A VIDA DIGITAL E SUA RELAÇÃO COM OS GAMES 1

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A VIDA DIGITAL E SUA RELAÇÃO COM OS GAMES1 Leonardo M. A. Silva2 Resumo: O artigo trata da questão da Vida Digital e sua influência sobre a vida cotidiana, possuindo seu foco principal de discussão no que se refere aos games, fundamentado nos diálogos realizados por Manovich (2002) quando o pesquisador coloca que a influência oriunda da mídia digital ainda não terminou, pensamos e apresentamos os games, e o ato de jogá-los, e sua relação com a vida digital que se faz cada vez mais presente no cotidiano de nossa civilização atual. Durante um período os games foram pensados somente sob a forma de objetos voltados para o entretenimento, mas hoje se tornaram uma mídia cuja maneira de interação com seu conteúdo e o próprio conteúdo em si chegaram ao conhecimento de milhões de pessoas, propiciando situações e possibilidades narrativas, de entretenimento e de cognição que se apresentam aliadas ao lúdico e evocativo. Se apresentam os argumentos e razões para se pensar que a vida digital surge como uma extensão para a vida "atômica" que conhecemos e, uma de suas possibilidades, reside na produção de games que permitam estudar e se refletir sobre o conhecimento humano, permitindo assim que seja possível considerar a sua inclusão no diálogo que exerce influência sobre a forma de pensar do ser humano. Palavras-chave: games, vida digital, topofilosofia, aprendizagem. Abstract: The paper addresses the issue of Digital Life and its influence on everyday life, having its main focus of discussion in regard to games, based on dialogues held by Manovich (2002) when the researcher puts the coming influence of digital media still not finished, think and present the games, and the act of playing them, and their relationship with the digital life that is increasingly present in everyday of our current civilization. Over a period the games were designed only in the form of objects geared for entertainment, but today have become a media whose way of interacting with your content and the content itself to the attention of millions of people, situations and providing narrative possibilities, entertainment and cognition that present themselves allied to the playful and evocative. Present the arguments and reasons to think that the digital life emerges as an extension to the "atomic" life we know, and one of its possibilities, lies in the production of games that allow study and reflect on human knowledge, thus allowing it is possible to consider its inclusion in the dialogue that influences the way of thinking of the human being. Keywords: games; digital life; topophilosophy; learning.

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Trabalho apresentado no Seminário Temático “Produção de Fãs e Cultura Participativa”, durante a I Jornada Internacional GEMInIS, realizada entre os dias 13 e 15 de maio de 2014, na Universidade Federal de São Carlos. Mestre em Tecnologias da Inteligência e Design Digital pela PUC-SP, Graduado em Ciências da Computação pela Universidade Paulista UNIP, Produtor e Game Designer com realizações de projetos de games direcionados à educação e ao treinamento empresarial, possui experiência com o processo criativo de games há 16 anos. Membro do Núcleo de Pesquisas em Hipermídia e Games (NuPHG) da PUC-SP onde desenvolve pesquisas sobre games e suas aplicações na sociedade moderna.

1. A Vida Digital

Apesar do conceito de vida digital ter sido lançado em 1995 por Nicolas Negroponte em seu livro chamado de A Vida Digital, o significado, as ações, reações e as consequências de se ter uma vida digital ainda são novidade para a sociedade humana da atualidade. Podemos esperar muitas descobertas pelos próximos anos, pois a influência do digital na vida terrena não terminou. O que se conhece sobre vida digital hoje são os serviços, as formas de entretenimento, a acessibilidade e a comunicação possíveis de se executar através dos sistemas computacionais, principalmente quando conectados à rede mundial de computadores, a internet. O email, games, o sistema de GPS, o VoIP3 são todos exemplos de uma vida digital que se relaciona com o cotidiano das pessoas. Os serviços citados no parágrafo anterior, assim como outros que estão disponíveis pelo acesso aos sistemas computacionais, podem funcionar direta ou indiretamente de maneira a contribuir beneficamente ao cotidiano daqueles que os utilizam. É através deste pensamento que podemos deduzir que a vida digital pode cooperar para aprimorar a vida como se conhece. Manovich (2002) coloca que a mídia digital provoca uma revolução cultural em toda a sociedade humana, todas as outras mídias possuem ou podem possuir sua versão no digital, a mídia impressa, o áudio e o vídeo se propagaram pelos meios binários da computação e se transportaram para a tela. A acessibilidade e a maneira de se criar e trabalhar com as versões digitais dessas mídias modificam o modo de pensar daqueles que lidam com elas. A influência do digital se manifesta em diversos pontos da sociedade atual, ao ponto de bens virtuais, os quais existem somente em sua versão digital, possuírem valor para o ser humano que troca bens “reais4” por bens virtuais. Em games do gênero massivo online esta é uma prática comum, onde os jogadores utilizam dinheiro “real” em troca de itens virtuais. O conteúdo digital pode ser construído de maneira a incitar o pensamento reflexivo em quem estiver em contato com ele, da mesma maneira que pode ser preparado para simular uma situação do plano físico e gerar experiência que pode ser aplicada fora do digital. 3

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O VoIP (Voice over Internet Protocol) é o roteamento da conversação humana usando a internet, tornando a transmissão de voz mais um dos serviços suportados pela rede de dados. Ver mais em Algo real não é necessariamente algo concreto, pode ser abstrato ou existir em um outro plano além do plano físico que habitamos.

