XXIV CONGRESSO MARIOLÓGICO MARIANO INTERNACIONAL A devoção dos Cinco Primeiros Sábados no contexto do Ano da Misericórdia

May 28, 2017 | Autor: A. Cavalcanti | Categoria: Fátima, Secrets of Fátima, Devoção, Ano da Misericordia, Congresso Mariológico
Share Embed


Descrição do Produto

A devoção dos cinco primeiros sábados no contexto do Ano da Misericórdia

XXIV CONGRESSO MARIOLÓGICO MARIANO INTERNACIONAL

A devoção dos Cinco Primeiros Sábados no contexto do Ano da Misericórdia Ir. Mag. Alexandre José Rocha de Hollanda Cavalcanti

Resumo A preparação do Centenário das aparições de Nossa Senhora em Fátima coincide com o Ano da Misericórdia, exigindo um cumprimento e uma propagação das principais indicações desta famosa mariofania: a devoção ao Imaculado Coração de Maria e a comunhão reparadora dos cinco primeiros sábados. Uma visão de conjunto que inclui as mensagens preparatórias e posteriores às da Cova da Iria permitem uma compreensão mais profunda dos motivos desta devoção, que visa alcançar a misericórdia divina, cálice disponível para todos, mas só aplicado aos que o tomam. A semelhança entre as práticas recomendadas para a Comunhão Reparadora e as disposições do Ano Jubilar da Misericórdia, permite compreender a profundidade da devoção dos cinco primeiros sábados dentro do amplo contexto da misericórdia divina. Palavras-chave: Mensagens de Fátima, Comunhão reparadora, Ano da Misericórdia.

Abstract Preparation for the Centenary of the Apparitions of the Blessed Virgin Mary in Fatima coincides with the Year of Mercy, thus appealing to us for the fulfillment and propagation of the main points of this renowned Marian Apparition: devotion to the Immaculate Heart of Mary and the Communion of Reparation on five First Saturdays. A complete overview including both the messages preparing for those of the «Cova da Iria», and those that followed provides a deeper understanding of the reasons for this devotion, aimed at obtaining Divine Mercy, a chalice within the reach of everyone, but only applied to those who drink of it. The similarity between the practices recommended for the Communion of Reparation and the dispositions needed for the Jubilee Year of Mercy, allow for a more profound comprehension of the Five First Saturdays devotion within the broader context of Divine Mercy. Keywords: Fatima messages, Communion of reparation, Year of Mercy.

Introdução O XXIV Congresso Mariano de Fátima ocorre em um momento histórico específico de um mundo que se encontra imerso na incerteza e na insegurança, onde começam a aparecer os primeiros resultados do falido intento de construir uma sociedade autossuficiente, que prescinde do Altíssimo e reedita o desejo da construção da Torre de Babel (Gn 1, 28), ao mesmo tempo em que, banindo o Criador de seu contexto social, afasta de si o conceito de misericórdia, qualidade ontologicamente divina, como explica Santo Tomás de Aquino ao

–1–

A devoção dos cinco primeiros sábados no contexto do Ano da Misericórdia

definir de modo claro que só quem tem o poder total, tem a possibilidade de perdoar1. A mentalidade contemporânea –ensina João Paulo II– parece opor-se ao Deus da misericórdia e tende a arrancar do coração humano a própria ideia de misericórdia 2 . Neste momento histórico em que vivemos o Ano da Misericórdia e recordamos o lema de ser «misericordiosos como o Pai», se faz mais premente o triplo apelo das mensagens de Nossa Senhora em Fátima, pela reparação, oração e consagração ao Imaculado Coração de Maria. Em um espírito acadêmico este convite pode parecer uma apelação devocional desprovida de compromisso social e atualidade histórica 3 . Sem embargo, o observador perspicaz procedendo a uma análise em profundidade da crise institucional que se estende aos quatro quadrantes do mundo atual, chega à evidente conclusão de que a verdadeira crise do mundo é de cunho espiritual, como afirmou recentemente o Cardeal Angelo Bagnasco na homilia da Missa do dia de São Lourenço Mártir4. Sob esta precisa visão é que se encontra a verdadeira profundidade das necessidades do mundo atual, a oportunidade histórica e toda a profundidade teológica do convite que se apresenta com três níveis de compromisso: Primeiro, o de suscitar o senso da contingência ontológica do ser humano, limitado e efêmero; do abandono e confiança no Criador, ser necessário, do qual deriva, irrefragavelmente a própria existência humana. Segundo, a exigência de rezar e sacrificar-se pelos pecadores, necessidade essencial para todo cristão considerado como parte do corpo místico de Cristo que, à imitação do Mestre, não vive para si mesmo, mas para os outros. Só com a condição de abandonar a perspectiva individualista é possível orar e sacrificar-se por outrem. Este aspecto evidencia a mensagem de Fátima como verdadeira escola de solidariedade que contradiz a visão obnubilada de uma piedade individualista, isolada do contexto social e histórico hodierno. Por fim, a unificação da vida cristã pelo compromisso de consagração ao coração imaculado de Maria5. Na história das mariofanias, as aparições de Nossa Senhora em Fátima constituem um conjunto de fatos e textos integrados por mensagens e diretrizes ricas de fundamento teológico, com grande amplitude doutrinária e moral, com uma integridade dogmática que não se distancia do convite a uma vida verdadeiramente cristã, abarcando todas as verdades da fé e da moral católica, na mais perfeita fidelidade à dogmática magisterial e ao conteúdo 1

Cf. S. Th., II–II, q. 30, a. 4. JOÃO PAULO II, Carta Encíclica Dives in misericordia, n. 2. 3 Durante a crise mariológica pós-conciliar conhecida como o “decênio sem Maria”, certos setores da teologia católica de postura minimalista acusaram a mensagem de Fátima de integrista, pelas práticas tradicionais que favorecia. Esta acusação se confronta com a luminosidade meridiana com que a mensagem de Fátima apresenta a doutrina católica que esta corrente deseja ofuscar, como por exemplo o apelo à penitência e a recordação da realidade escatológica e evangélica do inferno como âmbito de afastamento definitivo e voluntário da comunhão com Deus, além de práticas devocionais como a oração do Rosário e a reparação pelos pecados e ofensas cometidos contra o Santíssimo Sacramento e o Imaculado Coração de Maria. Estas infundadas acusações nunca conseguiram empanar a cristalina catolicidade de todas as mensagens contidas na mais importante das mariofanias contemporâneas. Cf. ALONSO, J. M. FÁTIMA. Apud: DE FIORES, Stefano y MEO, Salvatore (dir.) Nuevo diccionario de Mariología. 3 ed. Madrid: San Pablo, 2001, pp. 795-796. 4 Cf. CARDEAL BAGNASCO: «Se pretende marginar al cristianismo y se quiere crear un orden mundial sin Dios». En: http://infocatolica.com/?t=noticia&cod=27190, visualizado en 13.08.2016, 12:20 hs. 5 DE FIORES, Stefano. Valoración teológica y actualidad de Fátima. Apud: DE FIORES, Stefano y MEO, Salvatore (dir.) Nuevo diccionario de Mariología. 3 ed. Madrid: San Pablo, 2001, pp. 801. 2

–2–

A devoção dos cinco primeiros sábados no contexto do Ano da Misericórdia

dos evangelhos. A coerência das mensagens de Fátima com a verdade revelada contida no Depósito da Fé e com as definidas pelo magistério da Igreja nunca foi objeto de contestação da crítica literária e histórica. Seu conteúdo principal pode resumir-se em um apelo à oração, penitência e reparação, que se concretizam na proposta mariana da devoção dos cinco primeiros sábados, que neste artigo analisaremos involucrada no contexto do Ano da Misericórdia, não restringido ao período delimitado para a recepção das indulgências correspondentes, mas ser compreendido no amplo panorama da misericórdia que se inicia com a Criação e não termina com a Parusia. Esta devoção está centrada na realidade do coração imaculado de Maria, símbolo do seu amor pela humanidade, cujo aspecto antropológico confere um novo acento à função intercessora da Mãe de Deus, que permanece obtendo dons de salvação eterna, mesmo depois de assunta aos céus6. Esta centralidade do tema do coração de Maria, com todos seus desdobramentos, forma sem sombra de dúvidas, o que há de mais original e específico da mensagem de Fátima7. A dimensão antropológica do coração como centro da emoção e da paixão, ponto de união do complexo alma-corpo, é apresentado na revelação cristã sempre em relação às noções de caridade, amor, alegria santa, contrição, perdão, misericórdia, beatitude e sofrimento8. A centralidade da devoção ao Imaculado Coração de Maria na devoção dos Cinco Primeiros Sábados dispensa esforços para relacioná-la com os aspectos fundamentais da misericórdia divina, que animam e vertebram a estrutura do Ano Jubilar, patenteando a perenidade desta profícua relação.

