Comunicação e Saúde em Jogo: Os video games como estratégia de promoção da saúde

July 14, 2017 | Autor: M. de Vasconcellos | Categoria: Game studies, Video Games, Digital Games, Comunicação, Games, Saúde Coletiva
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MARCELO SIMÃO DE VASCONCELLOS

COMUNICAÇÃO E SAÚDE EM JOGO Os video games como estratégia de promoção da saúde

ORIENTADORA Profa. Dra. Inesita Soares de Araujo 2o ORIENTADOR Prof. Dr. Joost Raessens

Rio de Janeiro 2013

MARCELO SIMÃO DE VASCONCELLOS

COMUNICAÇÃO E SAÚDE EM JOGO Os video games como estratégia de promoção da saúde

Tese apresentada ao Programa de PósGraduação em Informação, Comunicação e Saúde (Icict), como parte dos requisitos para obtenção do grau de Doutor em Ciências. Orientadora: Profa. Dra. Inesita Soares de Araujo 2o Orientador: Prof. Dr. Joost Raessens

Rio de Janeiro 2013

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca de Ciências Biomédicas/ ICICT / FIOCRUZ - RJ V331

Vasconcellos, Marcelo Simão de Comunicação e saúde em jogo: os video games como estratégia de promoção da saúde / Marcelo Simão de Vasconcellos. – Rio de Janeiro, 2013. xiv, 293 f. : il. ; 30 cm. Tese (Doutorado) – Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde, Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde, 2013. Bibliografia: f. 259-281 1. Comunicação e saúde. 2. Promoção da saúde. 3. Video games. 4. MMORPGs. 5. Jogos digitais. 6. Mundos virtuais. I. Título. CDD 371.337

MARCELO SIMÃO DE VASCONCELLOS

COMUNICAÇÃO E SAÚDE EM JOGO: Os video games como estratégia de promoção da saúde

Aprovado em 2 de agosto de 2013

Banca Examinadora

Profa. Dra. Inesita Soares de Araujo Icict / Fundação Oswaldo Cruz

Prof. Dr. André Luiz Martins Lemos FACOM / Universidade Federal da Bahia

Profa. Dra. Wilma Madeira Instituto Sírio-Libanês

Profa. Dra. Kátia Lerner Icict / Fundação Oswaldo Cruz

Profa. Dra. Cícera Henrique da Silva Icict / Fundação Oswaldo Cruz

A Deus, “porque Dele, e por meio Dele, e para Ele são todas as coisas.” (Romanos, 11:36) A meus pais, Edézio e Sônia, cujo amor e dedicação me trouxeram até aqui. À minha esposa, Ilmeire, que abdicou tantas vezes da minha presença nestes quatro anos, mas cujo carinho e companheirismo me ajudaram a superar todas as dificuldades e incertezas.

AGRADECIMENTOS

À minha orientadora, Inesita Soares de Araujo, que me ensinou, orientou e corrigiu ao longo destes quatro anos e com quem aprendi a entender um pouco mais as sofisticadas estratégias do discurso, um jogo desafiante em si mesmo. Obrigado por me ajudar a transformar intuições ainda nebulosas em argumento escrito e ter sido a primeira pessoa a acreditar que um gamer poderia se tornar um pesquisador. Aos meus colegas do Icict e do Multimeios, pelo reconhecimento e apoio à pesquisa deste objeto ainda tão novo, que são os video games. Em especial a Mauro Campello, Cristiane d’Avila, Paulo Marques, Henrique Nicolau, Alice Ferry, Umberto Trigueiros e Adir Glüsing. A Flávia Carvalho, pela companhia, apoio e ajuda em incontáveis ocasiões. A Wanilmar Kawakami, pelo incentivo e carinho. A Bianca Marins, pelos comentários oportunos e úteis. Aos meus colegas alunos e professores do PPGICS, por todo o aprendizado, companhia e incentivo. Aos entrevistados, que me cederam seu tempo, simpatia e histórias que foram esclarecedoras, engraçadas e, às vezes, esquisitas. Ao professor Joost Raessens, pela calorosa acolhida em Utrecht e pela orientação concedida, a qual contribuiu muito para esta tese. Valeu a pena ter cruzado o Atlântico para obter este aprendizado. Ao grupo de pesquisadores do New Media & Digital Culture da universidade de Utrecht, por compartilhar seu conhecimento comigo, especialmente ao doutor René Glas, pelas profundas observações a respeito de World of Warcraft. A Alex Gekker, pelas produtivas conversas a respeito de video games e comunicação nos cafés de Utrecht – Eu ainda lhe devo alguns scones por conta disso. Aos amigos de Utrecht cuja amizade tornou possível suportar os cinco meses longe de casa: Emanuelle, Pieter, Flávia Ba, Daniel Schiavini, Karola, Daniel Thomaz, Rafael, Vinícius, Suen e Qijun Han.

“Suponha que nós apenas sonhamos, ou inventamos todas aquelas coisas – árvores e relva e sol e lua e estrelas e até o próprio Aslam. Suponha que tenhamos feito isso. Então tudo que posso dizer é que, neste caso, as coisas inventadas parecem muito mais importantes do que as reais. Suponha que este fosso negro, este seu reino, seja o único mundo. Bem, me ocorre que é um mundo bem pobre. E esta é a coisa engraçada, quando penso a respeito. Nós somos apenas bebês inventando um jogo, se você estiver certa. Mas quatro bebês jogando um jogo podem criar um mundo de brincadeira que ganha do seu mundo vazio. É por isso que eu vou ficar do lado do mundo de brincadeira. Eu estou do lado de Aslam, mesmo que não haja Aslam.” C.S. Lewis, The Silver Chair (2009, p. 196, tradução nossa)

RESUMO

As estratégias públicas de Comunicação e Saúde no Brasil fazem uso de variadas mídias, desde as tradicionais (impressos, rádio, televisão) até as novas mídias, como sites, blogs e redes sociais. Estas iniciativas apresentam limitações advindas de sua matriz comunicacional, que produz uma prática caracterizada por um enfoque normativo e prescritivo e pela centralização da produção, com a decorrência de não atender a diversidade e as especificidades dos múltiplos contextos culturais e sanitários de um país como o Brasil, além de estabelecer um padrão comunicativo unidirecional, sem espaço para interlocução com os cidadãos. Estas características limitam muito os resultados das políticas de Comunicação e Saúde, que não se alinham com o protagonismo inerente aos princípios do SUS, particularmente ao princípio da participação social Esta tese investigou o potencial de Massively Multiplayer On-line Roleplaying Games (MMORPGs) para a Comunicação e Saúde sob o enfoque da promoção da saúde e teve como premissa que MMORPGs podem superar estes problemas apontados, representando uma estratégia relevante para a Comunicação e Saúde no sentido do aprimoramento da Promoção da Saúde, como espaço de desenvolvimento de uma cultura participatória na relação entre o Estado e a população, portanto como elemento de transformação da sociedade. Foram utilizados conceitos e teorias dos campos da Comunicação e Saúde e dos Game Studies para caracterizar video games como cultura participatória. Jogadores de um MMORPG (World of Warcraft) foram entrevistados como forma de refinamento da elaboração de categorias analíticas que formaram uma estrutura para análise de MMORPGs, o modelo de “Análise Relacional de MMORPGs: Contextos e Dispositivo” (ARM). O modelo foi baseado em dois outros modelos: um do campo da comunicação, Modelo do Mercado Simbólico e um do campo dos Games Studies, o Gaming Dispositif. Concluiu-se com a confirmação do potencial dos MMORPGs para a promoção da saúde e aplicabilidade do modelo para se avaliar e orientar a produção e a análise de MMORPGs para a promoção da saúde.

Palavras-chave: Comunicação e Saúde, promoção da saúde, video games, MMORPGs, jogos digitais, mundos virtuais.

ABSTRACT

The public Health Communication strategies in Brazil use various media, from the traditional ones (print, radio, television) to the new media such as websites, blogs and social networks. These initiatives have limitations arising from its communication matrix, which produces a practice characterized by a normative and prescriptive approach and the centralization of production, with the result of disregarding the diversity and specificity of the multiple cultural and health contexts of a country like Brazil as well as establishing a standard unidirectional communication, with no room for dialogue with citizens. These features greatly limit the results of the policies of Health Communication, which do not align with the inherent protagonism of the SUS´s principles, particularly the principle of social participation This thesis investigated the potential of Massively Multiplayer Online Roleplaying Games (MMORPGs) for Health Communication with a focus on health promotion and its premise was that MMORPGs can overcome the identified problems, being a relevant strategy for Health Communication in the sense improvement of health promotion, as a space for the development of a participatory culture in the relation between the state and the population, hence as element of social transformation. Theories from the fields of Health Communication and Game Studies were used to characterize video games as participatory culture. Players of a MMORPG (World of Warcraft) were interviewed as a way of refining the development of analytical framework for MMORPGs, the model for “Relational Analysis of MMORPGs: Contexts and Apparatus” (RAM). The model was based on two other models: one from communication field, Symbolic Model Market, and another from the field of Game Studies, the Gaming Dispositif. The conclusion supports the potential of MMORPGs for health promotion and the applicability of the model to evaluate and guide the production and analysis of MMORPGs for health promotion.

Keywords: Health Communication, health promotion, video games, MMORPGs, digital games, virtual worlds.

Sumário 1

Hic Sunt Dracones ............................................................................................... 12 Os video games e sua relação com a saúde .................................................. 17 Objetivos ...................................................................................................... 24 Justificativa .................................................................................................. 25 Referencial teórico ....................................................................................... 27 Capítulos ...................................................................................................... 29

Parte I - Lore ................................................................................................................. 31 2

Comunicação e Saúde ......................................................................................... 32 Saúde ............................................................................................................ 33

2.1.5.1

Enfoque no indivíduo ................................................................................... 45

2.1.5.2 Enfoque no coletivo .................................................................................. 46

Comunicação .............................................................................................. 57

3

Video Games ....................................................................................................... 77 Serious Games .............................................................................................. 77

3.1.1.1

Os primeiros esforços para definir o jogo .................................................... 78

3.1.1.2

Definindo jogo e video game ....................................................................... 80

3.1.2.1

Os principais serious games ......................................................................... 81

3.1.2.2

Definindo um paradoxo................................................................................ 83

3.1.2.3

Definição “provisória” de Joost Raessens.................................................... 84

3.1.4.1

Ênfase excessiva no papel do game designer .............................................. 90

3.1.4.2

Visão determinista da mídia ......................................................................... 91

3.1.4.3

Desconsideração dos jogadores e seu potencial criativo .............................. 92

3.1.5.1

Interatividade................................................................................................ 95

3.1.5.2

Participação .................................................................................................. 96

3.1.5.3

Cultura participatória nos video games ........................................................ 98

3.1.5.3.1. Interpretação ................................................................................................. 99 3.1.5.3.2. Reconfiguração .......................................................................................... 100 3.1.5.3.3. Construção.................................................................................................. 101 3.1.5.4

Cultura participatória em uma perspectiva político-ideológica ................. 104

3.1.5.5

Duas questões delicadas ............................................................................. 107

3.1.5.5.1. A Questão das Consequências na Vida Real .............................................. 107 3.1.5.5.2. A questão da “participação excessiva” ...................................................... 109 MMORPGs ................................................................................................ 111

3.2.3.1

RPGs e CRPGs ........................................................................................... 119

3.2.3.2

MUDs ......................................................................................................... 122

3.2.3.3

As Primeiras Gerações ............................................................................... 124

3.2.4.1

Público........................................................................................................ 130

3.2.4.2

Free to Play ................................................................................................ 131

3.2.4.3

Serious MMOs ........................................................................................... 132

3.2.5.1

Ambientação .............................................................................................. 136

3.2.5.2

Forma de jogo ............................................................................................ 136

3.2.5.3

Espaço Social: grupos e guildas, masmorras e raides ................................ 140

3.2.5.4

WoW no Brasil ........................................................................................... 144

3.2.5.5

O evento “Corrupted Blood” e sua relação com a epidemiologia ............. 144

3.2.6.1

Quem entra em jogo ................................................................................... 147

3.2.6.2

Quem está no jogo ...................................................................................... 149

Parte II - Theorycraft .................................................................................................. 154 4

As Regras do Jogo ............................................................................................. 155

5

ARM – Um modelo de análise e produção de vídeo games para a saúde ........ 166 Class Builds ................................................................................................ 166

Modding ..................................................................................................... 178

5.2.1.1

Contextos do Jogador ................................................................................. 178

5.2.1.2

Dispositivo do MMORPG.......................................................................... 181

5.2.1.2.1. Texto .......................................................................................................... 183 5.2.1.2.2. Sistemas...................................................................................................... 184 5.2.1.2.3. Infraestrutura .............................................................................................. 186 5.2.1.2.4. Meio Ambiente........................................................................................... 187 5.2.1.3

Os Modos de Participação .......................................................................... 189

5.2.1.4

Os Outros Jogadores .................................................................................. 190

5.2.1.5

Formulação Final ....................................................................................... 191

5.2.2.1

Imersão no mundo ...................................................................................... 196

5.2.2.2

Avatar, identidade e corpo ......................................................................... 201

5.2.2.3

O que é ser hardcore? ................................................................................. 207

5.2.2.4

O Aspecto Social ........................................................................................ 212

5.2.2.4.1. Jogo em Grupo ........................................................................................... 212 5.2.2.4.2. Sozinhos Juntos .......................................................................................... 215 5.2.2.4.3. Comunidade e Responsabilidade ............................................................... 216 5.2.2.5

Construção em World of Warcraft ............................................................. 222

5.2.2.5.1. Add-ons: modificando Sistemas ................................................................ 222

5.2.2.5.2. Registros de viagem: screenshots, fanfic e machinima .............................. 223 5.2.2.5.3. Tutoriais, guias, sites e fóruns .................................................................... 224 5.2.2.5.4. Construção no âmbito social ...................................................................... 225 5.2.2.6

Para fora do jogo: os sentidos em World of Warcraft ................................ 229

5.2.2.7

Os jogadores falam sobre saúde ................................................................. 232

5.2.2.7.1. A “lógica do vício”..................................................................................... 232 5.2.2.7.2. Video games e saúde .................................................................................. 235 5.2.2.7.3. Doença e Incapacidade ............................................................................... 236

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Endgame ............................................................................................................ 240 Sobre o Modelo ARM ................................................................................ 240 Voltando às questões de pesquisa .............................................................. 243 Desafios ...................................................................................................... 254 Finalizando ................................................................................................. 257

Referências Bibliográficas .......................................................................................... 259 Glossário ..................................................................................................................... 282 Apêndice A – Modelo de Análise Relacional de MMORPGs completo ....................... 286 Apêndice B - Termo De Consentimento Livre E Esclarecido (TCLE) ...................... 287 Anexo – Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa................................................ 288

Lista de Ilustrações Quadro 1 – Taxonomia de Jogos para Saúde de Sawyer e Smith ............................................ 53 Figura 1 – Jogos estratégicos e RPGs..................................................................................... 120 Figura 2 – Computer Role Playing Games (CRPGs) ............................................................. 122 Figura 3 – MUD1 ................................................................................................................... 123 Figura 4 – Os primeiros MMORPGs...................................................................................... 125 Figura 5 – Ultima Online ........................................................................................................ 126 Figura 6 – Segunda geração dos MMORPGs ......................................................................... 126 Figura 7 – Novos gêneros de MMORPGs .............................................................................. 127 Figura 8 – Jogos baseados em obras literárias ........................................................................ 128 Figura 9 – Quest Atlantis ........................................................................................................ 133 Figura 10 – World of Warcraft e suas expansões ................................................................... 135 Figura 11 – Cenário de World of Warcraft ............................................................................. 137 Figura 12 – Avatares .............................................................................................................. 138 Figura 13 – Combate .............................................................................................................. 139 Figura 14 – Jogo em grupo ..................................................................................................... 140 Figura 15 – Masmorras e Raides ............................................................................................ 141 Figura 16 – Campos de batalha .............................................................................................. 143 Figura 17 – Corrupted Blood ................................................................................................. 146 Quadro 2 – Personagens usados na experiência do jogo ........................................................ 157 Quadro 3 – Variação de sexo, escolaridade, formas de jogo .................................................. 161 Quadro 4 – Roteiro da Entrevista ........................................................................................... 162 Esquema 1 – Relação entre a Comunicação como Mercado Simbólico e o Gaming Dispositif .. 177 Esquema 2 – Contextos do Jogador ........................................................................................ 179 Esquema 3 – Dispositivo do MMORPG ................................................................................ 182 Esquema 4 – Modelo de Análise Relacional de MMORPGs: Contextos e Dispositivo (ARM) . 192 Quadro 5 – Perguntas de avaliação ........................................................................................ 192

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HIC SUNT DRACONES Hic Sunt Dracones, ou “Aqui há dragões” é uma frase latina que aparece no Hunt-

Lenox Globe (um dos mais antigos exemplares de globo terrestre), usada para indicar territórios inexplorados ou perigosos, da mesma forma que os mapas medievais punham serpentes marinhas e outras criaturas mitológicas nas áreas ainda desconhecidas. Os cartógrafos romanos também usavam a frase “hic sunt leones” (aqui há leões) com significado semelhante (BLAKE, 1999). Dragões e mapas são elementos frequentes em video games e de certo modo representam aspectos do jogo: de um lado o fantástico e mitológico, propondo uma narrativa épica; do outro as regras, o planejamento, a ideia de se materializar o real em uma inscrição. Nas duas propostas, a noção de explorar um ambiente e descobrir coisas. Um video game não pode ser apenas lido, assistido ou ouvido, é importante experimentá-lo, ou, melhor dizendo, explorá-lo. Entretanto, video games ainda são um território novo a ser explorado. Existem mapas, mas muitas omissões e lacunas. Mais recentes ainda são os esforços para analisá-los enquanto objeto de estudo (AARSETH, 2001). Esta não é uma tarefa fácil, dada a interdisciplinaridade que envolve os video games e sua constante mutação, fatores que tornam difícil traçar os limites do seu território. As dificuldades começam já na nomenclatura. Em Portugal video game é traduzido como jogo de vídeo e videojogo. No Brasil tem se usado vídeo game, videogame, jogo digital, jogo eletrônico, jogo de computador, jogo e simplesmente game para significar a mesma coisa. Os primeiros consoles dos anos 80 (Atari, Odyssey, etc.) também recebiam o nome de videojogo ou video game, o que contribui para complicar a questão. O dicionário Aurélio (FERREIRA, 2010) apresenta os termos videojogo e videogame como sinônimos, já o dicionário Houaiss apresenta videojogo e video game, destacando que videojogo é pouco usado. Para fins de simplificação, no contexto desta tese optou-se por usar o termo video game original, conforme opção apresentada no dicionário Houaiss. Ocasionalmente também é usado o termo jogo, mas somente em situações que não criem ambiguidade (HOUAISS, 2009). Independentemente da nomenclatura adotada, os video games tem se popularizado mais e mais na sociedade (PORTNOW, 2010). Contudo, as instituições de saúde pública no Brasil ainda não fazem uso corrente desta mídia em suas estratégias de comunicação, embora invistam grandes somas de recursos em outras mídias, produzindo materiais impressos,

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grandes campanhas de saúde no rádio, televisão e na internet. Mais especificamente, no que tange a comunicação em saúde feita atualmente, vários estudos descrevem um cenário marcado por tendências historicamente sedimentadas e caracterizado por uma produção centralizada que tende a veicular textos com uma abordagem genérica, sem referências culturais, que não contemplam as especificidades de um país tão grande e diversificado como o Brasil. Estes esforços de comunicação também tendem a ser altamente normativos e prescritivos, com acentuado foco na informação sobre comportamentos adequados à prevenção dos agravos de saúde. Mesmo quando a linguagem é coloquial, o tom é imperativo e confere autoridade exclusiva à voz da ciência, acentuando-se uma prática unidirecional e sem espaço para o diálogo com os cidadãos. Em última instância, esta tendência em se reduzir a Saúde a um conjunto de regras padronizadas prescritas por uma autoridade distante social e geograficamente, dissociada da realidade cotidiana da população a qual é vista como meros receptores passivos de informação, limita severamente os benefícios de muitas iniciativas de comunicação em saúde. Mais do que isso, em alguns casos até propiciam o surgimento de concepções equivocadas entre a população, aumentando sua vulnerabilidade a agravos de saúde (ARAUJO; CARDOSO, 2007; CARDOSO; LERNER, 2009). Dois aspectos particulares desse cenário estão na base da proposta desta tese e ambos decorrem de certo modo da centralização da produção da comunicação. Um dos aspectos diz respeito ao papel passivo reservado aos destinatários dessa comunicação, cujo único trabalho seria “decodificar” e compreender os termos das mensagens recebidas e seguir as recomendações ali contidas. O outro aspecto aponta pra a impossibilidade de contemplar com uma comunicação produzida em larga escala e de forma padronizada segmentos da população que por seus contextos particulares não se interessam pelas modalidades adotadas, seja pela aludida relação de passividade, seja por inadequação cultural, seja por não corresponderem a um padrão comunicacional esperado (CARDOSO; LERNER, 2009). A passividade no processo de recepção colide com o protagonismo recomendado pelo princípio da participação social que integra o conjunto de princípios e diretrizes do SUS (ARAUJO; CARDOSO, 2007). Colide também com os pressupostos da abordagem da Promoção da Saúde que, como será visto no capítulo 2, tem a proatividade do cidadão entre suas condições de possibilidade. Em outros termos, para se atingir uma saúde que não seja simplesmente ausência de doenças, mas que abranja e integre todas as outras dimensões da vida, é necessário que os indivíduos e coletividades estejam aptos a identificar e agir ativamente sobre as situações que afetam seu bem estar e suas condições de vida. Um dos

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elementos que a Promoção da Saúde estabelece e a concepção do SUS torna indispensável é a chamada cultura participatória, condição não só de saúde como de cidadania. Por outro lado, uma comunicação que só atinge determinados segmentos contraria os princípios da universalidade e da equidade, que buscam garantir uma saúde para todos, contemplando, porém suas diferenças. Desta forma, uma cultura participatória, entendida tanto como atributo dos cidadãos como dos governantes, permitiria que aqueles pudessem expressar e estes pudessem ouvir suas necessidades, demandas, modos específicos de perceber e fazer face aos agravos de saúde, estabelecer enfim novas formas de relação entre governo e sociedade. Nos últimos anos, houve diversas iniciativas do Ministério da Saúde brasileiro no sentido do aproveitamento das tecnologias virtuais para ampliar e diversificar sua comunicação em saúde, possivelmente tornando-se o mais atuante dentre todos os ministérios nas novas mídias. Assim, o ministério tem usado recursos como blogs, canais de vídeos no Youtube e perfis em redes sociais como o Twitter e Facebook, etc. No entanto, uma pesquisa recente identificou que, apesar de inegáveis avanços (por exemplo, a adoção de uma narrativa transmídia ou de aplicativos interativos no Facebook), os órgãos do ministério muitas vezes não utilizam o potencial de participação oferecido por essas mídias, limitando-se a utilizá-las como lugar de reafirmação do seu papel de informar à população sobre temas da saúde (SOBREIRA, 2013). Há ainda uma segmentação da presença da instituição em diferentes perfis e páginas nas redes sociais online, separados por setores ou temáticas (como, por exemplo, a dengue), o que torna o discurso oficial fragmentado e reduzido a “problemas de saúde”, tanto produzindo um ocultamento de uma perspectiva ampliada da saúde e dos seus determinantes sociais, como desconsiderando “os diferentes lugares de interlocução presentes no processo de comunicação e seus respectivos contextos” (SOBREIRA, 2013, p. 79). Reproduz-se desta forma o padrão normativo e prescritivo, com predominância absoluta das vozes autorizadas e praticamente nenhum fluxo horizontal, o qual possibilitaria a exploração desses espaços como lugares de debate e exercício de cidadania. Embora tenha feito tantos investimentos no meio on-line, o Ministério da Saúde não possui ainda estratégias específicas estabelecidas quanto ao uso de vídeo games, os quais hoje ficam a cargo da sua Divisão de Publicidade e Promoção Institucional. Geralmente são desenvolvidos pequenos jogos, disponibilizados em páginas de sites do ministério, normalmente executados na própria janela do navegador. Entretanto, estes jogos tendem a ter um papel secundário em relação às outras mídias, sendo realizados por equipes das agências

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de publicidade contratadas pelo Ministério da Saúde para as grandes campanhas de saúde e não por estúdios especializados na criação de video games (SILVA, 2012). Embora já se tenha pensado na criação de jogos mais elaborados para inclusão nas redes sociais, dificuldades na obtenção de desenvolvedores e as modalidades de pagamento incompatíveis com os procedimentos do governo até agora inviabilizaram as iniciativas. O chefe da Divisão de Publicidade e Promoção Institucional do Ministério da Saúde no período da pesquisa identifica três principais obstáculos para uma possível criação de video games capitaneada pelo Ministério da Saúde: dificuldades na formação de equipes especializadas, altos custos de desenvolvimento e a necessidade de um número relevante de usuários, principalmente levando-se em conta que tais jogos, a seu ver, tratariam de temas pouco atraentes como doenças e seus cuidados. Em vez disto, acredita que é mais vantajosa a formação de parcerias para inclusão de conteúdo de saúde em jogos já estabelecidos, com base de usuários já consolidada (FARIA, 2012). Um exemplo bem sucedido desta estratégia é a parceria entre o ministério e o jogo/comunidade virtual “Mundo do Sítio”, o qual frequentemente exibe informações relacionadas à saúde como divulgação de campanhas de vacinação (Zé Gotinha, 2012). Segundo Faria (2012), em três meses 885 mil crianças participaram de atividades relacionadas à dengue dentro do “Mundo do Sítio” e elas tendem a questionar os pais sobre os assuntos aprendidos no jogo, proporcionando um impacto que transcende o ambiente virtual, chegando a seus lares e comunidades. Desta forma, ainda que não haja estratégias específicas consolidadas para se efetuar comunicação em saúde por meio de jogos, estes primeiros esforços demonstram haver interesse por parte do Ministério da Saúde no uso da mídia dos vídeo games, conforme também atesta uma comunicação pessoal por e-mail realizada com o então ministro Alexandre Padilha. A pergunta feita ao ministro e subsequente resposta foram: Apesar dos grandes avanços nas práticas de Comunicação e Saúde na tentativa de ampliar o diálogo com a população, ainda é muito presente a tendência histórica de prescrição de comportamentos e centralização da palavra autorizada. O senhor acha que jogos digitais em ambientes on-line, que fomentam comunidades virtuais e incentivam a uma participação ativa do público, poderiam ser um meio para ajudar a mudar este cenário? Entendo que hoje, mesmo compreendendo a saúde de uma forma mais ampla nos deparamos reproduzindo práticas antigas mais relacionadas a conceitos que já ultrapassamos. Entretanto, acho que para além disso temos no Ministério da Saúde trabalhado fortemente para abrir diversas frentes de

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interlocução com a população possibilitando que, mais que um receptor das mensagens que achamos necessárias serem repassadas, a população tenha voz, que nos conte sobre sua experiência de vida e sua vivência com a saúde ou a doença. Quando investimos fortemente em redes sociais onde é possível uma interação instantânea com o cidadão estamos respeitando o princípio primordial do SUS que prevê a participação social como uma de suas instâncias. Hoje o Ministério da Saúde não se contenta com o trabalho simples de assessoria com a divulgação de releases e a resposta a imprensa através de entrevistas porque entendemos que, para além dos formadores de opinião, a população também tem sua opinião e deseja cada vez menos mediadores entre ela e o poder público. Assim, temos investido nas mais diversas áreas, da internet a televisão, passando pelo rádio. Temos regionalizados nossas matérias e reportagens e conversado com os chamados veículos mais populares em todos os Estados brasileiros, mas principalmente estamos abertos a novas formas de nos aproximar e diminuir a distância entre nós e o usuário. Já temos algumas experiências no SUS com jogos digitais, talvez ainda seja incipiente, mas acredito ser uma boa forma de aproximação com as crianças e os jovens, historicamente mais difíceis de serem atingidos por nossas políticas e menos preocupados com prevenção e promoção da saúde. Creio que esse tipo de mídia pode ser mais uma das muitas que já usamos na tentativa de nos aproximarmos cada vez mais e incentivar uma maior participação da juventude (PADILHA, 2013).

Então, por um lado existe um campo – o da Comunicação e Saúde – que no Brasil, por décadas, vem repetindo um padrão com pouco potencial de inovação no que diz respeito às possibilidades de desenvolvimento de uma cultura participatória. Por outro, há uma mídia – a dos video games – bem sucedida em todo o mundo (VIDEOGAME... , 2009), ganhando espaço em inúmeros setores além do entretenimento e a cada dia atingindo um número maior de pessoas dos mais diversos grupos sociais, cujo modus operandi é essencialmente participativo, como será discutido ao longo desta pesquisa. Uma mídia que oferece amplas possibilidades de desenvolvimento de uma cultura participatória, além de atingir amplas parcelas da população que, até mesmo por seu interesse nos video games, está pouco predisposta a ser receptora de modalidades mais tradicionais de comunicação. Esta tese teve como ponto de partida a premissa de que video games podem representar uma estratégia relevante para a Comunicação e Saúde no sentido do aprimoramento da Promoção da Saúde e, portanto, do SUS. Desta forma, ela investiga e busca dimensionar esse potencial como espaço de desenvolvimento de uma cultura participatória na relação entre o Estado e a população, portanto como elemento de transformação da sociedade.

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OS VIDEO GAMES E SUA RELAÇÃO COM A SAÚDE Video games são uma mídia recente, com pouco mais de quarenta anos, em desenvolvimento acelerado e marcado por reviravoltas tanto culturais quanto tecnológicas (KENT, 2001). Isto não quer dizer que os video games sejam um fenômeno obscuro. Muito pelo contrário, nos últimos anos a presença dos video games na sociedade aumentou sensivelmente em todo o mundo, devido a uma conjunção de inúmeros fatores tecnológicos, comerciais e culturais (RAESSENS, 2006). A indústria de jogos eletrônicos tem crescido de forma intensa nestes anos, deixando pra trás já em 2007 a indústria cinematográfica em termos de faturamento (GROWTH... , 2008). Em todo o mundo, milhões de pessoas jogam rotineiramente e este público não é mais restrito a crianças e adolescentes. Uma pesquisa realizada em 2011 apontou o Brasil como um dos maiores mercados para video games no mundo (GAP CLOSING... , 2011). Enquanto a população ativa na internet está estimada em 46 milhões de pessoas (10 a 65 anos), o número de jogadores de video games alcança 35 milhões. Destes, 17 milhões de jogadores representam público pagante, tendo gasto 2 bilhões de dólares em video games em 2011. A maior parte deste crescimento nos últimos anos se deve aos Massively Multiplayer On-line Role-Playing Games (MMORPGs)1 e jogos para plataformas móveis, como celulares e tablets. Dentre os 35 milhões de jogadores no Brasil, aproximadamente 24 milhões (69%) participam de MMORPGs, equiparando o gênero aos jogos em plataformas móveis e aos jogos nas redes sociais em termos de número de jogadores (GAP CLOSING... , 2011). É possível estimar que esta tendência deva continuar, uma vez que outra pesquisa, realizada em 2012 pelo Centro de Estudos sobre as Tecnologias de Informação e da Comunicação (CETIC.br), destacou um significativo crescimento de domicílios com computador (46%) e domicílios com acesso à internet (40%) (TIC DOMICÍLIOS... , 2012). Também significativos são os resultados da pesquisa Tic Crianças 2010, realizada pelo CETIC.br, que entrevistou 2516 crianças de cinco a nove anos de idade (2131 crianças em áreas urbanas e 385 em áreas rurais), focando no uso que faziam das tecnologias de informação e comunicação (TICs). Tal pesquisa revelou que video games on-line eram a atividade mais difundida entre as crianças (90% dos entrevistados jogavam na internet) e, 1

Massively Multiplayer On-line Role-Playing Games (MMORPGs) são jogos conectados à internet, para participação de um grande número de jogadores nos quais cada jogador controla um avatar e através dele explora um mundo fictício virtual, onde interage com outros jogadores e personagens controlados pelo sistema de jogo. Este tipo de jogo será detalhado no capítulo 3.

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junto com pesquisas escolares na internet (45% dos entrevistados), eram a porta de entrada das crianças para as TICs (BARBOSA; CAPPI; JEREISSATI, 2011). Novamente, vale mencionar que à medida que os equipamentos para acesso à internet (computadores, consoles, celulares, tablets, smartphones, etc.) caem de preço e se ampliam investimentos para inclusão digital, como o projeto Banda Larga Popular, o uso da internet tende a aumentar (BANDA LARGA... , 2012). Além disso, o papel das lan houses como polos de acesso à internet em vizinhanças de baixa renda, reconhecido como um benefício social pelo Comitê Gestor da Internet, permite que mesmo camadas mais pobres da população possam de algum modo se beneficiar do acesso on-line (SURVEY... , 2010). Este fenômeno de crescimento não tem passado despercebido em outros setores da sociedade. No setor de ensino surgem a cada dia iniciativas relacionadas aos video games, como cursos universitários e pós-graduações em game design (área de conhecimento ainda emergente que trata especificamente da criação de video games), procurando formar pessoal qualificado para esta indústria nascente. Segundo a Associação Brasileira de Desenvolvedores de Jogos Eletrônicos (Abragames), já existiam em 2009 cerca de 560 profissionais trabalhando na área no Brasil, espalhados em 42 empresas (ZEPEDA, 2009). Mesmo o governo brasileiro está atento ao fato e, como forma de incentivar o sucesso deste novo mercado nacional com vistas à exportação, mantém o programa Jogos BR, concurso que concede às melhores propostas de desenvolvimento de jogos financiamento federal para confecção de protótipos e posterior produção, ocorrido e em 2005 e 2006 e reformulado em 2009 sob o nome Games BR (GOVERNO..., 2009). À medida que aumenta a sua visibilidade na sociedade como um todo, os video games começam também a aparecer com mais frequência em pesquisas acadêmicas. Estudos envolvendo video games figuram não apenas nas áreas tecnológicas, mas também entre as disciplinas sociais e humanas, pesquisando video games como espaço de sociabilidade para crianças e préadolescentes (COLWELL, 2007); analisando o espaço discursivo dos video games, que desfaz a divisão tradicional entre leitura e escrita (ALBERTI, 2008); detalhando etnografias em mundos virtuais (NARDI, 2010); e até avaliando o uso de video games como forma de ativismo político e social (JONES, 2008). Além disso, muitos estudos empíricos avaliaram o impacto do uso de video games em disciplinas como matemática, linguagem, ciência, geografia, demonstrando resultados positivos em termos de eficácia no aprendizado e motivação dos estudantes (KLAWE, 1999; ROSAS et al., 2003; VIRVOU; KATSIONIS; MANOS, 2005; PAPASTERGIOU, 2009).

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O estudo dos jogos e video games ganhou a denominação Game Studies e acabou se estabelecendo como campo interdisciplinar, com seus integrantes enfatizando a necessidade de se pesquisar jogos e video games em suas especificidades e não como ramificações de outras mídias, como o cinema e a televisão (AARSETH, 2001; ESKELINEN, 2001). Entretanto, é oportuno lembrar que Game Studies não devem ser confundidos com a Teoria dos Jogos, que não será aqui considerada, uma vez que ela é um ramo da Matemática tratando de métodos para modelagem de comportamento em situações estratégicas onde o sucesso de um indivíduo depende da escolha de outros. Os jogos da Teoria dos Jogos são objetos matemáticos bem delimitados compostos de jogadores e movimentos (estratégias) e buscam em sua maioria estudar o comportamento humano e animal. Apesar dos termos que utiliza e de foco em comportamentos competitivos e cooperativos, a Teoria dos Jogos não é usada no game design ou na pesquisa sobre jogos e é aplicada principalmente em Economia, Ciência Política, alguns ramos da Biologia e Filosofia (ética, principalmente) (ROSS, 2011). No Brasil, os Game Studies estudos ainda são incipientes e a maioria das pesquisas envolvendo video games surgiu nas áreas tecnológicas e nas áreas de pedagogia e educação, onde até hoje se concentram, estudando os video games como ferramenta cognitiva no apoio ao aprendizado, como os trabalhos de Lynn Alves (2004) e Filomena Moita (2006). Segundo estes trabalhos, os video games podem representar ganhos de aprendizado, uma vez que permitem a criação de um contexto educativo lúdico, atraente para o estudante. Além disso, são capazes de representar um sistema dinâmico moldado por regras, sendo mais versáteis e atraentes para modelar processos que não são facilmente compreensíveis descritos linearmente em texto. Entretanto, embora tais pesquisas demonstrem possíveis vantagens que a educação pode obter com o uso de video games entre os estudantes, por vezes há uma limitação nesta abordagem, reduzindo os video games a um instrumento educativo automatizado para mera transferência de conteúdos (RAESSENS, 2009). A perspectiva de se utilizar video games como meio de aprendizagem é uma das forças motrizes para o surgimento dos serious games2. Serious games representam um subconjunto dos video games, possuindo objetivos para além do entretenimento como comunicar, divulgar, instruir e educar através de recursos gráficos, sonoros, interativos e de simulação (RITTERFELD; CODY; VORDERER, 2009). Educadores partidários do uso de 2

Optou-se por manter o termo em inglês, uma vez que uma tradução direta não dá conta da amplitude do significado que o mesmo tem hoje no contexto dos Game Studies. Serious games serão discutidos em detalhes no capítulo 3.

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video games na educação argumentam que tais jogos podem melhorar a aquisição de conhecimento dos estudantes e os resultados obtidos encorajam novas iniciativas no uso de video games para propósitos “sérios” (MALONE, 1980; KLAWE, 1999; OBLINGER, 2004; PRENSKY, 2004; GEE; SHAFFER, 2005; GEE, 2007). Tais video games têm surgido na forma de simulação de equipamentos industriais, treinamento de equipes, arte, educação à distância, recrutamento militar (como é o caso do America´s Army, jogo desenvolvido pelo exército norte-americano) (MAKING... , 2009) e até como forma de agregar esforços dos jogadores na resolução de complexos problemas de biologia molecular (KHATIB et al., 2011). Graças a fatores como o uso da internet para divulgação de causas sociais e políticas e a expansão do público usuário de video games, serious games têm sido usados em diferentes níveis de sofisticação em favor de causas sociais e ativismo político, recebendo tal prática o nome de game-ativismo, significando a criação de video games como meio de conscientização e chamada à ação para causas ambientais, sociais e políticas (SILVEIRA, 2009). Nestes jogos, o conteúdo e as próprias regras reforçam a mensagem proposta pelo criador do jogo. Darfur is Dying, Peacemaker e 3rd World Farmer são exemplos desta tendência, que expande ainda mais as aplicações e efeitos sociais da mídia dos video games (3RD WORLD... , 2005; DARFUR... , 2006; PEACEMAKER... , 2007). Nestes casos, a criação e uso de serious games se torna também uma atividade de cidadania e participação política. A relação entre o campo dos video games e o campo da saúde têm um histórico de controvérsias. De um lado, existe preocupação com os possíveis efeitos violentos dos video games, principalmente sobre os jovens e adolescentes (DORMAN, 1997; GENTILE et al., 2004), assim como estudos buscando detectar possíveis danos fisiológicos, ligados à postura, sedentarismo, má alimentação, perda de horas de sono, danos à visão e lesões por esforço repetitivo e introversão social, possíveis consequências de períodos longos de uso de video games (LUEPKER, 1999; PARIZKOVA; CHIN, 2003; RIVIERE, 2004). Por outro lado, há diversas pesquisas destacando os possíveis ganhos para a saúde derivados do uso de video games. Certos artigos demonstram ganhos cognitivos no uso de games mesmo quando são apenas usados por diversão (FERY; PONSERRE, 2001; SILK et al., 2008). Aumento da taxa de concentração, acuidade visual e coordenação motora seriam os principais benefícios no âmbito fisiológico, sendo que nos últimos anos têm surgido diversos

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trabalhos destacando os benefícios dos exergames3, popularizados pelos consoles Nintendo Wii e Microsoft Kinect e que têm sido tema frequente de pesquisas em fisioterapia e educação física (TAN; CHUA; TEH, 2002; UNNITHAN; HOUSER; FERNHALL, 2006). Outras pesquisas destacam melhoria da linguagem, aquisição de habilidades sociais e melhoria da habilidade de resolução de problemas como benefícios do uso de video games. (YAWN et al., 2000; MUNGUBA; VALDES; DA SILVA, 2008) A pesquisadora Marina Papastergiou (2009) fez uma revisão de 34 artigos que abordam os temas de jogos de computador e educação em saúde ou educação física, concluindo que tem havido um aumento significativo de interesse sobre este tema específico no meio acadêmico. Diversos projetos têm surgido nos últimos anos tanto na área terapêutica, onde os serious games são usados como coadjuvante em tratamentos, quanto na comunicação em saúde e promoção da saúde. O uso de serious games vai desde cursos e treinamentos para profissionais de saúde em formato de jogo (REINER; SIEGEL, 2008) até o uso de serious games controlados por gestos (como os jogos do Microsoft Kinect e Nintendo Wii) em terapias de reabilitação (CHANG; CHEN; HUANG, 2011; STAIANO; ABRAHAM; CALVERT, 2012), passando por jogos projetados para auxiliar no tratamento à depressão (MERRY et al., 2012). No contexto brasileiro, as iniciativas de investigação sobre video games e sua relação com a saúde se concentram nas possíveis reações adversas fisiológicas e psicológicas. Diversos estudos correlacionam video games e sedentarismo e má alimentação, outros levantam dados sobre possível vício de video games ou ainda relações entre jogos violentos e comportamento agressivo (SUZUKI et al., 2009; ENES; SLATER, 2010). Sob uma ótica mais positiva destaca-se a iniciativa de Simone Monteiro na criação do jogo Zig-Zaids, um jogo de tabuleiro como estratégia de comunicação de prevenção nos temas de HIV/AIDS e drogas. Ainda que não se trate de um video game estritamente falando4, seu extenso trabalho de acompanhamento em diversos grupos de jovens e adolescentes enfatiza os jogos como um novo meio para conscientização a respeito de temas da saúde: Acredita-se que em relação às DST/AIDS e drogas, é necessário ir além tanto das práticas tradicionais de transmissão de conhecimento quanto do clima ameaçador para considerar uma intervenção a longo prazo iniciada no 3

Video games que envolvem atividade física por parte do jogador. O Jogo da Onda e o jogo ZigZaids (original) são jogos de tabuleiro. O jogo ZigZaids atual, a despeito de usar o suporte do computador é um jogo onde os participantes percorrem uma sequência de espaços e respondem a perguntas, seguindo a lógica dos jogos de tabuleiro tradicionais e não dos video games. 4

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pré-escolar. Isto seria capaz de fortalecer as crianças e adolescentes para que não apenas entendessem melhor a si mesmos, mas também praticassem atividades comunitárias que estimulassem respeito e responsabilidade por si mesmos e outros. Isto é necessário desde cedo para que as crianças não se acomodem a situações sociais injustas e instáveis, para capacitá-las a fazer escolhas, sem medo de embaraços por parte do grupo, e para alcançar melhores relações humanas e melhores comunicações e empatia através de um processo educacional no qual famílias e escolas interajam (SCHALL et al., 1999, p. 118, tradução nossa).5

Ainda que se reconheça o valor dos serious games usados de forma terapêutica ou como treinamento para profissionais de saúde, esta tese foca especificamente em serious games aplicados à comunicação em saúde, visando, sobretudo a Promoção da Saúde. Nesta área, a literatura relata diversos casos de mudanças para comportamentos mais saudáveis após o uso de serious games relacionados à saúde (BARANOWSKI et al., 2008). De acordo com tais achados, as vantagens do uso de jogos para a saúde sobre métodos tradicionais de comunicação em saúde incluem maior interesse no conteúdo de saúde, estimulado pela interação com o jogo; um espaço flexível para ensaio repetido de estratégias de prevenção e autocuidado; e o feedback imediato das ações do jogador dentro do jogo. Os efeitos principais destas características seriam melhorias na autoestima, conhecimento em saúde e autoeficácia, o que confirmaria serious games como uma estratégia válida para prevenção, cuidado e promoção da saúde (LIEBERMAN, 2001). Entretanto, a maioria das iniciativas aplicam os serious games utilitariamente como uma ferramenta para transmitir ao usuário informação objetiva sobre saúde ou visando modificar seu comportamento para hábitos mais saudáveis. Embora sejam iniciativas válidas, nem sempre os problemas de saúde resultam de falta de informação sobre o assunto. Um exemplo desta situação no que tange à comunicação em saúde feita em meios mais tradicionais foi levantado em uma pesquisa realizada entre jovens no Rio de Janeiro, investigando sua recepção a materiais de comunicação em saúde sobre AIDS. Apesar da abundância de informação, eles demonstraram dificuldade em se apropriar dos conceitos de saúde, reclamando do estilo frio da comunicação, o foco em questões clínicas dissociado de 5

It is believed that in relation to STD/Aids and drugs, it is necessary to go beyond both traditional practices of knowledge transmission and a climate of threats to consider a long-term intervention begun in pre-school. This would be capable of strengthening children and adolescents in order for them to not only better understand themselves but to also practice community activities that stimulate respect and responsibility for themselves and others. This is necessary for children from an early age to not accommodate themselves to unbalanced and unfair social situations, to enable them to make choices, without feeling embarrassed by the group, and to achieve better human relations and better communications and empathy through an educational process in which families and schools interact.

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outros aspectos da vida e a desconexão com seu cotidiano. Neste sentido, a repetição contínua de mensagens sobre saúde distantes da sua realidade terminava por aborrecê-los (CARDOSO; LERNER, 2009). Este exemplo ilustra também a importância de se buscar estratégias de comunicação capazes de irem além da comunicação massificada, unidirecional e prescritiva de comportamentos, estabelecendo um engajamento mais particularizado com públicos específicos. Uma vez que um video game não se reduz a um mecanismo para fazer o jogador aprender automaticamente as mensagens criadas pelos game designers (SICART, 2012), encarar serious games como simples meios de transferência de informações sobre saúde seria uma severa limitação do potencial da mídia, ecoando os equívocos passados das campanhas normativas de saúde que reduziam o público a mero receptor passivo. Outras estratégias podem ser mais bem sucedidas em encorajar os jogadores para a adoção de comportamentos mais saudáveis nestas situações. Se a visão de saúde que se deseja construir é mais do que um conjunto de informações, envolvendo também participação da sociedade nas políticas públicas de saúde e o fortalecimento da cidadania e coletividade, é importante considerar se e como serious games podem auxiliar. Nesta tese analiso um gênero específico de video game para seu possível uso na Comunicação e Saúde: os Massively Multiplayer On-line Role-Playing Games (MMORPGs). MMORPGs são jogos coletivos onde milhares de jogadores se reúnem em um mesmo espaço ficcional compartilhado, interagindo por meio de avatares com os quais desenvolvem relações de identificação. Existem inúmeras formas de comunicação entre os jogadores que podem cooperar, competir ou combater entre si e as comunidades de jogadores que se formam criam suas próprias regras, vocabulários e histórias compartilhadas. MMORPGs são adições tardias ao mundo dos video games, mas já respondem por 11 bilhões de dólares dos rendimentos da indústria dos video games, avaliada em 44 bilhões de dólares (ANALYST... , 2009). Conforme mencionado, dentre os 35 milhões de jogadores no Brasil, aproximadamente 24 milhões participam de MMORPGs (69%). A grande maioria dos MMORPGs existentes, seja no Brasil ou no exterior, foi criada para entretenimento e até hoje nenhum destes video games enfocou a saúde. Contudo, World of Warcraft, um MMORPG de entretenimento criado pela companhia Blizzard Entertainment, foi palco da maior epidemia ocorrida em um mundo virtual, pela primeira vez chamando atenção de epidemiologistas e levando-os a considerar MMORPGs como possíveis laboratórios para estudo de comportamentos coletivos durante pandemias (BALICER, 2007; LOFGREN; FEFFERMAN, 2007).

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Pelo menos três aspectos tornam MMORPGs objetos relevantes para análise ao se pensar em novas estratégias de Comunicação e Saúde: a identificação do jogador com um “corpo virtual” – o avatar, a abundância de fluxos de comunicação entre os jogadores e o aspecto coletivo/comunitário do jogo. Esta pesquisa investiga se as características sociais e comunitárias dos MMORPGs oferecem – e em que forma e extensão – novas possibilidades de alcance de alguns dos ideais do Sistema Único de Saúde (SUS), como manter um constante diálogo com a população, promovendo participação social (ARAUJO; CARDOSO, 2007). Portanto, a questão de pesquisa que moveu este trabalho foi se os MMORPGs são uma estratégia adequada para as políticas e práticas da Comunicação e Saúde no Brasil, tendo em vista a abordagem da Promoção da Saúde. No entanto, outra questão se apresenta, complementar a esta primeira, que é como compreender a relação entre jogadores em MMORPGS, considerando seus contextos individuais e coletivos e as características deste gênero de jogos. Especificando, é possível perguntar: 

Quais são os fatores responsáveis pela atração, engajamento e participação dos jogadores nos MMORPGs?



Quais são as mediações que ocorrem no jogo e quais suas repercussões fora do mundo do jogo?



Qual a relação entre MMORPG e cultura participatória?



Que procedimentos analíticos podem favorecer a compreensão destes aspectos e sua contribuição para a Comunicação e Saúde no Brasil?

A partir destas questões, foram estabelecidos os objetivos desta tese. OBJETIVOS Objetivo geral Dimensionar o valor estratégico dos MMORPGs para a Comunicação e Saúde no Brasil como mídia que potencializa a perspectiva da Promoção da Saúde. Objetivos específicos 1. Identificar os fatores que propiciam atração, engajamento e participação dos jogadores nos MMORPGs. 2. Identificar e analisar as mediações entre jogadores e o MMORPG e dos jogadores entre si, assim como as eventuais repercussões fora do contexto do jogo. 3. Analisar a relação entre a cultura participatória e MMORPGs.

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4. Elaborar um modelo para a análise e desenvolvimento de Massively Multiplayer On-line Role-Playing Games (MMORPGs) aplicável ao campo da Saúde Coletiva no Brasil. JUSTIFICATIVA Os video games têm crescido muito nos últimos anos e todas as estimativas apontam uma tendência de crescerem ainda mais. Dentro de pouco tempo, é provável que jogar um video game (seja em consoles, computadores, video games portáteis, tablets, smartphones ou redes sociais) seja a norma em sociedade e a maioria das pessoas em maior ou menor grau participem de algum jogo (JUUL, 2010). A migração de elementos típicos de video games e jogos como rankings, medalhas, e pontos, para outros setores da vida tendem a acelerar ainda mais esta tendência (RAESSENS, 2010a). Video games combinam elementos de multimídia capazes de criar uma atmosfera envolvente para os jogadores. Seu potencial de comunicação não se restringe ao texto ou à imagem, mas pode envolver também áudio, vídeo, animação e as próprias regras como meio expressivo. Neste sentido, eles são a mídia de comunicação que tem a maior amplitude de formas para se relacionar com o usuário. Esta relação por sua vez não é passiva, mas o usuário é estimulado a interagir com o jogo, adotando uma atitude ativa diante da mídia. Suas escolhas importam e influenciam o desfecho do jogo: o usuário é continuamente desafiado pelo jogo, e por fim, recompensado. Este ciclo de envolvimento, interação e recompensa contribui para formação de uma atitude menos passiva e mais participante diante da mídia. Video games podem ser vistos, portanto, tanto como uma mídia de comunicação quanto um espaço de participação (RAESSENS, 2005). Este espaço de participação pode potencialmente alcançar o mundo inteiro através dos jogos baseados na internet, especialmente os MMORPGs, com suas comunidades virtuais que reúnem integrantes de diferentes idades, países e culturas. Tal alcance é particularmente visível nas gerações mais jovens, que adentram o meio on-line principalmente através dos video games (BARBOSA; CAPPI; JEREISSATI, 2011). Assim, video games representam também um meio para se relacionar com estes grupos. Todos estes aspectos revestem de importância mais investigações sobre esta nova mídia, em especial sua combinação com os ideais e propostas da Comunicação e Saúde no Brasil. Um aspecto que traz maior relevância para esta pesquisa é o fato de haver poucos estudos sobre o tema no campo de Comunicação e Saúde. Uma busca bibliográfica nas bases

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de dados Lilacs, Medline, Web of Science e Scielo obteve como resultado um pequeno número de artigos referentes à intersecção entre os video games e a Comunicação e Saúde. Nesta busca utilizou-se os seguintes termos: video game, saúde e comunicação. Apesar da forma recomendada pelo dicionário Houaiss (2009) ser a mantida neste trabalho (video game, sem acento, separado e em itálico), há uma multiplicidade de grafias usadas (vídeo game, videogame, jogos de vídeo, etc.). Por conta disso, optou-se por usar o descritor conforme definido

pelo

DECs

(Descritores

em

Ciências

da

Saúde6)

para

video

game:

I03.450.642.693.930 (cobrindo video game, jogos de vídeo, videojuegos). A busca foi realizada em outubro de 2011 e refeita em março de 2013, obedecendo aos seguintes critérios de inclusão: artigos originais posteriores ao ano 2000, em inglês, português ou espanhol e com resumo disponível. Os resultados da busca consistiram de 14 artigos obtidos na base Medline. Na base Lilacs foram encontrados dois resultados, um deles comum aos apresentados na Medline. Nas bases Scielo e Web of Science não foram encontrados artigos. O total foi de 14 artigos e uma dissertação de mestrado, mas deste conjunto foram excluídos 12 artigos por tratarem de temas fora do escopo desta pesquisa: 

3 artigos tratando de terapia ocupacional, exergames, jogos publicitários em websites, aproveitamento de peças de consoles de video games para uso em equipamentos de saúde, uso de sites de redes sociais e exigências de pacientes infantis em hospitais;



2 artigos tratando de efeitos fisiológicos do ato de jogar como problemas osteomusculares, posturais e alterações do ciclo de sono.



7 artigos tratando dos usos compulsivos de internet, video games ou mídia em geral.

Restaram dois artigos e uma dissertação de mestrado tratando do uso de video games como meio de comunicação e educação em saúde. Dado o pequeno número de artigos encontrados, optou-se por não isolar sua discussão em um capítulo de revisão bibliográfica. A dissertação de mestrado descreve a criação de uma ferramenta lúdica sobre o tema da dengue. Contudo, embora o autor classifique seu trabalho como um jogo, ele é basicamente um sistema de perguntas e respostas gerenciado por computador (XAVIER, 2010). Não configura assim um video game, conforme será visto nas definições do capítulo 3.

6

http://www.decs.bvs.br.

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O primeiro artigo apresenta os resultados de três ensaios clínicos envolvendo o uso de video games para comunicação em saúde e estímulo ao autocuidado de jovens sobre os temas diabetes, asma e prevenção ao fumo. Os resultados demonstraram que os video games foram mais eficazes que filmes educativos. Destacam-se como fatores benéficos deste uso dos video games: o engajamento pela interação com o jogo, o uso do ambiente virtual como espaço de aprendizado e repetidos ensaios de comportamentos saudáveis, o aumento da autoestima derivada da percepção do jogador de que ele está de algum modo agindo em favor de sua saúde e os aspectos sociais proporcionados pela repercussão dos temas dos jogos na comunicação dos jogadores entre si e entre eles e suas famílias (LIEBERMAN, 2001). O segundo artigo descreve o desenvolvimento, aplicação e avaliação de um video game para promover uma dieta saudável entre jovens adultos (PENG, 2009). O jogo usou elementos de narrativa e principalmente interpretação de papéis (role playing) baseados em avatar como forma de ensinar conteúdos de nutrição e estimular uma alimentação mais saudável. Os resultados da pesquisa apontam que a participação na história do jogo foi um fator importante para fixação das informações sobre nutrição. Os jogadores do video game apresentaram maior conhecimento sobre dieta saudável, autoeficácia e competência na seleção consciente dos alimentos (PENG, 2009). Assim, no contexto da Saúde, a maioria dos estudos foca em aspectos prejudiciais dos video games, sejam fisiológicos ou psicológicos, e de modo geral não investigam a fundo outras consequências ou possibilidades do meio. Existem ainda evidências de um viés na publicação de artigos sobre video games, que defendem o elo entre video game e violência (FERGUSON, 2007). Os dois artigos descritos relatam experiências pontuais, mas que sugerem possibilidades promissoras no uso dos video games na Comunicação e Saúde. É relevante ressaltar que não foi encontrado nenhum artigo que analisasse relações entre MMORPGs e Comunicação e Saúde. Tal carência de estudos que foquem nos possíveis benefícios advindos do uso dos video games é mais um argumento que justifica o presente trabalho, a fim de contribuir para suprir esta lacuna de conhecimento e proporcionar uma melhor compreensão desta mídia ainda tão nova. REFERENCIAL TEÓRICO A maioria das pesquisas a respeito de video games no Brasil se divide em dois grupos: o primeiro relacionado à tecnologia, que discute abordagens computacionais para aplicação

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em video games, como inteligência artificial, gráficos tridimensionais e algoritmos; o segundo se enquadra nas áreas de educação e pedagogia, tratando da aplicação de video games como alternativas ou complementos à educação formal, focando nos seus aspectos cognitivos. Mais raras são as abordagens na perspectiva dos Game Studies, que consideram o jogo primariamente na sua inserção com a cultura, sociedade e comunicação. Dada a inter-relação entre Comunicação e Saúde e aspectos culturais e sociais, a perspectiva dos Game Studies foi a mais adequada para a construção desta tese. Um período de bolsa sanduíche realizado na universidade de Utrecht, o mais conceituado polo de Game Studies da atualidade, foi decisivo para entrar em contato com esta perspectiva teórica e analisar as obras de autores centrais do campo, como Johan Huizinga, Roger Caillois, Salen & Zimmerman, Ian Bogost, Espen Aarseth, Miguel Sicart, Jesper Juul e Joost Raessens. Assim, o referencial teórico utilizado nesta tese se baseia nas abordagens e modelos provenientes dos Game Studies, que contribuíram na elaboração dos conceitos de jogo, video game, MMORPG, serious game e participação. Também foi nos Game Studies que encontrei o modelo do Gaming Dispositif (RAESSENS, 2009), que se tornou uma das minhas bases para a construção de um modelo específico para análise e produção de video games para a Saúde Coletiva. Por sua vez, o campo da Comunicação e Saúde proveu os fundamentos da Comunicação, a relação entre Comunicação e Saúde Coletiva, o conceito ampliado de saúde, sua relação com a igualdade social e o papel da participação popular nas políticas públicas de saúde. Além disso, a perspectiva da produção social dos sentidos e a teoria das mediações foram muito importantes para se entender como aspectos sociais, culturais e políticos se relacionam com meios e conteúdos da comunicação em saúde. Foi no campo da Comunicação e Saúde que busquei o “Modelo da Comunicação como um Mercado Simbólico” (ARAUJO, 2002), crucial para entender os contextos e fatores de mediação que ocorrem na comunicação. Este foi combinado com o modelo do Gaming Dispositif para formar o modelo para análise e produção de vídeo games para a saúde proposto nesta tese: o modelo de “Análise Relacional de MMORPGs: Contextos e Dispositivo” (ARM). Como forma de refinar alguns elementos do modelo, particularmente os relacionados aos games, foram entrevistados jogadores do MMORPG World of Warcraft e suas respostas analisadas com base no referencial teórico descrito. Nestas entrevistas procurou-se levantar suas formas de se relacionar com o jogo, uns com os outros e as repercussões do jogo no mundo real.

