

mediante

ameaça, 3

constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

Quando o crime é praticado contra crianças e adolescentes, aplica-se a regra do art. 241-A, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que considera crime grave, com pena de 3 a 6 anos, a divulgação de fotos, vídeos ou imagens de crianças ou adolescentes em situação pornográfica ou de sexo explícito. O Estatuto também se preocupou em criminalizar quem adquire, possui ou mesmo armazena material infanto-juvenil na mesma situação pornográfica, de forma a preservar o menor de idade, com pena de 1 a 4 anos, aplicado o princípio da proporcionalidade. Recentemente, foi editada a Lei n o 12.737/2012, ou Lei Carolina Dieckmann, que trouxe a tipificação criminal dos crimes de informática, acrescentando assim os artigos 154-A e 154-B do atual Código Penal. Todavia, tal mudança não se encaixa de forma completa no tema abordado no presente trabalho, uma vez que o tipo penal descrito nestes artigos deixa claro que é necessária a utilização de violação para obter essas informações, além de não haver a autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo e a finalidade de obter vantagem ilícita. Ou seja, a conduta enquadrada nos tipos penais e na legislação extravagante não se adequa à pornografia de vingança. O material divulgado, seja vídeo ou fotografias, não são obtidos mediante violência, pois em sua maioria são compartilhados durante o relacionamento, de boa-fé; os ex-parceiros, não conformados com o fim do romance, se utilizam dessa confiança para que de alguma forma possam atacar a integridade física, moral ou psicológica da vítima, em represália. Em decorrência dos fatos expostos e da falta de uma medida legislativa que englobe a conduta de divulgar fotos ou vídeos com cena de nudez ou ato sexual sem a autorização da vítima, tramita desde 23 de outubro de 2013, um projeto de Lei do Deputado Romário (PSB-RJ), a PL6630/13, que possui como objetivo criminalizar a conduta já descrita. Tal projeto, nada mais é do que uma forma de assegurar um direito já previsto em nossa Constituição Federal de 1988: o direito à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, honra e imagem. Se o projeto for aprovado e então passar a vigorar, acrescentará o artigo 216-B ao Código Penal brasileiro vigente, além da tipificação do crime ‘’pornografia de vingança’’ com pena detenção de um a três anos e multa. O agente ainda ficará sujeito a indenizar a vítima por todas as despesas decorrentes de mudança de domicílio, de instituição de ensino, tratamentos médicos e psicológicos e perda de emprego — fenômenos que eventualmente acontecem com quem sofre esse tipo de violência. Vale ressaltar que a indenização prevista neste projeto de lei não excluirá o direito da vítima de pleitear a reparação civil por outras perdas e danos. Se identificada a Internet como meio no qual o crime foi realizado, o juiz deverá aplicar na sentença penal condenatória uma pena impeditiva de acesso às redes social ou serviços de e-mails e mensagens eletrônicas por até dois anos; neste caso deverá ser analisada a gravidade da conduta. De acordo com os princípios da intervenção mínima e legalidade, é certo que o bem jurídico em questão é de grande relevância e que impõe a necessidade da criação de um tipo penal que traga como punição uma forma adequada e proporcional a conduta daquele que, por vingança, utiliza-se de fotos e/ou outros materiais íntimos com o objetivo de ofender e humilhar.

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Em razão disto, a omissão do Estado em positivar tal conduta pode torná-lo um correligionário do infrator, dando um aval implícito de que o mesmo possa rotineiramente violar o direito à preservação da intimidade sem qualquer punição.

Conclusão A realidade dentro das relações afetivas é baseada em confiança e boa-fé, um intuito geral de que a pessoa companheira assim o será por um longo tempo. É natural que, em momentos de intimidade, a confiança acabe por autorizar ou consentir registros de diversos tipos, muitos de cunho sexual ou de nudez. Quando há o rompimento do laço, o sentimento acaba, mas o que foi gravado permanece - em geral, parceiros se utilizam dessa mídia para alimentar uma suposta vingança interna, violando a intimidade da vítima por motivo torpe e marcando sua vida de maneira vexatória, por um tempo indefinido. O Estado, usando de sua ultima ratio, tem a obrigação de proteger o bem jurídico da liberdade individual de seus cidadãos, baseando-se no príncipio da legalidade. As consequências do ato da pornografia de vingança e a sua habitualidade nos tempos das redes sociais demonstram a urgência da necessidade de tutela por parte do Estado, sendo assim a criação de uma norma específica e proporcional a forma mais legítima para a finalidade. Não se dispensa, entretanto, a criação de políticas sociais ainda mais amplas no intento de conscientizar a população do quão problemático é publicar e divulgar um material tão particular. Tendo cada vez mais a repreensão da sociedade, é possível diminuir o impacto e os desdobramentos na vida da vítima e então coibir os agressores de praticarem tal conduta.

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Agradecimentos À Universidade de Fortaleza, pelo incentivo à pesquisa e por todas as oportunidades oferecidas. ISSN 18088449

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