A confiança legítima (ao contrário da decadência administrativa) se manifesta quando o interessado tiver fundadas razões para crer na existência de uma atuação compatível com a lei, ainda que esse comportamento administrativo compreenda um ato meramente material ou executório

July 18, 2017 | Autor: Ricardo Perlingeiro | Categoria: Direito Constitucional, Direito Administrativo, Servidores
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APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO

Nº CNJ RELATOR APELANTE ADVOGADO APELANTE APELADO REMETENTE ORIGEM

2010.51.01.000662-2

: 0000662-43.2010.4.02.5101 : DESEMBARGADOR FEDERAL RICARDO PERLINGEIRO : IRIO DORIA E OUTROS : MARCO ANTONIO NOEL GALLICCHIO E OUTROS : UNIAO FEDERAL : OS MESMOS : JUIZO FEDERAL DA 08ª VARA-RJ : 08ª VARA FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (201051010006622) RELATÓRIO

Cuida-se, na origem, de ação ordinária com pedido de antecipação de tutela ajuizada por IORIO DORIA E OUTROS em face da UNIÃO FEDERAL, objetivando a manutenção do pagamento da parcela URPfev/89, a não incidência de descontos em seus proventos a título de reposição ao erário, bem como a restituição dos valores descontados. Os demandantes, servidores públicos aposentados vinculados à Marinha do Brasil, alegam que por força de acórdão proferido nos autos da Reclamação Trabalhista nº 02685.1990.09.01.00-6, obtiverem o direito à incorporação em seus proventos da URP de fevereiro de 1989 (26,05%) de forma permanente. Aduzem que desde o trânsito em julgado do referido acórdão em março de 1994 vinham recebendo tal parcela sem qualquer oposição da União Federal. No entanto, em setembro de 2009 foram comunicados a respeito da exclusão da mencionada rubrica de seus proventos, bem como da necessidade de restituírem ao erário todo o montante supostamente recebido de forma irregular, consoante determinação exarada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) ao analisar os atos de concessão de aposentadoria aos interessados. Afirmam incidir, na espécie, a decadência administrativa tal como prevista no art. 54 da Lei 9.784/99, uma vez que a Administração somente manifestou-se quanto à suposta ilegalidade da vantagem em referência mais de quinze anos após a efetivação de seu primeiro

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pagamento, não se permitindo, portanto, que possa anulá-la ou cobrar quaisquer valores recebidos a tal título. Sustentam, ainda, que a natureza alimentar da verba em comento, somada à sua boa-fé, afastam a obrigatoriedade de devolução de quaisquer quantias, impedindo, consequentemente, a incidência de descontos em seus contracheques. A decisão de fls. 64-65 deferiu parcialmente a antecipação dos efeitos da tutela, tão somente para obstar a realização de descontos nos proventos dos demandantes. Irresignada, a União Federal interpôs o Agravo de Instrumento nº 2010.02.01.006452-8 (fls. 70-80), ao qual foi negado provimento (fls. 138-145). Contestação às fls. 81-105, na qual sustentou-se, inicialmente, a inaplicabilidade de decadência administrativa a ato manifestamente nulo. Destacou-se, ainda, a possibilidade de incidência de descontos em folha de pagamento, eis que expressamente autorizada pelo art. 46 da Lei 8.112/90. Réplica apresentada às fls. 131-136. Posteriormente, a sentença de fls. 147-151 julgou parcialmente procedente o pedido, consignando, inicialmente, a não prevalência de coisa julgada trabalhista após a transferência dos demandantes do regime celetista para o regime único. Afastou, ainda, a possibilidade de reconhecimento de decadência administrativa, uma vez que o respectivo prazo quinquenal somente teria sua contagem iniciada após a manifestação do TCU quanto a legalidade da aposentadoria concedida aos interessado. No que concerne à reposição ao erário, entendeu-a indevida, tendo em vista a boa-fé dos ex-servidores quando do recebimento do valores ora impugnados. Transcrevo, por oportuno, seu dispositivo: Do exposto, com fulcro no art. 269, I, do CPC, RATIFICO A DECISÃO QUE ANTECIPOU PARCIALMENTE OS EFEITOS DA TUTELA E JULGO: IMPROCEDENTES os pedidos de restabelecimento da vantagem referente a URP de fevereiro de 1989, no percentual de 26,05%, nos proventos dos Autores e de restituição de parcelas descontadas a título de reposição ao Erário relativa a

