ZANELLA, Tiago Vinicius. Acesso aos portos por navios estrangeiros e sua regulamentação pelo direito internacional. In.: 13º Congresso Brasileiro de Direito Internacional, UNIFOR, Fortaleza; 2015

July 5, 2017 | Autor: Tiago Zanella | Categoria: Law of the Sea, Direito do Mar
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Acesso aos portos por navios estrangeiros e sua regulamentação pelo direito internacional The regime of port access in international law Resumo: Na navegação mercante internacional, adentrar em portos estrangeiros é uma prática absolutamente corriqueira. Com o atual desenvolvimento do comércio internacional, sobretudo via marítima, os Estados não costumam negar o acesso aos seus portos à embarcações de bandeira estrangeira. Pelo contrário, a necessidade de comercializar bens e produtos, faz com que cada vez mais o trafego marítimo seja intensificado. Todavia, pode haver situações em que o país não queira aceitar a entrada de determinados navios em seus portos e águas interiores. Isto pode ocorrer por razões econômicas, estratégicas, ambientais, ou outra. Assim, saber se uma embarcação possui o direito de adentrar em porto estrangeiro é um ponto crítico na discussão do direito marítimo e do mar atual. Isto é, saber se existe um direito de acesso ou o navio depende do consentimento e autorização do Estado do porto se faz imprescindível. Isto por duas razões: de um lado a direito de negativa pode acarretar grandes problemas para o comércio internacional, com a possibilidade de discriminação e desvantagens para o Estado que tem seus navios proibidos de acessar determinados portos estrangeiros; por outro lado, estabelecer um direito de acesso seria limitar grandemente o poder soberano dos Estados costeiros nas suas águas interiores, obrigando-os a aceitar todo e qualquer navio. Deste modo, o objetivo deste artigo é justamente analisar a temática do acesso aos portos por navio estrangeiro, investigando se existe ou não um direito de adentrar nestes portos e qual a regulamentação do tema em questão à luz do direito internacional. Palavras Chave: Portos; Acesso aos Portos; Direito do Mar. Abstract: In the international merchant shipping, enter in foreign ports is an absolutely common practice. With the current development of international trade, especially by sea, the States usually do not deny access to its ports to foreign flag vessels. On the contrary, the need for market goods and products, causes increasing maritime traffic is intensified. However, there may be situations where the States does not want to accept the entry of certain vessels in their ports or internal waters. This can happen for economic, strategic, environmental, or other reasons. Thus, know if a vessel has the right to enter into foreign port is a critical point in the discussion of the law of the sea. Whether there is a right of access or the ship depends on the consent and authorization

 

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of the port state is essential. For two reasons: the negative can lead to major problems for international trade, with the possibility of discrimination and disadvantages for the State that has prohibited its ships from accessing certain foreign ports; On the other hand, establish a right of access would greatly limit the sovereign power of coastal States over their internal waters, forcing them to accept any vessel. Thus, the purpose of this article is to analyze the topic of access to ports by foreign ship, investigating if exist or not a right to enter access foreign ports under international law. Keywords: Ports; Ports access; law of the sea. 1. Introdução – O regime jurídico das águas interiores Os portos encontram-se – ou estão sob o regime jurídico – das águas interiores1. A definição deste espaço marítimo é concebida, quer na Convenção sobre o Mar territorial e Zona Contígua de 1958 quer na Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar de 1982 (CNUDM), por exclusão2: entendem-se como tais as águas marítimas ou não continentais3 que têm o seu limite exterior as linhas de base e o interior em terra firme, salvo o disposto na Parte IV sobre os Estados arquipelágicos4. A CNUDM não vai além de determinar os limites deste espaço, não trazendo em seu bojo maiores digressões sobre o regime jurídico aplicável e sua normatização precisa5. Entretanto, nas águas interiores pode-se identificar dois poderes fundamentais reconhecidos ao Estado costeiro: a) o primeiro pode ser definido como um poder dominial, por meio do qual o país detém uma soberania quase idêntica àquela relativa a que detém em terra firme e nas águas continentais6; b) o segundo é o poder exclusivo, pelo qual o Estado tem o poder de pesca, sobrevoo e navegação exclusivo, ou seja, pode reservar as águas interiores exclusivamente para a navegação de navios de sua

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CNUDM. Art. 11. Artigo 5° da Convenção de 1958 e artigo 8º da CNUDM. 3 As águas continentais são aquelas que se encontram em terra firme como, por exemplo, lagos, rios, pântanos, represas, córregos, geleiras, lençóis freáticos, entre outros. 4 CNUDM. Art. 8. Sobre o regime das águas arquipelágicas ver ZANELLA, Tiago Vinicius. Curso de Direito do Mar. Juruá, Curitiba; 2013, P. 171 e ss.; CHURCHILL, Robin Rolf; LOWE, Alan Vaughan. The law of the sea. 3° ed, Manchester University Press, Inglaterra; 1999. P. 98 e ss.; TANAKA, Yoshifumi. The International Law of the Sea. Cambridge University Press, Nova Yorque; 2012. P. 108 e ss. 5 Sobre a questão, resume TASIKAS, Vasilios. The regime of maritime port access: a relook at contemporary international and United States law. Loyola Maritime Law Journal, Vol. 5; 2007, P. 1-2: “Despite its groundbreaking work, the LOS Convention only superficially deals with the issues of navigational rights in inland waters and ports”. 6 Sobre a questão, afirma TASIKAS, Vasilios. The regime… Op. Cit. P. 2: “As such, the legal regime for inland waters (in which ports are included) would logically be governed by a legal regime more akin to the domestic territorial law of a State rather than international law of the sea”. 2