1. Visão de conjunto das aparições Para uma compreensão mais precisa do amplo significado da comunhão reparadora dos cinco primeiros sábados anunciada por Nossa Senhora em Fátima e detalhada na aparição particular à irmã Lúcia em Pontevedra, é conveniente uma visão de conjunto das aparições, incluindo, por sua primordial importância, o período preparatório para as mesmas, representado pelas aparições do «Anjo de Portugal», cujas mensagens estão indissoluvelmente unidas às mariofanias da Cova da Iria e de Pontevedra. Para ser possível a compreensão, em toda sua profundidade, das mensagens confiadas por Maria aos três videntes, é necessário estudá-las em sua integridade. Reduzir-se só às mariofanias de 13 de maio a 13 de outubro consistiria em uma amputação de parte essencial de seu conteúdo. Na realidade, os acontecimentos prévios dados na Loca do Cabeço um ano antes e as aparições complementárias de Pontevedra e Tuy, respectivamente em 1925 e 1929, fazem parte de um conjunto que não pode ser compreendido senão em uma visão integral e corporativa, que forma um texto único, escrito em diversas etapas9. 6

Cf. LG n. 62. Cf. ALONSO, J. M. FÁTIMA. Apud: DE FIORES, Stefano y MEO, Salvatore (dir.) Nuevo diccionario de Mariología, pp. 792796. 8 Cf. VON HILDEBRAND, Dietrich. El corazón: un análisis de la afectividad humana y divina. Madrid: Palabra, 1996, pp. 3135. 9 Cf. ALONSO, J. M. FÁTIMA. Apud: DE FIORES, Stefano y MEO, Salvatore (dir.) Nuevo diccionario de Mariología, pp. 791. 7

–3–

A devoção dos cinco primeiros sábados no contexto do Ano da Misericórdia

Nas aparições preparatórias do Anjo é necessário ressaltar três pontos principais: o espírito de reparação que incute nos futuros receptores da mensagem de Maria, o incentivo à prática do sacrifício e a relação entre a Santíssima Trindade, a Eucaristia e a prática do sacrifício, pressuposto fundamental para a inteligência do tema perseguido nestas linhas. Do mesmo modo, estes três princípios básicos deverão vertebrar a prática da comunhão reparadora dos cinco primeiros sábados, que aparece como proposta mariana para evitar as consequências do lento suicídio que a sociedade humana começa ao escolher o caminho de emancipação em relação a seu Criador. Dentre as orações ensinadas pelo Anjo nestas aparições preliminares, é necessário ressaltar a que é apresentada na terceira aparição, por sua profundidade teológica e oportunidade como preparatória para o futuro anuncio da prática da comunhão reparadora. São de precisão milimétrica as palavras da oração ao oferecer o corpo, sangue, alma e divindade de Cristo, realmente presente na Sagrada Eucaristia, como único meio hábil para a verdadeira reparação pelos ultrajes, sacrilégios e indiferenças com que Deus é ofendido, e os méritos do Sagrado Coração de Jesus, assim como a intercessão do coração imaculado de Maria, como meios para alcançar a verdadeira conversão dos pecadores. A irmã Lúcia conta em suas memórias que o mesmo anjo havia aparecido para ela e outras duas amigas suas em ocasiões anteriores, mas sem dizer nada e mostrando-se de modo velado. Somente nas aparições aos três videntes, o anjo se revelou de modo claro. Preparados em seu espírito com o ardente desejo de reparar as ofensas a Deus, através do amor a Jesus sacramentado, as três crianças passam a ser protagonistas da profética mariofania de Fátima, cujos apelos são mais importantes em nossos dias do que já haviam sido em 1917. A primeira aparição de Nossa Senhora, que abre o ciclo das mariofanias de 1917, ocorre em um domingo, em um lugar conhecido como Cova da Iria, onde Nossa Senhora se deu a conhecer com atitude de oração e um semblante em que Lúcia percebe um tom sério, nem triste nem alegre, com uma suave expressão de censura. Nesta aparição, além dos conhecidos diálogos entre Nossa Senhora e Lúcia, a Mãe de Deus anuncia que virá outras vezes para comunicar com precisão sua mensagem. Esta primeira aparição encontra também um caráter preparatório do espírito de reparação, quando, ao responder à pergunta de Lúcia sobre uma amiga sua falecida poucos dias antes, Maria informa que ela estará no Purgatório até o fim do mundo10 e convida os videntes a suportar todos os sofrimentos que lhes serão enviados em reparação pelos pecados com que a humanidade ofende a Deus e os incentivar a pedir a conversão dos pecadores. Em seguida, Nossa Senhora apresenta a oração, especialmente do santo Rosário, como a verdadeira solução para os problemas da humanidade, de modo especial para a ansiada paz, num mundo que sofria os terrores da Primeira Guerra Mundial. Já nesta primeira aparição se fixa a missão que Deus destina à irmã Lúcia e que vai ser o pressuposto básico das mensagens futuras: «recordar ao mundo a necessidade de evitar o 10

Segundo alguns intérpretes, poderia significar um longo período de tempo.

–4–

A devoção dos cinco primeiros sábados no contexto do Ano da Misericórdia

pecado e reparar a Deus ofendido, pela oração e pela penitência». A própria Jacinta, antes de ser trasladada ao hospital onde entregaria sua alma a Deus, disse a sua prima: «Falta pouco para que eu vá ao céu. Tu ficas aqui para dizer que Deus quer estabelecer no mundo a devoção ao Imaculado Coração de Maria. Dizei a toda a gente que Deus nos concede as graças por meio do Imaculado Coração de Maria»11. Estas palavras de Jacinta delineiam a missão de Lúcia como mensageira desta devoção e dirige o foco de atenção à importância da comunhão reparadora que se dirige de modo especial ao coração imaculado de Maria, dando a esta devoção uma centralidade no conjunto da mensagem de Fátima, que se evidencia na visão panorâmica da comunicação que Deus envia à humanidade. É na segunda aparição que Nossa Senhora afirma de modo mais claro a intenção divina de estabelecer no mundo a devoção ao seu imaculado coração, prometendo a salvação aos que a abracem. Maria apresenta aos videntes uma visão de seu coração rodeado de espinhos que se cravavam nele por todas as partes. Lúcia não duvida em afirmar que os espinhos representavam os pecados dos homens que ultrajam o Imaculado Coração de Maria. O período que media entre a segunda e a terceira aparições é para Lúcia de provas e dificuldades, sobretudo pelas afirmações do pároco, de que as aparições não eram uma revelação divina, posto que nestes casos, Deus manda sempre aos videntes que comuniquem tudo a seus confessores e diretores espirituais. Como Lúcia se retraía sempre de contar o sucedido, sua opinião era que tudo isso poderia ser um engano do demônio. Esta afirmação provocou enorme angústia no coração da menina, que chegou a perder o entusiasmo pela prática dos sacrifícios, sendo animada sempre por Jacinta. Neste estado de dúvidas, Lúcia teve um sonho em que via o demônio rindo-se dela por havê-la enganado, fazendo esforços para levá-la ao inferno. Se aproximava a data marcada para a terceira aparição e Lúcia duvidava se deveria ir, chegando a dizer a seus primos que não iria. No dia determinado, uma força estranha a impulsionou a chamar seus primos e dirigir-se ao local das aparições, onde uma pequena multidão de quase duas mil almas aguardava os acontecimentos. Nesta aparição a santíssima Virgem lhes revelou o Segredo, dividido em três partes, que foi revelado em duas etapas12. A primeira parte do segredo consta da conhecida visão do inferno, de um realismo impactante, que marcou por toda vida aos pequenos videntes, especialmente a Jacinta, não no sentido de terror e medo, mas de compaixão pelos pecadores que aí se precipitam, bem como da real gravidade das ofensas a Deus. A perspectiva do inferno é uma realidade sempre desagradável ao ser humano, que de diversos modos procurou negar ou marginalizar sua consideração. Nos primeiros séculos da Igreja, surgiu a doutrina da apokatástasis, defendida inclusive por alguns Padres da Igreja, que, sem negar a existência do inferno, por ser uma verdade revelada de modo claro nas Sagradas Escrituras, procurava negar sua eternidade. A realidade dogmática de um âmbito de separação eterna do Criador está defendida por inúmeros concílios. Para citar os documentos mais recentes, o Concilio Vaticano II, na 11 12