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esse percentual; PROCEDENTE O PEDIDO concernente à reposição ao Erário, para determinar que a Ré deixe de descontar em folha dos autores, a título de reposição ao erário, as quantias relativas à parcela suprimida pela decisão do TCU. Custas rateadas pela metade. Honorários advocatícios compensados em face da sucumbência recíproca. Os demandantes interpuseram o recurso de apelação de fls. 153170, no qual pugnam pelo reconhecimento da decadência administrativa de sorte a possibilitar a manutenção do pagamento da URP- fev 89, reiterando, para tanto, os fundamentos aduzidos na inicial. Em reforço, sustentam ter adquirido o direito à percepção de tal parcela por meio de decisão judicial transitada em julgado, não se afigurando possível, portanto, a pretensão administrativa de suprimi-la de seus proventos. Recurso de Apelação da União Federal (fls. 194/202), afirmando não haver nos autos comprovação de que os valores ora discutidos foram recebidos de boa-fé, tampouco que o pagamento indevido tenha se originado de errônea interpretação da lei pela Administração Pública. Destaca que a dispensa de reposição ao erário importa em permitir que os demandantes se locupletem ilicitamente em detrimento das finanças públicas. Contrarrazões dos demandantes e da União Federal, respectivamente, às fls. 174-193 e 207-216. O Ministério Público Federal manifestou-se pela ausência de interesse público a ensejar sua intervenção no feito (fls. 221-222). É o relatório. Peço dia para julgamento.

RICARDO PERLINGEIRO Desembargador Federal VOTO

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O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL RICARDO PERLINGEIRO: (RELATOR) Consoante relatado, cuida-se de remessa necessária e recursos de apelação interpostos pela União Federal e por Iorio Doria e outros contra sentença proferida nos autos de ação ordinária, que julgou parcialmente procedente o pedido, tão somente para determinar o cancelamento de quaisquer descontos efetuados nos proventos dos demandantes. Inicialmente, exercendo o duplo juízo de admissibilidade recursal, confirmo a tempestividade e conheço dos recursos de apelação interpostos. No caso em tela, insurgem-se os demandantes contra ato da Administração Pública, que em cumprimento de ordem exarada pelo Tribunal da Contas de União (TCU), excluiu de seus proventos a URPfev/89 e determinou a reposição ao erário de todo o montante supostamente recebido de forma indevida a tal título. Em suas razões recursais, pugnam os interessados pelo reconhecimento da decadência administrativa, uma vez que à época em que notificados a respeito da irregularidade apontada pelo TCU já vinham percebendo a referida parcela há mais de quinze anos. Aduzem, ainda, que tal vantagem lhes foi concedida por decisão judicial definitiva proferida na Reclamação Trabalhista nº 02685.1990.09.01.00-6, de forma que a supressão da URP-fev 89 de seus contracheques importaria em violação à coisa julgada. A União Federal, por sua vez, pretende ver reconhecido o seu direito a efetivar descontos em folha de pagamento dos demandantes, argumentado que verificada a existência de pagamento irregular, exsurge para quem dele se beneficiou o dever de restituir o que fora recebido, evitando-se, assim, o enriquecimento sem causa em prejuízo aos cofres públicos. A princípio, cumpre ressaltar que, consoante reiterada jurisprudência do E. Superior Tribunal Justiça (STJ), na hipótese de mudança do regime celetista para o estatutário não prevalece a coisa julgada trabalhista anterior, que terá como limite temporal de eficácia a data de ingresso do servidor na sistemática da Lei 8.112/90. De tal sorte, não há falar em violação de coisa julgada no contexto da exclusão da URP-

