ZAQUEEIROS - PESCANDO MEMÓRIAS, PRATICANDO EDUCAÇÃO PATRIMONIAL E CONTRIBUINDO NA SALVAGUARDA DO PATRIMÔNIO CULTURAL ZAQUEEIRO

June 13, 2017 | Autor: Wangles Silva | Categoria: Education, Patrimonio Cultural
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ZAQUEEIROS - PESCANDO MEMÓRIAS, PRATICANDO EDUCAÇÃO PATRIMONIAL E CONTRIBUINDO NA SALVAGUARDA DO PATRIMÔNIO CULTURAL ZAQUEEIRO

SILVA, WANGLES 1. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. DAT/EAD. Polo Universitário UAB/CEDERJ SG, Rua Visconde de Itaúna s/nº, Gradim – São Gonçalo, RJ. [email protected]

RESUMO O presente trabalho pretende apresentar as experiências construídas no processo de ensino-aprendizagem estabelecido ao longo das oficinas do projeto Laboratório Sankofa de Educação Patrimonial desenvolvido na Escola Municipalizada Barra de Zacarias no município de Maricá/RJ. A E.M. Barra de Zacarias está localizada na Restinga de Maricá, uma área de proteção ambiental que possui mais de 200 anos de história ainda latente em seus descendentes Zaqueeiros, provenientes da miscigenação entre índios tupinambás e franceses. A localidade vem enfrenando ao longo dos anos uma disputa territorial e cultural, sendo alvo do interesse de grandes intervenções comerciais, como a implantação de um resort. Diante disso vemos uma significativa contribuição de tal prática para a salvaguarda do patrimônio cultural de tal região. É também abordado neste trabalho a intima relação entre o homem e o meio ambiente, elementos presentes nas atuais interpretações sobre patrimônio cultural, sendo uma das bases desta reflexão a noção de paisagem cultural.

Palavras-chave: Educação Patrimonial; Zaqueeiros; Restinga de Maricá; Paisagem cultural; Educação Ambiental.

O presente trabalho irá abordar uma reflexão sobre o projeto Laboratório Sankofa de Educação Patrimonial realizado no ano letivo de 2014 na Escola Municipalizada Barra de Zacarias, no município de Maricá, no estado do Rio de Janeiro. A criação e desenvolvimento deste projeto parte do desejo de experimentar na prática os conhecimentos construídos ao longo de minha graduação de Licenciatura Plena em Turismo na Universidade Federal Rural Do Rio de Janeiro utilizando-me das propostas de educação patrimonial elaboradas nos últimos semestres. Para isso, utilizei-me da oportunidade de atuação em escolas públicas via processo seletivo para Educador da Prefeitura Municipal de Maricá no ano de 2013. Apresentei para este processo seletivo uma proposta de educação patrimonial baseado em atividades lúdicas focando na participação ativa do educando, propondo a identificação e revalorização do patrimônio cultural da comunidade do entorno da unidade escola, partindo do trabalho de memória, afetividade e identidade. É importante destacar que a Educação Patrimonial não fazia parte dos requisitos deste processo seletivo que fora voltado para artes e recreação, sendo esta uma iniciativa de minha autoria que vai além das funções contempladas pelo presente edital. Aprovado neste processo seletivo foi então desenvolvido o projeto piloto no segundo semestre do ano letivo de 2013 em duas escolas rurais do município: Escola Municipalizada do Espraiado, localizada no Bairro do Espraiado, e Escola Municipalizada João Pedro Machado, localizada no Bairro de Manoel Ribeiro. Foram trabalhadas nestas escolas as noções básicas de educação patrimonial focando o embasamento dos alunos para a sensibilização e valorização de seu patrimônio cultural, formado por bens históricos e naturais. Desta experiência foi produzido um vídeo onde os alunos reproduziam os conhecimentos adquiridos ao decorrer das aulas/oficinas1. No início do ano letivo de 2014 foi convidado a desenvolver as minhas atividades de educação patrimonial na Escola Municipalizada Barra de Zacarias, uma escola pioneira na educação integral no município que há muitos anos vem desenvolvendo um processo educacional e pedagógico diferenciado que, busca integrar a afetividade, a cultural local, a participação da comunidade, dentre outros elementos que a direcionam para a noção de escola integral adotada pela mesma. Lecionei na E.M. Barra de Zacarias por meio do Edital somente no início do seu primeiro semestre quando tive de desligar-me do contrato para então ingressar na Pós-Graduação Lato Sensu em Preservação e Gestão do Patrimônio Cultural das Ciências e da Saúde da FIOCRUZ, onde dei início a minha pesquisa de Educação Patrimonial em

