Airto Moreira: um breve histórico (1941-1975)

June 24, 2017 | Autor: Guilherme Marques | Categoria: Music, Performing Arts, Popular Music, Performance, Musica
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AIRTO MOREIRA – UM BREVE HISTÓRICO (1941 – 1971)

Guilherme Marques Dias

Resumo: O artigo descreve de maneira sucinta a trajetória do baterista e percussionista brasileiro Airto Moreira desde o início de sua carreira co mo instrumentista seguindo até a sua transferência para os Estados Unidos e o início de seus trabalhos como artista independente nos primeiros anos da década de setenta. Palavras-chave: Airto Moreira, sambajazz, percussão, bateria.

Introdução

Nos anos finais da década de 1950 a combinação da informação proveniente de gêneros distintos como o samba e o jazz, que caracterizou o movimento musical da bossa nova e posteriormente se desenvolveu no subgênero sambajazz 1 , deu a muitos instrumentistas novos uma oportunidade de expressão dentro de formas musicais baseadas na combinação da informação jazzística com esquemas rítmicos brasileiros. O curto período de tempo que vai do final dos anos 50 até meados dos anos 60, quando entra em cena a canção de protesto e os famosos festivais da canção, representou, segundo a autora Ana Maria Bahiana, um período de rebuscamento harmônico e improvisação, que se manifesta de maneira cíclica na música brasileira, alternando-se com períodos onde ocorre o predomínio da música cantada 2 . Aqueles instrumentistas, oriundos do sambajazz, viram seu campo de atuação profissional se transformar significativamente com a ascensão da canção de protesto. Parte destes músicos migrou para os Estados Unidos aproveitando-se da boa projeção internacional conquistada pela bossa nova no mercado norte americano – Oscar Castro Neves, Sergio Mendes, Edison Machado, Dom Salvador, Moacir Santos, Dom Um Romão, Raul de Souza, Manfredo Fest, entre outros. Os músicos que não 1

SARAIVA, Joana Martins, A invenção do sambajazz: discu rsos sob re a cena musical de Copacabana no final dos anos de1950 e início dos anos 1960. Dissertação de Mestrado – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, RJ, 2007. 2

BAHIANA, Ana Maria. Música instrumental: o caminho da improvisação à brasileira. In: BAHIANA, Ana Maria, WISNIK, José Miguel e AUTAN, Margarida. Anos 70 : Música Popular, Rio de Janeiro, Europa Empresa Gráfica 1979/1980: pág. 76-89

migraram, buscaram nos festivais de música e no acompanhamento das novas gerações de intérpretes e compositores que estavam surgindo um meio de sobrevivência. Airto Moreira – um breve histórico

Airto Guimorvan Moreira ou simplesmente Airto Moreira, nasceu em Itaiópolis no interior de Santa Catarina em 5 de agosto de 1941. Desde muito cedo desenvolveu uma relação estreita com a música, por volta dos 5 anos já cantava e tocava instrumentos de percussão. Em 1954, morando em Ponta Grossa iniciou sua atividade profissional cantando e tocando percussão em conjuntos de baile. Sua formação musical, tal qual a de muitos outros músicos desta época, foi como autodidata. Em entrevista ao programa Ensaio da TV Cultura Airto afirmou: “... comecei a tocar pandeiro, eu ouvia os pandeiristas tocando quando ia nos bailes, eu via, tocava e aprendi sozinho. Aí comecei a aprender outras coisas também e passei a tocar percussão”3 . O início como baterista se deu aos 14 anos, substituindo o baterista de um conjunto de baile 4 . Em 1956 Airto Moreira foi morar em Curitiba onde passou a atuar regularmente nas casas noturnas da cidade como baterista e cantor. Transferiu-se para São Paulo no início dos anos 1960, por influência do cantor Agostinho dos Santos, que o viu tocando e cantando em Curitiba, e sugeriu a mudança em função das melhores oportunidades de trabalho que Airto Moreira teria em São Paulo 5 . Em São Paulo, o primeiro trabalho a projetar a carreira de Airto Moreira como instrumentista ocorreu com a formação do Sambalanço Trio, que contava em sua formação original com César Camargo Mariano (Piano), Huberto Clayber (Contrabaixo e harmônica) e o próprio Airto Moreira tocando bateria e percussão. Com esta formação o trio gravou três LPs, “Sambalanço Trio” (1964), “Reencontro com Sambalanço Trio” (1965) e “Improviso Negro” (1965), além de outros dois LPs fazendo acompanhamento,