 

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bandeira7. Por efeito da natureza jurídica e extensão de tais poderes, nem o direito de passagem inofensiva nem o de passagem em trânsito assistem aos navios e embarcações estrangeiras. Assim, a autorização do Estado ribeirinho para navegar neste espaço é sempre necessária como regra8. Em realidade, a soberania e jurisdição do Estado em suas águas interiores é quase ilimitada. Qualquer relativização desta soberania deve fundamentada em um direito consuetudinário ou em tratado internacional9. Como exceção à regra de que as águas interiores podem fechar-se à navegação de navios estrangeiros, a CNUDM traz algumas situações especiais: a) o nº 2 do artigo 8º que impõe o direito de passagem inocente nos casos em que, por aplicação do critério da linha de base reta, passem a ser águas interiores zonas que anteriormente, por aplicação do critério da linha de baixa mar, eram consideradas como partes do mar territorial ou do alto mar10; b) o artigo 125° pelo qual é conferida aos Estados sem litoral a liberdade de trânsito através do território, terra firme e águas interiores, de outro país a fim de ter acesso aos mares e oceanos11; c) o artigo 10º que trata da questão das baías, que não podem ter, como regra, mais do que 24 milhas de largura12, a não ser as chamadas baías históricas13.

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Neste sentido YANG, Haijiang; Jurisdiction of the Coastal State over Foreign Merchant Ships in Internal waters and the territorial sea. Springer, Hamburg; 2006, P. 47-48; CHURCHILL, Robin Rolf; LOWE, Alan Vaughan. The law… Op. Cit. P. 57; TANAKA, Yoshifumi. The International... Op. Cit. P. 78. 8 Neste sentido DEGAN, Vladimir Djuro. Internal Waters. Yearbook of International Law, vol. 17, P. 344, Netherlands; 1986, P. 4. 9 YANG, Haijiang; Jurisdiction of... Op. Cit. P. 44; BODANSKY, Daniel. Protecting the Marine Environment from Vessel-Source Pollution: UNCLOS III and Beyond. Ecology Law Quarterly, Vol. 18, P. 719-777, 1991, P. 745. 10 Sobre a questão ver WEIDEMANN, Lilly. International Governance of the Arctic Marine Environment: With Particular Emphasis on High Seas Fisheries. Springer, Heidelberg - New York London; 2014, P. 93; BECKMAN, Robert. The UN Convention on the Law of the Sea and the Maritime Disputes in the South China Sea. The American Journal of International Law, Vol. 106, P. 142-163; 2013, P. 147. 11 Sobre a questão ver UPRETY, Kishor. The transit regime for landlocked states: international law and development perspectives. World Bank Publications, Washington ― EUA; 2006; ISACA, Frederico. O Estatuto dos Estados Interiores e o Direito do mar. AAFDL, Lisboa, 1988. 12 Esta regra foi instituída para que uma baía não viesse a ter um espaço de mar territorial dentro de si. Ou seja, uma baía para fins de águas interiores, deve sempre ser composta por águas territoriais e não mar territorial. Seria ilógico que somente parte desta reentrância fosse considerada águas interiores enquanto outra parte fosse mar territorial. Assim, para efeitos da CNUDM, uma baía é considerada sempre como águas interiores e, se assim não for, não pode ser considera uma baía. 13 Sobre a questão ver SYMMONS, Clive Ralph. Historic Waters in the Law of the Sea: A Modern ReAppraisal. Martinus Nijhoff Publishers, Netherlands; 2008; GOLDIE, L. F. E. Historic Bays in International Law - An Impressionistic Overview. Syracuse Journal of International Law and Commerce, Vol. 11, Issue 2, P. 212-273; 1984; TANAKA, Yoshifumi. The International... Op. Cit. P. 56; ou, como destaca CHURCHILL, Robin Rolf; LOWE, Alan Vaughan. The law… Op. Cit. P. 33: As with historic bays, bays which are bordered by more than one State are not dealt with by either the Territorial Sea Convention or the law of the Sea Convention. There are over forty such bays in world. Examples include Lought Foyle (boreded by Ireland and the Unidet Kingdom), the Bay of Figuier (France and Spain) and Passamaquoddy Bay (Canada and the USA).

 

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Quanto aos portos e construções portuárias permanentes situadas ao largo da costa, são considerados parte da costa para efeitos delimitadores. Já as instalações marítimas (como plataformas) e as ilhas artificiais não são consideradas como instalações portuárias permanentes e não podem ser utilizadas como referência para delimitar as águas interiores14. Diante de sua natureza e regime jurídico, nas águas interiores o Estado costeiro possui não só o direito, mas o dever de proteger o meio marinho. Trata-se de um espaço em que o Estado possui, linhas gerais, os mesmos direitos e deveres de terra firme. Isto é, no que diz respeito à proteção do meio marinho, o país não só pode como deve implementar todas as diretrizes que entender necessárias para proteger e conservar o ambiente. Não obstante a relativa falta de normatização desta zona nos articulados da CNUDM, o texto destaca no nº 3 do artigo 225 que os Estados podem – e devem – estabelecer requisitos especiais para prevenir, reduzir e controlar a poluição do meio marinho, como condição para a admissão de embarcações estrangeiras nos seus portos ou nas suas águas interiores15. Ainda, no nº 2 do artigo 25º que o Estado costeiro tem o direito de adotar as medidas necessárias para impedir qualquer violação destas condições a que está sujeita a admissão desses navios nas suas águas interiores ou instalação portuária16. Assim, quando uma embarcação adentrar em águas interiores estrangeiras fica, regra geral, sujeita à jurisdição daquele país. Na prática, os Estados exercem suas jurisdições nos casos em que algum fato ocorrido venha a afetá-lo de alguma maneira. Isto é, quando ocorre uma situação dentro do navio, até mesmo um crime que não afete de nenhuma maneira o país ribeirinho (quem decide se o fato afeta ou não seus interesses é o próprio Estado costeiro), este abdica de sua competência jurisdicional em favor da legislação do Estado de bandeira da embarcação17. Esta prerrogativa é variável de Estado para Estado, dependendo do direito interno e de tratados bilaterais. Todavia, como afirmamos, a prática internacional majoritária é de que o Estado costeiro só impõe                                                                                                                           14