Cf. KONDOR, Luis. Memorias de la Hermana Lucía. Fátima: Secretariado dos Pastorinhos, 2001, p.115. Cf. Ibid., pp. 68-71.

–5–

A devoção dos cinco primeiros sábados no contexto do Ano da Misericórdia

Constituição Lumen gentium, n. 48 faz clara menção a esta realidade13, a Profissão de Fé de Paulo VI o afirma de modo iniludível14 e o Catecismo da Igreja Católica pontualiza: «As almas dos que morrem em estado de pecado mortal descem imediatamente após a morte aos infernos, onde sofrem as penas do Inferno, “o fogo eterno”»15.

Na Bula Misericordiæ vultus, que institui o Ano Jubilar da Misericórdia, o papa Francisco adverte: «Para todos, cedo ou tarde, chega o juízo de Deus, ao qual ninguém pode escapar»16.

O motivo desta existência não deve ser buscado em um espírito vingativo ou punitivo de Deus, senão na realidade da liberdade que Ele concedeu ao ser humano no ato de sua criação. Efetivamente, como afirma o Catecismo da Igreja Católica (n. 1033), «não podemos estar unidos a Deus se não fizermos livremente a opção de amá-lo». A liberdade do homem inclui, portanto, a hipótese do rechaço a Deus e caracteriza a condenação eterna como a radical expressão da realidade da liberdade humana, capaz de escolher permanecer separada de Deus por toda sua existência. Sem dúvida, esta possibilidade implica a renúncia e autodestruição da própria liberdade humana, posto que fora de Deus o homem deixa de ser plena e autenticamente humano, submetendo-se voluntariamente ao cativeiro do demônio. Daí a insustentabilidade da apokatástasis e da negação do inferno, que pressupõe uma última limitação da liberdade humana, não lhe permitindo separar-se de Deus de um modo definitivo17. A visão do inferno é parte indissolúvel do conjunto das mensagens de Fátima e constitui o plano de fundo das considerações sobre a existência do pecado e a necessidade de conversão. A negação do pecado é uma tendência na atualidade, porém esta negação leva consigo a negação da própria misericórdia, do perdão e finalmente da própria Redenção. Existem duas formas de destruir a misericórdia: eliminando a noção de pecado e eliminando o perdão. Por isso sustentou com precisão o Santo Padre João Paulo II que a luta entre o reino do mal e o Reino de Deus entrou em sua etapa definitiva, em que é necessário aprender a pensar e falar segundo os princípios da claridade evangélica: «Sim, sim, não, não» (cf. Mt 5, 37). É necessário –enfatizou o Papa– aprender a chamar branco ao branco, e preto ao preto; mal ao mal e bem ao bem; chamar pecado ao pecado, mesmo quando toda a moda e a propaganda sejam contrárias a isto18.

13

«A fim de que no termo da nossa vida sobre a terra, que é só uma (cf. Hb 9, 27), mereçamos entrar com Ele para o banquete de núpcias e ser contados entre os eleitos (cf. Mt 25, 51-46), e não sejamos lançados, como servos maus e preguiçosos (cf. Mt 25, 26), no fogo eterno (cf. Mt 25,41), nas trevas exteriores, onde “haverá choro e ranger de dentes” (Mt 22, 13; 25,30)». 14 «Os que os rejeitaram (o amor e a piedade de Deus) até o final, serão destinados ao fogo que nunca cessará». PAULO VI, Profissão de fé, AAS 60 (1968), p. 444. 15 CEC n. 1035. 16 MV n. 19. 17 18

Cf. MEYENDORFF, John. Teología Bizantina. Corrientes históricas y temas doctrinales. Madrid: Cristiandad, 2002, p. 304. Cf. JOÃO PAULO II. Homilia de 26 de março de 1981.

–6–

A devoção dos cinco primeiros sábados no contexto do Ano da Misericórdia

Não diferenciar o bem do mal leva ao relativismo, que em nossos dias se transformou em um câncer na sociedade, impondo uma verdadeira ditadura, que nada reconhece como definitivo e que deixa como última medida apenas o próprio eu e as suas vontades, como resposta inadequada à justa exigência do homem de usar plenamente a razão como elemento constitutivo de sua própria identidade19. Por esta razão, ao preparar uma mensagem de esperança e misericórdia, a Santíssima Virgem deixou claro a gravidade do pecado e consequentemente a amplitude do espírito de reparação que viria pedir com a devoção dos cinco primeiros sábados. É precisamente na segunda parte do segredo revelado nesta aparição de 13 de julho de 1917, que Maria Santíssima anuncia que virá pedir a comunhão reparadora dos cinco primeiros sábados. O conteúdo desta parte do segredo é universalmente conhecido. Nossa Senhora recorda em primeiro lugar a visão do inferno e indica a devoção ao seu Imaculado Coração como meio eficaz para alcançar a misericórdia e o perdão, capazes de evitar a condenação eterna. Maria promete a paz e a salvação se o mundo atender aos seus pedidos e anuncia, ao mesmo tempo, inúmeras catástrofes como consequência da opção por não aceitar a sua mensagem. Para impedir estas catástrofes é que a Mãe Deus indica dois meios eficazes e intimamente relacionados: a devoção ao seu Imaculado Coração e a comunhão reparadora dos primeiros sábados, finalizando com a célebre promessa que mantém sempre viva a esperança dos povos: «Por fim o meu Imaculado Coração triunfará!». Nas aparições de agosto e setembro Maria Santíssima insiste na oração do Rosário e promete o milagre de outubro para confirmar perante a história a realidade de suas revelações. As revelações de 1917 não podem ser separadas de outras mariofanias posteriores, sobretudo as de Pontevedra e Tuy, em que é revelado a Lúcia o que foi chamado depois de «A grande promessa do Coração de Maria», expressão gratuita e misericordiosa da vontade divina de proporcionar um meio de salvação fácil e seguro, totalmente conforme à doutrina católica, no qual Maria dá a conhecer as condições necessárias para realizar os Cinco Primeiros Sábados em reparação das injúrias feitas ao coração de Maria. No dia 10 de dezembro de 1925, a Santíssima Virgem apareceu a Lúcia, tendo ao seu lado um menino, suspenso em uma nuvem. Maria pôs a mão sobre o ombro de Lúcia e tinha na outra mão um coração cercado de espinhos. O menino disse a Lúcia: «tem pena do Coração de tua santíssima Mãe que está coberto de espinhos que os homens ingratos a todos os momentos lhe cravam sem haver quem faça um ato de reparação para os tirar». Em seguida –conta a própria irmã Lúcia–, disse a Santíssima Virgem: «Olha minha filha o meu Coração cercado de espinhos que os homens ingratos a todos os momentos me cravam com blasfêmias e ingratidões. Tu ao menos vê de me consolar e diz que todos aqueles que durante cinco meses, ao primeiro sábado, se confessarem recebendo a Sagrada Comunhão, rezarem um terço e me fizerem 15 minutos de companhia meditando os 15 mistérios do Rosário com o fim de me desagravar, eu prometo assistir-lhes na hora da morte com todas as graças necessárias para a salvação dessas almas»20. 19

Cf. RATZINGER, Joseph. Homilia na Missa «Pro eligendo Romano Pontifice», de 18 de abril de 2005; BENTO XVI. Audiencia Geral de 05 de agosto de 2009. 20 KONDOR, Luis. Memorias de la Hermana Lucía, pp. 192-193.

