Centralização de compras públicas no Brasil

May 26, 2017 | Autor: L. Coelho Ribeiro | Categoria: Direito Administrativo, Direito Público, Licitações, Compras Públicas
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Centralização de compras públicas no Brasil Egon Bockmann Moreira Professor de Direito Econômico da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná. Professor e palestrante na Escola de Direito da FGV/RJ. Mestre e Doutor em Direito. Advogado.

Leonardo Coelho Ribeiro Mestre em Direito Público pela UERJ. Especialista em litígios e soluções alternativas de conflitos pela FGV Direito Rio (LL.M Litigation). Coordenador do LL.M em Direito da Infraestrutura e do Curso de Regulação da Infraestrutura e dos Recursos Naturais no Ibmec/RJ. Professor de Cursos de Pós-Graduação em Direito Administrativo na EMERJ e FGV/RJ. Membro da Comissão de Direito Administrativo da OAB/RJ, IAB e IDAERJ. Advogado.

Resumo: O presente artigo analisa o desenho institucional do sistema brasileiro de contratações públicas. Fixando como premissa a existência de um poder de compra estatal, sem perder de vista as finalidades da licitação, dedica-se ao debate entre os modelos alternativos de compras públicas centralizadas ou descentralizadas. Nesse contexto, aborda o Sistema de Registro de Preços – SRP como mecanismo de compras públicas compartilhadas e apresenta, criticamente, as experiências recentemente adotadas no país pela União, Distrito Federal, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Palavras-chave: Compras públicas. Poder de compra estatal. Licitação. Sistema de Registro de Preços. Compartilhamento. Centralização. Descentralização. Sumário: 1 Introdução – 2 O sistema brasileiro de contratações públicas – 3 O poder de compra estatal, as finalidades da licitação e o debate entre centralizar ou descentralizar – 4 Centralização versus descentralização de compras públicas – 5 Sistema de Registro de Preços – SRP como mecanismo de compras públicas compartilhadas – 6 Experiências recentes em modelos de compras públicas no Brasil – 7 Considerações finais

1 Introdução Segundo dados oficiais, no período de 2008 a 2013, o Poder Público federal brasileiro realizou compras em valor médio anual de R$73 bilhões.1 Caso somados os três planos federativos brasileiros (União, Estados e Municípios), esse valor seguramente supera os R$100 bilhões/ano.

Disponível em: . Acesso em: 10 abr. 2016. Pelo câmbio oficial, no dia 25 de abril de 2016, tal montante ultrapassa os U$20 bilhões. Cotação disponível em: . Acesso em: 25 abr. 2016.

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Tomando em consideração que o Produto Interno Bruto – PIB brasileiro foi contabilizado em R$5,9 trilhões no ano de 2015,2 pode-se dizer que as compras públicas representam algo entre 15% a 20% da soma de todos os bens e serviços produzidos no país. Esse volume colossal de recursos e a forma fragmentada que o Poder Público comumente emprega para concretizar suas aquisições demonstram a importância de se investigar a centralização das compras públicas no Brasil enquanto mecanismo de racionalização da atividade administrativa e atenuação dos custos de transação. Em que pese à preexistência de iniciativas no âmbito das administrações públicas estaduais e municipais brasileiras, o tema entrou em cena com mais vigor por meio da Central de Compras e Contratações Públicas Federais, atualmente regulada pelo Decreto nº 8.578/2015, oriundo da Presidência da República e com incidência na Administração Federal. Muito embora já ter sido objeto de regulação pretérita,3 fato é que, nos anos mais recentes, o tema voltou ao cenário público com especial intensidade. Para analisarmos o atual modelo de centralização de compras públicas no Brasil, o artigo será dividido em quatro partes: (i) as linhas gerais do sistema brasileiro de contratações públicas; (ii) a centralização ou descentralização de compras públicas; (iii) o Sistema de Registro de Preços como mecanismo de compras públicas compartilhadas; e (iv) as experiências nacionais mais recentes de centralização de compras públicas. A conclusão tratará dos desafios que precisam ser enfrentados em prol do desenvolvimento do sistema de compras públicas centralizadas.

2  O sistema brasileiro de contratações públicas O sistema brasileiro de contratações públicas e sua regulação normativa possuem arranjo complexo, decorrente da organização federativa e respectiva divisão de competências. O país é organizado em três planos federativos: União (governo central), Estados (governos regionais, em número de 27) e Municípios (governos locais, em número de 5.570).4 Todos com autonomia política, administrativa, orçamentária, financeira e territorial (Constituição, art. 18).

Disponível em: . Acesso em: 10 abr. 2016. Cf. FERNANDES, Ciro Campos Christo. A centralização das compras na Administração federal: lições da história. VIII Congresso de gestão pública – Conselho nacional de secretários de Estado da Administração. Disponível em: . Acesso em: 5 abr. 2016; e FERNANDES, Ciro Campos Christo. Política de compras e contratações: trajetória e mudanças na administração pública federal brasileira. Tese junto à Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro, 2010. Disponível em: . Acesso em: 5 abr. 2016. 4 O Distrito Federal, que tem como sede Brasília, capital do país, não é Estado, nem Município, mas território autônomo composto por 30 regiões administrativas (cidades-satélites). Portador de um caráter híbrido, congrega competências legislativas e executivas estaduais e municipais.