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O programa Mosaicos da TV Cultura exibido em 20/10/2009 traz uma edição com imagens de diversos programas do acervo da própria TV. Entr e outras imagens, são exibidos trechos da entrevista de Airto Moreira no programa Ensaio (2003) e trechos do especial Flora Purim & Airto Moreira (1988). 4

Entrevista concedida ao pesquisador da University of Louisiana Lafayette, Robert Willey publicada no jornal da PAS (Percussive Arts Society), Percussive Notes, edição n°57 de Novembro de 2010. 5

Programa Ensaio da TV Cultura (2003).

um para Lennie Dale “Lennie Dale & Sambalanço trio” (1965) e outro com Raul de Souza, “À vontade mesmo” (1965) 6 . Em sua segunda formação o grupo passou a contar com Hermeto Pascoal no lugar de César Camargo Mariano e teve seu nome alterado par a Sambrasa Trio. Com esta segunda formação o trio produziu apenas um LP, “Em som maior” (1965). Tanto nesta segunda formação do trio como na primeira, o enfoque estético-musical era o Sambajazz7 . Com a dissolução do Sambrasa, Airto Moreira passou a acompanhar o cantor Geraldo Vandré num grupo chamado Trio Novo que contava ainda com Théo de Barros (Violão e contrabaixo) e Heraldo do Monte (Guitarra e violão). O trio acompanhou também os cantores Edu Lobo, Jair Rodrigues e a cantora Maria Bethânia, concorrendo nos festivais da canção da TV Record nos anos de 1966 (“Disparada”) e 1967 (“Ponteio”) 8 . Com a entrada de Hermeto Pascoal o grupo passou a se chamar Quarteto Novo, gravando ainda em 1967 seu primeiro e único LP homônimo. O contato entre os instrumentistas do Quarteto Novo com compositores jovens como Edu Lobo e Geraldo Vandré, cuja ampla formação musical incluía tanto o jazz quanto a música regional brasileira entre outras formas de expressão, fez florescer nos integrantes do grupo uma proposta estética de resgate das raízes regionais brasileiras. O quarteto passou a adotar certos procedimentos no processo de composição e improvisação que valorizavam o uso de elementos regionais brasileiros em detrimento da influência puramente jazzística 9 . Para Airto Moreira a experiência do Quarteto Novo representou um ponto de convergência para a utilização da percussão de forma mais intensiva, sobretudo em relação ao uso combinado da percussão com a bateria : “Eu

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Discografia selecionada e organizada por Maria Luiza Kfouri em www.discosdobrasil.com.br

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SARAIVA, Joana Martins, A invenção do sambajazz: discu rsos sob re a cena musical de Copacabana no final dos anos de 1950 e início dos anos 1960. Dissertação de Mestrado – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, RJ, 2007. 8

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Programa Ensaio da TV Cultura (2003).

VISCONTI, Eduardo de Lima. A Guitarra Bra sileira de Heraldo do Monte. Dissertação de Mestrado. UNICAMP, Campinas, 2005.

comecei a combinar a bateria com a percussão mais tarde, quando eu estava tocando bateria no Quarteto Novo10 ”. Ainda em relação a esta mudança no uso da percussão integrada à bateria por parte de Airto Moreira, o guitarrista Heraldo do Monte cita uma passagem ilustrativa dentro do grupo: “...ele começou o processo de criação com o Quarteto Novo, foi a primeira pessoa a trazer a coisa da percussão, usava uma caveira de burro como instrumento de percussão, o caxixi não se usava muito em música brasileira 11 ...” O percussionista Caíto Marcondes vai mais além ao avaliar os resultados do processo de acomodação da percussão em sintonia com a utilização da bateria. Para ele a abordagem de Airto Moreira representou uma mudança de paradigma: “... o Airto realmente abriu portas e trouxe novas propostas de estruturas, novas texturas e uma nova utilização da percussão, que realmente mudou o conceito de percussionista. Antigamente era o ritmista e depois do Airto virou um cara que tempera toda a música12 ”. Airto Moreira mudou-se para os Estados Unidos em 1967, seguindo a trajetória da cantora Flora Purim e de outros músicos brasileiros que buscavam no mercado norte americano um espaço de projeção 13 . Airto Moreira encontrou um campo de trabalho relativamente favorável no mercado norte-americano, já que havia um crescente interesse pelo uso da percussão de forma mais intensiva no jazz do início dos anos setenta. Tal interesse se deve sobre tudo a dois fatores principais: por um lado o jazz fusion se inclinava cada vez mais para as formulações rítmicas mais marcadas e definidas, e ao mesmo tempo nutria-se a curiosidade do público consumidor pelo uso da percussão como algo novo, exótico, “selvagem” 14 .

