CIDADE DE QUEM?

July 9, 2017 | Autor: Daniel Lima | Categoria: History, Performance, Artes, Intervenção urbana
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CIDADE DE QUEM?
Por Daniel Lima
Apresentado no 1º Fórum Estética da Periferia

1.
Aqui vou falar do ponto vista de artista.

2.
Usarei uma performance que desenvolvi em 2005 aqui no Rio de Janeiro como
disparador para discutir rapidamente a ideia de estética e política.

3.
Imagens do "arrastão" que ocorreu em 18 de outubro de 1992 na praia de
Ipanema, Rio de Janeiro. O acontecimento foi determinante para a decisão
eleitoral. Ganhava força um discurso que pregava ordem, aumento da
repressão policial e apoio das Forças Armadas.

4.
Desenvolvido para o festival de novas mídias Prog: Me, no Rio de Janeiro,
em 2005, o projeto foi elaborado a partir do acontecimento conhecido como
"arrastão" ocorrido em 1992 em Ipanema, zona sul do Rio de Janeiro. A idéia
foi criar um vídeo a partir de uma intervenção urbana. A proposta da
intervenção consistia em levar vinte jovens negros sem camisa para andarem
juntos pela praia de Ipanema num domingo de sol, mas foi vetada pela
curadoria por preocupações com a segurança dos banhistas: supunha-se que
tal ação causaria pânico e descontrole. Crianças seriam pisoteadas, temiam
os curadores. Como resposta, propus um caminho racialmente "oposto": um
arrastão de loiros. Assim, trazia à tona a premissa que nasce deste
processo: vinte negros juntos não podem caminhar em Ipanema; vinte loiros
juntos podem caminhar em Ipanema.

5.
Anúncio nos Classificados para recrutar participantes para a intervenção.
Ninguém respondeu ao chamado. No dia da ação, conseguimos na praia os
participantes – a maioria de estrangeiros.

6.
Ação realizada em Ipanema com loiros – e quase loiros.

7.
E depois deste arrastão em 92, vimos outros transbordamentos sociais (que
sempre serão colocados na esfera da crimalização, justificando o controle).
Mais recentemente tivemos em SP os rolezinhos.

Jovens têm organizado encontros pelas redes sociais, principalmente em
shoppings da capital paulista e da Grande São Paulo. Os eventos ficaram
conhecidos como "rolezinhos". Os "Rolês" em shoppings acontecem há mais de
uma década. Antes eram chamados de encontros de fãs e serviam para que os
"ídolos" conhecessem os seus seguidores. A primeira iniciativa a ganhar
repercussão aconteceu no Shopping Metrô Itaquera, Zona Leste de São Paulo,
em dezembro de 2013 e reuniu cerca de seis mil adolescentes, segundo a
administração do centro comercial. Houve tumulto, a polícia foi acionada e
o shopping fechou uma hora e meia mais cedo*.

8.
Quantos apartheids ainda se vive no Brasil hoje? E nas grandes capitais?
Nos templos do consumo, nos faróis, nas favelas? Num Brasil em que 37
milhões de pessoas saíram da pobreza por meio dos programas de distribuição
de renda e do incentivo ao consumo, como convivem a velha e a nova classe
média em espaços reais e simbólicos? Para onde vão agora esses jovens, com
poder de consumo e mais confiantes? Eles vão ao Shopping. Querem comprar
aquele "Mizuno" de mil reais e precisam ir acompanhados por mais de mil
manos, afinal são o tempo todo seguidos por seguranças. Milhares de pessoas
desejam consumir (A CIDADE), mas a cidade continua apartada. Meninos e
meninas entre 13 a 17 anos acabam por colocar em xeque o apartheid social
em que vivem. O rolezinho revela a figura do Shopping Center como uma bolha
descomunal.

10.
Então quando falamos em Estética da Periferia, DO QUE estamos falando? QUE
PORTAS este conceito abre? Quais as ARTICULAÇÕES potencias deste conceito?
Ao falar de estética podemos ir além da ideia de estética como "discurso do
sensível". Podemos pensar a estética como sendo indisociável do conceito de
política, para juntos construir o que nosso COMUM (do que nos constitui
como sociedade). Esta construção do COMUM depende da Estética e da
Política. Nesta relação tanto a política quanto a estética podem ser
conservadoras ou transformadoras. A política conservadora em última análise
é a política POLICIAL, fundamento do Estado Policial, a configuração da
força como controle social e manutenção dos papeis e espaços socias. O que
hoje se revela do projeto das UPPs senão controle social, controle das
periferias? Uma polícia que claramente pensa o morador periférico como
'outro', fora da plena cidadania. E Estado também o concebe assim.
Manutenção das coisas como estão. Conservar...

11.
Impossível também não articular o conceito com o RACISMO. Racismo como
preconceito internalizado e ampliado como estruturas de poder. Estruturas
de poder para manter o histórico apartheit que sempre caracterizou o Brasil
(e as Américas) (e o mundo colonizado). ONDE ESTÃO OS NEGROS? Quais papeis
na sociedade? Qual história contada?
É preciso dizer: quando falamos de rolezinho/arrastão e da reação de uma
parcela da sociedade e da justiça brasileira, estamos falando também em
GENOCÍDIO. O genocídio da juventude negra e periféria tem vários estágios e
começa muito antes da bala ou das tacadas que lhes tirarão, por fim, a
vida. A vida desses jovens lhes foi sendo tirada desde a infância, quando
havia carência de matrícula em escolas para toda uma faixa etária; entre os
que conseguiram estudar, a vida foi-lhes tirada novamente seguidas vezes,
quando seus saberes foram oprimidos e suas vozes silenciadas.

12.
O verdadeiro fazer político é raro. Fazer que parte do princípio de
igualdade de forças (não como igualdade de caracteristicas e perspectivas
mas como horizontalidade). A política transformadora é rara. Pode estar bem
distante da política partidária... E falar de Estética da Periferia é falar
de política. E todo cuidado: pois esta política pode ser polícia. Pode ser
a manutenção dos papeis. Só deixa de ser quando transborda, quando ultrassa
os papeis sociais previstos. CIDADE DE QUEM? É preciso tomar a cidade.
Formar este COMUM. Tornar-se visível.

13.
No final este conceito de Estética da Periferia serve como conceito
transformador quando é pensado não como determinação geográfica ou mesmo
identidade mas quando pode ser visto como perspectiva que determina um
lugar de onde se parte: do invisível ao visível.

* Trechos do livro Zumbi Somo Nós do coletivo Frente 3 de Fevereiro (do
qual o autor participa).
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