Murray (2003) apresenta essa possibilidade de utilizar a simulação através do digital como treinamento para a vida cotidiana. Com a vida digital a distância geográfica pode ser ignorada no que se refere à experiência, Negroponte (1995) coloca que numa era digital as barreiras da geografia deixam de existir, pois é possível experienciar no virtual, através de uma simulação como colocado por Murray (2003), para posteriormente estar apto a aplicar aquele conhecimento nos acontecimentos diários da vida humana. Manovich (2002) analisa que a sociedade humana tende a evoluir de acordo com a tecnologia que cria e usa em seu dia a dia, de acordo com o pesquisador, ocorreu desta maneira com todas as mídias e está ocorrendo com a mídia digital. Uma vez que todas as outras mídias podem ser transformadas para o digital, a sociedade humana está colocando e transformando toda a sua cultura em sua versão digital e com os sistemas computacionais se pode manipular os objetos culturais. O iTunes, a popularização do armazenamento de dados em nuvem e muitos dos serviços oferecidos pela Google podem ser indícios de que a sociedade segue o caminho para o uso centralizado de todo o conteúdo tecnológico cultural. A vida digital pode possibilitar que cada indivíduo tenha em mãos um dispositivo computacional e este lhe permita realizar todas as atividades tradicionais do mundo moderno. No digital se pode experienciar a realidade do que não existe ou minimizar riscos que no plano físico seriam muito altos para alguém experimentar, como jogar um game focado em guerras como nos casos de Call of Duty (2003) e Battlefield (2002). Ao analisar as possibilidades que surgem com a vida digital Manovich (2002) colocou que ela será no mínimo tão significativa para a humanidade quanto o cinema e a mídia impressa foram. Para Negroponte (1995) a vida digital veio para ficar e um elemento dela pode ter um papel importante em toda essa revolução que a humanidade presencia, esse elemento da vida digital pode estar rico em informação e cultura sob a forma do entretenimento, possui capacidade de alcançar todo e qualquer público, esse elemento é o game e o ato de jogá-lo. Um game pode ser jogado apenas para diversão, mas também para incitar uma reflexão. Para os jovens deste início do século XXI, talvez seja desnecessário falar em vida digital, pois eles nasceram já com a mídia digital distribuída e conectada à grande maioria de suas atividades, fazendo com que tudo esteja unificado e o digital como algo fixo em suas vidas. Para os mais velhos que desejam dialogar com essa geração digital o game pode ser

uma ferramenta útil, uma vez que são de grande interesse para esses jovens. Assim como toda a cultura humana passa por um processo de transformação que a torna digital, as formas de encarar o mundo por parte da sociedade também se tornam baseadas no digital e nas operações e escolhas que podem ser feitas através dele como meio de se conhecer a si mesmo, de conhecer seus pares e o mundo como um todo. O uso do digital também contribui com a maneira de como se aprende, se estuda e se pensa. Dentro deste conjunto da vinculação do digital com a vida atômica que a humanidade está acostumada em seu cotidiano, surge a figura do game e o ato de jogá-lo que pode ser uma experiência primorosa e com possibilidades para ultrapassar a fronteira do entretenimento, podendo também levar ao estudo, à reflexão e ao drama. Murray (2003) analisa que mundos digitais são atrativos ao ser humano e nos games temos ainda a experiência de encenar um papel dentro de uma narrativa bem estruturada nesses mundos. Negroponte (1995) coloca que talvez o melhor benefício que a sociedade pode obter com a vida digital é que o controle da informação passa a ser do usuário, é o usuário que define a experiência que deseja experimentar e compartilhar. Mesmo quando adquire algo pronto para usar, como no caso de um game, as ações possíveis de serem realizadas dentro deste game estão sob o controle de quem joga e cada vez mais os produtores de games ampliam as opções disponíveis. A revolução cultural apontada por Manovich (2002) pode ser percebida ao se analisar um gênero de game que é o MMOG - Massively Multiplayer Online Game - e o efeito que este gênero provoca em seus jogadores, os quais dedicam grande parte de seu tempo para evoluir e prosseguir por uma aventura que não tem fim. Estes games são geralmente criados com a proposta de não chegarem a um fim e enquanto houver pessoas jogando, haverão produtores criando novos conteúdos. Um dos pontos de maior atração para estes games foi discutido por Campedelli (2009) quando a pesquisadora classificou esses mundos massivos de persistentes. Um MMOG tem por característica permitir que milhões de jogadores joguem juntos ao mesmo tempo e além disso são persistentes, ou seja, o mundo virtual continua a evoluir mesmo que um jogador esteja fora dele. Da mesma forma que diversas atividades sociais ocorrem através das redes sociais como o Facebook, o LinkedIn, e outras, muitos jogadores podem ter transformado o mundo virtual de um MMOG em seu local para o happy hour, no ponto de encontro com amigos, na