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fev 89 dos proventos dos interessados, a despeito de sua concessão ter ocorrido por meio de decisão definitiva da Justiça do Trabalho. Confira-se: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. SENTENÇA TRABALHISTA. ÍNDICES DE 26,05% (URP DE FEVEREIRO DE 1989) E DE 26,06% (IPC DE JUNHO DE 1987). EXCLUSÃO. POSSIBILIDADE. OFENSA À COISA JULGADA. NÃO OCORRÊNCIA. LEI 8.112/1990. ALTERAÇÃO DE SITUAÇÃO JURÍDICA. 1. A jurisprudência deste Corte é pacífica no sentido de que, a partir da transposição da parte autora do regime celetista de trabalho para o estatutário, não há mais falar em respeito à sentença trabalhista com trânsito em julgado, pois os efeitos da referida sentença têm por limite temporal a Lei 8.112/1990. Dentre outros precedentes: AgRg no REsp 1325165/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 27/09/2013. 2. Agravo regimental não provido. (STJ, 1ª Turma, AGRESP - 1.321.357, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJE 20.06.2014) -grifo nosso. PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. URP DE FEVEREIRO DE 1989. CELETISTA. TRANSPOSIÇÃO PARA REGIME ESTATUTÁRIO. REENQUADRAMENTO FUNCIONAL. LIMITE TEMPORAL. LEI 8.112/1990. ALTERAÇÃO DE SITUAÇÃO JURÍDICA. 1. Não há ofensa ao art. 535 do CPC quando o Tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão colocada nos autos. 2. A jurisprudência deste Corte é pacífica no sentido de que, a partir da transposição da parte autora do regime

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celetista de trabalho para o estatutário, não há mais falar em respeito à sentença trabalhista com trânsito em julgado, pois os efeitos da referida sentença têm por limite temporal a Lei n. 8.112/90. (STJ, 1ª Turma, AGRESP 1.283.161, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJE 09.04.2014). Decadência Em relação à apontada manifestação de decadência administrativa, impõe analisar, primeiramente, as hipóteses nas quais torna-se possível a aplicação de tal instituto. Com efeito, relaciona-se a decadência ao princípio da segurança jurídica em sua vertente objetiva, de forma a estabelecer limites à retroatividade dos atos do Estado dentro de certo lapso temporal. No direito administrativo francês, preceitua-se que, havendo modificação de uma situação estabilizada, porém ilegal, a Administração deve conciliar a segurança jurídica com a “obrigação de restabelecer uma situação conforme o direito” e, assim, a decisão administrativa constitutiva de “direitos” contra legem pode ser desfeita, mas desde que dentro de um prazo. Em âmbito nacional, contrariando parcialmente os dizeres da Súmula nº 473 do Supremo Tribunal Federal (“A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos…”), a Lei nº 9.784/99 incorporou em seu art. 54 a aludida matriz objetiva francesa da segurança jurídica, dispondo que a ausência de má-fé – que equivale à ausência de dolo –, associada ao decurso de um prazo quinquenal, justificam a convalidação de atos com efeitos favoráveis que sejam contrários à lei. Ocorre que, a decadência não se aplica a qualquer comportamento que não se caracterize como uma atuação, isto é, comportamentos da Administração que digam respeito ao campo do direito privado ou que impliquem atos materiais ou meramente executórios de decisões ou atos administrativos, tal como o pagamento de um benefício. Na espécie, constata-se que a rubrica URP-fev/89 foi implantada nos contracheques dos interessados em função de ordem judicial, de sorte que não haveria propriamente um ato oriundo da Administração no sentido