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Museus de Ciências que está em andamento. A partir deste período continuei lecionando como voluntário nesta unidade escolar, sendo para isso redefinido o projeto que ganhou o nome de Laboratório Sankofa de Educação Patrimonial, e que fora inspirado no contexto do projeto Sankofa que trabalhara a história local para fins da comemoração de 200 anos de emancipação política de Maricá. Este fora o período mais fértil do projeto, onde nos apresentamos no desfile da cidade e demos inicio a produção de nosso documentário. No final do ano conseguimos incluir nossa escola no Programa Mais Educação, conseguindo maiores contribuições para se mantiver o projeto. A E.M. Barra de Zacarias está localizada na Barra de Maricá, próximo à Restinga, uma das Áreas de Proteção Ambiental da cidade. Grande parte dos seus alunos é proveniente da Vila de Pescadores de Zacarias e bairros vizinhos. A restinga de Maricá é composta por extensos campos de dunas, brejos, praias de mar e de laguna e faixa marginal de laguna (MANO, 2010). Possui uma grande diversidade biológica tendo destaque para espécies de fauna e flora endêmicas, estando algumas delas ameaçadas de extinção. Além deste coletivo de bens naturais a localidade também apresenta um legado cultural secular proveniente de sua comunidade, que tem seus membros denominados zaqueeiros. Segundo Fátima Mano (2010), os zaqueeiros são resultado da miscigenação entre franceses e índios tupinambás. Contam as lendas reproduzidas pelos antigos pescadores do local, que os Tupinambás cansados da luta, abrigaram-se na restinga para manter seu modo de vida. Visitados por navegadores franceses, promoveu-se o intercâmbio cultural e étnico. Assim, permanecendo até à proclamação da República, no final do século XIX (MAN0, 2010, p. 25).

Outros elementos que reforçam esta hipótese são os costumes e características físicas destes zaqueeiros, assim como destaca MANO: Observando a Comunidade de Zacarias, seus hábitos e costumes, percebemos em seu prato típico: peixe com pirão de banana, um pouco das raízes tupinambás. O que é reafirmado em seu modo de pesca e na paixão pela dança, sua alegria tímida que contrasta com sua garra em defender seu lugar e seu modo de vida. Seu tipo físico acirra a presença desta mistura, a pele levemente amorenada, olhos claros, estrutura mediana (MANO, 2010, p.25).

Ao longo das últimas décadas a Restinga de Maricá vem sendo alvo de propostas de alguns empreendimentos de grande porte, como a construção de um resort que é um dos temas mais recentes em pauta. Estes são elementos que estimularam a prática da Educação

Patrimonial nesta localidade, a fim de permitir um conhecimento que permita a mesma traçar seus caminhos futuros sem perder seu legado cultural que lhe dá identidade. Antes de apresentarmos os conceitos de Educação Patrimonial adotados para este trabalho se faz necessária a apresentação do conceito de Patrimônio cultural aqui adotado e elemento fundamental para a referida prática. A noção de patrimônio surge na sociedade antiga grega e está presente em nosso vocabulário até os dias de hoje. Segundo o dicionário Aurélio a etimologia da palavra patrimônio pode ser considerada como: Bem, ou conjunto de bens culturais ou naturais, de valor reconhecido para determinada localidade, região, país, ou para a humanidade, e que, ao se tornar(em) protegido(s), como, p. ex., pelo tombamento, deve(m) ser preservado(s) para o usufruto de todos os cidadãos (FERREIRA, 1999).