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Entrevista concedida ao pesquisador da University of Louisiana Lafayette, Robert Willey publicada no jornal da PAS (Percussive Arts Society), Percussive Notes, edição n°57 de Novembro de 2010. 11

Depoimento de Heraldo do Monte para o programa Mosaicos da TV Cultura exibido em 20/10/2009.

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Depoimento de Caíto Marcondes para o programa Mosaicos da TV Cultura exibido em 20/10/2009.

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A autora Ana Maria Bahiana explica, num dos poucos artigos sobre a música instrumental brasileira dos anos 70, a corrente migratória de músicos brasileiros para os mercados nor te americano e europeu. Bahiana afirma que “o impasse profissional pa ra o músico , no Brasil, e o crescimento do mercado nos Estados Unidos, coincidentemente, se in cumbira m de atrair u m lote considerável de instrumen tistas da derradeira geração jazz/bossa, em levas sucessivas que co meçam em 68/69 e diminuem de intensidade apenas no fim da década”

O início da carreira nos Estados Unidos marcou a consolidação do uso da percussão de forma mais intensiva e seguiu uma estratégia mercadológica para Airto Moreira se firmar profissionalmente no mercado norte americano. Em entrevista concedida ao autor Robert Willey 15 , Airto cita a predominância, à época, de percussionistas cubanos e porto riquenhos e alguns poucos africanos no mercado musical norte americano. Segundo o artista o que favorecia a sua atuação neste mercado era o fato dele possuir uma grande variedade de instrumentos diferentes, típicos da cultura musical brasileira, cuja utilização na música norte americana representava um fato inusitado. A consolidação profissional no mercado norte americano veio no início dos anos 1970, com a participação no grupo de Miles Davis e a gravação do LP “Bitches Brew”. O contato com a música de Miles Davis deste período representou um marco importante na carreira de Airto Moreira, uma vez que seu jeito de tocar se ajustava de maneira fluída ao estilo do grupo. Neste grupo, sua atuação representava uma abordagem mais livre do ritmo, onde não havia a necessidade de reforçar a marcação rítmica e sim dar um tratamento especial para a sonoridade dos instrumentos. Ao deixar a banda de Miles Davis, Airto Moreira ainda passou por dois dos mais importantes grupos de jazz surgidos nos anos setenta, o Weather Report de Joe Zawinul e o Return to Forever de Chick Corea. O início de sua carreira artística como líder de seu próprio grupo ocorreu em 1971 com o lançamento de seu primeiro álbum, “Natural Feelings”. Este foi seguido por uma série de cinco LPs lançados na primeira metade da mesma década, todos produzidos por gravadoras de médio/grande porte.

Referências bibliográficas

BAHIANA, Ana Maria. Música instrumental: o caminho da improvisação à brasileira. In: BAHIANA, Ana Maria,WISNIK, José Miguel e AUTAN, Margarida. Anos 70 : Música Popular, Rio de Janeiro, Europa Empresa Gráfica 1979/1980: pág. 76-89 14

BAHIANA, Ana Maria. Música instrumental: o caminho da improvisação à brasileira. In: BAHIANA, Ana Maria, WISNIK, José Miguel e AUTAN, Margarida. Anos 70 : Música Popular, Rio de Janeiro, Europa Empresa Gráfica 1979/1980: pág. 76-89 15

Entrevista concedida ao pesquisador da University of Louisiana Lafayette, Robert Willey publicada no jornal da PAS (Percussive Arts Society), Percussive Notes, edição n°57 de Novembro de 2010.

SARAIVA, Joana Martins, A invenção do sambajazz: discursos sobre a cena musical de Copacabana no final dos anos de 1950 e início dos anos 1960. Dissertação de Mestrado – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, RJ, 2007. VISCONTI, Eduardo de Lima. A Guitarra Brasileira de Heraldo do Monte. Dissertação de Mestrado. UNICAMP, Campinas, 2005. PAS (Percussive Arts Society), Percussive Notes, edição n°57 de Novembro de 2010.

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