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Em matéria de licitações e contratações públicas, à União compete estabelecer as normas gerais de âmbito federal e nacional, ao passo que Estados e Municípios podem disciplinar o tema subsidiariamente à luz dos interesses regional e local, respectivamente (Constituição, arts. 22, inciso XXVII, e 37, inciso XXI). Existem várias leis com natureza de norma geral de licitações e contratos administrativos, dentre as quais se destacam a Lei nº 8.666/1993 (Lei Geral de Licitações – LGL); a Lei nº 10.520/2002 (Lei do Pregão) e a Lei nº 12.462/2011 (Regime Diferenciado de Contratações – RDC).5 A LGL tende a ser aplicada genericamente a todas as licitações públicas, ainda que de forma subsidiária. Na LGL, o rito ordinário do processo de licitação é o da assim denominada “concorrência” (habilitação prévia de todos os interessados que cumprirem requisitos mínimos definidos em lei e especificados no edital, seguida do exame das propostas de preço de todos os habilitados). Na Lei do Pregão e no RDC, examina-se o preço em primeiro lugar (por meio de leilões) e, depois, analisa-se apenas a habilitação do vencedor da proposta de preço. Porém, fato é que é possível a adoção de ritos diferentes pelos diversos entes federativos (desde que não colidam com as normas gerais). De todo modo, fato é que as licitações brasileiras são marcadas pela ausência de planejamento: de usual, versam a respeito de necessidade imediata e pontual da Administração Pública,6 estratificada em vários certames promovidos de forma assistemática em todo o território nacional. Muitas vezes, a mesma pessoa política (sobremodo a União) tende a promover licitações dispersas por meio de seus órgãos locais – o que, se por um lado, implica incremento à livre concorrência, por outro, despreza ganhos de escala e pode retratar preços e qualidades significativamente díspares. Esse cenário geral, descentralizado, fragmentado, burocrático e complexo torna evidente a importância de se avaliar, diagnosticar e (re)formular os arranjos jurídicos das licitações e contratações administrativas brasileiras, a partir de seus incentivos e resultados, mediante experimentos pontuais – para que, uma vez bem-sucedidos, possam ser disseminados dentre os demais entes que realizam licitações públicas.7 Exatamente como deve se passar quanto ao tema da centralização das compras públicas.

Cf. GARCIA, Flávio Amaral. Licitações e Contratos Administrativos: casos e polêmicas. 4. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2016, passim; MOREIRA, Egon Bockmann; GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Licitação Pública: a Lei Geral de Licitações/LGL e o Regime Diferenciado de Contratações/RDC. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2015, passim. Sobre a fase anterior das licitações e contratos públicos brasileiros, v. BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. Contrato de Direito Público ou Administrativo. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: FGV, n. 88, 32ss., abr./jun. 1967; SILVA, José Afonso da. Licitações. Revista de Direito Público – RDP, São Paulo: RT, n. 7, p. 53-59, jan./mar. 1969; TÁCITO, Caio. A Nova Lei de Licitação. Revista de Direito Público – RDP, São Paulo: RT, n. 84, p. 140-145, out./dez. 1987; e LOPES, Monica Sette. Contrato Administrativo. Revista de Direito Público – RDP, São Paulo: RT, n. 85, p. 161, jan./mar. 1988. 6 A Administração Pública federal possui a consolidação de seus dados relativos a compras. Disponível em: . Acesso em: 26 abr. 2016. 7 Sobre a necessidade de se adotar a lógica da “caixa de ferramentas” no Direito Administrativo e respectivo experimentalismo, v. RIBEIRO, Leonardo Coelho. O Direito Administrativo como caixa de ferramentas. São Paulo: Malheiros Editores, no prelo. 5

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3  O poder de compra estatal, as finalidades da licitação e o debate entre centralizar ou descentralizar O debate entre centralizar ou manter descentralizadas as compras públicas no Brasil está situado em um contexto que enfatiza: (i) a pretensão do emprego do poder de compra estatal para efetivar outros interesses públicos, que não aqueles imediatamente relacionados com objetos ou serviços contratados (desenvolvimento nacional sustentável, proteção a micro e pequenas empresas, etc.);8 (ii) a otimização e simplificação da atividade administrativa; (iii) a economia de recursos públicos; (iv) o aumento da capacidade de gestão; e (v) o controle e aprimoramento do combate à corrupção. Para avançar em prol desses objetivos, é fundamental remodelar as licitações prévias às contratações públicas. Por exemplo, vejamos as compras sustentáveis, associadas à finalidade de desenvolvimento nacional sustentável legalmente determinada. Esta ordem de escopo estrutura objetivos que ampliam a ideia de contratação vantajosa prevista no art. 3º da LGL. A vantagem deixa de residir no menor preço e passa a conviver com determinadas políticas públicas predefinidas em lei. A realização de procedimentos licitatórios para finalidades outras que não apenas a aquisição de bens ou serviços, como o desenvolvimento nacional sustentável, parte de duas premissas básicas: (i) o Estado ostenta poder de compra significativo, capaz de modelar seus mercados fornecedores e influenciar a sociedade; e (ii) as licitações públicas se revelam instrumentos/ferramentas habilitadas a tanto. Ora e como já visto, as compras públicas realizadas pela Administração Pública brasileira representam entre 15% e 20% do PIB. Um volume de recursos que não pode ser desprezado com vistas a atingir finalidades socialmente úteis. Por outro lado, fato é que as empresas privadas, com poder de compra infinitamente menor, conseguem influenciar seus fornecedores de forma determinante em seus negócios. Visto isso, não há dúvidas de que o Estado brasileiro detém poder de compra altamente significativo para influenciar comportamentos, de sociedades empresárias e indivíduos, de modo a alinhá-los com objetivos coletivos, democraticamente definidos.

Por exemplo, o art. 3º da LGL determina que “a licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos”. Demais disso, o mesmo artigo possui os seguintes dispositivos: “§5º Nos processos de licitação, poderá ser estabelecida margem de preferência para: I - produtos manufaturados e para serviços nacionais que atendam a normas técnicas brasileiras; e II - bens e serviços produzidos ou prestados por empresas que comprovem cumprimento de reserva de cargos prevista em lei para pessoa com deficiência ou para reabilitado da Previdência Social e que atendam às regras de acessibilidade previstas na legislação. [...] §14. As preferências definidas neste artigo e nas demais normas de licitação e contratos devem privilegiar o tratamento diferenciado e favorecido às microempresas e empresas de pequeno porte na forma da lei”.