Segundo José Reginaldo Santos Gonçalves (2009), a palavra patrimônio está entre as mais utilizadas em nosso vocabulário cotidiano. Utilizamos esta palavra associada ao contexto econômico, histórico, artístico e cultural, logo ela estabelece dimensões distintas. Diante disso, no presente projeto iremos aborda a dimensão do patrimônio cultural das ciências. Para isso iremos analisar alguns documentos que dão base a esta categoria de patrimônio cultural. Em um contexto mundial, os bens culturais estão protegidos pela Convenção sobre a Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural. Esta convenção foi aprovada pela Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), em sua décima sétima reunião em Paris, em 16 de novembro de 1972. O Brasil aderiu à Convenção em 12 de dezembro de 1977, pelo decreto 80.978. Para os fins da convenção são considerados patrimônio cultural: PATRIMÔNIO CULTURAL – CONVENÇÃO SOBRE A PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL E NATURAL (UNESCO) - monumentos: obras arquitetônicas, de escultura e pintura ou de pintura monumentais, elementos ou estruturas de natureza arqueológica, inscrições, cavernas e grupos de 7º SEMINÁRIO MESTRES E CONSELHEIROS: AGENTES MULTIPLICADORES DO PATRIMÔNIO Belo Horizonte, de 10 a 12 de junho de 2015

elementos, que tenham um valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência;

- conjuntos: grupos de construções isoladas ou reunidas que, em virtude de sua arquitetura, unidade ou integração na paisagem, tenham um valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência;

- lugares notáveis: obras do homem ou obras conjugadas do homem e da natureza, bem como as zonas, inclusive lugares arqueológicos, que tenham valor universal excepcional do ponto de vista histórico, estético, etnológico ou antropológico. Quadro 1 – Patrimônio Cultural (UNESCO, 1972, apoud SILVA 2015).

No Brasil a Constituição Federal de 1988 em seu art. 216 (BRASIL, 1988), constitui patrimônio cultural brasileiro como: [...]os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. Podem ser formas de expressão: os modos de criar, fazer e viver; as criações científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artísticas e culturais; os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico (BRASIL, 1988 apud GRANATO, p.80).

Vemos atualmente que o número de publicações científicas, e até mesmo não científicas, sobre Educação Patrimonial vem crescendo a cada ano. Grande parte destes trabalhos aborda-na em contexto com as escolas, com foco na visitação a bens culturais. Temos como destaque das produções mais significativas recentemente a inclusão da Educação Patrimonial no Programa Mais Educação e seu caderno temático para orientações sobre tais oficinas e, a publicação “Educação Patrimonial: Histórico, conceitos e processos”, lançada no inicio de 2014 pelo IPHAN. Nunca se ouviu falar tanto em sobre Educação Patrimonial, mas sua existência no Brasil já possui um processo histórico significativo que vem constantemente sendo construído. Podemos mencionar como um dos marcos neste processo histórico da Educação patrimonial no Brasil o 1º Seminário sobre o Uso Educacional de Museus e Monumentos, no Museu Imperial de Petrópolis, no estado do Rio de Janeiro em