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CAPÍTULOS Esta tese está dividida em duas partes. A primeira parte – Lore – é composta pelos capítulos “Comunicação e Saúde” e “Video Games”. A segunda parte – Theorycraft – inclui três capítulos: “As Regras do Jogo”, detalhando os procedimentos metodológicos adotados neste trabalho, “Modelo de Análise Relacional de MMORPGs: Contextos e Dispositivo”, detalhando o modelo construído para análise de MMORPGs e “Endgame”, apresentando as conclusões. Na primeira parte, em “Comunicação e Saúde” é narrado o percurso histórico até o surgimento da compreensão atual da Saúde Coletiva; o surgimento e os princípios do SUS; a evolução do conceito de promoção da saúde; o impacto das novas mídias na saúde, entre elas os video games; as primeiras visões sobre a Comunicação e Saúde e a evolução do conceito; as novas visões, compreendendo a Teoria das Mediações e o Modelo do Mercado Simbólico; o uso que a Comunicação e Saúde tem feito das novas mídias; suas relações com os video games e com a internet; é discutido o efeito da midiatização na sociedade, as transformações que este fenômeno sofre devido à popularização das mídias interativas, entre elas os video games e por fim a influência destes últimos na sociedade, efeito denominado de ludificação. Em “Video Games”, são apresentadas as definições básicas de jogo e video game; é conduzida uma análise conceitual dos serious games; é feita uma análise crítica da retórica procedimental, uma teoria central dos Game Studies sobre o sentido dos serious games; caracteriza-se video games como integrantes da cultura participatória, ressaltando os domínios de participação que agem sobre os mesmos; são apresentados os MMORPGs, sua definição e história, detalhando algumas iniciativas de MMORPGs para usos sérios, como a educação. Em seguida, é detalhado World of Warcraft, objeto empírico desta tese. É feita uma descrição detalhada do jogo, seus aspectos sociais, sua implantação no Brasil e suas relações com a saúde. Por fim, é discutido o papel do avatar, elemento essencial do MMORPG, e das suas relações com a identidade do jogador. A parte II é composta por três capítulos. Em “As Regras do Jogo” estão descritos os procedimentos metodológicos adotados para esta pesquisa, incluindo a experiência de jogo, o processo de seleção de entrevistados, as questões norteadoras e a construção do roteiro de entrevista. Em “Modelo de Análise Relacional de MMORPGs: Contextos e Dispositivo”, é apresentado o modelo de mesmo nome, proposto como meio de análise e produção de video games para a saúde. Em primeiro lugar são enunciados os dois modelos originais sobre o qual

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este se fundamenta: o Gaming Dispositif e o Modelo da Comunicação como Mercado Simbólico. O modelo ARM é então detalhado detalhadamente e aplicado na análise das entrevistas. Após a análise, são apresentadas as conclusões da tese, as respostas às questões de pesquisa e comentadas as possibilidades do uso de MMORPGs na Comunicação e Saúde, focando nos ganhos que estes jogos podem ocasionar principalmente no que tange à participação social e livre expressão do público relacionadas a temas de saúde.

É importante ressaltar que muitos termos usados aqui não possuem ainda alternativas de tradução acordadas, razão porque se optou por não traduzi-los. Dada a especificidade de certos termos, principalmente os relacionados aos video games, é constante a necessidade de esclarecimentos. Sempre que possível, optou-se por fazê-lo diretamente no texto ou, quando isso representasse uma quebra indesejável no raciocínio apresentado, utilizou-se notas de rodapé. Além disso, para maior facilidade de leitura, tais termos foram reunidos em um glossário. Por fim, dado o tema deste trabalho e a história tão recente dos video games, particularmente daqueles utilizados de alguma forma em favor da saúde, muitas vezes no decorrer do texto ideias e argumentos poderão não ser aplicados a ou ilustrados com casos concretos. Como forma de minimizar esta situação, ao longo desta tese serão apresentados exemplos de partes de video games hipotéticos, ilustrando os pontos levantados.

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Parte I - Lore

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Em MMORPGs há um grande esforço em apresentar elementos fictícios históricos, geográficos e até culturais para situar os jogadores e seus personagens. Estas informações descrevem eventos, ambientes e situações prévios à entrada do jogador no jogo, ajudam a compor um cenário ou ambientação para as aventuras que irão acontecer e são informalmente chamados de lore.

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COMUNICAÇÃO E SAÚDE Comunicação e Saúde é um campo (BOURDIEU, 1989; 1996) compreendido na

interface dos campos da Saúde e da Comunicação e é associado às políticas públicas desde o início do século XX. Ao utilizar o conectivo e, a denominação procura estabelecer um modo específico de compreender e constituir epistemológica e politicamente esse campo (CARDOSO; ARAUJO, 2009). Assim, identifica a existência de uma região de interface, que não nomeia apenas um conjunto de práticas de comunicação a serviço da Saúde e não se define por suas propriedades tecnológicas ou por sua especificidade instrumental. Comunicação e Saúde (C&S) também não se restringe a conteúdos de saúde que circulam mediante práticas comunicacionais. Como ressaltam Araujo, Cardoso e Murtinho (2009): Hoje, “Comunicação e Saúde” demarca um campo, no sentido bourdineano de espaço estruturado de relações, historicamente constituído e permanentemente atualizado em contextos e processos sociais específicos, sempre movidos por disputas por posições e capitais materiais e simbólicos (BOURDIEU, 1989; 1996). Um campo formado por teorias e métodos, políticas e práticas, instituições e interesses, tensões e negociações. Um campo de interface, que traz na sua gênese a complexidade de dois outros campos por si mesmos multidisciplinares e compósitos, acentuando a necessidade de desenvolvimento de métodos que permitam sua apreensão (p. 107)

C&S é permanentemente afetado pela fricção com outros campos de domínios conexos, como os da Informação, Ciência e Tecnologia, Educação, Políticas Públicas e Movimentos Sociais, estes dois últimos por conta da estreita relação entre a comunicação e o efetivo estabelecimento das políticas públicas mediante sua circulação entre a população (ARAUJO; CARDOSO, 2007). Sendo de interface, C&S pode ser permanentemente atualizado a partir do campo da Saúde ou da Comunicação. Quando esse movimento parte da Saúde, seu objetivo é, em grande parte, “[...] compreender e agir sobre os processos sociais de produção dos sentidos, que afetam diretamente o campo da saúde.” (ARAUJO; CARDOSO, 2007, p. 21). No entanto, as formas de se buscar o alcance desse objetivo são múltiplas e correspondem ao embate de interesses que se verifica no âmbito do sistema público brasileiro de saúde, denominado Sistema Único de Saúde – SUS. Como será mais detalhado adiante, ao ser incluído na constituição do país promulgada em 1988, o SUS traz princípios doutrinários e organizativos cuja proposição estabelece fortes vínculos com a comunicação como condição para sua garantia de efetivação. Historicamente, desde os princípios do séc. XX essa relação já havia sido evidenciada; com o SUS, ela é investida de um caráter mais orgânico,

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permitindo que se repense seus modos de concepção e vinculação. Essa revisão tanto se dá em seus pressupostos políticos, epistemológicos e teóricos, como em suas práticas, que traduzem esses pressupostos. A proposta desta tese de discutir o potencial dos vídeo games para a Comunicação e Saúde, no sentido do fortalecimento de alguns dos princípios do SUS, pede uma prévia aproximação dos campos que constituem essa interface. Assim, este primeiro capítulo dedicase a abordar contextos, discursos e práticas que conformaram os campos da Saúde e da Comunicação, nos seus aspectos mais relevantes para tal finalidade. SAÚDE O campo da Saúde abarca uma ampla gama de ambientes, processos e atores, envolvendo organizações privadas, instituições públicas, populações, indivíduos isolados e diversas disciplinas e áreas de conhecimento. Desde o século XVIII, Estados têm tentado estruturar formas de preservar a saúde de suas populações, o que veio a formar o setor de saúde pública. Entretanto, a saúde pública foca em questões estruturais, deixando de lado aspectos sociais relevantes para a manutenção da saúde. Como movimento contra-hegemônico desta abordagem, se desenvolve nas últimas décadas do século XX o movimento da Saúde Coletiva, levando em conta as dimensões sociais da saúde e defendendo, entre outras propostas, a participação da população no desenvolvimento de políticas públicas de saúde. Dado sua preocupação com aspectos sociais e participação popular, a Saúde Coletiva é uma abordagem muito mais acolhedora à comunicação que as visões anteriores. Assim, é possível entender a Saúde Coletiva como um enfoque sobre a saúde pública que extrapola os limites estruturais desta para propor mudanças mais amplas na sociedade (ARAUJO; CARDOSO, 2007). O Percurso da Saúde até a Saúde Coletiva A Saúde Coletiva tem um histórico complexo, passando por diversas transformações históricas, influenciadas pelas sucessivas mudanças na articulação das relações entre sociedade e estado. Os primeiros discursos sociais sobre a saúde surgiram na Europa da segunda metade do século XVIII, na forma de noções de higiene apresentadas como normas e preceitos a serem cumpridos individualmente, apresentando a ideia de uma boa saúde como um objetivo de ordem moral (PAIM; ALMEIDA FILHO, 1998). A Revolução Industrial alterou fortemente as condições de saúde das populações, originando novas propostas de

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compreensão da questão sanitária em termos políticos e sociais que fixaram princípios básicos que mais tarde integrariam o discurso sanitarista (NUNES, 2006). O Sanitarismo iniciou-se na Inglaterra e Estados Unidos, promovendo a intervenção do Estado em favor da saúde da população através da aplicação de tecnologia, saneamento, imunização e controle de vetores, principalmente direcionado às camadas mais pobres da sociedade. Reforçado pelos avanços na microbiologia, o Sanitarismo teve uma profunda influência no campo da saúde social, atingindo todo o mundo ocidental (PAIM; ALMEIDA FILHO, 1998). Em meados do século XX surge nos Estados Unidos, o modelo preventivista, que sugeria, pelo menos em tese, a possibilidade de uma redução nos gastos com a saúde através do foco na prevenção. Este modelo se popularizou em todo o mundo entre as décadas de 1950 e 1960, contando com o apoio de diversos atores internacionais no campo da saúde, entre eles a Organização Pan-Americana da Saúde (NUNES, 2006). No Brasil, este período foi marcado pelo ideal desenvolvimentista, segundo o qual o desenvolvimento do terceiro mundo envolvia então a redução das importações em favor do fortalecimento de um setor industrial que permitisse a acumulação de capital. Este momento coincidiu com a implantação do modelo preventivista no país e o aumento da confiança no cuidado médico individual, graças à evolução dos medicamentos e técnicas cirúrgicas. Neste período também se difunde na América Latina o planejamento em saúde, encorajando uma visão economicista da saúde, buscando a determinação da relação custo-benefício da atenção médica (NUNES, 2006). Nos anos setenta o campo da Saúde Coletiva começa a ser estruturado formalmente por meio da formação de profissionais e da maior disseminação do uso de ciências sociais na saúde. Em 1978 a Conferência Internacional sobre Atenção Primária à Saúde, promovida pela OMS em Alma Ata, preconiza a saúde como um direito básico do ser humano, mas sob responsabilidade do Estado, reconhecendo também sua natureza intersetorial (PAIM; ALMEIDA FILHO, 1998). A construção conceitual da medicina social no Brasil ocorre na segunda metade da década, contando com pesquisas sociais e epidemiológicas sobre os determinantes econômicos da doença e do sistema de saúde, junto à construção de novas propostas para o sistema de saúde vigente. Em um segundo momento ocorre a disseminação das propostas reformistas e o agrupamento político e social, gerando eventos marcantes como a VII Conferência Nacional de Saúde, em 1979, e a VIII Conferência Nacional de Saúde, em 1986, que catalisaram o processo de reforma da saúde pública no Brasil, o qual foi consolidado no nível político e institucional ao longo da década, até 1990. Nos períodos seguintes houve as definições das atividades político-administrativas nas diversas esferas de

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governo, regulamentação de caráter técnico-operacional e do financiamento, das formas de interação entre os contextos público e privado, dos modelos de gestão e da rede regionalizada de serviços (NUNES, 2006). O Campo da Saúde Coletiva Hoje Nos últimos anos as mudanças políticas, econômicas e sociais em todo o mundo levaram a propostas de reformas do Estado em diversos países as quais incluem a questão da saúde. Na América Latina muitas vezes as reformas na saúde têm sido apoiadas por instituições financeiras internacionais, como o Banco Mundial, cujas diretrizes divergem dos projetos iniciais de reforma sanitária. De forma semelhante, iniciativas da OMS encabeçadas por representantes europeus e norte-americanos para orientar uma “Nova Saúde Pública” frequentemente adotam um perfil prescritivo e intervencionista, inadequado para a realidade da América Latina (PAIM; ALMEIDA FILHO, 1998). Além disso, como elemento complicador, as transformações constantes na sociedade e no cenário político descontroem previsões dos antigos modelos e levam a modificações nas práticas, que por sua vez precisam ser contempladas nas políticas públicas e avaliadas sob o prisma científico. É necessário considerar também fatores econômicos relacionados ao custo da atenção à saúde para o Estado, as diferenças regionais típicas de um país tão grande e diversificado como o Brasil e o próprio fato de que melhores índices de assistência médicohospitalar não redundam necessariamente em maior nível de bem-estar ou produtividade. Desse modo, a saúde pública não diz respeito apenas a uma definição de políticas tecnicamente bem planejadas que sejam aplicadas em sociedade, mas também à necessidade de o Estado ouvir a população, perceber suas necessidades e questionamentos e atuar eficazmente em função deles (PAIM; ALMEIDA FILHO, 1998). Nesse sentido, no Brasil o movimento chamado de Saúde Coletiva tem travado um diálogo crítico com a saúde pública institucionalizada, tanto juntando esforços às iniciativas que entende como progressistas quanto identificando contradições no modelo vigente, seja no âmbito técnico, científico ou das práticas. A Saúde Coletiva é um termo adotado no Brasil como forma de distinção das definições tradicionais de saúde pública, medicina social, medicina preventiva ou saúde comunitária. Ela não conta com uma definição precisa nem com uma teoria unificadora, mas reconhece-se que não é uma disciplina científica, ciência ou especialidade médica, mas tanto um campo científico interdisciplinar onde se constrói conhecimento sobre o objeto “saúde” quanto um espaço de práticas, contemplando ações

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promovidas por variados agentes e organizações, situados tanto dentro como fora do que se considera o “setor saúde” (NUNES, 2006). Suas características definidoras têm sido construídas desde a década de 70 a partir das críticas às reformas da saúde que ocorreram em países capitalistas e de uma significativa elaboração teórica através de produção científica em conjunto com práticas sociais: Enquanto campo de conhecimento, a saúde coletiva contribui com o estudo do fenômeno saúde/doença em populações enquanto processo social; investiga a produção e distribuição das doenças na sociedade como processos de produção e reprodução social; analisa as práticas de saúde (processo de trabalho) na sua articulação com as demais práticas sociais; procura compreender, enfim, as formas com que a sociedade identifica suas necessidades e problemas de saúde, busca sua explicação e se organiza para enfrentá-los (PAIM; ALMEIDA FILHO, 1998, p. 309).

Embora em momentos históricos anteriores tenha havido ocasiões em que se pensou sobre a saúde transcendendo a mera questão da doença, a Saúde Coletiva formaliza e reforça esta concepção. Ela constrói uma crítica ao naturalismo do conhecimento médico, afastandose da concepção de saúde pública como monopólio da biomedicina (NUNES, 2006). Dessa forma, um dos problemas apresentados à Saúde Coletiva desde seu princípio e até os dias atuais é superar a ênfase exagerada do cuidado nos aspectos biológicos e fisiológicos com a consequente desvalorização de fatores sociais e econômicos, assim como uma dependência da saúde no modelo médico que ainda é hegemônico. Outra preocupação é não se reduzir à prática preventiva ou preditiva de formas específicas de adoecimento, mas tornar-se instância propositora de ideais mais saudáveis, desenvolvendo-as em ampla parceria com a população: A participação organizada dos grupos sociais, bem como o reconhecimento e o estímulo às iniciativas comunitárias, radicadas na solidariedade, constituem possibilidades de redefinição de relações sociais que poderão auxiliar na redução do sofrimento humano, na elevação da consciência sanitária e ecológica, na preservação da saúde e na defesa da vida (PAIM; ALMEIDA FILHO, 1998, p. 313).

Este campo de conhecimento é permeável à incorporação de novos saberes que possam contribuir com o aprofundamento de sua reflexão e tal processo de construção teórica gerou no campo novas áreas de conhecimento e novos objetos de intervenção, como a comunicação em saúde e a vigilância em saúde (PAIM; ALMEIDA FILHO, 1998). A Saúde Coletiva tem caráter interdisciplinar, estabelecido a partir de três formações disciplinares fundadoras: as Ciências Sociais, a Epidemiologia e a política e o planejamento. A partir deste núcleo as Ciências Sociais e Humanas (Antropologia, Sociologia, Economia, Política, História, Filosofia, Ética e outras) foram sendo incorporadas como um importante meio para

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se entender os processos de adoecimento e morte, cuidados aos doentes, relações com profissionais de saúde e outros temas, na medida em que seus arcabouços teóricos permitiam articular o sentido das relações entre o corpo biológico natural, o contexto social e o cultural. Suas áreas de investigação primordiais são o estado sanitário da população, as políticas de saúde, relações entre trabalho e adoecimento e intervenções de grupos e classes sociais sobre a saúde da população (NUNES, 2006). Os quatro objetos de intervenção que a Saúde Coletiva privilegia são as políticas, ou as formas como o poder se distribui; as práticas, que envolvem mudanças de comportamento, cultura, instituições, produção de conhecimento, práticas institucionais, profissionais e relacionais; as técnicas, compreendendo a organização e regulação dos recursos, processos produtivos, corpos e ambientes; e instrumentos, que são os meios pelos quais se produz a intervenção (PAIM; ALMEIDA FILHO, 1998). Para atuar sobre tais objetos, a Saúde Coletiva lança mão de uma ampla gama de conhecimentos interdisciplinares. As práticas baseadas neste conhecimento, por sua vez, têm caráter interdisciplinar e intersetorial, sendo realizadas por diferentes tipos de profissionais em diversas instituições. O objetivo final de tais práticas é atender às necessidades sociais de saúde, seja na forma de intervenções em grupos sociais e ambientes ou aplicação de tecnologias materiais ou não materiais: Sublinhar o caráter histórico e estrutural da saúde coletiva significa reconhecer, teórica e empiricamente, um conjunto de práticas (econômicas, políticas, ideológicas, técnicas, e outras) que tomam como objeto as necessidades sociais de saúde. Representa um enfoque de práticas que não se submetem, acriticamente, ao modelo de saúde pública institucionalizado nos países centrais, seja enquanto tipo profissional ou modelo de organização de serviços de saúde. A saúde coletiva preocupase com a saúde pública enquanto saúde do público, sejam indivíduos, grupos étnicos, gerações, castas, classes sociais, populações. Nada que se refira à saúde do público, por conseguinte, será estranho à saúde coletiva (PAIM; ALMEIDA FILHO, 1998, p. 312).

É importante ressaltar este processo constitutivo da Saúde Coletiva a fim de se compreender como e porque a inclusão de uma nova mídia na comunicação em saúde poderia representar um ganho para as estratégias hoje em curso. É possível entender que uma das preocupações no contexto da Saúde Coletiva é a excessiva dependência de meios instrumentais, biológicos e tecnológicos para o pensamento e principalmente a prática em saúde. Alinhado com este pensamento, nesta tese se apresenta o uso de vídeo games não como uma ferramenta tecnológica solucionadora de problemas objetivos, mas como mediador entre o projeto da Saúde Coletiva – o qual coloca o sujeito no centro da roda – e a população.

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SUS A enorme população e território brasileiros, sua diversidade regional, econômica e cultural e as grandes desigualdades sociais apresentam desafios para Estado e tornam especialmente difícil o planejamento de políticas públicas de saúde (VICTORA; AQUINO; et al., 2011). Como forma de atender a esta situação, diversos setores da sociedade iniciaram, já nos primeiros anos da década de 1970, o planejamento daquilo que se tornaria o SUS, um dos maiores sistemas de saúde pública do mundo, com a missão de prover assistência em saúde abrangente e universal a toda a população (VICTORA; BARRETO; et al., 2011). Com a industrialização no Brasil, na passagem do século XIX para o século XX, a saúde da população surgiu como uma questão exigindo a atuação da sociedade e do poder público. Não havia Ministério da Saúde e o Ministério da Justiça e Negócios Interiores respondia pelas campanhas de saúde pública inspirado na polícia sanitária. O sistema público de saúde surgiu a partir de três setores, a saúde pública, a medicina previdenciária e a medicina do trabalho. Entretanto, não havia integração entre as iniciativas nestes diferentes campos, o que promovia uma separação artificial entre prevenção e tratamento e entre assistência individual e coletiva. Desde o início do século XX o Brasil adotou um sistema de saúde baseado no seguro social, onde aqueles que contribuíam para a previdência social eram assistidos (PAIM, 2010). Os que não estavam formalmente vinculados ao mercado de trabalho deviam recorrer aos serviços de saúde privados ou filantrópicos. Desta forma, a saúde não era entendida como direito social, nem estava vinculada à condição de cidadania. (FLEURY, 2009). A Reforma Sanitária Brasileira, ou movimento sanitário, teve como objetivo democratizar a saúde no país. Foi um movimento integrando segmentos populares, estudantes, pesquisadores, profissionais de saúde, instituições acadêmicas e sociedades científicas iniciado na segunda metade da década de 1970 propondo a democratização da saúde e a reestruturação do sistema de serviços de saúde (PAIM et al., 2011). A Reforma Sanitária Brasileira não surgiu a partir do poder público ou de partidos políticos, mas da sociedade, e teve suas proposições debatidas democraticamente em várias instâncias, até ter, por fim, seus ideais reconhecidos na Constituição de 1988: Durante a VIII Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986, foram sistematizados e debatidos por quase cinco mil participantes diversos estudos e proposições para a RSB. O relatório final do evento inspirou o capítulo "Saúde" da Constituição, desdobrando-se, posteriormente, nas leis orgânicas da saúde (8.080/90 e 8.142/90), que permitiram a implantação do

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SUS. Na medida em que essas propostas nasceram da sociedade e alcançaram o poder público, mediante a ação de movimentos sociais e a criação de dispositivos legais, é possível afirmar que o SUS representa uma conquista do povo brasileiro (PAIM, 2010, p. 40).

A Constituição da República de 1988 marcou uma transformação profunda no sistema de proteção social brasileiro, configurando o modelo de seguridade social no país e rompendo com a cobertura restrita aos setores inseridos no mercado profissional (FLEURY, 2009). A saúde passa a ser considerada um direito social, inerente ao cidadão, fato consolidado no artigo 196: Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (CONSTITUIÇÃO, 1998, p. 33).

A nova Constituição lançou as bases que formariam o Sistema Único de Saúde (SUS), coroando os esforços da Reforma Sanitária, que se estendeu de 1976 a 1988 (PAIM, 2010). Apesar das dificuldades sociais, posições políticas conservadoras e interesses mercantis não permitirem que vários dos objetivos dos seus idealizadores tenham sido postos em prática até os dias atuais, a criação do SUS representou um importante passo para a sociedade brasileira, assim como o reconhecimento da saúde como direito fundamental do ser humano, para o qual o Estado deveria prover garantias através da reformulação de políticas econômicas e sociais visando à redução de riscos de doenças e outros agravos e através da criação de condições para o acesso universal e igualitário à promoção, proteção e recuperação da saúde (MENICUCCI, 2009). Princípios do SUS Os princípios doutrinários que orientam o SUS são a universalidade, a equidade e a integralidade, representando os ideais que fomentaram sua construção. O princípio da universalidade assume o direito à saúde para todos, através do acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência. O princípio da integralidade entende a assistência como um todo orgânico e articulado de estratégias de ações e serviços preventivos e curativos, tanto individuais como coletivos, desdobrando-se em todos os níveis do sistema (PAIM, 2010). O princípio da equidade propõe que em uma sociedade desigual deva haver uma estratégia redistributiva de recursos, desta forma, o SUS poderia direcionar mais recursos para aqueles que mais necessitam do sistema (ARAUJO; CARDOSO, 2007). Além destes, há princípios

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organizativos ou diretrizes, meios para efetivar a realização dos princípios doutrinários. Segundo a Constituição, o SUS deveria ser estruturado por meio de três diretrizes: descentralização, buscando adequar o sistema às diferentes realidades nas diversas regiões do país; hierarquização, no sentido de organização racional do uso dos recursos a fim de ampliar o atendimento; e participação da comunidade na gestão do sistema em cada esfera de governo (PAIM, 2010). O SUS é parte de um processo de reforma social ainda em curso e como tal, ainda em aprimoramento e sujeito a alterações. Assim, é passível de críticas que visem privilegiar a posição central do cidadão e da justiça social no país. Embora a criação do SUS represente uma grande conquista, ainda existem vários pontos que exigem melhoria. Seus avanços nestas primeiras décadas são inegáveis, porém não ocorreram de forma linear ou uniforme no que tange à equidade, integralidade de acesso, regulação do setor privado da saúde e do financiamento. Continuam existindo no Brasil outros tipos de proteção social e uma vasta rede privada de assistência médica que se mistura com a pública, cuja natureza fragmentada traz dificuldades para a consolidação do SUS. Além disso, o sistema ainda carece de mais recursos financeiros e uma distribuição de serviços de saúde mais igualitária entre as diferentes regiões do país (COHN, 2009). Apesar destas dificuldades, o SUS, adotando um conceito ampliado de saúde e não a limitando ao sentido puramente biológico ou ao controle de doenças, abriu espaço para inovações no cuidado à saúde. Uma destas novas abordagens é o conceito dos determinantes sociais de saúde, que procura levar em conta as condições mais amplas que cercam o indivíduo e a sociedade, englobando fatores que possam influenciar a ocorrência de doenças, tanto físicos e mentais quanto econômicos, culturais, étnicos, psicológicos e comportamentais (BUSS; PELLEGRINI FILHO, 2007). Outra proposta é a da intersetorialidade, defendendo que diferentes setores do governo que atuam na saúde compartilhem espaços de decisão a fim de formular estratégias de intervenção mais eficazes, sob diferentes perspectivas, o que contribuiria para evitar a fragmentação das políticas públicas. Estas inovações são ainda muito incipientes e não foram adotadas pelo SUS como um todo, mas trazem em si uma crescente preocupação com a redução das desigualdades sociais (PAIM, 2010). Participação social na definição e controle das políticas públicas de saúde é outra inovação proposta pelo SUS. Assim, por um lado opera o princípio de que o cidadão deve estar informado sobre aquilo que é relevante para sua saúde da forma mais completa possível e não ser direcionado, intimidado ou persuadido pelo poder público. Por outro lado, existem

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instâncias para que a população, em tese, possa expressar seus anseios, dúvidas, críticas e recomendações. A lei 8142/90 criou canais para participação social na forma de conferências e conselhos de saúde, com a expectativa de que a população se tornasse protagonista e parceira dos gestores públicos na construção de políticas de saúde mais aprimoradas (PAIM, 2010). Desta forma, instauraram-se mecanismos de participação e controle social através dos Conselhos de Saúde, presentes em cada uma das esferas governamentais, compostos por membros do Estado e da sociedade civil; as Conferências de Saúde como espaço de deliberação e interação para formação de novas propostas, e gestão compartilhada entre os diversos setores governamentais atuando no campo da saúde (FLEURY, 2009). Enquanto modelo de gestão, o SUS pode ser visto como um exemplo de pacto federativo democrático, com ações pactuadas em instâncias organizadas com participantes da sociedade e das três esferas de governo (MENICUCCI, 2009). A participação e a gestão descentralizada não são elementos restritos à área da saúde, mas foi o pioneirismo do SUS que atuou como protótipo para a construção de estruturas similares em outros setores da política pública (CÔRTES, 2009). A ênfase no cuidado da população seguindo uma noção ampliada de saúde, as ações intersetoriais e principalmente a busca da participação popular na construção a aprimoramento do sistema faz com que para o SUS as ações de informação e comunicação em saúde sejam fundamentais. Esta é uma via de mão dupla. Em um extremo estão os gestores responsáveis pelo sistema de saúde comunicando à população a fim de que possam ampliar sua compreensão sobre saúde em relação à prevenção, saber como proceder em caso de necessitarem de cuidados e tomar decisões conscientes para manutenção de sua saúde. No outro lado está a população com demandas, queixas, dúvidas e sugestões que precisam ser ouvidas e consideradas pelo poder público para o aperfeiçoamento do sistema através destas contribuições. Assim, durante seu curso, setores do SUS têm estabelecido formas de se comunicar com o público, divulgando vasta informação através dos meios de comunicação como televisão, rádio, cartazes e impressos e recebendo as manifestações da população através de suas ouvidorias. Nos últimos anos a internet veio a ser um novo canal para este diálogo através de e-mail, sites, páginas e perfis em redes sociais (PAIM, 2010). Entretanto, apesar da ampliação de alcance que as novas mídias proporcionaram à comunicação, em sua maior parte estas retêm o modelo médico-assistencialista, o estilo prescritivo e normativo, a noção de uma voz autorizada e falta de ênfase no aspecto coletivo da saúde (SOBREIRA, 2013). Desta maneira, mesmo com o potencial disponibilizado pelos meios tecnológicos, reproduzem-se práticas ultrapassadas de comunicação em saúde e tais avanços são reduzidos

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a funcionar apenas como meios mais rápidos para transferência de informação. Neste aspecto, a disseminação de informações sobre saúde e mesmo a mera coleta de opiniões do público não bastam: No campo da saúde, a comunicação não se dissocia da noção do direito, é dirigida a “cidadãos”, objetiva o aperfeiçoamento de um sistema público de saúde em todas as suas dimensões e a participação efetiva das pessoas na construção dessa possibilidade. Em consequência, não pode se limitar a ter a persuasão como estratégia, nem trabalhar apenas com a ideia de divulgação: o objetivo deve ser, minimamente, estabelecer um debate público sobre temas de interesse e garantir às pessoas informações suficientes para a ampliação de sua participação cidadã nas políticas de saúde (ARAUJO; CARDOSO, 2007, p. 61).

Conforme mencionado, o SUS ainda é um projeto em construção e como tal apresenta ainda muitas áreas para aprimoramento. Seus princípios permitem imaginar uma sociedade mais justa e onde a saúde se dê de forma ampla na vida de indivíduos e comunidades, para além do bem estar físico. Entretanto, a saúde no Brasil não cumpre a contento o que seus princípios preconizam: a falta de modelos de financiamento; a sobreposição da lógica de mercado sobre a saúde, onde cidadãos se tornam “clientes” e o cuidado, mercadoria; a permanência de focos centralizadores na gestão, dificultando a participação da sociedade nas políticas de saúde; o uso das novas mídias como ferramentas autossuficientes; tudo isso contribui para impedir a consolidação ou até mesmo paralisar o projeto do SUS em sua plenitude (ARAUJO; CARDOSO; MURTINHO, 2009). A participação da sociedade é fundamental para a realização desse projeto, através do planejamento, implantação e fiscalização de políticas públicas de saúde e é justamente a dificuldade do Ministério da Saúde em viabilizar e ampliar formas concretas de participação que impede a efetivação plena dos outros princípios do SUS. Participação e comunicação estão irremediavelmente entrelaçadas, mas as políticas públicas de comunicação em saúde têm se revelado, em sua maioria, repetições de velhas práticas do início do século que privilegiam normas, prescrições, centralização e a unidirecionalidade (ARAUJO; CARDOSO, 2007). A centralização favorece um discurso oficial neutro e padronizado, que não é adaptado ou adaptável às diferentes realidades regionais do Brasil, dificultando sua apreensão por muitos grupos na população. Esta voz autorizada, frequentemente justificada pelo saber científico, prescreve normas e formas de comportamento para manutenção da saúde da população, não dando espaço para interlocução com a população, ignorando suas opiniões e saberes, recusando-lhes o diálogo (CARDOSO, 2002). Surgem assim lacunas entre o que é o discurso oficial de saúde e o que é apreendido e

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aceito pela população, lacunas que impactam a saúde desta última, assim como seu exercício de cidadania. As campanhas de saúde são um exemplo desta abordagem problemática, onde o foco é disseminar informações massificadas a partir de uma origem central. Embora exista espaço e função para campanhas de saúde, mas é necessário apontar que elas não favorecem interlocução, e, a despeito disto, representam grande parte da comunicação oficial em saúde. Então, o que se questiona aqui não é a campanha em si, mas o fato da lógica “campanhista” ter se tornado o padrão que orienta a Comunicação e Saúde no Brasil. Fica então a questão de como a Comunicação e Saúde pode fomentar a participação. Os Conselhos de Saúde preconizados pelo SUS são importantes, mas não suficientes. Meios de participação com maior capilaridade, distribuídos ao longo de toda a sociedade, representariam um grande avanço neste sentido. Uma possibilidade, defendida nesta pesquisa, é que video games podem ser um destes meios, dado o espaço que oferecem para ação e expressão, na qual se deixa de ser espectador, ouvinte ou leitor para se tornar usuário e jogador, uma instância ativa de relação com a mídia. Mais do que meios de transmissão de conteúdo, video games – principalmente daqueles jogados comunitariamente em grupo, via conexão com a internet – potencialmente representam alternativas eficazes para uma promoção da saúde que vise fomentar a participação na sociedade. Promoção da Saúde A promoção da saúde é um enfoque que procura materializar e viabilizar o compromisso do SUS em ampliar a atenção à saúde para além dos limites fisiológicos, constituindo hoje uma importante área de atuação. O termo “promoção da saúde” surge em textos científicos em 1946, mencionado por Henry Sigerist, mas é em 1974 que o termo aparece pela primeira vez em um documento oficial, A New Perspective on the Health of Canadians, também conhecido como Relatório Lalonde, que marca formalmente o princípio do moderno movimento de promoção da saúde. Este documento define o “campo da saúde” integrado por quatro polos: biologia humana, ambiente, organização da assistência à saúde e estilo de vida. Este último polo envolveria participação no emprego e riscos de trabalho, padrões de consumo e atividades de lazer (BUSS, 2000). O relatório Lalonde preconizava ações de saúde que não apenas adicionassem anos à vida do indivíduo, mas também mais vida aos anos, formalizando o compromisso da saúde em garantir a qualidade de vida. Neste sentido, promoção se torna mais abrangente que a prevenção. Enquanto a última se preocupa em evitar o surgimento de doenças específicas e sua incidência sobre a população, a

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promoção da saúde tem objetivos mais amplos de fomentar a saúde e o bem estar sem se restringir a uma doença ou desordem específica (CZERESNIA, 2003). Propunha-se assim um novo conceito de saúde complementando o sistema de saúde com os elementos de biologia humana, meio ambiente e estilo de vida (CASTIEL; GUILAM; FERREIRA, 2010). O relatório Lalonde teve a importância de se diferenciar das ações restritas à assistência médica para manutenção à saúde e de propor a ampliação da área de atuação da saúde pública na forma de medidas preventivas e programas educativos visando mudanças de comportamentos. Assim, a saúde se torna mais do que o mero oposto da doença e sua promoção passa a englobar medidas que visem ampliar o bem estar físico e mental do indivíduo, pondo em destaque a expressão “qualidade de vida” como objetivo desejável e conquistável pelos próprios esforços (CARVALHO, 2004). Entretanto, suas repercussões nos anos posteriores acabaram se focando na modificação de hábitos e estilos de vida não saudáveis como fumo, obesidade e abuso de drogas e vida sedentária (SÍCOLI; NASCIMENTO, 2003). Em 1986 um novo conceito de promoção da saúde é definido na I Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde através da Carta de Ottawa, que amplia o escopo e sentido da promoção da saúde: Promoção da saúde é o nome dado ao processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle deste processo. Para atingir um estado de completo bem-estar físico, mental e social os indivíduos e grupos devem saber identificar aspirações, satisfazer necessidades e modificar favoravelmente o meio ambiente. A saúde deve ser vista como um recurso para a vida, e não como objetivo de viver. Nesse sentido, a saúde é um conceito positivo, que enfatiza os recursos sociais e pessoais, bem como as capacidades físicas. Assim, a promoção da saúde não é responsabilidade exclusiva do setor saúde, e vai para além de um estilo de vida saudável, na direção de um bem-estar global (Carta de Ottawa, 1986, p. 1).

Promoção da saúde extrapola o aspecto clínico-assistencial, requerendo ações intersetoriais envolvendo educação, trabalho, segurança, alimentação, habitação, renda e outros determinantes sociais da saúde. (SÍCOLI; NASCIMENTO, 2003) A Carta de Ottawa punha em destaque o aspecto comunitário da promoção em saúde, propondo a capacitação de seus membros para atuarem na melhoria da sua qualidade de vida e também sua maior participação no controle desta melhoria. Para isto, recomendava cinco cursos de ação: elaboração de políticas públicas saudáveis, ratificando a ideia que comportamentos individuais não eram os principais responsáveis pela saúde do cidadão; a criação de ambientes favoráveis à saúde, ressaltando a importância do meio ambiente e dos espaços sociais para a

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saúde; o reforço da ação comunitária, ou empoderamento (empowerment), na capacitação para tomada de decisões relacionadas à saúde local; o desenvolvimento das habilidades pessoais favoráveis à saúde, resgatando o papel da educação em saúde nos diversos ambientes coletivos; e a reorientação do sistema de saúde, expandindo seus serviços para além da assistência preventiva e curativa. A Carta reforça a intersetorialidade, entendendo a importância de todos os setores públicos participarem do projeto de saúde pública e estende este papel à população, vista como elemento essencial na implementação das políticas da saúde (SÍCOLI; NASCIMENTO, 2003). Configurava-se assim um marco de oposição ao modelo biomédico, o qual reduzia a doença ao contexto individual e privilegiava os estabelecimentos médicos como espaço de intervenção (BUSS, 2000). Decorridos pouco mais de dez anos da divulgação da Carta de Ottawa (WHO, 1986), um dos documentos fundadores da promoção da saúde atual, este termo está associado a um conjunto de valores: qualidade de vida, saúde, solidariedade, equidade, democracia, cidadania, desenvolvimento, participação e parceria, entre outros. Refere-se também a uma combinação de estratégias: ações do Estado (políticas públicas saudáveis), da comunidade (reforço da ação comunitária), de indivíduos (desenvolvimento de habilidades pessoais), do sistema de saúde (reorientação do sistema de saúde) e de parcerias intersetoriais. Isto é, trabalha com a ideia de responsabilização múltipla, seja pelos problemas, seja pelas soluções propostas para os mesmos. A promoção da saúde vem sendo interpretada, de um lado, como reação à acentuada medicalização da vida social e, de outro, como uma resposta setorial articuladora de diversos recursos técnicos e posições ideológicas. Embora o termo tenha sido usado a princípio para caracterizar um nível de atenção da medicina preventiva (Leavell; Clark, 1976), seu significado foi mudando, passando a representar, mais recentemente, um enfoque político e técnico em torno do processo saúdedoença-cuidado (BUSS, 2000, p. 166).

2.1.5.1 Enfoque no indivíduo Neste período inicial enquanto esforço formalizado, iniciado pelo Relatório Lalonde, a concepção da promoção da saúde vigente era de que os indivíduos deveriam assumir responsabilidade sobre as consequências de estilos de vida prejudiciais à saúde. Como solução, propunham-se intervenções sobre o uso de álcool, fumo, drogas e distúrbios alimentares. Entretanto, pesquisas demonstraram que embora os setores mais privilegiados da sociedade se beneficiassem destas ações, as camadas mais pobres e marginalizadas tinham pouco aproveitamento ou até mesmo uma piora da saúde (CARVALHO, 2004). Estudiosos criticaram o modelo explicativo da promoção da saúde da época, entendendo que o mesmo apresentava lacunas por não considerar variáveis como classe, gênero e etnia, o que limitava

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seu alcance e eficácia. Neste sentido, promoção da saúde se aproximava do autocuidado, que ganhou impulso na época da instabilidade econômica dos anos 70 quando a necessidade de cortes de custos levaram governos a convocar a população para cuidar da sua própria saúde, adotando comportamentos saudáveis epidemiologicamente, ao mesmo tempo em que a valorização da autonomia pessoal tornava a responsabilidade pela própria saúde uma tarefa em grande parte delegada ao indivíduo (CASTIEL, GUILAM e FERREIRA, 2010). Esta transferência de responsabilidades do Estado para o cidadão foi criticada por muitos teóricos como um risco de se estabelecer conotações moralistas para a saúde, culpabilizando os doentes como irresponsáveis na manutenção de sua saúde. Considerar os indivíduos como exclusivos responsáveis pela sua saúde mascarava as influências socioeconômicas e isentava os formuladores de políticas públicas da responsabilidade de qualquer agravo à saúde, o qual recaía sobre o indivíduo, o que se denominou “culpabilização das vítimas” (SÍCOLI; NASCIMENTO, 2003; CARVALHO, 2004). No limite, certas tendências mais extremadas incentivariam o indivíduo a fazer seu próprio diagnóstico, antecipando-se aos profissionais de saúde (CAMELO, 2011), ou ainda recorrer às modernas tecnologias de investigação genética a fim de investigar o próprio DNA em busca de vulnerabilidades de modo a mapear seu “risco genético” que poderia legar a possíveis descendentes (CASTIEL; DIAZ, 2007). Embora seja importante a capacitação dos indivíduos para autonomia quanto à sua própria saúde, é igualmente importante que esta autonomia não se traduza apenas em um individualismo isolacionista do indivíduo consigo mesmo, mas que potencialize o indivíduo enquanto participante de uma comunidade (CZERESNIA, 2003). Em função destas considerações, o enfoque da promoção da saúde centrado no indivíduo com limitada projeção para a família ou pequenos grupos foi aos poucos sendo revisto e este fato levou à inclusão de fatores mais amplos nas suas definições, materializados na Carta de Ottawa. 2.1.5.2 Enfoque no coletivo A Carta de Ottawa marca o segundo momento da promoção da saúde, quando é ressaltada a importância da elaboração de políticas públicas intersetoriais visando melhorar a qualidade de vida das populações, o que a torna mais abrangente, tanto local quanto globalmente, além de passar a envolver aspectos físicos psicológicos e sociais (CZERESNIA, 2003). As políticas públicas se tornam elemento essencial neste cenário e por sua vez não se restringem mais apenas ao Estado, mas requerem a participação da sociedade como um todo

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em fóruns participativos que expressem os interesses e necessidades da população. É, portanto um enfoque marcadamente coletivo: O que, entretanto, vem caracterizar a promoção da saúde, modernamente, é a constatação do papel protagonista dos determinantes gerais sobre as condições de saúde, em torno da qual se reúnem os conceitos do segundo grupo. Este se sustenta no entendimento que a saúde é produto de um amplo espectro de fatores relacionados com a qualidade de vida, incluindo um padrão adequado de alimentação e nutrição, e de habitação e saneamento; boas condições de trabalho; oportunidades de educação ao longo de toda a vida; ambiente físico limpo; apoio social para famílias e indivíduos; estilo de vida responsável; e um espectro adequado de cuidados de saúde. Suas atividades estariam, então, mais voltadas ao coletivo de indivíduos e ao ambiente, compreendido num sentido amplo, de ambiente físico, social, político, econômico e cultural, através de políticas públicas e de condições favoráveis ao desenvolvimento da saúde (as escolhas saudáveis serão as mais fáceis) e do reforço (empowerment) da capacidade dos indivíduos e das comunidades (BUSS, 2000).

Assim, a atenção se dirige aos fatores estruturais como pobreza, desemprego, precariedade nas moradias ou más condições de trabalho e violência entre outros. A promoção da saúde amplia seu foco para fomentar compromissos políticos para melhoria das condições de vida da população, atuando ativamente para efetuar transformações sociais. Da antiga perspectiva biológica e mecanicista se passa à elaboração de propostas para políticas públicas voltadas para a coletividade (SÍCOLI; NASCIMENTO, 2003). Neste novo cenário, há uma redistribuição de direitos e deveres entre Estado e sociedade e uma preocupação em capacitar indivíduos e comunidades para adquirirem maior controle sobre determinantes de saúde visando alcançar uma melhor qualidade de vida. Às escolhas pessoais saudáveis dos indivíduos se soma a responsabilidade social para com o meio ambiente e a sociedade (CARVALHO, 2004). Para estes objetivos, a participação coletiva é considerada elemento essencial: O empowerment da população organizada, através da difusão ampla das evidências das relações entre saúde e seus pré-requisitos, assim como da construção de mecanismos de atuação eficientes, é central na estratégia da promoção da saúde para a reivindicação por políticas públicas saudáveis. Numa nova distribuição de deveres e direitos entre o Estado e a sociedade, entre indivíduos e coletivos, entre público e privado, a questão da participação não deve ser entendida como concessão ou normatividade burocrática, mas como pré-requisito institucional e político para a definição da “saúde que queremos”. Não é apenas uma circunstância desejável, mas uma condição indispensável para a viabilidade e efetividade das políticas públicas (BUSS, 2000).

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É importante nesta concepção o conceito de empoderamento, neologismo significando o processo onde indivíduos e comunidades assumem mais conhecimento e controle sobre os fatores pessoais, socioeconômicos e ambientais capazes de interferir na sua saúde, transformando normas e circunstâncias que provocam desigualdades de poder (MADEIRA; LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2007). Igualmente importante é o conceito de participação, entendida como o envolvimento de atores diretamente interessados na definição de prioridades, tomada de decisões, execução e avaliação das iniciativas em saúde, sejam eles membros da comunidade, integrantes de organizações, formuladores de políticas, profissionais da saúde ou de outros setores tanto locais como internacionais (SÍCOLI; NASCIMENTO, 2003). Entretanto, mesmo com este enfoque mais amplo, é importante considerar que o termo promoção da saúde pode abrigar tanto posturas de clara inovação quanto opiniões e propostas extremamente conservadoras (CZERESNIA, 2003). Embora muitos autores saúdem o caráter progressista dos últimos desenvolvimentos na promoção da saúde, particularmente quanto à sua busca da democracia e da equidade social, outros, ainda que reconhecendo a evolução do setor, alertam quanto aos riscos de uma aceitação indiscriminada de seus preceitos. Consideram que mesmo tais ideias mais progressistas trazem em sua matriz um elemento potencialmente individualizante, fruto do contexto neoliberal em que foram originadas. Estes autores argumentam que a subjetividade proposta pela nova promoção da saúde baseia-se em um perfil artificial de um indivíduo de classe média, disciplinado, racional e consciente de sua saúde, cuja autodeterminação pode ser mais aparência do que fato, dado que suas escolhas seriam realizadas dentro de um universo pré-selecionado por profissionais ou pelas diretrizes de programas de promoção da saúde (CARVALHO, 2004). De forma similar, é importante considerar que qualquer ação em promoção da saúde baseia-se implicitamente em um ponto de vista específico acerca do que é uma saúde desejável (CZERESNIA, 2003). Como forma de se tentar evitar tais equívocos, Carvalho (2004) sugere que não se perca de vista o aspecto político envolvido na promoção da saúde, entendendo seu fim último como superação das iniquidades na saúde, garantindo o acesso a bens e serviços de qualidade, capacitando cidadãos autônomos, socialmente responsáveis e contribuindo assim para democratizar o poder político. Desta forma, participação e empoderamento não são práticas com um valor intrínseco, senão quando orientados para princípios de igualdade e justiça social.

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Novas mídias e Saúde As Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), também chamadas de novas mídias, trazem mais complexidade para esta relação. A internet e a popularização da World Wide Web possibilitaram que usuários criassem suas próprias páginas sobre os mais variados assuntos, entre eles a saúde. Enquanto antes o profissional de saúde (em geral o médico), era o mediador entre o indivíduo e sua saúde ou doença devido ao seu conhecimento especializado, as novas mídias vêm assumindo a função de mediadoras entre o homem e o mundo em geral e como consequência facilitam também o acesso do leigo à informação de saúde especializada (LEFÈVRE; LEFÈVRE; MADEIRA, 2007). Se antes os conhecimentos médico, farmacêutico e similares eram possuídos por profissionais de saúde com uma necessária formação e qualificação, atualmente informações sobre medicamentos, doenças e riscos, corretas ou não, estão disponíveis a qualquer pessoa com um computador conectado. Neste contexto, há uma mistura entre as tecnologias de informação e comunicação e os ideais da promoção da saúde, provocando tanto uma ruptura de antigas práticas como um florescimento de novas formas de autocuidado e participação na saúde (CASTIEL; VASCONCELLOS-SILVA, 2002). Uma destas novas formas de autocuidado é a busca rotineira sobre informações, dicas, guias e formulações para obtenção de uma boa saúde, perda de peso, melhor nutrição, aumento de massa muscular assim como para evitar infarto, câncer, depressão, estresse, doenças degenerativas e problemas psicológicos. Esta permanente vigilância sobre riscos e busca de aprimoramentos acena com um potencial adiamento da morte, desmembrada agora em múltiplos fatores menores cujo controle à primeira vista parece mais viável ao indivíduo. O usuário tenta reconstruir-se à base das informações sobre saúde que capta na rede (CASTIEL; VASCONCELLOS-SILVA, 2002). Estas novas práticas não ocorrem apenas no âmbito individual, também são comuns os fóruns e comunidades virtuais onde portadores de uma determinada condição de saúde trocam informações, experiências e oferecem suporte um ao outro (MADEIRA; LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2007). Essa relação não se restringe à informação passiva obtida em sites da web, mas se estende a programas especialistas que a cada dia estão mais ao alcance do público. Os smartphones mais populares já contam com dezenas de aplicativos de alguma forma relacionados à saúde. Lojas on-line como a iTunes, da Apple, passaram de fornecedoras de material de entretenimento (majoritariamente músicas, filmes e seriados) a espaços onde se

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encontram aplicativos para os mais variados fins, inclusive os relacionados à saúde. Existem desde os já triviais planos de dieta interativos e calculadoras de calorias até planos de exercícios, passando por ferramentas de diagnóstico, referência de medicamentos e até mesmo aplicativos que, com componentes simples de hardware, tornariam o smartphone um biossensor capaz de detectar elementos patogênicos em água e alimentos assim como a carência de vitaminas em gestantes (AHLBERG, 2013). Com a proliferação de sites e aplicativos sobre saúde os pacientes cada dia mais buscam informações como forma de aprimorar e proteger sua própria saúde. Este fenômeno produz alterações no equilíbrio da relação médico-paciente, até então marcada por uma forte assimetria de informação, na qual a quantidade e qualidade de informações detidas pelo médico o situavam em posição privilegiada em relação ao paciente (MADEIRA; LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2007). Entretanto, há sérias preocupações quanto à correção e à transparência das informações apresentadas, a maneira como são compreendidas pelos usuários e as eventuais atitudes que podem surgir a partir de sua divulgação. Embora existam iniciativas para avaliar e tentar regulamentar a informação sobre saúde na internet, ainda não há uma certificação estabelecida, assim como tentativas de regulação por vezes são tachadas de restrição à liberdade de escolha, encontrando resistência por grupos da sociedade (CASTIEL; VASCONCELLOS-SILVA, 2002). É importante também salientar que sintomas carregam grande ambiguidade, capazes de confundir até profissionais treinados no processo de diagnóstico. Tal ambiguidade em conjunto com a forma definitiva com que as informações são apresentadas em muitos sites sobre saúde pode fazer com que uma tentativa de autodiagnostico através de uma busca pouco cuidadosa leve a equívocos graves sobre a real situação de um indivíduo: Como possível resultante deste cenário, presenciamos uma colonização da sociedade pela aliança entre geradores de conhecimentos especializados, especialistas que os produzem como objetos tecnológicos, o conjunto do sistema industrial (os macrossistemas técnicos) e as redes de comunicação, distribuição e consumo. No caso da saúde, temos a geração de uma sociedade de indivíduos que se reconfiguram sob a forma de protopacientes sem médicos, em consumidores de mercadorias/serviços ligadas tanto à informática como à pretendida proteção da saúde (CASTIEL; VASCONCELLOS-SILVA, 2002, p. 310).

Se por um lado esta prática pode levar a equívocos perigosos como automedicação ou atitudes motivadas por pseudodiagnósticos obtidos em sites de confiabilidade duvidosa, por outro podem levar a uma melhor distribuição de responsabilidades sobre a saúde do paciente, antes sob a autoridade exclusiva do médico. Este seria um fator de empoderamento do

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cidadão frente aos profissionais de saúde e pode ter um efeito benéfico sobre ambos os grupos. Se as práticas anteriores de educação em saúde muitas vezes escondiam um propósito de facilitar o enquadramento voluntário do indivíduo em uma relação subordinada ao especialista médico, cabendo-lhe a função de cumpridor das prescrições sanitárias, este uso das TICs pode ser entendido como uma contraposição à posição consolidada do especialista da saúde. Neste sentido, as TICs retornam às mãos do seu usuário um papel mais ativo, facultando-lhe a participação mais ativa e crítica no seu processo de doença e cura. Este é um processo de empoderamento que promove uma posse compartilhada entre o profissional da saúde e o leigo (tanto individualmente quanto coletivamente) sobre o conhecimento envolvendo saúde e doença (MADEIRA; LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2007): E a comunicação/educação na área da saúde vem sendo vista e praticada largamente como instrumento desta conformação, ou sujeição, que implica na entrega dos corpos/mentes a uma gestão “competente”, processo que se tornou tão obrigatório e natural que passa a fazer parte do que Chomsky (2000) tem chamado de produção do consenso. É preciso, pois, buscar romper com isso, e o uso da internet como fator empoderador, no quadro da sociedade do conhecimento, pode representar um avanço significativo na busca de um novo patamar de consenso nas relações entre profissionais de saúde e indivíduos comuns (MADEIRA; LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2007, p. 105).

Esta proposta de empoderamento seria superior à mera educação em saúde, dada sua natureza dialógica, permitindo que indivíduos e coletivos entrassem em conversação com os profissionais de saúde ou poder público enquanto gestores de sua própria saúde. Apesar da reduzida tradição de cidadania coletiva no Brasil, é preciso que tal diálogo ocorra tanto no contexto individual quanto coletivo, o que permitiria reconfigurar as instâncias mediadoras, sejam elas representadas por profissionais da saúde ou por tecnologias, para que não tenham uma inflexibilidade imposta, mas estejam a serviço do bem comum (LEFÈVRE; LEFÈVRE; MADEIRA, 2007). De forma semelhante aos demais preceitos da promoção da saúde, a ideia de empoderamento demanda cuidado nas avaliações de sua aplicação. Por um lado parte dos projetos de promoção da saúde ainda guarda certa influência behaviorista, focando sua atenção em ações de regulação da vida social e definições do significado de vida saudável. A autonomia sempre ocorre em um espaço que, embora possa ser amplo, ainda assim sofre pressões de forças externas que, no caso da saúde, seriam os preceitos previamente estabelecidos pelos formuladores de políticas públicas de saúde. Somem-se a isso inclinações internas e pessoais, quando para o indivíduo pode ser tanto confortável quanto sedutor

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imaginar que suas ações individuais podem ter um fator determinante no afastamento de uma possível morte precoce. Além disso, da mesma forma que as políticas de saúde individualistas do primeiro momento da promoção da saúde, um acolhimento acrítico do empoderamento pode levar novamente a um tipo de responsabilização da vítima, quando a noção de autonomia é deturpada por políticas conservadoras a fim de impor ao indivíduo afligido por alguma doença o suposto dever de arcar com os próprios problemas (CARVALHO, 2004). Uma forma de se precaver quanto a estas tendências é projetando a noção de empoderamento não apenas no indivíduo, mas no indivíduo enquanto membro de uma comunidade, o que é denominado por Carvalho (2004,

p. 675) de “empowerment

comunitário”, inspirado nas obras de Paulo Freire e Saul Alinsky. Sob esta ótica as estruturas sociais influenciam o cotidiano dos indivíduos, mas estes por sua vez conformam tais macroestruturas. Neste contexto, é também necessário manter um elo entre os princípios de empoderamento e o de participação, uma vez que apenas o conhecimento sobre saúde, sem capacidade de ação ou perspectiva de mudança geram ansiedade e senso de impotência (SÍCOLI; NASCIMENTO, 2003). A tríade participação social-empoderamento-comunicação em saúde tem um potencial significativo para ampliar o exercício da democracia e a justiça social: A ideia de promoção envolve a de fortalecimento da capacidade individual e coletiva para lidar com a multiplicidade dos condicionantes da saúde. Promoção, nesse sentido, vai além de uma aplicação técnica e normativa, aceitando-se que não basta conhecer o funcionamento das doenças e encontrar mecanismos para seu controle. Essa concepção diz respeito ao fortalecimento da saúde por meio da construção de capacidade de escolha, bem como à utilização o conhecimento com o discernimento de atentar para as diferenças e singularidades dos acontecimentos (CZERESNIA, 2003).

Assim, estratégias que promovam a reflexão de indivíduos e comunidades a respeito dos problemas apresentados pela vida social, contribuindo para formação de uma consciência crítica, capacidade decisória, solidariedade e uma ampliação no potencial transformador sobre a realidade se contrapõem às estratégias de regulação e enquadramento social, possibilitando transformações nas iniquidades da sociedade (CARVALHO, 2004). Jogos para saúde Muitos grupos, entre pesquisadores, indústria e educadores, têm ressaltado o potencial dos video games para aplicação em saúde e esta visão vem resultando em um número crescente de projetos de pesquisa, conferências, parcerias e produtos objetivando a

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combinação das características formais dos games com conteúdos de saúde (LIEBERMAN, 2001; PAPASTERGIOU, 2009). Entretanto, apesar do aumento de interesse a respeito da mídia dos vídeo games, deve-se ressalvar de que, no que tange a novas tecnologias, sempre há o risco de se focar demais na sua amplitude, sofisticação, novas possibilidades e facilidade de acesso, tomando-as como um conjunto de meios tecnológicos que são política e socialmente neutros a serviço da disseminação de mensagens e conhecimentos, deixando nas sombras sua dimensão constitutiva dos processos sociais e das relações de poder na sociedade (ARAUJO, 2002; ARAUJO; CARDOSO; MURTINHO, 2009). Embora as novas mídias, entre elas os video games, possam se revelar trunfos para a democratização da informação e da comunicação e saúde na sociedade, esta característica não lhes é intrínseca e podem igualmente ser instrumentos que promovam a continuidade de desigualdades sociais e relações assimétricas de poder, muitas vezes ocultando estas ações sob um manto de virtuosismo tecnológico. Quanto ao uso de video games para a saúde, existem numerosas vertentes possíveis para classificação, conforme seu público e objetivos. A taxonomia proposta por Saywer e Smith (2008) procura detalhar as áreas e propósitos que tipificam os vários jogos para a saúde (Quadro 1):

Quadro 1 – Taxonomia de Jogos para Saúde de Sawyer e Smith 8 Campos

Pessoal

Prática profissional

Pesquisa / Academia

Exergaming

Comunicação do paciente

Coleta de dados

Mensagens de Saúde Pública

Seres humanos virtuais

Socorristas

Áreas

Saúde Pública

de Aplicação

Preventiva Estresse Entretenimento para reabilitação Terapêutica Gerenciamento de doença

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Distração de dor Ciberpsicologia Gerenciamento de doença

Tradução livre de: Fields /Areas of application; Personal; Professional Practice; Research / Academia; Public Health | Preventative; Exergaming, Stress; Patient Communication; Data Collection; Public Health Messaging | Therapeutic; Rehabilitainment, Disease Management; Pain Distraction, Cyber Psychology, Disease Management; Virtual Humans; First Responders | Assessment; Self-Ranking; Measurement; Inducement; Interface / Visualization | Educational; First Aid, Medical Information; Skills / Training; Recruitment; Management Sims | Informatics; PHR (Personal Health Records); EMR(Electronic Health Records); Visualization; Epidemiology.

