Zanella (2016) Resenha de \"Formas de voltar para casa\", de Alejandro Zambra

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FORMAS DE VOLTAR PARA CASA Um escritor leva o leitor ao seu passado para contar uma história em que ele e, na sua forma de enxergar, toda uma geração, foram personagens secundários. Zambra escreve sobre os anos 1970 e 1980, no Chile, no período do golpe pinochetista, a partir da perspectiva de um adulto que olha para trás e enxerga a ditadura como o mais significativo palco cênico da história recente do seu país. Nesse passado, verdadeiro cenário, Zambra sugere que ele e os da sua geração eram os personagens secundários. É o próprio Zambra a explicar a narrativa que adota: “o romance era o romance dos pais” (p.54). E, mais adiante: “Hoje inventei uma piada: Quando crescer vou ser um personagem secundário, diz um menino a seu pai. Por quê? Por que o quê? Por que você quer ser um personagem secundário? Porque o romance é teu” (p.70). O autor toca num ponto importante e sensível de uma história compartilhada na América Latina. Inafastável do presente político de qualquer país da região – como recentes manifestações tão saudosistas quanto desinformadas fazem-nos nefastamente recordar – esse é o passado de muitos dos adultos de hoje (o meu, inclusive). Zambra nos conta a história de pessoas que, naqueles tempos, no Chile, assistiram silenciosamente os atos de resistência clandestina ou de omissões coniventes e convictas dos pais. Zambra não se omite politicamente. “Todos estavam metidos em política, mamãe. Você também. Vocês. Ao não participar, apoiavam a ditadura.” Ou, quando confrontado com a sugestão de que o antigo vizinho era um terrorista: “Bom, mamãe, mas as ditaduras não caem por conta própria. Aquela luta era necessária”(p.127). “Formas de voltar para casa” (São Paulo, Editora Cosac Naify, 2014, 160p.) fala das formas de revisitar esse passado. Para uns, como o escritor/narrador, trata-se de se deparar com as omissões dos seus pais. Omissões sobre as quais ele não podia ser culpado, mas tampouco conseguia se desvencilhar de certo senso de responsabilidade. Para outros, como para sua antiga paixão

adolescente, Cláudia, trata-se de conseguir falar da sua história sem medo, buscando definir uma identidade que a clandestinidade do passado lhe negara: “Aprender a contar sua história como se não doesse. Isso foi, para Cláudia, crescer: aprender a contar sua história com precisão, com crueza. Mas é uma armadilha colocar a coisa desse modo, como se o processo terminasse um dia” (p.93). Para ambos, trata-se de revisitar um passado e se propor a um acerto de contas com eventos pelos quais eles não são diretamente responsáveis. O romance de Zambra parece abrir espaço para – ou eu me dei liberdade para a partir dele formular - uma hipótese: e se esse acerto for exatamente o papel que a sua geração deve assumir para ser protagonista de uma nova história, para sair do limbo do papel secundário? O livro é um relato a baixa voz que merece ser lido, de forma especial, por aqueles das gerações de 1970 e 1980. Com ele Zambra coloca luz sobre um passado que ele não luta para esquecer. Zambra o revisita. Volta para casa para repassar o passado e lamenta que percamos a memória: “Acho isso horrível. Já se vê que perdemos a memória. Entregaremos plácida, candidamente o país a Piñera e ao Opus Dei e aos Legionários de Cristo” (p.149). CKZ – Ituiutaba/MG, 17 de Janeiro de 2016.

Nota de fim: O Chile foi governado por Piñera de 2010 – quando Zambra acabava de escrever “Formas de voltar para casa” - a 2014. Rico empresário do setor de aviação civil, das telecomunicações e do futebol, Piñera foi o responsável por chefiar, em 1989, a campanha presidencial de Hernán Büchi, ex-ministro das finanças de Pinochet.

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