CNUDM. Art. 11. CNUDM. Art. 225, nº 3. 16 CNUDM. Art. 25, nº 2. Sobre a questão, resume BODANSKY, Daniel. Protecting the... Op. Cit. P. 747: “UNCLOS III resolves any doubt that may have existed about whether coastal states may adopt national CDEM standards for their ports and internal waters by explicitly referring to the possibility of states establishing particular requirements for the prevention, reduction and control of pollution of the marine environment as a condition for the entry of foreign vessels into their ports or internal Waters”. 17 Sobre a questão, afirma SHAW, Malcolm Nathan. International Law. Cambridge University Press, 6ª reimpressão, Inglaterra; 2008, P. 493: “In general, a coastal state may exercise its jurisdiction over foreign ships within its Internal Waters to enforce its laws, although the judicial authorities of the flag state (i.e. the state whose flag the particular ship flies) may also act where crimes have occurred on board ship”. 15

 

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sua jurisdição nos casos em que algum bem jurídico nacional ou de algum cidadão tenha sido ofendido, podendo até ocorrer o aresto de navios18. Conclui-se então que o navio que arribar19 em portos estrangeiros, como regra, se sujeita às normas de acesso daquela localidade e, para entrar em águas interiores, a embarcação necessita de autorização da autoridade nacional competente. Na prática, os navios enviam uma notificação prévia da visita por via diplomática e aguardam que seu acesso ao porto seja autorizado para efetuar a carga e descarga das mercadorias. No caso de uma arribada forçada 20 , o Estado tem como regra o dever de receber a embarcação e prestar auxílio. Todo navio que estiver com problemas relativos à navegação deve procurar o porto mais próximo ou conveniente e arribar a fim de solucionar o problema que estiver inviabilizando a sua navegação21. 2. Acesso aos portos por navios estrangeiros e sua a regulamentação pelo direito internacional Com o atual desenvolvimento do comércio internacional, sobretudo via marítima, os Estados não costumam negar o acesso aos seus portos à embarcações de bandeira estrangeira. Pelo contrário, a necessidade de comercializar bens e produtos, faz com que cada vez mais o trafego marítimo seja intensificado. Todavia, saber se uma embarcação possui o direito de adentrar em porto estrangeiro é um ponto crítico na discussão do direito marítimo e do mar atual22. Isto é, resta saber se existe um direito de acesso ou o navio depende do consentimento e autorização do Estado do porto.

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Sobre a questão, destacam CHURCHILL, Robin Rolf; LOWE, Alan Vaughan. The law… Op. Cit. P. 50: “Coastal States will, of course, exercise their jurisdiction in matters which do not concern solely the ‘internal economy’ of foreign ships. Pollution, pilotage and navigation laws are routinely enforced against such vessels and, as we have noted, ships may be arrested in the course of civil proceedings in the coastal State. But, with the exception of the categories described above, States do not exercise their jurisdiction in respect of the internal affairs of foreign ships in their ports even though, as a matter of strict law, they would be entitled to do so because of the voluntary entry of those ships within theirs territorial jurisdiction”. 19 Arribar é o ato de a embarcação entrar em um porto qualquer. Aqui nos referimos a arribada voluntária, ou seja, aquela por vontade própria e de escala estipulada no fretamento. 20 A arribada forçada consiste no ato do navio entrar em um porto que não é o seu destino ou de escala não prevista. Este tipo de arribada pode ocorrer por diversos motivos como: falta de viveres, aguada, combustível; temor de inimigos como piratas; para abrigar-se do mau tempo; ou qualquer outro acidente ou incidente que inabilite o navio de continuar a navegação. Para um maior aprofundamento no tema das Arribadas forçadas, suas causas e conseqüências, se ela é justa ou não, se é legitima ou ilegítima, suas formalidades, ver o Capítulo III da obra GOMES, Manuel Januário da Costa. Direito Marítimo. Acontecimentos de mar. Volume IV. Almedina, Coimbra; 2008. 21 Adiante analisaremos a temática dos Locais de Refúgio. 22 Sobre a questão, resume BRUGMANN, Gero. Access to Maritime Ports. Books On Demand, Norderstedt; 2003. P. 1: “Access to maritime ports is a key issue for the shipping economy. It is essential to the flow of international commerce by sea, and so it should be to everybody's interest not to hinder it more than it is inevitable”.