zona de conforto para socializar e conhecer novas pessoas. Talvez este seja um dos pontos previstos por Manovich (2002) quando apontou a revolução pela qual a sociedade atual passa. O que mais pode ter mudado no comportamento humano com o uso do digital? Será que somente o meio se modificou? Ou as pessoas mudaram também o modo de se comportarem? Estas são questões importantes de se avaliar sobre a influência do digital. Talvez a mesma conversa que é realizada pessoalmente possa se repetir através do digital, talvez alguém com comportamento tímido consiga se expressar e talvez alguém extrovertido não tenha conseguido se adaptar. Muito do que se pode observar da influência do digital no cotidiano, pode levar a uma dedução de que a vida digital surge para aprimorar a vida como um todo, mas é preciso avaliar da melhor maneira possível como esta influência está se passando.

2. Os Games como um elemento da Vida Digital e a Revolução da nova mídia

As mudanças que acompanham a vida digital podem ser tão significativas, na relação digital com o atômico, que produtos físicos podem deixar de existir e a sociedade passar a utilizar somente a sua versão digital, o áudio e o vídeo parecem seguir solidamente nesta transformação, afinal nos dias atuais é mais vantajoso carregar músicas em um celular do que um CD Player portátil e uma bolsa com diversos CDs de música5. Uma análise de se trabalhar com átomos e com bits já foi realizada por Negroponte (1995) e o pesquisador colocou bem a diferença entre se transmitir átomos por uma longa distância, e toda a logística necessária para tal, e a transmissão de bits que utilizam o meio digital para ir de um local ao outro6. Se os objetos de análise forem livros, apenas um pequeno exercício imaginário demonstra a diferença entre transportar livros em papel e livros digitais. A revolução indicada por Manovich (2002) pode estar associada a essas mudanças surgidas com o uso do digital, a distância passa a ser relativa em alguns casos assim como também o tempo. Dentro dos games se pode destacar a comunicação, independente se o game é para múltiplos jogadores ou uma aventura solo, se é online ou offline, pelo menos através das comunidades digitais que se formam, os jogadores se comunicam e discutem sobre suas 5 6

Pode-se levar em consideração também que uma grande parte dos jovens de hoje, sequer conhece ou conheceu o aparelho CD Player portátil, pois nasceram na era do .mp3 Em sua análise, Negroponte avaliou o custo de se transportar água mineral da Europa para a América e o tempo necessário para fazê-lo, enquanto que no digital a maioria das transações podem ser realizadas em segundos.

seções de jogo. Jogadores geralmente parecem desenvolver e promover diversas discussões sobre seus games preferidos e suas seções de jogo, pois podem desejar compartilhar as experiências obtidas durante o ato de jogar. Murray (2003) colocou que quanto mais persuasiva for a representação de sensações no ambiente virtual, mais as pessoas se sentirão presentes no mundo virtual e maior será a gama de ações que procurarão realizar nele. Ainda sobre este tema, Murray (2003) explicou que as pessoas estão aprendendo a fazer o que os atores fazem, a encenar experiências emocionais autênticas que sabemos não serem parte do nosso plano físico. Quando analisamos games como Heavy Rain (2010) e Beyond: Two Souls (2013), ambos da Quantic Dream7, se pode observar o quanto a emoção pode estar presente dentro da narrativa de um game e que discussões sérias podem ter como seu instrumento principal o ato de jogar. Campedelli (2009) analisou os trabalhos de Castronova (2001) e de Dibbel (2006) sobre as transações envolvendo a troca de bens atômicos por bens digitais onde os pesquisadores colocaram que tais transações tangenciam as fronteiras entre o virtual e o atômico de tal maneira que pelo menos para os usuários que realizam essas trocas, uma economia passa a afetar a outra. Em games onde é possível comprar itens digitais com moeda nacional fica transparente a influência das duas economias, uma na outra, pois o jogador precisa se planejar e organizar seus gastos de forma a investir seu dinheiro, e tempo, da melhor maneira possível para seguir adiante sua aventura no universo fantástico sem prejudicar o seu cotidiano. A relação da vida digital e dos games com a revolução moderna que ocorre com a sociedade humana através da mídia digital, a qual é delimitada pelo uso dos dispositivos computacionais, foi analisada por Petry (2011) quando colocou que o universo digital ultrapassa o âmbito do computador pessoal, seu conjunto abrange o todo do ciberespaço, os consoles de games, a TVI, as relações com os sistemas jurídicos e financeiros, uma vez que o universo digital é composto pela totalidade das atividades sociais através dos dispositivos computacionais. Negroponte (1995) analisou que com a vida digital e a facilidade com que os seus usuários podem programar os bits de informação de acordo com sua vontade, uma vez que possuam o conhecimento necessário, surgem possibilidades de novas experiências serem 7