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de conceder-lhes tal vantagem, e sim mera execução de uma determinação do Poder Judiciário. Ademais, a parcela em questão possui natureza essencialmente transitória, não se confundindo com uma gratificação, de sorte que reconhecer a decadência no presente caso importaria em prolongar-lhe o pagamento de forma indefinida, permitindo a sua vinculação perpétua às remunerações dos demandantes. Assim, a hipótese seria de prescrição de crédito da Fazenda Pública, e não de decadência, nos termos do art. 1º do Decreto 20.910/32: As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem. Por conseguinte, estaria a Administração Pública impedida tão somente de exigir dos servidores valores pagos anteriormente ao quinquênio que precedeu a data na qual foram notificados a respeito da irregularidade da rubrica em comento. Confiança Legítima Contudo, em que pese a argumentação até então esposada acerca da inexistência de violação à coisa julgada e de não incidência de prazo decadencial, entendo que a obrigatoriedade de reposição ao erário deve ser definitivamente afastada, uma vez que vislumbro a existência dos pressupostos da confiança legítima no caso em tela. Inicialmente, cumpre ressaltar que ao contrário do que ocorre com a decadência, a confiança legítima abrange qualquer comportamento da Administração que possa levar o interessado a crer na existência de uma atuação compatível com a lei, independente de configurar ou não um ato administrativo propriamente dito. Com efeito, as atuações administrativas podem conter vícios de forma e de conteúdo, do ponto de vista fático ou jurídico (El debido proceso administrativo y el acceso a la justicia: ¿una nueva perspectiva? Disponível em SSRN: < >). A margem de apreciação das autoridades, quando equivocadamente exercida, pode implicar diversos graus de invalidade: nulidade absoluta, nulidade relativa, anulabilidade,

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irregularidade. Porém, existem situações em que a Administração Pública deve arcar com eventual equívoco por ela cometido ou com efeitos de alterações normativas ou de interpretação. Relaciona-se o princípio da segurança jurídica, na sua origem, com a previsibilidade, desdobrando-se nos princípios da publicidade dos atos públicos, da precisão ou clareza das regras de direito e da boa-fé, da qual se deriva, finalmente, o princípio da confiança legítima. O princípio da confiança legítima, formulado na Alemanha na década de 50, rompeu com as bases tradicionais do direito administrativo fundadas no princípio da legalidade, possibilitando a manutenção dos efeitos favoráveis oriundos de atuações administrativas inválidas, quando as condições postas pela Administração Pública tenham levado o interessado a crer na efetiva segurança e na imutabilidade da situação que até então as autoridades administrativas vinham lhe proporcionando. Segundo o disposto no art. 55 da Lei nº 9.784/99, a convalidação a qualquer tempo de atos ilegais depende da ausência da lesão a interesse público, que, vale dizer, não se confunde com o interesse da Administração. Todavia, apesar da lacuna, a convalidação deve limitar-se apenas quando necessária ao atendimento do interesse individual daqueles que dela se aproveitam em razão da confiança manifestada no poder público, evidenciada sempre que existirem sérias razões para acreditar-se na estabilidade do ato administrativo. Então, a regra passa a ter relação direta com o princípio da confiança legítima, tal como previsto atualmente no §48, número 2 do Código Alemão de Procedimentos Administrativos/ VwVfG. Sobre o tema, destaca-se a jurisprudência modelo de relatoria do Ministro Eros Grau, que referencia verdadeira fórmula de restituição ao erário de valores erroneamente recebidos, e aponta para a presença concomitante de requisitos que se confundem com as condições do reconhecimento da confiança legítima: I – presença de boa-fé do servidor; II – ausência, por parte do servidor, de influência ou interferência para a concessão da vantagem impugnada; III – existência de dúvida plausível sobre a interpretação, validade ou incidência da norma