–7–

A devoção dos cinco primeiros sábados no contexto do Ano da Misericórdia

Em 15 de fevereiro do ano seguinte (1926) o menino Jesus aparece a Lúcia perguntando se ela havia propagado pelo mundo o que sua Mãe do Céu havia pedido. Lúcia apresenta as dificuldades colocadas por sua superiora e por seu confessor. Para o confessor de Lúcia, a devoção dos primeiros sábados não era necessária pois muita gente já comungava e rezava o Rosário nos primeiros sábados de cada mês. Por isso ele pedia uma prova cabal de que Jesus estava pedindo a divulgação desta devoção. A prova que exigia era a repetição da aparição. A resposta de Jesus a esta pregunta foi que a prática que já faziam os fiéis poderia ser feita com mais fervor e compromisso se soubessem de seu pedido dos cinco primeiros sábados consecutivos. É importante assinalar um detalhe nas palavras de Jesus à irmã Lúcia em resposta a esta objeção, que apresenta a verdadeira dimensão com que deve ser praticada a comunhão reparadora: «É verdade minha filha, que muitas almas começam os Primeiros Sábados, porém são poucas que os completam, e as que os completam o fazem com o propósito de receber as graças que neles se prometem. Me daria mais prazer se fizessem cinco com fervor e com a intenção de fazer reparação ao coração de sua Mãe celestial, que se fizessem quinze com tibieza e indiferença»21.

As aparições de Tuy (Espanha), se deram em 1929 durante a hora santa que Lúcia fazia duas vezes por semana na capela do convento. Nesta aparição ela tem um conhecimento especial da Santíssima Trindade e da relação entre a paixão e morte de Cristo, a Eucaristia e o sofrimento do Imaculado Coração de Maria, que via rodeado de espinhos e chamas de fogo. Sob o braço esquerdo da cruz, Lúcia viu escrito em letras grandes as palavras «Graça e Misericórdia». Nesta aparição a Mãe de Deus toma a palavra e diz a Lúcia que chegou o momento de pedir ao Papa a consagração da Rússia ao seu Imaculado Coração22.

2. Os Cinco Primeiros Sábados Santo Tomás sustenta que para corrigir os costumes não faltou nunca, nem faltará, a profecia23. Efetivamente o carisma profético não foi exclusividade veterotestamentária, pois se o Antigo Testamento encontra sua culminação em Cristo, é a partir dele que o carisma profético encontra sua plenitude. A concepção teológica de profeta não é de adivinho ou conhecedor de realidades futuras, mas do instrumento humano pelo qual o Espírito Santo fala e dirige seu povo nas situações características de cada época histórica. Neste sentido, os motivos pelos quais foi indicada pela Providência divina a devoção dos cinco primeiros sábados encontram um caráter de verdadeira profecia, ao dirigir as almas no caminho da misericórdia e da salvação, segundo as necessidades próprias ao câmbio epocal correspondente ao período posterior à Primeira Guerra Mundial. A missão da mensagem de Fátima não parece ser a de planificar toda a pastoral da Igreja, mas de recordar alguns elementos vitais particularmente urgentes, como instrumento

21

APOSTOLI, Andrew. Fátima para hoy: El urgente mensaje mariano de esperanza. San Francisco: Ignatius, 2014, cap. 13. Cf. KONDOR, Luis. Memorias de la Hermana Lucía, pp. 196-198. 23 SANTO TOMÁS DE AQUINO. Expositio in Matheum XI, 13. 22

–8–

A devoção dos cinco primeiros sábados no contexto do Ano da Misericórdia

eficaz para despertar corações adormecidos e infundir esperança nos desalentados, suscitando nos cristãos um sentido mais vivo de Deus, de Maria e das realidades últimas, elevando da vida material e mundana aos cumes da espiritualidade cristã, no mundo prisioneiro da matéria24. Efetivamente os cinco motivos indicados por Nosso Senhor Jesus Cristo à irmã Lúcia para a devoção da comunhão reparadora, são verdadeiros trilhos no sentido de alcançar a misericórdia do Pai, em um mundo que se dirige a caminhos distantes e desconhecidos, como o «Filho Pródigo» que se distanciava do lar paterno à busca de uma vida totalmente diversa à que ali havia aprendido.

2.1. Primeiro motivo: Os cinco motivos da devoção proposta por Maria em Fátima são de uma atualidade e necessidade profundas no panorama da sociedade que a cada dia busca desesperadamente soluções fora do divino para resolver os problemas decorrentes da ausência de Deus, e estão relacionados com as cinco classes de ofensas e blasfêmias proferidas contra o Imaculado Coração de Maria. O primeiro deles é reparar as blasfêmias contra sua Imaculada Conceição. A Imaculada Conceição de Maria, como sabemos, foi proclamada como Dogma em um período histórico marcado pelo racionalismo e pelo anticlericalismo, que precedeu em pouco as aparições de Nossa Senhora em Fátima. Coincidentemente, o Ano Santo da Misericórdia se inicia na solenidade da Imaculada Conceição, festa litúrgica que indica o modo de atuar de Deus desde os inícios de nossa história. Depois do pecado de Adão e Eva, Deus não quis deixar a humanidade à mercê do mal e por isso anunciou a vinda do Messias salvador, que nasceu de uma Virgem santa e imaculada no amor, para que fosse a Mãe do Redentor da humanidade25. Diante da gravidade do pecado, apresentada por Maria na visão preliminar do inferno, Deus responde com a plenitude do perdão. A redenção preservativa de Maria evidencia ao mesmo tempo duas verdades de fé: a realidade do pecado, com toda sua gravidade, e a exigência da pureza imaculada para a total comunhão com Deus. Maria, como ser humano predestinado desde toda a eternidade para ser mãe do Redentor, não poderia ter pertencido, por um momento que fosse, ao contexto do pecado. Do mesmo modo, para ser verdadeiro filho de Deus, o ser humano necessita retirar de sua vida a mácula do pecado. As blasfêmias contra a Imaculada Conceição de Maria podem ser consideradas em níveis diversos. Evidentemente sabemos que existem pessoas que negam esta verdade de fé por equivocados motivos de ordem teológica, e outros que manifestam uma oposição a ela, por não aceitarem o ideal de pureza evangélica como caminho para a realização plena do homem. Para estes, o pecado representa não uma escravidão ao mal, ao vício e às próprias paixões, mas uma «libertação» do domínio de Deus. 24

DE FIORES, Stefano. Valoración teológica y actualidad de Fátima. Apud: DE FIORES, Stefano y MEO, Salvatore (dir.) Nuevo diccionario de Mariología, p. 799. 25 Cf. PAPA FRANCISCO. Bula Misericordiæ Vultus, de convocação do Jubileu extraordinário da Misericórdia, n. 3. A partir daqui MV.