 

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A CNUDM não normatizou de forma clara a questão. Alguns autores entendem que existe um direito de acesso aos portos implícito no texto convencional de 198223. Por exemplo, o artigo 18, nº 1, ‘b’ da CNUDM designa a passagem inocente como a navegação com o fim de “dirigir-se para as águas interiores ou delas sair ou fazer escala num desses ancoradouros ou instalações portuárias”24. Diante disto, O’Connel afirma que esta disposição sugere que a Convenção de 1982 estipula regras no direito internacional relativas ao direito de acesso aos portos de navios de bandeira estrangeira25. Contudo, trata-se de uma interpretação um tanto extensiva. Não nos parece este o melhor entendimento26. Ao analisar outros dispositivos do texto verifica-se que não há o direito automático de acesso aos portos por embarcação estrangeira: em primeiro lugar, o artigo 225º da CNUDM permite aos Estados costeiros estabelecerem requisitos e condições de admissão aos seus portos a fim de controlar a poluição ao meio marinho27. Em segundo lugar, o artigo 255º estabelece que os Estados, quando apropriado, devem facilitar o acesso aos seus portos às embarcações de investigação científica marinha “salvo o disposto nas suas leis e regulamentos”28. Se a CNUDM afirma que os países devem facilitar o acesso aos seus portos de navios de pesquisa, não há como entender que existe um direito de acesso aos portos estrangeiros para as demais embarcações. Nem de modo implícito pode-se entender que o texto criou tal disposição29.                                                                                                                           23

Neste sentido O’CONNELL, Daniel Patrick. The International Law of the Sea. Clarendon Press, Oxford; 1984, P. 269; LA FAYETTE, Louise de. Access to Ports in International Law. 11 International Journal of Marine and Coastal Law, P. 1-22; 1996, P. 3. 24 CNUDM. Art. 18, nº 1, b. 25 Sobre a questão, afirma O’CONNELL, Daniel Patrick. The International... Op. Cit. P. 269: “the inclusion of passage to and from ports in internal waters is intended to reflect the supposition that there are rules of international law reflecting freedom of access to ports, and that the coastal state would not be free to deny ships transit rights for the purpose of access”. 26 Neste mesmo sentido, afirma LOWE, A. V. The Right of Entry into Maritime Ports in International Law. 14 San Diego L. Rev. P. 597-622; 1977. P. 610: “the right of innocent passage through the territorial sea has been extended to ships making for internal waters; however, innocent passage does not necessary entail a right to enter those Waters”. 27 CNUDM. Art. 225, nº 3. 28 CNUDM. Art. 255. Esta disposição foi adotada em detrimento de outra mais abrangente e liberal proposta por um grupo de Estados na terceira sessão da Conferência, como destaca NORDQUIST, Myron H. United Nations Convention on the Law of the Sea, 1982: A Commentary. Vol. V, Martinus Nijhoff Publishers, Netherlands; 1989, P. 599: “At the third session of the Conference (1975), an informal paper submitted by an anonymous group of States (Source 21) proposed the following article, under the heading ‘Assistance to research vessels’: Coastal States in the interest of international co-operation and in order to facilitate the conduct of marine scientific research shall take measures, including legislative ones, to simplify the procedures for entering their ports and internal waters by ships conducting scientific research in accordance with this Convention”. 29 Neste sentido TASIKAS, Vasilios. The regime… Op. Cit. P. 30; DUPUY, René-Jean; VIGNES, Daniel. A handbook on the new law of the sea. Vol 1, Martinus Nijhoff Publishers, Holanda; 1991. P. 941-942; BRUGMANN, Gero. Access to... Op. Cit. P. 14-16. Ou, como resume CHIRCOP, Aldo. Law of the Sea and International Environmental Law Considerations for Places of Refuge for Ships in Need of Assistance. In.: CHIRCOP, Aldo; LINDEN, Olof (edts.) Places of Refuge for Ships - Emerging Environmental Concerns of a Maritime Custom. Chapter 9, P. 231-270, Martinus Nijhoff Publishers,

 

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Todavia, existem outros tratados e textos internacionais que regulam a matéria. Pode-se destacar o Estatuto Internacional dos Portos Marítimos (de 1923), que em seu artigo 2° estabelece que os Estados devem respeitar o princípio da reciprocidade e igualdade de tratamento para permitir o acesso aos seus portos pelos navios de bandeira estrangeira30. Verifica-se neste artigo, como no restante do Estatuto, que não há um direito absoluto de acesso aos portos31. O artigo apenas se propõe a garantir a igualdade de tratamento aplicando a liberdade de acesso aos portos condicionado no princípio da reciprocidade. Isto é, o Estatuto não criou um real direito de acesso, mas tão somente estipulou que os navios de bandeira estrangeira, em relação à temática, deveriam ser tratados de forma igualitária, sem distinção em razão de sua nacionalidade. Ainda, há que se destacar que apenas 40 países ratificaram o Estatuto, o que não lhe dá um caráter universal32. Além disso, as decisões dos tribunais internacionais sobre a temática são elucidativas. Uma decisão internacional significativa sobre o direito de acesso aos portos ocorreu em 1958 com um Tribunal Arbitral criado para dirimir um litígio entre a Arábia Saudita e a empresa Arabian American Oil Company, conhecido como ARAMCO case 33 . O caso envolvia uma interpretação contratual de transporte de petróleo e, entre outros, o acesso aos portos sauditas pelos navios da empresa ARAMCO 34 . O tribunal entendeu que “according to a great principle of public international law, the ports of every State must be open to foreign merchant vessels and can only be closed when the vital interests of the State so require”35. De acordo com o tribunal, existia um princípio geral de direito que dava aos navios acesso aos portos                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     Leiden – Boston; 2006. P. 237: “Port access is not governed by the conventional international law of the sea”. 30 Statute on the International Regime of Maritime Ports. Genebra, 9 de Dezembro de 1923 - Article 2: “Subject to the principle of reciprocity and to the reservation set out in the first paragraph of Article 8, every Contracting State undertakes to grant the vessels of every other Contracting State equality of treatment with its own vessels, or those of any other State whatsoever, in the maritime ports situated under its sovereignty or authority, as regards freedom of access to the port, the use of the port, and the full enjoyment of the benefits as regards navigation and commercial operations which it affords to vessels, their cargoes and passengers”. 31 Neste mesmo sentido MORRISON, Anthony. Places of Refuge for Ships in Distress: Problems and Methods of Resolution. Martinus Nijhoff Publishers, Netherlands; 2012. P. 61-62; TASIKAS, Vasilios. The regime… Op. Cit. P. 10-11; BRUGMANN, Gero. Access to... Op. Cit. P. 10; YANG, Haijiang; Jurisdiction of... Op. Cit. P. 56. 32 A lista dos Estados que ratificaram o documento pode ser encontrada em https://treaties.un.org/Pages/LONViewDetails.aspx?src=LON&id=558&chapter=30&lang=en . Acesso em 12 de maio de 2015. 33 Saudi Arabia v. Arabian American Oil Company (Aramco). ILR, Vol. 27, P. 117-233; 1963. 34 Para uma análise mais aprofundada, com todas as suas questões e implicações, do caso ver SOHN, Louis B.; NOYES, John; FRANCKX, Erik; JURAS, Kristen. Cases and Materials on the Law of the Sea. 2º ed., Koninklijke, Netherlands; 2014. P. 350-355; BERNHARDT, Rudolf. Decisions of International Courts and Tribunals and International Arbitrations. North-Holland publishing Company; Amsterdam New York - Oxford; 1981. P. 19-22. 35 Saudi Arabia v. Arabian American Oil Company (Aramco). ILR, Vol. 27, P. 117-233; 1963. P. 212.