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infringida, no momento da edição do ato que autorizou o pagamento da vantagem impugnada; IV - interpretação razoável, embora errônea, da lei pela Administração. (MS 256.641/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. EROS GRAU, DJU de 22.02.2008). Na espécie, verifica-se que a questão relativa ao limite temporal para o pagamento da URP-fev/89 suscitava certa dúvida, uma vez que, inicialmente, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) a considerava um direito adquirido, a teor da Súmula 3171. Somente nos anos 2000, a fim de alinhar-se à jurisprudência do STF, o TST cancelou o referido enunciado e editou a Súmula 322 e a Orientação Jurisprudencial nº 59 da Seção de Dissídios Individuais - I, estabelecendo o período no qual tal parcela seria devida. Confira-se: DIFERENÇAS SALARIAIS. PLANOS ECONÔMICOS. LIMITE (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. Os reajustes salariais decorrentes dos chamados "gatilhos" e URPs, previstos legalmente como antecipação, são devidos tão-somente até a data-base de cada categoria. PLANO VERÃO. URP DE FEVEREIRO DE 1989. INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO (inserido dispositivo) - DJ 20.04.2005 Inexiste direito adquirido à URP de fevereiro de 1989 (Plano Verão), em face da edição da Lei nº 7.730/89. No mesmo sentido, o E. STF: REAJUSTE DE VENCIMENTOS E CORREÇÃO SALARIAL - URP DE FEVEREIRO DE 1989 (26,05%) - PLANO VERÃO - INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIRO - RE CONHECIDO E 1

Cancelamento da súmula mantido pelo Pleno do TST (Res. 121, de 28/10/2003). Redação anterior: «317 - A correção salarial da URP de fevereiro de 1989, de 26,05%, já constituía direito adquirido do trabalhador, quando do advento da Med. Prov. 32/89, convertida na Lei 7.730/89, sendo devido o reajuste respectivo.»

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PROVIDO. - O reajuste de vencimentos e salários decorrente da incidência da URP de fevereiro/89 (26,05%) tornou-se insubsistente em face do Plano VERÃO (Lei nº 7.730/89), o qual - porque editado em momento oportuno (antes, portanto que se caracterizasse qualquer hipótese de direito adquirido) gerou, sem qualquer ofensa à cláusula de tutela inscrita no art. 5º, XXXVI, da Constituição, a válida extinção da base normativa que dava suporte à correção dos valores remuneratórios devidos aos servidores públicos e aos trabalhadores em geral. Precedente do STF (Pleno). (STF, RE 210.048, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ 20.05.97) - grifo nosso. DIREITO ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROVENTOS. APOSENTADORIA. REGISTRO. ACÓRDÃO DO TCU QUE DETERMINOU A IMEDIATA INTERRUPÇÃO DO PAGAMENTO DA URP DE FEVEREIRO DE 1989 (26,05%). NATUREZA DE ANTECIPAÇÃO SALARIAL. PREVISÃO LEGAL. DECISÃO JUDICIAL. ALCANCE. MODIFICAÇÃO DE FORMA DE CÁLCULO DA REMUNERAÇÃO. ALEGADA OFENSA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO, AMPLA DEFESA, COISA JULGADA, SEGURANÇA JURÍDICA E IRREDUTIBILIDADE DOS VENCIMENTOS. INOCORRÊNCIA. PLANOS ECONÔMICOS. REAJUSTES SALARIAIS. VANTAGEM SALARIAL RECONHECIDA POR DECISÃO JUDICIAL TRANSITADA EM JULGADO. REMUNERAÇÃO. ALCANCE. INEXISTÊNCIA DE OFENSA A DIREITO ADQUIRIDO. INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO À COISA JULGADA. SEGURANÇA DENEGADA. (...) As URPs – Unidade de Referência de Preço - foram