–9–

A devoção dos cinco primeiros sábados no contexto do Ano da Misericórdia

Existem, porém, outros níveis de blasfemadores, entre os quais muitas vezes cada um de nós pode estar incluído em determinados momentos de nossa vida. Não consiste em uma oposição beligerante à verdade de fé, mas em uma conformidade com costumes que solapam a ideia da necessidade de uma vida de acordo com as verdades pregadas por Cristo no Evangelho, lançando uma capa de silêncio sobre a obrigação de sair do contexto do pecado para estar verdadeiramente com Cristo. Este tipo de «ateísmo prático» é muitas vezes mais perigoso que um ateísmo militante. O verdadeiro espírito reparador das ofensas proferidas contra a Imaculada Conceição de Maria deve infundir uma decisão de afastar radicalmente o contexto do pecado da realidade cotidiana da vida individual, familiar e coletiva, com a consequente ação de promover a pureza de costumes como pressuposto necessário para a salvação da humanidade. Utilizamos aqui a palavra salvação, não somente em seu sentido comum e ordinário, que significaria sair de uma situação má, ou mais especificamente salvar a alma do risco da condenação eterna, mas em seu sentido positivo, de alcançar a verdadeira comunhão com Deus, dom totalmente superior às possibilidades ontológicas do ser humano e só alcançável pela graça santificante concedida pelo batismo e pelos sacramentos recebidos e vividos com verdadeira decisão de unir a vida natural à realidade sobrenatural da graça divina.

2.2. Segundo motivo: O segundo motivo se dirige a reparar as ofensas contra a perpétua virgindade de Maria, dogma definido na Igreja, pelo menos a partir do II Concilio de Constantinopla, em 553. Todas as blasfêmias contra a perpétua virgindade de Maria nascem de dois princípios fundamentais que levam a esta oposição: • A não aceitação da unicidade e singularidade da pessoa de Maria. • A obsessão pela liberdade sexual que vê na virgindade não um mérito, mas uma diminuição e cerceamento da liberdade humana. Pelo princípio de singularidade, a Santíssima Virgem Maria não pode ser considerada como uma pessoa comum, apesar de sua natureza ontologicamente humana. A missão de Maria faz parte da estrutura fundante da salvação, por sua íntima relação com o mistério de Cristo, raiz e fundamento de toda a fé cristã e princípio fundamental da doutrina da redenção. É exatamente a condição da unicidade pessoal de Jesus, consequente da união hipostática, com a característica da comunicação idiomática, que permite a Cristo assumir sobre si todos os pecados da humanidade e oferecer a Deus um sacrifício redentor que é ao mesmo tempo uma oferta da humanidade e uma vítima de valor divino, posto que a Pessoa que morre na cruz para nossa salvação é divina, apesar de que esta morte alcance unicamente sua natureza humana. Esta possibilidade única, singular e intransferível da morte vicária de Cristo por toda a humanidade é consequência da Encarnação, na qual se encontra a concretização da união entre a natureza divina pré-existente e eterna com a natureza humana gerada no seio virginal de Maria, na perfeita unidade da Pessoa do Verbo. Sem abstrair da certeza de que Maria é mulher, descendente de Adão e integrante do gênero humano, ela é a pessoa que entregou a seu Criador, através de sua aceitação voluntária, – 10 –

A devoção dos cinco primeiros sábados no contexto do Ano da Misericórdia

todos os elementos que foram oferecidos pela humanidade no altar da Cruz. Por este princípio de singularidade, Maria está colocada sobre toda a economia comum da humanidade, sendo totalmente singular em sua pessoa, em sua missão e em seus privilégios. A negação da perpétua virgindade de Maria é, portanto, negação desta singularidade e consequentemente uma negação da união hipostática e da própria divindade da Pessoa do Verbo encarnado, nascido do Pai desde toda eternidade e nascido de Maria no tempo e na história humana. As blasfêmias contra a perpétua virgindade de Maria involucram a negação de todos os princípios morais decorrentes da ordem natural colocada por Deus no que se refere à transmissão da vida. Não necessitamos justificar aqui a moral da Igreja com relação à sexualidade humana, pois é um tema de conhecimento geral e existem inúmeros tratados de moral que discorrem sobre o assunto. Esta determinação divina de manter a unidade da dimensão unitiva com a dimensão reprodutiva do único ato capaz de gerar a vida humana dentro das condições que estão à altura da grandeza do valor que se transmite, é não só contestado, mas até combatido, por muitos setores que desejam separar esta dupla dimensão, transformando a sexualidade em mera satisfação egoística de inclinações primárias, exilando ao mesmo tempo a dimensão unitiva, capaz de aumentar e santificar o amor natural e a dimensão reprodutiva, capaz de transmitir a vida em suas condições de plenitude. Esta oposição à moral católica em matéria de sexualidade encontra na definição dogmática da perpétua virgindade de Maria um inimigo silencioso e imbatível. A santidade de Maria, a quem Deus quis conceder o dom da perpétua virgindade patenteia a beleza da virtude em sua representação tipológica, como modelo, ao mesmo tempo da virgindade consagrada e da maternidade fundada no amor verdadeiro. Reparar, portanto, a Deus e ao coração imaculado de Maria pelas ofensas contra sua perpétua virgindade é ao mesmo tempo engrandecer e viver a perfeita castidade dentro do estado a que cada um é chamado.

2.3. Terceiro motivo O terceiro motivo é a reparação pelas injúrias contra a Maternidade divina de Maria e pela não aceitação da maternidade espiritual da Mãe de Deus sobre todos os homens. Esta especificação binária presente neste motivo indicado por Jesus para a comunhão reparadora está relacionada a duas verdades de fé, uma definida dogmaticamente desde o ano 431 da era cristã e outra decorrente da primeira, mas também de todas as verdades mariológicas defendidas pela teologia e pelo magistério eclesiástico, que o relacionam ao conjunto de toda a obra redentora de Cristo. Efetivamente, afirma a Constituição Lumen gentium, n. 61, que Maria é mãe dos homens na ordem da graça por sua cooperação ativa, como humilde escrava do Senhor, em toda a obra salvífica de seu Filho. Sem dúvida, o maior reflexo humano da misericórdia divina pode ser encontrado no amor materno, totalmente destituído de interesses mesquinhos e mais puro modelo de dedicação humana. Suprimir o conceito de amor materno traz como consequência a supressão

– 11 –

A devoção dos cinco primeiros sábados no contexto do Ano da Misericórdia

do conhecimento e compreensão da misericórdia divina, pois a misericórdia de Deus não é uma ideia abstrata, senão uma realidade concreta com a qual Ele revela sua ternura, que é como a de um pai ou uma mãe que se comovem no mais profundo de suas entranhas pelo seu filho26. No hebreu bíblico a palavra que se utiliza para significar ternura é a mesma que serve para designar «entranhas» (rahamim) plural de rahem, o ventre materno, o útero, a matriz27. Assim, a negação da dupla maternidade de Maria é o primeiro passo para a não compreensão da misericórdia divina. Em um mundo que a cada dia perde o verdadeiro sentido de sua existência, em que a violência e o terrorismo desestabilizam a vida das sociedades, onde o dinheiro e o poder se impõem sobre qualquer consideração da dignidade humana; onde o corpo feminino, despojado de sua dignidade ontológica de imagem de Deus e templo do Espírito Santo, é vilmente comercializado como meio de propaganda em quase todas as sociedades do mundo, onde a família –e consequentemente a maternidade– perde todo seu encanto, quitando dos seres humanos os motivos de esperança na misericórdia divina, é urgente a valorização da maternidade espiritual de Maria, consequência indissociável da maternidade divina, como meio para reacender a chama da esperança nas almas humanas.