1983. A importância deste evento se dá por ter sido um importante espaço de discussão e consolidação conceitual do termo, contribuindo para o estimulo de ações efetivamente de Educação Patrimonial no país. Após o citado evento a Educação Patrimonial se tornou uma das pautas mais presentes no IPHAN, nos Museus e entre pesquisadores do patrimônio cultural. Um dos produtos desta demanda de trabalhos acerca deste tema foi a publicação do Guia Básico de Educação Patrimonial. Com base nesta publicação, também considerada um marco nesta temática, podemos considerar a Educação Patrimonial como um processo permanente e sistemático de trabalho educacional centrado no Patrimônio Cultural como fonte primária de conhecimento individual e coletivo. A partir da experiência e do contato direto com as evidências e manifestações da cultura, em todos os seus múltiplos aspectos, sentidos e significados, o trabalho de Educação Patrimonial busca levar as crianças e adultos a um processo ativo de conhecimento, apropriação e valorização de sua herança cultural, capacitando-os para um melhor usufruto desses bens, e propiciando a geração e a produção de novos conhecimentos, num processo contínuo de criação cultural (HORTA; GRUMBERG; MONTEIRO, 1999, p. 06).

Segundo Azevedo, a Educação Patrimonial é “a educação voltada para questões relativas ao patrimônio cultural em todas as suas dimensões: a natural ou ecológica, a histórico-artística e a documental” (2010, p. 303). A Educação Patrimonial é um processo de ensino-aprendizagem feito através do patrimônio e a relação sujeito-patrimônio, podendo ter diversas abordagens. É entendida como uma forma de mediação e apropriação do patrimônio cultural e natural, possibilitando a interpretação dos bens culturais, tornando-se um instrumento importante de promoção e vivência da identidade cultural de dado grupo. Consequentemente, tal prática está ligada ao afeto, contribuindo na reconstrução de identidade e de pertencimento ao seu patrimônio cultural ao qual está inserido, contribuindo para sua valorização, promoção e salvaguarda. Podemos considerar como possível de se aplicar a metodologia da Educação Patrimonial em [...] qualquer evidência material ou manifestação cultural, seja um objeto ou conjunto de bens, um monumento ou um sítio histórico ou arqueológico, uma paisagem natural, um parque ou uma área de proteção ambiental, um centro histórico urbano ou uma comunidade da área rural, uma manifestação popular de caráter folclórico ou ritual, um processo de produção industrial ou artesanal, tecnologias e saberes populares, e qualquer outra expressão resultante da relação entre indivíduos e seu meio ambiente (HORTA; GRUNBERG; MONTEIRO, 1999, p. 6). 7º SEMINÁRIO MESTRES E CONSELHEIROS: AGENTES MULTIPLICADORES DO PATRIMÔNIO Belo Horizonte, de 10 a 12 de junho de 2015

As contribuições da Educação Patrimonial são reforçadas ao considerarmos a sua interdisciplinaridade, como podemos identificar na citação de Ricardo Oriá a seguir: A educação patrimonial nada mais é do que uma proposta interdisciplinar de ensino voltada para questões atinentes ao patrimônio cultural. Compreende desde a inclusão, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, de temáticas ou de conteúdos programáticos que versem sobre o conhecimento e a conservação do patrimônio histórico, até a realização de cursos de aperfeiçoamento e extensão para os educadores e a comunidade em geral, a fim de lhes propiciar informações acerca do acervo cultural, de forma a habilitá-los a despertar, nos educandos e na sociedade, o senso de preservação da memória histórica e o consequente interesse pelo tema (ORIÁ, 2005).

A Educação Patrimonial abarca possibilidades que ao serem praticadas em diversos lugares e contextos assumem formas de ações diferenciadas. Assim como a própria noção de patrimônio é um conceito de dimensões distintas, a Educação Patrimonial não é diferente. Não existe uma formula estática de ação, mas uma ideia constante de adaptação para que se atinjam seus objetivos centrais, dentre eles o de educação através do patrimônio cultural.