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Avaliação

Autoavaliação

Mensuração

Incentivo

Interface / Visualização

Primeiros socorros

Habilidades / Treinamento

Recrutamento

Simuladores de gerenciamento

Educacional Informação médica Informacional

Registros de saúde Registros de saúde Visualização pessoais eletrônicos Tradução do quadro apresentado por Saywer e Smith (2008)

Epidemiologia

Esta taxonomia em um formato de matriz bidimensional possibilita uma classificação mais flexível e orgânica do campo dos jogos para saúde, ao mesmo tempo em que destaca as diferentes maneiras de se trabalhar um mesmo tema dependendo do público do jogo. Por exemplo, um jogo desenvolvido para educar um profissional de saúde sobre epidemias teria diferenças em relação a outro para educar a população sobre o mesmo assunto. Entretanto, os tipos de jogos não são mutuamente excludentes e é comum uma mistura de elementos nos jogos para saúde produzidos hoje. Por exemplo, um jogo para gerenciamento de doença, como a alergia, tende a incluir elementos de Autoavaliação e também Primeiros Socorros | Informação Médica. Na matriz existem dois campos que são relacionados diretamente à população: o Pessoal (nas áreas Preventiva, Terapêutica, Avaliação, Educacional e Informacional) e o de Saúde Pública (na área de Mensagens de Saúde Pública). Assim, restringindo-se a estes dois campos e suas respectivas áreas, é possível distinguir três principais grupos de jogos para saúde, que são, hoje, numericamente mais representativos (GEKKER, 2012b). O primeiro grupo é o dos jogos terapêuticos, utilizados como coadjuvantes em tratamentos clínicos, papel que vai de aplicações em psicologia (LEASCA, 2012) a aprimoramento físico e reabilitação de vítimas de acidentes vasculares cerebrais, como o jogo Circus Challenge (MACRAE, 2012). Normalmente tais jogos têm uma aplicação muito limitada e são voltados para públicos bem específicos, ficando restritos aos ambientes clínicos de reabilitação. Seus objetivos são prioritariamente auxiliar em algum tipo de tratamento e em geral não há tanta preocupação quanto às suas qualidades de atração e engajamento do usuário, uma vez que tendem a ser usados em situações controladas. Estes jogos não serão abordados nesta tese. O segundo grupo é o mais recente, representado em uma tendência da indústria dos vídeo games nos últimos anos, na qual produtos vendidos, considerados e usados prioritariamente como mídia de entretenimento, são apresentados ao público também como portadores de características capazes de algum aprimoramento físico e mental. Entram nesta

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categoria os chamados exergames, jogos que apresentam um componente de movimentação do corpo ou exercícios físicos (GEKKER, 2012b). Estas aplicações já existem no Brasil (CURSO INTERNACIONAL... , 2013) e é possível citar Brain Age (KAWAMOTO, 2005) e Wii Fit (OKAMOTO, 2007) como jogos que se valem da preocupação com a saúde individual para vender suas supostas vantagens em termos de saúde e/ou aprimoramento físico e mental. Relacionado tanto ao segundo quanto ao terceiro grupo está a gamification, um termo de definição ainda controversa, que envolveria a inclusão de características de video games em outros produtos e sistemas. Embora seu uso na área da saúde venha crescendo nos últimos anos, apresentando algumas iniciativas promissoras, ainda que incipientes, para a promoção da saúde (MCCALLUM, 2012; FROM FITBIT... , 2013), tais jogos também não serão abordados nesta tese. O terceiro grupo é formado pelos vídeo games para promoção da saúde propriamente dita, cujos primeiros exemplares foram lançados na década de noventa, em geral vinculados a projetos de pesquisa acadêmica (BROWN et al., 1997; LIEBERMAN, 2001). Apesar de contarem com objetivos que extrapolam os limites do entretenimento, tais jogos procuram cativar o interesse do usuário a fim de que este permaneça jogando por sua própria vontade e tendem a ser projetados para ambientes domésticos. Os jogos para a saúde que se encaixam neste formato integram uma classe mais ampla, chamada de serious games, que está em franco desenvolvimento em todo o mundo (RITTERFELD; CODY; VORDERER, 2009). Os serious games serão detalhados no capítulo três. No contexto específico da promoção da saúde e autocuidado, merece destaque o trabalho pioneiro de Debra Lieberman (LIEBERMAN, 2001), o qual orientou muitas pesquisas posteriores. Lieberman participou da criação e aplicação de video games direcionados para jovens pacientes de asma e diabetes e nos estudos de acompanhamento comprovou que os jogos favoreciam uma melhora no comportamento dos pacientes através de diversas características: personagens que funcionam como modelos de comportamento; regimes de autocuidado ajustáveis para que sejam similares às rotinas do paciente; constante prática do autocuidado e atividades de prevenção com as consequências visíveis em jogo; suporte e feedback das opções dos jogadores; registro do status da saúde dos pacientes e das suas atividades em jogo; e estímulo aos pacientes para conversar com a família sobre sua condição. Estes achados levaram à sua conclusão de que video games melhoram a autoestima, conhecimentos e autoeficácia, representando uma estratégia válida para prevenção, autocuidado e promoção da saúde:

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Muitas vantagens são únicas do vídeo games, em comparação com os métodos tradicionais de educação em saúde e gerenciamento da doença. O envolvimento do jogador que é inerente ao jogo aprofunda seu envolvimento em gerenciar a condição crônica do personagem. O ensaio de autocuidado e estratégias de prevenção no jogo torna mais fácil replicar estes comportamentos na sua própria vida. Jogos sobre saúde adequadamente projetados melhoram o comportamento de autocuidado sem exortações e diretivas; ao invés disso, um melhor autocuidado é consequência natural da experiência em jogo. A prática do jogo ocorre em um contexto social, e ela estimula discussão dos tópicos do jogo, que neste caso são tópicos de saúde. Conversa e suporte social são indicadores fortes de melhoras na saúde. Outro importante aspecto desta abordagem é que as pessoas gostam de jogos interativos e procuram esta atividade durante seu tempo de lazer. Portanto, jogos sobre saúde nos momentos de lazer podem suplementar programas formais de educação em saúde e intervenções clínicas de gestão da doença ao invés de suplantá-los. A pesquisa sobre jogos de saúde atuais provê clara evidência que esta mídia popular pode melhorar comportamentos saudáveis e, fazendo isso, melhorar a saúde (LIEBERMAN, 2001, p. 36, tradução nossa)9.

Embora os três grupos de jogos mencionados mereçam estudos mais aprofundados, esta pesquisa investiga o potencial de vídeo games para a promoção da saúde, que estariam classificados segundo a taxonomia de Saywer e Smith nos cruzamentos Saúde Pública x Preventiva e Saúde Pública x Educacional. Uma pesquisa recente realizada na União Europeia catalogou 50 video games para saúde, classificando-os segundo esta taxonomia (GEKKER, 2012b). A grande maioria dos jogos se destinava ao uso pessoal, principalmente preventivo (exergaming, relaxamento) e terapêutico (reabilitação, gerenciamento de condições de saúde). O segundo maior grupo se destinava à educação e treinamento de profissionais de saúde. A categoria de saúde pública é uma das menos atendidas por tais jogos. É interessante também perceber, conforme salienta o autor da pesquisa, a quase total ausência de jogos relacionados à saúde com múltiplos jogadores, assim como a ausência do conceito de colaboração/participação na taxonomia usada. Se por um lado esta lacuna denuncia um viés individualista na classificação de jogos para a saúde, certamente 9

Several advantages are unique to computer and video games, in comparison with traditional health education and disease management methods. The player’s inherent involvement in the game deepens his or her involvement in managing the character’s chronic condition. Rehearsal of self-care and prevention strategies in the game makes it easier to enact those behaviors in one’s own life. Properly designed interactive health games improve self-care behavior without exhortations and directives; instead better self-care is a natural consequence of the game experience. Game playing occurs in a social context, and it stimulates discussion of game topics, which in this case are health topics. Discussion and social support are strong predictors of improved health outcomes. Another important aspect of this approach is that people enjoy interactive game playing and they seek it out during leisure time. Therefore, leisure time health games can supplement formal health education programs and clinic based disease management interventions and not supplant them. Research on today’s health games provides clear evidence that this popular medium can improve health behaviors and in so doing can significantly improve health.

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relacionada ao contexto de sua composição (elaborada por profissionais do mercado norte americano), por outro ressalta a peculiaridade do contexto da Saúde Coletiva no Brasil e do potencial que existe para jogos que promovam saúde para jogadores em coletividade. Desde a matriz fundamental do SUS até as estratégias atuais de promoção da saúde é buscado um ideal de diálogo participativo e constante entre população e poder público. Isto põe em relevo a crucial importância da comunicação para as políticas públicas de saúde. Uma vez que vídeo games e particularmente aqueles que fazem uso da comunicação on-line podem ser entendidos como um novo meio de comunicação, é importante considerar se e de qual forma alteram as políticas públicas de Comunicação e Saúde correntes. Nesta área de saúde especificamente, vídeo games têm surgido prioritariamente no contexto da promoção da saúde individual, inclusive abordando alguns temas tradicionais do primeiro momento da promoção da saúde: fumo, nutrição e autocuidado com relação a condições crônicas de saúde (LIEBERMAN, 2001). Entretanto, nesta tese defendo a ideia de que os vídeo games e, particularmente, os MMORPGs, têm um potencial significativo para serem utilizados no contexto coletivo da promoção da saúde dadas as suas características comunitárias que favorecem a seus jogadores a participação social e política. COMUNICAÇÃO A Comunicação é um campo interdisciplinar desde suas origens, de tal sorte que frequentemente se fala em Ciências da Comunicação. Por si só, essa condição já lhe confere uma identidade multifacetada, que se transfere para todas as áreas que se convenciona chamar de “comunicação aplicada”, em geral formadas pela interseção da comunicação com outro campo, como é o caso de Comunicação e Saúde. Pode-se falar de Comunicação sob muitos aspectos e são muitas as teorias que conformaram a possibilidade de se pensar a prática comunicacional não só latino-americana, mas em todo o mundo. Tendo em vista o objeto e os objetivos desta tese, aqui será privilegiada uma área específica da Comunicação aplicada que é a Comunicação e Saúde que, por suas configurações, pode ser considerada um campo autônomo. Por outro ponto de vista, é um subcampo da Comunicação, assim como o é da Saúde.

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Comunicação e Saúde Como já mencionado, as práticas de comunicação no campo da saúde ocorrem nos mais diversos formatos e meios. De forma predominante, são usados o meio impresso (folhetos informativos, cartilhas, livros educativos, cartazes e outdoors), de forma isolada ou associados a um investimento de maior vulto, que conforma a modalidade “campanha”, que envolve uma pluralidade de meios e estratégias. Nos últimos cinco anos o governo brasileiro tem investido em iniciativas no meio online, fazendo uso de websites e tomando parte em redes sociais10 como o Orkut, Facebook, Youtube e Twitter (MONTEIRO, 2011). Os conteúdos abordados incluem informações sobre prevenção epidemiológica, mas também sobre endemias e orientações para uma melhoria na qualidade de vida do cidadão. Entretanto, as campanhas de comunicação em saúde, mesmo nas novas mídias, tipicamente têm produção centralizada, o que dificulta o atendimento a contextos particulares (SOBREIRA, 2013). Opta-se por uma abordagem neutra, impessoal, sem referências regionais, que não atende adequadamente às necessidades de um país tão amplo e diversificado em termos geográficos e culturais como o Brasil (ARAUJO; CARDOSO; MURTINHO, 2009). O resultado desta abordagem é que muitos grupos e faixas da população não são adequadamente contemplados nas políticas e práticas de Comunicação em Saúde. Por outro lado, as campanhas, assim como as outras formas comunicacionais em saúde, são eminentemente prescritivas, focando sua atuação em difusão de normas e comportamentos a serem adotados pela população e fazendo recurso a uma estrutura de linguagem que privilegia o tom imperativo. Esta abordagem, somada à característica unidirecional da comunicação em larga escala, sem espaço ao diálogo com os destinatários, dificulta a obtenção dos resultados desejados (ARAUJO, 2002). As ideias que fundamentam estes esforços foram construídas historicamente e resultam, entre outros fatores, do modo como diversas perspectivas teóricas da comunicação foram apropriadas pelo campo das Políticas Públicas e particularmente pelo campo da Saúde. No Brasil, a Comunicação está ligada ao campo da Saúde desde as primeiras décadas do século XX, com a criação do Serviço de Propaganda e Educação Sanitária. Neste período houve um forte movimento para enquadrar a população, especialmente camadas mais pobres,

Uso o termo “redes sociais” nesta tese significando os sites de redes sociais na web, onde é possível a construção de um perfil on-line/página pessoal, a comunicação com outros usuários através de comentários e a exposição pública dos participantes (RECUERO, 2009b). 10

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dentro de um padrão normativo de higiene. A observação dos preceitos científicos da época era considerada essencial para uma boa saúde e a resistência do público a estas diretrizes era vista como uma doença, a doença da ignorância (ARAUJO; CARDOSO; MURTINHO, 2009). Estas medidas ocorriam como forma de introduzir o país no contexto capitalista, preparando-o para a indústria: “Naquela época, educar, higienizar, sanear estavam na ordem do dia.” (CARDOSO, 2002, p. 19). Os esforços dos sanitaristas reforçaram a importância da educação e comunicação como formas e prevenção de doenças entre a população. Este modelo, influenciado pelos avanços na epidemiologia e na administração taylorista, preconizava práticas preventivas para a manutenção da saúde focadas principalmente no indivíduo. Propunham a formação de uma consciência sanitária na população, tendo a higiene e prevenção como foco e materializada através da educação e propaganda, particularmente articuladas com a escola. A doença era vista como consequência de maus hábitos que por sua vez advinham da ignorância da população. Cabia aos profissionais de saúde educar o povo para que o mesmo superasse suas limitações e absorvesse os ideais de prevenção, assumindo comportamentos saudáveis, de modo que medidas autoritárias passassem a ser desnecessárias (CARDOSO, 2002). A visão da propaganda como uma ferramenta técnica, isenta de aspectos ideológicos intrínsecos e eficaz para implantar ideias no público criou a percepção da mídia como uma força poderosa, capaz de manipular o indivíduo que, fragilizado, estaria subjugado à sua ação. Esta visão determinista, entendendo o comportamento humano como uma relação de estímulo e resposta, fundamentou vários esforços de educação e comunicação em saúde, e favoreceu a difusão no Brasil das inovações tecnológicas vindas dos países centrais (CARDOSO, 2002). Após a Segunda Guerra Mundial, o campo da Comunicação começou a adquirir contornos mais precisos com o modelo desenvolvido pelos pesquisadores Claude Shannon e Warren Weaver (1949), a serviço dos laboratórios da Bell Telephone Company. O modelo informacional ou matemático, como foi denominado, é constituído por sete elementos essenciais: emissor, a origem do processo de comunicação; mensagem, a informação que está sendo comunicada; codificador, que coloca a mensagem em um formato para interpretação posterior; canal, a rota que a mensagem viaja; decodificador, que interpreta a mensagem de sua forma original; receptor, o destino da mensagem; e ruído, indesejável no processo de comunicação e definido como a interferência ou distorção que altera a mensagem inicial. (ARAUJO; CARDOSO, 2007).

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Sua influência foi marcante em todo mundo ocidental, podendo-se considerá-lo uma matriz, de onde emergiram e se desenvolveram outras propostas teóricas e metodológicas. O mesmo ocorreu na Saúde: um trabalho de “arqueologia genética” das práticas que foram adotadas desde então mostraria a presença hegemônica dessa concepção comunicacional, de natureza bipolar, linear, unidirecional e fechada. Desenvolvido para aplicação no campo da telefonia, sua adoção como referência para a comunicação entre pessoas em sociedade não foi isenta de efeitos de sentidos. Como organizador de uma prática comunicativa institucional, o modelo aponta para papéis determinados e fixos no processo: um polo é o emissor, o outro é o receptor; a comunicação é reduzida a uma transferência linear de informações, calcada basicamente no suporte tecnológico, sendo que todas as influências externas (categorizadas como ruído) são classificadas como indesejáveis cuja eliminação supostamente garantiria uma perfeita transferência do conteúdo da mensagem. Por fim, o modelo traz implícitas duas concepções inter-relacionadas que impactam profundamente as práticas comunicativas: uma, a de que, uma vez garantido o reconhecimento do código, obtém-se uma comunicação bem sucedida; outra, a de que o significado é imanente aos códigos, portanto passível de transferência. Por todas estas razões, é um modelo que não dá conta da complexidade da prática comunicativa e social (ARAUJO, 2000). Apesar das deficiências e inadequações na sua aplicação para descrever a complexidade da comunicação humana, o modelo de Shannon e Weaver era simples e objetivo, o que facilitou a sua adoção em larga escala. Como matriz de diversas abordagens comunicacionais, seu efeito foi potencializado no campo das políticas públicas, a partir dos anos 50, pela associação da comunicação ao desenvolvimento, no contexto da presença hegemônica, naquele período, da teoria econômica do Desenvolvimentismo, então o principal eixo da gestão pública não só no Brasil, mas em toda América Latina. A comunicação passou a ser considerada como um fator chave para o crescimento social e econômico e a superação da pobreza, acreditando-se que esta seria produto do desconhecimento sobre atitudes e condutas adequadas ao progresso. Essa ideia articulou-se perfeitamente, no campo da saúde, com as concepções dominantes de viés autoritário e focadas na disseminação de um saber autorizado para uma população desprovida de conhecimentos pertinentes ao seu próprio desenvolvimento (ARAUJO, 2003). A comunicação desenvolvimentista é, ainda hoje, a principal perspectiva que orienta e permeia toda a prática de comunicação na Saúde. Como afirma Araujo (2013), pode-se dizer que não foi afetada pelos sucessivos movimentos ocorridos no campo teórico comunicacional,

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que questionaram a insuficiência dos modelos lineares e transferenciais frente à multidimensionalidade das realidades sociais: Assim, a profícua corrente semiológica iniciada por Roland Barthes, que promoveu a percepção do processo social de produção dos sentidos, que não se instaura por uma decisão de um emissor, mas na articulação de diversos fatores, incluindo os aportados pelo até então desprestigiado “receptor”; a linhagem foucaultiana de análise de discursos, que potencializou essa possibilidade, ao mostrar que os discursos constroem realidades e podem ser operadores da mudança ou da manutenção do status quo; a contribuição de Mikhail Bakthin (1986) para a compreensão da polifonia que habita a fala e da língua como arena dos embates de múltiplos interesses; o fundamental entendimento de Bourdieu (1989; 1996) sobre o poder simbólico e a legitimidade como elemento centrais da prática comunicativa; os aportes inestimáveis dos estudos culturais, com seu projeto teórico-político e sua agenda temática inovadora, obrigando a Comunicação a perceber as implicações da cultura e das relações de poder na prática social, de forma associada às suas condições de possibilidade; no Brasil, a força política da visão de Paulo Freire(1993) sobre a equivalência dos saberes dos polos da comunicação, qualificando os conhecimentos da população sobre sua própria promoção; a contribuição de Eliseo Verón(1980), ao aplicar ao campo comunicacional o modelo produtivo da economia, permitindo perceber a comunicação como um processo de produção, circulação e consumo dos sentidos sociais; a radicalidade da inversão proposta por Jesus MartínBarbero (1997), com sua teoria das mediações culturais, enfatizando a importância da cultura no processo de comunicação; estes e outros avanços mais só muito recentemente, a partir dos anos 1990, é que começaram a produzir ressonâncias no pensamento sobre as interfaces da comunicação e saúde. (ARAUJO, 2013, p. 3)

Por outro lado, o processo de criação do SUS na década de oitenta do século passado abriu espaço para também se questionar, junto com o sistema de saúde pública, as práticas tradicionais da comunicação em saúde, com diferentes atores do campo recusando a posição estática de público-alvo e passando a disputar o direito de fala no espaço público com as autoridades governamentais. Entretanto, outras influências hegemônicas também se tornaram mais presentes, com discursos midiáticos de cunho publicitário ganhando espaço no Estado como formas válidas de comunicação em vários setores, entre eles a saúde (CARDOSO, 2002). Tais transformações no cenário político, social e tecnológico favoreceram mudanças na reflexão acerca da Comunicação e Saúde. Olhando-se retrospectivamente, porém, é possível perceber um continuum histórico nas perspectivas teóricas que conformam a Comunicação e Saúde, desde a total desconsideração dos contextos social e cultural no processo de comunicação até sua migração para o eixo central das discussões. As diferentes gradações, no entanto, não foram sendo descartadas e atualmente se materializam em diferentes abordagens nas políticas públicas de comunicação na Saúde. Os movimentos de

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atualização ainda são contra-hegemônicos e as práticas dominantes ainda correspondem aos modelos que pautaram por décadas os rumos do campo. Assim, nas práticas atuais continua a ênfase no indivíduo como responsável pela sua saúde e a desatenção aos determinantes sociais e sua influência sobre a saúde; a proeminência da fala autorizada das instituições, principalmente no âmbito médico-científico; o discurso ainda higienista e preventivista, os investimentos sazonais ou emergenciais em grandes campanhas; a centralização na produção e circulação de materiais de comunicação impressos e audiovisuais; o pouco espaço para escuta da população; e a visão da comunicação prioritariamente como transferência de um polo possuidor do conhecimento para um polo receptor passivo (ARAUJO; CARDOSO; MURTINHO, 2009). Essa tensão entre forças em favor da mudança e de uma prática mais consoantes com os princípios do SUS e as forças centrípetas que se esforçam pela manutenção do modelo centralizado e verticalizado é detalhada por Cardoso (2002): Na pesquisa e na prática profissional, foi possível localizar um conjunto de tensões na ação institucional. Percebem-se nesses embates tentativas de reestruturar as concepções que sustentam os projetos oficiais, na perspectiva da educação popular ou da democratização das práticas, possibilidades e espaços de comunicação/relação com a população. Mas, no núcleo duro da ação estatal, a 'modernização' parece estar se dando nos marcos do projeto neoliberal, que se encarrega de renovar os projetos disciplinadores, valendo-se intensivamente do campo midiático como instância de publicização, e da publicidade como um dos principais discursos contemporâneos. Esse processo evoca o crescente e diversificado papel social das(tele)comunicações, mas também o que esse circuito representa e movimenta de recursos econômicos (p. 30).

Novas perspectivas Nesse cenário, novos desenvolvimentos conceituais vão abrindo espaço para práticas inovadoras no campo da Comunicação e Saúde. A comunicação como um processo negociado e mediado de produção dos sentidos sociais é um dos principais. É possível falar de mediações sob inúmeros prismas, mas por qualquer caminho não se pode deixar de incluir o lugar pioneiro que ocupam Jesús Martín-Barbero e sua perspectiva, que pôs em relevo a importância da cultura nos processos comunicativos, ao perpassar os processos de recepção, reconhecimento e apropriação das mensagens e permitir a ressignificação de uma dada realidade pelos receptores, não mais considerados meros decodificadores.

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Martín-Barbero (1997) questiona o tradicional esquema de emissores e receptores demonstrando que, mesmo sob a comunicação de massa mais hegemônica, não há uma submissão sem resistências destes àqueles, uma vez que os supostos receptores também criam cultura, que é o grande espaço mediador no processo de produção dos sentidos sociais. A noção de cultura de massa como uma degradação da alta cultura abarcando um todo homogêneo que englobaria indivíduos, classes e grupos sociais é refutada, assim como a supervalorização dos meios técnicos da comunicação como se possuíssem uma intencionalidade, desconsiderando o aspecto humano no processo comunicativo. Os meios tecnológicos trazem novos modos de percepção e de linguagem, mas passa a ser necessário entendê-los como espaço de interseção de produção e consumo cultural, resistindo à visão da tecnologia como “grande mediadora” e à transformação da sociedade em mercado (MARTÍNBARBERO, 2004). A despeito disso, a tecnologia materializa mudanças na comunicação, viabilizando novas modalidades e agindo como mediadora para elas: Não estamos subsumindo as peculiaridades, as modalidades de comunicação que os meio inauguram, no fatalismo da “lógica mercantil” ou produzindo seu esvaziamento no magma da “ideologia dominante”. Estamos afirmando que as modalidades de comunicação que neles e com eles aparecem só foram possíveis na medida em que a tecnologia materializou mudanças que, a partir da vida social, davam sentido a novas relações e novos usos (MARTÍNBARBERO, 1997, p. 191).

Entendendo que a comunicação é mais uma questão de reconhecimento do que de conhecimento, portanto uma questão de cultura, esta perspectiva inverte a ênfase do olhar analítico, transferindo-a dos meios para as mediações. É possível assim problematizar o tradicional esquema linear e transferencial de comunicação, que confere todo o poder da relação ao emissor, cabendo ao receptor a tarefa da decodificação. Desta forma, a comunicação, em vez de ser vista pela sua natureza transferencial, que privilegia unicamente a dimensão tecnológica, pode ser entendida como processo social imerso no contexto da cultura de uma sociedade. Mediação seria o termo para se referir a estas trocas entre processos comunicacionais, políticos e culturais, onde o sentido das mensagens é continuamente negociado, adaptado, reconfigurado. As mediações englobam processos de ressignificação e apropriação exercidos pelos receptores sobre uma dada mensagem, criando para si seus sentidos particulares e, no processo, originando novos conteúdos e novas codificações. As mediações promovem, então, um fluxo contínuo e dinâmico de intercâmbio entre as partes. Sob esta ótica, estudar o processo de comunicação seria procurar perceber as formas de mediação pelas quais os diversos elementos (inclusive os

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meios tecnológicos) agem em sociedade, ora interagindo harmonicamente, ora através de conflitos, surgidos na busca de impor sobre o outro sua visão de mundo (MARTÍNBARBERO, 1997). Esta compreensão das mediações permite ver a comunicação em saúde como um processo de contínua transformação de realidade, que não se limita à produção, divulgação e compreensão das mensagens institucionais à população. Antes, diz respeito aos múltiplos sentidos produzidos pelo movimento dos diversos atores que se apropriam, transformam e põem novamente em circulação aquelas mensagens. No contexto do SUS, o conceito de mediações potencializa o pensamento comunicacional, como realçam Araujo e Oliveira (2011): Sendo [o SUS] uma política de saúde inclusiva, o desafio teórico e prático que emergiu desta proposição não foi apenas ofertar mensagens educativas ao público. Foi torná-lo sujeito da comunicação, passar da condição de ouvinte para a de interlocutor, o que não pode ser viabilizado sem o concurso do campo da comunicação. Isto trouxe a necessidade de se lidar com diferentes formas de participação, expressão cultural e política da sociedade e buscar novas metodologias de intervenção e ação por parte das políticas públicas de saúde, fatores que apontam para a questão das mediações (p. 5)

Por sua propriedade de aplicação mais concreta a uma dada realidade, aqui será privilegiada a abordagem de Araujo, que traz o conceito para melhor compreensão da comunicação no campo das políticas públicas: […] mediação é a propriedade exercida pelo elemento que possibilita a conversão de uma realidade em outra. O conceito é aplicável a realidades que são eminentemente discursivas, portanto mutuamente constitutivas, mas que apresentam, sempre, um efeito ideológico de diferenciação, daí a ideia de conversão, de transformação. Ampliando o campo de definições, entendo que os fatores de mediação permitem e promovem o fluxo dos indivíduos e comunidades discursivas entre os diversos lugares de interlocução, favorecendo e mesmo determinando o equilíbrio de forças. É, então, um conceito que encerra a ideia de movimento, mas também a de condições de produção, o que permite perceber que as mediações constroem os polos da relação, não sendo destacáveis delas. (ARAUJO, 2002, p. 260).

O conceito de mediação em Araujo (2002) integra um modelo de comunicação aplicável às políticas públicas – o Modelo da Comunicação como Mercado Simbólico – que propõe entender a comunicação como um complexo e contínuo processo de negociação entre interlocutores com o objetivo de obter uma parcela daquilo que Pierre Bourdieu (1989) chamou de “poder simbólico”, o poder de fazer com que os seus interlocutores olhem o mundo e as relações sociais pelo seu próprio modo de olhar. Esse processo de negociação caracteriza um mercado, o mercado simbólico:

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A comunicação opera ao modo de um mercado, onde os sentidos sociais – bens simbólicos – são produzidos, circulam e são consumidos. As pessoas e comunidades discursivas que participam desse mercado negociam sua mercadoria – seu próprio modo de perceber, classificar e intervir sobre o mundo e a sociedade – em busca de poder simbólico, o poder de constituir a realidade (ARAUJO, 2003, p. 3).

Fazendo a crítica da noção de mercado como transação entre iguais, o modelo opera com uma visão institucionalista, que tem como premissa a existência de desigualdades de condições entre os que ali se encontram. Neste sentido, um elemento importante desse modelo é a caracterização de duas posições máximas de poder discursivo no espaço social, o Centro e a Periferia. Entre essas duas posições, situadas num cenário reticular, transitam indivíduos e comunidades discursivas (grupos de indivíduos que produzem e fazem circular discursos e que são por eles reconhecidos), posicionados de acordo com seu poder discursivo. Essa posição “corresponde ao seu lugar de interlocução e lhe confere poder de barganha no mercado simbólico” (ARAUJO, 2002, p. 289). Entretanto, Centro e Periferia não são polos fixos, mas dinâmicos e mutuamente constitutivos, uma vez que são relacionais. Há uma constante movimentação entre os atores por meio de diversas estratégias, quase sempre visando manter ou melhorar sua posição em relação ao Centro. Essas estratégias se apoiam em fatores de mediação, que são os fatores que favorecem ou dificultam o fluxo entre as posições. Os fatores de mediação são de ordem pessoal, grupal, coletiva ou organizacional, material ou simbólica e ocorrem em contextos, cuja articulação determina o lugar de interlocução (ARAUJO, 2002, p. 289).

Os fatores de mediação, em Araujo, têm intenção e valor metodológico e como forma de estudar processos de comunicação sob a perspectiva do mercado simbólico, é proposta uma matriz de análise composta de cinco elementos principais: as Fontes, que seriam espaços simbólicos pré-construídos, produtoras de sentidos a partir do acervo individual, social e cultural dos indivíduos e grupos sociais; os Campos, ou espaços sociodiscursivos abstratos que podem ser mais ou menos organizados; as Instâncias, que são os espaços sociodiscursivos concretos e estruturados; as Comunidades Discursivas, que são grupos de pessoas que produzem e fazem circular os discursos; e os Fatores de Mediação, que emanam dos contextos analisados, promovendo ou dificultando o fluxo dos sujeitos entre o centro e a periferia do poder discursivo (ARAUJO, 2002). Os fatores de mediação, por sua vez, estão divididos em seis diferentes ordens: Motivações e Interesses (pessoais, coletivos, institucionais, etc.), Relações (pessoais,

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comunitárias, institucionais e organizacionais), Competências (calcadas no conceito de palavra autorizada seja por legalidade ou legitimidade), Discursividades (envolvendo discursos, taxonomias, teorias e modelos), Dispositivos de Comunicação (compreendendo os dispositivos de enunciação, dispositivos de produção, circulação e consumo discursivo e as mediações tecnológicas) e Leis, Normas e Práticas Convencionadas (dispositivos legais que regem as relações sociais) (ARAUJO, 2002). Assim, os sentidos dos processos comunicativos são produzidos socialmente por interlocutores (e não mais emissores ou receptores) dotados de interesses específicos e inseridos nessa rede de negociações em certa posição em relação ao Centro e a Periferia, o que traduz sua desigualdade de condições e recursos. Existe, portanto, tanto negociação quanto luta em busca de assegurar melhor posição: “O mercado simbólico é um mercado de desiguais e a negociação que nele se processa tem o caráter de luta por posições de poder discursivo. Como toda luta, supõe confrontos e embates, mas também acordos, alianças, sinergias.” (ARAUJO, 2002, p. 291) Estas diferenças são acentuadas pelo modo como cada interlocutor participa do mercado simbólico, que depende dos seus contextos particulares que por sua vez condicionam seu discurso, neste caso também chamado de “texto”. Araujo distingue quatro contextos relevantes para o processo comunicativo: os contextos textual, intertextual, existencial e situacional. O contexto textual trata da relação de proximidade entre enunciados de um texto e com o que está ao seu redor. O contexto intertextual se refere à relação do texto original com outros textos, de alguma forma conectados ou conectáveis ao primeiro. É a rede de referências que um interlocutor estabelece ao se deparar com um enunciado, lembrando-se de outros semelhantes, refutações, citações, etc. A experiência particular de cada interlocutor vai proporcionar um contexto intertextual diferente de outras pessoas. Assim, influenciando o contexto intertextual está o contexto existencial, descrevendo o interlocutor em termos de história de vida, experiência, gênero, classe social, sua individualidade, enfim. De certo modo, o contexto existencial é a força motriz que aciona os demais contextos. O último contexto, situacional, também é influenciado pelo existencial, pois incorpora em certa medida a posição na sociedade ocupada pelo interlocutor. No entanto, é um contexto que referencia o lugar das pessoas em cada situação comunicacional, portanto é circunstancial e dinâmico. Cada pessoa ocupa diferentes posições, diferentes “lugares de interlocução”, dependendo do contexto situacional, exercendo graus diferentes de poder de acordo com cada uma e em consequência modelando diferentemente suas estratégias de comunicação (ARAUJO, 2002).

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Assim, o modelo do Mercado Simbólico procura ser uma forma mais multifacetada de compreender a comunicação imersa em sociedade, “[...] um modelo reticular, multipolar, multidirecional, desenvolvido para compreensão da prática comunicativa no campo das políticas públicas.” (ARAUJO, 2003, p. 8). A perspectiva do mercado simbólico é um modo de compreender como se formam os sentidos sociais, portanto, como se formam as condições de percepção e ação das pessoas sobre o mundo. Os quatro contextos que ela descreve são aplicáveis a uma análise mais aprofundada dos video games e dos MMORPGs em particular e serão novamente enfocados no capítulo seguinte. Antes, entretanto, serão discutidas as novas mídias e seu papel na comunicação, em especial a mídia interativa dos video games. Novas mídias Entre outras tantas classificações, video games11 podem ser considerados (e estudados) como entretenimento, artefatos tecnológicos, expressões artísticas, mídia de comunicação e como jogos em si. Seu caráter comunicativo é inegável, o que leva à proposta de sua incorporação como estratégia de Comunicação e Saúde. Video games são considerados representantes do conjunto de novas mídias que têm se multiplicado desde a disseminação do computador (ROIG et al., 2009). O termo “novas mídias” tem definições variadas baseadas em diferentes aspectos: por exemplo, Henry Jenkins (2008) organiza sua definição em termos de qualidades mais subjetivas da mídia em questão (convergente, inovadora, cotidiana, generacional, apropriativa, conectada, global e variável) enquanto Lev Manovich (2002) destaca suas qualidades formais como características definidoras: representação numérica, modularidade, automação, variabilidade e transcodificação (o entrelaçamento bidirecional entre a lógica computacional e a cultura humana). Para os fins deste trabalho, entretanto, é suficiente saber que, a despeito destas diferenças, parece haver certo consenso que tanto as tecnologias originadas a partir da World Wide Web (sites, blogs, redes sociais etc.) como os video games (MANOVICH, 2002; JENKINS et al., 2006; RAESSENS, 2006) integram as novas mídias. Os video games são anteriores à World Wide Web, mas talvez sejam o formato de mídia que melhor se adaptou à rede. Desde seus primórdios, a Internet esteve relacionada com o tema dos jogos, seja nos Play-by-e-mail (PBeM), jogos (normalmente estratégicos, como o 11

A discussão sobre o termo video game e a definição que é usada no contexto desta tese serão apresentadas mais adiante, no capítulo 3.

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popular Diplomacia) onde os participantes a cada turno mandavas seus movimentos via email para um administrador ou juiz, seja nos sites que faziam análise e críticas de vídeo games, a princípio passatempo de amadores que acabaram se tornando a semente de diversos sites atuais de jornalismo especializado em vídeo games (BOGOST, 2004). Esta presença inicial foi se desenvolvendo ao longo dos anos e hoje está em várias frentes. Surgiram sites detalhando jogos específicos, listas de discussão em que jogadores debatem suas preferências e wikis nas quais contribuem com todas as informações possíveis sobre um determinado jogo (de críticas ao enredo à formas de trapacear), à semelhança do funcionamento da Wikipedia. Dos textos sobre vídeo games se passou à sua distribuição e hoje existem lojas online de vídeo games que fazem um grande número de vendas diariamente exclusivamente via download12, como o Steam, loja online pioneira em um modelo de distribuição de vídeo games que possui milhões de clientes em todo o mundo, chegando a contar com 6 milhões de usuários conectados simultaneamente (STEAM... , 2012). Da distribuição baseada na web se passou à possibilidade de jogar na própria janela do navegador. Jogos começaram a ser desenvolvidos por meio do ferramental usado para construção de sites como a linguagem de programação Java e as animações em flash e mais recentemente a linguagem HTML. Além destes formatos, difundiram-se ferramentas de criação de vídeo games (chamados de game engines) capazes de apresentar na janela de um navegador comum jogos tridimensionais de qualidade similar aos jogados em consoles dedicados a vídeo games. Estas técnicas e ferramentas para criação de vídeo games, como o Unity 3D13, não raro são de baixo custo ou gratuitas, o que contribuiu para um crescimento no mercado de vídeo games da presença de desenvolvedores independentes, criando jogos menores com equipes e recursos mais modestos, mas não obstante conquistando parcelas significativas do público (IRWIN, 2008). Mais recentemente, as redes sociais, que já possuíam um forte caráter lúdico nas formas de relação e conteúdo das mensagens, passaram a oferecer vídeo games simplificados, denominados casual games, que são jogos de aprendizagem rápida e não requerem longas sessões de jogo para proporcionar ao jogador alguma conquista. Embora possa ser dito que todo jogo seja socializante (SODRÉ, 2007), somente quando o Facebook e mais tarde o Orkut passaram a incorporar casual games, estes ganharam a nomenclatura de social games, pela 12

Existem diversas lojas deste tipo, sendo que as três principais estão associadas a publicadoras de vídeo games: Steam (http://store.steampowered.com/), Origin (http://store.origin.com/) e Uplay (http://uplay.ubi.com/). 13 http://unity3d.com/

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sua característica marcante de incentivar o usuário a convidar ou jogar com os amigos de sua lista de contatos (RECUERO, 2012). Os jogos nas redes sociais tornaram-se muito populares, atingindo grande parte dos usuários e trazendo às redes sociais novas dinâmicas e formas de relacionamento, criação e manutenção de conexões sociais. Já em 2009, Recuero (2009a) identificava nestes jogos a principal motivação para a migração do público brasileiro do Orkut para o Facebook, funcionando como um grande fator de engajamento na rede social e meio de sua disseminação. Analisando um dos jogos mais populares do Facebook, Recuero (2012) destaca as novas dinâmicas de relacionamento que tais jogos promovem, assim como o engajamento do público que complementa as regras do jogo (tipicamente bem limitadas) com práticas participativas como criação de perfis de Facebook fictícios para os personagens dos jogos, elaboração de regras próprias mais abrangentes e complexas e a formação de comunidades extrajogo. Tudo isto torna mais denso o envolvimento dos jogadores e, graças à participação deles, acaba por dar ao jogo, inicialmente de regras simples, uma cultura rica e diversificada com características de um mundo virtual compartilhado, aos moldes dos MMORPGs, jogos que são bem mais complexos. Assim, as práticas do jogo se alastram para outros ambientes, na maneira como se formam laços entre os jogadores e na maneira como expandem os sistemas simples do vídeo game em uma construção fictícia muito mais sofisticada, que ilustra a importância dos aspectos de participação como atrativo (RECUERO, 2012). Com a popularização de smartphones, tablets e dispositivos similares, os vídeo games alcançam novos espaços, fazendo a transição do computador ou do console para ambientes mais ágeis, mesclando-se à paisagem urbana. Conforme destaca Lemos (2012b, p. 107): “As tecnologias de comunicação sempre afetam a produção social do espaço, desde a escrita, passando pela imprensa, o telégrafo, o telefone, o rádio, a televisão e, hoje, a internet”. Assim, as relações sociais nas novas mídias não efetuam transformações apenas no ambiente virtual, mas causam repercussões no espaço físico, com o qual guarda relações de mútua influência. No caso dos chamados jogos móveis locativos, este trânsito entre a realidade do jogo e ambiente físico é posto em evidência, uma vez que tais jogos usam tecnologias de geolocalização e incorporam o ambiente físico em suas regras, formando o que Lemos (2012a, p. 98) chama de “’território informacional’ [...] fronteiras informacionais formadas pela intersecção do espaço físico com o eletrônico”. Também funcionando como nexo entre o mundo virtual e o espaço físico nos vídeo games, mas em outro sentido, estão as lan-houses, por meio das quais mesmo as classes

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menos favorecidas têm encontrado formas de lidar com as novas mídias. A proliferação das lan-houses de baixo custo tem particular importância do ponto de vista da democratização do acesso à comunicação. Estes estabelecimentos, muitas vezes funcionando sem registros legais, estão presentes em comunidades de baixa renda, funcionando como nós de acesso de vizinhanças inteiras (SURVEY... , 2010). Muitas destas lojas fornecem e-mail e serviços de impressão, acesso a jogos online, além do acesso à Web, o que faz com que muitos jovens e adolescentes, mesmo impossibilitados financeiramente de ter um computador próprio, ainda assim possam usufruir da mídia dos games a um custo viável para sua realidade (MOITA, 2006; PEREIRA, 2008). Aliado a este fator estão os preços cada vez mais acessíveis dos computadores pessoais, possibilitando que a mídia dos vídeo games, se disseminem pelas diversas camadas sociais, expondo principalmente jovens e adolescentes a novas possibilidades de cognição e aprendizado, frequentemente em coletividade: Assim, os jovens aprendem não só com o que lhes é diretamente ensinado, mas desenvolvem padrões de participação nas práticas desenvolvidas em cada comunidade, neste caso, a comunidade dos games, o que inclui as práticas discursivas, o saber-fazer e a utilização dos diferentes recursos. [...] Nessa perspectiva, defendo que existe um currículo cultural resultante de uma aprendizagem construtivista social, um conhecimento construído num processo de exploração, experimentação, discussão e reflexão colaborativa, realizado não só de forma ativa pelo jovem jogador, mas também nas relações grupais ou daquela comunidade de aprendizagem (MOITA, 2006, p. 18)

Midiatização Toda esta imbricação entre mídia online e vídeo games pode ser analisada sob o ponto de vista da midiatização, a forma como os indivíduos e instituições na sociedade passam a interpretar e expressar objetos, processos e campos segundo a lógica da mídia (SCHULZ, 2004). Midiatização é definida por Muniz Sodré como “o funcionamento articulado das tradicionais instituições sociais com a mídia” (SODRÉ, 2007,

p. 17). Sodré também

identifica a midiatização como parte de um quarto bios (acrescido aos três bios definidos por Platão, vida contemplativa, vida política e vida do corpo), o bios midiático, representada por uma ordem de mediações focadas na tecnointeração (SODRÉ, 2002). Lógica da mídia, por sua vez, pode ser entendida como a forma de comunicação, o processo através do qual a mídia apresenta e transmite informação, cujos elementos incluem suas maneiras de organização, estilo, ênfase e outras características (SCHULZ, 2004; HEPP, 2011). Acompanhando a midiatização da sociedade como um todo há a midiatização da saúde

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enquanto campo social, ainda que tal midiatização não ocorra de maneira homogênea (ARAUJO; CARDOSO; MURTINHO, 2009). A midiatização seria resultado da evolução da mídia nas sociedades industrializadas, com um desenvolvimento semelhante ao do próprio campo das mídias, cujo funcionamento acabou por modelar todas as interações sociais. Na contemporaneidade, as tecnologias e protocolos de comunicação organizariam e regulariam a experiência dos diferentes campos da sociedade. Longe de ser uma influência limitada ou localizada, as mídias teriam um efeito estruturante, impregnando todas as esferas da sociedade, mediando e organizando os diferentes campos: “Ou seja, a vida e dinâmicas dos diferentes campos são atravessadas, ou mediadas, pela tarefa organizadora tecno-simbólica de novas interações realizadas pelo campo das mídias” (FAUSTO NETO, 2007, p. 90). Schulz (2004) define quatro aspectos fundamentais desta disseminação da lógica midiática: extensão, onde as mídias estendem os limites da comunicação humana natural; substituição, onde a mídia toma o lugar de atividades e instituições sociais; amalgamação, onde a mídia mescla várias atividades não midiáticas na vida social; e acomodação, onde atores e organizações de todos os setores da sociedade se condicionam à lógica da mídia. Esta acomodação em particular se combinaria com o caráter econômico das comunicações de massa, materializado na padronização dos produtos midiáticos. Entretanto, o caráter excessivamente determinista da interpretação de Schulz desconsidera a mídia como cultura e os aspectos que enumera seriam apenas manifestações de um processo mais amplo (HEPP, 2011). Além disso, conforme aponta Couldry (2008), o termo “lógica da mídia” pode ser enganador, uma vez que supõe uma lógica unificadora fundamentando todo tipo de mídia, deixando de lado as diferenças entre as diversas mídias e a enorme variabilidade de suas formas de produção, circulação e apropriação. Ao se falar de midiatização, portanto, é importante atentar para as condições e especificidades dos processos de midiatização que estão em foco, cujos efeitos no campo social serão diferentes a cada caso (HEPP, 2011). No contexto das novas mídias, onde o usuário tende a ter uma atitude mais ativa perante o conteúdo que recebe, a midiatização incorpora características semelhantes, trazendo a promessa de uma relação de parceria com o público, abrindo espaços mais democráticos na forma de pesquisas de opinião, comentários e contribuições dos leitores. Não obstante, ela ainda esconde a assimetria que na maioria dos casos é inerente a tais relações. Sodré (2002) percebe neste processo um esvaziamento ético e político, à medida que a mediação é substituída pela tecnointeração, provocando a migração dos atores políticos da prática

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representativa concreta para o âmbito da performance midiática. Neste regime, o usuário participa, mas nos termos que lhes são oferecidos. Como afirma Fausto Neto: “A inclusão do leitor ‘num jogo a ser jogado’ indica uma reformulação no contrato, apontando para um suposto regime de simetrias, e é sinalizada nas próprias operações jornalísticas” (FAUSTO NETO, 2007, p. 101). Entretanto, ainda assim a escolha, a opção e o clique para selecionar se tornaram elementos já corriqueiros de uma nova gramática comunicativa, onde interferir, escolher e ver resultados imediatos na tela é a norma. Deste modo, a midiatização incorpora aos poucos elementos bem similares aos video games, do controle interativo ao feedback visual imediato. Se de fato a midiatização se intensifica e abrange estes novos formatos, então entender a lógica do jogo e suas estratégias passa a ter grande relevância para a relação com o outro, vida em sociedade e cidadania. Juul analisou o tema da popularização dos video games (especificamente, dos casual games) enquanto fenômeno cultural combinando etnografia de jogadores, entrevistas com desenvolvedores e análise comparativa da indústria dos jogos. Ele destaca que a grande quantidade e a facilidade de acesso dos casual games nas mais variadas plataformas (incluindo as plataformas móveis) tornou a mídia aceita: “Jogar video games se tornou a norma; não jogar video games se tornou a exceção” (JUUL, 2010, p. 8, tradução nossa)14. Na medida em que as novas mídias se instalam junto às pré-existentes, as funções e posicionamentos de todas se reconfiguram em novos arranjos (JENKINS, 2008). Neste sentido, Gekker (2012b) defende que o afluxo das novas mídias (entre elas os video games) e a forma ativa de lidar com elas muda aos poucos o caráter da midiatização, de maneira que o principal ator da nova esfera midiatizada já não é tanto o leitor, ouvinte ou telespectador, mas o usuário e, talvez, o jogador. As TICs se tornam mais e mais impregnadas no cotidiano, como formas de acesso à informação, arte e cultura, canais de compras e finanças e meios de contato com o governo, as instituições e os outros. Video games, por sua vez, estão estreitamente ligados com a lógica de representação e operação das TICs, conforme destaca o teórico e game designer Eric Zimmerman, em entrevista ao autor Jesper Juul: [...] jogos são a forma de cultura que é mais intrinsecamente relacionada com essas coisas, com sistemas, tecnologia, informação e comunicação mediada. Não seria surpresa para mim [se], assim como a sociedade no século XX deu origem ao cinema e televisão, neste século mais recente, 14

To play video games has become the norm; to not play video games has become the exception.

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onde a tecnologia da informação está sendo suplantada pela tecnologia lúdica, o jogo se tornasse um paradigma mais dominante para a cultura do que a imagem em movimento (JUUL, 2010, p. 215, tradução nossa)15.

Assim, Gekker (2012a) desenvolve o argumento de que, à medida que a mídia dos video games se torna mais difundida impregnando-se na sociedade interconectada, a midiatização ganha um caráter de jogo e, como consequência, a sociedade midiatizada tenderá a se portar mais e mais segundo lógicas derivadas dos video games. Assim, surgiria uma sociedade mais “lúdica” do que aquelas influenciadas pela televisão e jornais, uma sociedade onde a audiência se pareceria mais com os jogadores de hoje do que com telespectadores. Esta midiatização proporcionada pelos video games pode ser vista com desconfiança, como uma “tal penetração do artifício tecnológico na vida real (a realidade sócio-histórica) que esta última periga ser experimentada como uma tela a mais” (SODRÉ, 2002, p. 147). Entretanto, parece mais apropriado percebê-la como uma transformação derivada da apropriação pela sociedade de novas formas tecnológicas e culturais, sendo que esta negociação entre usuário e as novas mídias opera por sua vez novos comportamentos. Aplicando este raciocínio ao caso específico da política, Gekker (2012a) distingue exemplos correntes do que chama de “política casual” (casual politicking), inspirada no termo casual game, que descreveria formas de envolvimento político desenvolvidas primariamente via novas mídias, como as petições virtuais e similares, marcadas por interfaces ricas em atrativos midiáticos e de uso simplificado, passíveis de serem efetivas sem exigir muito tempo ou comprometimento, permitindo reconsiderações de opinião e fluxos e envolvendo forte incentivo para participação comunitária ou em grupos de interesse. É possível ver esta midiatização interativa se manifestando em duas formas principais. A primeira delas é a gamification, citada anteriormente. Gamification (no Brasil por vezes chamada de “gamificação”) é um termo novo, surgido na intersecção entre mercado, Educação e Game Studies. Sua definição ainda é contestada, mas pode ser entendida como a inclusão de mecânicas típicas de vídeo games (pontos, bandeiras, medalhas e promoções virtuais, rankings, etc.) em produtos/sistemas que não são jogos com o objetivo de aumentar o interesse do usuário e tornar sua experiência com o produto, site ou empresa mais gratificante. Gamification tem sido usada em programas de relacionamento e fidelidade, sites […] games are the form of culture that is most intrinsically related to those things, to systems, technology, information, and mediated communication. It wouldn’t surprise me [if ], just like society in the twentieth century gave rise to cinema and television, in this newer century where information technology is now being supplanted by ludic technology, play becomes a more dominant paradigm for culture rather than the moving image. 15

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institucionais, sites e instituições de ensino e redes sociais. Ela é usada sob várias formas, desde fóruns na internet que concedem títulos honoríficos aos usuários mais ativos até em aplicações de redes sociais que incentivam seus usuários a compararem atributos como maior número de amigos ou mais países visitados (DETERDING et al., 2011). Embora seu uso exagerado como incentivo de venda tenha angariado críticas de estudiosos de vídeo games (BOGOST, 2010), gamification é um termo útil para designar uma legítima tendência cultural e comercial crescente (RAESSENS, 2006; DETERDING et al., 2011). Ludificação – o jogo invade a vida Enquanto gamification representa um aspecto mais operacional e tecnológico da midiatização dos video games, ludification tende para os aspectos sociais e participativos. De acordo com o pesquisador Joost Raessens, jogos e outras tecnologias digitais têm motivado o surgimento de um modo mais lúdico de se comportar em sociedade, levando a uma “ludificação da cultura”, uma vez que “[...] a informação digital e tecnologias de comunicação têm precisamente proporcionado novas formas de jogo” (2006, p. 13, tradução nossa)16. Pesquisas do campo dos Game Studies há algum tempo destacam este fenômeno, ressaltando como os video games vêm transbordando da área privada do entretenimento para setores mais amplos da cultura em diferentes formatos. Os video games deixaram de ser atividade de grupos sociais específicos e a cada dia se disseminam como prática cultural e de consumo na sociedade como um todo (GEKKER, 2012a). Neste processo de “ludificação”, Raessens (2010a) destaca a importância das regras e a compreensão que as mesmas podem ser mudadas, a crescente natureza lúdica de outros domínios culturais e a compreensão de que o jogo é com frequência menos aberto do que parece. Neste sentido, embora a ludificação seja mais visível nos video games (que são partes formalizadas do lúdico), esta aparece também em áreas tradicionalmente avessas à ideia de diversão, como a educação (jogos educativos), política (formas lúdicas de participação em campanhas eleitorais de candidatos) e até ações militares (as interfaces de drones de vigilância inspiradas nas dos video games). Sinais deste processo podem também ser vistos nas formas de apreensão de novas tecnologias de comunicação, como o uso criativo de SMS e Twitter nos celulares ou ainda nos filmes que fragmentam a narrativa de modo que esta se

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[…] digital information and communication technologies have precisely enabled new forms of play.

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torne um quebra-cabeça intrincado a ser desvendado pelos espectadores. Como consequência destas transformações, os Game Studies e a noção de jogo e do lúdico passam a poder contribuir analiticamente para a compreensão da cultura midiática (RAESSENS, 2010a). A fim de designar as transformações na maneira como a mídia dos video games reconfigura a construção de identidades pessoais e culturais, Raessens (2006) usa o termo “identidades lúdicas” (playful identities), enfatizando que tal transformação se dá no nível pessoal além do social, perpassando todas as áreas da vida. Esta mesma ideia é apresentada por Silverstone (2005), que vê na brincadeira e no jogo uma forma de autodefinição, destacando sua importância na sociedade atual: Ainda quero pensar sobre as maneiras pelas quais, na brincadeira, podemos afirmar, e realmente afirmamos algo da nossa individualidade, construindo identidades pelos papéis que assumimos e pelas regras que seguimos. Somos todos agora jogadores em jogos, alguns ou muitos dos quais são feitos pela mídia (SILVERSTONE, 2005, p. 126).

Por fim, Raessens identifica um duplo movimento em direção à ludificação da sociedade: um movimento acadêmico, no qual, ao mesmo tempo em que se abrem novas áreas e objetos de estudo proporcionados pelas novas mídias, em especial os video games, também se busca recorrer às teorias, modelos, objetos e processos historicamente associados ao estudo dos jogos e video games como chaves interpretativas para análises teóricas no campo das mídias; e outro movimento espalhado, não organizado, disperso pela sociedade, mas ainda assim perceptível, em direção a uma compreensão e uso das mídias (não limitadas às novas mídias) como espaços lúdicos, passíveis de incorporar jogo e diversão em suas dinâmicas cotidianas, mesmo nos setores tradicionalmente menos afeitos à ideia de diversão, incluindo a participação política e iniciativas de cidadania (RAESSENS, 2010a). Ao analisar transformações políticas nos Estados Unidos, Putnam (2000) destaca como as mídias não sociais e passivas (como a televisão) lentamente foram ocupando mais espaço na vida dos indivíduos, diminuindo sua presença nas comunidades em que viviam e esvaziando assim sua participação cívica. Desta forma, o tempo dedicado à mídia enfraquecia os laços comunitários. Pesquisadores que se dedicam a pesquisar os jogos multiplayer online, que congregam muitos jogadores, propõem que estas novas mídias, mais interativas e mais sociais, podem contribuir para reverter esta tendência. Uma área potencial para um maior desenvolvimento desta junção entre atividade política e video games, particularmente devido às suas características sociais, são os MMORPGs, que ganham cada vez mais popularidade e importância, movendo interesses econômicos e políticos em meio às suas comunidades de

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jogadores, fazendo com que temas como soberania, trabalho, fluxos de capital comecem a demandar reflexões a fim de se entender quais são suas ramificações nos mundos virtuais (CASTRONOVA, 2005; YEE, 2006; MALABY, 2007). Assim, jogos como World of Warcraft poderiam propiciar a formação de novas comunidades, na medida em que congregam um número significativo de pessoas e, ao contrário de fóruns, websites e redes sociais, lhes dão um espaço físico tridimensional (ainda que simulado) para buscarem seus objetivos e interagirem cotidianamente (WILLIAMS et al., 2006). Nesta mesma linha, Schulzke (2011) defende que em sociedades contemporâneas, onde a população se desinteressa das tradicionais formas de cidadania, video games podem representar espaços para que indivíduos se associem, trabalhem juntos colaborativamente, desenvolvam lideranças e habilidades e ajam afirmativamente: [...] em uma época de declínio da participação em organizações tradicionais, os jogos são mais promissores em promover o autoconceito positivo do que outras mídias digitais, porque eles têm mecanismos de feedback que recompensam o bom desempenho. Eles podem aumentar a eficácia, dando aos jogadores desafios a superar e lhes permitindo reformular um mundo digital através da ação. Embora este seja um benefício principalmente associado com os jogos multiplayer, vale para jogos single-player também (SCHULZKE, 2011, p. 362, tradução nossa)17.

É razoável supor a viabilidade de um arranjo parecido em relação à Comunicação e Saúde no Brasil, no qual a população possa participar coletivamente em ações e discussões relacionadas ao tema por meio de mecanismos típicos de video games complementando as formas tradicionais de interação social. Assim, face à popularização das novas mídias, que concede novos contornos à lógica da midiatização quanto ao seu aspecto interativo (isto é, de participação), os video games reúnem características que ampliariam sua receptividade junto aos usuários. Longe de ser apenas mais um veículo curioso para disseminar informações sobre saúde, video games têm o potencial de se constituir em uma importante via para fazer circular conteúdos de saúde, levantar dados, opiniões e preferências dos usuários e estabelecer uma instância de interação entre poder público e população, incentivando sua participação na construção compartilhada de novas políticas públicas de saúde.

[…] in an age of declining participation in traditional organizations, games hold more promise of promoting positive self-concept than other digital media because they have feedback mechanisms that reward good performance. They can increase efficacy by giving players challenges to overcome and allowing them to reshape a digital world through action. While this is a benefit primarily associated with multiplayer games, it holds true for single-player games as well. 17

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VIDEO GAMES Conforme dito, uma das mídias que têm crescido em importância cultural e econômica

nos últimos anos é a mídia dos video games. Nesta pesquisa estudei uma parcela específica dessa mídia – os MMORPGs – investigando seu potencial para Comunicação e Saúde; portanto, uma aplicação “séria” do jogo, em contraposição à dimensão de entretenimento que orienta a maioria dos video games. Isto leva à noção de serious games, que é objeto desta seção. SERIOUS GAMES Jogos Para se pensar em MMORPGs em relação às políticas de Comunicação e Saúde é necessário assumir que os mesmos têm um efeito para além de suas fronteiras, isto é, no “mundo real”. Os Game Studies, campo interdisciplinar que estuda jogos e video games e seu papel na cultura e sociedade, investigam essas relações, apresentando-se ao pesquisador o desafio de discutir as formas pelas quais os jogadores constroem sentidos nos video games. A principal teoria sobre os video games em geral e sobre os serious games em particular é a retórica procedimental, uma teoria nascida dentro dos Game Studies que se ocupa com o sentido nos video games em sua relação com o mundo real. Contudo, existe hoje um debate sobre os limites de aplicabilidade desta teoria e críticos apontam que sua resposta é apenas parcial, incapaz de resolver a questão de como se dá a produção de sentidos nos video games. Para avançar no debate, é importante caracterizar os video games como expressão e espaço de fomento de uma cultura participatória, onde os jogadores, por meio de interpretações, reconfigurações e construções técnicas, sociais e midiáticas, constroem sentidos durante a experiência de jogo e a partir dela, os quais potencialmente podem ser transferidos e aplicados em suas realidades físicas. Este aspecto é central nesta tese. Neste capítulo, apresentarei definições de jogo e video game e uma análise conceitual dos serious games. Na sequência, uma apresentação da retórica procedimental, acompanhada por uma crítica quanto à forma como tem sido aplicada, defendendo a posição central do jogador na construção de sentidos nos jogos. Por fim, discutirei como video games são mais do que um meio meramente interativo; seu sentido é construído mediante esforços do jogador, sendo, portanto, uma via potencial de consolidação para participação social.