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previstas visando a repor o poder aquisitivo de salários e vencimentos até a data-base da categoria, quando verificado o acerto de contas; entendimento sumulado pelo egrégio Tribunal Superior do Trabalho, verbis: “Súmula 322: Os reajustes salariais decorrentes dos chamados "Gatilhos" e URP's, previstos legalmente como antecipação, são devidos tão-somente até a database de cada categoria.” 4. A alteração por lei do regramento anterior da composição da remuneração do agente público, assegura-se-lhes somente a irredutibilidade da soma total antes recebida, assim concebido: os vencimentos e proventos constitucionais e legais. Precedentes: RE 563.965/RN-RG, Rel. Ministra Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJe 20.03.2009; MS 24.784, Rel. Ministro Carlos Velloso, Tribunal Pleno, DJe 25.06.2004; RE 185255, Rel. Ministro Sydney Sanches, Primeira Turma, DJ 19.09.1997. A garantia fundamental da coisa julgada (CRFB/88, art. 5º, XXXVI) não resta violada nas hipóteses em que ocorrerem modificações no contexto fático-jurídico em que produzida - como as inúmeras leis que reestruturam as carreiras dos servidores do Poder Judiciário da União e fixam novos regimes jurídicos de remuneração. Segurança denegada. (STF, 1ª Turma, MS 31.642, Rel. Min. LUIZ FUX, DJe 02.09.2014) - grifo nosso. Daí se constata que a manutenção do pagamento da URP-fev/89 por período maior do que o devido originou-se de errônea, embora razoável, interpretação da legislação de regência pela Administração, tendo em vista que, conforme já mencionado, o tema era tratado de forma distinta no âmbito do TST e do STF. Além disso, embora a coisa julgada trabalhista não prevaleça face a mudança do servidor para o regime único, é certo que a existência de uma decisão judicial definitiva concedendo-lhes o direito à mencionada vantagem causava aos demandantes uma atmosfera de segurança, que somado ao comportamento adotado pela Administração durante o período 11

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em referência fomentou-lhes mais ainda a crença de que poderiam incorporar tal parcela em seus proventos. Portanto, à luz dos ditames da proteção da confiança, impende reconhecer que a pretensão de ressarcimento através de descontos em folha de pagamento não procede. Note-se que, no caso em tela, não é possível saber se tais descontos já chegaram a ser efetivados, pois não constam informações nesse sentido nos documentos trazidos aos autos. Dessa forma, a sentença deverá ser submetida à liquidação e, caso se apure que a existência de descontos, os interessados também farão jus à devolução dessas quantias, acrescidas de correção monetária e juros, nos termos pontuados abaixo. Considerando que a atuação administrativa iniciou-se em julho de 2009, entendo que devem ser aplicados os índices oficiais de remuneração básica da caderneta de poupança a título de correção monetária, conforme estabelecido no art. 5º da Lei nº 11.960, de 29 de junho de 2009, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, até que o STF se manifeste sobre o pedido de modulação dos efeitos da inconstitucionalidade declarada nas ADIs 4357 e 4425. Nesse sentido, decidiu esta 5ª Turma Especializada deste próprio tribunal (APELREEX 200751010062080, Rel. Des. Fed. MARCUS ABRAHAM, E-DJF2R 7.7.2014; AC 200751090006724, Rel. Des. Fed. ALUISIO MENDES, E-DJF2R 5.6.2014) . Quanto aos juros de mora, a jurisprudência dos Tribunais Superiores e desta Corte consagrou o entendimento de que a partir do advento da Lei nº 11.960, de 29 de junho de 2009, que deu nova redação ao art. 1º-F da lei nº 9.494/97, deverão incidir conforme os índices oficiais aplicados às cadernetas de poupança (STJ, Corte Especial, REsp Representativo de Controvérsia 1.205.946, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJE 2.2.2012; AgRg no REsp 1.086.740/RJ, Rel. Min. ASSUSETE MAGALHÃES, DJE 10.2.2014; AgRg no REsp 1.382.625, rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJE 7.3.2014. Em conclusão, deve ser mantida a sentença, assegurando-se aos demandantes o direito de não sofrerem descontos em seus proventos a título de reposição ao erário, bem como de serem ressarcidos pelos valores eventualmente descontados. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO À REMESSA NECESSÁRIA E AOS RECURSOS DE APELAÇÃO. É como voto.