http://www.quanticdream.com/en

experimentadas pelas pessoas. O dono da informação deixa de ser um único indivíduo ou uma organização, não existe mais o dono da informação e todo mundo é dono da informação. Isto pode ser chamado de revolução. Nesta perspectiva de um cenário onde se possa programar os bits de informação para manipular os dados e criar o que se deseja, qual o significado de ser um desenvolvedor de games? Como que alguém que cria games se sente? Murray (2003) tentou responder essas perguntas quando analisou seus colegas do MIT e colocou que eles viam a si mesmos como mágicos e alquimistas e o computador como uma terra encantada. Criar um game pode ser uma experiência única, tão ou mais prazerosa do que jogálo, pois ao criar um game o desenvolvedor é um ser onipresente dentro do digital e através da programação, da arte e da música, é possível dar forma a todos os pensamentos criativos, na forma de objetos binários. O desenvolvedor pode se expressar e compartilhar todas as suas ideias, convidando outras pessoas a experimentarem com ele aquela experiência. Desenvolver games pode ser um meio de se expressar no século XXI, um modo de ser e de sentir o mundo. Como um elemento da vida digital, se pode analisar os games em sua constituição advinda do sistema binário pela ótica que Negroponte (1995) teve, quando colocou com exemplos técnicos e situacionais a facilidade que se pode transmitir e transmutar bits em benefício do público, ou neste caso, criar e aprimorar games para compartilhar com outros jogadores. A relação dos games com a vida digital é intrínseca, além de serem digitais por constituição própria, games representam – junto com outros elementos do digital – a era digital que a sociedade humana presencia. Ainda sobre a vida digital e o convívio com os bits, Negroponte (1995) observou que a realidade virtual pode tornar o que é artificial tão realista quanto o real, ou até mesmo mais realista. A realidade virtual é provavelmente um sonho desde que o conceito se popularizou e talvez tenha sido a motivação para os avanços em realidade aumentada, a qual não é uma realidade virtual como o Holodeck de Jornada nas Estrelas8, mas é tão interessante quanto. Para os games esses avanços nas áreas das realidades virtual e aumentada, como o Oculus Rift9, entre outras alternativas, fornecem possibilidades novas para desenvolvedores e prometem experiências inovadoras para os jogadores. No entanto, em games não é necessário

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https://www.youtube.com/watch?v=bO7wE8snf2E http://www.oculusvr.com/

– apesar de bem-visto – a presença desses elementos, sejam de realidade virtual ou aumentada, e os games da Quantic Dream demonstram com eficiência que é possível tornar o artificial tão realista quanto o real, ou mais. Laurel (1993) analisou que para o ser humano, o importante é o que se passa em sua mente, logo se a crença de algo for realista, o artificial pode ser absorvido como uma experiência real. A Quantic Dream se dedica a explorar a emoção nos games e Heavy Rain (2010) foi um game que investigou este conceito ao máximo do potencial criativo de seus desenvolvedores, talvez para quem não tem filhos seja somente mais um game, mas para quem tem e se colocou no papel de Ethan Mars10 é possível que as emoções tenham aflorado durante o ato de jogar. Como discutido antes a vida digital pode oferecer uma oportunidade de aprimorar a vida cotidiana, mas também se pode aprimorar a experiência de vida em si. Com a tecnologia digital é possível experimentar o que não existe no plano físico, principalmente através dos games é possível entrar em contato com seres míticos e misticos, visitar mundos e universos paralelos à existência terrena, tornar a fantasia uma experiência real e com significado humano. A narrativa do game Assassin's Creed (2007) pode descrever bem essa ideia, neste game o protagonista chamado Desmond é um descendente de uma linhagem de assassinos11 e utilizando a tecnologia moderna ele pode viajar por sua memória genética para presenciar e interagir com a sociedade onde seus antepassados viveram. No segundo game da série, Desmond utiliza essa tecnologia para ele mesmo ser treinado como um assassino por um de seus antepassados. Negroponte (1995) observou que à medida que os games fossem se tornando presentes em computadores pessoais mais poderosos, a sociedade assistiria ao surgimento de games mais ricos em informação. Talvez o pesquisador não soubesse sobre esse salto para as emoções que David Cage e a Quantic Dream já demonstraram serem possíveis, talvez soubesse, mas não colocou em seu trabalho, mas o fato é que games ricos em informação, em cultura e em promover emoções estão disponíveis e esperando para serem jogados ou experienciados. Pelo que a vida digital significa para a sociedade humana do planeta Terra, era de se 10 Ethan Mars é um personagem do game que tem seu filho sequestrado pelo assassino do Origami e luta contra o tempo para resgatá-lo com vida. 11 Em Assassin's Creed uma guerra secreta ocorre entre duas ordens: os Templários e os Assasinos.