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3.1.1.1 Os primeiros esforços para definir o jogo Um dos primeiros teóricos a estudar os jogos foi o historiador e filósofo holandês Johann Huizinga, um dos fundadores da moderna História Cultural. Huizinga (1955) defende que o jogo é uma categoria primária do ser humano (e não só do ser humano, mas dos animais), anterior até mesmo à civilização. O jogo não seria então um produto da cultura, mas o caráter lúdico da cultura seria herança de suas raízes no jogo. Para justificar suas posições ele recorre a vários campos, incluindo a etimologia e estudos etnográficos de outras sociedades. Foi Huizinga também quem primeiro definiu de forma mais explícita (ainda que ampla) o conceito de jogo: O jogo é uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e de espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e de alegria e de uma consciência de ser diferente da “vida cotidiana”. (HUIZINGA, 1955, p. 28)

Segundo esta ótica, o jogo é um ato de liberdade, está fora do cotidiano e é diferente deste, tanto em relação ao tempo quanto em relação espaço. A despeito disto, nos seus limites estabelece uma ordem própria da qual depende sua existência. Finalmente, não é conectado a priori com interesse material e não provê lucro ou proveito aos participantes que não seja a própria experiência do jogo. A partir desta definição Huizinga estabelece conexões entre o jogo e a poesia, arte e o sagrado. Uma noção importante que deriva desta definição inicial e que o autor desenvolveu posteriormente é a ideia do “círculo mágico”, o espaço onde ocorre o jogo, à parte da vida normal, onde as regras normais da sociedade são momentaneamente suspensas para que regras arbitrárias possam ser seguidas. (HUIZINGA, 1955). As ideias de Huizinga foram aprimoradas por Roger Caillois (2001), que fez uma classificação das formas de jogo, discordando, porém, da excessiva importância que Huizinga deu à competição. Em vez de definir o jogo, Caillois enumera suas seis características essenciais: o jogo é livre e não obrigatório, é separado da vida cotidiana em um próprio espaço e tempo; traz incerteza quanto aos resultados, uma vez que estes dependem dos atos dos jogadores; não produz riqueza ou valor tangível; é governado por regras que se sobrepõem às regras e comportamentos normais; envolve um “faz de conta” que situa os jogadores em sua realidade imaginada. Caillois também propõe quatro formas básicas de jogo combináveis que se estruturam entre dois polos. As formas seriam Agon (competição), Alea (acaso), Mimesis (interpretação ou mímica) e Ilinx (ou vertigem). Estas formas se combinariam em diversos tipos de jogos, sendo que cada jogo se localiza em um continuum definido por dois

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extremos, ludus (jogos propriamente ditos, com regras estruturadas e explícitas) e paidia (brincadeira espontânea). Assim, próximo ao primeiro polo há jogos extremamente estruturados (xadrez, jogos estratégicos ou wargames, esportes profissionais, etc.) e próximo ao outro ficam os jogos mais livres e descompromissados (faz de conta, frisbee, etc.). Na literatura em inglês é comum encontrar esta diferenciação entre jogos estruturados e brincadeira através das palavras game (para ludus) e play (para paidia), embora em português a distinção fique mais nebulosa. Conforme será visto no capítulo 4, a experiência dos MMORPGs é múltipla e cada jogador pode combinar ludus e paidia em diferentes medidas e em diferentes ocasiões. Isso reflete a visão de Caillois, quando ele aponta que há uma constante mutação de uma forma para outra, com brincadeiras sendo estruturadas em jogos e jogos rígidos muitas vezes dando espaço à brincadeira e divertimentos menos estruturados (CAILLOIS, 2001). Mais recentemente, Eric Zimmerman e Katie Salen (2004) ampliaram o conceito de círculo mágico de Huizinga, entendendo que tal mágica seria seu poder de criar uma “nova realidade”, onde peças de plástico, cartas ou imagens na tela ganham significados renovados e ampliados pela proposta do jogo. Os autores enfatizam que as ações e efeitos ocorridos dentro do círculo mágico acrescentam valor emocional e psicológico ao jogo. Esta retomada do conceito se popularizou nos Game Studies. Entretanto, um número significativo de estudiosos ao longo dos anos vem reconsiderando o uso do conceito do círculo mágico por entendê-lo problemático (CASTRONOVA, 2005; NIEUWDORP, 2005; COPIER, 2007; MALABY, 2007; TAYLOR, 2009). Segundo eles, tal conceito cria uma falsa imagem da experiência de jogo como um elemento isolado, metafórico e de difícil compreensão. A premissa de um espaço artificialmente separado da realidade “normal” promove um rompimento do imaginário com o real e esta divisão binária oculta a ambiguidade, variabilidade e complexidade da experiência real de jogo. Estes problemas ficam mais evidentes para aqueles que têm conduzido pesquisas qualitativas com jogadores, que relatam as dificuldades de se aplicar o conceito ao material empírico (PARGMAN; JAKOBSSON, 2008; CALLEJA, 2011). O próprio Huizinga propôs tal conceito para ilustrar como as regras do jogo se superpõem às convenções sociais, mas ao mesmo tempo enfatizou o jogo como algo intrinsecamente imbricado com a cultura e seu papel na vida diária (HUIZINGA, 1955). Desta forma, tanto o jogo (em termos de conjunto de regras) quanto a experiência de jogar (envolvendo a experiência efetiva do jogo pelos participantes) não são desconectados de outros setores da vida. Seria artificial, portanto, encerrar as múltiplas experiências e formas de se jogar em uma área isolada do resto da existência. Isso é ainda mais verdadeiro ao se

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considerar o aspecto coletivo e social dos MMORPGs, onde os jogadores, por meio de seus percursos individuais estão em processo constante de geração de cultura (COPIER, 2007). Por isso, embora compreendendo a importância histórica do conceito de círculo mágico nos Game Studies, ele será aqui preterido em favor de outra abordagem18. 3.1.1.2 Definindo jogo e video game Foi o pesquisador Jesper Juul quem primeiro se preocupou em definir os jogos de forma a levar em conta a especificidade dos video games. Segundo Juul (2011), se por um lado os video games podem ser vistos como algo relativamente recente, com seu surgimento datando pouco mais de quarenta anos, por outro lado podem ser percebidos como a continuação ampliada da história dos jogos, cujo primeiro representante conhecido é o jogo de tabuleiro egípcio senet, datando de 2686 AC. A partir de sete definições anteriores de jogos, Juul propôs uma definição que dá conta desta amplitude histórica: Um jogo é um sistema baseado em regras com um resultado variável e quantificável, onde aos resultados são atribuídos diferentes valores, o jogador exerce esforço a fim de influenciar o resultado, o jogador se sente emocionalmente ligado ao resultado, e as consequências da atividade são negociáveis (JUUL, 2011, cap. 2, tradução nossa)19.

Esta definição é interessante para esta pesquisa, porque isola o jogo de seu suporte, seja físico ou digital. A flexibilidade do computador permite que o aspecto das “regras” e “resultados quantificáveis com valores atribuídos” se traduzam com fidelidade para algoritmos de computador, o que permite considerar os video games como um superconjunto de jogos de carta, tabuleiro e outros que são migrados para o meio digital (JUUL, 2011). Neste caso, o sistema digital fica responsável pela computação das regras e pela manutenção e atualização do estado do jogo, o que em jogos não digitais é feito pelos jogadores com auxílio dos elementos físicos do jogo (cartas, tabuleiros, peças, dados, etc.). Juul acrescenta ainda que jogos são “meio-reais”: enquanto suas regras existem no “mundo real”, são objetivas e obrigatórias, o ambiente e a narrativa do jogo são completamente fictícios. Regras e ficção se combinam: o aspecto ficcional narrativo contextualiza as regras, que de outro modo seriam por demais abstratas e as regras levam os jogadores a imaginar o mundo ficcional (JUUL, 2011). 18

Consultar Calleja (2011, p. 46-53) para uma discussão mais detalhada sobre este debate. A game is a rule-based system with a variable and quantifiable outcome, where different outcomes are assigned different values, the player exerts effort in order to influence the outcome, the player feels emotionally attached to the outcome, and the consequences of the activity are negotiable. 19

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A partir desta definição básica de jogo, adotarei a seguinte definição de video game:

Video game é um jogo cuja execução das regras, a manutenção e a atualização do estado do jogo se dão através de processamento digital e os seus resultados são apresentados em vídeo ao(s) jogador(es).

A expressão video game, neste sentido, designa jogos que funcionam em dispositivos digitais, incluindo computadores pessoais (on-line e off-line), consoles e plataformas móveis como smartphones e tablets. O próximo tópico trata de um subconjunto específico destes jogos, que se convencionou chamar de serious games. Análise conceitual dos serious games A popularidade dos video games despertou interesse em utilizá-los para outros fins além do entretenimento. Muitos educadores consideram que a abordagem focada na resolução de problemas que os video games apresentam ao jogador torna os estudantes mais ativos na aquisição de conhecimento sendo que o aprendizado pode se dar conforme as ações do jogador, acompanhando seu ritmo e interesses (MALONE, 1980; KLAWE, 1999; OBLINGER, 2004; PRENSKY, 2004; GEE, 2007; PAPASTERGIOU, 2009). Gee e Shaffer (2005), por exemplo, propõem a renovação do contexto escolar norte-americano por meio de jogos contendo simulações de ambientes de trabalho, onde os estudantes pudessem ter uma experiência mais realista do que é atuar em uma determinada profissão. Eles denominaram estes jogos de epistemic games, inspirados no termo epistemic frame, que é a maneira pela qual uma comunidade ou grupo enquadra a forma de se pensar sobre o mundo. Assim, os epistemic games seriam uma mídia capaz de contextualizar a ação dos estudantes em um campo da atividade humana e, ao fazê-los pensar e agir como médicos, advogados, engenheiros e outros profissionais, fomentariam seu aprendizado e inovação. 3.1.2.1 Os principais serious games Com o objetivo de comunicar, mas também de instruir surgiu o gênero de serious games, evolução e ampliação do conceito de jogos educativos e edutainment (MICHAEL; CHEN, 2006). Embora o termo serious game tenha surgido bem antes do uso dos computadores como entretenimento, foi com a popularização dos mesmos que a expressão

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ganhou o perfil atual. O termo se tornou popular quando o Woodrow Wilson International Center for Scholars lançou em 2002 a Serious Games Initiative20, uma comissão formada para encorajar o uso de jogos que remetessem a questões de políticas, treinamento e gerenciamento e que foi rapidamente seguida por outras iniciativas temáticas como Games for Health21 e Games for Change22 (BOGOST, 2007; RITTERFELD; CODY; VORDERER, 2009). Além de treinamento e educação, serious games passaram a ser usados para conscientizar o público sobre causas políticas e sociais. Assim, Food Force (Food Force, 2005) foi desenvolvido pelo World Food Program da Organização das Nações Unidas, para mostrar parte das atividades da instituição. O jogo é gratuito e obtido através de download e nele o jogador gerencia recursos e realiza missões para auxiliar refugiados de um país fictício. Em Darfur is Dying (DARFUR... , 2006), também gratuito, o objetivo é proteger campos de refugiados das milícias que aterrorizam a região de Darfur, no Sudão. Em 3rd World Farmer (3RD WORLD... , 2005), o jogador gerencia uma fazenda em uma região carente de recursos e experimenta através do jogo as dificuldades dos fazendeiros em ambientes áridos. Outros serious games têm surgido procurando usar a mídia dos video games como forma de atrair a atenção do público com os mais diversos objetivos e temáticas (SILVEIRA, 2009). No campo da saúde não é diferente e várias iniciativas surgiram tanto na área terapêutica (como o uso de video games como treinamento para recuperação de vítimas de acidentes vasculares, Alzheimer ou coadjuvantes no tratamento de fobias) quanto como forma de Comunicação em Saúde e Promoção da Saúde (CHANG; CHEN; HUANG, 2011; STAIANO; ABRAHAM; CALVERT, 2012). Os primeiros serious games para Promoção da saúde foram lançados nos anos noventa, para o Super Nintendo Entertainment System (SNES): o objetivo de Captain Novolin era educar sobre diabetes; o de Rex Ronan: Experimental Surgeon era prevenção do fumo; o de Bronkie the Bronchiasaurus era incentivar o autocuidado em crianças com asma e Packy and Marlon tinha o mesmo objetivo focando em crianças com diabetes (BROWN et al., 1997; LIEBERMAN, 2001). Estes jogos foram em sua maioria desenvolvidos através de verbas de pesquisa e eram vendidos por recomendação médica. Ensaios clínicos randomizados avaliaram seu sucesso na Comunicação e Saúde, mas não há muitas informações sobre como foram recebidos pelo público em geral (MANAGING AILMENTS... , 1999). 20

http://www.seriousgames.org/ http://gamesforhealth.org/ 22 http://www.gamesforchange.org/ 21

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Mais recentemente, o jogo Re-Mission se tornou um exemplo emblemático do potencial dos serious games para a saúde. Com o objetivo de aumentar o conhecimento dos jovens pacientes com câncer sobre o tratamento por que passavam, o jogo foi criado a partir de informações de saúde detalhadas obtidas a partir de oncologistas, enfermeiros e pacientes com câncer. Em Re-Mission, o jogador controla uma robô miniatura que combate as células cancerígenas no corpo humano usando armas inspiradas em tratamentos para a doença, como arma de radiação, foguetes antibióticos e explosivos químicos. O jogo é fornecido gratuitamente no site da empresa desenvolvedora, HopeLab, que relata mais de 185 mil downloads do jogo, distribuídos em 81 países em todo o mundo (Re-Mission, 2009). Pesquisas sobre o uso do jogo pelos pacientes confirmaram aumento no conhecimento sobre a doença e formas de tratamento, aumento da autoestima dos pacientes e sua melhor aderência ao tratamento (KATO et al., 2008). Hoje os serious games representam um importante setor da indústria, com profundos reflexos também na academia. Este impressionante crescimento está relacionado à popularização dos video games e das lógicas de jogo que cada vez mais permeiam a sociedade, o que geraria a previamente mencionada “ludificação” da cultura (RAESSENS, 2006). Entretanto, de forma semelhante aos video games e aos MMORPGs (conforme será visto mais à frente), os serious games também não possuem uma definição estabelecida e é importante discutir este conceito e sua aplicabilidade. 3.1.2.2 Definindo um paradoxo Talvez a primeira definição de serious games apareça no livro de Clark C. Abt, Serious Games, que discorre sobre jogos analógicos e antecede a própria criação dos video games: "Estamos preocupados com serious games no sentido de que estes jogos têm um propósito educacional explícito e cuidadosamente pensado e não se destinam a ser jogados primariamente por diversão.”23 (ABT, 1970, p. 9, tradução nossa). Contudo, a definição mais conhecida relacionada com os video games, é a de Michael e Chen: “Um serious game é um jogo em que a educação (em suas diversas formas) é o principal objetivo, mais do que

23

We are concerned with serious games in the sense that these games have an explicit and carefully thought-out educational purpose and are not intended to be played primarily for amusement.

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entretenimento.” (2006,

p. 17, tradução nossa)24 sendo que “[...] estes jogos têm uma

explícita e cuidadosamente pensada finalidade educativa e não se destinam a ser jogados principalmente por diversão” (2006, p. 21, tradução nossa)25. Contudo, os mesmos autores apontam que é uma definição simples, usada pelos profissionais do campo. Também parece difícil encaixar jogos políticos, religiosos, artísticos e de conscientização social nesta categoria de educação. A maneira ampla como usam o termo educação torna sua definição bem menos precisa. O termo serious por sua vez tem vários significados incluindo, solene, severo, relevante ou profundo entre outros e não funciona como um mero antônimo de entretenimento (BOGOST, 2007). Desde o surgimento do termo serious games, tanto seus defensores quanto seus críticos têm se esforçado para obter consenso quanto à sua definição. A fim de evitar o terreno escorregadio criado pelo termo aparentemente contraditório, alguns têm buscado nomes mais descritivos como meaningful games, applied games, epistemic games ou persuasive games. Outros ainda têm tentado substituí-lo por termos relacionados ao propósito específico de certos video games. Assim, surgiram denominações como games for health, gamebased learning, games for change e advergames26 (RITTERFELD; CODY; VORDERER, 2009). 3.1.2.3 Definição “provisória” de Joost Raessens O pesquisador Joost Raessens estabelece uma definição, a qual, ainda que seja chamada por ele de “provisória”, estabelece a correlação entre propósitos do video game e propósitos do jogador, o que é uma parte importante da experiência de jogo e eventualmente do aprendizado potencial que se espera obter de um serious game. Partindo da definição de Michael e Chen e levando em conta a forma como o campo dos serious games, tanto no nível acadêmico quanto mercadológico, define a “seriedade” de um jogo, Raessens diz que: “Serious games são jogos projetados e usados com a intenção ou propósito de abordar as

24

A serious game is a game in which education (in its various forms) is the primary goal, rather than entertainment. 25 […] these games have an explicit and carefully thought-out educational purpose and are not intended to be played primarily for amusement. 26 Estes termos não sofreram ainda uma tradução ou uso consistente em português, razão porque optou-se por mantê-los no original.

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questões mais prementes do nosso tempo e de ter consequências na vida real.”(RAESSENS, 2010b, p. 95, tradução nossa)27. Esta definição é útil por tornar claros três pontos principais. Primeiro, ela mostra a correlação entre o jogo enquanto produto e sua experiência por parte do jogador. Desta forma, um serious game não apenas é criado com este intuito pelo seu desenvolvedor, mas também é experimentado pelo jogador desta forma. A intencionalidade é articulada em todo o sistema, o que põe o jogador como parte ativa no processo de apreensão da mídia. Esta ênfase no propósito do video game também permite excluir da categoria dos serious games jogos comerciais que eventualmente estejam sendo utilizados como ferramentas de ensino (embora isto não desmereça tal prática). Segundo, a definição menciona, ainda que de maneira ampla, certo universo de temas que são usados pelos serious games. São “questões prementes”, ou seja, ainda que certos serious games optem por uma apresentação mais leve e bem humorada, ainda assim o tema subjacente ao jogo é reconhecidamente sério, existindo uma relação entre a temática do jogo e aquilo que a sociedade na qual o jogo se insere considera como assunto importante. Terceiro, a definição faz uma ligação com a “vida real”, ou seja, o mundo físico, externo ao video game. Assim, um jogo de administração de uma lanchonete pode ser um serious game se destinado a um público que de fato fará uso daquele conhecimento na sua vida real como gerentes em treinamento, ou, por outro lado, pode ser um video game de entretenimento puro se for destinado a jogadores que usarão aquela informação apenas no contexto do jogo. É importante também notar que a definição trata de intenções (de projeto, de uso, de tema e de efeitos reais) não necessariamente de seu efetivo sucesso. Assim, um jogo que se encaixe nos quesitos, ainda que seja mal realizado e mal sucedido é considerado um serious game. Outro ponto a considerar é que a temática não é uma questão binária, mas um continuum de “seriedade”, ou seja, é possível existir serious games que tratem de câncer infantil (como o Re-Mission) lado a lado com serious games que foquem no treinamento de funcionários de uma sorveteria (BOGOST, 2012). Depreende-se da definição dada um elo tríplice: a experiência de jogo, compreendendo todas as mediações ocorrentes entre o ambiente de jogo e o jogador, o tema que une o jogo com questões relevantes da cultura e sociedade e as consequências que se espera do serious game, ou seja, a bagagem que “se torna” parte do jogador. Nesta tese,

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Serious games are games that are designed and used with the intention or purpose of addressing the most pressing issues of our day and of having real-life consequences.

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considerarei o potencial dos MMORPGs para a Comunicação e Saúde, avaliando suas possibilidades em um produto que contenha estes quatro aspectos definidos por Raessens: 1) intenção de projeto; 2) intenção de uso; 3) temática; e 4) possíveis efeitos na vida real. É essencial, nesse caso, compreender como o jogador constrói sentido a partir das experiências de um serious game e qual a contribuição específica da mídia do jogo para a construção destes sentidos. A definição de Joost Raessens não detalha a maneira como um dado serious game expressa sua temática. A mensagem pode ser exposta ao jogador através de várias formas como texto, áudio, imagens, animação e vídeo, mas uma característica peculiar dos video games em relação a outros meios é sua capacidade de representar processos interativos, o que justifica uma investigação mais detalhada, exposta a seguir. Retórica procedimental Junto aos aspectos educacionais, serious games são frequentemente criados como “espaços ideológicos”(ideological spaces), visando convencer os jogadores de certas ideias e neste sentido não são inocentes (RAESSENS, 2010a, p. 16). Em Persuasive Games, Ian Bogost estabelece o conceito de retórica procedimental como a maneira essencial de construção de sentidos nos video games, que os separa de outros meios de representação. Bogost defende que programas de computador têm uma retórica peculiar, objetivando persuasão, expressão e comunicação efetivas, particularmente evidente nos video games, que denomina retórica procedimental: “[...] retórica procedimental, a arte da persuasão através de representações e interações baseadas em regras ao invés da palavra falada, escrita, figuras ou imagens em movimento.”28 (BOGOST, 2007, prefácio, tradução nossa). Este conceito deriva dos campos da computação e da retórica, respectivamente. “Procedimental” é uma das principais propriedades do meio digital segundo Janet Murray (2003), significando sua capacidade de executar uma série de regras ou procedimentos. “Retórica” se refere à arte da persuasão, criada por Platão e expandida por Aristóteles, que foi mais tarde ampliada para incluir todas as formas de expressão (e não apenas aquelas objetivando mudar a opinião de outros), tanto na linguagem verbal como em qualquer sistema simbólico (BOGOST, 2007). Embora um video game em geral conte com texto, imagens e […] procedural rhetoric, the art of persuasion through rule-based representations and interactions rather than the spoken word, writing, images, or moving pictures 28

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outros recursos com força expressiva, a sua peculiaridade seria representar processos. Assim, enquanto um livro convence pelas palavras, um jogo convence através da experimentação de seus sistemas (regras) pelo jogador. Segundo o linguista George Lakoff (2003), metáforas são essenciais à compreensão humana, moldando nossa visão do mundo e, neste sentido, video games permitem criar metáforas de processos no mundo real que são elas mesmas, processos rodando no computador (BOGOST, 2007). Ou, de forma similar, é possível afirmar que os processos de um video game seriam mediações de processos do mundo real, migrados para uma representação (com maior ou menor grau de fidelidade simulatória) expressiva no jogo: Mesmo que outras técnicas de inscrição possam ser parcial ou totalmente conduzidas por um desejo de representar processos humanos ou materiais, apenas os sistemas procedimentais, como o software de computador, podem na verdade representar um processo com processo. Aqui é onde o poder especial da autoria procedimental se encontra, na sua capacidade nativa para descrever processos (BOGOST, 2007, cap. 2, Procedural Figures, Forms, and Genres, tradução nossa)29.

Em vez de serious games, Ian Bogost sugere o termo “jogos persuasivos” (persuasive games) como forma de descrever o potencial dos video games no uso da retórica procedimental como meio de fomentar a compreensão do público a respeito de processos que ocorrem no mundo real. Neste sentido, um jogo comercial de entretenimento poderia também ser considerado um jogo persuasivo. Pelo mesmo princípio, jogos comumente considerados serious games que reproduzissem regras de jogos de entretenimento (por exemplo, um hipotético jogo inspirado no popular video game Pac-Man, no qual o protagonista comesse alimentos saudáveis em vez de pílulas), não poderiam ser considerados persuasivos, uma vez que sua retórica é textual e visual, mas não procedimental. Na verdade, este seria um exemplo do que Bogost chama de “reskinning”, isto é, “vestir” regras de um jogo pré-existente com novos gráficos e texto a fim de lhe dar uma orientação de serious game. Neste caso, Bogost aponta que tal relação superficial entre regras e tema acaba por enfraquecer o potencial persuasivo de um video game (BOGOST, 2007). A inter-relação entre regras e ficção não é arbitrária, mas idealmente uma reforça a mensagem da outra (JUUL, 2011). Ao se considerar video games e serious games em particular como produtos que expressam uma retórica procedimental, a consequência é que os sentidos de um determinado

29

Even though other inscription techniques may be partly or wholly driven by a desire to represent human or material processes, only procedural systems like computer software actually represent process with process. This is where the particular power of procedural authorship lies, in its native ability to depict processes.

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serious game são obtidos quando o jogador interage com as regras do jogo. Bogost explica a emergência dos sentidos de um serious game30 usando o conceito aristotélico de entimema. Na oratória, entimema é um silogismo abreviado ou truncado, no qual uma das premissas é implícita e é esperado que o ouvinte preencha a proposição ausente e complete o argumento. Um exemplo clássico é a frase “Sócrates é mortal porque é um ser humano”, na qual está implícita a premissa de que todos os seres humanos são mortais. De forma semelhante, um serious game apresenta ao jogador um silogismo incompleto e este provê a parte que falta e completa a mensagem interagindo com o sistema do jogo. Quanto mais sofisticada as formas de interação, mais rica a retórica procedimental e, potencialmente, mais efetivo o entimema proposto pelo jogo. Esta interação, contudo, se dá restrita pelos parâmetros e regras criadas pelo game designer do jogo em questão. O papel do jogador, portanto, é preencher a lacuna entre a representação do serious game norteada por regras e sua própria subjetividade. Tal lacuna entre regras do jogo e individualidade do jogador é denominada por Bogost de simulation gap. À medida que o jogador procura preencher esta lacuna, uma crise, chamada de simulation fever, se instaura, por meio da qual o jogador questiona e negocia as regras do serious game, as quais percebe interativamente. É neste espaço que, segundo Bogost, o efeito dos jogos persuasivos ocorre. Preenchendo a série de entimemas encadeados, ou seja, reconstruindo o sentido que se encontra inscrito nas regras, o jogador “resolveria” ou “venceria” o jogo e seria persuadido (BOGOST, 2007). Decorre desta abordagem que cabe ao game designer de um serious game estabelecer com especial cuidado as “lacunas” que serão preenchidas pelo jogador, a fim de que o argumento procedimental seja bem sucedido. Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, isso não significaria incluir mais detalhes no jogo, aproximando-o cada vez mais do real. Em vez disso, Bogost argumenta que os sentidos de um video game não são construídos através de uma recriação do mundo, mas através de uma modelagem seletiva de elementos apropriados àquele argumento específico (BOGOST, 2007). Logo, uma representação procedimental de um serious game se preocuparia em modelar apenas um subconjunto de elementos de determinado processo, tema ou situação real, a fim de chamar a atenção e limitar a interação do jogador àquele ponto que se deseja enfatizar. Poderia assim, ser considerada como uma versão interativa

30

Bogost fala sobre jogos persuasivos, mas para fins de simplificação, continuarei a usar o termo serious game.

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da aplicação de frames31 ou das metáforas de Lakoff (2003). Os sentidos do jogo estariam codificados nas regras do sistema criado pelo game designer. O conceito da retórica procedimental tem uma grande importância para Game Studies, uma vez que até então o campo sofria o que se chamou de “colonização” de outros campos previamente existentes como Literatura, Teatro, Drama, Narrativa e Cinema (AARSETH, 2001; ESKELINEN, 2001; FRASCA, 2003). Jogos e particularmente video games eram estudados usando perspectivas e métodos de outras mídias, sem muita adequação destes métodos às suas peculiaridades. Neste contexto, a retórica procedimental proposta inicialmente por Bogost para o estudo dos video games foi providencial, pois continha em sua essência a preocupação com a especificidade dos video games, a saber, sua natureza procedimental. Ela forneceu argumentos para considerar video games como produtos culturais legítimos, deu uma base teórica multidisciplinar ao movimento dos serious games ao mesmo tempo em que abriu espaço para uma abordagem de game design com discurso humanista, ganhando seguidores tanto na academia quanto na indústria, os quais passaram a incorporar as ideias da retórica procedimental em muitos projetos de serious games. Entretanto, conquanto os seus méritos e importância histórica sejam inegáveis, é importante que se conduza também uma crítica de suas proposições, uma vez que uma adoção indiscriminada de seus preceitos pode acabar por limitar o potencial dos video games (SICART, 2012). Significado imanente às regras? Crítica à procedimentalidade Uma consequência direta da retórica procedimental, também chamada de procedimentalidade, é que se considera que o significado de um jogo (tanto jogos analógicos como video games e serious games) está contido em suas regras. Ela presume dois elementos essenciais: um jogador que jogue o jogo de uma única e previsível maneira e um espaço de jogo que contenha a retórica procedimental na sua totalidade, sem espaço para acréscimos e contribuições do jogador. Entretanto, à medida que a complexidade de um video game aumenta, tanto mais numerosas serão as formas de interagir com suas regras e, portanto de intervir no fluxo da retórica procedimental construída pelo game designer (FERRARI, 2010). E esta intervenção não se limita ao momento de jogo. A reação dos jogadores pode alterar a

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Conjunto de conceitos e perspectivas teóricas com os quais indivíduos, grupos e sociedade organizam, percebem e descrevem a realidade (BOGOST, 2007).

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retórica procedimental inclusive de video games já lançados, como o exemplo recente do jogo Mass Effect 3, onde o descontentamento dos jogadores com o final da narrativa levou os game designers a criar um final alternativo, disponível para download para todos que quisessem outra conclusão (THIER, 2012). Dado este aspecto tão participativo dos video games, uma ênfase exclusiva ou excessiva na retórica procedimental pode gerar consequências problemáticas em pelo menos três aspectos inter-relacionados, destacados a seguir. 3.1.4.1 Ênfase excessiva no papel do game designer Em primeiro lugar, se o significado de um video game está nas regras, o game designer seria o responsável principal pela obra, desvalorizando o trabalho de outros profissionais que participam da criação do jogo como roteiristas, artistas, músicos, animadores e outros. Contudo, é possível contra-argumentar que um video game não é apenas um sistema de regras que é “vestido” com um contexto ficcional qualquer, conforme previne o próprio Bogost, mas um sistema dinâmico que integra diversos elementos organicamente para expressar uma mensagem (BOGOST, 2007). Assim, as regras e os aspectos ficcionais de um jogo se apoiam mutuamente. Consequentemente, esta abordagem também deixa de lado a parte da ficção mencionada por Juul (2011), para focar primariamente nos sistemas que regem o funcionamento do jogo, esquecendo que o contexto narrativo reforça e dá sentido às mecânicas de jogo. A ênfase conferida à importância de uma retórica procedimental cuidadosamente construída pelo game designer na criação de um video game, evidencia uma preocupação com que os jogadores vivenciem o jogo da “maneira correta”, previamente determinada e estabelecida no momento de sua criação no estúdio. Isso muitas vezes resulta em video games com caminhos rigorosos, onde as restrições às ações do jogador não se devem às naturais limitações do meio, mas a um desejo de orientar a recepção do jogo. Surge um “medo do polissêmico”, que culmina muitas vezes com game designers explicando (em palavras, paradoxalmente) o sentido de seus video games, de forma a apresentar a “versão autorizada” do que planejavam mostrar através da retórica procedimental. Isto pode ser visto no site do jogo Passage, de Jason Roher (2007) ou nas reclamações de Jonathan Blow de que o público não estava reagindo ao seu jogo Braid, conforme ele havia planejado (PAJOT; SWIRSKY, 2012).

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3.1.4.2 Visão determinista da mídia Em segundo lugar, a ênfase na retórica procedimental promove uma visão equivocada da mídia dos video games. No modelo original de Bogost o papel do jogador é preencher as lacunas embutidas no silogismo proposto pelo jogo, relegado a ser alguém que liga os pontos previamente delineados pelo game designer (FERRARI, 2010). Semelhante a muitas teorias de design modernas, a retórica procedimental conduz a um determinismo projetual, com posições fixas e rígidas para o usuário preencher. O jogo passa a ser instrumental, determinado pela razão e subordinado a regras, objetivos e sistemas com propósitos outros que o ato de jogar. Este ato, por sua vez, corre o risco de ser esvaziado de seu aspecto ritual e mágico, levando à criação de video games bem planejados e construídos, mas que não abrem espaços para a diversão e em última instância se assemelham a trabalho (SICART, 2012). A retórica procedimental propõe uma objetividade rígida para o projeto, compreensão e uso de video games, o que lhe dá um caráter cientificista, assumindo a voz autorizada da ciência. Contudo, a despeito da pretensão de objetividade, não existem dados empíricos que comprovem suas proposições. Tanta autoridade nas mãos dos game designers promove um modelo de comunicação unidirecional, onde a “forma correta” de se jogar é experimentar o jogo da forma previamente definida pelo game designer (SICART, 2012). Isso parece ecoar ideias da Teoria Matemática da Comunicação, particularmente a distribuição da comunicação entre polos fixos de emissor e receptor (no caso, game designer e jogador); a crença na transferência perfeita do conhecimento através da comunicação (no caso através da retórica procedimental embutida no jogo) e a preocupação em garantir uma perfeita transmissão da mensagem eliminando o ruído, que seria indesejável (no caso, o ruído poderia ser entendido como as ações imprevistas do jogador, que perturbariam a retórica procedimental do jogo e deveriam ser limitadas). A retórica procedimental propõe a experiência de um serious game como produto de um planejamento meticuloso por parte do criador do jogo, impermeável às especificidades do meio e dos jogadores. À semelhança da concepção hipodérmica da Comunicação, muitos têm encarado os serious games para a saúde como se fossem substitutos digitais de medicamentos que, administrados segundo a prescrição correta, automaticamente promoveriam comportamentos mais saudáveis. Isto se assemelha aos equívocos das campanhas de saúde normativas e medicalizantes, cujas propostas se limitavam a medidas isoladas, crendo que normas estritas e prescrição de medicamentos seriam suficientes para

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promover a saúde. Repete-se assim, antigos erros em um novo contexto, privando o meio dos video games de atingir todo seu potencial interativo. 3.1.4.3 Desconsideração dos jogadores e seu potencial criativo Por fim, uma aplicação estrita da retórica procedimental desconsidera o potencial criativo dos jogadores. Jogar por mero divertimento, de forma pouco eficiente ou criando suas próprias regras, é desvalorizado e os jogadores se tornam meros ativadores, executando tarefas determinadas pelos game designers. Por causa disso, ela acaba por negar atos de apropriação e reconfiguração da parte dos jogadores dentro do video game, deixando de fora o jogo como expressão pessoal e os jogadores como cocriadores da experiência lúdica. Contudo, dados empíricos mostram que a apreensão das regras difere entre os jogadores, sugerindo que o sentido de um video game é experimentado quando se joga e não é procedimentalmente criado (SICART, 2012). Conforme exemplifica Juul, no filme Titanic, de James Cameron há romance, um grande desastre, questões sobre luta de classes e uma canção de sucesso e diferentes espectadores vão gostar ou não do filme por diferentes razões (JUUL, 2011). Em um video game, cujo aspecto interativo torna sua experiência particularmente individualizada, esta variância é ainda maior e, em um serious game, o sentido que o jogador leva para sua “vida real” é toda a razão de existência do jogo. O simulation gap proposto por Bogost é muito mais que uma mera lacuna, é um espaço amplo o suficiente para que os jogadores construam inúmeros sentidos para o mesmo conjunto de regras de um video game. Conforme aponta Sicart: Procedimentalidade explica os porquês e os comos do funcionamento da tecnologia do jogo, e como os jogos podem aspirar, como objetos projetados, a direcionar comportamentos rumo à reflexão. Jogar, no entanto, é pessoal, individual e comunitário, jogado com os outros, para os outros, de uma forma intensamente, profundamente pessoal. (SICART, 2012, tradução nossa)32.

Este aspecto pessoal de construção de sentido é ainda mais marcante nos jogos com múltiplos jogadores (DEKOVEN, 2002). No caso particular de um MMORPG, o senso de comunidade dentro do jogo cria outros níveis de sentido além dos previstos na retórica 32

Procedurality explains the whys and hows of how game technology operates, and how games can aspire, as designed objects, to funnel behaviors for reflection. Play, however, is personal, individual, and communitarian, played with others, for others, in an intensely, deeply personal way. And politics and ethics are personal, too. Therefore, when a player engages with a game, we enter the realm of play, where the rules are a dialogue and the message, a conversation.

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procedimental subjacente no video game. Muitas vezes um jogo é usado como forma de criar um espaço comum de divertimento e relacionamento com outros jogadores e neste caso as regras são frequentemente meras desculpas para a interação social (SICART, 2012). Assim, a experiência de se jogar um video game sempre será o resultado das inter-relações entre regras, jogador e cultura (COPIER, 2007). Há ainda o caso de se proceder em um video game de forma propositalmente diferente daquela planejada pelos game designers. Estas práticas desviantes, também chamadas de emergentes ou transgressive play, podem ser contrapodutivas (quando o jogador adota estratégias contrárias ao seu progresso normal no jogo por inexperiência ou mera diversão), destrutivas (quando tais estratégias prejudicam o fluxo de jogo para outros jogadores 33) e hiperprodutivas (quando o jogador emprega estratégias que visam maximizar ao extremo o progresso no jogo) (GLAS, 2010). Tais táticas incluem abuso de regras e brechas do sistema do jogo, a exploração de caminhos ou áreas não previstos pelos game designers, criação de métodos e estilos particulares de se jogar e até o uso de programas externos para trapacear alterando o funcionamento normal do video game. Em alguns casos o que o move os jogadores é o desejo de obter poder para seus personagens, mas em outros é o interesse de explorar possibilidades próprias dentro do video game. Embora muitos game designers rejeitem firmemente estas práticas, outros propositalmente ampliam os limites das ações disponíveis aos jogadores em seus video games justamente para encorajar a expressão da criatividade (FERRARI, 2010). Seja como for, tais práticas dão ao jogador formas alternativas de atuar no video game, efetivamente ampliando sua apropriação dos sentidos do jogo e seu senso de participação no mesmo (GLAS, 2010). O que se depreende da multiplicidade destas práticas é que com frequência os jogadores intencionalmente particularizam sua experiência de jogo, reconfigurando o ambiente e as mecânicas do video game de modo a gerar sentidos alternativos. Desta forma, os jogadores reclamam constantemente o território do video game como um espaço para sua habitação e expressão: Contra a procedimentalidade um exército de jogadores levanta-se e joga, quebrando as regras, equivocando-se com os processos, apropriando-se dos espaços de jogo e levando-os a outros lugares, onde nem mesmo o designer

33

Nos MMORPGs, esta prática é chamada informalmente de griefing.

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pode alcançar. Contra a procedimentalidade está um jogador que quer jogar (SICART, 2012, tradução nossa)34.

Desta forma, qualquer processo de construção de sentidos que possa haver nos video games deve necessariamente levar em conta a intervenção do jogador. Devido à própria natureza do meio, o ato de jogar um jogo é uma interlocução entre game designers e jogadores e neste processo é que os sentidos se constroem. Jogar um video game é interagir com as regras e mesmo que muitas vezes os jogadores tentem distorcê-las ou violá-las, eles o fazem dentro da perspectiva do jogo. A retórica procedimental dominante planejada por um time de game designers encontra-se sujeita à manipulação graças às escolhas dos jogadores. Mesmo simples mecânicas de jogo podem representar oportunidades para que a construção de sentido se dê em uma miríade de diferentes caminhos. Assim, a retórica procedimental não é cristalizada, mas interrogada e reconfigurada constantemente a cada sessão de jogo. E, se for possível considerar as regras como o modo de expressão dos game designers através dos video games, então o jogador por sua vez se expressa formando um conjunto de regras personalizado, que é seu sistema ético e seu modo de agir dentro do jogo, como uma resposta à retórica dominante (FERRARI, 2010). Embora a retórica procedimental tenha um grande papel no campo dos Game Studies, ela é apenas uma forma de se olhar como os jogos são criados. O jogo instrumental, ainda que legítimo, também não é o único modo de se entender esta atividade humana: “O jogador pode ser guiado pela razão, pelo instrumento de jogo, mas isso não garante, como a queda da modernidade e a crítica do Iluminismo demonstraram, que a racionalidade é o suficiente para expressar a política ou ética.” (SICART, 2012, tradução nossa)35. É, portanto, necessário, explorar visões e abordagens complementares à retórica procedimental, de forma a se obter uma visão mais plena dos video games (e particularmente dos serious games) e de como os jogadores constroem sentido a partir dos mesmos.

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Against procedurality an army of players stand and play, breaking the rules, misunderstanding the processes, appropriating the spaces of play and taking them somewhere else, where not even the designer can reach. Against proceduralism is a player who wants to play 35 The player may be guided by reason, by the instrument of play, but that does not guarantee, as the fall of modernity and the critique of Enlightenment have shown, that rationality is enough to express politics or ethics.

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Video games como participação Miguel Sicart, um dos maiores críticos à retórica procedimental, levanta os problemas da teoria, mas ao mesmo tempo argumenta que sua visão não é a de um relativismo onde qualquer sentido pode ser encontrado em qualquer video game. Antes, ele propõe que, em adição à procedimentalidade, haja uma análise, em outro eixo, do ato de jogar (SICART, 2012). Embora ele não discuta sobre este eixo hipotético, é possível deduzir que, uma vez que a retórica procedimental registra as regras do jogo, este outro eixo deveria abordar o uso que se faz destas regras, ou seja, a efetiva inter-relação entre as regras e a individualidade do jogador. Logo, uma forma de se complementar a procedimentalidade é observar a participação humana na experiência do jogo, entendendo o ato de jogar um serious game como uma apropriação das regras pelo jogador (DEKOVEN, 2002). Para se compreender melhor esta apropriação, é útil uma discussão inicial sobre dois termos importantes neste contexto: interatividade e participação. 3.1.5.1 Interatividade Interatividade é uma característica tipicamente associada aos computadores e video games, mas que com o passar dos anos foi ganhando múltiplos sentidos36. Apesar desta variação de concepções, entretanto, é assumida como uma característica essencial do meio digital. Especificamente quanto aos video games, de acordo com o teórico britânico Andrew Cameron, interatividade significa mais do que a interpretação de um jogo, mas “[...] a habilidade de intervir de um modo significativo dentro da própria representação, não de lê-la diferentemente.” (CAMERON, 1995, p. 33, tradução nossa)37. Assim, em contraste com uma audiência que assiste a um filme de forma “passiva”, o jogador de um video game é capaz de atuar como narrador e influenciar o curso dos eventos da história, muitas vezes representando um personagem no roteiro, sendo esta uma característica determinante do meio (RAESSENS, 2005). Contudo, assim como existem várias definições de interatividade, há também muitas críticas ao conceito. Aarseth (1997) considera a interatividade como um termo de retórica comercial, uma espécie de slogan para fins comerciais, aplicada pela indústria de entretenimento indiscriminadamente aos video games e aceita por grande parte da academia 36

Consultar Salen e Zimmerman (2004, p. 57-68) para uma discussão mais detalhada sobre o tema, na qual os autores apresentam seu modelo de interatividade que incorpora diversas definições anteriores. 37 […] the ability to intervene in a meaningful way within the representation itself, not to read it differently.

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sem se preocupar com a ideologia implícita no termo. Segundo ele, é melhor abandonar a dubiedade do termo e substituí-lo por participação, jogo ou mesmo uso (AARSETH, 1997). Parte desta dificuldade com o termo interatividade está justamente na sua história, que se inicia marcando o ineditismo do video game. A interatividade descrevia então o mero movimento de pixels na tela do jogo Pong em contraposição à posição estática diante da TV. Hoje, contudo, o termo engloba desde clicar um botão até construir uma cidade do nada em um jogo estratégico e esta multiplicidade de atribuições acabou por tornar difícil seu uso de forma analítica. Concordando com a proposta de Aarseth, Raessens propõe a participação como a característica principal dos video games, acrescentando que ela descreve não apenas a especificidade destes jogos, mas também a cultura midiática que se formou em torno deles. Este termo é mais preciso para os fins deste trabalho e será explorado daqui em diante (RAESSENS, 2005). 3.1.5.2 Participação O conceito de participação também tem inúmeros desdobramentos. Ela é na verdade um discurso complexo, englobando uma retórica que advoga o progresso social a partir de avanços tecnológicos, uma crítica cultural em busca de reconfiguração das relações de poder, especificações tecnológicas e como elas são usadas para projetos e apropriação do usuário e as dinâmicas sócio-políticas que resultam destes eventos. É, portanto, uma inter-relação entre três diferentes domínios: o domínio discursivo (popular, acadêmico, burocrático, legal, etc.), o domínio tecnológico e o domínio do público e do uso social (significando aquilo que os usuários de fato fazem com novas tecnologias). Em seu aspecto mais geral, participação pode ser entendida como um conceito para descrever cidadãos, consumidores, trabalhadores e funcionários públicos exercendo influência nos processos de organização política, consumo e produção. Na área da mídia, participação seria a capacidade do público ou audiência de contribuir e influenciar o aparato de produção midiática (SCHÄFER, 2008). Neste contexto, participação é assumida no discurso popular quase sempre como sinônimo de progresso social, mas muitas vezes ela tem função retórica, anunciando avanços tecnológicos como precursores inequívocos de um futuro cada vez mais promissor. Entretanto, a tecnologia não é neutra e já houve diversos casos em que um processo de emancipação do público foi cooptado em novos modelos de negócios, acabando por reforçar relações de poder já existentes. Ao se falar de participação, muitas vezes a capacidade de ação e influência dos usuários é superestimada e a influência das corporações e sua habilidade para

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controlar e explorar recursos culturais é negligenciada. Por exemplo, a pesquisa de René Glas sobre as negociações e conflitos entre os jogadores do MMORPG World of Warcraft e a empresa criadora do jogo, Blizzard Entertainment, demonstrou que o espaço de disputa de que os jogadores dispõem é em última instância controlado pela Blizzard (GLAS, 2010). Ocasionalmente mesmo a academia sucumbe a esta retórica, assimilando de forma acrítica o discurso da indústria e saudando a noção de participação sem, contudo, levar em conta suas implicações reais no tecido social (SCHÄFER, 2008). Apesar destes fatores, as novas tecnologias trazem de fato possibilidades de ampliação da participação do público. Computadores, software, internet e outros avanços tecnológicos têm um papel importante para basear uma participação social mais ampla. Isto não significa um determinismo tecnológico, entretanto, uma vez que o uso desta tecnologia depende de fatores inerentes ao seu projeto e sua apropriação pelo público, que são socialmente influenciados (MARTÍN-BARBERO, 1997; SCHÄFER, 2008). Além disso, a participação é heterogênea com relação aos métodos e híbrida com relação aos atores, envolvendo usuários isolados, plataformas tecnológicas, comunidades, corporações, instituições, governos e outros grupos de interesse. Ela não funciona à parte da indústria cultural, mas “[...] pede por uma percepção da cultura participatória como uma extensão das indústrias culturais estabelecidas.” (SCHÄFER, 2008, p. 40, tradução nossa)38. A indústria cultural estabelecida por sua vez, desenvolve diferentes dinâmicas para lidar com a cultura participatória, o que gera repercussões sociais e políticas. As indústrias cujos modelos de negócio são mais severamente afetados pela distribuição digital de bens, como as de conteúdo, tipicamente exibem uma reação conservadora, confrontando os usuários através de sanções legais, mudanças na lei ou desenvolvimento de tecnologias que impeçam o compartilhamento. Outras empresas se transformam de criadoras de conteúdo em provedoras de plataformas digitais destinadas a abrigar conteúdos criados por usuários, absorvendo e se beneficiando unilateralmente da participação destes. Certas corporações deste tipo se tornaram muito poderosas graças ao controle que discretamente vêm adquirindo não apenas sobre a produção midiática do usuário, mas até sobre sua vida social. Outras instituições, por fim, tentam uma estratégia de integração, uma nova abordagem para a produção cultural baseada em colaboração dos usuários, desenvolvendo uma cultura participatória baseada em aceitação mútua, discussão objetiva e compartilhamento. Sua visão menos restritiva de 38

[…] it argues for a perception of participatory culture as an extension of the established cultural industries.

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direitos autorais, patentes e modelos de negócio é bem diferente da dos tipos anteriores e leva a uma participação mais ampla do público (SCHÄFER, 2008). Neste último caminho, presume-se, é onde repousa a expectativa de uma cultura participatória que de fato promova avanços sociais. Assim, participação pode ser expressa como o fenômeno no qual indivíduos e grupos dotados de poder reduzido (cidadãos, consumidores, audiências e empregados, etc.) gradativamente tornam-se agentes ativos nos processos de organização política e social, consumo, produção de bens e cultura mediante uma ampliação do acesso aos meios de produção e o estabelecimento de uma cultura de participantes que não apenas interpreta, mas também produz textos midiáticos (SCHÄFER, 2008). Este fenômeno ocorre em diferentes intensidades por todo o mundo e embora Schäfer faça sua análise primariamente a partir das grandes corporações de mídia, é razoável supor que dinâmicas semelhantes possam resultar de ações da cultura participatória em relação às instituições governamentais relacionadas à saúde do Brasil. 3.1.5.3 Cultura participatória nos video games A partir desta visão global de participação é possível discutir melhor a cultura participatória e como esta ocorre nos video games e serious games. A ideia básica de cultura participatória é de que consumidores não apenas consomem cultura, mas participam também como produtores e formam conexões sociais por meio da criação e compartilhamento destas produções (JENKINS, 2002; GLAS, 2010). A cultura participatória, que opera em um ambiente de participação social, é definida por Jenkins como uma cultura: 1. Com barreiras relativamente baixas para expressão artística e engajamento cívico. 2. Com forte apoio para a criação e compartilhamento da criação com outros. 3. Com algum tipo de orientação informal pela qual o que é conhecido pelos mais experientes é passado aos novatos. 4. Onde membros acreditam que suas contribuições importam. 5. Onde membros sentem algum grau de conexão social uns com os outros (pelo menos eles se importam com o que outras pessoas pensam sobre o que eles criaram). (JENKINS et al., 2006, p. 7, tradução nossa)39

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1.With relatively low barriers to artistic expression and civic engagement; 2.With strong support for creating and sharing one’s creations with others; 3.With some type of informal mentorship whereby what is known by the most experienced is passed along to novices; 4.Where members believe that their contributions matter; 5.Where members feel some degree of social connection with one another (at the least they care what other people think about what they have created).

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Joost Raessens (2005), caracteriza os video games como uma cultura mediática participatória, o que implica dizer que eles facilitam ou promovem a participação do público e ao mesmo tempo incorporam as características mencionadas por Jenkins. A partir de conceitos de Stuart Hall, Friedman, Aarseth e Sherry Turkle, Raessens descreve os três domínios da participação no que tange aos video games: interpretação, reconfiguração e construção (RAESSENS, 2005). 3.1.5.3.1. Interpretação Interpretação se refere à forma como o usuário, no caso o jogador, apreende a mídia dos video games e embora não seja tão diferente em essência da interpretação que ocorre em outras mídias, como televisão e cinema, ainda assim é participativa. Assim como o projeto de um video game, como qualquer outra mídia, incorpora determinados conceitos culturais, seu consumo é interpretativo e situado socialmente (RAESSENS, 2005). No que tange ao consumo, Raessens incorpora em seu modelo como interpretação as três estratégias de leitura descritas por Hall: leitura dominante ou hegemônica, a oposicional e a negociada. Respectivamente, estas estratégias descrevem formas de se ler um texto de acordo com a ideologia dominante, de lê-lo opondo-se a esta ideologia e negociando com a mesma em variados graus de adaptação (HALL, 2005). Sherry Turkle (1995) aplica princípios semelhantes aos video games, cuja popularização teria levado, segundo ela, ao surgimento de uma cultura da simulação. Este contato com a simulação provoca três possíveis efeitos no usuário: resignação à simulação (quando o jogador se rende e aceita os termos que lhes são mostrados), negação à simulação (quando o jogador a rejeita) e compreensão da simulação, quando procura compreender os mecanismos e ideologias por trás do que está simulado em relação ao mundo real. Turkle parece favorecer esta última opção: Compreender os pressupostos que fundamentam a simulação é um elementochave do poder político. Pessoas que entendem as distorções impostas pelas simulações estão em posição de pedir feedback econômico e político mais diretos, novos tipos de representação, mais canais de informação. Eles podem exigir uma maior transparência em suas simulações, eles podem exigir que os jogos que jogamos (particularmente as que usamos para tomar

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decisões na vida real) façam seus modelos subjacentes mais acessíveis (TURKLE, 1995, p. 71, tradução nossa)40.

Esta última postura é particularmente importante considerando-se os objetivos dos serious games. Quando a interpretação é pensada nestes termos, ela inclui também o que Raessens chama de desconstrução, um tipo específico de interpretação que ocorre quando o jogador passa a enxergar os mecanismos (tanto de funcionamento quanto retóricos) que fundamentam o serious game e, neste processo de interrogação, amplia sua compreensão do objeto. A desconstrução é um processo analítico frequente na compreensão dos serious games, uma vez que quando o jogador estuda as regras e sistemas de jogo para alcançar a vitória ele está tentando rastrear a maneira como aquele jogo foi construído. Contudo, à medida que os avanços tecnológicos criam simulações mais realistas e, por isto, menos evidentes em relação aos códigos e regras que as fundamentam, talvez este nível de interpretação passe a ser cada vez mais difícil de alcançar, uma vez que o mundo simulado é cada vez mais dado como “natural” (RAESSENS, 2005). Por outro lado, se as simulações ficam mais sedutoras, elas também passam a incluir mais possibilidades de manipulação por parte do jogador, o que leva a outro domínio da participação. 3.1.5.3.2. Reconfiguração Reconfiguração existe em dois sentidos. No primeiro, significa a liberdade que o jogador tem de explorar um jogo. Diferente de mídias como o cinema, onde o espectador acompanha a narrativa a partir de um ponto fixo segundo a visão original do diretor, em um video game o jogador usa de uma ampla gama de meios para analisar estrategicamente as potencialidades do jogo. Assim, caminhar pelo cenário, checar o inventário do personagem, atributos e armas e mesmo consultar a pontuação representam momentos em que o jogador está reposicionando seu ponto de vista para buscar nova interpretação (RAESSENS, 2005). No segundo sentido, reconfiguração significa manipular os elementos do jogo para obter algum efeito. Esta manipulação se dá mediante as regras pré-programadas do video game, mas não obstante é um elemento de potencial criativo para o jogador. Se no primeiro

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Understanding the assumptions that underlie simulation is a key element of political power. People who understand the distortions imposed by simulations are in a position to call for more direct economic and political feedback, new kinds of representation, more channels of information. They may demand greater transparency in their simulations; they may demand that the games we play (particularly the ones we use to make real life decisions) make their underlying models more accessible.

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sentido, o que se move é o foco da atenção do jogador (e, eventualmente, seu avatar), neste sentido, elementos do mundo do jogo são alterados pelo jogador para atingir determinado fim (RAESSENS, 2005). Construir uma escola em SimCity, recarregar uma arma em um jogo de tiro ou empurrar uma pedra para liberar um caminho bloqueado em um MMORPG são exemplos de ações neste domínio. A reconfiguração, que também é chamada de função configurativa por Aarseth (1997), surge a partir das operações do jogador sobre os elementos integrantes do video game. É, por isso, semelhante ao fechamento do simulation gap de Bogost. Contudo, enquanto o simulation gap idealmente só prevê uma forma de ser completado a fim de fechar o argumento do serious game, a reconfiguração abre mais espaço para os atos do jogador, tanto em relação aos elementos de que ele dispõe quanto das maneiras de manipulá-los. Reconfiguração talvez seja o tipo de participação mais característico dos video games, a ponto do gênero de video games denominado de adventure nada mais ser do que longos episódios de possibilidades de reconfiguração entre objetos, combinando-os para resolver puzzles a fim de descortinar uma narrativa. As permutações da reconfiguração acontecem, entretanto, dentro de um espaço de possibilidades previsto pelos game designers e estas possibilidades são fixas, programadas no código que define o video game. Assim, reconfiguração é “é a atualização de algo que está potencialmente disponível como uma das opções, criado pelo desenvolvedor do jogo de computador.” (RAESSENS, 2005, p. 381, tradução nossa) 41. 3.1.5.3.3. Construção O terceiro domínio da participação nos video games é o da construção. Raessens descreve a construção como o acréscimo, pelos jogadores, de novos elementos ao jogo e ela pode existir tanto na criação de um video game a partir de outro, quanto na modificação de um preexistente (RAESSENS, 2005). Construção (que Aarseth chama de adição) engloba toda uma série de atividades que incluem alteração de elementos narrativos ou regras de um jogo, acréscimo de novos elementos, interfaces, sistemas ou funções e até o reaproveitamento de video games para a criação de novos jogos em diferentes gêneros. A construção, segundo Raessens, depende de conhecimentos de programação, e, por isto, ele pondera que tal modo de participação tende a ser muito menos comum que interpretação e reconfiguração, dadas as 41

It is the actualizations of something that is virtually, in the sense of potentially, already available as one of the options, created by the developer of the computer game.