2.4. Quarto motivo O quarto motivo apresentado pelo Filho de Deus à irmã Lúcia para a reparação indicada para a devoção dos cinco primeiros sábados se refere aos que procuram publicamente infundir nos corações das crianças a indiferença, o desprezo e até o ódio em relação à Mãe Imaculada. É conhecida a radical condena de Jesus aos que escandalizam aos pequeninos: pena de morte por afogamento, uma das mais terríveis formas de executar a um condenado. Esta radicalidade saída dos lábios sempre doces e misericordiosos de Jesus, patenteia a gravidade do crime que consiste em escandalizar a um pequenino que crê em Deus. Na apresentação deste motivo revelado à irmã Lúcia, se encontram três níveis de escândalos, claramente escalonados: • Indiferença • Desprezo • Ódio Estes três níveis estão intrinsecamente correlacionados no sentido em que um prepara para o outro e cada um deles é consequência do anterior. Assim, o primeiro degrau, que é a indiferença, muitas vezes pode passar despercebido, pois não se trata propriamente de uma oposição, sem embargo, é um passo preparatório para a oposição. Como um sintoma silencioso de uma doença grave, a indiferença muitas vezes pode passar despercebida e não ser diagnosticada a tempo, produzindo suas metástases muito mais destruidoras e 26

Cf. MV n. 8. O Vocabulario de teología bíblica (Herder, Barcelona, 1980, p. 885) remete a Gn 43, 30 (José transtornado pela emoção em presença de seus irmãos) e a 1Re 3, 26 (a verdadeira mãe da criança, ferida em sua ternura durante o juízo de Salomão). Assim como ao texto de Prov. 12, 10, que mostra o aspecto contrário, ao dizer que as entranhas dos malvados são cruéis. 27

– 12 –

A devoção dos cinco primeiros sábados no contexto do Ano da Misericórdia

disseminadas por todo o organismo individual ou social. Esta indiferença traz como corolário o desprezo, que já é uma atitude positivamente contrária à devoção a Maria e a tudo o que é decorrente desta devoção. A perda da devoção a Maria precede a perda da adoração a Cristo, assim como a negação, em algumas denominações religiosas, da devoção a Maria, como consequência da doutrina da sola gratia, que exclui a participação humana no processo salvífico, conduziu à perda da fé na presença real de Jesus Cristo na Santíssima Eucaristia. A indiferença e o desprezo inutilizam a misericórdia em sua raiz. Não que a misericórdia deixe de existir, mas passa a ser uma cálice cheio de um vinho salvador, que não é bebido por quem o necessita. A misericórdia de Deus é eterna (Salmo 136) e não é passível de diminuição, porém ela só se aplica aos que a procuram. A parábola do Filho Pródigo pode ser considerada o protótipo do ensinamento de Cristo sobre a misericórdia do Pai. A figura do Filho Pródigo que retorna à casa do pai não deixa dúvidas sobre a condição necessária para que a misericórdia infinita de Deus se aplique concretamente a cada pessoa, sem violar sua liberdade ontológica. Em si mesma a misericórdia de Deus é infinita, mas nós podemos colocar limites à recepção e utilização desta misericórdia, na medida em que não perdoamos a nossos semelhantes. A parábola do «servo sem compaixão» mostra claramente como o Pai celeste procederá com aqueles que não perdoemos a nossos irmãos no íntimo do coração (Mt 18, 35). Esta parábola contém um profundo ensinamento, pois Jesus declara que a misericórdia não é apenas o agir do Pai, mas torna-se o critério para individualizar quem são os verdadeiros filhos28. A indiferença e o desprezo são caminhos para a oposição e aqui as palavras de Jesus à irmã Lúcia não economizam força: levam ao ódio em relação à Mãe Imaculada. A expressão «Mãe Imaculada» utilizada na mensagem é de profundo teor teológico e mariológico, por resumir, em duas palavras, praticamente todos os dogmas marianos: a Maternidade Divina, representada na palavra Mãe e a perpétua virgindade, associada à redenção preservativa de Maria, resumidas na expressão «Imaculada». A assunção é consequência destas três condições. Isto significa que a negação de Maria e a oposição, qualificada aqui com a palavra de cunho tão forte, ódio, se refere à toda a pessoa e missão de Maria. «Quem não está comigo está contra mim», sentencia Jesus (Mt 12, 30). Esta afirmação tão clara pode ser aplicada a Maria pelo chamado «princípio de semelhança». Quem não aceita a Maria, quem não está com ela, está contra ela e chega aos extremos da oposição e do ódio. Por isso, a comunhão reparadora deve visar de modo muito especial esta intenção de reparar, mas também de prevenir e preservar as crianças e adolescentes deste grave mal de caminhar para a oposição total a Jesus e a Maria, através do caminho aparentemente suave da indiferença e do desprezo, que culminam quase infalivelmente no ódio.

2.5. Quinto motivo Por fim, o termo culminante é a reparação contra os que ultrajam diretamente as imagens sagradas de Maria. Sabemos que historicamente a crise iconoclasta e em nossos dias 28

Cf. MV n. 9.

– 13 –

A devoção dos cinco primeiros sábados no contexto do Ano da Misericórdia

algumas seitas radicais, promovem a destruição física das imagens de Maria, porém isto, apesar de ser simbolicamente muito grave, alcança um poder destrutivo muito menor do que a desfiguração da imagem de Deus no ser humano. Reza a Escritura que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus (imago Dei). Esta imagem de Deus é portanto constitutiva da própria essência humana e em si mesma não pode ser destruída, mas pode ser desfigurada. Por isso a expressão aparece no texto bíblico unida à palavra «semelhança», conceito muito mais dinâmico que o de imagem, e portanto passível de ser aumentado ou diminuído. Podemos ser mais semelhantes, ou menos semelhantes a Deus, mais semelhantes ou menos semelhantes a Maria. Neste sentido, podemos ser imagem de Deus, imagem de Maria, à medida em que mais nos assemelhamos a eles. A destruição desta imagem de semelhança com Jesus e com Maria é muito mais grave e tem consequências muito mais devastadoras que a destruição física de suas imagens esculpidas em gesso ou madeira. A oração reparadora encontra aqui uma dimensão que se relaciona, em uma interpretação mais direta e literal, às ofensas perpetradas contra as imagens sagradas e os lugares de culto dedicados à Santíssima Virgem Maria, porém, em um sentido mais profundo, indica a ação reparadora no que respeita à imagem de Maria em cada ser humano, nas famílias e em toda a sociedade. Existe um trabalho sistemático de desfiguração desta imagem, baseado em um antropocentrismo que prescinde da busca da semelhança com Deus. Sendo Deus a perfeição e a ordem, à medida em que a semelhança com Deus é perdida a nível tanto individual quanto institucional, se encontra o resultado inevitável, consequente desta dessemelhança: a implantação da desordem, do caos, da violência, a predominância da feiura sobre a beleza, a falta de integridade, e outras desordens, das quais nossa realidade atual é testemunha grandiloquente. Uma visão de conjunto dos motivos para a reparação em cinco meses evidentemente não é exaustiva, mas sintetiza o que é necessário reparar, em primeiro lugar a nível sobrenatural, através da oração, da adoração, da purificação dos pecados, da meditação e da comunhão eucarística. Esta reparação repercute na profundidade do ser humano, promovendo uma mudança radical, em seu sentido etimológico: na raiz. Esta mudança é proposta na devoção dos cinco primeiros sábados com a indicação de propagá-la por toda a Igreja e por todo o mundo. A centralidade da mensagem de Fátima está portanto em uma mudança radical do gênero humano, onde ele mais o necessita. É uma mensagem que, em seu núcleo fundamental –destaca João Paulo II–, constitui um chamado à conversão e à penitência, como o Evangelho (Mc 1, 15). Este chamado é feito de modo ao mesmo tempo maternal e enérgico: com decisão. A caridade que se alegra com a verdade (1Co 13, 6), –continua o Papa– sabe ser firme e clara29. Fátima se apresenta em seu conjunto como um signo preciso de Deus para nossa geração, uma palavra profética para nosso tempo e uma intervenção divina na história humana, realizada por mediação de Maria30. 29

Cf. JOÃO PAULO II. Homilia de 13 de maio de 1982. Apud: L’Osservatore Romano, Edição semanal em língua espanhola, Ano XIV n. 21, p. 699. 30 DE FIORES, Stefano. Valoración teológica y actualidad de Fátima. Apud: DE FIORES, Stefano y MEO, Salvatore (dir.)