O conceito de Sankofa tem sua etimologia nas palavras Sanko que significa voltar e Fa que significa buscar/trazer. Origina-se de um provérbio tradicional entre os povos de língua Akan da África Ocidental, em Gana, Togo e Costa do Marfim. “Se wo were fi na wosan kofa a yenki” é o referido provérbio que pode ser traduzido por não é tabu voltar atrás e buscar o que esqueceu (SANKOFA - Revista de História da África e de Estudos da Diáspora Africana/Núcleo de Estudos de África, 2013). Sua utilização neste projeto apresenta-se como um dos guias que representa nossas referências e prática da educação patrimonial nesta escola, buscando restabelecer conexões com as suas raízes da localidade, retomando e revalorizando a memória para inferir no presente e futuro e dar continuidade na escrita da história dessa comunidade de forma continuada ao seu patrimônio cultural. A E.M. Barra de Zacarias ao longo dos últimos anos vem desenvolvendo diversas ações de valorização da cultura local ao qual está inserida. São atividades que abordam as edificações antigas, a fauna e flora da região, as festividades como o carnaval, dentre outras. Este contexto foi de fato de grande contribuição para a prática deste projeto, pois já estabeleceu uma relação para com a restinga.

Buscou-se neste projeto uma relação intima com a Educação Ambiental onde não se direcionou somente em valorizar o patrimônio de forma separada, mas em um coletivo que se apresenta a relação da restinga com todos os seus bens naturais, numa concepção de meio ambiente, com a comunidade que ali vive há mais de duzentos anos, como afirma Fátima Mano (2010): Este ambiente abriga a Comunidade Pesqueira de Zacarias há mais de 200 anos, que, secularmente, se utiliza de frutos, sementes, caules e folhas da restinga, seja em sua culinária, como fitoterápicos, no artesanato ou na confecção das canoas e remos (Mano, 2010, p. 15). Diante disso, ao analisarmos a definição de Paisagem cultural, percebemos o possível estabelecimento de uma paisagem cultural na Restinga de Maricá. Segundo a UNESCO, as principais definições aplicadas às paisagens culturais são: São bens culturais e representam as obras combinadas do homem e da natureza; São ilustrativas da evolução da sociedade humana ao longo do tempo, sob a influência das limitações físicas e/ou oportunidades apresentadas pelo seu ambiente natural e das sucessivas forças sociais, econômicas e culturais, externas e internas; Refletem comumente as técnicas vaiáveis de utilização das terras, tomando em consideração as características e limites do ambiente natural no qual estão inseridas, assim como uma relação espiritual especificas com a natureza; Devem ser escolhidas com base em seu valor universal excepcional e em sua representatividade em sua região geocultural a que pertencem, tendo em vista sua capacidade de ilustrar os elementos culturais essenciais e distintos desta região (UNESCO apoud INSTITUTO ESTADUAL DO PATRIMÔNIO CULTURAL, 2014, p.54). Observamos esta relação com o meio ambiente fortemente presente com a identidade do ser zaqueeiro, sendo relatado inclusive em trabalhos acadêmicos como no livro Gente das Areias publicado pela editora EdUFF em 2004. Ao dar nome às espécies vegetais e animais que povoam o mundo, tal como ele existe para o seu modo de vida, os habitantes de Zacarias qualificam-nas como partícipes de sua existência social. São sua plantas e seus bichos. E, como tais, não os (re)conhecem como seres, ou grupos de seres, isolados (MELLO;VOGEL, 2004, p.245).

Neste mesmo livro são apresentadas outras passagens que destacam a presença da restinga no cotidiano da comunidade, seja compondo seus canteiros ou espaços de convivência social. Porém mesmo com esta forte conexão com a comunidade a restinga ainda corre perigos diante as transformações sociais, em especial expansão imobiliária e urbanização. Na Restinga de Maricá existem espécies endêmicas que correm perigo de extinção. Segundo o Decreto Estadual das Restingas, dos dez tipos botânicos endêmicos que se encontram em perigo de extinção, podemos encontrar sete na Restinga de Maricá (Mano, 2010, p. 15). 7º SEMINÁRIO MESTRES E CONSELHEIROS: AGENTES MULTIPLICADORES DO PATRIMÔNIO Belo Horizonte, de 10 a 12 de junho de 2015