 

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estrangeiros. Para este, existia também um direito consuetudinário de acesso aos portos36. O tribunal baseou sua decisão no artigo 16 do Estatuto dos Portos de 192337. O referido artigo não aborda diretamente a questão do acesso ao porto, mas afirma que um Estado pode negar a entrada em seus portos em situações específicas, como nos casos em que está em questão algum interesse vital do país38. Numa interpretação um tanto quanto extensiva, o Tribunal concluiu que os estados apenas poderiam negar entrada de embarcações em seus portos nos casos excepcionais e que o artigo 16 e demais do estatuto dos Portos havia criado um regime consuetudinário de direito de acesso as portos39. O tribunal baseou-se ainda na doutrina de Paul Guggenheim para fundamentar sua decisão40. Todavia, não fica claro que o autor tenha defendido tal tese. Afirmar que existe uma presunção de acesso aos portos por navios estrangeiros não é o mesmo que defender que existe um direito de acesso41. A decisão do ARAMCO case pode ser objeto de inúmeras críticas. O tribunal arbitral entendeu que estava criado um direito costumeiro a partir de um estatuto que havia sido ratificado por um número não expressivo de países. Deste modo, a decisão do Tribunal de 1958 foi baseada em fontes deficientes para realizar uma interpretação erroneamente expansiva e completamente equivocada 42. A criação de um costume internacional depende mais do que de um documento com relativa expressividade. A análise do tribunal arbitral flexibilizou de modo inconcebível os critérios para qualificar o costume internacional, fazendo com que uma simples regra inter partes fosse interpretada como um direito consuetudinário universal43.                                                                                                                           36

Sobre a questão, afirmou o tribunal: “the territorial sovereignty of the State over its means of communication is not unrestricted. It can only be exercised within the limits of customary international law, of the treaties the State has concluded and the particular undertakings it has assumed”. Saudi Arabia v. Arabian American Oil Company (Aramco). ILR, Vol. 27, P. 117-233; 1963. P. 212. 37 Vale destacar que a Arábia Saudita não era signatária da Convenção e do Estatuto dos Portos de 1923. 38 Statute on the International Regime of Maritime Ports. 1923. Article 16: “Measures of a general or particular character which a Contracting State is obliged to take in case of an emergency affecting the safety of the State or the vital interests of the country may, in exceptional cases, and for as short a period as possible, involve a deviation from the provisions of Articles 2 to 7 inclusive; it being understood that the principles of the present Statute must be observed to the utmost possible extent”. 39 Saudi Arabia v. Arabian American Oil Company (Aramco). ILR, Vol. 27, P. 117-233; 1963. P. 212. 40 Destaca GUGGENHEIM, Paul. Traité de Droit International Public. Vol. I, Librairie de l'Université; 1953. P. 419: “Les ports sont en principe ouverts aux navires de commerce étrangers. Leur fermeture n'est admissible que si les intérêts vitaux de l'état l'exigent”. 41 Sobre a questão ver LA FAYETTE, Louise de. Access to.. Op. Cit. P. 16; LOWE, A. V. The Right… Op. Cit. P. 601. 42 Sobre tal decisão, afirma BRUGMANN, Gero. Access to... Op. Cit. P. 2: “Today, it is clear that the Aramco tribunal was mistaken in assuming the existence of any authority for such a general pronouncement”. 43 Neste mesmo sentido, entre outros, YANG, Haijiang; Jurisdiction of... Op. Cit. P. 50-51; TASIKAS, Vasilios. The regime… Op. Cit. P. 12-13; LA FAYETTE, Louise de. Access to.. Op. Cit. P. 15-16; ou, como destaca BOYLE, Alan E. EU Unilateralism and the Law of the Sea. The International Journal of

 