– 14 –

A devoção dos cinco primeiros sábados no contexto do Ano da Misericórdia

3. Comunhão reparadora e devoção mariana A relação da comunhão reparadora com a missão fundamental de Maria de levar a humanidade para Cristo se evidencia de modo muito claro nas condições indicadas pela Santíssima Virgem para esta devoção. Em primeiro lugar a recomendação ao sacramento da reconciliação, único capaz de alcançar o perdão dos pecados de modo eficaz. O Concílio Vaticano II, ao expor sua doutrina sobre a sacramentologia, ressalta o aspecto pedagógico dos sacramentos, que apesar de ser corolário de sua ação fundamentalmente mistérica, tem uma importância primordial para a perfeita frutuosidade do mesmo, o que aparece de modo muito claro no sacramento da penitência, incluindo seus atos preparatórios, como pontualizou o papa Bento XVI: «O exame de consciência tem um valor pedagógico importante: educa a olhar com sinceridade a própria existência, a confrontá-la com a verdade do Evangelho e a valorizá-la com parâmetros não somente humanos, senão também tomados da Revelação divina. A confrontação com o Mandamentos, com as Bem-aventuranças e, sobretudo, com o Mandamento do Amor, constitui a primeira grande “escola penitencial”»31.

A confissão é colocada no pórtico das práticas recomendadas para a comunhão reparadora, como caminho necessário de um verdadeiro processo de conversão, que muitas vezes começa em um confessionário. A acolhida da penitência e a escuta das palavras «Eu te absolvo de teus pecados», representa a verdadeira escola de amor e de esperança, que guia à plena confiança no Deus que é amor e misericórdia32. De modo semelhante, o Ano da Misericórdia se centra em incrementar a busca do sacramento da Reconciliação, como meio eficaz para alcançar o necessário perdão e purificação dos pecados, colocando este sacramento como ponto central de todo o conjunto que compõe o ano jubilar, por sua capacidade de permitir ao homem experimentar em carne própria a grandeza da misericórdia, sendo, para cada penitente fonte de verdadeira paz interior33, restituindo a vida de filhos de Deus perdida pelo pecado 34 e remediando em profundidade as feridas causadas por ele. Neste sentido, no discurso de encerramento da primeira etapa do sínodo das famílias, o papa Francisco deixou claro que misericórdia não significa simples aceitação da culpa não arrependida, mas a cura efetiva do mal, quando afirmou que devemos evitar: «A tentação do bonismo destrutivo, que em nome de uma misericórdia enganadora, liga as feridas sem antes as curar e medicar; que trata os sintomas e não as causas nem as raízes. É a tentação dos “bonistas”, dos temerosos e também dos chamados “progressistas e liberais”»35.

Nuevo diccionario de Mariología, p. 799. 31 BENTO XVI. Discurso aos participantes no curso sobre o foro interno organizado pela Penitenciaria Apostólica, em 25 de março de 2011. Cf. Revista Heraldos del Evangelio, n. 94, Madrid, maio de 2011, pp. 8-9. 32 Cf. Ibid. 33 Cf. MV n. 17. 34 Cf. CEC n. 1469. 35 PAPA FRANCISCO. Discurso no encerramento da III Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos, de 18 de

– 15 –

A devoção dos cinco primeiros sábados no contexto do Ano da Misericórdia

No sacramento da penitência, o pecador, confiando-se inteiramente na misericórdia de Deus, antecipa de certa maneira o juízo ao qual será submetido ao fim de sua vida terrena, porque é agora, nesta vida, que nos é oferecida a eleição entre a vida e a morte, e só pelo caminho da conversão podemos entrar no Reino de Deus, do qual o pecado grave nos aparta. Convertendo-se a Cristo pela penitencia e a fé, o pecador passa da morte à vida e «não incorre no juízo» (Jo 5, 24) 36. A segunda prática indicada e que é o centro de toda a devoção dos cinco primeiros sábados, é a comunhão eucarística, união real do ser humano com seu Criador e fundamento de toda a espiritualidade cristã. Cristo eucarístico é presença transformadora capaz de operar a mudança necessária para se alcançar a verdadeira semelhança com nosso Criador. A vocação à comunhão com Deus –afirma Gaudium et spes (22)– é o verdadeiro fundamento da dignidade humana. A Eucaristia promove a comunhão com Deus e com toda a Igreja, incluídas aqui suas três dimensões: peregrina, penitente e triunfante. Na Eucaristia, esta comunhão atua como união espiritual que nos une com os santos e bem-aventurados cujo número é incalculável (cf. Ap 7, 4) e cuja santidade vem em ajuda de nossa fragilidade. A presença real de Jesus Cristo é capaz de sanar e corrigir todas as debilidades, fazendo-nos participar de todos os benefícios da redenção de Cristo, para que o perdão seja estendido até as extremas consequências da misericórdia infinita de Deus37. O cristocentrismo da devoção dos cinco primeiros sábados se evidencia de modo incontestável na centralidade eucarística desta devoção. As duas práticas seguintes são igualmente cristocêntricas e evangélicas: rezar o Rosário e meditar nos mistérios da vida de Cristo que o compõem. A oração do santo Rosário e a meditação dos mistérios da vida de Cristo em toda sua dimensão evangélica, permite unir oração mental meditativa à oração vocal, abarcando todas as dimensões de nosso relacionamento filial com a Mãe de Deus: louvor, ação de graças, meditação e petição. Por isso, em todas as aparições de Fátima, Maria Santíssima recomendou com insistência a oração do santo Rosário. Com precisão teológica, afirma a este respeito a própria irmã Lúcia: «Depois da oração litúrgica do Santo Sacrifício da Missa, a oração do santo Rosário ou Terço, pela origem e sublimidade das orações que o compõem e pelos mistérios da nossa redenção que recordamos e meditamos em cada dezena, é a oração mais agradável a Deus que podemos oferecer-lhe e de maior proveito para as nossas almas. Se assim não fosse Nossa Senhora não no-lo teria recomendado com tanta insistência»38.

O papa Leão XIII, na Encíclica Fidentem piumque, de 20 de setembro de 1896, ensina que no Rosário Cristo ocupa o lugar principal, com os mistérios centrais da doutrina católica, oferecendo um ato de adesão interior, exteriorizada pela profissão externa desta fé39. outubro de 2014. A expressão original em italiano é «buonismo distruttivo», que a maioria das traduções apresenta em português como «bonismo destrutivo», como colocamos em nosso texto. A tradução da página Web do Vaticano apresenta a expressão «bonacheirice destrutiva». 36 Cf. FUENTES, Miguel Ángel. Revestíos de entrañas de misericordia. 5 ed. Mendoza: Verbo Encarnado, 2007, p. 77. 37 Cf. MV n. 22. 38 IRMÃ MARIA LÚCIA DE JESUS E DO CORAÇÃO IMACULADO. Apelos da mensagem de Fátima. Fátima: Secretariado dos Pastorinhos, 2000, p. 270. 39 Cf. Ibid., p. 271.

– 16 –

A devoção dos cinco primeiros sábados no contexto do Ano da Misericórdia

O papa Paulo VI explica que o exercício piedoso do Rosário é como que um rebento germinado sobre o tronco secular da liturgia cristã, e que se harmoniza facilmente com ela. Em planos essencialmente diversos, a anamnesis litúrgica e a memória contemplativa no Rosário têm por objeto os maiores eventos salvíficos realizados por Cristo. A primeira os torna presentes sacramentalmente, e a segunda, com o piedoso exercício da contemplação, reevoca, na mente daquele que ora, esses mesmos mistérios, estimulando a haurir deles verdadeiras normas de vida40.