esperar que seus elementos também exercessem um papel importante para essa revolução cultural através das mídias. Porém, provavelmente poucos teriam a audácia de imaginar que os games pudessem ter a influência que demonstram ter, mas uma vez que isto ocorreu, também não é de se surpreender, pois um game é uma união de diversas mídias em formato digital. Com a presença e o talento de músicos compositores, representados pelos instrumentistas, aliado com o talento e a precisão de desenhistas e modeladores gráficos, provavelmente orientados por um diretor de arte, unindo-se ainda à imaginação de um diretor ou produtor criativo para organizar todo o trabalho e a lógica utilizada pelos programadores de bits para dar forma ao objeto final, tem-se uma obra de arte digital, unindo em si outras obras de arte digitais, se tem um game.

3. Jogar para aprender e para pensar

Manovich (2002) indicou a dificuldade que a sociedade atual possui em estudar os efeitos provocados pela mídia digital, uma vez que não se conhece o todo de sua capacidade, o digital ainda não alcançou uma forma estável, que possibilite seu estudo e compreensão total e como também colocado por Manovich (2002), o digital talvez nunca se estabilize completamente, já que ele é baseado em software e se pode reprogramar o software infinitas vezes. Tendo essa ideia como base, pode surgir a seguinte pergunta: o que esperar do futuro? O que esperar da influência do digital? Um game recém-lançado em 2014 pode nos ajudar a refletir sobre as possíveis respostas. Watch Dogs (2014) é um game da Ubisoft cuja narrativa trata de um mundo cem por cento conectado à internet, todos os sistemas eletrônicos são, de alguma forma, acessados e controlados pelos dispositivos computacionais. Pelas campanhas publicitárias e vídeos representando a jogabilidade de Watch Dogs (2014), o jogador encenará o papel de um hacker nesse game, alguém que pode passar pelos sistemas de segurança e controlar a cidade de acordo com sua vontade. Fechar e abrir semáforos, elevar e abaixar pontes, controlar câmeras urbanas, acessar informações de departamentos policiais e dados pessoais dos cidadãos. Provavelmente um game que contribuirá para as discussões sobre o futuro do digital. Se um game como Watch Dogs (2014) pode ajudar a pensar sobre o futuro do digital,

então outros games também podem ajudar na reflexão de outros temas, logo se pode deduzir que é possível pensar e estudar através do ato de jogar. Como discutido anteriormente, para os jovens de hoje o digital é algo constante em suas vidas, então existe sentido em se pensar em utilizar o game, como um elemento do digital, para dialogar com os jovens a cerca de qualquer assunto. As possibilidades para o diálogo com a sociedade digital através dos games podem ser extensas e se o conteúdo do game for conduzido para este fim, o diálogo pode tratar de qualquer aspecto do conhecimento humano. Dentro dos princípios do digital discutidos por Negroponte (1995) de acessibilidade e transmissão, neste caso se referindo ao conhecimento, o game também pode ser um meio para tal, assim como qualquer outro elemento procedente da mídia digital. Em uma análise sobre os games é possível verificar uma possível função que ultrapassa o entretenimento, a diversão em si, inclusive dentro da dualidade de sair da realidade12. Jogadores podem usar o game como uma fuga do mundo real, dos problemas cotidianos e do estresse no convívio com outras pessoas. Mas podem também buscar no game o que não se tem na realidade, buscar experienciar e sentir o que a realidade não lhes proporciona, tanto por falta de condições socioeconômicas quanto pela busca da fantasia e da ficção. Quando pensou nesse tema, McGonigal (2011) colocou que games estão proporcionando recompensas que o mundo fora deles não está, games estão ensinando, inspirando, atraindo e unindo as pessoas de maneiras que a realidade não está conseguindo fazer. Para a pesquisadora e game designer, é preciso criar games que possam ajudar a consertar este problema. A partir das ideias de McGonigal (2011), se pode supor que se o digital provoca uma revolução na sociedade humana, e se o game como elemento do digital pode se comunicar de forma eficaz com essa sociedade, então existe razão em propor o uso do game para solucionar problemas reais, existe razão em se colocar que o papel do game, nessa revolução cultural, vai mais longe do que entreter. É preciso incluir nessa discussão também o fato de que nem todos os games são