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Neste mesmo sentido, num litígio posterior, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) analisou em 1969 a questão da criação do direito costumeiro a partir de um tratado internacional. Tratam-se dos casos da plataforma continental do Mar do Norte44, onde a República Federal da Alemanha litigou contra a Dinamarca e os Países Baixos sobre uma questão de delimitação da plataforma continental entre estes Estados45. Nestes casos a CIJ teve que decidir se o artigo 6º, nº 2 da Convenção sobre a Plataforma Continental de 1958, que codificou a regra da equidistância, se aplicava à Alemanha, posto que esta não havia ratificado a Convenção e, portanto, não estava vinculada contratualmente. Atualmente, o litígio sobre as delimitações da plataforma continental do Mar do Norte é considerado um caso modelo para analisar como as convenções internacionais, ou disposições dentro destas, produzem direito consuetudinário46. Em suma, entendeu a Corte que a regra da equidistância para delimitar plataformas continentais limítrofes não havia se cristalizado em direito costumeiro, uma vez que não se apresentavam os requisitos para tal caracterização, sobretudo a opinio juris, o sentimento de obrigação por parte dos Estados em cumprir aquela regra47. Fica evidente nesta decisão que o tribunal arbitral do caso ARAMCO extrapolou na interpretação do acesso aos portos como norma consuetudinária. A mesma Corte Internacional de Justiça, em 1986, julgou o caso relativo às atividades militares e paramilitares na Nicarágua48, onde analisou por duas vezes a questão do acesso aos portos de modo direto49. Na primeira, a Corte julgou a colocação pelos Estados Unidos de minas em portos nicaraguenses, entendendo que tal ato violava o direito internacional em razão de os portos estarem inseridos em águas interiores, espaço em que o Estado possui soberania. Além disso, afirmou a CIJ que o país costeiro                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     Marine and Coastal Law, Vol. 21, nº 1, P. 15-31; 2006. P. 21: “It has been convincingly argued that this dictum is wrong. It has also been convincingly argued that the 1923 Convention and Statute on the International Regime of Maritime Ports does not codify and has not generated a rule of customary international law on access to ports”. 44 ICJ Reports. North Sea Continental Shelf (Federal Republic of Germany v. Netherlands - Denmark). 20 February 1969. 45 Para um estudo mais aprofundado do caso em questão e todas as suas discussões e decisões ver JAGOT, S. P. Maritime Boundary. Martinus Nijhoff Publishers, Netherlands; 1985. P. 109-124 e 127139; BERNHARDT, Rudolf. Decisions of… Op. Cit. P. 205-207; SOHN, Louis B.; NOYES, John; FRANCKX, Erik; JURAS, Kristen. Cases and... Op. Cit. P. 273 e ss. 46 Neste mesmo sentido TASIKAS, Vasilios. The regime… Op. Cit. P. 14. 47 Como afirmou a CIJ: “Not only must the acts concerned amount to a settled practice, but they must also be such, or be carried out in such a way, as to be evidence of a belief that this practice is rendered obligatory by the existence of a rule of law requiring it”. (ICJ Reports. North Sea… Op. Cit. Par. 77; P. 44) 48 ICJ Reports. Military and Paramilitary Activities in and against Nicaragua (Nicaragua v. United States of America). 27 June 1986. 49 Para um estudo mais aprofundado do caso em questão ver GILL, Terry D. Litigation strategy at the International Court a case study of the Nicaragua v United States dispute. Dordrecht. 1989; CHARLESWORTH, Hilary C. .M. Customary International Law and the Nicaragua Case. Australian Year Book of International Law. P. 1-31; 1991.

 

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possui direito de regulamentar o acesso aos seus portos. Portanto, a Corte não reconheceu, de forma alguma, o direito consuetudinário de entrada nos portos por embarcações estrangeiras50. Na segunda, a CIJ analisou um embargo norte americano que proibiu o acesso aos seus portos por navios da Nicarágua. Entendeu esta Corte que, apesar de não haver um direito costumeiro internacional de acesso aos portos, os EUA agiam em desconformidade com o direito internacional em razão de um Tratado bilateral (FCN treaty) entre os países que garantia o acesso de embarcações aos portos do outro Estado51. Para a CIJ, os Estados Unidos deveriam cumprir o acordo e não poderiam impedir o acesso aos seus portos por meio de um embargo52. Neste viés, a dedução lógica é que a ausência deste acordo bilateral, permitiria aos Estados Unidos, enquanto Estado soberano, negar acesso a navios de bandeira nicaraguense aos seus portos. Em suma, a Corte ratificou a ausência de um direito consuetudinário internacional de acesso aos portos por embarcações estrangeiras, que só existe por meio de acordos entre as partes vinculadas53. Neste sentido, vale destacar que existem diversos tratados bilaterais que regulam a temática, como, por exemplo, os tratados de amizade, comércio e navegação – os chamados FCN treaties – que autorizam o acesso aos portos por embarcações do Estado parte 54 . Assim, na falta de um direito consuetudinário ou mesmo de um tratado                                                                                                                           50