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habilidades necessárias ao jogador para que este possa intervir com sucesso na estrutura do código interno do video game (AARSETH, 1997; RAESSENS, 2005). Um dos exemplos mais claros de construção é o modding, que consiste em incluir modificações (mods) em video games comerciais através de pequenos programas e arquivos de inicialização de jogo. Muitos game designers veem com bons olhos este trabalho dos fãs e muitas companhias têm propositalmente facilitado modificações de seus video games para os jogadores, a ponto de oferecerem os editores de mapas e fases para determinados jogos, a fim de permitir aos jogadores a criação de seus próprios cenários (THE ELDER SCROLLS V... , 2012). Também existe também um interesse mercadológico por trás destas ações, uma vez que um video game com farta quantidade de mods ganha conteúdo provido pelos jogadores, e, por isto, tem uma vida mais longa no mercado. Em alguns casos, empresas desenvolvedoras de video games chegaram a oficializar extensos trabalhos de modding feitos pelos fãs, como foi o caso do jogo Counter-Strike (LE; CLIFFE, 1999), uma modificação do jogo Half-Life (Half-Life, 1998), que foi incorporado ao catálogo de jogos da empresa e seus criadores contratados como desenvolvedores profissionais (HERZ, J. C., 2002). Dois exemplos de modding foram realizados recentemente em situações bem peculiares. Para agradar a sua filha de três anos, que era fã do video game clássico Donkey Kong (MIYAMOTO, 1981), o desenvolvedor Mike Mika substituiu as imagens no código do jogo, invertendo os papéis entre Mario (o herói) e a donzela em perigo (Pauline), tornando possível que sua filha jogasse com uma heroína (PRATA, 2013). Já o programador Mike Hoye, não querendo que filha tivesse a impressão que só meninos podem ser heróis, passou semanas modificando todos os textos do jogo The Legend of Zelda: The Wind Waker (AONUMA, 2002), para que o protagonista, Link, passasse a ser referenciado no jogo como uma menina (JOHNSTON, 2012). Nestes dois casos específicos, a operação de modding foi originada por preocupações com gênero nos jogos, o que ilustra o entrelaçamento de construção com questões sociais e culturais, mesmo em se tratando de uma atividade tão técnica quanto reprogramar um video game. Por conta deste entrelaçamento, embora Raessens (2005) considere como construção apenas adição e alteração de elementos por meio de programação no código do jogo, é possível considerar que outras formas de participação do jogador também possam ser construção. Este tipo de construção, que adiciona ao video game sem depender de programação, pode ter como exemplo os diversos tipos de interpretação de personagem que os jogadores de MMORPG muitas vezes realizam (conforme será detalhado no capítulo 4). Eventos de interpretação

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coletiva como bailes e festas, casamentos entre personagens, políticas nas guildas dos jogos e criação de uma história individualizada do personagem são expressões criativas dos jogadores e podem ser classificadas como construção (COPIER, 2007). De forma semelhante, a busca de brechas nas regras e falhas no sistema de jogo, exploração de sistemas para ganho pessoal e outros tipos de trapaça individuais ou coletivos também podem ser considerados exemplos de construção (GLAS, 2010). Assim, em adição à construção integrada ao próprio código computadorizado do jogo (que se poderia chamar de construção estrutural), existe um tipo de construção que é social e, no caso dos MMORPGs, é um dos grandes apelos deste tipo de jogo. A construção não se limita ao momento do jogo, entretanto, mas se estende para além dele, tanto em outras instâncias no universo virtual quanto no universo físico, criando diversas manifestações culturais que surgem fora do jogo, mas que o usam como tema e inspiração. Sites informativos, de clãs e guildas, listas de discussão e chats são usados para divulgar e discutir as características e eventos do jogo. Muitos jogadores criam histórias baseadas no universo do jogo (fanfic), ilustrações, histórias em quadrinhos, guias de estratégia e até vídeo, inaugurando inclusive um novo formato de filme mesclando interpretação e gravação de cenas ocorridas no jogo, o machinima (SILVEIRA, 2009). Esta esfera de produção cultural em torno do video game é significativa, pois demonstra o comprometimento do jogador com o jogo mesmo quando este está imerso em outras atividades. Este tipo de construção (que se poderia chamar de construção midiática) extrapola, portanto os limites do jogo, afetando o mundo real, dando origem a inúmeras obras derivadas (JENKINS, 2008). Cria-se desta forma todo um ecossistema de participação em torno de determinado video game que amplia consideravelmente sua zona de influência e seu efeito na cultura, desdobrando-se em novas mediações, afetando inclusive aqueles que não são jogadores. Isto é particularmente evidente no caso dos MMORPGs, onde as atividades exercidas pelos jogadores são intrinsecamente participatórias. No ambiente coletivo dos MMORPGs o jogador está constantemente vendo e eventualmente interagindo com outros jogadores, caracterizando um caso de participação implícita, ou seja, proporcionada por características de projeto, automação e interface que fomentam a participação, mas que não requerem uma atividade consciente de produção cultural (SCHÄFER, 2008). No caso de um mundo virtual, estar ali já é tomar parte. Desenvolvedores de MMORPGs como a Blizzard sabem que o conteúdo que produzem nunca será suficiente para os jogadores e por isso criam vias para que as ações de cada jogador criem conteúdo para os outros. Quanto maior a base ativa de jogadores participando, tanto maior será a oferta de conteúdo no MMORPG. Assim, é

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possível dizer que grande parte do jogo é resultado do esforço dos jogadores, que atuam como cocriadores do mundo virtual. Nestes jogos também é comum o surgimento de movimentos populares como práticas emergentes dos jogadores, tendo como um dos seus primeiros exemplos a ocasião em que jogadores do MUD LambdaMOO condenaram à “morte” (no caso, o banimento e remoção permanente) um personagem culpado de estupro virtual. Muitas vezes práticas corriqueiras dos jogadores se tornam normas de conduta e passem a influenciar o jogo tanto quanto as regras programadas no sistema pelos game designers (FERRARI, 2010). O pesquisador David Myers experimentou a realidade destas normas sociais quando atacou vilões com seu herói no jogo City of Heroes, no qual os jogadores podiam criar avatares que fossem heróis ou vilões para se enfrentar em campos de batalha determinados. Este ato era perfeitamente permitido pelas regras, mas naquela região do jogo em particular havia uma trégua permanente acordada entre os jogadores que atuavam como heróis e aqueles que atuavam como vilões e, por causa da sua violação, Myers descreve como se tornou um pária dentro do jogo, desprezado pelos dois grupos (MYERS, 2008). Obviamente, todos estes esforços de construção social e midiática também podem ser apropriados indevidamente pela indústria, de forma semelhante ao que se tem visto nos recentes choques entre usuários e redes sociais on-line. É um espaço novo proporcionado pela tecnologia, mas este espaço é conquistado social e culturalmente por meio de apropriações, distorções, interferências, negociação e conflito. Não obstante, tais movimentos também representam a emergência de novas formas de consumo da mídia e são um testemunho poderoso da cultura participatória que cerca os video games. Enquanto uma leitura de um filme pode ser oposicional, dominante ou negociada de uma maneira muito mais limitada, a participação proporcionada pelos video games permite formas novas de ressignificação e construção de sentidos. 3.1.5.4 Cultura participatória em uma perspectiva político-ideológica Entender os video games como cultura midiática participatória amplia o escopo de sua atuação e importância em sociedade. Passa a ser possível enxergar a possibilidade de jogos que fortaleçam a cidadania, favoreçam a educação, estimulem a saúde e melhorem a sociedade. Este movimento não é uniforme, entretanto, mas ainda um espaço nascente de negociação e conflito. Há perigos como o de se considerar o progresso social automaticamente derivado da participação do usuário; o de assumir que toda participação é comunitária, intrinsecamente motivada e explícita, esquecendo-se que muitos aspectos de

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participação são cultivados pela indústria por meio de um projeto cuidadoso de funcionalidades e, por fim, negligenciar que participação na produção cultural não significa necessariamente participar no poder decisório, nem mesmo participar dos benefícios gerados pela mesma (SCHÄFER, 2008). No campo específico dos serious games, mesmo aqueles jogos que apelam à simpatia dos jogadores, como os serious games em favor de causas sociais, não o fazem de forma inocente, mas, como toda forma de discurso, são constituídos, entre outros elementos, por ideologia, o que justifica uma postura crítica ao se utilizá-los (RAESSENS, 2010a). Mesmo com tais riscos, as possibilidades da participação através dos video games, e, particularmente dos serious games, merecem ser consideradas com atenção. Uma forma de minimizar tais perigos é fomentar uma cultura midiática participatória entre os jogadores que amplie a sua autonomia tanto quanto possível. Não se propõe então participação pelo mero ato de participar, mas compreendendo-a como propiciadora do protagonismo do público. Para isso, é necessário considerar os video games e a cultura que lhes rodeia em três aspectos principais particularmente importantes no caso dos serious games. Primeiro, o sentido da cultura participatória: ele será de cima para baixo, onde as corporações detentoras dos direitos autorais das produções mais populares terão primazia em orientar as contribuições do público, censurando apropriações que lhes desagradem e inibindo a participação mais ampla? Ou ela será de baixo para cima, onde o jogador poderá se expressar de maneira mais livre por meio de ou inspirado pelos video games? Apesar de conflitos localizados, a tendência hoje parece mais e mais que haja uma negociação entre mercado e público, onde jogos independentes, elementos ou sistemas de video games preexistentes são apropriados pelos jogadores para contar suas histórias e até para causas políticas (RAESSENS, 2005). Muitos representantes da indústria cultural dos video games incentivam esta apropriação, enxergando nesta colaboração dividendos na forma de fidelidade do público ou mesmo aumento da vida útil de determinados jogos. Em paralelo, iniciativas de crowdfunding como o site Kickstarter42, onde o público pode doar recursos para a realização de projetos independentes provaram ser um nicho de mercado particularmente favorável aos desenvolvedores de video games independentes, permitindo-lhes obter do público não apenas recursos, mas também exposição e interlocução de forma mais direta. Dia a dia, parece aumentar o número do que Henry Jenkins chama de caçadores (poachers), que em relação à 42

http://www.kickstarter.com.

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indústria cultural: “querem se apropriar de seu conteúdo, imaginando um estilo de cultura popular mais democrático, responsivo e diversificado. Bloqueadores querem destruir o poder da mídia, enquanto os caçadores querem uma parte dele” (JENKINS, 2002, p. 167, tradução nossa)43. Serious games herdam estas tendências, ainda mais por sua associação frequente com iniciativas acadêmicas e governamentais, o que contribui para que tendam a ser menos superproduções midiáticas e muito mais iniciativas modestas movidas por pequenas equipes de profissionais comprometidos com um ideal. Segundo, a dinâmica da diversidade: os video games estão fomentando uma cultura participatória homogênea ou heterogênea? Os video games têm seu surgimento histórico nos Estados Unidos, carregando, portanto, valores ideológicos e culturais típicos daquele país. Não é surpresa, portanto, perceber que a esmagadora maioria dos protagonistas dos video games são homens, brancos, entre vinte e trinta anos, atléticos e prontos à ação. Como todo produto cultural, video games tendem a reproduzir os preconceitos e visões de mundo da cultura (e subcultura) de onde são criados, incluindo estereótipos de gênero, raça, nacionalidade e outros (LEONARD, 2006). Contudo, este panorama parece estar mudando à medida que um crescente número de desenvolvedores independentes entra no setor, trazendo novas visões e possibilidades não apenas quanto ao protagonista do video game, mas também inovações de formatos, temas e estéticas visuais que acabam por enriquecer o meio (GDC STATE... , 2013). O público por sua vez, tem se tornado mais exigente, muitas vezes questionando as decisões de representação dos game designers e também construindo de forma participativa suas diversas visões no jogo. Esta heterogeneidade é ainda mais pronunciada nos serious games, uma vez que tendem a ser criados para suprir demandas específicas. Estes novos caminhos têm proporcionado um aumento expressivo na diversidade dos video games, serious games e MMORPGs, não apenas quanto à sua temática e gênero, mas suas finalidades, propostas, formas de uso e distribuição (RAESSENS, 2005). Terceiro, o confronto entre o real e o potencial. Raessens (2005) enxerga na cultura participatória dos video games uma semente de transformação. À medida que mais e mais pessoas passam de audiência passiva a jogadores exercendo atividades de reconfiguração e construção no contexto dos video games, elas ganhariam uma visão do mundo como uma realidade também a ser manipulada. Assim, ao invés de aceitarem uma visão dominante ou se Culture jammers want to ‘‘jam’’ the dominant media, while poachers want to appropriate their content, imagining a more democratic, responsive, and diverse style of popular culture. Jammers want to destroy media power, while poachers want a share of it. 43

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paralisarem frente à pluralidade de visões de mundo e alternativas possíveis, a cultura midiática participatória dos video games poderia levar os jogadores a compreender o mundo real apenas como uma realidade potencial, passível de ser transformada com a dose certa de habilidade e dedicação, gerando um potencial transformador e possibilitando novas formas de exercer cidadania e poder político em sociedade: Os jogadores estão bem cientes do fato de que a realidade em que se encontram, é apenas mais uma forma atualizada das muitas possibilidades que têm à sua disposição, é apenas uma versão de como o mundo funciona, nunca a primeira e única visão objetiva. Isso pode levar a uma “potencialização da realidade” (RAESSENS, 2005, p. 383, tradução nossa)44.

3.1.5.5 Duas questões delicadas Apesar de todo o potencial que os serious games possam ter como manifestação da cultura midiática participatória, e as possibilidades que podem ser exploradas nesta conjugação de entretenimento/aprendizado com participação sócio-política/criatividade, este não é um caminho sem percalços, conforme mencionado no início do tópico anterior. Antes de concluir este capítulo, é importante tratar em detalhes duas questões que surgem a partir de dois aspectos dos serious games que foram apresentados: o de interferir no “mundo real” e o da autonomia que podem prover aos jogadores. 3.1.5.5.1. A Questão das Consequências na Vida Real Cabe aqui uma interrogação. Se o tema desta tese é o potencial de MMORPGs (e, por extensão, dos video games em geral) para a Comunicação e Saúde, é necessário assumir que tais jogos gerem algum tipo de reverberação no jogador que extrapole os limites temporais e (se é possível chamar assim) geográficos do jogo. Nas palavras de Bogost, “Para a retórica procedimental influenciar o mundo além dos limites da tela do televisor e do monitor de computador, é claro que nós devemos admitir que video games facilitam persuasão real e não apenas persuasão simulada.”45 (BOGOST, 2007, cap. 9, tradução nossa) De fato, a definição

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Gamers are well aware of the fact that the reality they find themselves in is but an actualized form of the many possibilities they have at their disposal, it is just one version of the way the world works, never the one and only objective vision. This could lead to a ‘potentialization of reality’. 45 For procedural rhetorics to influence the world beyond the boundaries of the television screen and the computer monitor, clearly we must admit that videogames facilitate actual persuasion, not just simulated persuasion.

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de serious games previamente mencionada lista explicitamente efeitos na vida real como uma característica dos mesmos. A pergunta nesse caso seria se, da mesma forma que colheria possíveis efeitos benéficos dos video games (quando usados para a saúde, por exemplo), o jogador também não sofreria influências no sentido oposto, afetado por efeitos negativos? Ou, em outra formulação, se os defensores dos video games como forma de aprendizado argumentam que jogos nunca transformaram ninguém em assassino, como pode ser que um serious game alcance algum efeito positivo? Com frequência se levantam vozes na sociedade acusando video games de promover a violência. Como explicar esta aparente contradição? Estudiosos como Henry Jenkins rejeitam a relação de causalidade entre video games e violência, alegando que estatisticamente a violência em sociedade vem diminuindo à medida que a presença dos video games aumenta (JENKINS, 2005). Bogost (2007), por sua vez, argumenta que simplesmente participar de um video game não implica na adoção pelo jogador do sistema de valores representado no jogo. A retórica procedimental não é necessariamente normativa e o jogador pode se opor, questionar ou até mesmo ignorar completamente as implicações éticas representadas no video game. A interpretação citada por Raessens (2005) e mesmo a resignação à simulação mencionada por Turkle (1995) são processos conscientes pelos quais o usuário interpreta um video game. Alguns jogos reforçam o comportamento do jogador ao longo de certo eixo moral (por exemplo, um jogo de tiro onde os tiros do protagonista não afetem policiais), outros tentam dar a maior liberdade possível ao jogador e outros ainda (mais sofisticados) apresentam questões morais além do mero “certo” e “errado”, dando liberdade ao jogador, mas incorporando as consequências de suas ações no próprio desenrolar do jogo. É possível supor que este último caso possa ser bem mais rico em termos de experiência de jogo e até mesmo no aprendizado do jogador, uma vez que lhe permite avaliar suas ações em contraposição a diversos códigos de comportamento interconectados no jogo. Raessens (2010a) propõe que o duplo posicionamento do jogador, imerso tanto no mundo virtual quanto no mundo físico, lhe dá uma certa distância do comportamento em jogo, sendo justamente isto o que lhe permite considerar o comportamento no jogo como lúdico e não um comportamento real. Assim, é possível ao jogador se submeter à ideologia do jogo, desempenhando as atividades previstas no mundo virtual sem que perca a possibilidade de exercer um posicionamento crítico sobre as regras e mensagens que experimenta. A esta capacidade do jogador, ele chama de “ludoliteracy”, ou ainda competência de jogo, que seria uma forma específica de competência midiática (RAESSENS, 2010a, p. 22).

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Desta forma, embora sempre haja uma ideologia constitutiva no video game (uma vez que este é produto cultural, feito por determinado grupo de pessoas, imersas em uma sociedade), experimentá-lo não implica em uma transferência automática de comportamentos entre o jogador e o avatar. Isso seria um retorno inaceitável aos antigos modelos de comunicação que já se provaram equivocados quanto às possibilidades de se modelar comportamentos, conforme visto no capítulo 2 (ARAUJO; CARDOSO, 2007). Antes, experimentar um video game permite ao jogador vislumbrar o papel que ele encena no contexto do jogo, cabendo-lhe negociar este conteúdo com seu próprio código moral extrajogo (BOGOST, 2007). 3.1.5.5.2. A questão da “participação excessiva” Por outro lado, todo o aspecto de participação social e autonomia que são dados ao jogador em um video game levantam outra questão, particularmente importante para o tema desta tese: esta liberdade de expressão no jogo pode ser excessiva? No que tange a um serious game projetado para a Comunicação e Saúde, não é difícil imaginar um cenário onde jogadores abusariam da sua liberdade e subverteriam o conteúdo de promoção à saúde do jogo, repassando informações falsas, confundindo outros jogadores e pondo em risco o sucesso do jogo em promover a saúde. Quanto maior a liberdade que um video game dá a seus jogadores, maiores as chances destes se tornarem participativos, porém tanto maiores são as chances de alguns deles subverterem o jogo. Este seria um processo de construção participativa, é correto, porém, ainda assim potencialmente indesejável do ponto de vista da Comunicação e Saúde: Como seria de esperar, estas produções criativas nem sempre estão em sintonia com a narrativa principal ou ideologia do texto principal. Enquanto os fãs podem não ser capazes de alterar o texto central, produzindo seu próprio material eles podem dar voz à sua própria interpretação da obra (finais alternativos, contos, desenhos, vídeos, etc.) ou criar um universo alargado de interação para o objeto (sites de fãs, fóruns, wikis, etc.) (GLAS, 2010, p. 31, tradução nossa)46.

Seguir o caminho oposto, criando uma experiência de jogo pré-definida, tentando prevenir estes abusos teria duas consequências adversas: primeiro quanto mais limitador o 46

As one would expect, these creative productions are not always in line with the main narrative or ideology of the core text. While fans might not be able to change the core text, by producing their own material they can give a voice to their own interpretation of the work (alternative endings, short stories, drawings, videos, etc.) or create an expanded universe of interaction for the object (fan sites, forums, wiki’s, etc.).

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video game em termos de expressão do jogador, tanto maior são as dificuldades para manter seu interesse no jogo. Segundo a partir do que se falou a respeito de leitura oposicional, negação da simulação e processos afins, não parece possível impedir de forma completa que jogadores compreendam erroneamente ou ainda que intencionalmente subvertam o conteúdo do jogo (TURKLE, 1995; HALL, 2005; RAESSENS, 2005). Este é um risco inerente a toda forma de comunicação e não há porque ser diferente com os video games. Assim, no caso de serious games para a Comunicação e Saúde conforme propostos neste trabalho, não parece ser um caminho promissor investir tempo e recursos em proteger demasiadamente o conteúdo do serious game da manipulação por parte dos jogadores. Antes, um contato constante entre game designers e os jogadores (mesmo os mais “indisciplinados”) poderia ser uma oportunidade para que mesmo estas possíveis subversões servissem como pontos de partida para ampliar a conversação sobre participação e saúde. Este tem sido um caminho bem sucedido para algumas desenvolvedoras de video games e no último capítulo detalharei melhor algumas abordagens que poderiam ser tomadas em um hipotético MMORPG desenvolvido no âmbito da Comunicação e Saúde.

▪▪▪▪▪ Há quatro décadas que os video games foram criados, trazendo um novo aspecto às discussões sobre o jogo e o lúdico que existiam previamente. Sua popularidade inspirou o interesse em utilizá-los para outros fins e por mais de vinte anos diversos grupos de pesquisadores, educadores e game designers têm buscado aplicá-los para diversas finalidades, construindo no processo o setor dos serious games, um termo ainda controverso, mas que tem ganho muita evidência e investimentos nos últimos anos. A condição de existência dos serious games é que jogos podem ter consequências na “vida real” do jogador, de preferência gerando algum tipo de aprendizado ou melhoria de qualidade de vida. Apresentei aqui como os serious games, para serem bem sucedidos – segundo a definição de Raessens utilizada nesta tese – demandam um elo contextual com a cultura, um espaço de experiência do jogador e um efeito fora do próprio jogo. Estas características se manifestam em contextos que envolvem a participação do jogador e no modo como as mediações que existem em torno da experiência de jogo se integram ao seu imaginário, em última instância tornando-se parte de sua vida.

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Admitindo-se a participação como característica específica dos video games, é possível presumir que quanto maior a sensação de participação, maior o envolvimento do jogador no video game e mais profundo o efeito de um determinado jogo no jogador. A participação nos video games tem três domínios, interpretação, reconfiguração e construção. Enquanto os video games compartilham o domínio de interpretação com mídias anteriores, a reconfiguração é uma de suas características definidoras. Do ponto de vista de fomento à participação do público, entretanto, o domínio de construção é ainda mais importante, uma vez que a partir dele o jogador se expressa usando a mídia do video game, deixando de ser um receptor de mensagens pré-determinadas para se tornar um interlocutor ativo com os sistemas do jogo e com os game designers. Esta interlocução também se dá com os outros jogadores, particularmente nos jogos multiplayer e especialmente entre os MMORPGs, cujo grande número de jogadores permitem a formação de comunidades on-line. Este tipo de jogo pode representar uma via inovadora para fomentar a participação do público, dando-lhe voz e protagonismo em um contexto social, ainda que operando no mundo virtual. Este potencial não é automático, mas, como todo processo de transformação social, depende de negociação, conflitos e ações coletivas. Apesar disso, as características peculiares de jogos como os MMORPGs abrem possibilidades para a criação de novos espaços de socialização que têm potencial de se converter em espaços de cidadania. Assim, no capítulo seguinte serão analisados os MMORPGs e como a participação e experiência de jogo se dão dentro de seus territórios. MMORPGS Uma das premissas básicas para a existência dos serious games, como visto no capítulo anterior, é que o jogador construa sentidos da experiência no video game de forma que estes sentidos transcendam o momento do jogo. Isto é, o aprendizado precisa “transbordar” do mundo virtual para o mundo físico de alguma forma. Neste capítulo, os MMORPGs serão objeto de análise mais detalhada, em suas diferenças em relação a outros tipos de video games e se e de que forma sua experiência de jogo se relaciona com o mundo externo e com a “vida real” do jogador. Inicialmente, apresento uma explicação sobre as características centrais dos MMORPGs e apresento uma definição tentativa deste gênero ainda novo de video game; em seguida, faço um histórico desde seus antecedentes até sua situação nos dias de hoje. Depois disto, detalho o World of Warcraft, o MMORPG a partir do qual conduzo minha investigação,

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finalizando com uma das questões centrais relacionadas aos MMORPGs, ou seja, a que envolve as relações da identidade do jogador com seu avatar (ou personagem, como é mais comumente chamado no contexto dos MMORPGs) em jogo. Meu propósito com este percurso é triplo. Primeiro, quero mostrar os MMORPGs como produtos técnicos e culturais que herdam de formas de jogos anteriores uma natureza tripla, composta de regras de jogo, contexto ficcional e relações sociais. Segundo, desejo apresentar o cenário atual dos MMORPGs e certos desenvolvimentos de mercado que afetam diretamente seu impacto na sociedade, descrevendo o jogo World of Warcraft e seu caminho peculiar até sua implantação no Brasil. Por fim, destaco a partir de vários estudos já validados uma das principais formas de trânsito entre o mundo virtual do MMORPG e o mundo físico, que se dá através da profundidade e bidirecionalidade da ligação entre jogador e avatar. Definição Massively Multiplayer Online Role Playing Game (MMORPG), algumas vezes chamado simplesmente de MMO, pode se encaixar em várias categorias, conforme expresso nas questões dos pesquisadores Eric Hayot e Edward Wesp: O que são massively multiplayer on-line role-playing games? Jogos? Mundos virtuais ou sintéticos? Novelas interativas? Simulações? Sistemas econômicos? Espaços cívicos, como cidades? Salas de aula ou laboratórios? Espaços sociais? Peças de teatro? Perda de tempo? Aparatos de estados ideológicos? Formatos da indústria ou nós contemporâneos de produtividade? Redes? (HAYOT; WESP, 2009, tradução nossa)47

O rápido desenvolvimento do meio e a constante introdução de formas de jogo e interação entre jogadores mantêm estas questões em aberto. Alguns sugerem que se abandone definitivamente o termo MMORPG, considerando-o um recurso de marketing e se passe a usar termos que reflitam as características mais intrínsecas do tipo de jogo, sugerindo termos como persistent games como alternativas válidas (SORENS, 2007). Como não há consenso ainda sobre qual seria a melhor nomenclatura, será mantido no decorrer desta tese o termo MMORPG, consagrado pelo uso e, que se não descreve adequadamente a classe dos jogos massivos on-line, pelo menos tem a vantagem de ser universal. Também não há uma

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What are massively multiplayer online role-playing games? Games? Virtual or synthetic worlds? Interactive novels? Simulations? Economic systems? Civic spaces, like cities? Classrooms or laboratories? Social spaces? Pieces of theatre? Wastes of time? Ideological state apparatuses? Forms of industry or modern-day nodes of productive? Networks?

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definição quanto à melhor nomenclatura dos MMORPGs em português. Usa-se “jogo massivo on-line”, “jogo massivo”, “RPG on-line”, “RPG massivo” entre outros. Optou-se por manter o uso da sigla MMORPG em inglês no decorrer deste trabalho, uma vez que é a única denominação universalmente reconhecida. Existem seis características que seriam compartilhadas pela maioria dos MMORPGs que os distinguem dos demais tipos de jogos: persistência, fisicalidade, jogo mediado por avatar, jogo vertical, interação social e perenidade (CHAN; VORDERER, 2006). Estas características são relevantes para uma definição tentativa dos MMORPGs no contexto desta tese e serão detalhadas a seguir. Os MMORPGs são considerados persistentes porque continuam operando mesmo quando o jogador termina uma sessão de jogo e desliga seu computador. O restante dos jogadores ainda é capaz de continuar jogando normalmente e no improvável caso de todos os jogadores saírem de um MMORPG ao mesmo tempo, ainda assim o mundo continua operando nos servidores, com ciclos de dia e noite, habitantes das cidades circulando pelas ruas e animais andando pelas florestas. Quando por sua vez o jogador retorna, ele experimenta a sensação de que o tempo passou. Este sentimento é reforçado por mudanças periódicas no ambiente do jogo como, por exemplo, em certos jogos de fantasia existem “festivais de inverno” muito semelhantes às comemorações de Natal. Fisicalidade se refere ao fato que MMORPGs representam um espaço físico (ainda que fictício), geralmente tridimensional, onde as regras de movimentação são internamente coerentes e tendem a ser similares ao mundo real. Ou seja, mesmo se em um determinado jogo os personagens podem voar (como em um MMORPG sobre super-heróis), ainda assim espera-se que a gravidade funcione no sentido de cima para baixo e não ao contrário. Fisicalidade também favorece a existência de uma geografia nos MMORPGs. Existem países, reinos, cidades, fronteiras, montanhas, oceanos e estes elementos guardam relações espaciais entre si. Os jogadores por sua vez agem no mundo tendo avatares como mediadores. O mundo apresentado em um MMORPG é habitado pelos avatares dos jogadores e personagens (humanoides ou não) que são controlados pelo sistema do MMORPG. Estes personagens que não são jogadores (chamados de mobs ou de NPCs — Non-Player Characters) podem ser aliados, inimigos, animais, monstros ou apenas atuar como transeuntes no cenário. Nos MMORPGs, ao contrário de outros ambientes virtuais como fóruns e redes sociais, o avatar não representa a identidade do jogador, mas a de um personagem típico daquele ambiente

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ficcional, com características adequadas ao mesmo, como raça, profissão, habilidades, etc. Embora o jogador possa criar outros personagens, normalmente ele joga apenas com um personagem de cada vez e é com este avatar que ele interage com o mundo, com os NPCs e com outros jogadores. Jogo vertical se refere ao progresso do avatar. Ao contrário de outros video games, em um MMORPG o jogador não apenas encarna um personagem daquele mundo, mas este personagem é mantido entre as sessões de jogo e experimenta uma progressão, acumulando recursos, aumentando em poder ou ganhando novas habilidades. Assim, um personagem que é usado há muito tempo tenderá a ser mais poderoso que outro que acabou de ser criado pelo jogador. Na maioria dos MMORPGs este progresso é descrito na forma de níveis de experiência, sendo que um personagem começa no nível um e, conforme ganha experiência (explorando o ambiente, vencendo inimigos e cumprindo missões, entre outras atividades), ganha mais níveis até chegar ao nível máximo. Interação social é uma das características mais emblemáticas dos MMORPGs. Nestes jogos é possível ao jogador jogar com ou contra outros jogadores e para isso há provisão de toda uma gama de funcionalidades. Há o contato direto, onde um jogador, por meio de seu avatar, pode se aproximar de outro e se comunicar por meio de texto, que é então apresentado em um balão na tela, ao modo das histórias em quadrinhos. Há um sistema de e-mail interno, onde personagens podem enviar mensagens, itens e recursos para outros. Existe também um sistema de mensagens instantâneas cobrindo todo o mundo do MMORPG com diversos “canais”, separados por área geográfica, grupos de jogo ou mesmo individualmente. Nos últimos anos os MMORPGs têm incluído comunicação por voz para que os jogadores possam falar em tempo real enquanto lutam ou realizam missões. Em adição a isso, tipicamente os MMORPGs incluem diversas animações de personagens (chamadas de emotes) destinadas a representar emoções e gestos simples, como acenos, cumprimentos, aprovação, raiva, tédio e outros comportamentos. Todos estes recursos fomentam uma rica interação social, originando amizades, grupos de companheiros, alianças e rivais. Para muitos jogadores, a interação social é uma das principais motivações para se permanecer jogando, conforme será visto na análise das entrevistas no capítulo 6.

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Perenidade48 se refere ao fato de que, apesar de os jogadores normalmente mudarem de atividades ao atingir o nível máximo, em um MMORPG não há uma “linha de chegada” que demarca o fim de jogo. Em MMORPGs o jogador pode, potencialmente, permanecer jogando com o mesmo personagem indefinidamente, mesmo que tenha chegado ao nível máximo. Em alguns casos, jogadores veteranos permanecem no MMORPG nem tanto para jogar, mas como forma de permanecer em contato com os amigos que fizeram on-line. Devido a esta natureza aberta quanto à conclusão do jogo, a perenidade é um fator que dificulta enquadrar MMORPGs nas definições de jogo de Jesper Juul (2011) e de Zimmerman e Salen (2004), mencionadas anteriormente. A ideia de um resultado quantificável não é diretamente aplicável a um MMORPG, onde não há um “estado final”, mas o jogador pode continuar jogando indefinidamente (GLAS, 2010). Embora esta peculiaridade esteja relacionada com o modelo de negócio estabelecido desde os primeiros MMORPGs, baseado em assinaturas mensais, ainda assim ela desafia a definição de Juul. Embora este entenda que exista um tipo de desfecho quando o jogador termina uma sessão de jogo, ele reconhece MMORPGs como exceções à regra do que constitui um jogo, apontando-os, junto com certos tipos de video games, como iniciativas que tentam quebrar com os modelos tradicionais de jogos: “O conceito de um desfecho variável é modificado em jogos on-line como Everquest, onde o jogador nunca chega a um desfecho final, mas apenas a um temporário, quando desliga o jogo.” (JUUL, 2011, p. 43, tradução nossa)49. Já Salen e Zimmerman consideram que as missões realizadas nos MMORPGs e os níveis obtidos com os personagens podem ser considerados desfechos em si e o MMORPG pode ser visto como um ambiente facilitador para o jogo: [...] pareceria que multiplayer role playing games não são de fato jogos. Mas isto parece uma conclusão ridícula, já que RPGs estão tão intimamente ligados ao desenvolvimento de jogos e cultura de jogos. Nossa posição é esta: RPGs podem ser enquadrados de ambos os modos – como tendo ou não tendo um desfecho quantificável. Se você olha para o jogo como um todo, pode não haver um único, objetivo primordial quantificável. Mas se você considera sessão a sessão as missões que os jogadores completam, os objetivos pessoais que os jogadores definem para si mesmos, os níveis de poder que alcançam, então sim, RPGs têm desfechos quantificáveis. Neste sentido, um RPG é um sistema maior que facilita o jogo em seu interior, dando origem a uma série de

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Preferiu-se traduzir perpetuity do original para perenidade (CHAN; VORDERER, 2006, p. 87). The concept of a variable outcome is modified in online role-playing games such as EverQuest, where the player never reaches a final outcome but only a temporary one when logging out of the game. 49

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desfechos que constroem uns sobre os outros ao longo do tempo (SALEN; ZIMMERMAN, 2004, p. 82, tradução nossa)50.

Com base nestas considerações, e sem pretender esgotar o assunto, apresento uma definição formal de MMORPG que será usada para os fins desta tese: Massively Multiplayer On-line Role Playing Game (MMORPG) é um tipo de video game que funciona através da internet, no qual um grande número de jogadores interage simultaneamente em um mundo ficcional persistente, por meio de avatares personalizáveis, interpretando papéis adequados àquele ambiente. Os termos desta definição podem ser mais bem explicitados, exemplificando tipos de jogos e mundos virtuais que não se enquadram na mesma. Desta forma, é possível delimitar mais claramente o tipo de jogo aqui estudado e – também importante – jogos que não serão objeto desta tese, a despeito de eventualmente compartilharem características com os MMORPGs. O termo MMORPG pode ser traduzido livremente como jogo multiusuário massivo on-line de interpretação de papéis. Esta nomenclatura procura dar conta do aspecto coletivo (multiusuário), da grande quantidade de jogadores simultâneos (massivo) e de seu funcionamento através da internet (on-line). Os termos Role-playing Game derivam dos RPG jogados em computadores (chamados de Computer Role Playing Game ou CRPG), video games nos quais um único jogador assume o papel de um herói em uma missão, que, por sua vez, eram uma adaptação e simplificação para meio digital dos RPGs tradicionais. Hoje existem outros formatos de jogos que reúnem grandes quantidades de jogadores em ambientes virtuais sem que eles necessariamente encarnem personagens. Por exemplo, o chamado MMORTS (Massively Multiplayer Online Real-Time Strategy), é um jogo on-line onde jogadores combatem uns aos outros comandando exércitos, esquadrilhas ou outros grupos de unidades militares. Tais jogos não serão abordados nesta tese. Quanto ao componente on-line, embora haja diversos gêneros de jogos que se beneficiam da internet, este é um fator essencial e determinante para a própria existência dos MMORPGs. Não é possível jogar um MMORPG sem estar conectado à internet, uma vez que […] it would appear that multiplayer role-playing games are not, in fact, games. But this seems like a ridiculous conclusion, because RPGs are so closely bound up in the development of games and gaming culture. Our position is this: RPGs can be framed either way — as having or not having a quantifiable outcome. If you look at the game as whole, there may not be a single, overriding quantifiable goal. But if you consider the session-to-session missions that players complete, the personal goals players set for themselves, the levels of power that players attain, then yes, RPGs do have quantifiable outcomes. In this sense, an RPG is a larger system that facilitates game play within it, giving rise to a series of outcomes that build on each other over time. 50

117

é no servidor central que as informações e sistemas que compõem o mundo virtual estão armazenados e são processadas. Sendo um artefato simultaneamente técnico e cultural, os MMORPGs se beneficiaram dos avanços tecnológicos, tanto no poder de processamento dos computadores pessoais, que permitiram gráficos mais atraentes e até realistas, quanto na proliferação do acesso à internet, que fornece o meio de contato entre os jogadores. Quanto ao número de jogadores, os MMORPGs diferem de outros jogos que permitem partidas on-line (multiplayer), principalmente em relação à ordem de grandeza. Enquanto jogos multiplayer permitem no máximo poucas dezenas de jogadores, um MMORPG tipicamente permite de centenas a milhões de jogadores em seu mundo virtual. Esta quantidade de jogadores propicia a formação de comunidades virtuais51 on-line no jogo e para muitos deles é um grande fator de atração. A participação simultânea dos jogadores, normalmente ocorrendo em um espaço físico determinado, é outro fator marcante dos MMORPGs. É também importante frisar o aspecto intrínseco de jogo presente nos MMORPGs. Existem diversos ambientes virtuais on-line para grandes quantidades de jogadores onde não há elementos de jogo envolvidos (regras, objetivos, recompensas, etc.), por exemplo, o mundo virtual Second Life52. Apesar de compartilhar várias características com os MMORPGs, tais ambientes virtuais on-line não se encaixam nesta categoria. Quanto ao mundo ficcional, MMORPGs inserem o jogador como um personagem habitando em um mundo persistente, ou seja, mesmo quando o jogador desliga o computador, o mundo virtual onde seu personagem habita continua existindo. A maioria dos MMORPGs tenta simular o funcionamento de um ambiente específico, seja este uma cidade, um mundo ou até mesmo uma galáxia, como pode ser exemplificado pelos jogos Champions Online (Champions Online, 2009), World of Warcraft (World of Warcraft, 2004) e EVE Online (EVE Online, 2003) respectivamente. Embora um MMORPG seja um espaço virtual, simulando 3D mediante algoritmos, é intenção dos seus criadores representarem um espaço real, dotado de uma geografia específica e fixa para todos os usuários. Em conjunto com a preocupação em

51

Uso a definição de comunidade virtual cunhada por Rheingold (1993, Introduction, tradução nossa): “Comunidades virtuais são agregações sociais que emergem da rede quando pessoas suficientes mantêm discussões públicas por tempo suficiente, com suficiente sentimento humano, para formar redes de relações pessoais no ciberespaço.” (“Virtual communities are social aggregations that emerge from the Net when enough people carry on those public discussions long enough, with sufficient human feeling, to form webs of personal relationships in cyberspace”). 52 http://secondlife.com

118

manter uma geografia coerente, há também a preocupação com a história que originou tal ambiente. Os criadores do jogo fazem um elaborado trabalho de criação do pano de fundo histórico deste mundo, a fim de que sua coerência e profundidade gerem maior envolvimento e interesse dos jogadores. Desta forma, é muito comum que os game designers criem vastos compêndios detalhando o processo histórico que levou aquele mundo ficcional ao seu momento atual e muitas vezes retornem a estes registros para criação de novos elementos de jogo, como ambientes, aventuras, monstros e vilões. Este acervo histórico também baseia a criação de uma variedade de outros produtos culturais como romances, histórias em quadrinhos, filmes e até outros video games. Os

jogadores

exploram

e

interagem

com

este

mundo

através

de

avatares53. Diferentemente das comunidades virtuais mais tradicionais, em um MMORPG um participante não usa sua própria identidade, mas assume um personagem integrado à história do mundo virtual que, a princípio, não guarda relações de semelhança com o jogador, embora este possa personalizar a aparência do mesmo. Assim como o mundo, o personagem do jogador também é persistente, ou seja, os tesouros, armas, habilidades e outros itens conquistados em sessões de jogo anteriores continuam com o personagem. Esta característica permite que os personagens dos jogadores, da mesma forma que o mundo ficcional que habitam, desenvolvam um histórico e este processo pode ocorrer por muitos anos. Como na maioria dos MMORPGs a morte de um personagem implica apenas em uma penalidade temporária, o jogador permanece usando aquele personagem em jogo por quanto tempo quiser. É importante frisar que, a despeito do que a sigla MMORPG sugere, “interpretação de papéis” (roleplaying) nestes jogos não tem o sentido de interpretação teatral, como um ator interpretando um personagem, mas sim o sentido de se controlar um personagem como agente no mundo virtual. A despeito disso, existem grupos de jogadores em MMORPGs que fazem interpretação no sentido teatral, como o grupo que foi objeto de uma etnografia realizada pela pesquisadora Marinka Copier (2007). Tais jogadores elaboram histórias fictícias para seus personagens, falam com o vocabulário e maneirismos que eles teriam e tomam parte em

“O termo “avatar” foi apropriado do sânscrito, referindo-se originalmente à noção hindu de uma deidade que desce à terra em uma forma encarnada. Do mesmo modo, um usuário veste a identidade dessa entidade virtual para transitar em um mundo paralelo. Avatares são figuras gráficas que podem movimentar-se, atuar e interrelacionar-se com outras máscaras digitais em um mundo virtual tridimensional. Cada usuário que entra nesses ambientes virtuais pode criar seu próprio avatar, ao eleger uma máscara em um guarda-roupa digital disponível. Avatar é a representação do jogador no universo do jogo.” (SANTAELLA, 2005, p. 7) 53

119

eventos muito semelhantes à improvisação teatral. Entretanto, tais jogadores tendem a ser minoria nos MMORPGs atuais (GLAS, 2010). De posse desta definição, que procura contemplar o que hoje é considerado um MMORPG, passo a um histórico deste formato de jogo que na sua curta existência tem influenciado muito o cenário dos video games. Neste histórico também será delineado o cenário atual (até 2012) dos MMORPGs, incluindo as tendências do setor, assim como iniciativas de uso de MMORPGs como serious games. Breve histórico dos MMORPGs É possível considerar os MMORPGs uma mescla de dois tipos de jogos anteriores, o Role-Playing Game (RPG) e o Multi-User Dungeon (MUD). O primeiro é um jogo não digital, baseado na interpretação de personagens em uma aventura épica e o segundo um sistema originalmente programado para computadores, que foi ganhando mais funcionalidades à medida que o aparato tecnológico permitia mais sofisticação nos sistemas de jogo. Antecedentes 3.2.3.1 RPGs e CRPGs O Role Playing Game, daqui por diante chamados simplesmente de RPG, foi um gênero de jogo que emergiu dos jogos estratégicos (ou wargames) jogados em tabuleiros. Wargames são jogos de estratégia que surgiram como método de treinamento de estratégia para militares no século XVIII e se tornaram um passatempo espalhado pela sociedade civil. Estes jogos punham sob controle dos jogadores exércitos e esquadras em mapas que procuravam em geral simular batalhas históricas. Entretanto, aos poucos alguns jogadores passaram a considerar a ênfase no realismo histórico e as regras estruturadas limitações muito rígidas, ao mesmo tempo em que desejavam controlar unidades menores ao invés de grandes exércitos. Passaram então a introduzir elementos fantasiosos nos jogos (como magia e monstros lendários inspirados em autores como J. R. R. Tolkien); também introduziram a figura do Dungeon Master (ou DM, também chamado de Mestre do Jogo), um jogador que atuava como juiz, aplicando regras (que se tornaram bem mais amplas e fluidas) a casos específicos e como narrador, descrevendo aos jogadores as consequências de suas ações e controlando os antagonistas no jogo. Isso levou à criação do jogo Dungeons & Dragons,

120

lançado em 1974, que iniciou o gênero do RPG (FINE, 1983). Logo, outras companhias começaram a lançar jogos semelhantes. Os gêneros de ambientação variavam (como ficção científica e western), embora os RPGs de fantasia sempre tenham predominado em número. Um elemento importante desta transformação foi a mudança de escopo do jogo: se antes os jogadores controlavam exércitos e pelotões, agora cada jogador controlava um único personagem. Embora alguns grupos de jogadores usassem mapas e miniaturas como auxílio, o jogo se passava de fato na imaginação dos participantes, a partir das suas ações e das descrições do Mestre do Jogo. Até hoje os avatares em MMORPGs tendem a ser chamados de personagens justamente por conta de derivação dos RPGs de mesa (figura 1).

Figura 1 – Jogos estratégicos e RPGs

Um grupo jogando um jogo estratégico (esquerda) e outro jogando um RPG (direita). Fotografias de Robert Cordery (http://wargamingmiscellany.blogspot.com.br/2010/07/cow2010-personal-review.html) e de Ellen Rockett (http://rockettium.net/2010/12/nightshirt-fighting/), respectivamente.

Além do personagem individual, do Mestre do Jogo e dos elementos de fantasia, o RPG tinha como diferenciais a cooperação (ao invés de competição) entre os jogadores para conquistar o objetivo e “vencer” a aventura, foco maior na narrativa com cada partida sendo vivida como uma aventura épica e a manutenção dos personagens dos jogadores para aventuras subsequentes acumulando poder e uma “história de vida” fictícia. Os primeiros RPGs eram focados em combate, fortemente baseados em sistemas numéricos, herança dos wargames, mas RPGs posteriores introduziram regras para ampliar o aspecto de narrativa do jogo, em alguns casos pondo o combate em segundo plano. Logo surgiram os roleplayers, jogadores que não se contentavam com controlar o personagem, mas procuravam interpretá-lo

121

dramaticamente, com mudança de voz, maneirismos, dilemas morais e outros recursos teatrais (GLAS, 2010). Assim, os RPGs permitiam duas abordagens de jogo 54, que poderiam ocorrer de forma alternada ou concomitantemente em um mesmo grupo de jogo: uma abordagem chamada de instrumental play (mais relacionada ao jogo propriamente dito, envolvendo o combate, ganho de experiência, habilidades e tesouros) e outra chamada de roleplay, onde os jogadores interpretavam os seus personagens dramaticamente, aproximando uma partida de RPG a uma improvisação de teatro (COPIER, 2007). Os RPGs proliferaram em variados gêneros e formatos, tendo o auge da sua popularidade nos anos 80. Com o surgimento dos primeiros computadores pessoais e a ampliação de sua capacidade gráfica, aos poucos começaram a surgir adaptações de RPGs para computador ou Computer Role Playing Games (CRPGs). As regras do D&D e RPGs similares serviram como uma estrutura inicial facilmente adaptável para jogos de computador, uma vez que as fórmulas matemáticas em que se baseavam eram passíveis de ser facilmente traduzidas em rotinas de programação. Estes eram jogos para um único jogador que vivia o papel do herói e o computador funcionava como Mestre do Jogo, mediando ações do jogador, processando as regras do jogo e apresentando o resultado usando texto, imagem e som. Como gênero de jogo digital, os CRPG deram um sentido diferente ao termo role-playing, que passou a significar o gerenciamento e controle funcional de personagens em vez de interpretálos (GLAS, 2010). Era uma adaptação do instrumental play, uma vez que o jogador não interpretava dramaticamente seu personagem e, se por um lado, uma máquina não podia entender todas as ações que um jogador potencialmente pudesse realizar, limitando ou mesmo impedindo o aspecto de interpretação do jogo, por outro os combates podiam ser muito mais detalhados devido ao processamento digital, assim como se beneficiar dos nascentes recursos gráficos (COPIER, 2007). Dungeon Master (BELL et al., 1987), Wasteland (FARGO et al., 1988) e a série Ultima (GARRIOTT, 1981) são exemplos importantes desta primeira geração (figura 2) que popularizou tanto este tipo de entretenimento que hoje o termo CRPG acabou virando simplesmente RPG e os RPGs tradicionais passaram a ser denominados pen and paper RPGs

54

Por exemplo: em uma sessão de jogo de RPG dois jogadores enfrentam um dragão. O primeiro olha para as informações do seu personagem e diz: "Vou atacar com minha espada que causa dez pontos de dano ao dragão. Preciso tirar cinco nos dados para poder acertá-lo". O segundo diz: "Eu desembainho Durendal, a espada que meu pai me passou no seu leito de morte. Eu me posto em frente ao monstro e ataco, enquanto faço uma prece silenciosa a Odin, suplicando coragem e força." Em termos de regras os dois estão fazendo a mesma coisa (atacando um inimigo), mas só o segundo está fazendo roleplay.

122

ou tabletop RPGs (no Brasil, “RPGs de mesa”). Bem mais tarde, o formato dos CRPG iria influenciar a maneira de se representar a atuação individual de um jogador em um MMORPG (ACHTERBOSCH; PIERCE; SIMMONS, 2008).

Figura 2 – Computer Role Playing Games (CRPGs)

Dungeon Master e Wasteland estão entre os primeiros CRPGs, video games derivados diretamente de adaptações de temas e regras de RPGs tradicionais. Fontes: Indie Retro News (http://www.indieretronews.com/2013/02/games-i-remember-with-remake-dungeon.html) e Steam (http://store.steampowered.com/app/259130/).

3.2.3.2 MUDs Quase em paralelo com o surgimento do RPG começaram a surgir os primeiros jogos de computador para vários usuários, com o Mazewar introduzindo, já em 1974, um ambiente gráfico onde se desenrolava um jogo de combate em rede na perspectiva de primeira pessoa. Em 1975 o Adventure, criado por Will Crowther, inaugurou o uso de elementos de fantasia heroica inspirados na obra de J. R. R. Tolkien em video games, seguido de perto por Zork (ANDERSON et al., 1977). Embora ambos fossem voltados para usuários isolados, estes jogos influenciaram dezenas de outros títulos tanto na forma quanto no conteúdo de histórias de fantasia. Desenvolvimentos nos computadores e nas tecnologias de conexão permitiram que em 1978 Roy Trubshaw e Richard Bartle criassem o MUD (Multi-User Dungeon) ou MUD1, como é comumente chamado. O MUD1 funcionava em BBSs (Bulletin Board Systems) e fundia um jogo multiplayer similar ao RPG de mesa Dungeons & Dragons com as aventuras baseadas em texto como o Adventure e Zork. O MUD1 era um mundo persistente compartilhado, no qual múltiplos usuários podiam jogar e interagir entre si e com o ambiente por meio de avatares (chamados de personagens) que acumulavam experiência e tesouros, aprimorando suas habilidades com o passar do tempo (BARTLE, 1990). Assim como os

123

CRPGs, o MUD1 seguiu um estilo de instrumental play e os jogadores não interpretavam seus personagens (GLAS, 2010). Quanto à forma, o MUD era baseado em texto (figura 3): o sistema do jogo descrevia o mundo aos participantes (como era o lugar onde estavam e quais eram as ações dos outros personagens e monstros, por exemplo), o jogador controlava seu personagem digitando comandos via teclado (por exemplo: “Ataque dragão” ou “Pegue espada”) e o sistema de regras codificado no computador retornava o resultado destas ações aos jogadores (por exemplo: “O dragão se afasta, ferido” ou “A espada está em suas mãos.”).

Figura 3 – MUD1

Captura de tela do MUD1, o primeiro jogo a integrar as regras de RPG em um ambiente compartilhado por vários jogadores. Fonte: Massively (http://massively.joystiq.com/2008/03/31/massivelys-visual-history-ofmmorpgs-part-i/).

Apesar de o MUD1 ser limitado ao uso de texto, a sua popularidade foi imensa, dando nome ao gênero que iniciou. De forma similar aos RPGs, os primeiros sucessores do MUD1 permaneceram em sua maior parte fortemente calcados no ambiente de fantasia, mas começaram a surgir alguns MUDs baseados em outros gêneros, assim como surgiram os “social MUDs”, que fugiam do foco em aventura do MUD1 e valorizavam mais a interação entre os jogadores (GLAS, 2010). Estes incluiriam algumas vezes opções para que os próprios jogadores cooperassem na construção do ambiente virtual, criando objetos e espaços. Os mundos virtuais continuaram a se desenvolver ao longo destes dois caminhos, segundo Klastrup, como “mundos de jogo” (gameworlds) e como “mundos sociais” (social worlds),

124

conforme privilegiassem mais regras e sistemas ou interação e sociabilidade (KLASTRUP, 2009). Estes dois percursos dos MUDs, “mundos de jogo” e “mundos sociais”, são relevantes hoje para se compreender os MMORPGs em geral e World of Warcraft em particular, herdeiros diretos dos MUDs que mesclam estas duas tendências em diferentes graus. Assim, embora seja possível dizer que a maioria dos MMORPGs em operação não tenha sido criada apenas para interação social, tais jogos oferecem uma ampla gama de modos de interação e comunicação entre os jogadores, formando uma mescla de ambiente de jogo mediado por regras estruturadas e espaço social baseado em um aparato tecnológico, mas mediado por regras sociais de interação e conduta (GLAS, 2010). 3.2.3.3 As Primeiras Gerações De certo modo, o surgimento do MMORPG foi uma passagem natural de jogos analógicos como os RPG e mundos virtuais baseados em texto como os MUDs para o ambiente gráfico on-line possibilitado pelos avanços tecnológicos nos computadores pessoais, que começaram a se acelerar nos anos 90. MMORPGs ainda carecem de um estudo histórico mais rigoroso, mas há consenso entre desenvolvedores e jornalistas do setor de video games que houve duas gerações bem distintas; a primeira sendo mais experimental, lançando as bases do gênero, e a segunda consolidando os sucessos da primeira e acrescentando aprimoramentos, principalmente na área tecnológica (ACHTERBOSCH; PIERCE; SIMMONS, 2008). O primeiro video game com características semelhantes às dos MMORPGs atuais foi Neverwinter Nights (baseado na franquia de RPG Dungeons & Dragons), rodando na rede interna da AOL (America On Line) de 1991 a 1997, reunindo até 200 jogadores que compartilhavam um ambiente virtual graficamente definido e persistente. Seguiram-se diversos outros títulos, sempre em redes proprietárias como CompuServe, AOL e GEnie. O primeiro MMORPG na internet foi o Meridian 59, lançado pela companhia 3DO em 1996 (figura 4). Foi o primeiro jogo a introduzir um valor único de assinatura mensal, inovando ao incorporar gráficos 3D em perspectiva de primeira pessoa55. A 3DO foi a primeira companhia a anunciar seu jogo com os termos “massively multiplayer” e “persistent world” (MMO History, 2010).

55

Perspectiva de primeira pessoa significa que o jogo mostra o cenário como se o jogador estivesse olhando pelos olhos do avatar. Desta forma, o jogador não vê o corpo do seu avatar, mas tem uma sensação maior de estar imerso em um ambiente tridimensional.

125

Figura 4 – Os primeiros MMORPGs

Neverwinter Nights (1991) e Meridian 59 (1996) foram os dois primeiros MMORPGs respectivamente na rede AOL e na Internet. Fonte: Massively (http://massively.joystiq.com/2008/03/31/massivelys-visual-history-ofmmorpgs-part-i/).

Ultima Online foi lançado em 1997 e é considerado o grande responsável por popularizar o gênero, uma vez que rapidamente superou a marca de cem mil jogadores. Era um jogo em terceira pessoa (o jogador vê o cenário do alto, incluindo seu avatar) com gráficos isométricos, simulando 3D (figura 5). Ultima Online era uma versão on-line de uma bem sucedida série de CRPGs e sua profundidade e detalhamento conquistaram muitos jogadores. As opções de jogo eram notoriamente amplas, sendo inclusive possível atacar outros jogadores a qualquer momento, sistema que ficou conhecido como Player versus Player (jogador versus jogador) ou PvP. Ficaram famosos na época os PK, ou Player Killers, jogadores cujo divertimento era matar jogadores mais vulneráveis traiçoeiramente (BRADLEY; FROOMKIN, 2004). Isto provocou na comunidade do jogo a formação de milícias voluntárias para policiamento do mundo virtual (SANDERSON, 2012). Foi também em Ultima Online onde ocorreram os primeiros exemplos de comércio de objetos puramente virtuais, com pessoas comprando castelos e mansões no mundo fictício por dinheiro real, através de sites de leilões como o eBay (WARD, 2003).

126

Figura 5 – Ultima Online

Tela de jogo do Ultima Online, que foi lançado em 1997 e ainda hoje está em funcionamento. Fonte: Massively (http://massively.joystiq.com/2008/03/31/massivelys-visual-history-of-mmorpgs-part-i/).

Everquest, lançado pela Sony em 1999, foi um grande sucesso comercial e pela primeira vez chamou atenção da mídia devido ao comportamento extremado de alguns jogadores, o que levou muitos estudiosos a classificar o jogo como um tipo de vício virtual (CHAPPELL et al., 2006). Diferente de Ultima Online, Everquest possuía gráficos em 3D avançados para a época, chegando a atingir o pico de quinhentos mil usuários. Também continha um estilo de jogo mais cooperativo, conhecido como Player versus Environment (jogador versus ambiente), ou PvE, onde os jogadores enfrentavam monstros controlados pelo sistema de jogo. Estes jogos, junto com Asheron’s Call, lançado pela Microsoft em 1999, compõem a chamada primeira geração dos MMORPGs (ACHTERBOSCH; PIERCE; SIMMONS, 2008) (figura 6).

Figura 6 – Segunda geração dos MMORPGs

Telas do jogo Everquest (esquerda) e Asheron’s Call (direita). (http://massively.joystiq.com/gallery/massivelys-visual-history-of-mmorpgs-part-ii/).

Fonte:

Massively

127

Considera-se que a chamada segunda geração dos MMORPGs surgiu no início do século XXI com o lançamento de diversos títulos que alcançaram sucesso comercial, a expansão do gênero em outros mercados e o início de investimentos significativos em desenvolvimento. São desta época Dark Age of Camelot, Anarchy Online (primeiro jogo de ficção científica), Final Fantasy XI, Runescape, EVE Online e City of Heroes (primeiro jogo de super-heróis) (figura 7) (MMO History, 2010). Este período também marca o desenvolvimento do gênero no Oriente, em especial na Coréia do Sul e Taiwan (BRADLEY; FROOMKIN, 2004). Muitos MMORPGs orientais aos poucos chegam ao Ocidente e alguns alcançam grande popularidade, inclusive no Brasil, como o Tibia, Ragnarok e Lineage, até hoje frequentemente encontrados em lan houses brasileiras (PEREIRA, 2008).

Figura 7 – Novos gêneros de MMORPGs

EVE Online (esquerda) e City of Heroes (direita): na segunda geração dos MMORPGs começou-se a explorar outros gêneros além da fantasia. Fontes: Moby Games (http://www.mobygames.com/game/windows/eveonline/screenshots/gameShotId,417354/) e GameStop (http://impulsedriven.com/cityofheroes).

Embora não haja um consenso, alguns sites que abordam MMORPGs consideram que existe uma terceira geração dos MMORPGs, a qual teve início com o lançamento de Everquest II e World of Warcraft. Este último, lançado pelos estúdios Blizzard, foi um grande sucesso, superando todos os demais MMORPGs até o momento. Sua influência redefiniu convenções do gênero e os MMORPGs que surgiram depois acabaram por incorporar muitas de suas características de uso e estilos de interface. Além disso, seu sucesso comercial atraiu investimentos ainda mais grandiosos para o setor, gerando uma competição acirrada entre diversas companhias para a criação de jogos capazes de entrar neste lucrativo novo mercado. Muitos estúdios procuraram ganhar a atenção do público desenvolvendo jogos adaptados de obras bem sucedidas em outras mídias (figura 8). Assim,

128

são lançados neste período Dungeons & Dragons Online (baseado no RPG de mesa), Age of Conan (baseado no personagem criado por Robert E. Howard), Warhammer (derivado de jogos estratégicos de miniaturas) e The Lord of the Rings Online (baseado na obra de J. R. R. Tolkien). Também é neste período que ocorrem alguns dos grandes cancelamentos de MMORPGs, como o de The Matrix Online (baseado na franquia cinematográfica) e Tabula Rasa, o que revela os altos riscos de insucesso financeiro no desenvolvimento deste tipo de jogo (MMO History, 2010).

Figura 8 – Jogos baseados em obras literárias

Age of Conan e Lord of the Rings Online foram dois dos primeiros jogos baseados em universos ficcionais preexistentes. Fontes: GamersGate (http://www.gamersgate.com/DD-AOC/age-of-conan-hyborian-adventuresus) e CVG (http://www.computerandvideogames.com/161846/reviews/lord-of-the-rings-online-shadows-ofangmar-review/).