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Por sua vez, a questão da instrumentalidade das licitações públicas, para fazê-las servir a finalidades distintas de sua justificativa genética (o contrato mais vantajoso e mais econômico), vem sendo equacionada sob a óptica da função regulatória das licitações públicas.9 Parte-se da premissa de que nem só o preço pode importar à Administração para se empregar o seu poder de compra de forma mais abrangente a fim de tutelar outros valores socialmente desejados, para além das finanças públicas.10 Os efeitos do contrato administrativo podem ser direcionados a externalidades positivas, as quais tendem a gerar impacto relevante na definição dos editais de licitação. Ocorre que a real capacidade do poder de compra estatal e da instrumentalidade das licitações públicas, para efetivar interesses distintos do objeto direto da contratação, pode se tornar apenas embalagem sem conteúdo, se esse emprego se der ausente de planejamento (e/ou de forma fragmentada). O planejamento precisa avaliar a relação de proporcionalidade (custo/benefício) entre os recursos empregados, para além da simples aquisição, e os resultados alcançados em favor do desenvolvimento nacional sustentável. O mais importante para que isso se torne viável está na constatação de que, se os critérios de sustentabilidade forem adotados de forma espraiada, é bem possível que essa fragmentação faça ceder o poder de compra do Estado, aumentando os riscos de ineficiência (contratação mais cara) e direcionamento (o que determina fomentar este ou aquele interesse público, e se isto é fonte de privilégios para alguns). Trata-se de riscos facilmente detectados no caso brasileiro, em que há uma federação multinível, e as contratações públicas são feitas de modo não planejado e disforme, englobando considerações de sustentabilidade quase que intuitivas, sem acompanhamento adequado de índices dos resultados alcançados. Por exemplo, no caso brasileiro das micro e pequenas empresas, em que se instalou normativamente amplo conjunto de medidas protetivas estáveis (margens de preferência, desempate ficto etc.), sem qualquer prazo de validade nem controle de resultados, o incentivo de proteção para o desenvolvimento transmudou-se num estímulo à manutenção e proliferação de sociedades empresariais minúsculas. Na advertência de Cristiana Fortini, o que já se constata é o fato de que, “temerosas de perderem espaço nas licitações e contratações públicas, as empresas que não se

Cf. VILLELA SOUTO, Marcos Juruena. Direito Administrativo das Parcerias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 86-89; e Direito Administrativo Regulatório. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 202 e 206. No plano internacional, cf.: RODRIGUES, Nuno Cunha. A Contratação Pública como Instrumento de Política Económica. Coimbra: Livraria Almedina, 2013, passim; Mc CRUDDEN, Thomas. Using public procurement to achieve social outcomes. Natural Resources Forum, 2004, 28, 4, p. 257-267. Disponível em: . Acesso em: 10 abr. 2016. 10 Cf. GARCIA, Flavio Amaral; RIBEIRO, Leonardo Coelho. Licitações Públicas Sustentáveis. Revista de Direito Administrativo – RDA, Rio de Janeiro: FGV, n. 260, p. 231-254, maio/ago. 2012; MOREIRA, Egon Bockmann; GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Licitação Pública: a Lei Geral de Licitações/LGL e o Regime Diferenciado de Contratações/RDC. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 99-109.

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enquadram nos conceitos de pequena e microempresas estão a criar ‘seus filhotes’. Criam pequenas e microempresas com o fito de preencher todos os espaços e coibir que as reais destinatárias das normas venham a ser efetivamente prestigiadas”.11 Isto é, o instinto animal dos empresários faz com que seus esforços sejam direcionados não ao crescimento da estrutura societária, mas à sucessiva multiplicação de micro e pequenas empresas: só assim conseguirão permanecer recebendo os benefícios extraordinários oriundos do mercado de compras e serviços público. Também o exemplo das compras públicas sustentáveis torna clara a importância de se refletir acerca da centralização no país, sob pena de o poder de compra estatal cair em mera retórica, e o objetivo do desenvolvimento nacional sustentável servir à malversação de licitações públicas. O que nos conduz ao tema central deste estudo.

4 Centralização versus descentralização de compras públicas A primeira advertência a ser posta para o debate é a seguinte: não se pode ceder à tentação de pôr láureas somente naquilo que não se tem e condenar o que se possui. É preciso manter o ceticismo por perto, enquanto bom companheiro científico, de modo a tomar sempre em consideração que não há só um modelo certo, e outros errados. Não existe modelo absoluto universal (one size fits all) para as contratações públicas capaz de revelar a combinação pronta e acabada de ferramentas que funcionará diante de todo e qualquer cenário. Nesse sentido, nem as compras públicas centralizadas, nem as descentralizadas seriam respostas preconcebidas bastantes a solucionar, individualmente, todo e qualquer problema. É que a escolha das ferramentas de direito administrativo deve receber forte influência do contexto e da finalidade que se pretende realizar para ser bem-sucedida em tal propósito.12 Nesse sentido, é mais produtivo analisar as alternativas, suas vantagens e desvantagens, para que esse exercício permita buscar modelos aprimorados, ainda que híbridos, que serão tanto melhores quanto mais adaptados à realidade de cada

In: FORTINI, Cristiana; PEREIRA, Maria Fernanda Pires de Carvalho; CAMARGO, Tatiana Martins da Costa. Licitações e Contratos: aspectos relevantes. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 160. 12 Lester M. Salamon discorre neste sentido: “Importante como o conhecimento das ferramentas é para a nova governança, no entanto, está longe de ser suficiente. Ferramentas não operam de maneira isolada, afinal. Elas são especificadas pelo contexto. Isto é o que diferencia a ‘nova governança’ das abordagens mais ideológicas para a reforma do setor público que vieram à tona nos últimos anos sob os rótulos de ‘privatização’, ‘desregulação’, ou ‘devolução’. A nova governança não começa com a suposição de que uma ferramenta em especial é ‘a chave para um governo melhor’, como o título de um livro recente sobre a privatização coloca. Em vez disso, ela argumenta que a escolha das ferramentas depende muito do problema que se pretende resolver e do contexto em que ela opera. Contratar faz mais sentido, por exemplo, quando os produtos podem ser especificados com precisão razoável e os mercados são razoavelmente competitivos. Onde estas condições não estão presentes, no entanto, contratar pode sair pela culatra.” (The tools approach and the new governance: conclusions and implications. In: SALAMON, Lester M. The tools of government: a guide to the new governance. New York: Oxford Univ. Press, 2002, p. 606 – tradução livre). 11

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contexto de aplicação. Dito isto, é preciso investigar os protótipos descentralizados e centralizados de compras públicas, bem como suas principais características. Segundo a síntese de Eduardo Fiúza, o desenho descentralizado de compras públicas, formato comumente adotado no Brasil, teria as seguintes vantagens: 1) Elas fortalecem a economia local; 2) Elas reduzem a necessidade de deslocamentos dos vendedores a um centro distante, como a capital federal ou do estado; 3) O comprador conhece melhor as necessidades e os costumes locais (é o exemplo da merenda escolar com produtos típicos da região e que fazem parte dos hábitos alimentares locais); 4) Não se incorre em excessivo custo de transporte, justamente porque se adquirem produtos no mercado local; 5) Compras centralizadas favorecem o aumento da concentração de mercado e dificultam o acesso das pequenas e médias empresas (PMEs) aos mercados das licitações; e 6) A agência que faz as compras em grandes volumes expõe-se a um risco comercial muito grande de que seus estoques encalhem por causa de alguma inadequação do produto selecionado às demandas dos órgãos consumidores finais.13