Pretendia-se através deste projeto desenvolver nos alunos e comunidade escolar uma revalorização e reidentificação para com todo o complexo cultural que emana da restinga, contribuindo na formação de indivíduos mais críticos e ativos socialmente visando uma apropriação e usos de seu patrimônio cultural de formas mais sustentáveis. Conforme Horta, Grunberg e Monteiro (1999, p. 6), O conhecimento crítico e a apropriação consciente pelas comunidades do seu patrimônio são fatores indispensáveis no processo de preservação sustentável desses bens culturais, assim como no fortalecimento dos sentimentos de identidade e cidadania. A Educação Patrimonial é um instrumento de “alfabetização cultural” que possibilita ao indivíduo fazer a leitura do mundo que o rodeia, levando-o à compreensão do universo sociocultural e da trajetória históricotemporal em que está inserido. Este processo leva ao reforço da autoestima dos indivíduos e comunidades e à valorização da cultura brasileira compreendida como múltipla e plural (HORTA; GRUNBERG; MONTEIRO, 1999, p. 6).

O projeto Laboratório Sankofa de Educação Patrimonial foi desenvolvido com foco em uma metodologia lúdica, com atividades elaboradas para o projeto que se possibilita ampliar o interesse e participação do educando que, era estimulado a se pôr como protagonista do processo e atividades estabelecendo um processo de ensino aprendizagem baseado no conhecimento, memória, afetividade e revalorização do patrimônio cultural. Optou-se por esta metodologia, pois consideramos o brincar uma das caracteristicas inerente aos seres humanos, sendo possível a construção de conhecimentos por meio de tais atividades que geram um maior interesse e desfrutação aos indivíduos. Podemos destacar como algumas das atividades a reinterpretação de músicas da MPB em versões em cup song, uma prática popular em que se produz ritmo musical com as batidas do copo. Outra reinterpretação feita com o cup song foi com o hino da cidade, o “Luar de Maricá”. Esta versão do hino se tornou uma das atividades mais comuns durante as nossas oficinas, propocionando diversas apresentações como no desfile de aniversário dos 200 anos de emancipação política de Maricá. Outra atividade que também gerou resultados significativos foi a caça ao tessouro nas dunas da restinga. Nesta atividade foram escondidos ao longo das dunas envelopes como perguntas sobre o patrimônio cultural zaqueeiro/restinga e, os alunos divididos em grupos deveriam buscar-los com ajuda das coordenadas de localização destes envelopes localizados por meio da utilização de uma búsula. Também se

buscou elaborar atividades expossitórias como a exposição “Memória, Identidade e afetividade” composta por desenhos dos alunos que serviam de registro de suas principais memórias referente à família. Tal exposição foi realizada durante um dos principais eventos desta unidade escolar, a Festa da Familia. Ao termino com o ano letivo de 2014 foi finalizado o um dos principais produtos deste projeto, o documentário “Zaqueeiros - Pescando Memórias”2, que fora produzido ao longo das oficinas com a participação principal dos alunos do 4º e 5º ano do ensino fundamental da E.M. Barradde Zacarias.