Conclusão A devoção dos Cinco Primeiros Sábados, considerada no contexto do Ano da Misericórdia, centraliza as intenções principais da mensagem de Fátima, no seu sentido de reparação e impulso para a necessária mudança de rumos em uma sociedade que iniciava um caminho de separação em relação aos desígnios divinos. É urgente a propagação desta devoção, enquanto é possível evitar os desastres que a Santíssima Mãe de Deus procura impedir instituindo a comunhão reparadora dos cinco primeiros sábados, para que não aconteça o que, em relação à consagração da Rússia, admoestou Nossa Senhora à irmã Lúcia, numa comunicação íntima: «Não quiseram atender meus pedidos… Do mesmo modo que o rei da França, se arrependerão e farão a consagração, porém já será tarde».

Maria Santíssima se referia à aparição do Sagrado Coração de Jesus a santa Margarida Maria, em 1689, a qual tentou, por vários meios e iniciativas, fazer chegar ao rei Luís XIV uma mensagem com quatro petições que buscavam unir a França ao Sagrado Coração de Jesus. Sem embargo, nada foi conseguido. Tudo indica que esta mensagem nem sequer chegou ao conhecimento do rei. Um século depois, na medida do possível, Luís XVI, já recluso na Prisão do Templo, em 1792, concebeu a ideia de consagrar-se ao Coração de Jesus, prometendo cumprir todos os pedidos comunicados por santa Margarida, depois de sua libertação. Era porém muito tarde, a guilhotina interrompeu os planos do rei em 21 de janeiro do ano seguinte41. No seminário celebrado em Fátima no ano 1972, se discutiu sobre a postura que se deve adotar ante a mensagem de Fátima: mentalidade teológica ou disponibilidade infantil? A conclusão foi que é necessário traduzir em termos teológicos a mensagem dirigida às crianças de Fátima, porém também permanecer com espírito de inocência infantil para compreender a profundidade desta mensagem42. Os acontecimentos de Fátima obrigam a apresentar Maria em uma perspectiva atual, de vida e contemporaneidade, fazendo com que cada pessoa partícipe da redenção e da condição ressurreta de Jesus. 40 Cf. PAULO VI. Exortação Apostólica Marialis cultus, para a reta ordenação e desenvolvimento do culto à Bem-aventurada Virgem Maria, de 02 de fevereiro de 1974. AAS 66 (1974). 41 Cf. KONDOR, Luis. Memorias de la Hermana Lucía, p. 198. A explicação sobre a mensagem ao rei da França, mencionado por Nossa Senhora, é do autor da compilação das memorias da irmã Lúcia, Pe. Luis Kondor, SVD. 42 El corazón que se entrega a todos. El inmaculado corazón de María en las apariciones de Fátima. Centro Internacional Ejército Azul, Fátima, 1972, p. 12. Apud: DE FIORES, Stefano y MEO, Salvatore (dir.) Nuevo diccionario de Mariología, p. 800.

– 17 –

A devoção dos cinco primeiros sábados no contexto do Ano da Misericórdia

O Concílio Vaticano II43, «muito de caso pensado» recomenda a todos os filhos da Igreja que fomentem generosamente o culto à Santíssima Virgem, assinalando que a verdadeira devoção mariana não consiste em uma emoção estéril e passageira, mas em um amor dedicado que nos conduz a imitar as virtudes de Maria. A devoção estéril é aquela que se baseia no amor a si mesmo e não na doação a Deus. Santo Agostinho explica que só existem dois amores: o amor de si mesmo até o desprezo de Deus e o amor a Deus, até o desprezo de si mesmo44. A devoção que se baseia no primeiro tipo de amor, será sempre estéril e transitória. Um aspecto moderno da devoção mariana é sua compreensão como caminho para a maturidade devocional, evitando regressões infantis ou transferências de afetos. Maria passa a ser contemplada não somente como aquela que protege e ajuda, mas também como a que arrasta para a afirmação pessoal, para a santificação e doação total ao serviço da irradiação do reino de Deus, para a convocatória a sair de si mesmo e servir à Igreja na maturidade e na fortaleza de verdadeiros católicos, ardentes no fogo do Espírito Santo conferido pelo Sacramento da Confirmação. A maternidade de Maria deve ser considerada em sua totalidade, que exige uma adesão valente ao plano de Deus. O mesmo se pede àqueles que creem na necessidade do serviço a Deus, sem fugas ilusórias nem imobilismos condenáveis. A devoção é um termo que contém um sentido ativo: significa entregar-se, sacrificar-se. A imitação de Maria não é um servir-se dela, mas um doar-se de si mesmo a Deus, de modo integral e irrevogável. O mesmo Concílio Vaticano II, na Constituição Pastoral Gaudium et spes (37, 2), explica que a situação do mundo que sofre sob o poder do maligno, faz da vida homem um combate, no qual o cristão não tem direito de se omitir. São eloquentes as palavras do Concílio: «Toda a história humana está atravessada por um duro combate contra os poderes das trevas, que começou no princípio do mundo e durará até ao último dia. Inserido nesta luta, o homem deve combater constantemente, se quer ser fiel ao bem; e só com grandes esforços e a ajuda da graça de Deus conseguirá realizar a sua própria unidade».

Neste momento decisivo, a Igreja nos convoca a tomar posição, a não ser «mais um» em meio a um mundo que abandona a Deus. A ter a coragem de Jesus que disse «sou Eu» quando os soldados o procuravam para o confronto final, a dizer «faça-se em mim segundo a tua palavra» quando somos chamados a entregar nossa própria vida, dedicando-a inteiramente ao serviço de Deus, sem nunca ter medo de ser «diferente dos outros». É dever de cada um imitar a Jesus, imitar a doação total de Maria, de não reeditar a covardia de Pôncio Pilatos diante de Cristo, que buscou «compor a situação» e terminou por condenar a Jesus. Porém, se Pilatos pudesse falar através destas letras, poderia dizer: «eu serei imitado por muitas pessoas em todos os séculos». 43 44

LG n. 67. SANTO AGOSTINHO. Cidade de Deus, livro XIV, cap. XXVIII.

– 18 –

A devoção dos cinco primeiros sábados no contexto do Ano da Misericórdia

Em sua famosa Via Sacra, ao comentar esta atitude de Pilatos, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, profundo devoto e grande divulgador das mensagens de Nossa Senhora de Fátima, propõe uma pungente reflexão: «Senhor, quantas vezes imitei Pilatos! Quantas vezes, por amor à minha carreira, deixei que em minha presença a ortodoxia fosse perseguida, e me calei! Quantas vezes presenciei de braços cruzados a luta e o martírio dos que defendem vossa Igreja! E não tive a coragem de lhes dar sequer uma palavra de apoio, pela abominável preguiça de enfrentar os que me rodeiam, de dizer “não” aos que formam meu ambiente, pelo medo de ser “diferente dos outros”. Como se me tivésseis criado, Senhor, não para Vos imitar, mas para imitar servilmente os meus companheiros»45.

A chamada à conversão que centraliza as mensagens de Nossa Senhora de Fátima nos faz contemplar este mistério em toda sua amplitude; nos convoca a pedir a misericórdia divina para que, pela fortaleza com que Jesus nos deu exemplo enfrentando a dor e a morte, Ele cure em nossas almas a chaga do egocentrismo, do medo e da preguiça, fazendo de nós verdadeiros apóstolos da misericórdia de seu Sagrado Coração e do Coração Imaculado de Maria.

45

CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Via Crucis. Apud: Catolicismo n. 3, São Paulo: Pe. Belchior Pontes, março de 1951.

– 19 –

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.