ICJ Reports. Military... Op. Cit. Par. 213. P. 101: “The laying of mines within the ports of another State is governed by the law relating to internal waters, which are subject to the sovereignty of the coastal State. The position is similar as regards mines placed in the territorial sea. It is therefore the sovereignty of the coastal State which is affected in such cases. It is also by virtue of its sovereignty that the coastal State may regulate access to its ports”. 51 Treaty of Friendship, Commerce and Navigation between the United States of America and the Republic of Nicaragua, 21 January 1956. Article XIX, nº 3: “Vessels of either Party shall have liberty, on equal terms with vessels of the other Party and on equal terms with vessels of any third country, to come with their cargoes to all ports, places and waters of such other Party open to foreign commerce and navigation...” 52 ICJ Reports. Military... Op. Cit. Par. 279. P. 130: “The freedom of Nicaraguan vessels, under Article XIX, paragraph 3, to come with their cargoes to all ports, places and waters of the United States could not therefore be interfered with during that period of notice, let alone terminated abruptly by the declaration of an embargo. The Court accordingly finds that the embargo constituted a measure in contradiction with Article XIX of the 1956 FCN Treaty”. 53 Neste mesmo sentido KASOULIDES, George C. Port State Control and Jurisdiction: Evolution of the Port State Regime. Martinus Nijhoff Publishers, Netherlands; 1993. P. 23; TASIKAS, Vasilios. The regime… Op. Cit. P. 18. 54 Neste sentido, destaca CHURCHILL, Robin Rolf; LOWE, Alan Vaughan. The law of... Op. Cit. P. 53: “If there is no general right of entry into ports for foreign merchant ships in customary law, the position in treaty law is very different, for many treaties confer right of entry. Most commonly, such rights are found in bilateral treaties of Friendship, Commerce and Navigation, whose numbers run into many hundreds”. Sobre os FCN Treaties ver COYLE, John F. The Treaty of Friendship, Commerce, and Navigation in the Modern Era. Columbia Journal of Transnational Law, Vol. 51, P. 302-359; 2013; WALKER JR., Herman. Modern Treaties of Friendship, Commerce and Navigation. University of Minnesota Law Review, Vol. 42, P. 805-824; 1958; ALSCHNER, Wolfgang. Americanization of the BIT Universe: The Influence of Friendship, Commerce and Navigation (FCN) Treaties on Modern Investment Treaty Law. Goettingen Journal of International Law, Vol. 5, P. 455-486; 2013.

 

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universal, estes acordos servem como fundamento legal para que se exija a entrada de embarcações – dos países signatários – nos portos do outro Estado55. Por lógico que o acesso se restringe aos navios das partes contratantes e tão só. Por outro lado, a grande quantidade destes FCN treaties, que chegam as centenas56, mesmo não tendo força para caracterizar um costume internacional, regulam de maneira bastante eficiente o acesso aos portos das partes contratantes57. Ainda, há o disposto no artigo V do GATT que aborda a temática58. Neste, fica regulamentada a liberdade de trânsito através do território das partes signatárias do acordo, incluindo o acesso aos portos. Sobre tal dispositivo, duas considerações são relevantes: em primeiro lugar, trata-se de uma passagem, isto é, o porto não pode ser o destino inicial ou final da embarcação59; em segundo lugar, o principal foco do artigo é regulamentar a questão da não discriminação de qualquer navio estrangeiro que procure entrar nos portos dos Estados costeiros60. Deste modo, não se pode afirmar que o GATT tenha implementado um direito absoluto, muito menos universal, de acesso aos portos. Os Estados não ficam assim impedidos de afirmar seu controle soberano sobre seus portos. Trata-se muito mais de uma preocupação com qualquer possibilidade de

                                                                                                                          55

Sobre q questão afirma TASIKAS, Vasilios. The regime… Op. Cit. P. 24: “In the scope of international shipping, FCN treaties have the practical effect of providing the right of port entry to foreign ships and precluding foreign-flagged discrimination while in such ports”. 56 Neste sentido CHURCHILL, Robin Rolf; LOWE, Alan Vaughan. The law of... Op. Cit. P. 53. 57 Sobre os FCN treaties, elucida COYLE, John F. The Treaty of... Op. Cit. P. 312: “The substantive rights to which one of these standards will attach fall into four general categories: (1) navigation rights, (2) trading rights, (3) rights of entry and establishment and (4) human rights. First, the prototypical FCN treaty contains a number of provisions relating to navigation rights, which grant vessels the right to enter foreign waters and ports”. 58 Acordo Geral Sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio 1947. GATT. Artigo V - Liberdade de Trânsito: 1. [...] os navios e outros meios de transporte serão considerados em trânsito através do território de uma Parte Contratante, quando a passagem através desse território [....] não constitua senão uma fração de uma viagem completa, iniciada e terminada fora das fronteiras da Parte Contratante em cujo território se efetua. No presente artigo, um tráfego dessa natureza é denominado "tráfego em trânsito." 2. Haverá liberdade de trânsito através do território das Partes Contratantes [...] Nenhuma distinção será baseada no pavilhão dos navios ou barcos, no lugar de origem, no ponto partida, de entrada, de saída ou destino ou sobre considerações relativas à propriedade das mercadorias, dos navios, barcos ou outros meios de transporte. 3 – 7 [...] 59 Sobre a questão, afirma BOYLE, Alan E. EU Unilateralism... Op. Cit. P. 21: “This article has never been interpreted or applied in any WTO Dispute Settlement Body decision. It is clear that it does not apply to ships entering ports in the state of final destination of the cargo they carry”. 60 Neste sentido, MCDORMAN, Ted L. Regional Port State Control Agreements: Some Issues of International Law. Ocean and Coastal Law Journal, Vol. 5, P. 207-225; 2000. P. 220. TASIKAS, Vasilios. The regime… Op. Cit. P. 25. Ou ainda, como destaca BOYLE, Alan E. EU Unilateralism... Op. Cit. P. 21: “The principal objective of the article is to eliminate discriminatory treatment of vessels from different countries. Banning, or applying different entry requirements to vessels from some states, while allowing entry to those from other states, might well pose problems under Article V”.