12 Se pode jogar como uma fuga da realidade, procurando realizar ações que não se pode fazer no cotidiano (como ser um jogador de futebol, um astronauta, um soldado em uma guerra) ou se pode jogar para experimentar uma outra realidade, uma realidade na qual existem elementos que não existem no mundo atômico.

produzidos ou capazes de oferecer mais do que entretenimento, muitos buscam a diversão pura e simplesmente, outros visam explorar um objeto cultural de sucesso. Mas mesmo quando todo o processo de produção não foi focado para ser algo mais do que diversão, o resultado final pode ultrapassar o entretenimento e significar algo para quem joga. O game The Legend of Zelda (1986) pode ser considerado um objeto cultural ao estilo dos contos de fadas, neste game há um vilão, um reino e uma princesa em apuros e um herói para salvar a tudo e a todos. Nos games Mass Effect (2007) e Fable (2004) o jogador pode ser levado a uma reflexão sobre o bem e o mal, pois todas as suas ações possuem duas alternativas, uma que gera fama de herói e outra que gera fama de alguém mal e como ambas levam ao sucesso dentro da narrativa do game, a escolha é exclusiva do jogador sobre como vai agir. McGonigal (2011) observou que gamers13 não se importam de trabalhar arduamente em seus games preferidos, em dedicar horas e mais horas para subir de nível, para presenciar o final de uma trama, para conquistar uma medalha e inclusive para ajudar amigos e companheiros nos mesmos objetivos. De acordo com McGonigal (2011), nos games temos um trabalho que gostamos de fazer e onde nos sentimos realizados. A pesquisadora colocou também que o gamer assume uma postura ativa enquanto joga e que o ato de jogar pode eliminar quase que completamente a infelicidade da vida dos gamers. Faz parte da natureza humana o desejo de se sentir útil e produtivo, ainda mais quando se percebe claramente os resultados de seu esforço, algo que é muito comum quando se está jogando um bom game. Talvez seja através do ato de jogar que um gamer se sinta plenamente realizado com suas ações e possa se libertar de frustrações que existem no cotidiano, talvez seja através do ato de jogar que um gamer consiga se divertir verdadeiramente, de acordo com o que pensa ser melhor para sua vida. Talvez gamers estejam a procurar no universo de um game motivos para continuar na realidade ou até mesmo formas de mudá-la. É possível organizar um trabalho em equipe através dos games, alguns games massivos online já demonstraram essa capacidade, como no caso de World of Warcraft (2004), afinal os jogadores podem se unir e se dedicarem a uma causa comum. E se o game, seu 13 Neste momento se escolheu utilizar o termo "gamer" ao invés de jogadores, para representar um grupo diferenciado que se dedica mais aos seus games preferidos. Um gamer possui significado maior do que uma simples tradução entre línguas, pois não se trata apenas de um indivíduo que joga, mas de alguém que estuda, conversa, entende e influencia a indústria. Seja porque além de jogar também desenvolve, seja por participar nos grandes fóruns das grandes empresas do ramo.

conteúdo e objetivos, forem produzidos com o foco para solucionar ou pelo menos gerar uma discussão sobre problemas do mundo atômico, é possível de se alcançar um nível de diálogo que somente o digital pode oferecer. Se faz importante trazer a lembrança de que desde o surgimento da indústria de games, ou mesmo antes da indústria, quando os primeiros games foram desenvolvidos, seu objetivo primário sempre foi o de oferecer entretenimento. No entanto, como diversos outros objetos digitais, o game pode oferecer mais do que diversão, ele pode ajudar em diálogos de assuntos sérios, pode ser utilizado para estudar e para se pensar. O ato de jogar games permite ao jogador ser livre para buscar mais do que diversão, por conta própria buscar outras relações que o game possa ter fora de suas fronteiras, jogar games como acredita McGonigal (2011) pode ser um meio de se expressar no século XXI e de se autodefinir como um gamer e transformar o fato de ser um gamer em um estilo de vida característico do século XXI. Murray (2003) analisou a função do game com a visão de ser mais do que diversão, quando colocou que através do ato de jogar, e também de entrar em contato com narrativas digitais de outras fontes, o indivíduo, o jogador, o ser humano pode encenar ações rituais simbólicas que dão sentido às suas vidas. Se Socializar, se expressar e se mostrar ativo perante seus pares. Games de sucesso geralmente oferecem ao jogador a experiência de fazer parte de algo maior do que ele próprio, de participar de uma missão épica, salvar a princesa de um reino encantado que está em perigo, salvar uma criança que foi raptada por um assassino implacável, sobreviver em um mundo devastado enquanto tenta manter sua humanidade e sanidade, salvar a galáxia e toda a raça humana. Dentro de suas fronteiras o que o game se propõe a representar é real e faz com que o jogador se sinta dentro daquela experiência e que participa de um evento maior que a unidade do ser, maior que a comunidade onde vive, maior do que qualquer outro aspecto de sua vida cotidiana. O digital possui este poder de transformar a experiência do ato de jogar e de elevar a vida digital ao patamar de um possível universo paralelo no qual o jogador vive uma segunda vida. Um game é um software e como tal possui o potencial infinito de ser aprimorado, sendo assim um game possui capacidade artística e expressiva para alcançar milhões de pessoas por todo o mundo e essa capacidade pode ser focada para aprimorar o mundo atômico