Além disso, acrescente-se que as compras descentralizadas permitiriam maior autonomia às entidades da Administração Pública, hipoteticamente favorecendo sua gestão. Todavia, seriam desvantajosas sob outros aspectos, tendo em vista a possibilidade de: (i) culminarem em fragmentação, perdendo economia de escala; (ii) demandarem a replicação de muitas estruturas institucionais e funcionais para o mesmo fim, em cada ente contratante; e, com isso (iii) importarem a baixa capacidade técnica dos servidores encarregados das compras, devido ao improviso da função, diante da ausência de uma carreira unificada e mais qualificada de analistas de compras. Por outro lado, segue Eduardo Fiuza, os argumentos favoráveis à descentralização não seriam nem totalmente procedentes, ou tampouco levariam em conta as vantagens das compras centralizadas, quais sejam: 1) Os ganhos com a maior escala de compra podem compensar os gastos mais altos com logística; 2) Agregar compras de bens e/ou serviços cuja provisão conjunta tem economias de escopo pode viabilizar a obtenção de lances mais baixos dos licitantes que auferem tais economias;

Desenho institucional em compras públicas. In: SALGADO, Lucia Helena; FIUZA, Eduardo P. S. (Orgs.). Marcos Regulatórios no Brasil: aperfeiçoando a qualidade regulatória. Rio de Janeiro: Ipea, 2015, p. 153-154. Disponível em: . Acesso em: 10 abr. 2016.

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3) A proximidade do comprador ao mercado local eleva o risco de corrupção; 4) Os pregões eletrônicos reduzem sensivelmente as necessidades de deslocamentos físicos de profissionais de vendas; de uma maneira geral, os avanços na comunicação com TI proporcionam uma reversão da tendência anterior de descentralização, quando o tempo de resposta era um fator crucial; além disso, a existência de representações locais da agência central de compras também ajudaria; 5) É muito mais fácil criar uma massa crítica de gestores qualificados para administrar compras quando se tem maior escala, e isso só é obtido com a centralização. Essa qualificação é ainda mais necessária quando se trata de licitações em áreas que requeiram expertise específica num produto ou mercado (OCDE, 2011). O que se observa é que, se a mão de obra empregada nas atividades de compras públicas tem baixa qualificação, isto é ainda mais verdadeiro quando se trata da mão de obra de estados e municípios pequenos; 6) Também é mais fácil coordenar as equipes de compras de modo a estabelecer um rodízio ou outras medidas com o objetivo de reduzir a vulnerabilidade do sistema à corrupção.14

Some-se aos pontos dispostos que o protótipo centralizado de compras públicas pode ainda promover: (i) a padronização de procedimentos, objetos contratados, minutas de edital e contrato e soluções de tecnologia da informação, com ganho de racionalidade administrativa, para além da economia de escala por si, gerando ainda mais eficiência; (ii) a criação de carreira específica organizada de analistas de compras, potencializando o aumento da qualidade dos gestores; (iii) maior segurança jurídica, com a edição de enunciados sumulares indicando interpretações práticas adotadas, melhorando o ambiente negocial entre o público e o privado; (iv) produção de dados estatísticos, favorecendo o controle de gastos; (v) facilitação do controle, por meio da disseminação e adoção das recomendações feitas pelas Cortes de Contas; e (vi) facilitação da adoção de medidas de defesa da concorrência pelo Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – SBDC. Em que pese a tais dados positivos, poderiam ensejar em desvantagens, principalmente: (i) excessiva demanda de organização administrativa centralizada, decorrente da massa de objetos a padronizar e licitar; (ii) centralização política em detrimento da autonomia administrativa; (iii) risco de atraso em escala de certo item, contratado com um mesmo fornecedor para toda a Administração; (iv) risco de lentidão do procedimento licitatório, por se tornar mais robusto; (v) risco de distanciamento dos demandantes

Desenho institucional em compras públicas. In: SALGADO, Lucia Helena; FIUZA, Eduardo P. S. (Org.). Marcos regulatórios no Brasil: aperfeiçoando a qualidade regulatória. Rio de Janeiro: Ipea, 2015, p. 154. Disponível em: . Acesso em: 10 abr. 2016.

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das compras;15 e (vi) necessidade de organização orçamentária para garantir a escala das contratações. Em meio a essas variadas considerações de vantagens e desvantagens dos modelos descentralizado e centralizado de contratações públicas, há uma miríade de formatos possíveis entre a descentralização total (que confere cada uma das competências e etapas dos procedimentos de aquisições públicas a toda e qualquer entidade da Administração Pública com personalidade jurídica) e a centralização plena (que conjuga, em uma única entidade ou órgão, todas as ações necessárias para adquirir bens ou serviços). A adequação do desenho das ferramentas de compras públicas dependerá, portanto, das circunstâncias que delineiem o funcionamento das entidades contratantes, bem como que delimitem os objetos a serem contratados. Nesse cenário, merecem menção as possibilidades de (i) adoção de mecanismos de realização de compras compartilhadas/agregadas, como o sistema de registro de preços brasileiro; bem como (ii) criação de centrais de compras públicas. Em ambas as hipóteses, com auxílio de plataformas de tecnologia e comunicação. Trata-se de dois formatos que seguem a tendência de engenharias jurídicas adotadas, no plano da União Europeia, por meio da Diretiva nº 24/2014, e que, de certa forma, parecem encontrar espaço para estruturação também no sistema brasileiro de contratações públicas. Isso porque, se de um lado, o art. 23, §1º, da LGL prevê a divisibilidade das compras públicas, de modo a favorecer a competitividade, por outro lado, resguarda que assim não se deverá proceder se isso importar perda de economia de escala.16 Fórmula de semelhante plasticidade parece ser adotada nos incisos I e IV do art. 15 da LGL, ao disporem que as compras, sempre que possível, deverão obedecer à padronização, bem como serem divididas em parcelas, à luz das peculiaridades do mercado, em busca da economicidade.17 Diante disso, é útil não só apresentar o desenho brasileiro adotado em seu sistema de registro de preços, bem como, na sequência, relatar algumas experiências