 

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discriminação e vantagem comercial ilícita, à uma tentativa de regulamentar um direito universal de acesso aos portos por embarcações estrangeiras61. Diante deste quadro geral, não se pode afirmar que exista um direito consuetudinário ou positivado geral que determine o acesso aos portos estrangeiros. Pelo contrário, os Estados mantêm sua soberania sobre este espaço marítimo e o acesso ainda depende de sua autorização e consentimento62. Por outro lado, existe um dever geral de não discriminar ou tratar de qualquer forma diferenciada a entrada de navios estrangeiros nos portos de cada Estado costeiro. Isto é, independente da nacionalidade, origem, procedência ou outra característica da embarcação, o Estado do porto deve tratá-lo de forma idêntica, sem qualquer distinção em relação aos demais63. Entretanto, o Estado do porto, respeitando o princípio da não discriminação, pode impor condições para a entrada destes navios. A própria CNUDM, nos artigos 25º, nº 2 e 211º, nº 3, como já dito anteriormente, possibilitam ao Estado costeiro impor estas condições. Além desta Convenção, outros documentos internacionais fundamentam tal possibilidade, como, por exemplo, o artigo 5º, nº 3 da Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição Causada por Navios (MARPOL 73/78)64. Neste sentido, um Estado pode implementar unilateralmente a regra de apenas aceitar petroleiros que possuam casco duplo, por uma questão de segurança ambiental65. Ou ainda, podem proibir a entrada de determinadas embarcações que coloquem em risco o Estado do porto, como os navios com propulsão nuclear 66.                                                                                                                           61

Sobre a questão, afirma TASIKAS, Vasilios. The regime… Op. Cit. P. 25: “These international treaties do not recognize an absolute right of port entry. Even with the "port access" provisions noted in FCN treaties and GATT, States are not restricted from asserting their sovereign control over their ports”. 62 Sobre a questão, resume BRUGMANN, Gero. Access to... Op. Cit. P. 123: “A general right of access to maritime ports does not exist”. 63 Neste sentido, entre tantos outros, CHURCHILL, Robin Rolf; LOWE, Alan Vaughan. The law of... Op. Cit. P. 53; PARAMESWARAN, Benjamin. The Liberalization of Maritime Transport Services. Springer, Berlin-Heidelberg; 2004. P. 91; BRUGMANN, Gero. Access to... Op. Cit. P. 12; YANG, Haijiang; Jurisdiction of... Op. Cit. P. 52; Ou, como resume TASIKAS, Vasilios. The regime… Op. Cit. P. 44: “A State must follow the principle of non-discrimination when providing access to its maritime ports and denial of port entry must not be on an arbitrary basis”. 64 MARPOL 73/78. Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição Causada por Navios. Londres, 17 de Fevereiro de 1978. (versão brasileira promulgada através do Decreto nº 2.508 de 4 de março de 1998). Art. 5, nº 3: “Se uma Parte proibir a entrada de um navio estrangeiro em portos e terminais ao largo da costa sob a jurisdição [...] deverá disso dar ciência imediatamente ao Cônsul [...]”. 65 Sobre a questão, afirma BOYLE, Alan E. EU Unilateralism... Op. Cit. P. 24: “After the Exxon Valdez accident, the United States became the first to ban all single hull oil tankers from its ports without waiting for agreement in IMO. The most obvious argument in favour of the lawfulness of this response is that it falls within the customary jurisdiction of a port state to regulate matters affecting the peace and good order of the port because of the risk of accidents and consequential pollution”. 66 Sobre a questão destaca MARQUES, Elda Oliveira. A Navegação Marítima Internacional. Os Transportes Marítimos e a Segurança da Navegação. A Responsabilidade Civil pelos Danos Causados pelas Marés Negras (o caso do petroleiro Prestige em análise). In Jornadas do Mar– “O Mar: um Oceano de Oportunidades”. Coimbra, 2004. P. 47: Independentemente do problema geral, alguns Estados adoptam posições restritivas no que respeita ao acesso aos seus portos de navios com propulsão nuclear

 

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3. Conclusão Diante deste quadro geral pode-se chegar a algumas conclusões relativas à temática do acesso ao porto: a) não há direito geral de acesso ao porto ao abrigo do direito internacional consuetudinário. Assim, não é possível afirmar que exista um costume internacional universal, nem mesmo regional, que estabeleça o direito de acesso aos portos por embarcações estrangeiras. b) o direito de acesso ao porto, quando existe, é conferido pelo direito internacional convencional, legislação nacional ou autorização especial. Não obstante a falta de um direito consuetudinário e de uma convenção internacional universal, existem diversos tratados bilaterais e multilaterais que regulam o tema e instituem o direito de acesso aos portos por embarcações dos Estados signatários. c) os portos marítimos, na ausência de qualquer outra lei contrária, presumem-se abertos aos navios de bandeira estrangeira. A prática dos Estados, sobretudo em razão da necessidade de celeridade no comercio marítimo internacional, leva ao entendimento de que parte-se do princípio que os portos estão sempre abertos às nações amigas. Assim, para que se negue a entrada de uma embarcação estrangeira, existe a necessidade de efetiva negativa pela autoridade marítima competente fundamentada em legislação nacional ou internacional sobre o tema. d) um Estado pode fechar os seus portos marítimos, temporariamente, em casos que afetam os interesses vitais do Estado, como por razões de segurança ou a saúde pública. Este modo, em casos especiais, o Estado costeiro possui o direito de fechar um ou mais portos para proteger seus interesses. e) o Estado deve seguir o princípio da não discriminação no acesso aos seus portos marítimos e a recusa de entrada no porto não deve ser feita de forma arbitrária. Assim, mesmo não existindo um direito de acesso aos portos, o Estado tem o dever de não discriminar os navios estrangeiros em razão de qualquer característica como a nacionalidade, origem etc. f) um Estado pode impor condições de entrada no porto, desde que sejam razoáveis e não constituam um abuso deste direito. A imposição de condições para o acesso de embarcações estrangeira em seus portos é possível e até usual na sociedade internacional, sobretudo para proteção do ambiente marinho.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     ou transportando substâncias radioactivas e podemos deduzir que não existe, para estes navios, qualquer direito de acesso aos portos.

 

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