e o cotidiano das pessoas. Se se joga para fugir da realidade, se pode jogar para retornar ao real, se se joga para fugir do estresse, se pode jogar para dialogar e procurar meios de evitar o estresse, se se joga para experimentar o que não se tem, se pode jogar para propor formas de melhorar as condições de vida fora do game. Em geral as pessoas desejam fazer com que suas vidas sejam mais recompensadoras e como colocado por McGonigal (2011), gamers utilizam os games para alcançar esse objetivo. Se a vida digital pode aprimorar a vida cotidiana e se o game é um elemento da vida digital, então se pode desenvolver games que contribuam para que a vida cotidiana das pessoas seja tão recompensadora quanto é a vida digital dentro do ato de jogar.

4. Conclusões

A influência da vida digital sobre a vida cotidiana é um processo não finalizado, é uma revolução cultural que modifica a forma de pensar e de agir do ser humano como observado por Manovich (2002). Hoje se conhece diversos serviços disponíveis através dos sistemas computacionais, mas não se pode afirmar que estes são os únicos que existirão e nem que outros ainda mais influentes deixarão de serem elaborados. O digital é baseado em software e como tal pode ter infinitas versões de si mesmo. Murray (2003) analisou que a mídia digital pode ser utilizada para simular ações da vida cotidiana e servir como meio de treinamento, se pode gerar a experiência no universo digital e assimilar essa experiência como algo pessoal. Dessa maneira a vida digital pode ser utilizada para cooperar com a vida cotidiana e coexistirem de forma a melhorar a qualidade de vida de quem as utiliza. Analisamos nas ideias de Manovich (2002) que a sociedade humana tende a evoluir de acordo com a tecnologia que cria e utiliza, ocorreu desta maneira com todas as mídias anteriores, e se pode preparar o conteúdo digital de forma a contribuir para o treinamento e a formação de seus usuários, como analisamos em Murray (2003). Se pode treinar o ser humano em ações que ele executará fora do digital, e neste ponto o game pode ser uma ferramenta importante. Dentro das fronteiras do universo digital, o game é uma ferramenta de grande importância, pois possui o potencial de alcançar qualquer público e conter cultura e informação em seu conteúdo. Pode ser considerado como um objeto de interesse para os

jovens o que o torna um meio para o diálogo direto com esse público acerca de qualquer assunto, afinal, para os jovens da atualidade toda a mídia digital é algo familiar. Toda a cultura humana passa por um processo de digitalização, e suas versões em bits podem ser acessadas sem as barreiras da geografia e sem a ditadura dos meios de comunicação, no digital o usuário é o dono da informação e tem a opção de escolher o que deseja receber. O game possibilita ainda que papéis sejam encenados dentro desse universo sem fronteiras geográficas e pode ser uma experiência primorosa, pode ultrapassar o entretenimento e se consolidar como um objeto cultural transmidiático. Manovich (2002) colocou que a mídia digital seria tão importante para a humanidade quanto a mídia impressa e o cinema foram, e o game pode ser um dos principais elementos da mídia digital, apesar de sua origem ter sido idealizada para o entretenimento o game hoje pode ter se tornado o local para o happy hour, no ponto de encontro com amigos, na zona de conforto para socializar e conhecer novas pessoas. Analisamos que a influência do digital sobre a vida terrena pode chegar a alterar o comportamento e a forma de pensar dos indivíduos e seus grupos sociais, no caso dos gamers que possuem o hábito de adquirir melhorias em seus jogos ao comprarem itens digitais ou ao assumirem o compromisso de pagarem uma taxa mensal para jogar, a economia do mundo real, do mundo atômico, passa a influenciar a economia do mundo digital. Discutimos as ideias de Petry (2011) quando colocamos que as ações que são possíveis de serem executadas no digital não se restringem à sua fronteira de bits e bytes, essas ações possuem impacto em todos os dispositivos computacionais e em suas funções no relacionamento com o ser humano. Impactos que podem levar à extinção de objetos físicos uma vez que sua versão digital possui a mesma ou uma melhor qualidade e uma acessibilidade melhor, como no caso de se transportar áudio e vídeo. Ao expormos os argumentos de Murray (2003) sobre as ações que o ser humano deseja realizar num ambiente virtual, associadas a quão persuasivas as sensações forem tratadas, apresentamos a possibilidade de a humanidade estar em uma era digital onde os games representam um aspecto e um elemento intrínseco desse processo evolutivo da cultura, da informação, do entretenimento, das relações pessoais e da forma de existir no século XXI. Analisamos que os games podem possibilitar a experiência do que não existe, podem possibilitar a exploração de mundos mágicos, viajar no tempo e conhecer e experienciar do que não existe no plano físico em que vivemos. Para o desenvolvedor, o ato de projetar e