Cf. MATOS, Rita de Cassia Holanda. Política de Compras no Poder Público: centralização a melhor solução? Dissertação, UECE. Fortaleza, 2009. Disponível em: . Acesso em: 13 abr. 2016. 16 Art. 23. As modalidades de licitação a que se referem os incisos I a III do artigo anterior serão determinadas em função dos seguintes limites, tendo em vista o valor estimado da contratação: §1º As obras, serviços e compras efetuadas pela Administração serão divididas em tantas parcelas quantas se comprovarem técnica e economicamente viáveis, procedendo-se à licitação com vistas ao melhor aproveitamento dos recursos disponíveis no mercado e à ampliação da competitividade sem perda da economia de escala. §2º Na execução de obras e serviços e nas compras de bens, parceladas nos termos do parágrafo anterior, a cada etapa ou conjunto de etapas da obra, serviço ou compra, há de corresponder licitação distinta, preservada a modalidade pertinente para a execução do objeto em licitação. 17 Art. 15. As compras, sempre que possível, deverão: I - atender ao princípio da padronização, que imponha compatibilidade de especificações técnicas e de desempenho, observadas, quando for o caso, as condições de manutenção, assistência técnica e garantia oferecidas; [...] IV - ser subdivididas em tantas parcelas quantas necessárias para aproveitar as peculiaridades do mercado, visando economicidade; 15

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que avançam rumo a modelos mais centralizados por meio de centrais de compras ou mesmo de modelagens híbridas.

5  Sistema de Registro de Preços – SRP como mecanismo de compras públicas compartilhadas De acordo com o art. 15, inc. II, da LGL, as compras, sempre que possível, deverão ser processadas mediante Sistema de Registro de Preços – SRP. O SRP consiste na cotação formalizada de preços para itens unitários (bens ou serviços), decorrente de licitação (pela modalidade concorrência ou pregão), com vistas à realização de subsequentes contratações para a aquisição dos produtos. Faz-se uma só licitação referente a grandes quantidades de certo bem ou serviço de uso contínuo, que será gerenciada por determinado órgão público e beneficiará outros tantos previamente cadastrados, mas não se contrata de imediato toda a quantidade estampada no edital. Licita-se a potencial contratação futura, a ser implementada na medida das necessidades dos órgãos públicos. Isto é, após o processamento da licitação, o sujeito titular da melhor proposta é convidado a assinar a ata de registro de preços, responsabilizando-se, a partir daí, pelo fornecimento do produto cotado, nas quantidades demandáveis, futura e parceladamente, pela Administração (observando-se o limite máximo para o fornecimento), durante todo o tempo de vigência do registro (cuja validade é limitada a 12 meses, prorrogável por igual período). O exemplo mais comum é o do papel, café ou dos produtos de higienização: a Administração projeta as médias de consumo anual e seleciona, por meio de uma só licitação, aquele que poderá fornecer tais produtos durante o ano inteiro. Mas isso não impede que o modelo seja aplicado em todos os produtos e serviços que sejam de uso constante, por mais sofisticados que possam parecer. O fornecimento dar-se-á de acordo com as demandas de curto prazo, em vista das efetivas necessidades. Mas fornecedor, preço e qualidade são definidos de partida e se estabilizam no tempo. Tais características do SRP, que recebe regulamentações próprias em cada esfera federativa brasileira, vocacionam o mecanismo a atender necessidades administrativas contínuas, cujo consumo seja certo, mas sem a prévia viabilidade de estimativa exata do tempo e da quantidade da aquisição. O que existem são parâmetros mínimos e máximos a fim de que se permita a formulação de propostas mais bem balizadas. O SRP é firme nos propósitos de ganhar (i) economia com a escala das contratações e (ii) dinamicidade com a celebração de contratos no exato momento em que a necessidade se afirme presente. Logo, o bom funcionamento do sistema depende do engajamento do maior número de órgãos interessados na licitação compartilhada de dado objeto. Isso faz com que sua adoção seja recomendada para a licitação

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de bens e serviços comumente precisados pela Administração Pública, afastando aqueles objetos extraordinários ou excepcionais, bem como casos singulares ou de alta complexidade. Trata-se de consideração que, a um só tempo: (i) atrai a modalidade licitatória do pregão (preferencialmente eletrônico), criada para a contratação de bens e serviços comuns; e (ii) revela um vetor de orientação geral para o que deve ser centralizado, em matéria de licitações públicas, e o que se recomenda manter descentralizado (como será retomado nas experiências descritas no item seguinte). Em vista desse arranjo geral – que se subdivide em quatro grandes fases, contemplando (i) estudos prévios à futura aquisição, (ii) licitação, (iii) assinatura da ata de registro de preços e (iv) seu acompanhamento e gestão subsequentes –, as entidades administrativas assumem os papéis básicos de órgão gerenciador, órgão participante e órgão não participante, órgão participante de compra nacional e gestor do contrato.18 Em tal quadro, é de se destacar que o órgão gerenciador – que costuma, ainda que não obrigatoriamente, ser uma secretaria de planejamento ou gestão – consolida a estimativa quantitativa da aquisição de objetos pretendidos pelos órgãos participantes do registro de preços para proceder à sua licitação. Todavia, as disciplinas regulamentares habitualmente preveem a possibilidade de que órgãos não participantes (mais conhecidos como “caronas”) solicitem adesão à ata de registro de preços, ainda que em quantidade limitada para o fornecimento.19 São os free-riders no SRP, que detectam bens e serviços disponíveis em outros órgãos e, ao invés de realizar as suas próprias licitações, aderem tardiamente às atas de registro de preços disponíveis. Os órgãos não participantes podem integrar atas de registro de preços, encontrando nelas a economia de escala conformada pelos quantitativos dos órgãos participantes que levaram à sua licitação, ao lado da economia da racionalização administrativa por não terem eles, novos entrantes, incorrido nos custos de pessoal, material e tempo para licitação dirigida às suas demandas, em virtude de sua pesquisa de preços ter justificado aderir à ata de registro de preços já vigente. Com o SRP, tem-se, assim, um mecanismo de compra compartilhada, que não contempla entidade central previamente definida para todo e qualquer caso de forma rígida – o órgão gestor é condição temporária da entidade administrativa, de efeitos restritos à licitação de certa ata de registro de preços em específico –, envolvendo diferentes atores em torno de cotações únicas de bens e serviços comuns, em busca