O Cenário Atual Embora não se fale ainda de uma quarta geração de MMORPGs, tem havido mudanças incrementais constantes, tanto nos aspectos tecnológicos quanto na sua presença na sociedade. A indústria cresceu e se especializou e novas ferramentas e serviços específicos para mundos virtuais foram desenvolvidos. Hoje, plataformas de desenvolvimento para MMORPGs e mundos virtuais tornam mais barato a criação destes produtos. Algumas destas plataformas são gratuitas (como o OpenSimulator56), enquanto outras cobram taxas relativamente baixas para utilização (como o HeroEngine57). Se por um lado os custos de produção dos MMORPGs AAA (ou triple-A, designando as produções maiores e mais

56 57

http://www.opensimulator.org http://www.heroengine.com

129

sofisticadas) subiram exponencialmente, a acessibilidade destas novas ferramentas de criação permite que hoje até mesmo game designers58 independentes possam se aventurar a criar um MMORPG, como é o caso do Project Gorgon, cujo criador, o programador e game designer Eric Heimburg, trabalha sozinho usando uma ferramenta gratuita (HEIMBURG, 2011). Em conjugação com este fenômeno, os últimos anos viram um aumento na quantidade de jogos acessíveis diretamente pelo navegador, que não necessitam de instalação de software no computador do jogador. Isto é um fator relevante para vencer obstáculos de distribuição dos MMORPGs e facilita consideravelmente o acesso de pessoas que desejam jogar a partir de lan houses, cyber cafés e outros computadores públicos (HYMAN, 2012). MMORPGs também estão aparecendo em plataformas móveis e tendem a aumentar em número à medida que uma crescente parte da população adota o uso dos smartphones (BRIDGE, 2012). Em termos econômicos, os dados de 2012 mostram 14% de crescimento do mercado norte americano, relatando gastos mundiais com MMORPGs da ordem de U$ 12 bilhões de dólares com a tendência a alcançar U$ 17,5 bilhões em 2015. Mostram também que, do total de 50 milhões de jogadores nos Estados Unidos, 23 milhões de jogadores pagaram por itens virtuais ou assinaturas de MMORPGs, numa média anual de U$ 127 per capita. Só no Brasil, o dinheiro gasto em MMORPGs em 2011 chegou a U$ 320 milhões. O país tem 35 milhões de jogadores e 69% (24 milhões) joga MMORPGs em média três horas e meia hora por semana (INFOGRAPHIC... , 2011). É um mercado cada vez mais concorrido, entretanto, uma vez que número de MMORPGs no mercado dobrou desde o início de 2011 (GLOBAL... , 2012). Seguindo a tendência dos RPGs e dos MUDs, há atualmente um grande número de MMORPGs baseados no gênero de fantasia medieval característica do Everquest e do World of Warcraft, mas a despeito disto tem havido também grandes lançamentos que procuram se destacar abordando novos gêneros. Tal foi o caso de Star Trek Online59, baseado no seriado criado por Gene Rodenberry; de DC Universe Online60, baseado nas histórias em quadrinhos de super-heróis da editora DC Comics; de Star Wars: The Old Republic61, baseado na saga criada por George Lucas; e The Secret World62, um jogo de horror passado na era atual, lançado em 2012. Guild Wars 2, sucessor do primeiro Guild Wars, foi lançado em 2012 e

58

Game designer é o profissional de diversas formações e origens (artista gráfico, programador, escritor, etc.) responsável pela criação de um video game. 59 http://sto.perfectworld.com 60 http://www.dcuniverseonline.com 61 http://www.swtor.com 62 http://www.thesecretworld.com

130

também pertence ao gênero de fantasia, mas procurou se distinguir de MMORPGs como World of Warcraft e Lord of the Rings Online, inovando em mecanismos de jogo e interação entre os personagens63. De modo geral, os desenvolvedores têm dedicado muita atenção ao aprimoramento do potencial gráfico destes jogos, mas também buscado conceder maior liberdade para os jogadores intervirem na história do mundo virtual e contribuir com seu próprio

conteúdo,

três

áreas

onde

muitos

jogadores

frequentemente

demandam

aperfeiçoamentos (ACHTERBOSCH; PIERCE; SIMMONS, 2008). 3.2.4.1 Público O público dos MMORPGs tem se transformado muito desde seu início. Já há algum tempo que o estereótipo do jogador de video game como um jovem do sexo masculino socialmente inepto é comprovadamente equivocado. Dados de 2012 da Entertainment Software Association americana situam a idade média dos jogadores de video game em 30 anos, sendo que 68% deles estão acima dos 18 anos. Quanto ao sexo, 47% de todos os jogadores são do sexo feminino, um dos grupos que mais cresce no mercado, sendo que na faixa inferior aos 17 anos, superam os jovens do sexo masculino. Além disso, 62% dos jogadores de video game jogam com outros jogadores (ENTERTAINMENT SOFTWARE ASSOCIATION, 2012). O público dos MMORPGs é ainda mais diversificado que dos video games. MMORPGs apresentam uma variância maior de faixa etária, indo do início da adolescência até a terceira idade (WILLIAMS; YEE; CAPLAN, 2008), chegando até os 83 anos (GRIFFITHS; DAVIES; CHAPPELL, 2004). Além disso, o aspecto social dos MMORPGs permite aos jogadores participar de uma complexa matriz de relacionamentos on-line, o que para muitos deles é um dos grandes atrativos destes jogos. Talvez esta seja uma das razões pelas quais jogadores de MMORPG jogam mais horas por semana que jogadores de outros gêneros, e, contrariando o que é visto em outros gêneros de video games, jogadores adultos e do sexo feminino são os que dedicam mais tempo ao jogo (WILLIAMS; YEE; CAPLAN, 2008). É possível ver tal dedicação nas associações de jogadores, desde as de caráter mais permanente como as guildas, clãs e corporações até aos grupos formados temporariamente, seja para vencer um inimigo comum muito poderoso, seja para explorar as áreas e missões

63

http://www.guildwars2.com

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mais difíceis do jogo, chamadas masmorras (ou instâncias) e raides (dungeons e raids). Uma vez que a maioria dos MMORPGs se mantém por assinaturas ou algum tipo de cobrança por serviço continuado, as vozes das diversas comunidades discursivas participantes do jogo ganham mais importância do que em outros tipos de video game. Um exemplo disso pôde ser visto em EVE Online, um jogo de ficção científica que ocorre no espaço intergaláctico. A partir de 2008 a empresa criadora do jogo passou a realizar eleições periódicas para que os jogadores escolham democraticamente membros para o “concílio intergaláctico”, um corpo político que negocia diretamente com os game designers os rumos do desenvolvimento do video game, permitindo de forma inédita a participação de representantes eleitos pelos jogadores no direcionamento do mundo virtual (SCHIESEL, 2008). 3.2.4.2 Free to Play Nos últimos anos vem ocorrendo uma modificação quanto à forma de aquisição e distribuição dos MMORPGs. Desde o seu início, eles foram oferecidos como serviços de assinatura (sendo hoje apelidados de Pay to Play ou P2P): o usuário iniciava sua participação no mundo virtual mediante compra e instalação do software do MMORPG e pagava uma assinatura mensal para continuar jogando. Este modelo predominou por vários anos, mas recentemente outras formas de pagamento têm surgido. Alguns jogos, como o Guild Wars 2 e The Secret World, optaram por apenas efetuar a venda direta do software do MMORPG e garantir acesso ao jogo sem cobrar assinatura. Outro modelo cada vez mais popular é chamado Free-to-Play (ou F2P). No modelo F2P, também chamado de Freemium (free + premium), os jogadores podem participar do MMORPG sem pagamentos iniciais, mas têm à disposição diversos itens virtuais que podem adquirir no decorrer do jogo. Estes itens vão desde a assinaturas premium que dão certos privilégios no acesso ao conteúdo do jogo até a venda de itens virtuais, como montarias, animais de estimação e peças de vestuário (HOLMES, 2013). A intenção dos criadores do jogo, neste caso, é que jogadores que de outro modo não se arriscariam a comprar um MMORPG possam experimentá-lo livremente e eventualmente se tornar clientes pagantes. No oriente, o modelo F2P já é a forma padrão de comercialização dos MMORPGs e aos poucos se espalhou para o resto do mundo. Embora a princípio tanto jogadores quanto desenvolvedores olhassem o F2P com desconfiança, atualmente mesmo jogos famosos (como Star Trek Online, DC Universe Online e Star Wars: The Old Republic) migraram para o

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modelo F2P. Dados referentes a 2012 apontam que os jogos F2P tenderam a gerar mais lucro que os por assinatura (P2P) (US FREE-TO-PLAY... , 2012). A difusão do modelo F2P contribuiu para ampliar o acesso do público aos MMORPGs e isso é particularmente relevante no Brasil, onde grande parte da população, especialmente os mais jovens, não possui cartões de crédito. Não por acaso, MMORPGs F2P são muito mais comuns nas lan houses brasileiras do que os MMORPG por assinatura. Outra consequência da difusão do F2P foi ampliar a aceitação da compra de itens virtuais dentro de jogos, prática que anteriormente era desconsiderada pelos jogadores (TAKAHASHI, 2011). Estes fatores tornam o Brasil um mercado promissor para os jogos on-line e, já em 2010, uma pesquisa revelava o montante de U$ 165,5 milhões de dólares em compras de itens virtuais realizadas no país (BRAZIL ONLINE... , 2012). No mundo, o mercado para a compra de itens virtuais foi avaliado em U$14,8 bilhões de dólares em 2012 e mesmo os MMORPGs com assinatura, como World of Warcraft, passaram a adotar a venda de itens virtuais aos jogadores (WORLDWIDE... , 2012). 3.2.4.3

Serious MMOs O interesse do público nos MMORPGs levou a considerações sobre seu uso como

estratégias de aprendizado. Embora os altos custos tipicamente associados à produção de um MMORPG tornem menos frequentes o surgimento de projetos de aplicação destes jogos como serious games, existem iniciativas em curso buscando aplicá-los como novas formas colaborativas de aprendizado (HERZ, J.C., 2002). Recentemente, o Education Arcade, parte do Massachusetts Institute of Technology (MIT) recebeu subsídios de U$ 3 milhões de dólares para desenvolvimento de um MMORPG que melhore o aprendizado de Matemática e Biologia entre estudantes do ensino médio (MIT’s EDUCATION... , 2012). Também nos Estados Unidos, a Escola de Medicina da universidade de Yale anunciou em 2009 que um fundo de U$ 4 milhões de dólares seria utilizado para desenvolver um jogo com características de MMORPG, jogável em vários dispositivos incluindo smartphones, projetado para promover a prevenção do abuso de drogas, sexo e álcool em adolescentes (VIDEO GAME TO HELP... 2009). Entretanto, em funcionamento hoje existe apenas Quest Atlantis, lançado em 2006, que é um MMORPG simplificado, desenvolvido para ensino e aprendizado de crianças de 9 a quinze anos (figura 9). Ele apresenta um mundo virtual 3D, onde os avatares dos participantes realizam missões para salvar Atlântida de um desastre iminente. Quest Atlantis não chega a

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ser um mundo virtual livre como os MMORPGs mencionados, mas é estruturado em missões específicas e é previsto para ser jogado em sala de aula. Além de supervisionar as missões realizadas no MMORPG pelos alunos, os professores realizam atividades paralelas com as turmas que se combinam com o conteúdo on-line. Muitas escolas de todo o mundo já adotaram o jogo, que conta com 60 mil participantes, reportando sucesso em obter a participação dos jogadores através da sua abordagem lúdica (BARAB et al., 2005).

Figura 9 – Quest Atlantis

Cena da vila principal de Quest Atlantis, mostrando as informações do jogador à direita e a área de chat abaixo. Fonte: Indiana University (http://newsinfo.iu.edu/asset/page/normal/4530.html).

Existem também propostas para o uso de MMORPGs comerciais como ambiente de aprendizado para educação formal. Embora um MMORPG usado desta forma não possa ser considerado um serious game segundo a definição adotada nesta tese, pois não possui a necessária intenção de projeto, esta pode ser uma estratégia viável como método de ensino complementar. Em geral estas iniciativas exigem um facilitador (tipicamente o professor), para esclarecer a conexão das experiências em jogo com o conteúdo didático que se deseja apresentar ao estudante (SANDFORD et al., 2006). Para esta aplicação, são particularmente úteis os MMORPGs gratuitos, também chamados de Free to Play, pois permitem que estudantes participem do aprendizado sem nenhum custo adicional.

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Não existem ainda MMORPGs criados com foco em saúde. Além disso, a recente pesquisa realizada na União Europeia, mencionada no capítulo um, demonstrou um número pequeno de jogos para a saúde para múltiplos usuários (GEKKER, 2012b). Seu autor relaciona esta carência de jogos de saúde multiplayer com a falta de mecânicas de jogo pertinentes, ou seja, razões de retórica procedimental que justifiquem o jogo em coletividade. Assim, não seria suficiente criar um vídeo game sobre saúde que suportasse múltiplos jogadores, mas o mesmo teria que promover a compreensão dos jogadores sobre o porquê de haver outros jogando em conjunto e como esta interação seria relevante para se participar do jogo. Seria, portanto, essencial entrelaçar o coletivo na própria estrutura e temática do jogo. Analisando o sucesso de dois bem sucedidos jogos de entretenimento que incorporam aspectos de multiplayer, um de produção independente e outro produzido por um grande estúdio de game design, Gekker propõe elementos essenciais para aplicação em jogos multiplayer ou MMORPGs que pretendam abordar temas de saúde de forma atraente para os jogadores: ambiente persistente, que continuasse a funcionar mesmo na ausência do jogador para proporcionar um senso de urgência; jogo assíncrono, onde a interação dos jogadores não precisasse ocorrer simultaneamente, mas através de notas e mensagens deixados no mundo virtual; um ambiente aberto que permita experimentação e construção por parte dos jogadores; comunicação entre os jogadores e instruções sobre como jogar deliberadamente limitadas; e elevada dificuldade para o jogador. Os dois últimos itens, aparentemente contraproducentes, seriam justamente formas de incentivar a colaboração dos jogadores entre si, que teriam que se organizar coletivamente para enfrentar os desafios do jogo e também encorajá-los a levar suas deliberações estratégicas para outros espaços (virtuais ou não), ampliando assim seu contato e a reverberação do jogo para outros ambientes (GEKKER, 2012b). Estas propostas refletem a importância do aspecto de Construção nos vídeo games, descrito no capítulo três, estendendo-a para os MMORPGs, ocorra ela dentro ou fora do mundo virtual. World of Warcraft World of Warcraft é o mais bem sucedido dos MMORPGs. Desde seu lançamento em novembro de 2004, pela Blizzard Entertainment, World of Warcraft, ou WoW, como é apelidado, impressionou o público pelo cuidado técnico e artístico do seu mundo virtual e

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pelo gameplay64, de fácil aprendizado, mas pleno de sofisticação. É um jogo muito acessível para os iniciantes e esta característica contribuiu para que World of Warcraft acumulasse ao longo dos anos um número impressionante de jogadores, chegando a 12 milhões em 2010 (Acti-Blizz Q4 FY13: digital nets $1.54B, WoW subs slide, 2013). World of Warcraft tem em torno de si uma fértil cultura de participação. Os próprios jogadores produzem uma enorme quantidade de sites com guias e até vídeos explicando o jogo, histórias em quadrinhos, ilustrações e fanfics, vídeos e machinimas com histórias e piadas, melhorias da interface do jogo, reuniões de jogadores on-line e off-line e muitos outros produtos culturais inspirados por World of Warcraft (GLAS, 2010). Esta cultura dos jogadores é constantemente alimentada por uma vasta produção transmídia65 oficial: World of Warcraft já originou produtos como miniaturas, bonecos e brinquedos, romances no universo do jogo, séries de quadrinhos e mangá, camisetas e similares, aplicativos para smartphone, jogos de carta e de tabuleiro e até mesmo, em uma espécie de retorno às origens, um RPG de mesa. World of Warcraft é oferecido através de uma assinatura mensal. Com o passar dos anos, quatro expansões66 foram lançadas, adicionando novos reinos ao mundo de Azeroth, planeta ficcional onde se passa o jogo (figura 10).

Figura 10 – World of Warcraft e suas expansões

Imagens das caixas do jogo original (alto, à esquerda) e suas quatro expansões, respectivamente Burning Crusade, Wrath of the Lich King, Cataclysm e Mists of Pandaria. Fonte: Blizzard Entertainment (http://us.blizzard.com/en-us/). 64

Gameplay não tem tradução em português e se refere à experiência do jogador com determinado jogo, levando em conta tanto a interação que tem as regras do jogo quanto sua satisfação ao fazê-lo. É comum ver este termo traduzido como “jogabilidade”, mas esta última ainda carece de uma definição mais precisa e parece excluir os elementos de diversão mencionados, atendo-se aos aspectos formais das regras (VANNUCCHI; PRADO, 2009). 65 Narrativa transmídia (transmedia storytelling), no sentido dado por Henry Jenkins, significa a conteúdo que se move livremente entre diversos meios narrativos. Segundo Jenkins, os video games seriam mais um destes meios ao lado do cinema, televisão, quadrinhos e literatura (JENKINS, 2008). 66 Complementos ao MMORPG, compradas separadamente, normalmente introduzindo novas áreas de jogo, novos equipamentos e habilidades e em geral elevando o nível máximo potencial para os personagens.

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Mesmo entre as expansões WoW é um jogo em fluxo e há constantes atualizações e correções ao jogo. Também há acréscimos periódicos de novas missões e eventos sazonais inspirados em eventos do mundo real como dia dos namorados, Páscoa e Natal. Uma vez que é interesse da Blizzard manter os jogadores satisfeitos com o jogo, os desenvolvedores constantemente buscam introduzir novidades e tentam atender, na medida do possível, os seus desejos (GLAS, 2010). 3.2.5.1 Ambientação Existe uma história que cerca o jogo, procurando dar um sentido maior às experiências dos jogadores. World of Warcraft se passa no mesmo universo que a série de jogos estratégicos lançados anteriormente pela Blizzard denominada simplesmente de Warcraft e tem um estilo visual similar. Diferente dos jogos anteriores, entretanto, o foco é em um único personagem que é o avatar do jogador e a experiência do mundo é tridimensional. Além dos elementos típicos de fantasia, que recorrem a uma tradição que passa pelos CRPGs, MUDs e RPGs chegando até a obra de Tolkien, os game designers de World of Warcraft adicionaram material original ao longo dos anos incluindo elementos de ficção científica. Apesar disso existe um grande esforço dos criadores do jogo em manter um histórico coerente entre os jogos anteriores, World of Warcraft e suas expansões, e existem biografias detalhadas dos personagens mais importantes (NPCs) com quem os personagens dos jogadores irão eventualmente interagir. A geografia do mundo é igualmente detalhada (figura 1) e nos inúmeros espaços que compõem o jogo é possível ver diversos detalhes da sua história prévia (BLIZZARD, 2011d). Estes elementos fictícios históricos, geográficos e até culturais também são chamados de lore. 3.2.5.2 Forma de jogo Ao criar um novo personagem o jogador escolhe em que tipo de servidor este irá habitar. Existem três tipos básicos de servidores: Player versus Environment (PvE), Player versus Player (PvP) e Role-play (RP) sendo que este último incentiva a dramatização dos personagens pelos jogadores (roleplay). Um jogador pode variar entre estes servidores, mas estudos mostraram que a maior parte dos jogadores tende a preferir um tipo particular de jogo (COPIER, 2007).

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World of Warcraft se refere primordialmente a Azeroth, um mundo fantástico, habitado por outras raças além da humana. Este mundo é representado tridimensionalmente, na forma de um cenário que o jogador pode explorar com seu personagem. Azeroth é composto de diversos reinos, cada um bem distinto do outro, embora todos com detalhes fantásticos. O aspecto visual e trilha sonora são diferentes em cada cenário, assim como os habitantes e inimigos que o jogador encontra (figura 11).

Figura 11 – Cenário de World of Warcraft

Um dos muitos reinos de World of Warcraft. Captura de tela efetuada pelo autor.

Para iniciar no MMORPG, o jogador cria seu personagem (avatar) escolhendo sexo (masculino ou feminino), raça67 e classe68. Sexo ou raça têm apenas influência cosmética no funcionamento do jogo, mas as raças estão agrupadas em duas facções inimigas, a Aliança e a Horda, cuja guerra contínua justifica o título do jogo (figura 12). As classes determinam equipamentos e habilidades do personagem e influenciam muito como será o desenrolar da

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As raças estão divididas em facções, a Aliança (humanos, anões, elfos noturnos, gnomos, worgens, draeneis) e Horda (orcs, trolls, goblins, taurens, mortos-vivos, elfos sangrentos), sendo que décima-terceira raça, pandaren, pode optar por qualquer uma das facções. 68 As classes são comuns a todas as raças: Bruxo, Caçador, Cavaleiro da Morte, Druida, Guerreiro, Ladino, Mago, Monge, Paladino, Sacerdote e Xamã.

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experiência do jogador. Além destes passos iniciais, o jogador vai encontrar inúmeras outras opções no decorrer do jogo como profissões69, reputação e alianças (BLIZZARD).

Figura 12 – Avatares

World of Warcraft oferece uma variedade de escolhas para o avatar do jogador: sexo, raça, classe e profissão, além de inúmeras opções de vestimenta e armamento. Capturas de tela efetuadas pelo autor.

No jogo, o personagem cumpre tarefas como combate ou exploração de novos territórios, o que lhe rende pontos de experiência. Esta experiência lhe faz ganhar níveis, uma medida de progresso no jogo (um personagem recém-criado tem nível 1), abrindo novas possibilidades de uso de equipamentos, tesouros e aquisição de novas habilidades. O jogador pode explorar o ambiente tridimensional, interagindo com objetos, NPCs ou outros jogadores através do seu personagem. Também pode combater monstros (figura 13), NPCs ou outros jogadores (se estiver em um servidor PvP). Quando o personagem do jogador vence uma batalha, ele conquista tesouros, como moedas de ouro ou itens mágicos, como armas e armaduras, os quais são bastante procurados pelos jogadores. Cumprindo certos requisitos o personagem também faz conquistas (achievements), que são títulos concedidos aos jogadores

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As profissões permitem criar itens úteis durante o jogo como armas, armaduras ou poções mágicas. Cada personagem pode ter até duas profissões principais ou primárias (alfaiataria, alquimia, couraria, encantamento, engenharia, escrivania, esfolamento, ferraria, herborismo, joalheria, mineração) e qualquer número de profissões secundárias (arqueologia, culinária, pesca, primeiros socorros).

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pela realização de meta-objetivos (fora do escopo fictício do jogo), como matar 1000 inimigos, aprender a cozinhar ou conquistar 10000 mil moedas de ouro (BLIZZARD, 2011d).

Figura 13 – Combate

O combate pode ocorrer entre o personagem do jogador e animais, monstros, NPCs e outros jogadores. Pode ser à distância ou corpo-a-corpo, sozinho ou em grupo. Captura de tela efetuada pelo autor.

Apesar de o combate ser proeminente, os jogadores têm uma ampla variedade de atividades em jogo como especializar-se em profissões para poder produzir itens como armas e armaduras, comprar e vender objetos no leilão, explorar o mundo, aprender sua história, entrar em duelos ou combates em grupo contra a facção oposta ou interpretar dramaticamente (roleplay) um personagem. Assim, há uma ampla gama de estilos de jogo disponível aos jogadores, os quais frequentemente alternam entre estes diversos modos de experimentar o mundo virtual. As preferências de jogo de cada jogador vão influenciar as atividades que escolherá e também serão responsáveis pela imagem que vai formar de World of Warcraft (GLAS, 2010). Grande parte destas atividades se dá através das missões (quests), tarefas dadas ao jogador por determinados NPCs espalhados pelo mundo do jogo. Ao contrário de jogos anteriores como o Everquest, onde o avanço do personagem se dava através de ganho de experiência obtida primordialmente através de combate, World of Warcraft optou desde o seu início por basear a progressão dos jogadores em missões, a maioria delas encadeada de forma a compor uma narrativa mais ampla. Tais missões variam em dificuldade e complexidade como encontrar objetos perdidos, vencer um inimigo poderoso, entregar uma encomenda,

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escoltar um aliado, etc. Se o personagem falha na missão ele tem a chance de reiniciá-la sem penalidades (outro fator de acessibilidade para jogadores iniciantes ou menos habilidosos) e se é vitorioso, recebe pontos de experiência (em geral em mais quantidade do que combatendo inimigos isoladamente) e algum tipo de objeto mágico, arma ou equipamento como prêmio. Algumas missões são propositalmente difíceis para um jogador sozinho e o próprio NPC que passa a tarefa recomenda ao personagem que busque assistência de outros, estimulando desta forma o jogo em grupo (BLIZZARD, 2011b). 3.2.5.3 Espaço Social: grupos e guildas, masmorras e raides Uma das marcas registradas dos MMORPGs desde os seus primórdios é o jogo em grupo. Em World of Warcraft estes grupos podem ser até de cinco personagens e dividem os confrontos, mas também os espólios de cada oponente vencido. Além das missões mais perigosas, os grupos podem se aventurar em masmorras, áreas especiais, com inimigos mais poderosos e tesouros mais valiosos (figura 14).

Figura 14 – Jogo em grupo

É possível formar grupos ad hoc para aventuras em conjunto. Os jogadores dividem entre si os inimigos e os prêmios conquistados. Na parte de baixo da tela, à esquerda, é possível ver a área de chat, onde os jogadores podem trocar mensagens por escrito. Captura de tela efetuada pelo autor.

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Ao chegar ao nível máximo no jogo, é possível formar grupos maiores de dez ou vinte e cinco personagens para os raides, que são missões ainda mais longas e difíceis contra inimigos bem mais poderosos (figura 15). Normalmente os raides contam partes importantes da história de World of Warcraft e ao vencê-los os personagens têm a chance de obter alguns dos tesouros mais valiosos do jogo (BLIZZARD, 2011c).

Figura 15 – Masmorras e Raides

Masmorras e raides são cenários especiais, amarrados com a história de World of Warcraft. Masmorras são criadas para grupos de até cinco jogadores e raides para grupos de 10 a 25 jogadores. Estas áreas contêm tesouros mais cobiçados e inimigos muito mais poderosos. Captura de tela efetuada pelo autor.

Tipicamente, jogadores que gostam de se aventurar juntos formam uma guilda. Enquanto grupos e raides têm caráter temporário, uma guilda é uma associação mais permanente de jogadores com uma bandeira, recursos próprios e lideranças (BLIZZARD, 2011b). As guildas funcionam também como grupos de ajuda mútua onde os jogadores iniciantes podem obter mentores para as missões mais difíceis, assim como proteger uns aos outros dos rivais no caso de servidores PvP. Muitas guildas mantêm sites para ampliar as formas de contato entre os membros, compartilhar dicas ou agendar eventos dentro e fora do jogo (DUCHENEAUT et al., 2007). Algumas guildas são formadas por amigos e têm um foco mais nos relacionamentos que nos objetivos de jogo, muitas vezes não diferindo em seus efeitos de outras ferramentas de comunicação da internet como e-mail, mensagens instantâneas e redes sociais ou mesmo de reuniões de amigos para jogos de futebol no fim de semana. Já outras são

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mais competitivas (chamadas de raiding guilds) e ativamente recrutam os melhores jogadores buscando ampliar suas conquistas de forma a adquirir uma reputação no servidor por vencer os maiores desafios do jogo (os raides) mais rápido que outras guildas. Raiding guilds tendem a ter uma estrutura mais organizada, com regulamentos, regras e calendários de atividades detalhados, inclusive exigindo participação constante dos seus integrantes, os quais podem ser excluídos da guilda em caso de ausências não justificadas. Para muitos jogadores, pertencer ou mesmo liderar uma guilda muito bem sucedida nos raides (chamada de elite guild ou uber guild) é um sinal de prestígio e confirmação das suas capacidades como jogador (WILLIAMS et al., 2006). Um estudo realizado recentemente apontou que o exercício da liderança em guildas que praticam raides pode refletir beneficamente na liderança de um indivíduo em seu local de trabalho (XANTHOPOULOU; PAPAGIANNIDIS, 2012). Este fenômeno da guilda mais “profissional” está ligado à figura do power gamer ou jogador hardcore. Um jogador hardcore é aquele que leva determinado jogo a sério, tende a ser mais competitivo e dedica a ele grandes quantidades de tempo e/ou recursos, contrapondose a casual, o jogador que vê o jogo primariamente como diversão (FRITSCH; VOIGT; SCHILLER, 2006). Neste sentido, o hardcore ou power gamer é um jogador altamente investido no aspecto de instrumental play e procura otimizar ao máximo sua eficácia em jogo (TAYLOR, 2003). Em princípio, estes termos podem ser aplicados a qualquer tipo de video game, mas são mais frequentemente usados ao se referir a jogadores de MMORPGs. A fim de facilitar a atuação em grupo, o jogo dá aos jogadores a ampla variedade de meios de comunicação citada anteriormente, sendo que World of Warcraft foi um dos primeiros MMORPGs a incluir suporte nativo para comunicação por voz. As opções para comunicação via texto permitem se dirigir a qualquer personagem da sua facção (não é possível se comunicar com membros da facção oposta), não importando em que parte do mundo ele está. É possível enviar mensagens de texto para os personagens próximos e para todos os que estão em determinada zona. Também existem canais específicos para conversa via texto entre membros do grupo, membros do raide ou da guilda (BLIZZARD, 2011b). Além das atividades colaborativas, os jogadores podem se enfrentar mutuamente em PvP. Em World of Warcraft, o PvP é consensual ou seja, ambos os jogadores precisam optar por entrar em confronto. Este pode se dar entre facções opostas em campos de batalha específicos (figura 16), na conquista de objetivos globais em certas regiões ou ainda, caso o servidor seja PvP, em qualquer local do mundo (BLIZZARD, 2011c).

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Figura 16 – Campos de batalha

Nos campos de batalha grupos de 10, 15 ou até 40 jogadores se enfrentam. Captura de tela efetuada pelo autor.

Principalmente nos servidores de PvP são comuns os casos de griefing ou ganking, onde um jogador (chamado de griefer) intencionalmente tenta perturbar a experiência de jogo de outros, seja atacando-os sem provocação ou criando qualquer perturbação que de alguma forma prejudique a diversão dos demais. Embora de modo geral esta prática seja desencorajada pela comunidade de jogadores, os griefers não violam as regras do jogo, mas as normas de conduta social estabelecidas pelos jogadores. Muitas vezes eles o fazem manipulando os próprios sistemas de jogo de forma criativa, porém prejudicial aos outros (WEBBER, 2011). Este não deixa de ser um exemplo de cultura participatória discutida no capítulo 3 que acontece em World of Warcraft. Jogar um MMORPG como World of Warcraft pode ser tão social quanto um jogar em um time, com suas próprias regras, limites, normas sociais e desvios destas normas. Dentro dele, táticas, estratégias, objetivos e estilos de jogo fundamentam o mundo virtual para socialização, organização e surgimento de redes de relacionamentos que não raramente têm pouco a ver com o jogo original (WILLIAMS et al., 2006). As questões e resultados apresentados aqui sugerem que WoW [World of Warcraft] é de fato um vibrante terceiro lugar, povoado com uma gama de experiências sociais indo dos efêmeros grupos impessoais até

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relacionamentos profundos e continuados que se estendem off-line70 (WILLIAMS et al., 2006, p. 339, tradução nossa).

3.2.5.4 WoW no Brasil Uma das razões da escolha do World of Warcraft como ambiente de pesquisa foi, além da sua inegável importância no mundo dos video games, o fato de ser o único grande MMORPG com presença oficial no Brasil. A versão brasileira do WoW foi anunciada em 21 de julho de 2011 e efetivamente lançada em dezembro do mesmo ano. Foi dada aos jogadores brasileiros que já jogavam em servidores estrangeiros a possibilidade de transferir seus personagens e pagar a mensalidade em reais (BLIZZARD, 2011e). Além da criação de dois servidores para os brasileiros, o jogo foi todo traduzido e adaptado para o português falado no Brasil, tornando o português a sexta linguagem adicionada ao World of Warcraft. Tradução e dublagem incorporaram expressões idiomáticas, músicas, ditados e frases populares usadas no vocabulário mais coloquial brasileiro. Com isto, muitos brasileiros que não eram capazes de jogar por não dominar inglês ou por não possuírem cartões de crédito internacionais se tornaram assinantes. Junto com a vinda do World of Warcraft, os produtos licenciados da franquia passaram a ser vendidos no Brasil, incluindo romances, guias de jogo, camisetas e periféricos para computador (WOWGIRL, 2012). A base de jogadores no Brasil cresceu muito desde seu lançamento e em janeiro de 2013 World of Warcraft contava com cinco servidores brasileiros, sinalizando o sucesso do MMORPG no país (BLIZZARD, 2013). 3.2.5.5 O evento “Corrupted Blood” e sua relação com a epidemiologia A segunda razão para a escolha do World of Warcraft como ambiente de pesquisa sobre o potencial dos MMORPGs para a Comunicação e Saúde é porque nele ocorreu uma das primeiras (e a maior) epidemias virtuais. Este evento contribuiu para despertar o interesse a respeito dos video games sob uma ótica de saúde. Pela primeira vez este interesse se estendeu aos MMORPGs, tendo sido fartamente veiculado pela mídia (WARD, 2005). Corrupted Blood foi uma epidemia virtual, iniciada no dia 15 de setembro de 2005, que afetou uma população na época de seis milhões e meio de jogadores de World of Warcraft. Ela não começou desta forma, contudo, mas foi criada pelos game designers como 70

The questions and results presented here suggest that WoW is in fact a vibrant third place, populated with a range of social experiences ranging from ephemeral impersonal groups to sustained and deep relationships that extend off-line.

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parte da uma missão em grupo (uma masmorra chamada Zul’Gurub), um dos rotineiros acréscimos de novas áreas ao jogo. O principal inimigo nesta masmorra possuía a habilidade de causar uma doença mágica contagiosa que, ao atingir o personagem do jogador, drenava lentamente sua vitalidade. Era uma região isolada e designada para personagens de nível alto (mais resistentes), de forma que a doença, que durava apenas segundos, ficaria contida nos seus limites sendo apenas um elemento para aumentar o desafio e diversão dos jogadores. O que os desenvolvedores não puderam prever, entretanto, é que jogadores conseguissem sair da região portando a doença, carregando a praga para cidades populosas onde a contaminação rapidamente se espalhou. Personagens de nível mais baixo morriam imediatamente quando infectados e ao retornar ao jogo se infectavam de novo. A epidemia logo se tornou global, atingindo animais, monstros e NPCs, o que contribuía ainda mais para sua disseminação. Depois de cinco dias, a Blizzard finalmente conseguiu eliminar a doença, reiniciando todos os servidores de World of Warcraft, uma medida radical para tornar o jogo viável novamente (GRAFT, 2011). Mais tarde, o evento atraiu a atenção de epidemiologistas que investigaram o ocorrido. Os artigos de Balicer (2007) e o de Lofgren e Fefferman (2007), destacaram muitas similaridades entre o comportamento dos jogadores no mundo virtual e comportamentos observados no mundo real em grandes epidemias: jogadores guiavam seus personagens para fugir das áreas de quarentena (criadas pelos desenvolvedores do jogo para conter a epidemia), outros passaram a evitar áreas populosas para não se contaminar, inclusive atacando e matando personagens desconhecidos que se aproximassem demais. Enquanto alguns personagens iam para as áreas atingidas para tentar ajudar curando os doentes, outros tentavam espalhar o contágio para zonas ainda não atingidas, prolongando propositalmente a epidemia e devastando cidades inteiras (figura 17). Como uma epidemia no mundo real, Corrupted Blood iniciou em uma área remota e desabitada e foi levada por viajantes para regiões populosas; os hospedeiros podiam ser humanos e animais (o que a assemelha à gripe aviária); era passada por contato próximo e havia pessoas (no caso os NPCs) que poderiam contrair a doença sem demonstrar sintomas. A curiosidade de alguns jogadores em testemunhar a doença aumentou ainda mais seu alcance, um fator que comumente não era previsto em modelos epidemiológicos para disseminação de doenças (ORLAND, 2008).

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Figura 17 – Corrupted Blood

Durante a praga, os personagens dos jogadores morriam continuamente, cobrindo o chão das cidades de World of Warcraft com seus esqueletos. Fonte: Improvearts (http://www.improvearts.net/the-corrupted-bloodincident/).

Os dois artigos concluíram que tais similaridades justificam um estudo mais aprofundado e sistemático dos mundos virtuais como possíveis ambientes de pesquisa capazes de lançar luz sobre comportamento de populações humanas em epidemias reais. Na época chegou-se a se pensar em uma parceria entre a Blizzard e pesquisadores para desenvolver epidemias mais controladas e desta forma tornar o jogo um ambiente de pesquisa, mas até hoje o projeto não foi iniciado (ORLAND, 2008). Avatar e identidade O aspecto realista do episódio Corrupted Blood que tanto intrigou os epidemiologistas ilustra bem o apego que os jogadores têm aos seus avatares. À primeira vista poder-se-ia pensar que, uma vez que em World of Warcraft a morte de um personagem é um evento relativamente inofensivo (ele simplesmente retorna do cemitério e continua a jogar), os jogadores não se importariam tanto com a doença. Contudo, o que se observou é que os jogadores faziam enormes esforços para não se infectar, modificando radicalmente seus procedimentos dentro do jogo e, em alguns casos, abandonando o mundo virtual (BALICER, 2007; LOFGREN; FEFFERMAN, 2007).

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Parece existir uma identificação entre jogador e avatar mais profunda do que se pode pensar a princípio. Dentro do MMORPG o avatar se torna o “corpo digital” do jogador e não por acaso o avatar nestes jogos tem forma humana ou humanoide como elfos e orcs, uma vez que isto facilita a identificação do jogador e sua adaptação ao mundo virtual. As muitas formas de personalizar o avatar através de ajustes de aparência, estilos e cores de cabelo, roupas e adereços, armas e armaduras aprofundam esta identificação (KLASTRUP; TOSCA, 2009; TURKAYA; ADINOLF, 2010). Entretanto, como alertam os próprios participantes de role-playing, interpretar um personagem é uma ação volitiva e consciente e não parece haver uma supressão do eu do jogador por conta da sua participação no MMORPG (COPIER, 2007). É importante, portanto, entender melhor como se relaciona a identidade do jogador e de World of Warcraft e seu personagem. 3.2.6.1 Quem entra em jogo Existem muitas correntes de pensamento sobre a identidade na pós-modernidade. Nesta pesquisa, será enfocada primariamente a visão proposta por Sherry Turkle, presente em seus livros “A Vida no Ecrã: a Identidade na Era da Internet” (1997) e “Alone Together” (2011). Esta escolha se dá porque um dos primeiros ambientes de pesquisa de Turkle foram os MUDs (antecessores dos atuais MMORPGs) o que a aproxima muito do tema aqui tratado. Através de entrevistas e análise do comportamento de jogadores, Turkle chegou à conclusão de que nos espaços on-line, particularmente nos jogos de fantasia compartilhados como os MUDs e MMORPGs, fica evidente a transição de uma identidade modernista (linear, lógica, profunda, hierárquica) para uma pós-moderna (descentralizada, fluida, não linear e intuitiva). Não por acaso, os jogos e ambientes on-line ganharam tanta relevância: “[...] estamos a passar de uma cultura modernista do cálculo para uma cultura pós-modernista da simulação” (TURKLE, 1997, p. 28). Assim, Turkle aponta a existência de um “eu” plural e fragmentado no ambiente virtual. Ao contrário de uma identidade unitária, o meio on-line favoreceria identidades fluidas, constituídas em interação com os computadores: o Eu múltiplo. Para ela, os mundos virtuais seriam lugares por excelência do Eu múltiplo, onde se formariam novas relações entre as pessoas e as máquinas. A formação desse Eu seria constante, transformada pela linguagem e os outros personagens encontrados nos mundos mediados por computador teriam um papel relevante no estabelecimento de novas relações com a identidade. Seria um aprendizado experiencial e não premeditado, uma vez que “[...] a compreensão resulta da navegação

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aleatória pelos mundos mediados por computador, mais do que da análise e interpretação” (TURKLE, 1997, p. 22). A pesquisadora Jill Walker, também citando os video games e entre eles os MUDs, vai mais longe, destacando que neste gênero de jogos é mais explícita a distensão da identidade, devido ao controle direto do jogador sobre o avatar. Neste sentido a diferença entre “jogar” e “ser” tende a tornar-se difusa (WALKER, 2000). Difusa é uma palavra-chave aqui, uma vez que não se fala de uma relação mutuamente excludente entre identidades do jogador e do personagem, mas do surgimento de outras modalidades de experiência, adicionais à física, mediante a interação no jogo. Além do Eu múltiplo, Turkle observa aquilo que chama de Eu saturado. Este seria composto pela superposição das muitas facetas de um indivíduo, manifestas em diferentes interações e situações on-line, sobrepondo-se umas às outras dependendo de cada momento, muitas vezes em um jogo de forças e influenciando e até se imprimindo na mente de outros: “[...] as novas tecnologias da comunicação nos levaram a colonizar os cérebros uns dos outros. [...] Somos personalidades múltiplas e incluímo-nos uns aos outros.” (TURKLE, 1997, p. 383, 385). Apesar de reconhecer que para muitas pessoas a fragmentação de identidade que o meio on-line proporciona pode produzir desconforto e até conflitos, Turkle enxerga nestas múltiplas identidades vivenciadas nos jogos e outros ambientes on-line possibilidades terapêuticas, de autodescoberta e mesmo de autotransformação: “As identidades virtuais são objetos propiciadores do pensamento.” (TURKLE, 1997, p. 388). Elas não devem ser rejeitadas nem tampouco tomadas como uma vida “alternativa”, mas antes podem ser vivenciadas como espaço social de relacionamento e oportunidade de crescimento: No curso da vida, nós nunca nos “graduamos” do trabalho na identidade; nós simplesmente a retrabalhamos com os materiais à mão. De início, mundos sociais on-line proporcionam novos materiais. On-line, os comuns se representam como glamorosos, os velhos como jovens, os jovens como mais velhos. Aqueles de meios modestos usam joias virtuais elaboradas. No espaço virtual os deficientes andaram sem muletas, e os tímidos melhoraram suas chances como sedutores. Atualmente os jogos e mundos on-line são cada vez mais elaborados. O mais popular jogo por assinatura, World of Warcraft, coloca você, junto com 11,5 milhões de outros jogadores, no mundo de Azeroth. Lá, você controla um personagem, um avatar, cuja personalidade, dons naturais e habilidades adquiridas estão em contínuo aprimoramento enquanto assume uma profissão, explora o território, luta contra monstros e embarca em aventuras. Em alguns jogos, você pode jogar sozinho – quando então geralmente você tem inteligências artificiais por companhia, “bots” que assumem o papel de personagens humanos. Ou você pode se juntar com outros jogadores na internet para conquistar novos

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mundos. Isto pode ser um empreendimento altamente colaborativo, uma vida social em si mesma [...]71 (TURKLE, 2011, p. 158).

De forma semelhante, Sodré comenta sobre a estreita relação entre a participação em video games e MUDs a processos formativos de identidade: E a prática tem mostrado que videojogos e jogos de salão virtuais (a exemplo dos MUDs ou “domínios para múltiplos usuários”, onde multidões podem participar de um jogo ao mesmo tempo) funcionam como verdadeiros laboratórios para existência humana na rede cibernética, como lugares para experiências de construção e reconstrução de identidades. É a ilusão do jogo que cria os espaços artificiais onde o usuário pode “navegar” e relacionar-se (SODRÉ, 2002, p. 138).

Logo, o processo de assumir um avatar ou personagem on-line não promove um apagamento da identidade, antes uma ramificação dela em novas frentes. Desta forma, é possível dizer que existe uma constante formação de identidades múltiplas que ocorrem simultaneamente e de forma não exclusiva e também que este processo é socialmente determinado pelo ambiente on-line, mediante o contato entre indivíduos por meio de seus avatares. 3.2.6.2 Quem está no jogo Raph Koster, um dos game designers de Ultima Online define o avatar de forma resumida como “Uma constelação de estatísticas e dados que servem como um representante do jogador no servidor.” (KOSTER; VOGEL, 2007, slide 4, tradução nossa)72 Embora correta do ponto de vista tecnológico, esta definição deixa de fora uma ampla gama de fenômenos que os jogadores experimentam ao assumir um avatar. Em World of Warcraft, a quantidade de roleplayers (os jogadores que interpretam dramaticamente seus personagens) é bem reduzida em relação aos jogadores que aderem ao

In the course of a life, we never “graduate” from working on identity; we simply rework it with the materials at hand. From the start, online social worlds provided new materials. Online, the plain represented themselves as glamorous, the old as young, the young as older. Those of modest means wore elaborate virtual jewelry. In virtual space, the crippled walked without crutches, and the shy improved their chances as seducers. These days, online games and worlds are increasingly elaborate. The most popular “pay-to-play” game, World of Warcraft, puts you, along with 11.5 million other players, in the world of Azeroth. There, you control a character, an avatar, whose personality, natural gifts, and acquired skills are under continual development as it takes on a trade, explores the landscape, fights monsters, and goes on quests. In some games, you can play alone—in which case you mostly have artificial intelligences for company, “bots” that play the role of human characters. Or you can band together with other players on the network to conquer new worlds. This can be a highly collaborative endeavor, a social life unto itself […] 72 A constellation of statistics and data that serve as proxy for a player on the server. 71

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instrumental play, concentrando-se nos aspectos e desafios relacionados às regras do jogo. Isso não quer dizer, entretanto que estes últimos não façam um investimento significativo no seu personagem. Diversas pesquisas apontam uma relação profunda entre jogador e avatar, exemplificada em vários elementos. Por exemplo, observa-se principalmente entre os jogadores iniciantes de World of Warcraft a tendência de jogar com personagens da Aliança, o lado que tende a ser considerado “bom” e com as raças consideradas esteticamente mais belas. Dentro das raças da Aliança há predominância de humanos e elfos noturnos, novamente as raças consideradas mais belas pela maioria dos jogadores. Isso sugere que mesmo no mundo virtual, normas culturais e estéticas estão presentes na mente dos jogadores, uma vez que a maioria deles adere a estereótipos tradicionais de beleza (como as elfas noturnas, altas, sensuais e com trajes sumários) (DUCHENEAUT et al., 2006b). Quanto ao gênero, jogadores de World of Warcraft do sexo masculino, que tendem a se manifestar com mais frequência nos fóruns do jogo, acreditavam que a maioria das mulheres preferisse jogar com personagens que curam (sacerdote, xamã ou paladino). Ao invés disso, uma pesquisa analisando o público do jogo conduzida por Yee et al. (2011), mostrou que as jogadoras se distribuem igualmente pelas variadas classes. Entretanto, os mesmos dados apontam que quando homens decidem jogar com a classe de sacerdote (que efetuam curas), eles escolhem personagens femininos mais frequentemente do que quando jogam com as classes ofensivas e mais ativas fisicamente. Assim, o estereótipo acaba se tornando real no jogo não por conta das mulheres, mas por conta dos jogadores homens que jogam com personagens femininos, o que exemplifica processos complexos de construção da ideia de gênero ocorrendo no jogo (YEE et al., 2011). Outro exemplo são os indivíduos que, jogando com personagens mais altos e poderosos passaram a ser mais assertivos em negociações dentro e fora do MMORPG. Este fato ilustra aquilo que o pesquisador Nick Yee chama de “Efeito Proteus”: quando usuários entram em conformidade com os comportamentos esperados e atitudes associadas à aparência do seu avatar por parte de outros (YEE; BAILENSON, 2007). Desta forma, a criação de um avatar nunca é um processo unidirecional. Os estudos mostram que da mesma forma que a identidade do jogador influencia as decisões na criação de um personagem de World of Warcraft, os acontecimentos dentro do mundo virtual influenciam de volta o jogador. Ao assumir repetidamente avatares com maior poder dentro do jogo, os jogadores vivenciam mudanças não apenas na sua autoimagem, mas no seu comportamento em sociedade, que se torna mais afirmativo e participante (YEE; BAILENSON, 2007). Este elo

151

entre jogador e avatar é muito relevante ao se considerar a possibilidade do uso dos MMORPGs como estratégia de Comunicação e Saúde. O que está em jogo (e a expressão aí tem duplo sentido) é a formação de uma consciência de autocuidado; pode-se cogitar que, cuidando, protegendo e aprimorando seu avatar dentro do jogo, o jogador termine por incorporar estas noções na sua vida off-line. Conforme as próprias palavras de Yee: O Efeito Proteus tem implicações para sistemas mediados por avatares em geral, seja 2D ou 3D. Por exemplo, estes estudos do Efeito Proteus sugerem que oferecer avatares mais atléticos e fisicamente aptos no contexto de um video game para a saúde pode levar a melhores resultados do que oferecer um avatar que se pareça com o usuário. Nossos resultados sugerem que quaisquer conflitos de sinalização entre o usuário e o avatar são mais suscetíveis de ser resolvidos em favor do avatar (YEE et al., 2011, grifo nosso, tradução nossa)73.

Quanto ao aspecto de jogo especificamente, os MMORPGs trazem como característica essencial seu sistema de regras de jogo, o que os torna distintos dos mundos virtuais em geral. Regras, ambientação, histórico, geografia, mecânicas de jogo e demais elementos que são o meio por onde o avatar transita em World of Warcraft, são influências cruciais na experiência do jogador e elementos-chave no fator de atração exercida pelos MMORPGs. É razoável supor que a presença do lúdico no mundo virtual do MMORPG aja como um facilitador para o jogador se ajustar mais rapidamente ao Eu múltiplo citado por Turkle. Também neste contexto, James Paul Gee (2007) menciona a “identidade projetiva”, jogando com os dois sentidos do verbo “projetar”: tanto projetar valores e desejos no personagem virtual como enxergar tal personagem como um projeto pessoal em andamento, um ser que o jogador imbui com certa trajetória definida pelas próprias aspirações do que ele deseja que o personagem se torne. Esta entidade faria a mediação entre a identidade do mundo real do jogador e a identidade do personagem virtual e também, de certo modo, a mediação entre os aspectos de regras e ficção mencionados por Juul (2011). Assim, um personagem em um jogo nem sempre conseguirá fazer aquilo que o jogador deseja, seja por sua habilidade limitada, seja pelas limitações das regras inerentes ao video game. De igual forma, devido ao projeto pessoal do jogador, atitudes permitidas pelas regras de um jogo (por exemplo, roubar pessoas indefesas) podem parecer inadequadas ao personagem que o jogador deseja construir (GEE, 2007).

73

The Proteus Effect has implications for avatar-mediated systems in general, whether 2D or 3D. For example, these studies in the Proteus Effect suggest that providing more athletic and fit avatars in the context of a health game may lead to better outcomes than providing an avatar that resembles the user.” Our findings suggest that any cue conflicts between user and avatar are likely to be resolved in favor of the avatar.

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Destacando as conexões entre o físico e o virtual, Lemos (2012a, p. 98) declara que “as redes, enquanto espaço/lugar de socialização, de circulação de informação e de vínculos comunitários não está situado em um mundo à parte”. No âmbito dos video games, a consequência off-line desta bidirecionalidade seria o transbordamento de elementos de jogo para a vida cotidiana. No marketing, este fenômeno toma a forma de clubes de vantagens, pontos e medalhas por consumo de produtos e serviços, representado na prática já mencionada da gamification, embora muitos critiquem a associação de tais práticas com o conceito de jogos (BOGOST, 2010). Joost Raessens, por sua vez, enxerga a emergência daquilo que ele chama de “identidades lúdicas” (playful identities) com as quais, por meio da disseminação cada vez maior dos video games e jogos em geral, estaríamos reconstruindo nossas identidades para efetuar uma “ludificação” da cultura como um todo, de certo modo confirmando as perspectivas de Huizinga sobre as relações viscerais entre jogo e cultura (RAESSENS, 2006). No que tange à experiência de jogo em jogos como World of Warcraft, parece seguro dizer que o MMORPG não retira nada do jogador, antes adiciona novos elementos: não há um apagamento do “eu real” do jogador dentro de WoW, mas o personagem se torna uma nova ramificação para expressão da personalidade do jogador. É possível dizer que um jogador tem de fato um eu múltiplo, uma superposição das muitas facetas de um indivíduo, manifestas em diferentes interações on-line através de vários canais de expressão (TURKLE, 1997). Múltiplos níveis de identidade se conjugam e se superpõem na experiência em um MMORPG: assim, posso dizer que sou um jogador que assina o MMORPG World of Warcraft residente no Rio de Janeiro; sou um bruxo humano de nível 75 especialista em feitiços de destruição; sou Khoratus, um integrante da guilda Exalted que joga no servidor Thrall frequentemente me aventurando em companhia da caçadora Sassykissy e do mago Abomminor; e sou Khoratus, filho ilegítimo de um barão de Stormwind e uma camponesa, nascido em Northshire, mas levado ainda criança para Duskwood, onde recebi um longo e difícil treinamento em feitiçaria. Nos últimos anos uma nova identidade se somou às anteriores, a de um pesquisador observando o MMORPG com um olhar analítico. Nenhuma delas é mais verdadeira que as outras, assim como nenhuma delas está isolada das demais, de forma estanque. Desta forma, por um lado o jogador entra em um MMORPG e acrescenta ao seu Eu múltiplo um avatar escolhido e operado segundo uma bagagem cultural que transcende o meio on-line. Por outro lado, as experiências vividas no MMORPG ocorrem em jogo, mas também em um ambiente social (ainda que fantasioso), cujas normas e comportamentos afetam o personagem, por sua vez devolvendo ao Eu múltiplo influências negociadas

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socialmente que transbordam para o mundo físico. Neste sentido, um MMORPG cumpre perfeitamente o requisito de prover consequências na vida real, conforme a definição de serious games apresentada no capítulo anterior (RAESSENS, 2010b). Conforme previamente explicado, o conceito de círculo mágico, entendido como uma separação do mundo real, não será aprofundado nesta tese. Por outro lado, é válido salientar que os vídeo games produzem um espaço e tempo próprios (LEMOS, 2012b). Isto é particularmente verdadeiro no que tange aos MMORPGs, uma vez que prioritariamente simulam um mundo virtual com sua geografia e regras físicas e também por favorecerem a interação social entre os jogadores neste contexto compartilhado (TAYLOR, 2009). Tal espacialização, entretanto, parece ocorrer sem se dissociar do mundo físico e mesmo de outros ambientes virtuais (por exemplo, os jogadores que se comunicam via programas de comunicação por voz ou acessam redes sociais simultaneamente ao jogo). Assim, tal ambiente de jogo funciona em consonância com outras formas de relação, sendo claramente permeável ao mundo real e a outros aspectos da vida do jogador. O que MMORPGs como World of Warcraft fazem é sobrepor sobre a camada do mundo “comum” mais uma camada de uma experiência expandida. O trânsito constante e bidirecional entre identidade e personagem no MMORPG sofre influências do suporte tecnológico do jogo (que tanto limita certas sinalizações de identidade como abre espaço para novas formas de contato e expressão) e das mecânicas e regras do mesmo (uma vez que é também um jogo e não apenas um ambiente social). Contudo, conforme atestam as declarações de Sherry Turkle e os achados de Nick Yee, é um processo que chega ao indivíduo de forma socialmente condicionada (TURKLE, 1997; YEE; BAILENSON, 2007; TURKLE, 2011; YEE et al., 2011). É neste contexto de idas e vindas entre mundo virtual e físico cujas fronteiras são muito mais difusas e plásticas do que a princípio poderia parecer, que é possível considerar o uso de conteúdos de saúde em jogo que afetem o jogador no âmbito do autocuidado. Também se pode considerar o aproveitamento do mundo virtual do MMORPG como ambiente de expressão individual, atividade participatória em sociedade e autodeterminação em termos de saúde. A fim de averiguar estas ideias para que não se restrinjam apenas ao campo hipotético, é importante olhar de perto como a experiência de jogadores em World of Warcraft cria esta camada de experiência ampliada. Como forma de se investigar estas complexas negociações entre identidade, personalidade, jogador, avatar, participação e sociedade, procedeu-se a uma pesquisa empírica com jogadores brasileiros de World of Warcraft cujos detalhes serão descritos no próximo capítulo.

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Parte II - Theorycraft

74

74

Usado originalmente para descrever as discussões entre jogadores sobre quais seriam as melhores estratégias em combate, o termo hoje descreve o ato de analisar matematicamente o sistema de um jogo (normalmente um RPG) a fim entender seu funcionamento e as melhores formas de se beneficiar das regras. Theorycraft é uma forma de dissecar e desmontar o jogo, desembaraçando-o do mistério e do imponderável.

155

4

AS REGRAS DO JOGO Conforme visto na parte anterior capítulo 3, video games são procedimentais,

representando processos, sistemas e estruturas dinâmicas. Também são participativos, contando com o jogador como parte integrante de seu sentido final. MMORPGs por sua vez ainda têm o acréscimo de serem jogos onde se lida com regras, mas também um mundo virtual onde se habita. Portanto, como forma de alcançar os objetivos propostos, foi importante optar por um percurso metodológico que contemplasse estas características do objeto empírico estudado, que neste caso específico foi representado pelo jogo World of Warcraft. Além disso, face às questões que movem esta pesquisa, uma metodologia qualitativa pareceu desde o início o caminho apropriado, uma vez que permite responder questões particulares, não quantificáveis, relatando processos e fenômenos como motivos, valores e atitudes, os quais não são redutíveis a variáveis (MINAYO, 2002). Com estes pontos de partida, a metodologia envolveu: 1) a descrição do jogo; 2) a experiência direta com o jogo pesquisado; 3) entrevistas com jogadores; e 4) a elaboração propriamente dita do modelo para análise de MMORPGs. Embora a elaboração do modelo tenha ocorrido de forma articulada às entrevistas, esta será descrita em capítulo específico, enquanto os demais procedimentos serão descritos a seguir. Descrição do World of Warcraft O jogo foi descrito em detalhes à luz dos conceitos que remetem para as questões centrais desta pesquisa, tanto os advindos do referencial teórico relativo aos Game Studies como ao da abordagem teórica da Produção Social dos Sentidos. A descrição detalhada está exposta no capítulo 3 e inclui as dimensões: ambientação, descrevendo os aspectos ficcionais do jogo; forma de jogo, descrevendo a interação do jogador, seu universo de atividades e estrutura de regras; espaço social, detalhando as formas de contato, relacionamento e organização entre jogadores; presença no Brasil, descrevendo sua adaptação para implantação no país e consequências; relação com a saúde, detalhada na epidemia virtual que varreu o jogo; avatar e identidade, explanando as questões referentes ao uso do avatar enquanto representante virtual do jogador e suas relações com a identidade off-line.

156

Experiência do jogo Diversos estudiosos do campo dos Game Studies recomendam que pesquisadores de video games tenham alguma experiência de jogo dos títulos que estão pesquisando (WILLIAMS; SKORIC, 2005; CHEN, 2009). “Se não o fizerem, eles não podem saber que questões perguntar, decifrar a língua local, entender a mecânica do jogo, ou terem qualquer sentido do contexto social de jogo.”75 (WILLIAMS et al., 2006, p. 342, tradução nossa). Isto é particularmente verdadeiro quanto à pesquisa sobre MMORPGs, dado o contexto social mais denso que forma e circunda o jogo (BARNETT; COULSON, 2010). Assim, mesmo que o pesquisador não esteja trabalhando especificamente com observação participante ou outros métodos de caráter etnográfico, ele colhe benefícios de uma experiência direta com o jogo em questão (AARSETH, 2003; GLAS, 2010). Seguindo tais recomendações, dediquei parte de meu tempo a explorar as diversas facetas de World of Warcraft. A experiência com o jogo me permitiu

compreender

melhor

o

vocabulário

dos

entrevistados

e

contextualizar

adequadamente suas falas. Desta forma, procurei ampliar meu conhecimento prévio desse jogo específico, diversificando e intensificando minhas atividades em jogo a fim de obter uma visão mais ampla do mesmo. Durante seis meses participei ativamente de World of Warcraft através de sessões de jogo que variavam de duas a quatro horas de duração, ocorrendo duas ou três vezes por semana. Dentre outras atividades, joguei com 14 personagens de ambas as facções (Horda e Aliança), com todas as raças (humano, anão, elfo noturno, gnomo, worgen, draenei, orc, troll, goblin, tauren, morto-vivo, elfo sangrento e pandaren) e com todas as classes (Bruxo, Caçador, Cavaleiro da Morte, Druida, Guerreiro, Ladino, Mago, Monge, Paladino, Sacerdote e Xamã). Este grupo de personagens possuía representantes de ambos os sexos e das diversas profissões, tanto primárias (alfaiataria, alquimia, couraria, encantamento, engenharia, escrivania, esfolamento, ferraria, herborismo, joalheria, mineração) quanto secundárias (arqueologia, culinária, pesca e primeiros socorros). O quadro (quadro 2) a seguir traz uma relação dos personagens que usei durante este período, detalhando sexo, classe e profissões:

75

If they do not, they cannot know what questions to ask, decipher the local language, understand the game mechanics, or have any sense of the social context of play.