Este documentário buscou colocar em prática os conhecimentos

construídos em sala, e nas demais atividades, por meio de um trabalho de campo na localidade estudada. Visitamos alguns moradores e desfrutamos de rodas de experiências onde os zaqueeiros nos contavam um pouco de sua história, seus saberes e fazeres e outros elementos formadores de sua identidade cultural por meio da narrativa da história oral. Por meio destas rodas aprendemos um pouco mais sobre o ofício de pescador, sobre o artesanato e culinária, dentre outros elementos abordados comitantemente. Sabermos que o ambiente escolar, assim como toda a sociedade, é heterogêneo. Neste espaço podemos encontrar uma grande diversidade cultural, física, intelectual, dentre outras variáveis. Neste universo, tive alguns alunos que apresentavam necessidades especiais, gostaria de fazer destaque entre estes alunos: o David e o Luan. O aluno David encontrava-se no quarto ano, turma Estrela, e possui uma deficiência que gera limitações ao aprendizado. Quando iniciei minha prática na escola fui relatado sobre o histórico dos alunos com necessidades especiais, mas fui surpreendido pelos resultados apresentados por este aluno em minhas aulas. Mesmo com sua limitação de aprendizagem o aluno apresentava uma construção de conhecimento significativa, dialogando sobre o assunto e apresentando reflexões e fazendo ligação com temas abordados nas aulas anteriores. É importante destacar que o aluno não podia participar de todas as aulas, pois a atividade coinsidia com os horários das atividades ligadas ao seu acompanhamento pela sala de recursos, mas mesmo assim o aluno atingia aos objetivos propostos e se fazia um dos destaques em sua turma durante as minhas aulas. O aluno Luan é autista e encontrava-se no quinto ano, turma Gaya. Ao longo das aulas também me surpreendeu em sua participação, demonstrando interesse pela temática e atividades, participando de todas as atividades que lhe foram propostas em sala ou para casa

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e apresentando questionamentos e reflexões acerca dos assuntos abordados. Uma exemplificação desta sua participação está registrada em uma de suas falas no documentário “Zaqueeiros – Pescando Memórias”. Ambos os alunos tiveram uma participação e avaliação satisfatória para com os objetivos traçados para o projeto. Talvez seja apenas uma coincidência ou principalmente resultado do longo processo do trabalho realizado junto destes alunos por suas equipes de apoio e escola, pois ambos apresentaram evoluções significativas em seu processo de aprendizagem como um todo. Porém o que gostaria de destacar é que, independente disso, a Educação Patrimonial é um espaço de inclusão dos mais diversos indivíduos, pois se baseia nas experiências trazidas por estes sujeitos objetivando em um processo construído coletivamente partindo de sua individualidade a fim de se estabelecer o diálogo sujeito-patrimônio, contribuindo no processo de salvaguarda de tais bens. Ao longo do processo e após a finalização do documentário foi possível avaliar uma mudança de olhar e valorização do patrimônio cultural como um todo, em especial o da localidade de Zacarias, entorno da escola. Porém este fato não foi apenas apresentado nos alunos, mas consequentemente em suas famílias e nos zaqueeiros que participaram da produção percebendo a valorização de sua cultura gerando uma reidentificação com a mesma.

Conclusão Ao desenvolver o Projeto Laboratório Sankofa de Educação Patrimonial junto a E.M. Barra de Zacarias foi possível observar o quanto pode ser rico este processo educacional pelo e para o patrimônio cultural. Para tais práticas é necessário um embasamento a cerca do conceito e metodologia, porém existe um universo de possibilidades e experimentações a cerca da prática da Educação Patrimonial. Acreditamos que o lúdico deve está presente nestas práticas, pois é um dos melhores caminhos para que se possa atingir ao grupo trabalhos, em especial as crianças, já estabelecendo um olhar diferenciado ao abordar tal temática, não sendo somente transferidos conhecimentos que podem ser considerados dos outros, mas tendo o aluno como sujeito ativo deste processo de ensino-aprendizagem buscando estabelecer a herança deste legado cultural por meio da identidade e apropriação. Acreditamos que ainda há muito que ser feito em relação a educação patrimonial na região abordada, ainda mais ao considerarmos esta como um processo contínuo como cita Horta, Grunberg e Monteiro. Porém vemos a possível contribuição deste processo por meio do público atendido, estimulando assim a continuação e desenvolvimentos de projetos desta

abordagem na região, contribuindo assim para a salvaguarda do patrimônio cultural zaqueeiro.

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