As atribuições de cada um dos atores encontram-se detalhadas em MOREIRA, Egon Bockmann; GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Licitação pública: a Lei Geral de Licitações/LGL e o Regime Diferenciado de Contratações/ RDC. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 448-450. 19 Em âmbito federal, por exemplo, as aquisições por “caronas” não poderão exceder, por órgão ou entidade, a 100% dos quantitativos registrados em ata, sendo que o quantitativo decorrente das adesões não poderá exceder, na totalidade, ao quíntuplo do quantitativo de cada item registrado para o órgão gerenciador e para os órgãos participantes (art. 22 do Decreto nº 7.892/2013). 18

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de economia de escala e maior poder de influência sobre os mercados fornecedores, seus produtos, serviços e preços praticados. Trata-se de mecanismo experimentado, com aplicação crescente no Brasil, mas que poderia receber aprimoramentos interessantes, os quais mereceriam ser testados pontualmente para, caso bem-sucedidos, serem então disseminados. É que, como o preço registrado se mantém o mesmo em todo o prazo de validade contratual, dentro de margem quantitativa muito grande, se perde a chance de que os preços sejam reduzidos proporcionalmente, acompanhando a paulatina contratação das quantidades estimadas. Há, assim, economia de escala que não é capturada em relação aos órgãos participantes e, que dirá então, em relação aos não participantes (que nem sequer tiveram seus quantitativos levados em consideração pelos fornecedores proponentes). Parece que o melhor seria, como propõe Ângelo Henrique Lopes da Silva, trabalhar com propostas multidimensionais, contemplando gatilhos quantitativos que automaticamente importariam a redução do custo unitário dos bens ou serviços registrados, permitindo assimilar maior economia de escala, de forma mais transparente, inclusive quanto aos “caronas” não participantes do SRP original.20 De todo modo, mesmo que não importem propriamente um método institucionalmente centralizado de contratação, como que numa agência ou central de compras,21 que poderia, com maior destreza, aprimorar os pontos sublinhados, as compras compartilhadas por meio do SRP têm demonstrado vantagens, notáveis principalmente em economias de: (i) tempo; (ii) recursos materiais para proceder às licitações; e (iii) escala; bem como (iv) melhor gerenciamento e controle de estoques; e (v) melhor execução orçamentária.22 Em paralelo a isso, mais recentemente há outras iniciativas sendo postas em prática no Brasil – seja para aprofundar a centralização de compras públicas, seja para justificar sua maior descentralização ou encontrar modelos híbridos sob medida.

Cf. SILVA, Ângelo Henrique Lopes da. Economia de escala nas compras governamentais: problema ou solução? Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 8, n. 30, p. 9-25, abr./jun. 2010; e SILVA, Ângelo Henrique Lopes da. Capturando economias de escala no Sistema de Registro de Preços. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 9, n. 35, p. 9-30, jul./set. 2011. 21 Proposta no sentido da criação de uma Agência Nacional de Compras Públicas pode ser encontrada em FIUZA, Eduardo P. S. Desenho institucional em compras públicas. In: SALGADO, Lucia Helena; FIUZA, Eduardo P. S. (Org.). Marcos regulatórios no Brasil: aperfeiçoando a qualidade regulatória. Rio de Janeiro: Ipea, 2015, p. 91 ss. Disponível em: . Acesso em: 10 abr. 2016. 22 Sobre os dois últimos pontos: BARBOSA, Klênio. O sistema brasileiro de registro de preços. In: SALGADO, Lucia Helena; FIUZA, Eduardo P. S. (Org.). Marcos regulatórios no Brasil: aperfeiçoando a qualidade regulatória. Rio de Janeiro: Ipea, 2015, p. 91 ss. Disponível em: . Acesso em: 16 abr. 2016. 20

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6  Experiências recentes em modelos de compras públicas no Brasil

6.1  A central de compras públicas da União Em outubro de 2013, a Administração federal contratou, de forma compartilhada, serviço de telefonia fixa para 70 órgãos, o que resultou em economia comparativa de 49,5% em relação ao preço anteriormente praticado.23 Com base nesse projeto-piloto, em janeiro de 2014, a União publicou o Decreto nº 8.189/2014, posteriormente sucedido pelo já mencionado Decreto nº 8.578/2015. Dedicando-se à estruturação interna da Administração Pública federal, o Decreto nº 8.578/2015 criou, dentro do Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão, uma Central de Compras (art. 2º, II, d, item 5), e a ela conferiu as seguintes competências, no âmbito do Poder Executivo federal: I - desenvolver, propor e implementar modelos, mecanismos, processos e procedimentos para aquisição e contratação centralizadas de bens e serviços de uso em comum pelos órgãos e entidades; II - planejar, coordenar, controlar e operacionalizar ações que visem à implementação de estratégias e soluções relativas às licitações, aquisições e contratações de bens e serviços de uso em comum; III - planejar, coordenar, supervisionar e executar atividades para realização de procedimentos licitatórios e de contratação direta, relativos a bens e serviços de uso em comum; IV - planejar e executar procedimentos licitatórios e de contratação direta necessários ao desenvolvimento de suas atividades finalísticas; V - firmar e gerenciar as atas de registros de preço relativas a licitações, aquisições e contratações de bens e serviços de uso em comum; e VI - firmar e gerenciar os contratos relativos a licitações, aquisições e contratações de bens e serviços de uso em comum. (art. 31).

Além disso, definiu que: (i) as licitações para aquisição e contratação de bens e serviços de uso em comum pelos órgãos da administração direta do Poder Executivo deveriam ser efetuadas prioritariamente por intermédio da Central de Compras, facultando a participação das entidades da administração indireta em tais procedimentos (art. 31, §§1º e 2º); (ii) que ato do Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão definiria os bens e serviços de uso comum cuja licitação ou procedimentos de contratação direta seriam, então, atribuídos exclusivamente à Central de Compras (art. 31, §3º); e que (iii) a centralização das licitações e da instrução dos processos de aquisição e contratação direta será implantada de forma gradual (art. 31, §4º).