157

Quadro 2 – Personagens usados na experiência do jogo

76

Nome Khoratus

Sexo M

Raça Humano

Classe Bruxo

Lyrianna

F

Elfo Sangrento

Caçador

Phylemon

M

Draenei

Paladino

Molassar

M

Morto-vivo

Mago

Stalaran

M

Elfo noturno

Druida

Roruk

M

Orc

Xamã

Valeric

F

Gnomo

Ladino

Keldrett

M

Worgen

Sacerdote

Shardik

M

Tauren

Guerreiro

Roduk

M

Anão

Caçador

Kashuin

F

Pandaren

Monge

Profissões76 Alquimia Herborismo Arqueologia Culinária Pesca Primeiros Socorros Alquimia Herborismo Arqueologia Culinária Pesca Primeiros Socorros Joalheria Mineração Culinária Pesca Alfaiataria Encantamento Arqueologia Culinária Couraria Esfolamento Culinária Ferraria Mineração Primeiros Socorros Engenharia Arqueologia Mineração Culinária Primeiros Socorros Alfaiataria Encantamento Pesca Couraria Esfolamento Culinária Primeiros Socorros Ferraria Mineração Culinária Pesca Herborismo Escrivania Arqueologia Culinária Primeiros Socorros

Cada personagem em World of Warcraft pode ter apenas duas profissões primárias. Não há limite para as secundárias.

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Jekhala

F

Troll

Ladino

Neredhi

F

Draenei

Cavaleiro da Morte

Izzyl

M

Goblin

Mago

Engenharia Mineração Culinária Pesca Joalheria Mineração Primeiros Socorros Herborismo Escrivania Arqueologia

Produção do autor.

Por meio destes personagens participei de várias atividades: combates e missões (PvE), combates contra outros jogadores nos campos de batalha (PvP) e em duelos isolados, masmorras, raides, conquista de tesouros (ouro, armas, armaduras e outros objetos mágicos), jogo em grupo com amigos, jogo em grupo com desconhecidos, exploração dos diversos reinos que compõem o mundo de Azeroth, prospecção de matéria prima usando herborismo (para encontrar e colher ervas), esfolamento (para obter couro e peles dos animais abatidos) e mineração (para obter minérios e pedras preciosas), confecção de itens usando alfaiataria (traje e adereços), alquimia (poções e elixires mágicos), couraria (armaduras e adereços de couro), encantamento (conferindo poderes mágicos a objetos comuns), engenharia (dispositivos mecânicos e ferramentas), escrivania (glifos ou inscrições mágicas), ferraria (armas e armaduras de metal) e joalheria (medalhões e anéis mágicos), conversas com jogadores dentro e fora do jogo, participação em duas guildas diferentes e diversos encontros comunitários. É importante frisar que, embora tal experiência de jogo por meio dos diversos personagens possua certas características de uma observação participante, não houve uma participação na rotina diária de um grupo específico de jogadores dentro de World of Warcraft. Antes, seu intuito foi, através da observação do mundo virtual, das minhas próprias práticas de jogo e da observação de outros jogadores, obter um conhecimento diversificado em primeira mão das variadas formas de atividades em World of Warcraft, do jargão usado pelos jogadores, da geografia e história do mundo virtual de Azeroth e das regras e mecânicas do jogo com suas possibilidades e limitações. Neste sentido, esse período foi inestimável para uma compreensão mais ampla do jogo e de seus participantes, proporcionando mais subsídios para estruturar a coleta de dados e conhecimento experiencial de muitos elementos típicos do jogo que apareceriam mais tarde nas falas dos jogadores entrevistados (que passariam despercebidos por mim). Em um primeiro momento da pesquisa foi considerado o uso da etnografia em uma das suas muitas vertentes aplicadas ao meio virtual, as quais se distribuem nos mais diversos

159

campos (FRAGOSO; RECUERO; AMARAL, 2011). Existem vários exemplos bem sucedidos de aplicação da etnografia no campo dos Game Studies, seja na forma de artigos ou de livros (YEE, 2003; STRANGELOVE, 2007; KLASTRUP, 2009; NARDI, 2010). Isso ocorre em parte porque, dada a sua preocupação em considerar o aspecto da cultura nos video games, o campo de Game Studies se torna um espaço fértil para a utilização de modelos e técnicas trazidas da Antropologia (BOELLSTORFF, 2006). Assim, etnografia on-line, etnografia virtual, netnografia e virtual video ethnography foram avaliadas como possíveis técnicas para a coleta de dados (VASCONCELLOS; ARAUJO, 2011). Entretanto, embora seja uma técnica muito versátil, a etnografia realizada em ambientes on-line tem seus limites e “não permite ao pesquisador entender o que as pessoas pensam sobre aquele meio, qual é a sua função em suas vidas cotidianas e como elas se percebem através do uso” (ISABELLA, 2007, tradução nossa)77. Além disto, conforme a pesquisa bibliográfica avançava, foi se evidenciando que o mais importante para o estudo em curso não era tanto o que ocorria dentro do jogo, mas o que os jogadores traziam do mesmo para suas vidas off-line, conforme estabelece a definição de serious games apresentada no capítulo 3. Assim, procurei focalizar a investigação nos efeitos dos MMORPGs no mundo real e esta necessidade me levou a buscar outra técnica como método mais adequado para coletar os dados relevantes para esta pesquisa. Entrevistas A entrevista em profundidade é uma técnica qualitativa que propicia obter percepções e experiências dos sujeitos da pesquisa, não se preocupando com representação numérica ou estatística, mas com a especificidade da vivência pessoal (DUARTE, 2009). Sua utilização torna possível explorar determinados assuntos ou as experiências passadas dos entrevistados, descobrir como percebem estas experiências e sua avaliação das mesmas, uma vez que: “[...] permite ao informante [sic] retornar sua vivência de forma retrospectiva, com uma exaustiva interpretação. Nela geralmente acontece a liberação de um pensamento crítico reprimido e que muitas vezes nos chega em tom de confidência. É um olhar cuidadoso sobre a própria vivência ou sobre determinado fato. Esse relato fornece um material extremamente rico para análises do vivido. Nele podemos encontrar o reflexo da dimensão coletiva a partir da visão individual.” (NETO, 2002, p. 59).

[…] it doesn't allow the researcher to understand what people think about that medium, what is its function in their everyday lives is and how they perceive themselves through the use. 77

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Este entrelaçamento da dimensão individual e coletiva é particularmente importante para o tema deste trabalho, o que é mais um motivo para a escolha desta técnica. Embora a entrevista tenha pontos em comum com a observação participante, ela não ocorre em campo, mas em ambientes distintos previamente destacados. Apesar de obter informações de forma indireta, por meio do relato dos entrevistados, a técnica da entrevista é adequada para esclarecer a experiência humana subjetiva. Conforme ressaltam Taylor e Bogdan (1992), entrevistas permitem o pesquisador apreender a maneira como seus entrevistados compreendem o mundo e a si mesmos, obtendo percepções e narrativas de eventos passados e atuais, embora não garantam que, com base nelas, se possa prever como as pessoas agirão em situações ainda não vividas. Desta forma, o uso de entrevistas atendeu à preocupação maior: obter as percepções dos jogadores a respeito de World of Warcraft e descobrir o que levavam “para fora” do mundo virtual, seja na forma de influências do avatar em sua personalidade real, na forma de conteúdos do jogo expressos em suas falas e produção cultural ou ainda na forma de extensão de laços sociais para além da realidade do jogo. As falas coletadas por meio das entrevistas permitir-me-iam entender como os jogadores davam sentido à vivência que tinham tido nos momentos dentro de World of Warcraft e como reinterpretavam e verbalizavam estes momentos quando fora do mesmo. Em última instância, as entrevistas foram relevantes como forma de verificação e refinamento das categorias analíticas a serem propostas no modelo para a análise e desenvolvimento de MMORPGs. Seleção dos participantes Foi estabelecido inicialmente o mínimo de vinte entrevistados, número que se considerou suficiente para incluir representantes de ambos os sexos, diferentes faixas etárias, níveis de escolaridade e características típicas de jogo, como preferência de forma de jogo, experiência no jogo, participação com outros e forma de atuação em grupo. Um grupo inicial de sete jogadores foi selecionado mediante indicação do capítulo do Rio de Janeiro da International Game Developers Association (IGDA), instituição que congrega game designers, mas também aficionados por video games em geral. Estes sete entrevistados iniciais indicaram outros para serem entrevistados. O processo de sucessivas indicações foi encerrado ao se constatar a ocorrência de saturação de dados (predomínio de informações redundantes). Os requisitos para inclusão de um indivíduo na pesquisa foram: ser jogador de World of Warcraft, maior de dezoito anos e residente no Rio de Janeiro. Embora os video games digam

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respeito a todas as faixas etárias, optou-se por estabelecer uma idade mínima devido a requisitos éticos e também ao fato de que menores tendem a ter mais limitações em termos de escolha de amigos e participação em sociedade. A escolha por jogadores brasileiros ao invés de uma amostra internacional deveu-se aos objetivos da pesquisa, em especial o objetivo geral, que busca dimensionar o valor estratégico dos MMORPGs para a Comunicação e Saúde no Brasil. A residência no Rio de Janeiro foi um critério relacionado à viabilidade da pesquisa, uma vez que permitiu conduzir as entrevistas face a face. Privilegiei uma variação de faixa etária, cultural e social, com representantes de ambos os sexos, a fim de obter relatos e pontos de vista diversificados sobre a experiência do jogo (quadro 3). Também procurei selecionar participantes com variados estilos de jogo e posições dentro do jogo: de ambas as facções, classes diferenciadas, jogadores solitários, líderes em guildas, novatos, experientes, jogadores de PvP e de PvE, entendendo que a relevância de cada fonte relacionava-se com a sua contribuição potencial para responder às questões de pesquisa (DUARTE, 2009). Ao final do processo de seleção, foram conduzidas entrevistas com 22 jogadores de World of Warcraft, residentes no Rio de Janeiro, no período de março a junho de 2012.

Quadro 3 – Variação de sexo, escolaridade, formas de jogo

Sexo Escolaridade Forma de jogo Experiência de jogo Jogo com outros Atuação em grupo

Masculino 15 Superior (completo ou em curso) 15 PvP 7 Novato 6 Solitário 4 Participante 18

Feminino 7 Pós-graduação 7 PvE 15 Experiente 16 Grupo ou guilda 18 Líder 4

Produção do autor.

As questões norteadoras e o roteiro de entrevista As questões que, por sua centralidade nos interesses da pesquisa, nortearam a formulação do roteiro de entrevista foram: 1. Quais os fatores que atraem e mantém o jogador interessado em World of Warcraft?

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2. Como é a relação do jogador com seu personagem (avatar) e com os outros jogadores dentro e fora do jogo? 3. A participação do jogador em World of Warcraft repercute em sua vida em outros ambientes fora do jogo? Como isso ocorre? A primeira parte da entrevista constou de dez questões objetivas, reunindo os dados básicos do entrevistado e sua experiência inicial com o jogo, a fim de contextualizar as respostas seguintes. A segunda parte consta de quinze questões abertas, que se agregam em torno das três questões norteadoras: relação com o jogo e mundo virtual (pergunta 1), relação com o avatar e outros jogadores (pergunta 2), participação dentro e fora de World of Warcraft (pergunta 3). O roteiro com as perguntas feitas aos jogadores pode ser visto a seguir (Quadro 4):

Quadro 4 – Roteiro da Entrevista

I - Identificação dos sujeitos entrevistados 1. Idade 2. Sexo 3. Estado Civil 4. Escolaridade 5. Profissão 6. Há quanto tempo joga video games? 7. Há quanto tempo joga jogos on-line? 8. Há quanto tempo joga World of Warcraft? 9. Joga com mais de um personagem? 10. Tem um personagem principal? É do mesmo sexo que você? II - Perguntas 1. Como é uma típica sessão de jogo em termos de horário do dia e duração? Quais suas principais atividades dentro do jogo? 2. Enquanto jogador, como você tende a ser casual, hardcore ou algo entre os dois? 3. O quanto é importante para você aprimorar seu personagem? 4. Prefere jogar contra monstros ou contra outros jogadores? 5. Costuma jogar solo ou em grupo? Existe um grupo rotineiro? 6. Seu(s) personagem(s) pertence a alguma guilda? Ela foi formada a partir de amigos que já se conheciam ou de pessoas que se conheceram dentro do jogo? 7. Já conheceu alguém no jogo cujos contatos se estenderam para outros ambientes como Facebook, Twitter, e-mail ou mundo físico? 8. Participa de fóruns (oficiais ou não) sobre o jogo? Acompanha blogs ou outras formas de divulgação sobre World of Warcraft? 9. Já produziu algum conteúdo (texto, post, comentário em redes sociais, desenho ou cartum, vídeo ou machinima) usando conteúdo ou inspirado pelo jogo?

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10. Joga em servidores brasileiros ou estrangeiros? O que achou da vinda de World of Warcraft para o Brasil? 11. Como é seu relacionamento com outros jogadores? 12. Quais são os fatores de atração que o jogo exerce sobre você? O que aprecia mais no jogo? 13. Um jogo que se estenda para outros ambientes on-line (como sites e redes sociais) seria mais interessante? 14. Como um jogo que aborde temas da saúde poderia atrair você? 15. Os video games podem ser uma mídia usada em favor da comunicação em saúde? Como? Produção do autor.

A partir dos primeiros entrevistados ficou clara a necessidade de alteração de uma das questões. A questão 10 era originalmente “Você joga em servidores brasileiros ou estrangeiros? O que achou da vinda de World of Warcraft para o Brasil?”, mas descobri que alguns entrevistados jogavam em servidores de World of Warcraft “piratas”, ou seja, mantidos por particulares sem vínculo ou autorização da Blizzard, oferecendo acesso gratuito aos jogadores. Como para alguns destes entrevistados parecia embaraçoso levantar o assunto dos servidores piratas, incluí o tema diretamente na pergunta, alterando-a para “Você joga em servidores brasileiros ou estrangeiros? Você joga nos servidores oficiais da Blizzard ou em servidores alternativos? O que achou da vinda de World of Warcraft para o Brasil?”. Aplicação das Entrevistas As entrevistas propriamente ditas foram agendadas através de telefone ou e-mail e realizadas segundo a conveniência de cada informante e no local de sua preferência. Não houve recusas na participação da pesquisa, assim como não houve recusas dos entrevistados em responder a qualquer pergunta. Cada entrevista se iniciou com uma apresentação curta e informal sobre o meu tema de pesquisa e seus objetivos. O entrevistado era informado do tempo esperado de duração da entrevista e era solicitada sua permissão para gravação em áudio. Após sua assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido (Apêndice B), a entrevista era iniciada, sendo gravada em áudio digital, armazenada em arquivo de formato MPEG-4 Áudio (.m4a) e posteriormente transcrita para análise. Em paralelo à gravação, anotações escritas eram tomadas a cada entrevista, explicitando o tom do entrevistado, seus gestos, descrevendo seu entusiasmo ou impassividade em relação a certos temas ou ainda registrando observações momentâneas. As entrevistas duravam de 30 a 60 minutos, dependendo de cada entrevistado.

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As entrevistas foram semiabertas e semiestruturadas, sendo que o roteiro de perguntas sofria pequenas variações em função do encaminhamento das respostas do entrevistado. A despeito disto, todas as perguntas foram feitas e respondidas em todos os casos. O tom do entrevistador foi neutro, mas buscou-se criar um ambiente de naturalidade e informalidade, dado o tema geral das entrevistas e a importância de se estabelecer a necessária relação de confiança com os entrevistados. Ao final de cada entrevista era perguntado ao entrevistado se ele gostaria de complementar alguma questão ou acrescentar algum comentário relacionado ao assunto. Alguns entrevistados se abstiveram, mas a maioria teceu comentários variados sobre o jogo, sua experiência pessoal e a vinda do jogo para o Brasil. A análise das entrevistas foi realizada utilizando-se das categorias conceituais relevantes na abordagem teórica privilegiada na tese, mais especificamente as relativas a particularidades dos MMORPGS, que são marcados pela coexistência das regras de jogo com uma intensa troca social. As categorias, que levam em conta as peculiaridades desse tipo de jogo, tanto no seu aspecto de jogo quanto no seu aspecto de comunicação inserida em um contexto social, estão presentes no modelo de análise de games proposto na tese. A análise será apresentada na parte III, de forma integrada à sistematização da construção do modelo e cumpriu papel importante como procedimento metodológico, por permitir experimentar de forma aplicada a pertinência dos conceitos relativos à compreensão pelos jogadores da experiência de jogo coletivo, que é central na possibilidade de utilização dos MMPORPGS no campo da saúde. O modelo, denominado Modelo de Análise Relacional de MMORPGs: Contextos e Dispositivo (ARM), originou-se a partir da composição de dois modelos teóricos que funcionam de forma complementar: o Modelo da Comunicação como Mercado Simbólico, proveniente do campo da comunicação e proposto por Inesita Soares de Araujo (ARAUJO, 2002), privilegiando alguns de seus elementos conceituais e o Gaming Dispositif, um modelo mais geral de análise de serious games proposto por Joost Raessens (2009). O processo de construção do modelo será apresentado no próximo capítulo. Comitê de ética A participação na pesquisa foi realizada de forma voluntária pelos entrevistados, com assinatura prévia do termo de consentimento livre e esclarecido (Apêndice B), respeitando a determinações éticas da resolução no 196/96, do Conselho Nacional de Saúde, que dispõe

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sobre pesquisa envolvendo seres humanos. A pesquisa teve aprovação prévia do Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio / Fiocruz (CEP EPSJV) sob o protocolo número 2012/0188 (Anexo). O anonimato dos jogadores entrevistados foi respeitado e em nenhum momento o nome dos mesmos foi exposto. O material gerado na coleta de dados (gravação digital e termo de consentimento livre esclarecido) será armazenado por cinco anos e destruído ao término desse período. Para garantir o anonimato dos participantes, foram conferidos pseudônimos para referir o autor de cada fala, selecionados dentre uma lista com os nomes de personagens mais populares em World of Warcraft, levantados por um serviço especializado em coletar dados do jogo. Os nomes vão de variações de nomes de personagens de outros jogos e obras de fantasia a trocadilhos com as raças e profissões do jogo, refletindo bem as diversas maneiras e disposições com o que os jogadores assumem um personagem em World of Warcraft (MCCURLEY, 2011). Os pseudônimos, que foram arbitrariamente assinalados aos entrevistados e não se referem aos seus personagens dentro do jogo, são: Abominor, Actæon, Alestrom, Altair, Badshot, Bowmie, Crash, Dotctor, Envenom, Executie, Grimsheeper, Healium, Merlina, Morea, Palatinus, Plagueknight, Ragebar, Shammurai, Skillstorm, Thornstar, Thrasia e Waerloga.

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ARM – UM MODELO DE ANÁLISE E PRODUÇÃO DE VÍDEO GAMES PARA A SAÚDE Os esforços de pesquisa anteriormente descritos objetivaram fundamentar a

formulação de um modelo de análise de video games que fosse capaz de considerar as especificidades dos MMORPGs. No final da linha, há o objetivo geral de compreender e dimensionar o potencial dos jogos massivos on-line para as políticas públicas e práticas da comunicação em saúde no Brasil. O modelo de análise é parte central nesse dimensionamento, uma vez que permite analisar um MMORPG em suas múltiplas facetas, analisadas à luz de categorias relevantes para a promoção da saúde, dentro dos princípios do SUS e da proposta de uma comunicação consoante com esses princípios. Para a elaboração do modelo, além dessas categorias, dois movimentos foram centrais: a articulação de elementos conceituais e metodológicos de dois outros modelos analíticos e as entrevistas com um grupo de jogadores. Inicialmente serão apresentados os dois modelos constituintes, em suas especificidades e elementos privilegiados. Na sequência, o modelo de Análise Relacional de MMORPGs: Contextos e Dispositivo (ARM) será apresentado, tendo como contraponto o aporte da fala dos entrevistados. Por fim, serão apresentados e comentados os temas que emergiram das falas, fazendo a transição para a conclusão da tese. CLASS BUILDS78 Os dois modelos que formaram os pilares da proposta do modelo ARM já encerram em si potencialidade analítica em relação a uma estratégia ou prática de comunicação e saúde ou aos games. A necessidade de propor um novo modelo veio da constatação de que a proposta desta tese situa-se na interface dos dois: trata de vídeo games, porém no campo da comunicação e saúde, que opera no contexto de um sistema de saúde. Por outro lado, está voltado particularmente para os MMORPGs e não para games em geral. Assim, foi buscada uma combinação de elementos dos dois modelos que pudesse atender às necessidades específicas da presente proposta. Os modelos provêm dos dois campos de estudo que foram mobilizados na pesquisa: do campo dos Game Studies, usei o modelo do Gaming Dispositif como forma de analisar os

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Em World of Warcraft, class buids se referem às formas tradicionais de selecionar os talentos de um personagem, adaptando-o para uma função específica de jogo. São otimizadas para determinados fins, entretanto, e muitos jogadores fazem modificações nelas para adaptá-las a suas preferências e estilos de jogo.

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video games; do campo da Comunicação e Saúde, utilizei o Modelo da Comunicação como Mercado Simbólico, como forma de entender os contextos que codeterminam o modo de participação nos jogos. A seguir, os modelos são descritos, em seus componentes privilegiados. Comunicação como Mercado Simbólico – a força dos contextos A perspectiva teórica da produção social dos sentidos estuda a prática discursiva, cuja materialidade apresenta-se nos textos. O texto, entretanto, não se limita à escrita, nem o discurso ao que é falado, conforme define Araujo: Um texto é um conjunto de enunciados, algo que pode ser delimitado. Não se restringe, porém aos escritos: uma música, por exemplo, pode ser considerada um texto. Um discurso, mais do que um conjunto de textos, é uma prática e seus limites precisos não podem ser estabelecidos, a não ser por uma decisão arbitrária do analista, para fins de estudo, quando então se delimita um corpus discursivo, formado por um determinado número de textos (ARAUJO, 2000, p. 131).

A proposição central da perspectiva é a de que os sentidos são produzidos socialmente, opondo-se à ideia de que os símbolos têm um significado imanente. O próprio termo “significado”, que sugere uma delimitação finalizada e cristalizada, é preterido em relação a “sentido”, apontando para sua pluralidade e maleabilidade no espaço e no tempo e de acordo com os diversos contextos. Entretanto, os sentidos tanto são codeterminados pelas relações sociais como participam de sua determinação (ARAUJO, 2000). A perspectiva teórica da produção social dos sentidos está na base do Modelo da Comunicação como Mercado Simbólico, proposto por Araujo em 2002, já antecipado no capítulo 1.2. Relembrando seus elementos centrais, o Modelo do Mercado Simbólico percebe a comunicação como um processo de produção, circulação e consumo/apropriação de bens simbólicos, trazendo assim para a comunicação a abordagem de uma economia simbólica. Ressalta, no entanto, que este mercado opera numa sociedade desigual, em que os poderes de produzir e fazer circular seus sentidos são desiguais, assim como as condições de consumo/apropriação. Desta forma, o modelo inclui como um de seus elementos centrais, a ideia de centro e periferia discursivos, que são posições móveis e negociáveis. Sendo um modelo produtivo, os sentidos circulantes são permanentemente negociados, de acordo com os interesses tanto dos que estão mais ao centro como os que estão mais na periferia. Ambos disputam seu modo de perceber os objetos, fatos, processos e

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relações na sociedade, mas também sempre disputam melhores posições discursivas. O trânsito entre posições de maior ou menor poder é facilitado ou dificultado por um conjunto de elementos que Araujo chamou de “fatores de mediação”. Interesses, relações competências, discursividades, dispositivos de comunicação e o aparato normativo e regulatório são ordens de fatores destacados pela autora (ARAUJO, 2002). Sendo um modelo reticular, essa negociação é processada pelos indivíduos e comunidades discursivas, considerados “interlocutores”, cuja forma de atuação no mercado simbólico é modelada por múltiplos contextos. O modelo do Mercado Simbólico, em que pese suas amplas possibilidades de analisar qualquer prática comunicativa, não foi pensado explicitamente para a análise de vídeo games, e sim para o universo das políticas públicas (ARAUJO, 2002). Embora seu entendimento da prática comunicativa seja o que estrutura esta pesquisa e seus elementos centrais orientem meu olhar analítico no nível mais geral, as especificidades do meu objeto no seu nível mais elementar de empiria – os vídeo games – conduziram a privilegiar um de seus elementos conceituais na estruturação do meu próprio modelo analítico: os contextos. Retomando a proposta do modelo do Mercado Simbólico, os sentidos que atuam na construção social de uma realidade emergem na e da confluência de vários contextos, os quais por sua vez se constituem mutuamente em um processo dinâmico. Araujo confere relevo a quatro contextos, por sua importância na codeterminação da produção dos sentidos: 

O contexto existencial, que se refere à individualidade de quem fala, sua bagagem pessoal que, embora construída socialmente, é própria de cada indivíduo;



O contexto situacional, que diz respeito à posição social de quem fala no momento em que fala, posição que a autora chamou de “lugar de interlocução”. Este lugar determina o grau de poder que cada interlocutor tem na relação comunicativa, inclusive o poder de mudar as regras da relação. É importante ressaltar que não se refere ao lugar na topografia social, que seria o “lugar de fala”. Embora este estabeleça os limites da possibilidade daquele, o lugar de interlocução é sempre situacional;



O contexto textual, também chamado de co-texto. Referencia o conjunto de enunciados em proximidade espacial ou temporal, é sincrônico;



O contexto intertextual, diacrônico, fala da rede de remissões a outros textos que, em épocas e situações diversas, foram sendo integrados ao acervo particular de cada indivíduo ou grupo.

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É com seu acervo particular (intertexto), formado em e condicionado pelo seu percurso existencial, que é acionado entre outras coisas pelo co-texto da situação comunicativa atual, que cada indivíduo ou grupo participam do mercado simbólico, com diferentes cotas de poder, estabelecidas não só pelo seu contexto existencial presente, mas, sobretudo, pelo lugar de interlocução ocupado no momento da relação comunicativa. Em relação aos video games, o contexto textual seria o próprio artefato jogo, composto de texto escrito, mas também das falas dos personagens ficcionais, diálogos dos jogadores, imagens, gráficos, interfaces e animações, incluindo a história e a geografia do mundo virtual. Neste sentido, as próprias regras do jogo são parte do contexto textual, uma vez que estabelecem possibilidades e limitações, punições e recompensas aos jogadores, traduzindo em causa e efeito opções narrativas dos criadores do jogo. Além disso, o contexto textual pode ser ampliado para compreender as outras mídias e produtos que cercam o jogo, guardando proximidade com sua temática. Assim, os sites de jogadores, os fóruns de discussão, as comunidades on-line, os encontros presenciais, as revistas em quadrinhos, livros de ilustrações, bonecos e esculturas, jogos de tabuleiro e de cartas, RPGs de mesa, histórias e outros produtos da cultura participatória e mais uma miríade de outros produtos culturais que cercam os MMORPGs podem ser encarados como fazendo parte do contexto textual de um determinado jogo. De certa forma, é possível entender este complexo de produções como o ecossistema de um jogo, composto pelas reverberações e transposições do jogo em diversas mídias e habitado pela comunidade de jogadores que circulam por tais ambientes. O contexto intertextual engloba o histórico dos jogos anteriores e, mesmo em uma mídia tão nova como os video games (e mais nova ainda no caso dos MMORPGs) já há uma extensa rede de remissões à qual World of Warcraft e seus jogadores fazem referência. Esta intertextualidade é inclusive buscada ativamente pelos criadores dos video games, pelo menos operacionalmente. Eles procuram seguir convenções de interface e de regras estabelecidas por jogos anteriores como forma de facilitar a entrada do jogador no seu mundo virtual, dando margem a que os jogadores possam aproveitar o aprendizado que já possuem. Assim, cada jogo herda de seus antecessores convenções, esquemas, algoritmos, metáforas e até interfaces, manifestando uma ampla gama de intertextualidade. Tal intertextualidade também é frequente em relação aos temas e cenários destes jogos, fortemente inspirados nas mídias anteriores como filmes, livros, histórias em quadrinhos, séries de TV e o imaginário coletivo das batalhas medievais, pontilhando video games e MMORPGs com uma vasta coleção de remissões e referências a outras obras.

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O contexto situacional pode ser entendido em um MMORPG como a posição do jogador naquela comunidade virtual específica, seus relacionamentos, alianças, apoios, desafetos e competências. Incidem aí atributos típicos do jogo, como competência e habilidade, reputação e conquistas, estas últimas explicitamente presentes no jogo na forma da lista de conquistas, que registram os feitos do jogador. Incluem-se ainda os locais de interlocução que ocupa, ora falando como personagem, ora como herói, ou ainda integrante da guilda, jogador, consumidor e muitas outras posições. Outro aspecto dos MMPORGS que pode ser analisado pelo conceito de contexto situacional remete para a relação que ele promove na vida social extrajogo, uma vez que ser jogador de MMPORGS é uma identidade possível entre outras, que confere um lugar de interlocução diferenciado em relação aos não jogadores. Um terceiro e importante aspecto é a relação dos jogadores com os criadores do jogo. Na maioria das vezes, um lugar de subalternidade, mas por vezes (e a tendência parece ser aumentar essa possibilidade), o lugar se modifica, no momento em que suas reivindicações são ouvidas e passam a ser consideradas relevantes nas decisões sobre o gerenciamento dos jogos. Cada uma dessas posições e situações conferirá a quota de poder na relação vivida e este é um ponto central para os processos do campo da Comunicação e Saúde. Por fim, o contexto existencial é a individualidade do jogador, seu histórico e experiência de vida (familiar, grupal, social), suas percepções, práticas, preferências. A rigor, é o contexto existencial que o move a buscar o video game como diversão, incluindo aí a maneira como ele encara o jogo e a seriedade ou não da experiência. Daí decorrem atributos pessoais que o jogador empresta a seu personagem e que lhe permitem (ou não) conquistar amigos e simpatizantes, assim como fatores que determinam a frequência e duração de suas sessões de jogo. Também decorrem desse contexto os sentidos que atribuirá aos elementos constitutivos do jogo, incluindo o modo de lidar com as regras. Ter como um dos eixos analíticos o modelo do Mercado Simbólico, com sua ênfase nos contextos, quando se trata da disputa simbólica e da produção social dos sentidos, permite focalizar o processo de construção de sentido que ocorre em World of Warcraft por parte dos jogadores, e compreender melhor o papel das relações sociais diretas e indiretas que atuam no mundo virtual. Contudo, a necessidade de incorporar na análise as especificidades dos serious games conduziu à escolha de outro modelo complementar, o Gaming Dispositif.

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Gaming Dispositif – as articulações do jogo Inspirado no modelo de dispositif cinematográfico criado originalmente por JeanLouis Baudry, Joost Raessens(2009) propõe o modelo do Gaming Dispositif como modo de análise dos serious games. Sua proposta não é aplicar diretamente uma teoria do cinema aos video games como se fossem mídias semelhantes, mas investigar como conceitos previamente desenvolvidos para o estudo de outras mídias podem servir como ferramentas exploratórias para esta mídia mais recente. Assim, o Gaming Dispositif ganha características próprias de modo a contemplar as especificidades da mídia dos video games. Incorporando também ideias do filósofo Slavoj Žižek quanto aos desejos inconscientes do usuário, este modelo pretende abarcar não apenas o aparato tecnológico e de conteúdo, mas também o posicionamento do jogador e os aspectos políticos e ideológicos de se jogar um serious game. Partindo do pressuposto que toda mídia tem diferentes dispositivos midiáticos com diferentes configurações dos elementos de tecnologia, posicionamento do usuário, desejo, texto midiático e contexto, o Gaming Dispositif descreve o sentido de um serious game emergindo da inter-relação dos desejos inconscientes do jogador com seu posicionamento, o qual é influenciado por tecnologia, o conteúdo do jogo e o contexto. A (1) base tecnológica de serious games que moldam (2) posicionamentos específicos do jogador, com base em (3) desejos inconscientes específicos aos quais correspondem (4) diferentes formas ou textos de jogo com seus específicos modos de tratamento e (5) diferentes contextos institucionais e culturais e situações de jogo (RAESSENS, 2009, cap. 28, tradução nossa)79.

Em primeiro plano estão as motivações inconscientes por trás do ato de se jogar um serious game. Segundo o modelo, a entrada do jogador na ordem simbólica de um serious games pode ser encarada de quatro formas básicas: entender o jogo como uma ordem simbólica totalmente nova, tão caótica que absorveria completamente o indivíduo; entendê-lo como uma ordem simbólica totalmente nova, mas que promoveria liberdade para o jogador; entendê-lo como uma continuação da ordem simbólica da vida real; ou ainda entendê-lo como uma continuação da ordem simbólica da vida real, porém mantendo uma distância crítica da simulação ao mesmo tempo em que se participa dela.

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The (1) technical base of serious games that shape (2) specific positionings of the player, based upon (3) specific unconscious desires to which correspond, (4) different game forms or texts with their specific modes of address, and (5) different institutional and cultural contexts and playing situations.

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Nos dois primeiros casos, o serious game não atinge seu objetivo: ou o jogador fica perturbado pela falta de sentido que vivencia ou fica encantado com o mundo do jogo, porém incapaz de conectá-lo com sua vida real. No terceiro caso existe uma continuidade entre o serious game e o mundo real, ocorrente na maioria dos serious games bem sucedidos, com “estudantes fazendo coisas que importam no mundo através da sua imersão em rigorosas práticas profissionais de inovação.” (GEE; SHAFFER, 2005, p. 12, tradução nossa)80. O quarto caso seria uma evolução do terceiro, onde o jogador, ao mesmo tempo em que aceita e joga com as suas regras, consegue se distanciar o suficiente para compreendê-las como limites impostos por outrem e, em última instância, torna-se capaz de questioná-las (RAESSENS, 2009). Este movimento é um caso de compreensão da simulação (TURKLE, 1995) e Raessens o considera um importante potencial ético-político proporcionado pelos serious games. Um serious game que consiga provocar esta reação terá um duplo benefício: fazer seus jogadores aprenderem o conteúdo mostrado no jogo, ao mesmo tempo em que compreenderiam melhor a mídia dos video games e desenvolveriam seu senso crítico e de cidadania (RAESSENS, 2009). Cada uma destas formas seriam tendências, caminhos potenciais que se atualizam durante a experiência do jogo. Para se compreender qual tendência do Gaming Dispositif será concretizada por um determinado serious game é preciso analisar como o jogador está posicionado. Este posicionamento se dá mediante o texto midiático, o contexto e a base tecnológica. O modelo assume que todos estes três aspectos carregam influências culturais e ideológicas, sejam intencionais ou não. A base tecnológica envolve o suporte que permite a experimentação do jogo, incluindo as capacidades e limitações do equipamento onde o mesmo é executado, a conexão com a internet (no caso de jogos on-line), a linguagem e forma de programação que dão concretude à experiência, a forma de funcionamento quanto ao número de participantes (multiplayer ou usuário único) e os modos de interação e operação do mesmo (mouse, teclado, gamepad, etc.). MMORPGs, como todos os video games, estão baseados em um suporte digital que por sua vez está sustentado por um eletrônico. Estes suportes influenciam, limitam e condicionam o que pode ser apresentado ao jogador, devendo ser levados em conta ao se tentar analisar tais jogos.

[…] having students do things that matter in the world by immersing them in rigorous professional practices of innovation. 80

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O texto midiático envolve o roteiro do jogo expresso nas imagens e animações, nos textos, sons e diálogos e nas suas regras de funcionamento. Inclui também as formas pelas quais o jogo sinaliza a presença do jogador (como o jogador é representado no jogo), como lhe atribui uma posição (tanto no que tange ao funcionamento das regras quanto no seu papel na história apresentada) e como lhe faz seguir um determinado itinerário (novamente, tanto no contexto das regras quanto no da história que permeia o jogo). O texto midiático pode ser encarado como o próprio jogo em si e é grande responsável pela resposta do jogador ao mesmo. Sua compreensão pode ser potencializada pela noção de co-texto, um dos contextos relevantes apontados por Araujo em seu modelo, que permite perceber a inter-relação orgânica e produtiva dos vários elementos textuais. No Gaming Dispositif, a ideia de contexto procura levar em conta os contextos culturais e institucionais onde o serious game é jogado. Incidem aí também aspectos de forma de distribuição (através de lojas ou na internet, através de venda ou download gratuito, etc.) e promoção do jogo, assim como os elos que traz com o mundo real, uma vez que serious games pretendem abordar e eventualmente interferir no mundo real (RAESSENS, 2010b). Conceitualmente, pode ser articulado produtivamente com os contextos situacional e intertextual do Modelo de Comunicação como Mercado Simbólico. A partir da interação da tecnologia, posicionamento do jogador, desejos, contexto e texto midiático, o Gaming Dispositif ajuda a compreender melhor como os serious games se relacionam com o jogador e com o mundo real e também como apresentam o conteúdo ideológico constitutivo de seus vários componentes. Suas propriedades específicas conversam bem com as do Mercado Simbólico, sendo mutuamente potencializadoras. Assim, formam em seu conjunto a base da construção de um terceiro modelo, que pretende ter em sua matriz a especificidade dos MMORPGs. Mercado Simbólico e Gaming Dispositif são modelos diferentes, porém convergentes e complementares. Elementos de um modelo encontram por vezes correspondência no outro, eles “falam a mesma linguagem”, mas algumas de suas particularidades atendem necessidades distintas de análise do objeto estudado. As escolhas feitas pelo jogador em um video game tão amplo quanto World of Warcraft resultam de uma complexa interação entre sua individualidade e os elementos do jogo (história, regras etc.) que lhe são apresentados. Como consequência o mesmo jogo pode ter inúmeros significados e usos para cada jogador. A ênfase que o modelo do Mercado Simbólico confere à natureza social e contextual do processo de produção dos sentidos é

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particularmente pertinente e relevante para analisar os modos particulares de cada jogador produzir sentido nos mundos virtuais, mas também no modo como relaciona esses mundos com o mundo não virtual. Entre outros ganhos, permite maior aproximação com seus intertextos, sua bagagem experiencial com as tecnologias e particularmente com os jogos, o modo como se projeta em seus avatares e os lugares que busca ocupar durante o jogo. Embora o Modelo do Mercado Simbólico ofereça possibilidades em relação à análise das mediações tecnológicas entre o jogador de sua experiência de jogo, é no Gaming Dispositif que encontramos um instrumental mais minucioso – até por ter sido produzido especificamente para a análise de games – para dar conta, no nível necessário de detalhamento, das questões referentes ao suporte tecnológico e da sua repercussão sobre o usuário da mídia. Qualidade de acesso à internet e capacidade do computador em termos de memória e processamento são apenas alguns dos fatores tecnológicos que impactam a experiência tanto no lado do jogador em seu computador local quanto no lado dos servidores que mantêm o MMORPG on-line. Tais categorias são essenciais a um modelo de análise de MMORPGs, uma vez que interferem na maneira como os jogadores agem e se relacionam em jogo: No meu primeiro ano [de jogo] eu era mau. Se eu estava fazendo um negócio e não queria ninguém me incomodando, eu xingava quem se aproximasse, mandava o cara passear. Na época eu não conseguia fazer duas coisas ao mesmo tempo. E a máquina travava. Se eu conversasse com o cara e jogasse dava problema porque a internet era discada e muito ruim. Assim eu tinha que me concentrar totalmente no jogo porque dava o lag e eu tinha que saber o que fazer para não morrer. Eu tinha que focar. (PlagueKnight)

O mesmo ocorre com o detalhamento dos aspectos de jogo essenciais à experiência de um MMORPG, como a compreensão das regras, o uso de estratégias e até destreza manual nos controles que influenciam fortemente como será a experiência do jogador. Como MMORPGs implicam em uma progressão do personagem que por sua vez é dependente da competência no jogo, um desempenho mínimo é requerido até mesmo para se chegar a determinadas áreas e conhecer certos cenários de World of Warcraft. Isso é intensificado pelo aspecto coletivo do jogo, o que muitas vezes requer um nível de habilidade mais homogêneo entre os membros de um grupo: Jogo muito pouco [PvP], talvez por falta de habilidade e de eu nunca ter construído isso. Eu vou jogar contra o cara e ele está cheio de coisas. Parece que ele dá clique em três botõezinhos e me vence. Aí não tem graça... (Healium)

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[...] dentro de uma guilda você ganha confiabilidade, o pessoal passa a contar com você para evoluir e você evolui melhor dentro do jogo, porque você conquista mais itens e descobre as fases. (Abominog)

Um dos trunfos do Gaming Dispositif como dispositivo de análise de MMORPGs, é apresentar os elementos básicos que formam a experiência de se jogar um video game, incluindo a inter-relação entre eles. Esta integração entre base tecnológica, regras e conteúdo do jogo e a individualidade do jogador transparece na maneira com que os jogadores falam de World of Warcraft: Quando eu estou jogando, tenho um add-on que mostra onde está aquilo que tenho que fazer [no mapa]. Eu tenho um monte de add-ons: é para mapas, para herborismo, para trocar roupas rapidamente... Eu uso o tempo todo enquanto jogo... (Thornstar)

Outra qualidade relevante é apontar a sofisticação das formas como o jogador adentra o virtual, explicitando suas reações como caminhos potenciais para a realização ou não realização dos objetivos de um serious game. Este aspecto também sugere maneiras de se entender como as experiências do jogo afetam o mundo real: Isso foi uma coisa ruim do Wow [World of Warcraft]. Ele me tirou muito do mundo real. O mundo físico ficou em segundo plano nesta época. (Dotctor) A gente sempre gostava [de World of Warcraft] porque a relação se estendia, saía do virtual e ia para o físico. Continuava porque era onde a gente trocava ideias. (Altair)

Por último, este modelo se preocupa em destacar os aspectos ideológicos presentes na mídia do video game, relacionando-os com o ambiente institucional e cultural onde o jogo é experimentado, fatores que se apresentam aos jogadores de MMORPGs, mesmo em ambiente de fantasia aparentemente descompromissada como World of Warcraft: A gente trabalha com aprimoramento [dos personagens] de uma maneira bem efetiva. Aprimoramento é importante por conta do modelo imposto pelo Wow. (Grimsheeper)

O elemento “ideologia” também não é estranho ao Modelo do Mercado Simbólico. Pelo contrário, é central na compreensão da formação dos discursos que circulam e são objetos de disputa nas sociedades. Considerando-se os elementos analíticos privilegiados – os contextos – a ideologia surge de forma mais evidente através do contexto intertextual, sendo que para a perspectiva teórica que informa o modelo, é percebida como um sistema de relações entre um discurso e suas condições sociais de produção. Parte consistente dessas relações localiza-se nos pré-construídos. Conforme aponta Araujo (2002, p. 63):

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A prática discursiva é fortemente condicionada pela existência de sentidos estabilizados que se naturalizaram, ocultando sua condição de construção social: os pré-construídos, que [...] estão nos objetos, no modo de produção, circulação e consumo dos objetos.

Por este prisma, os dois modelos convergem em certa medida. Mas, apesar das preocupações com os desejos do jogador, o Gaming Dispositif elabora pouco suas características individuais. No reverso da moeda, essas características são bem contempladas pelo Modelo do Mercado Simbólico, ao realçar a força instituinte dos contextos e enfatizar a importância de dois contextos – o existencial e o situacional – que são individuais, mas determinantes da constituição e das possibilidades de articulação dos elementos dos demais contextos. Além disso, o Gaming Dispositif foi construído tendo em mente a experiência do jogador único e nele os demais jogadores não são levados em conta. Dado o aspecto coletivo e comunitário dos MMORPGs, é importante que se considere explicitamente a participação dos outros jogadores. Sua importância e onipresença durante a experiência do MMORPG justificam um detalhamento e destaque maiores: Jogo em grupo. Jogar sozinho é mais raro. Sempre o mesmo grupo, a gente tem um núcleo fixo já. A gente combina, tem horário, tudo certinho. (Grimsheeper) Eu tenho um ritmo para fazer as minhas quests, eu gosto de pensar o que vou fazer, eu faço estratégia porque eu morro muito. Minha personagem principal veste roupa ao invés de armadura. Morre rápido. Aí eu sempre tenho que ir pelos cantos, matar escondido, até chegar lá. Quando você vai em grupo tem sempre aquele que é mais fortinho, te deixa para trás e você morre. Ou começa a querer fazer rápido para conseguir chegar a mais quests na frente e não aproveita a brincadeira. Porque eu gosto de ler, eu gosto de saber o que está acontecendo, eu gosto de saber o porquê daquela quest. (Waerloga)

Novamente se faz recurso ao Modelo da Comunicação como Mercado Simbólico que, ao considerar a comunicação um processo reticular e sempre relacional, permite compreender a relevância do Outro, seja individual ou grupal, no modo como cada um produz seus sentidos e assim age sobre a realidade. Como forma de evidenciar as diferentes áreas de aplicação de cada modelo, assim como relacionar as áreas onde se superpõem, apresento o esquema a seguir (Esquema 1), que sintetiza, tomando aqui apenas os elementos considerados de cada modelo, seus pontos de convergência e divergência.

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Esquema 1 – Relação entre a Comunicação como Mercado Simbólico e o Gaming Dispositif

Produção do autor baseada em Araujo (2002) e Raessens (2009). Contempla alguns elementos de cada modelo.

No gráfico é possível perceber que pares como o texto midiático / contexto textual (englobando o conteúdo do video game) e contextos / contexto intertextual, se correspondem, enquanto, embora haja alguma correspondência entre o contexto situacional do Mercado Simbólico e a posição do usuário e os contextos do Gaming Dispositif, não é uma paridade precisa, conforme explicitado anteriormente. De forma semelhante, os desejos inconscientes se relacionam tanto com o contexto existencial como com o intertextual, mas também não é uma correspondência precisa. Por outro lado, considerando a especificidade dos MMORPGs e os seus diferentes elementos constitutivos, é necessário acrescentar pelo menos três aspectos, os quais, ainda que apareçam nos dois modelos mencionados, se beneficiarão de um detalhamento e explicitação maiores: o jogo em si, composto de texto, imagens, sons, vídeos e outros componentes sensoriais, mas também de algoritmos, regras e sistemas que são usados expressivamente; a infraestrutura tecno-industrial, composta da base tecnológica e também dos fatores de mercado que cercam a promoção, manutenção e distribuição do MMORPG; e as formas de participação do jogador no MMORPG, que são Interpretação, Reconfiguração e Construção. A seguir apresento uma proposta de modelo levando em conta estas ideias.

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MODDING Modelo de Análise Relacional de MMORPGs: Contextos e Dispositivo (ARM) A partir do esquema e levando em conta tudo que foi apresentado até aqui, é possível listar preliminarmente os seguintes elementos para integração no novo modelo: suporte tecnológico que viabiliza o video game; as regras e mecânicas de jogo e os outros jogadores, seja no papel de cooperadores, concorrentes, oponentes ou mero público que transita pelo mundo virtual. Assim, proponho um modelo com dois polos: um lado descreve o jogador (Contextos do Jogador) e o outro lado descreve o MMORPG (Dispositivo do MMORPG), entendido tanto como objeto técnico-midiático quanto como espaço virtual. A relação do jogador com o MMORPG se dá através dos três modos da cultura participatória: Interpretação, Reconfiguração e Construção (conforme visto no capítulo 3). Daqui por diante estes três modos serão sempre escritos com inicial maiúscula, a fim evidenciar seu uso de acordo com o modelo. 5.2.1.1 Contextos do Jogador O jogador não é uma tabula rasa, nunca entra no MMORPG de forma neutra, mas carrega consigo experiências e características prévias, as quais se descrevem com base em determinados contextos inspirados nos do modelo do Mercado Simbólico (Esquema 2). A superposição entre os contextos simboliza o fato de que tais contextos, embora divididos para fins de análise, não são estanques, mas se influenciam mútua e continuamente.

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Esquema 2 – Contextos do Jogador

Abordagem Reputação Posição real/virtual

Equipamento Conexão Periféricos

Desejos Reação ao Virtual Preferências

Conhecimento Cultura Competência Produção do autor.

Nesta formulação, o contexto existencial se refere à individualidade do jogador, sendo formado pelos seus desejos e inclinações pessoais, sua história de vida, aspectos sociais e culturais, sua reação frente ao virtual e suas preferências quanto ao video game em si. Este contexto transparece nas falas dos entrevistados principalmente na forma como contam seu relacionamento com os video games em geral e com World of Warcraft em particular: Eu faço parte de uma geração onde o jogo on-line era anterior ao jogo online através da internet. Eu gosto da competição por conta do meu passado com jogos de guerra. Quando eu comecei a jogar com oito anos, você não tinha opção de cooperação no jogo. Você tinha competição pura. Isto vai formando a identidade do jogador. (Executie) Dizem que é mais difícil achar uma mulher jogadora, mas eu tive este contato desde pequena. Eu tive irmão. Então teve esta coisa de entrar no mundo masculino de forma mais participativa. (Thrasia)

O contexto situacional se refere a como e quando o jogador entra no MMORPG, englobando sua reputação no mundo virtual (experiente, novato, especialista), sua abordagem quanto ao ato de jogar o MMORPG (diversão, competição, encontro com amigos, forma de relaxamento, etc.) e as formas como o mundo físico interfere na sua experiência em termos de períodos de jogo, duração e frequência. Sua presença pode ser identificada nas entrevistas quando o jogador fala de seu modo de encarar as sessões do jogo ou das formas com que conjuga suas atividades no mundo virtual com a vida cotidiana: Eu não jogo que nem um louco, os resultados que acontecem mexem pouquíssimo no meu emocional, [...] Mas ao mesmo tempo eu levo a sério.

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Estou sempre lá, faço o melhor para meu personagem estar no [nível] máximo. (Actæon) [...] o jogo exige um certo comprometimento. Você vai demorar duas horas, três horas e você não tem mais este tempo livre. Então eu prefiro não me comprometer [com outros jogadores]. Vontade e interesse eu tenho, mas eu não tenho tempo. (Abominor) [Para mim, Wow] é distração, é extravasar tensão, é tempo com os amigos. Porque mesmo que você não esteja jogando juntos, na maioria das vezes estamos conversando pelo chat ou pelo skype. Então você tinha aquele momento no seu dia mega estressado, você se juntava com seus amigos e era muita bagunça, muita brincadeira. (Waerloga)

O contexto intertextual envolve o conhecimento prévio que o jogador leva para o MMORPG, incluindo seu histórico de jogos anteriores, conhecimento de regras e interfaces, sua competência e habilidade na mídia dos jogos e até mesmo sua cultura geral e familiaridade com eventuais obras que inspiram o MMORPG. Nas falas dos entrevistados, é possível perceber tais influências no jargão que usam (muitas vezes derivados de jogos anteriores ao World of Warcraft), assim como nas referências que fazem a outras obras de fantasia: Eu sempre joguei RPG e eu era mestre. Quando eu comecei a jogar, o World of Warcraft isso me ajudou a entender o jogo. Por outro lado o Wow me ajudou muito a formar ambientes [de jogo] mais complexos na minha cabeça para a narrativa do RPG. (Plagueknight) Meus amigos começaram a me mostrar as referências literárias que tinham nos nomes dos personagens. [...] Isso é uma coisa que eu senti ao longo do jogo. Era uma coisa que me divertia muito e eu ria sozinha com todas as citações durante o jogo. Então foi essa coisa de encontrar um personagem chamado Inigo Montoya que me fez entrar no Wow. [...] Eu tenho uma queda muito grande por referências. Se eu assistir a um filme e ele fizer citações para outras coisas eu vou gostar. Para mim demonstra inteligência, porque não é raso. Tudo que tem intertexto não é 2D, porque você precisa que a pessoa tenha uma dimensão para além daquilo. Para mim isso é essencial. (Merlina)

Enquanto os contextos situacional, existencial e intertextual derivam do Mercado Simbólico, é necessária a inclusão de um quarto contexto que permeia e viabiliza a entrada do jogador no MMORPG. O contexto tecnológico designa todos os fatores relacionados à tecnologia que influenciam a experiência do jogo. Aí estão incluídos competência tecnológica, limitações de conexão, capacidades técnicas do equipamento utilizado pelo jogador, periféricos para interação (gamepad, teclado, mouse, etc.), forma de acesso ao MMORPG e até o abuso tecnológico, como o uso de trapaças por meio de programas não autorizados. Tais fatores sempre estarão presentes na experiência de um jogador no MMORPG:

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E a máquina travava. Se eu conversasse com o cara e jogasse dava problema porque a internet era discada e muito ruim. Assim eu tinha que me concentrar totalmente no jogo porque dava o lag e eu tinha que saber o que fazer para não morrer. Eu tinha que focar. (Plagueknight)

O Contexto Textual não figura entre os Contextos do Jogador, mas isto não significa que seus elementos constituintes foram desconsiderados. No modelo ARM, os elementos que no modelo do Mercado Simbólico corresponderiam ao Contexto Textual são deslocados para o segundo polo do modelo, denominado Dispositivo do MMORPG, e estão em sua maioria reunidos nas categorias Texto e Sistemas. 5.2.1.2 Dispositivo do MMORPG O segundo polo do modelo é o Dispositivo do MMORPG, no qual o termo “dispositivo” implica um arranjo ou disposição de elementos, e que toma emprestado elementos do Gaming Dispositif proposto por Raessens (2009), a saber, a base tecnológica, os posicionamentos do jogador, diferentes formas ou textos de jogo com seus específicos modos de tratamento, e os diferentes contextos institucionais e culturais e situações de jogo. Entretanto, tais elementos são refinados e reorganizados para corresponder de modo mais próximo à percepção dos jogadores quanto à estrutura dos MMORPGs. Estas percepções são muito variadas e durante as entrevistas, por exemplo, alguns jogadores revelam focar nos aspectos sensoriais do jogo (cenário, música, etc.) enquanto outros em aspectos mais competitivos e estratégicos. O som [do World of Warcraft] é muito bom, a música que é específica de cada região, os efeitos sonoros do meio ambiente e dos personagens... (Healium) Eu conheci ambientes diferentes porque eu tenho personagens de diversas raças e há um cuidado no trato visual do ambiente de origem de cada raça, a maneira como é feita a iluminação, colocação de objetos e a decoração em cada lugar. Em World of Warcraft tem um trabalho de direção de arte muito bom. (Morea) A parte estratégica para mim é muito interessante, a estratégia do jogo. Alguns cenários me fascinam, literalmente falando. E o level design é uma coisa que acho muito interessante e me chama bastante a atenção. (Executie)

Assim, os diversos elementos que formam um MMORPG são experimentados em variadas intensidades por cada jogador, podendo ser organizados em quatro grandes categorias com suas respectivas subcategorias: Texto, Sistemas, Infraestrutura e Meio Ambiente (Esquema 3). É importante frisar que esta divisão dos elementos que compõem um MMORPG não pretende ser exaustiva do ponto de vista técnico-projetual, mas sim ser instrumental para o

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tipo de análise que se pretende realizar e, de forma similar aos Contextos do Jogador, não representam áreas estanques da experiência, mas se inter-relacionam e se amalgamam para formar um todo com características tecnológicas, estéticas, lúdicas, sociais e culturais.

Esquema 3 – Dispositivo do MMORPG

Produção do autor.