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RICARDO PERLINGEIRO Desembargador Federal

EMENTA

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. URP-FEV/89. EXCLUSÃO. POSSIBILIDADE. DECADÊNCIA. INAPLICABILIDADE. CONFIANÇA LEGÍTIMA. INEXIGIBILIDADE DE REPOSIÇÃO AO ERÁRIO. DEVOLUÇÃO DE VALORES DESCONTADOS. 1. Servidores públicos inativos vinculados à Marinha. Pagamento da URPfev/89 determinado por decisão da justiça trabalhista transitada em julgado em 1994. Ordem do TCU em abril de 2009 para exclusão da parcela e restituição ao erário mediante descontos em contracheque. 2. Inexistência de violação à coisa julgada trabalhista. Posterior transferência dos servidores para o regime estatutário. Efeitos de tal decisão adstritos ao período de vinculação ao regime celetista. (STJ, 2ª Turma, AgRg no REsp 1.325.165, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJE

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27.09.2013; STJ, 1ª Turma, AGRESP - 1.321.357, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJE 20.06.2014). 3. Não configuração de decadência. Inaplicabilidade a comportamentos da Administração que impliquem atos materiais ou meramente executórios. Rubrica implantada no contracheque do servidor em função de ordem judicial, inexistindo ato próprio da Administração concedendo-lhe a vantagem em referência. Incidência, tão somente, do prazo quinquenal de prescrição dos créditos da Fazenda Pública previsto no art. 1º do Decreto 20.910/32. 4. Verificação dos pressupostos da confiança legítima. Aplicabilidade a qualquer comportamento da Administração que possa levar o interessado a crer na existência de uma atuação compatível com a lei, independente de configurar ou não um ato administrativo propriamente dito. Requisitos de incidência que se confundem com aqueles previstos na jurisprudência modelo de relatoria do Ministro Eros Grau: I – presença de boa-fé do servidor; II – ausência, por parte do servidor, de influência ou interferência para a concessão da vantagem impugnada; III – existência de dúvida plausível sobre a interpretação, validade ou incidência da norma infringida, no momento da edição do ato que autorizou o pagamento da vantagem impugnada; IV - interpretação razoável, embora errônea, da lei pela Administração. (MS 256.641/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. EROS GRAU, DJU de 22.02.2008). 5. Interpretação incorreta da legislação de regência pela Administração. Erro escusável. Tema que inicialmente possuía abordagens distintas pelo TST e STF. Posicionamento inicial do TST no sentido de existência de direito adquirido à URP-fev/89. Súmula 317 TST. Mudança jurisprudencial nos anos 2000 para acompanhar o entendimento do STF. no sentido de ausência de direito adquirido. Pagamento tão somente até a data base de cada categoria. Súmula 322 TST e Orientação Jurisprudencial nº 59 da SDI-1. 6. Embora a coisa julgada trabalhista não prevaleça face a mudança do servidor para o regime único, a existência de uma decisão judicial definitiva concedendo-lhes a vantagem em comento trazia certa atmosfera de segurança aos servidores, que somada à ausência de oposição da Administração por certo lapso temporal fomentava a crença de regularidade no pagamento da rubrica. Inexigibilidade de reposição ao

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erário. Devolução de valores descontados, acrescidos de juros de mora e correção monetária. 7. Remessa necessária e recursos de apelação não providos. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a 5ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, negar provimento à Remessa Necessária e aos Recursos de Apelação, na forma do relatório e do voto, constantes dos autos, que passam a integrar o presente julgado. Rio de Janeiro, 03 de março de 2015. RICARDO PERLINGEIRO Desembargador Federal

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