Disponível em: . Acesso em: 18 abr. 2016. Porém, o modelo tem encontrado resistência também dos respectivos mercados, como na demanda judicial instalada por associação de agências de viagens contra o projeto federal de compras centralizadas de passagens aéreas. (Disponível em: . Acesso em: 30 abr. 2016).

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A modelagem institucional da Central de Compras públicas federal chama atenção, principalmente, por delimitar seu objeto de esforço em bens e serviços comuns, bem como por adotar estratégia de implantação gradual. Desse modo, o mecanismo federal de centralização de compras públicas parece bem postado quanto a seus objetos de empenho (bens e serviços comuns) e quanto à paulatina efetivação, que passa por fase de adoção prioritária e respectivos testes práticos até se tornar de operação exclusiva para itens que venham a ser definidos em ato do Ministro do Estado de Planejamento e Gestão.

6.2  A centralização de compras no Distrito Federal A fim de aprimorar o planejamento de compras públicas, reduzir o processo burocrático, restringir estruturas repetidas de infraestrutura e pessoal para realizar licitações, bem como criar grandes blocos de contratações para adquirir poder de negociação com fornecedores,24 o governo do Distrito Federal editou o Decreto nº 36.520/2015. A modelagem instituída vem imbuída de racionalizar a atividade administrativa e simplificar processos (art. 2º, III), bem como prevê competir à Secretaria de Gestão Administrativa e Desburocratização do Distrito Federal a adoção das medidas necessárias à regulamentação, operacionalização e coordenação do sítio eletrônico central de licitações, do sistema centralizado de licitações, do sistema de cotação eletrônica, do Cadastro Unificado de Fornecedores, do Catálogo Unificado de Materiais e Serviços e do Painel de Mapa de Preços da Secretaria de Estado de Fazenda (art. 43). Em que pese incipiente quanto à institucionalização da centralização de compras, que segue muito amparada na lógica compartilhada do Sistema de Registro de Preços, os principais pontos de destaque do Decreto nº 36.520/2015 seguramente estão: (i) na padronização de instrumentos convocatórios, minutas de contrato e objetos de contratação, a cargo da Procuradoria-Geral do Distrito Federal (art. 7º e seguintes); e (ii) nas orientações de que caberá à Subsecretaria de Logística consolidar os quantitativos e especificações dos bens a serem adquiridos pela Administração, bem como estipular os valores máximos dos produtos de acordo com mapa de preços, consistente na lista de valores praticados no mercado, de responsabilidade da Secretaria de Fazenda, com base em dados coletados das notas fiscais eletrônicas emitidas em transações comerciais em Brasília (art. 23 e seguintes). Com isso, pretende-se identificar o valor de mercado de bens e serviços a fim de estabelecer um teto para as compras governamentais (o que poderá dispensar a pesquisa de preços).

Disponível em: . Acesso em: 19 abr. 2016.

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A adoção dos valores praticados no mercado privado como referência é medida interessante. Todavia, é de se esperar que sua viabilidade dependa de transplantar as mesmas matrizes de risco subjacentes às contratações privadas para os contratos administrativos. No limite, essa transposição automática de preços poderá fazer com que diversas licitações centralizadas se tornem infrutíferas, por considerarem as propostas apresentadas como superfaturadas em relação aos valores de referência adotados, já que as propostas dos licitantes tenderão a ser maiores do que os preços praticados livremente na iniciativa privada.25 É que a premissa adotada parece esquecer que não só as licitações impõem riscos e custos aos particulares, mas, principalmente, assim o fazem as contratações com a Administração Pública brasileira. Com isso, pretender licitar e contratar com custos abaixo daqueles praticados no mercado privado é quase uma quimera, ressalvados casos em que o desenho de boas engrenagens de centralização de compras públicas as revele aptas a capturar economias de escala, combinado com o histórico de bons pagamentos da Administração contratante.

6.3  A centralização de compras no Estado de Minas Gerais O Estado de Minas Gerais aproxima-se da lógica insinuada no modelo de centralização da União. Enfocando na contratação de bens e serviços comuns (art. 1º), o Decreto Estadual nº 46.944/2016 elege a Secretaria de Planejamento e Gestão – SEPLAG como responsável para realizar os processos de compras de forma centralizada e gerenciar os contratos corporativos decorrentes deles (art. 1º, §1º), prevendo ainda que a aquisição centralizada resultará do agrupamento, em um único processo de compras, de pedidos de compras inseridos e aprovados no Portal de Compras estadual, cuja execução será realizada de forma descentralizada por seus anuentes (art. 2º, III). De forma inovadora, o decreto estabelece a figura do contrato corporativo, consistente em instrumento de contrato oriundo de aquisição ou contratação centralizada, formalizado pelo contratante principal em nome dos órgãos e entidades anuentes, para atendimento às suas demandas por bens e serviços de uso comum (art. 2º, IV, art. 7º ss.). Com isso, a SEPLAG substitui-se aos demais órgãos e entidades da Administração participantes da compra centralizada na celebração do contrato, inclusive desonerando-os no que toca à gestão e fiscalização contratual (art. 2º, IV), o que Cf.: RIBEIRO, Leonardo Coelho; FREITAS, Rafael Véras de. Manutenção do ambiente negocial entre o público e o privado e desenvolvimento nacional: o impacto das modulações regulatórias nos contratos da administração e o dever de coerência administrativa. In: CORRÊA, André Rodrigues; PINTO JÚNIOR, Mario Engler (Orgs.). Cumprimento de contratos e razão de estado. São Paulo: Saraiva, 2013. Para se ter uma ideia, a LGL, em seu art. 78, inc. XV, autoriza que a Administração permaneça inadimplente por até 90 (noventa) dias, sem que o particular contratado possa pretender a rescisão contratual. Esse prazo, num contrato de grandes proporções, pode importar a quebra do contratado.