produzir um game também pode ser uma experiência primorosa, uma vez que ele possui todo o poder para colocar sua imaginação em formas gráficas e animá-las através da programação de linguagens computacionais. Observamos através de Negroponte (1995) que a mídia digital pode ser modificada por qualquer indivíduo com um computador e conhecimento compatível com a tarefa, e que quando analisamos os games através desta possibilidade, se podem ter games desenvolvidos por qualquer indivíduo, o que amplia a gama de conteúdo que pode ser incluído em um game. Durante os anos, desde seu surgimento na década de 1980, os games cresceram em influência e em importância e como cada indivíduo pode produzir um game com suas ideias, se pode ter conteúdos que buscam contribuir com a solução e a discussão de problemas mundiais. Argumentamos que para os jovens de hoje o digital é parte inseparável de suas vidas, então faz sentido utilizar o game, como um elemento do digital, para dialogar com os jovens a cerca de qualquer assunto, afinal jogar games é um ato característico do século XXI e é possível pensar e estudar através do ato de jogar.

Referências: Bibliográficas: CAMPEDELLI, Gabriela. Bem vindos a Azeroth: Aspectos da economia lúdica nos mundos fantásticos. Dissertação de Mestrado em Ciências da Computação. Universidade de São Paulo. São Paulo, 2009. CASTRONOVA, E. Virtual Worlds: A First-hand Account of Market and Society on the Cyberian Frontier. 2001. The Gruter Institute Working Papers on Law, Economics and Evolutionary Biology 2. Disponível em Acessado em 7 de Agosto de 2014. DIBBEL, J. Play Money or How I Quit My Day Job and Struck It Rich in Virtual Loot Farming. 2006. Perseus. New York, 2006. LAUREL, Brenda; Computers as Theatre. Addison Wesley, 1993. MANOVICH, Lev; The Language of New Media; MIT Press, 2002. MCGONIGAL, Jane; Reality is Broken: Why Games Make Us Better and How They Can Change the World. Penguin Books. New York, 2011.

MURRAY, Janet; Hamlet no Holodeck: O futuro da narrativa no ciberespaço (Hamlet on the Holodeck: The future of narrative in cyberspace) / Janet Murray; tradução Elissa Khoury Daher & Marcelo Fernandez Cuzziol-São Paulo: Itaú Cultural: Editora Unesp, 2003. NEGROPONTE, Nicholas; A Vida Digital (Being Digital) / Nicholas Negroponte; tradução Sérgio Tellaroli-São Paulo: Companhia das Letras, 1995. PETRY, Luís Carlos; Por uma ontologia dos metaversos e games. 2011. Disponível em Acesso em: 7 de Agosto de 2014. Games: Assassin's Creed, Gameloft & Griptonite Games & Ubisoft. 2007. Site oficial: Acessado em 7 de Agosto de 2014. Battlefield, EA Digital Illusions CE & Electronic Arts. 2002. Site oficial: Acesso em: 7 de Agosto de 2014. Beyond: Two Souls, Quantic Dream & Sony Computer Entertainment. 2013. Site oficial: Acessado em 7 de Agosto de 2014. Call of Duty, Infinity Ward & Treyarch & Actvision. 2003. Site oficial: Acesso em: 7 de Agosto de 2014. Fable, Big Blue Box & Lionhead Studios & Microsoft Game Studios. 2004. Site oficial: Acessado em 7 de Agosto de 2014. Heavy Rain, Quantic Dream & Sony Computer Entertainment. 2010. Site oficial: Acessado em 7 de Agosto de 2014. Mass Effect, Bioware & Demiurge Studios & Edge of Reality & Microsoft Game Studios & Electronic Arts. 2007. Site oficial: Acessado em 7 de Agosto de 2014. The Legend of Zelda, Nintendo. 1986. Site oficial: Acessado em 7 de Agosto de 2014. Watch Dogs, Ubisoft. 2014. Site oficial: Acessado em 7 de Agosto de 2014. World of Warcraft, Blizzard Entertainment. 2004. Site oficial: Acessado em 7 de Agosto de 2014.

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