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lhe confere até mesmo a prerrogativa de remanejar as quotas-partes entre os órgãos e entidades anuentes, caso se faça necessário (art. 3º, VII). A definição de quais bens e serviços de uso comum cuja licitação ou procedimentos de contratação direta serão realizados através do modelo de aquisição ou contratação centralizada constará de ato do Secretário de Estado de Planejamento e Gestão, a partir do qual deverá ser adquirido ou contratado pelos órgãos e entidades do Poder Executivo estadual que recebam recursos financeiros do tesouro estadual para pagamento de despesas com pessoal ou de custeio em geral ou de capital, excluídos, no último caso, aqueles provenientes de aumento de participação acionária (art. 11, §1º, e art. 1º, §2º). Dito ato deverá conter regras de transição (art. 11, §2º, III e §3º), atraindo a mesma ordem de comentários a propósito da toada gradual, adotada no modelo federal. Em concretização a tal diretriz, foi editada a Resolução SEPLAG nº 04/2016, determinando a adoção do modelo de contratação centralizada para a contratação de seguro DPVAT – Seguro Contra Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre para os veículos oficiais de propriedade ou de posse da Administração direta, autarquias e fundações criadas ou mantidas pelo Estado (art. 1º).

6.4  O caminho inverso: o aprofundamento da descentralização de compras no Estado do Rio de Janeiro Em movimento contrário ao encontrado nas experiências até aqui relatadas – mas não isolado, já que outros Estados brasileiros seguem sem criar centrais de compras –, o Estado do Rio de Janeiro vem intensificando a descentralização de suas compras públicas. Segundo Márcio Zylberman, diversas ações foram adotadas no âmbito do Plano Estratégico 2007-2027 e, em seguida, do Plano Estratégico 20122031, de modo a descentralizar a gestão estadual em busca de eficiência, equilíbrio fiscal e melhor oferta de serviços públicos.26 Descentralização de funções em níveis central, setorial e seccional, e adoção de sistemas de tecnologia da informação tripartidos em monitoramento de projetos, de pessoal e gestão de aquisições foram realizadas com justificativa na grande quantidade de órgãos e servidores estaduais e na dificuldade de chegar até a ponta da gestão para fazer frente às demandas concretas. No campo de contratações, foram editados diversos decretos contemplando: (i) contratação de serviços continuados (Decreto nº 41.203/2008); (ii) tratamento favorecido, simplificado e diferenciado para as microempresas e empresas de pequeno porte nas contratações públicas (Decreto nº 42.063/2009); (iii) Sistema de A gestão das compras públicas dos Estados brasileiros: a experiência do Rio de Janeiro com a opção da descentralização. Dissertação apresentada junto à Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro, 2015, p. 41 e ss.

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Registro de Preços com características descentralizadas (Decretos nº 41.135/2008, 41.329/2008, 42.105/2009 e 42.216/2010); (iv) a gestão operacional e patrimonial da frota de veículos oficiais (Decreto nº 41.952/2009); (v) o abastecimento de combustível dos veículos oficiais (Decreto nº 43.093/2011); (vi) instituição de sistema integrado de gestão de aquisições (Decreto nº 42.091/2009, sucedido pelo Decreto nº 43.189/2011); (vii) nova regulamentação do Sistema de Suprimentos (Decreto nº 42.301/2010); (viii) padronização de procedimentos para gestão de contratos administrativos (Decreto nº 44.501/2013); (ix) aplicação das diretrizes e o uso padronizado dos procedimentos relativos às atividades de gestão de frotas e de combustíveis (Decreto nº 44.500/2013). Dessa extensiva descrição de instrumentos normativos, é possível notar que, mesmo mantida a descentralização como norte geral, procedimentos foram padronizados, e treinamentos de capacitação de servidores realizados, no intuito de promover racionalidade e ganhos de eficiência, mantendo centralizados os serviços auxiliares de apoio, a gestão tecnológica e o controle de resultados. De todo modo, seja pela justificativa da padronização ou da grande quantidade de servidores e administrados, fato é que outros Estados de perfil próximo têm conseguido avançar a caminho da centralização de compras públicas e suas vantagens, ao modo como retratado nas recentes experiências de Minas Gerais. Visto isso, parece haver espaço para que o Rio de Janeiro, mesmo que mantendo um sistema híbrido, experimente iniciativas em prol da centralização de bens e serviços comuns, todas firmes no apoio de plataformas tecnológicas que possam, por si, mitigar as dificuldades peculiares complicadoras da adoção dessa estratégia no Estado.

7  Considerações finais Como se pode constatar, não há uma definição estável do sistema de compras brasileiro. As soluções estão em aberto. Os modelos normativos contemplados nas normas gerais não se preocuparam em definir uma só alternativa à Administração, mas, sim, em permitir a instalação de hipóteses variadas nos três níveis federativos. Ocorre que o sistema de compras centralizadas exige a compreensão mais abrangente do fenômeno, sobretudo em países de dimensão continental, como o Brasil (pense-se na logística, nas plataformas de gestão, na coabitação de preços praticados no mercado privado e no público, nas peculiaridades regionais etc.). Falta visão estratégica nacional de longo prazo, que não limite o tema das contratações centralizadas a apenas um grupo de sistemas telefônicos ou de passagens aéreas (que, dentro do universo das contratações públicas brasileiras, significam muito pouco). Muito importante também é a premissa de que não adianta discutir apenas o aprimoramento do processo de seleção do melhor contratado, deixando de lado os R. de Dir. Público da Economia – RDPE | Belo Horizonte, ano 14, n. 56, p. 57-74, out./dez. 2016

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contratos. Isso pode fazer com que se otimizem custos, mas não trata da distribuição de riscos envolvida nos contratos. Não adianta contratar rápido (e a baixo custo) para depois rever os termos econômicos dos contratos. Porém, fato é que os primeiros passos já foram dados, em vários níveis federativos. O importante agora é monitorar tais soluções, aperfeiçoá-las e pretender ampliar sua incidência a setores que envolvam compras mais robustas. Curitiba/Rio de Janeiro, abril de 2016.

Centralization of public procurement in Brazil Abstract: This article analyzes the institutional design of the brazilian public contracts system. Assuming as a premise the existence of a state purchasing power, and focusing in the purposes of the public biddings, this study is dedicated to the debate between alternative models of centralized and decentralized public procurements. in this context, it approaches the price registration system (srp) as a mechanism of shared public purchases and critically presents the experiences recently adopted in the country by the federal union, the federal district, and the states of Minas Gerais and Rio de Janeiro. Keywords: Public procurement. State purchase power. Public bidding. Price registration system. Sharing. Centralization. Decentralization.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT): MOREIRA, Egon Bockmann; RIBEIRO, Leonardo Coelho. Centralização de compras públicas no Brasil. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 14, n. 56, p. 57-74, out./dez. 2016.

Recebido: 07.04.2016 Aprovado: 15.08.2016

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