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O dispositivo não descreve apenas partes constituintes do produto MMORPG, mas também elementos ao seu redor, que, mesmo não sendo partes integrantes no sentido estrito, influenciam decisivamente sua existência e funcionamento. Da mesma forma que no modelo Gaming Dispositif, assume-se que grande parte destes elementos seja resultado primariamente de escolhas técnicas e criativas por parte dos game designers, as quais, contudo, são influenciadas consciente ou inconscientemente por questões mercadológicas, ideológicas e culturais. A seguir, passo a descrever em detalhes cada parte do dispositivo. 5.2.1.2.1. Texto Texto deriva do “texto midiático” do Gaming Dispositif e corresponde também à parte de ficção que os jogos possuem segundo Juul (2011), mencionada no capítulo 3. Entretanto, esta categoria engloba texto no sentido mais amplo, ou seja, não apenas texto escrito, mas os aspectos visuais, sonoros e muitos outros que permeiam a experiência do jogo. Ela pode ser resumida como aquilo que comumente se considera o conteúdo do jogo, composto das subcategorias Ambientação do MMORPG, formas de Representação e Avatar. Ambientação se divide em História, que é o pano de fundo para as aventuras dos jogadores, a Geografia determinada por esta, com as diversas regiões políticas e acidentes naturais e como estes fatores de ambientação no mundo virtual estabelecem uma Narrativa na qual o personagem do jogador é inserido. Estes itens tendem a ser denominados pelos jogadores como lore: Eu gosto de ler, eu gosto de saber o que está acontecendo, gosto de saber o porquê daquela quest. Eu gosto da história. Quando eu comprei o Cataclysm [pacote de expansão do World of Warcraft] eu ficava horas ouvindo cada quest. Parava e morria de rir, brincava realmente com a coisa. O cara faz o maior jogo legal, cheio de coisas interessantes e muita gente não presta atenção... [...] A coluna que eu escrevo [no site WowGirl] é falando sobre a lore do jogo ou sobre comportamento, como as pessoas jogam. A de lore é a mais séria. (Waerloga)

Representação é como o jogo se apresenta sensorialmente ao jogador, incluindo aspectos visuais, sonoros, o texto propriamente dito e também a forma de situar o jogador no espaço do mundo virtual e as formas de percorrê-lo. Ela é responsável por boa parte de senso de mundo que o jogador experimenta e da sua imersão no jogo: Apesar dos gráficos não serem tão atuais, os cenários são maravilhosos. Eu adoro brincar com aquilo. É aquele negócio de esquecer, de fugir, de se desligar de todo o resto. Por isso gosto de jogar com todas as luzes apagadas também. [...] Fiquei totalmente imersa no jogo. (Waerloga)

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Avatar aparece como subcategoria própria, a fim de destacar o aspecto central do personagem dentro dos MMORPGs. É composta de elementos como o seu Papel no mundo virtual (do personagem na história mais ampla, na geografia, etc.) dos quais decorrem seus Atributos no jogo (poderes, habilidades, limitações) e o Roteiro que irá formar sua narrativa mais pessoal. A partir da bibliografia apresentada previamente, foi possível verificar como avatar tem grande importância para os jogadores de MMORPGs e as entrevistas coletadas reforçam esta percepção: Aprimorar o personagem é 100% importante, uma das coisas mais importantes do jogo. Poder é claro, como eu gosto de PvP, quanto mais forte melhor. E quem não gosta de ter um personagem com aquela armadura incrível? É muito importante. E tem um fator vaidade no meio também. (Envenom)

5.2.1.2.2. Sistemas Sistemas reúne todas as estruturas de funcionamento do jogo, nos sentidos lúdico, procedural e computacional, correspondendo em parte ao texto midiático do Gaming Dispositif, definido como “diferentes formas ou textos de jogo com seus específicos modos de tratamento” (RAESSENS, 2009, p. 488). Esta categoria também está relacionada com a parte de regras que os jogos possuem, conforme apontado por Juul (2011), previamente mencionado no capítulo 3. Sistemas influencia fortemente a percepção que os jogadores têm do MMORPG. Dentro do World of Warcraft (e em linhas gerais, dentro dos MMORPGs em geral) predomina a lógica da progressão, onde o personagem se aprimora ao longo do tempo, sendo que a medida de sua experiência dá a dimensão de suas capacidades em vários diferentes contextos: PvP, PvE, raides, equipamento, profissões, etc. Daí a razão de Sistemas estar no plural, uma vez que MMORPGs incorporam diversas coleções de regras inspiradas em diferentes jogos ou gêneros anteriores. Ocasionalmente tais sistemas não se integram adequadamente uns aos outros, o que implica em constantes operações de balanceamento por parte dos game designers. Um exemplo disto é o combate entre jogadores no World of Warcraft (PvP), o qual foi objeto de inúmeras alterações e ainda assim suscita reclamações e argumentações complexas por parte dos jogadores: O PvP está um pouco injusto nos últimos patches. O que desbalanceou o PvP foi o atributo Resilience que reduz o dano provocado por outros jogadores. Por causa disso [os game designers] tiveram que aumentar muito a Health e isto fez os healers serem valorizados demais e os tankers serem desvalorizados no PvP, porque na época do Burning Crusade [expansão de World of Warcraft] raramente tinha builds feitas para PvP ou PvE, a pessoa

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escolhia. Atualmente, por causa deste atributo, um sacerdote usando cloth pode ter a mesma resistência que um guerreiro usando plate. Para PvE está legal, mas para PvP eu achei desbalanceado demais. Antigamente você podia estar com um equipamento mediano, lutar contra um personagem muito equipado e ganhar dele por pura habilidade. Atualmente é equipamento puro que conta. (Crash)

Sistemas é composto pelas subcategorias Mecânicas de Jogo, contendo as Regras do jogo propriamente ditas e os Algoritmos que regem o funcionamento do espaço virtual, a Interface, que cobre as Mensagens do sistema e os Controles do jogador, a posição do Jogador em termos de seu Posicionamento, suas Competências e Capacidades e o Itinerário que faz e Multiplayer, englobando a Comunicação entre jogadores e os demais Sistemas sociais do MMORPG. As regras e mecânicas de jogo são essenciais para categorizar o MMORPG como jogo. Elas são codificadas em procedimentos lógicos e apresentadas aos jogadores como elementos fixos, os algoritmos que regem o mundo virtual (ciclos de dia e noite, rotas das criaturas e NPCs no mundo virtual, etc.) também seguem o mesmo princípio. A interface representa tanto os modos pelos quais o jogador é informado dos estados de jogo (números na tela representando o efeito de golpes, sons de animais perigosos se aproximando, etc.) como as maneiras de controlar seu personagem (teclado, gamepad, teclas de ação, etc.). Estes elementos por sua vez modelam atributos relacionados ao jogador, incluindo seu posicionamento dentro da lógica de jogo, o itinerário que lhe é proposto e a interligação de sua competência no jogo com os atributos funcionais de seu avatar. Por fim, a subcategoria Multiplayer governa a relação entre jogadores, seja nos aspectos pessoais de comunicação, seja nas funcionalidades sociais (guildas, grupos, raides, etc.) embutidas no MMORPG. A inter-relação entre estas subcategorias pode ser percebida em diversos momentos das entrevistas, como no trecho a seguir, onde o jogador comenta a relação com jogadores encontrados através do Dungeon Finder, uma funcionalidade do World of Warcraft para montar grupos de jogadores aleatoriamente: No servidor brasileiro eu fiz uns dois, três raides com o Dungeon Finder até hoje e em todos eles você encontrava pessoas que não conheciam suas habilidades. A pessoa dizia: “Eu não tenho isso!” Mas eu jogo com todas as classes e eu sei que a classe dela tinha aquele poder. Eu tinha que explicar para a pessoa o que era e como usar no jogo, tipo: “Sabe o terceiro botão à esquerda? Quando acontecer tal coisa no combate e aparecer tal mensagem na tela, aperte o botão”. (Palatinus)

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5.2.1.2.3. Infraestrutura Infraestrutura é aquilo que viabiliza o jogo enquanto produto, englobando aspectos de distribuição e sua manutenção enquanto sistema tecnológico. Ela governa as formas de acesso e permanência dos jogadores no MMORPG. Suas subcategorias são Base Tecnológica e Aspectos de Mercado. Base Tecnológica envolve toda a estrutura que torna o jogo tecnicamente viável: os Servidores onde está armazenado e onde suas funções são executadas, as Bases de dados que guardam as informações dos personagens dos jogadores, as formas de Conexão e acesso a estes equipamentos e até mesmo os Requerimentos do computador do jogador para poder executar o MMORPG. Aspectos de Mercado englobam o Modelo de negócio do MMORPG (assinatura, F2P, ou outros modelos de pagamento), sua forma de Distribuição, suas formas de Promoção, sua Relação com os usuários, e Outros produtos relacionados, incluindo produções transmídia (séries de quadrinhos, jogos de tabuleiro, de cartas, romances e outros produtos inspirados no jogo, comuns no World of Warcraft). Os trechos a seguir ilustram aspectos das duas subcategorias: Eles [a Blizzard] estão com a estrutura [no Brasil] muito boa, um atendimento de primeira linha. Eu já liguei e você fala com um americano que fala um português perfeito. Eu sempre fui contrário a pagar por games on-line. Meu histórico era sempre procurar por servidores piratas. Com a vida do World of Warcraft, da maneira que eles fizeram, valeu a pena pagar a assinatura. É uma prestação de serviços muito boa. (Healium) Hoje a inteligência [artificial] do Wow está muito maior, mas no começo era muito ruim. Tinha muito bug. Até mesmo entre os NPCs e o ambiente. Por exemplo, a gente tinha o costume de fazer os bonecos [NPCs] nos perseguirem para caírem em buracos. Eles não davam a volta na beira do abismo, eles caíam no buraco. Às vezes era até maçante. No PvP era mais divertido, usávamos todas as nossas habilidades. (Plagueknight)

A despeito do nome, a categoria Aspectos de Mercado não se limita aos aspectos mercantis em torno do jogo, mas também contempla a relação do mesmo com instituições reguladoras da sociedade, principalmente os diversos órgãos do poder público. Ao se considerar video games como uma possível estratégia de Comunicação e Saúde, a categoria ganha particular relevância, envolvendo no caso formas de distribuição ampla para a população, sua plena divulgação encadeada com outras iniciativas e campanhas do Ministério da Saúde e mesmo parcerias com outros ministérios como, por exemplo, o Ministério da Cultura e o Ministério da Educação.

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5.2.1.2.4. Meio Ambiente Meio Ambiente é tudo que cerca o jogo, mas está localizado (pelo menos em parte) fora dele. Incluem-se aí a Cultura onde ele se inscreve e a População que o povoa. Cultura significa não apenas a cultura da sociedade onde ele é jogado, mas também a cultura particular dos usuários de video games. Ela inclui a Posição do MMORPG em relação aos MMORPGs concorrentes, video games e outras formas de entretenimento praticadas em uma dada sociedade e a percepção do público sobre ele, as Referências que o jogo faz com outros elementos desta cultura e o quanto ele a influencia de volta, sua Reverberação em sociedade, na mídia especializada e afetando outros jogos. Por exemplo, é comum ouvir em MMORPGs atuais a expressão “Ding!” como forma de um jogador avisar aos amigos que ganhou um nível. Este som era tocado quando o jogador ganhava um nível no antigo MMORPG Everquest, e, a despeito de não ser usado em nenhum outro MMORPG, consagrou a expressão que, junto com muitas outras, formam um extenso vocabulário enraizado em práticas e experiências obtidas em jogos precedentes. População descreve o contingente de jogadores (incluindo os que momentaneamente estão desligados do jogo, mas se identificam ainda como Comunidade do MMORPG), seus Ambientes e Situações de Jogo e a Produção dos fãs em torno do MMORPG. No caso de World of Warcraft, por exemplo, Meio Ambiente levaria em conta que ele é criação de uma empresa conhecida pelo esmero na produção e integra uma linhagem de jogos no mesmo universo ficcional, tem uma População tão grande (chegou a 13 milhões de jogadores) que ele se tornou bem visível para a sociedade em geral, incluindo pessoas que comumente não se interessam por video games. Isso acaba causando uma Reverberação em diversos setores da mídia e em outros produtos da indústria de entretenimento (quadrinhos, seriados de TV, música, etc.), dos quais World of Warcraft, por sua vez, empresta vários elementos que vão de Referências à cultura pop até citações de obras clássicas. Embora os Ambientes e situações de jogo típicas (em um computador PC ou Mac, ligado à internet, etc.) possam parecer uniformes a princípio, guardam peculiaridades associadas à maneira de cada jogador encarar a experiência. Seus jogadores muitas vezes se enxergam como participantes de uma Comunidade que é tanto global (envolvendo todos os jogadores do mundo) quanto local (a comunidade de cada guilda), cujos membros tendem a gerar Produção de fãs inspirada no jogo, que por sua vez é divulgada via outros meios, normalmente on-line, como sites especializados, blogs, galerias de fotos, quadrinhos, vídeos e muitos outros serviços. Os trechos a seguir ilustram estas relações com Cultura e Produção de Fãs:

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O que eu gosto é o enredo. Eu procuro jogos pelo enredo como um filme. Eu acompanho o lore. Eu venho jogando desde o Warcraft [jogo estratégico] e eles continuaram a história do Warcraft no Wow. Isso me chamou a atenção porque a história tem mais apelo que o visual do jogo. (Shammurai) Já fiz vários desenhos no Photoshop. Já escrevi fanfic. Também escrevi uma história sobre a infância da Sylvanas Windrunner. Eu adoro ela. É minha personagem preferida. Também fiz montagens de fotos inspiradas no jogo. (Thornstar)

Estas quatro grandes categorias pretendem auxiliar na análise de um todo que é o jogo do gênero MMORPG. Dependendo do tipo de análise que se deseja realizar, é possível focar esforços em uma destas áreas, mas nunca desconsiderando totalmente as outras, sob pena de se obter uma visão parcial do MMORPG. Assim, tais categorias estão separadas para fins de classificação, mas não é possível analisar um MMORPG tomando-as como partes estanques. Antes, cada categoria influencia e é influenciada pelas outras das mais diversas formas, o que é simbolizado pela superposição das áreas centrais. Por exemplo, o valor da mensalidade afeta a população no jogo, o qual se distribui desigualmente entre as duas facções, o que eventualmente pode levar a desequilíbrios no PvP entre a Horda e a Aliança, o que por sua vez pode levar os game designers a criar vantagens para um lado a fim de equilibrar os combates ou ainda levar os administradores do jogo a incentivar a migração de jogadores de outros servidores para tal equilíbrio. Outro exemplo é quando, no intuito de justificar o lançamento (e o custo de aquisição por parte dos jogadores) de uma expansão, os game designers criam uma nova raça ou classe para o jogo, o que implica em escrever sua história e narrativa, integrá-las harmonicamente ao lore preexistente e elaborar novas habilidades e poderes para ela. Muitas vezes tal expansão atrai o interesse de jogadores que haviam abandonado o jogo, cujo retorno exige novo balanceamento de regras e da população nos servidores. É possível elencar muitos outros exemplos que refletem esta interdependência. Uma vantagem do Dispositivo do MMORPG é suportar um maior refinamento a fim de ramificar e detalhar mais os componentes internos de cada subcategoria. Assim, se for útil para uma determinada análise um foco mais detalhado no aspecto visual do MMORPG, é possível continuar se subdividindo a categoria terciária “visual” em itens como “estilo visual”, “iluminação do cenário”, “realismo dos personagens” ou ainda optar-se por outra utilização mais técnica, dividindo-a em itens como “detalhes arquitetônicos”, “mapas de relevo” e “texturas e sombras”, etc. No limite, subcategorias podem ser adicionadas até se chegar ao seu elemento mais básico que, no caso da imagem poderia ser o pixel, no caso do texto a palavra e

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no caso dos sistemas uma instrução de computador. Potencialmente, este diagrama poderia basear análises de MMORPGs sob as mais variadas perspectivas e disciplinas. 5.2.1.3 Os Modos de Participação Entre os Contextos do Jogador e o polo do Dispositivo do MMORPG as relações se dão através dos três modos de participação anteriormente descritos: Interpretação, Reconfiguração e Construção. Conforme descrito no capítulo 3, a Interpretação se dá quando o jogador apreende o jogo, seja através do seu texto, de suas regras e sistemas, de sua infraestrutura ou do meio ambiente que o rodeia. A Reconfiguração ocorre quando se reordena os componentes do MMORPG, possibilitando uma atitude exploratória do jogador, que vai desde reposicionar seu personagem para mudar o ponto de vista do mundo virtual até realizar as missões, procurar tesouros, combater monstros e outros jogadores. Por fim, Construção vai ocorrer quando o jogador acrescenta algo ao MMORPG, seja a criação de add-ons para melhorar sua interface, estabelecimento de formas alternativas de jogo (por exemplo, jogar com um personagem pacifista) ou ainda organizar um casamento onde os participantes devem interpretar criativamente seus personagens. Estes três modos se retroalimentam continuamente: se a Interpretação é um passo inicial para se entender o mundo virtual, Reconfiguração e Construção fomentam novos eventos de Interpretação. A Construção é realizada através de eventos de Reconfiguração e assim por diante. Todas as categorias do Dispositivo do MMORPG podem ser afetadas pelos três modos de participação. Assim, quando, ao iniciar uma missão básica, o jogador recebe instruções do NPC explicando sua tarefa e o papel desta na guerra entre Horda e Aliança, está havendo Interpretação da Representação textual, a qual oferece conteúdo de Ambientação em história e narrativa. A seguir, quando um jogador dá um comando para mostrar o mapa da região para saber aonde deve se dirigir para completar a missão e inicia a caminhada, ocorre Reconfiguração da Interface, seguida de Interpretação da Representação visual (leitura do mapa), seguida de Reconfiguração da Representação (seu trajeto pelo cenário até chegar ao local desejado). Quando por fim inicia combate com uma criatura, há a Reconfiguração das Competências e capacidades do personagem e da Interface (escolha das armas para combater), seguidas de Interpretação da interface (que mostra os resultados dos seus golpes). Este processo de Interpretação-Reconfiguração da Interface e Representação continua até a vitória do personagem, quando então seu jogador envia uma mensagem aos colegas da guilda, cantando vitória usando um jargão típico do papel de seu personagem (Reconfiguração de

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Comunicação entre jogadores e Sistemas sociais, Construção de Papel). Em todo o processo a Interpretação, a Reconfiguração e, em menor grau a Construção, estão presentes. Embora o Dispositivo do MMORPG suporte este procedimento de decomposição mais granular, talvez sua utilidade maior seja como guia para análise de eventos mais complexos em linhas mais amplas. Assim, é possível aplicá-lo em situações comuns em World of Warcraft, como quando jogadores pressionam os game designers por mudanças no balanceamento do jogo. Neste caso, haveria jogadores operando através do modo de Construção na Infraestrutura, gerando alterações nas Regras do MMORPG, o que por sua vez redundaria em um novo movimento de Interpretação da base de jogadores, apreendendo as novas Regras e mudanças. Em um dado MMORPG, cada modo de participação tem uma intensidade específica, que pode ser estimada pela variedade de formas de se exercer Interpretação, Reconfiguração e Construção e também pela acessibilidade destas ao jogador. Assim, existem MMORPGs com forte ênfase em Interpretação (longos trechos de vídeo ou texto com a história do jogo) e Reconfiguração (muitas atividades disponíveis ao jogador), mas relativamente pouca Construção (não há facilidades para criação de conteúdo ou associação de jogadores). Outros MMORPGs têm diversas formas de Construção (sistemas sociais, formas de contribuição de conteúdo, compartilhamento de elementos do jogo em outras plataformas, etc.), mas poucas de Interpretação (por exemplo, não há uma história detalhada sobre o mundo virtual). Apesar destas características serem fortemente dependentes do projeto original do MMORPG em questão, as ações e atitudes dos jogadores podem alterar este equilíbrio, criando alterações nos modos de Interpretação, Reconfiguração e Construção dos MMORPGs com o consentimento e colaboração dos game designers ou por vezes à revelia destes. 5.2.1.4 Os Outros Jogadores O aspecto coletivo dos MMORPGs não se reflete apenas nas características de comunicação entre jogadores ou sistemas de organização de grupos e guildas, mas é algo imbricado na sua estrutura. Muitas vezes um novato vai aprender a jogar conversando com outros jogadores, assim como muitas vezes as notícias sobre eventos relacionados ao jogo (novas expansões, alterações nas regras, novos prêmios e habilidades) vêm mediadas por meio de colegas da guilda. A influência dos outros jogadores vai desde a prover conteúdo, como companheiros de batalha ou oponentes em duelos, até integrar um ambiente social onde o jogador conversa ou faz comércio ou ainda promover um espaço para compartilhamento e sedimentação de criações emergentes dos jogadores a partir de eventos do jogo.

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Não são incomuns nos MMORPGs jogadores que preferem jogar sozinhos, sem se relacionar com outros jogadores. Entretanto, mesmo que um jogador solitário faça todo o percurso de seu personagem sem nunca se comunicar com outro jogador, grupo ou guilda, nunca duelar, combater ou mesmo acenar para outra pessoa, ainda assim o coletivo de outros jogadores lhe dá uma população que habita o cenário ao seu redor. A mera presença de outros jogadores já influencia sua atuação, uma vez que aprende com o desempenho de outros em batalhas e vê jogadores com armaduras ou montarias diferentes que eventualmente podem lhe inspirar a buscar conquistas semelhantes. Além disso, o simples fato de tal jogador se saber observado já causa influências no seu comportamento, e, no sentido inverso, sua presença no mundo virtual vai afetar aqueles que o encontrarão pelo caminho. Por mais que ele tente não poderá evitar deixar a marca da sua presença no MMORPG. Mesmo aspectos tecnológicos são influenciados pelos outros jogadores: um servidor com pouca gente poderá dar ao jogador a sensação de um lugar abandonado, um servidor com muitos jogadores exigirá um tempo de espera na fila para que se entre no mundo virtual. Assim, é possível dizer que todos os aspectos da experiência de jogo em um MMORPG em maior ou menor grau são mediados pelos outros jogadores, muitas vezes alterando as intenções originais do jogador individual: Eu gosto mais dos vilões e dos personagens neutros do que dos bonzinhos. No meu primeiro ano minha ideia era essa, fazer meu personagem ser neutro. Só que as pessoas começaram a me ver como um vilão. Aí, esta fama se espalhou e meu personagem acabou se tornando mau na visão das pessoas. Mas ele não era mau. Eu estava do meu lado. (PlagueKnight)

Como esta influência é múltipla e extremamente variável, preferiu-se representá-la no modelo de forma mais abstrata, na forma de uma elipse a meio caminho entre os Contextos do Jogador e o Dispositivo do MMORPG, superpondo as linhas de Interpretação, Reconfiguração e Construção, como uma lente semitransparente. Isso representaria a mediação dos outros jogadores (em grupos ou isoladamente) na relação entre jogador e MMORPG. Seu preenchimento tem opacidade variável a fim de simbolizar os diversos graus em que a influência dos outros jogadores se faz sentir, influência esta que, por mais sutil que seja, sempre está presente. 5.2.1.5 Formulação Final A representação visual do modelo ARM pode ser vista a seguir, com o Dispositivo do MMORPG resumido a categorias principais e subcategorias, devido ao espaço limitado (Esquema 4). A formulação completa pode ser vista no Apêndice A:

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Esquema 4 – Modelo de Análise Relacional de MMORPGs: Contextos e Dispositivo (ARM)

Produção do autor.

Um último elemento do modelo é uma série de perguntas que orientam a aplicação do mesmo para a análise e produção de serious games para Promoção da Saúde, que estão listadas no quadro (Quadro 5) a seguir. Respostas positivas a estas questões ampliam o potencial de um MMORPG para promoção da saúde e podem ser um meio de avaliar um MMORPG já existente ou em desenvolvimento ou ainda de se estabelecer diretrizes para a criação de um novo projeto. Estas perguntas não pretendem esgotar todos os detalhes de um MMORPG e podem sofrer acréscimos ou alterações de acordo com a especificidade do projeto ou MMORPG que se esteja analisando.

Quadro 5 – Perguntas de avaliação81

Texto 

O jogador pode escolher Atributos para personalizar seu avatar (habilidades, aparência, trajes, formas de expressão em jogo)?



O personagem do jogador tem um Papel relevante no jogo?



As subcategorias de Texto possuem ou são flexíveis para apresentar conteúdos de saúde?



Texto e Sistemas operam em sinergia?

81

Os termos em negrito se referem a categorias e subcategorias do modelo.

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O Texto sobre saúde pode ser interligado com outros assuntos de interesse do jogador?



A relação do jogador com o Avatar permite sugerir noções de autocuidado?



Há oportunidades para o jogador aprender a evitar ameaças a buscar aprimoramentos pera seu personagem na Ambientação?



Na Ambientação aparece uma visão ampliada do papel das instituições públicas no alcance de uma saúde integral?

Sistemas 

Existem Mecânicas de Jogo detalhadas relacionadas a aspectos físicos e mentais do personagem? (comida, bebida, sono, doença, cura, morte, etc.)



O jogador pode escolher seu Itinerário (atividades, caminhos e formas de progresso)?



Existe variedade de Sistemas sociais e Comunicação entre jogadores?



Existem formas de Comunicação entre jogadores síncronas (chat, voz, gestos, etc.) e assíncronas (e-mail, mensagens instantâneas, mural de recados, etc.)?



Os Sistemas sociais permitem e/ou facilitam reuniões, festividades, solenidades, debates, assembleias e votações entre jogadores?



Os Sistemas sociais podem sofrer acréscimos/alterações com facilidade?



As Mecânicas de Jogo são acessíveis ao iniciante?



Competências e Capacidades do jogador são recompensadas? (medalhas, prêmios, etc.)



A Interface é acessível para jogadores com limitações visuais, auditivas ou motoras?

Infraestrutura 

Requerimentos de Uso e Conexão são acessíveis aos jogadores?



A Distribuição é gratuita?



A Distribuição e a execução do MMORPG podem ser feitos via navegador?



Existem diversos canais de Relação com usuários? (para reclamações, dúvidas e principalmente oferecer sugestões)



Como

forma

de

Relação

com

usuários,

os

game

designers/gestores

de

saúde/profissionais de saúde participam do jogo rotineiramente? 

Servidores e Bases de Dados garantem a permanência do personagem do jogador? (para o jogador poder retomar o jogo de onde parou)

Meio Ambiente 

O MMORPG faz Referências à cultura dos jogadores?

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O MMORPG faz Referências e Reverberação a assuntos fora do jogo?



O MMORPG é previsto para diferentes Ambientes e situações de jogo? (casa, escola, lan house, casa de amigos, etc.)



O MMORPG estimula a criação de Comunidades? (em redes sociais e ambientes virtuais externos e/ou plataformas mantidas pelo próprio MMORPG)



O MMORPG estimula jogadores à Reverberação de ações relacionadas à Promoção da Saúde fora do jogo?



O MMORPG permite/estimula a criação/compartilhamento de Produção dos fãs? (através de funcionalidades para captura de imagens e vídeos, compartilhamento direto em redes sociais e galerias on-line para exibição)

Quanto à participação 

Existem vários meios de Reconfiguração?



Existem vários meios de Construção?



Os meios de Construção são acessíveis ao jogador?



Existem recompensas ou reconhecimento pela Construção exercida pelo jogador? Produção do autor.

Este modelo permite descrever melhor os fluxos entre o jogador e o MMORPG, e os modos como estes fluxos ocorrem, bem como as influências dos demais jogadores. Assim como foi dito de suas partes isoladas, não é intenção do modelo descrever de forma cartesiana as complexas relações humanas que permeiam um MMORPG, até porque, em princípio, todos os elementos de cada polo estão interligados. A ideia do modelo é permitir identificar as “rotas” principais, os fluxos de contato mais fortes, por onde tais relações acontecem. Assim, algumas das rotas possíveis entre os dois polos são incomuns enquanto outras são bem mais frequentes. A experimentação do modelo para a finalidade que está sendo proposto não seria possível no âmbito desta tese, exigindo outras condições e horizontes temporais. No entanto, numa aproximação de algumas de suas possibilidades analíticas, foi aplicado na análise das entrevistas, buscando-se identificar formas de atribuição de sentidos pelos jogadores. Examinar as entrevistas tendo este modelo como estrutura analítica permitiu entender melhor as próprias categorias privilegiadas e assim aperfeiçoar a proposta. Assim, as falas dos entrevistados foram consideradas levando-se em conta seus contextos pessoais enquanto jogador, a influência dos demais jogadores, as formas de participação e as categorias do MMORPG que tocavam. Como forma de anotar as falas, usou-

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se um código visual composto de contexto(s) do jogador + modo de participação + categoria(s) do MMORPG. Assim, quando Merlina conta que aprecia o World of Warcraft devido às referências literárias com que se depara, isto é uma relação entre contexto Existencial e Intertextual do jogador e a categoria de Meio Ambiente e Texto do MMORPG, ocorrendo ao longo do eixo de Interpretação e poderia ser codificado assim: I E ─M T . Outro exemplo, o de PlagueKnight contando que quando começou a jogar ofendia quem se aproximasse porque não podia conversar devido à sua conexão inadequada e à sua inexperiência em jogo, é uma Reconfiguração envolvendo o contexto Tecnológico e Intertextual do jogador e a categoria de Infraestrutura e Sistemas do MMORPG, podendo ser representada desta forma: I T 

I S . Já o caso relatado por Healium, sobre como está

criando add-ons para melhorar seu desempenho em jogo e não ficar defasado em relação ao resto do grupo envolve os contextos Situacional e Tecnológico, afetando por Construção a categoria de Infraestrutura e Sistemas, podendo ser representado deste modo: S I  I S . Esta notação simples auxiliou o trabalho com as informações transcritas. Ela não será representada nas falas a seguir, mas aparece aqui descrita como parte acessória do modelo. Aplicando estes princípios em um hipotético serious game para a saúde, o MMORPG faria todo o caminho das categorias de Texto e Sistemas, passando pela Infraestrutura e Meio Ambiente até chegar ao jogador, processo este que seria influenciado por outros jogadores. Uma vez chegando ao jogador, passaria pelos seus contextos Tecnológico (que é o que primeiro recebe a informação), Intertextual (fazendo links com outras informações relacionadas aos video games e à saúde), Situacional (alterando sua disposição para com o jogo) até o Existencial (levando-o a avaliar suas opiniões e perspectivas). Assim, este modelo tripartite, envolvendo os Contextos do Jogador, o Dispositivo do MMORPG e a “lente” que é a influência dos outros jogadores, auxilia a entender as formas de participação em um MMORPG para a promoção da saúde. Temas das Entrevistas A análise trouxe temas que aparecem nas entrevistas e que revelam processos de atribuição de sentido e de entrelaçamento entre o mundo virtual do jogo e o mundo físico, tanto no seu aspecto pessoal quanto coletivo. A seguir, tais temas serão apresentados e discutidos em detalhes, ilustrados com as falas dos jogadores.

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5.2.2.1 Imersão no mundo Muitos dos entrevistados mencionaram aspectos sensoriais ao falar das razões pelas quais se sentiam tão atraídos e engajados na experiência de jogo em World of Warcraft, descrevendo com frequência a sensação de se estar em outro mundo ao jogar. No contexto dos video games, imersão é o nome dado a este fenômeno de se sentir “dentro” do ambiente virtual, e embora haja consenso a respeito de sua importância, há diversas opiniões a respeito do que o termo significa precisamente (CALLEJA, 2011)82. No contexto desta pesquisa, imersão é usada no sentido de se sentir transportado para um ambiente simulado digitalmente e experimentar outra realidade, experiência que é prazerosa em si mesma (MURRAY, 2003). A imersão é um termo frequente ao se discutir mundos virtuais e aparecerá várias vezes nas falas dos entrevistados. O aspecto mais imediato que favorece a imersão é o sensorial. World of Warcraft é um jogo cujos atributos visuais, sonoros e ambientais (correspondendo à subcategoria de Representação do Dispositivo do MMORPG) demonstram um cuidado muito grande na sua composição. O jogo foi criado em 2004, portanto, seus gráficos, planejados para serem viáveis na tecnologia gráfica dos computadores da época, hoje parecem muito ultrapassados. Entretanto, embora muitos entrevistados reconheçam esta defasagem, argumentam que o jogo ainda detém um grande apelo visual: Apesar de o gráfico ser ultrapassado para mim isso é irrelevante. Eu gosto muito da arte. Acho que a arte em estilo cartoon é sensacional. (Dotctor)

É possível ver na fala de Dotctor não apenas sua preferência pessoal (Contexto Existencial), mas sua associação do que vê em World of Warcraft com a mídia dos desenhos animados (Contexto Intertextual), que por sua vez reflete o cuidado da Blizzard na criação de um jogo acessível para uma certa cultura (Meio Ambiente do Dispositivo do MMORPG). Compondo o aspecto sensorial, os efeitos sonoros, a trilha sonora épica, o cenário natural e até a iluminação do jogo foram especificamente criados para cada região geográfica. Assim, a cidade principal dos anões (uma raça com tradição em mineração) é escavada no interior de uma enorme montanha com decorações rústicas em metal e pedra, enquanto nas cidades e vilas dos elfos (uma raça mais próxima à natureza), os prédios são árvores enormes

82

Consultar Calleja (2011, p. 17-34) para uma discussão mais detalhada sobre o termo imersão e suas diferenças e semelhanças com o conceito de presença.

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enfeitadas com luminárias delicadas e fogos-fátuos. Este cuidado em dar a cada área uma personalidade própria é uma constante no jogo: Eu conheci ambientes diferentes porque eu tenho personagens de diversas raças e há um cuidado no trato visual do ambiente de origem de cada raça, a maneira como é feita a iluminação, colocação de objetos e a decoração em cada lugar. Em World of Warcraft tem um trabalho de direção de arte muito bom. (Morea)

Estes elementos não devem ser enxergados apenas como mera decoração, entretanto, uma vez que seu papel na imersão do jogador ajuda a criar a impressão de um mundo fantástico, porém real, passível de ser habitado e explorado. Muitos jogadores falaram do prazer que sentem em simplesmente caminhar pelo mundo e explorar novas regiões, muitas vezes fazendo capturas da tela com os cenários que presenciam e criando álbuns de viagens virtuais. Nesta exploração, os jogadores têm plena oportunidade de apreender o enorme tamanho e as possibilidades do mundo apresentado por World of Warcraft, de modo que é possível dizer que os aspectos de Representação do jogo não são decorativos, nem apenas funcionais, mas cumprem também um papel de reforço à narrativa épica que o jogo propõe, sendo maneiras de refletir ao jogador seus atributos de tamanho, amplitude, história e fantasia: Como eu passei muitos anos sem jogar eu fiz logo uma comparação com os jogos de quanto eu tinha quinze anos. [...] Fazendo esta comparação eu comecei a enxergar o universo destes jogos. Eu identifiquei este espaço como um espaço onde os sonhos se realizam. Porque quando a gente jogava aqueles jogos mais limitados, a gente sempre tinha desejos: “Poxa seria tão bom se meu personagem pudesse ultrapassar aquele muro e ver a paisagem do outro lado...” Mas o muro está lá porque o jogo acaba lá. Este jogo [World of Warcraft] é do tamanho de um universo. Eu posso fazer coisas que eu sonhava, mas era impossível antes, como trocar de roupa, customizar o personagem, ou fazer um passeio que não tem nada a ver com uma missão, simplesmente vagar e descobrir um ambiente novo, apreciar o trabalho artístico que outra pessoa fez e incorporou no jogo. (Morea)

Funcionando em consonância com a subcategoria de Representação, há a Ambientação ficcional de World of Warcraft, responsável para dar um contexto narrativo ao percurso dos jogadores e às batalhas que realizam. Em geral, no desenvolvimento de um MMORPG há toda uma preocupação por parte dos desenvolvedores em criar um pano de fundo histórico para os eventos do jogo. No caso de World of Warcraft, a preocupação destes não se resumiu a manter a coerência entre as diversas linhas narrativas presentes nas várias expansões do MMORPG, mas também entre estas e os jogos anteriores da franquia, uma vez que o World of Warcraft foi precedido por três jogos estratégicos (para usuário único, off-line) chamados simplesmente de Warcraft. Esta saga, que se desenrola desde 1994 com o

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lançamento do primeiro Warcraft, tem inúmeros personagens, heróis e vilões e se desdobrou, além dos quatro video games, em jogos de tabuleiro, de cartas, histórias em quadrinhos e romances. Este aspecto narrativo é um forte fator de atração para muitos jogadores entrevistados, similar ao encontrado em outras formas de entretenimento e nesta fala de Shammurai é possível ver os Contextos Existencial e Intertextual do jogador se relacionando através de Interpretação com o Texto (Ambientação) e Meio Ambiente (Cultura > Referências): O que eu gosto é o enredo. Eu procuro jogos pelo enredo, como um filme. Eu acompanho o lore. Eu venho jogando desde o Warcraft e eles continuaram a história do Warcraft no Wow. Isso me chamou a atenção porque para mim a história tem mais apelo que o visual do jogo. (Shammurai)

Devido aos elementos de fantasia medieval que apresenta, derivados de inúmeras fontes que vão da obra de J. R. R. Tolkien ao RPG Dungeons and Dragons, World of Warcraft também toca no Contexto Intertextual do jogador, ressoando com seu conhecimento destas e de outras obras anteriores, o que acaba por facilitar a entrada do jogador no mundo virtual: A história foi um fator que me atraiu muito, principalmente no início, quando descobri o jogo. World of Warcraft tem uma história de fantasia que era muito forte na nossa infância. Fazia algum tempo que eu não via isso e eu achei muito envolvente. Ao invés de fazer as missões cegamente para subir de nível, eu realmente quis ler a história para entender as origens dos personagens. (Morea)

A Ambientação de World of Warcraft também é apresentada de forma mais pessoal aos jogadores, entrelaçada com as histórias de seus personagens através das missões que lhes são propostas ou dos NPCs que encontram. Dessa forma, o jogador está constantemente encontrando referências à narrativa maior em seu percurso particular, vendo pequenos trechos da história de Warcraft surgirem em suas andanças e experimentando a sensação de vivenciar um mundo vivo e dinâmico: Eu tenho um método para fazer as quests e aproveitar cada quest, sua história. Eu gosto de ler, eu gosto de saber o que está acontecendo, gosto de saber o porquê daquela quest. Eu gosto da história. Quando eu comprei o Cataclysm [pacote de expansão do World of Warcraft] eu ficava horas ouvindo cada quest. Parava e morria de rir, brincava realmente com a coisa. O cara faz o maior jogo legal, cheio de coisas interessantes e muita gente não presta atenção... (Waerloga)

Neste ponto sua participação não se resume à Interpretação, mas também à Reconfiguração de certos elementos do jogo, permitindo aos jogadores (ainda que com

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limitações) se relacionar com os personagens clássicos da franquia e influenciar a narrativa do mundo virtual: Acompanho a história desde o primeiro Warcraft. Comecei a jogar o World of Warcraft e pensei “Deve ter alguma coisa por trás disso, o Illidan [um dos principais vilões] não brotou do nada para conquistar o mundo.” Aí me falaram: “Não, ele apareceu primeiro em Warcraft.” Então peguei o Warcraft, joguei e gostei. Já li alguns quadrinhos e estou procurando os romances para ler. Gosto dos raides porque seguem a história. E você interage com os personagens do Warcraft clássico. (Thornstar)

Esta história de fundo do jogo é um ponto de grande interesse para muitos jogadores. E ela não se manifesta apenas nas grandes batalhas épicas, mas aparece também no cotidiano de cada personagem. Seja nas capitais ou nos pequenos vilarejos há sempre sinais que remetem à narrativa maior, de forma que os jogadores sempre estão cientes do mundo que os cerca. Entre estes sinais, há também itens mais corriqueiros, que contribuem para dar realismo ao ambiente, ainda que seja um realismo determinado pelas regras do mundo de fantasia. Assim, espalhadas pelos reinos existem cidades e cada raça tem cidades, vilas e uma capital, com um estilo visual característico, onde é possível encontrar vários serviços, vendedores de objetos e armas, treinadores marciais e até mesmo correio, agência bancária e casa de leilões. Este detalhamento na construção do mundo ficcional é uma similaridade que MMORPGs como World of Warcraft têm com formas narrativas, com o propósito de ampliar a imersão e o envolvimento emocional do jogador (KLASTRUP, 2009). Apesar de gostarem muito do MMORPG, é relevante ressaltar que alguns entrevistados não consideram interessante ou desejável a expansão de World of Warcraft para outros ambientes virtuais, como missões passíveis de serem realizadas em redes sociais: O Facebook não daria um suporte bom, iria ficar muito bobo. E teria interrupção o tempo todo, gente querendo falar com você... O legal do World of Warcraft é que você tem aquele mundo, aquele lugar, e você vai para lá. Se você quer mais, já tem Wow em jogo de cartas, tem tabuleiro de World of Warcraft. Mas Facebook não. É melhor que o Wow fique um mundo à parte. (Waerloga)

Embora alguns entrevistados citem questões de ordem prática como as limitações técnicas, percebe-se uma preocupação em manter o World of Warcraft separado da realidade cotidiana. Parece haver a intenção de reservar tempo e atenção integral ao jogo, evitando as atividades típicas de redes sociais e outros ambientes on-line semelhantes que interromperiam o processo de imersão. Assim, o Contexto Situacional do jogador interfere nos Ambientes e situações de jogo da categoria de Meio Ambiente do MMORPG.

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No lado do jogador a exploração do mundo se relaciona principalmente com os Contextos Existencial e Situacional, mas sendo viabilizada pelo Tecnológico e auxiliada pelo Intertextual. O processo é tanto por meio de Interpretação, principalmente do Texto do MMORPG pelo jogador, quanto por Reconfiguração (principalmente do Texto e dos Sistemas do MMORPG), seja na forma como o jogador guia seu personagem no cenário ou também como também interfere em diversos elementos do ambiente virtual por meio dele. A diversidade de caminhos, atividades, cenários, a história que se reflete nas missões, na arquitetura e nos monumentos, a multidão de NPCs executando suas tarefas diante do jogador, tudo isso ajuda a conferir a imersão ao MMORPG. É possível dizer que no primeiro contato com World of Warcraft há um processo de encantamento, muito similar à sedução do virtual mencionada por Turkle (1995). Entretanto, se os aspectos mais sensoriais (Representação) são responsáveis por tal encantamento inicial do jogador, sua ativa e constante participação tanto em uma história épica (Ambientação) quanto em um cotidiano de fantasia (Avatar) mantêm seu engajamento constante no jogo: Há diversas possibilidades para se interagir, muitas missões, profissões e especializações. O grande atrativo é que o jogo é um mundo. (PlagueKnight)

Em MMORPGs, imersão é uma qualidade relevante; ela intensifica o interesse do jogador no mundo virtual e o faz sentir-se em outro ambiente. Imersão também põe o jogador em um modo exploratório ativo, mais disposto a buscar e apreender os conteúdos apresentados no MMORPG. Ela contribui para fortalecer a ilusão de um mundo virtual ao redor do jogador, situando-o no ambiente fictício e também favorece sua aproximação com o personagem no MMORPG, estreitando laços com o avatar. Desta forma, no que tange a um hipotético MMORPG para a Promoção da Saúde, a imersão teria um papel fundamental em quatro aspectos principais: primeiro, ela seria um atrativo inicial para manter o interesse no jogo e continuar a experiência; segundo, ela fomentaria no jogador este modo exploratório, que o tiraria de uma atitude passiva diante da mídia, levando-o a buscar de forma mais ativa o conteúdo do jogo, incluindo as informações sobre saúde; terceiro, ela ajudaria a conferir um senso de mundo ao MMORPG, onde o jogador poderia habitar, aventurar-se, sentir-se um herói e também parte de uma comunidade.

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5.2.2.2 Avatar, identidade e corpo Uma das questões feitas aos entrevistados era se jogavam com personagens do sexo oposto (prática chamada de crossgen entre os jogadores de MMORPGs). Vários jogadores contaram que jogavam apenas com personagens de seu próprio sexo, já outros chegaram a criar personagens do sexo oposto, apenas como curiosidade, sem jogar regularmente com eles. Uma minoria joga regularmente com avatares de ambos os sexos. No caso do primeiro grupo, as razões para jogarem apenas com personagens do mesmo sexo estavam relacionadas com a identificação com o avatar, fosse por ser mais fácil tal ligação com um avatar do mesmo sexo, fosse pelo desejo de se ter uma versão virtual dentro do jogo, muitas vezes com um grau de idealização: Não tem nada a ver com preconceito nem nada, mas acho que a gente imagina o personagem que cria como um pouco do que a gente gostaria de ser. (Altair)

Esta tentativa de criar identidade (Reconfiguração entre o Contexto Existencial e o Avatar do Dispositivo do MMORPG) a partir da escolha de gênero em alguns casos se estendia à aparência física, com alguns jogadores deliberadamente vestindo seus personagens com trajes semelhantes aos que usam no mundo real. Alguns dos entrevistados relataram que modificar a aparência do personagem, personalizando seu equipamento, armas, vestes e armaduras é muito estimulante e muitas vezes se torna um jogo em si: Prefiro ser um personagem que lembre um pouco de mim, em algumas coisas. Por exemplo, na forma de atuar no jogo, na forma de vestir. Tem muito de um gosto pessoal meu. (Grimsheeper)

Já os que jogam com personagens do sexo oposto contam que pessoalmente não sentem diferença no seu modo de jogar, mas percebem mudanças no comportamento dos outros jogadores, que vão desde piadas com o crossgen (quando os outros jogadores conhecem quem está jogando), até mudanças no tratamento: Este sacerdote [que eu jogo] era um personagem feminino, mas eu o passei para masculino [usando uma funcionalidade disponível aos jogadores], porque estava muito estranho. As pessoas fazem piadinhas, etc. Era engraçado, mas eu sempre tive um rapport com os personagens que eu jogo. Assim, acabei passando ela para homem. (Actæon)

Esta diferença de tratamento para personagens femininos e masculinos por parte dos demais jogadores foi levantada várias vezes nas entrevistas. Alguns entrevistados percebem um tratamento mais educado quando outros jogadores conversam com seus personagens

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femininos, tratamento este que chega a se traduzir em presentes, ofertas de ajuda e outros eventos que afetam o desenrolar do jogo. Neste caso a mesma relação (Reconfiguração entre o Contexto Existencial e o Avatar do Dispositivo do MMORPG) é fortemente influenciada pelos demais jogadores, levando alguns dos entrevistados a mudarem seus comportamentos em função disso: Quando comecei a jogar World of Warcraft o jogo ainda era recente. Eu tinha um personagem feminino e um masculino. Jogar com o feminino era engraçado, porque os homens davam em cima de mim. Eu tive que aprender inglês para dar foras nos jogadores que davam em cima de mim. Acho que, como era um jogo novo ainda, normalmente os homens jogavam com personagens masculinos e as mulheres com personagens femininos. Eu criei este personagem feminino para fazer profissões apenas, porque na época a facção inimiga não atacava mulheres. Assim, eu podia andar pelo mundo sem ser perturbado. Existia um certo cavalheirismo. (PlagueKnight)

No outro extremo, algumas entrevistadas contaram que muitos jogadores homens não acreditam que mulheres saibam jogar World of Warcraft. Parece haver duas crenças extremadas com relação ao gênero do avatar: a primeira é muitos jogadores assumirem que o gênero do avatar sempre corresponde ao gênero do jogador, a segunda é assumir que não há mulheres jogando video games. Esta última foi uma crença tradicional da indústria de video games, na qual se tinha a imagem de um jogador padrão como um adolescente do sexo masculino, mas os desenvolvimentos dos últimos anos como jogos nas redes sociais e os próprios MMORPGs mudaram este quadro: O site [WoWGirl] é muito legal. É a visão realmente feminina e mostra que garotas sabem jogar. Não é aquele negócio de ir brincar e não sabe o que está fazendo. Até porque uma das meninas que escrevem lá é muito boa. Ela faz tutoriais de jogo. Ela cria vídeos ensinando a jogar e participa de eventos. (Waerloga)

No caso do site mencionado, é possível ver que a influência dos jogadores preconceituosos tensiona o Contexto Existencial e Situacional de jogadoras para que, por meio de Construção, criem Produção de fãs (Meio Ambiente do Dispositivo do MMORGP) para expressar sua voz, que por sua vez ganha reconhecimento institucional da Blizzard através da sua Relação em Usuários (categoria Infraestrutura). Apesar disso, parece que entre muitos jogadores de World of Warcraft ainda existe tal preconcepção a respeito do tipo de público que habita seu jogo: O cara fica conversando, cantando você, contando histórias. Às vezes há até certas vantagens, porque quando pensam que você é mulher eles dão presentes, oferecem ajuda... (Healium)

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Eu fiz um goblin guerreiro porque achei engraçado aquela coisinha pequena ser um guerreiro e defender todo o grupo. Para mim não tem diferença entre jogar com personagem masculino e feminino, até porque os jogadores nem acreditam que você é mulher... Primeiro não acreditam que você é mulher, segundo se você fala que é casada e tem trinta e cinco anos, aí fica ainda mais difícil acreditarem. Dizem que é difícil achar uma mulher jogadora, mas eu tive este contato desde pequena. Eu tive irmão. Então teve esta coisa de entrar no mundo masculino de forma mais participativa. (Thrasia)

Estas questões envolvendo gênero no mundo virtual se alinham com os achados de Yee (2011) e Ducheneaut (2006b) mencionados no capítulo 3, demonstrando que o jogador não abandona quem ele é ao entrar em World of Warcraft, mas preserva sua identidade, características, limitações e peculiaridades, descritas neste caso específico principalmente pelos contextos Existencial (identidade, experiência passada) e Intertextual (significando aqui o conhecimento sobre outros MMORPGs e o mundo dos video games, ainda que este conhecimento esteja incompleto ou equivocado). Questões similares entre jogador e personagem parecem surgir também na escolha de facção (Aliança e Horda). Embora os dois lados da guerra sejam equivalentes em termos de poder e nenhum seja considerado moralmente superior ao outro, vários entrevistados frisaram só jogar com personagens da Horda e nunca com personagens da Aliança. Embora não seja possível atestar esta preferência em termos numéricos, é digno de nota que não foi detectado o mesmo partidarismo com relação à Aliança. Uma explicação possível é que os personagens da Aliança, por serem mais próximos do humano, são mais acessíveis ao leigo e menos interessantes ao jogador experiente, enquanto as raças bestiais da Horda seriam complexos anti-heróis: Horda sempre! Eu gosto de ser outsider. E acho que a partir do momento em que você escolhe a facção em que você vai entrar, mesmo conhecendo pouco dela, você acaba vestindo a camisa. Mesmo que você não vá ganhar nada com aquilo, se você está em um lugar e tem alguém da Aliança lá é uma questão de honra ir enfrentá-lo. É uma questão de honra matar membros da Aliança. É como time de futebol. (Bowmie) Eu jogo pela Horda. Eu acho que a Aliança é mais comercial, mais vendável. Qualquer pessoa que não entenda nada e entre no World of Warcraft vê um lado bonito e outro feio. Aí pensa: “Estes são bons e aqueles maus. Vou jogar com um personagem do bem.” É uma escolha imediata que a pessoa faz. Para jogar de Horda, só se você realmente conhecer e gostar. E eu gosto da história da Horda. (Skillstorm)

Nesta escolha não pesam apenas questões estéticas (personagens mais bonitos na Aliança) ou morais (os personagens da Horda parecem maus), mas é possível depreender da fala de Skillstorm (assim como de outros entrevistados) que jogar pela Horda é visto como

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um sinal de experiência e conhecimento do jogo, enquanto jogar pela Aliança é relegado aos leigos. Neste caso nota-se como a opção de facção (relacionada com o Texto e os Sistemas do modelo ARM), onde tanto a escolha da Horda como da Aliança seriam igualmente válidas enquanto projeto dos game designers, acaba sendo influenciada por fatores externos à história ou às regras do jogo, a partir dos contextos Situacional e Intertextual do jogador individual, assim como pela visão coletiva dos outros jogadores. Para além das questões de aparência e gênero, há uma preocupação dos jogadores em aprimorar seus personagens por meio do ganho de níveis de experiência, uma característica essencial dos MMORPGs que responde por muito da motivação do público. Diferente dos video games de esportes ou jogos de tiro, nos MMORPGs há uma evolução do personagem em paralelo com a evolução da habilidade do próprio jogador. Para alguns entrevistados, ganhar poder é apenas uma questão de praticidade: quanto maior o nível, maior o poder e resistência do personagem e maior a liberdade que o jogador terá para explorar o mundo sem ser perturbado por inimigos: Gosto de aprimorar a aparência e as roupas. Mas como sou iniciante, eu quero mais poder para me sentir mais segura, não morrer tão facilmente e perder o que conquistei durante o jogo. A parte que eu mais gosto do jogo é explorar os ambientes e o poder é importante para mim para vencer o combate com mais facilidade e não ficar morrendo e voltando para o cemitério toda hora. (Morea)

Já para outros entrevistados o aprimoramento e ganho de poder do personagem é a própria essência do jogo por diversas razões: ter constantes vitórias em confrontos, se saber capaz de autodefesa, jogar em pé de igualdade com os outros, defender sua facção nos campos de batalha, sobressair entre os demais, oprimir os jogadores mais fracos e inexperientes: Aprimorar o personagem é 100% importante, uma das coisas mais importantes do jogo. Poder é claro, como eu gosto de PvP, quanto mais forte melhor. E quem não gosta de ter um personagem com aquela armadura incrível? Tem um fator vaidade no meio também. (Envenom)

Há também o prazer de galgar níveis, ganhando novas habilidades e títulos até chegar ao nível máximo do jogo, que funciona como um atestado da capacidade do jogador. É frequente a mistura entre aprimoramento do personagem e evolução do jogador que o controla: Há razões para o World of Warcraft ser o maior MMORPG de todos os tempos. Ele é viciante. Tem uma fórmula ali que faz você ficar pensando nele. Subir de nível é o mais importante para mim, o resto é acessório. A questão da progressão é principal, você sentir seu personagem melhorando. Para mim, ver como você melhorou enquanto jogador é a grande motivação. (Dotctor)

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Neste caso, embora o objetivo final seja o mesmo, ganhar poder e aprimorar o personagem (Reconfiguração do Jogador dos Sistemas do Dispositivo do MMORPG), o Contexto principal de onde partem as rotas é diferente nos três casos, respectivamente Existencial (autoproteção e desejo de imersão no virtual), Situacional (abordagem competitiva, reputação) e Intertextual (competência do jogador, conhecimento). Entretanto, se de um lado há interesse em aprimoramento, por outro há a constante preocupação por parte de alguns jogadores com a segurança e a capacidade do seu avatar: Fico fazendo as quests de juntar 60 itens. O monstro só aparece no mapa em lugares aleatórios e de hora em hora, e mesmo assim eu continuo fazendo, porque assim conquisto os itens mais poderosos. Normalmente as pessoas param no Gear 10 [nível de poder de equipamento] e se acham fortes, mas se eu estou com Gear 15 e um destes jogadores me ataca quase não me causa dano. Então é muito importante para lutar contra os bosses ou mesmo no PvP. Manter meu personagem vivo é muito importante para mim. (Badshot)

Este é um fator relevante ao se considerar o potencial dos MMORPGs para a saúde. Se for possível levar o jogador a encarar seu avatar de fato como seu “corpo virtual”, sua preocupação no aprimoramento dentro do jogo poderia eventualmente ser transferida para fora do jogo em favor de seu corpo físico. Apesar de este parecer um grande salto à primeira vista, relatos dos entrevistados demonstram momentos de forte entrelaçamento entre o personagem e o jogador: Quando eu estava jogando agora [há pouco] eu estava fazendo umas quests que eram no fundo do mar e entrei por um lugar que não conhecia e de repente eu saí sobre um precipício que não tinha fim. Eu levei um susto tão grande, fiquei morrendo de medo e pensei: “Caramba, como vou sair daqui e voltar para a praia?”. Fiquei totalmente imersa no jogo. Aí, disse para mim mesma: “Calma, você não está na água, você está na sua cadeira. Este é seu personagem. Você pode entrar aí”. (Waerloga)

Esta fala demonstra a alteração constante entre jogador e avatar (alterações no Contexto Situacional): ela começa descrevendo suas ações como jogadora (“Quando eu estava jogando...”), depois as ações do avatar dentro do jogo na primeira pessoa (“... entrei por um lugar que não conhecia e de repente saí sobre um precipício que não tinha fim.”), depois novamente como jogadora e talvez personagem (“Eu levei um susto tão grande, fiquei morrendo de medo...”), depois diz para si mesma enquanto jogadora, (“Calma, você não está na água...”, “Este é seu personagem.”) e por fim novamente retorna de outra forma ao ponto de vista do personagem (“Você pode entrar aí.”). Este é apenas um exemplo dentre tantos

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outros que comprovam não apenas que há uma inter-relação estreita entre personagem e jogador, mas que é esta é contínua, dinâmica e negociada pelo próprio jogador. Este elo estreito é testemunhado por vários entrevistados que tiveram oportunidade de conhecer seus amigos feitos dentro de World of Warcraft em carne e osso. Segundo eles, o comportamento dentro e fora do mundo virtual frequentemente tem similaridades, mesmo levando-se em conta as diferenças de ambiente. Muitas vezes esta semelhança chega aos atributos físicos: Conheci todos da guilda que moram no Rio. A maioria deles era parecida com os avatares. O personagem do meu amigo é um tauren druida e quando o conheci vi que tinha mais de dois metros, era musculoso, fazia artes marciais, mas era calmo, todo zen, igualzinho ao personagem, até fisicamente. Outra personagem era uma bruxa morta-viva, barraqueira que só... (Thornstar) O momento de conhecer ao vivo é engraçado porque você reconhece alguns trejeitos... A pessoa no jogo tem mania de ficar saltitando, andando pra lá e pra cá. Aí você conhece pessoalmente e vê que ela é uma pessoa que de fato não para quieta. (Palatinus)

Assim, criar um avatar se relaciona com o Contexto Existencial do jogador, com o Situacional e, no caso dos jogadores que criam avatares inspirados em personagens de outras histórias e mídias, também com o Contexto Intertextual. A relação com o jogo pode ser tanto um processo de Reconfiguração (onde o jogador) cria o avatar (pelo menos inicialmente) apenas como um artefato necessário, ou também um processo de Construção, onde o jogador define, implícita ou explicitamente, personalidade, história de vida e maneirismos a seu personagem. No lado do MMORPG o avatar se relaciona tanto com o Texto (como se encaixa na história), quanto com os Sistemas, no seu aspecto operacional. Independentemente da forma particular de relação em cada caso, o avatar é um elo importante entre o jogador e World of Warcraft. É sua primeira forma de marcar presença no mundo virtual, de assumir uma posição e ratificar seu intuito de permanência, de se tornar um local. O fato de o jogo ocorrer em um mundo de fantasia e o avatar ser representado graficamente de forma estilizada e pouco realista não é impedimento para o surgimento de relações de identificação entre ele e seu jogador, sendo que criar, personalizar, desenvolver e agir por meio deste avatar representam aspectos importantes da atração e engajamento que World of Warcraft exerce sobre seus jogadores. Este envolvimento, aplicado para a Promoção da Saúde, aproxima a prática do aprimoramento do avatar à ideia de aprimoramento da sua

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“saúde virtual” e pode ser capaz de demonstrar ao jogador que seus cuidados para preservação do seu personagem podem ser refletidos no mundo físico através de medidas de autocuidado. 5.2.2.3 O que é ser hardcore? Um aspecto relevante para se entender o engajamento dos jogadores é o seu nível de dedicação a World of Warcraft. Este é um elemento muito variável de pessoa para pessoa, assim como as maneiras como ele se manifesta. Um termo para designar os jogadores muito engajados no jogo é hardcore. Hardcore, conforme mencionado no capítulo 3, são os jogadores fortemente investidos no aspecto instrumental do jogo, buscando o máximo de eficiência no seu percurso em busca de conquistas. No extremo oposto estão os casuais, jogadores menos preocupados com seu desempenho e mais em explorar facetas do mundo virtual. Ou ainda, nas palavras de um dos entrevistados: Hardcore é você ter horário para chegar, para jogar, para cada partida. Toda terça e quinta você tem que estar lá porque o pessoal conta com você. É quase um trabalho. Casual é não fazer nenhum raide, apenas os quests normais e ficar explorando áreas antigas para melhorar sua relação com as várias facções do jogo. (Abominor)

Alguns dos entrevistados se assumiram como jogadores hardcore devido às longas sessões de jogo (de quatro a dez horas seguidas) que mantinham ou ainda à frequência delas (pelo menos quatro dias por semana). Outros se definiam pelas atividades que realizam, tomando como determinante principalmente a participação em raides, missões em grupo consideradas mais difíceis. Outros ainda pelo tempo que dedicam à constante busca de conquistas e equipamentos no jogo. Assumir-se como hardcore frequentemente não se restringe à individualidade do jogador, mas afeta outros em maior ou menor grau: Não consigo jogar menos de quatro horas e no início jogava de 6 a 8 horas por dia. No começo eu era hardcore. Eu era um jogador chato. Na guilda os mais experientes mandavam nos mais novos. Eu era um tirano. Nós dávamos ordens e tarefas aos iniciantes. Hoje estou numa guilda que, por ser brasileira, é meio republicana e é cada um por si. Hoje eu sou mais flexível, ajudo os caras mais novos. Antigamente eu levava o jogo muito a sério.

Hardcore está ligado na maior parte das vezes ao Contexto Situacional do jogador, relacionado com as horas que dedica ao jogo, a forma competitiva com que o encara e a reputação que muitas vezes almeja adquirir em World of Warcraft. No lado do Dispositivo do MMORPG, os hardcore tendem a concentrar sua atenção na categoria de Sistemas. Abominor é um jogador que conta ter sido hardcore durante um longo período quando começou a jogar

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World of Warcraft. Era comum para ele jogar durante oito horas quase todas as noites, dormir entre duas e quatro horas de sono e sair para o trabalho. Embora hoje se defina como “super casual”, entende que a dedicação ao jogo traz alguns benefícios para os jogadores de melhor reputação, como convites para as guildas mais prestigiadas, o que acaba tendo efeitos bem perceptíveis na rotina de jogo: Isso influencia dentro do jogo porque dentro de uma guilda você ganha confiabilidade, o pessoal passa a contar com você para evoluir. E você também evolui melhor dentro do jogo, porque você conquista mais itens e descobre as fases. (Abominor)

No entanto, alguns jogadores evitam se classificar como hardcore, mesmo muitas vezes possuindo características associadas ao termo. Actæon, por exemplo, é um jogador brasileiro muito experiente e lidera uma guilda especializada em raides composta de jogadores americanos, que tem um rígido calendário com datas e horários para os raides. Não obstante, não se vê como hardcore: Eu sou, na falta de um nome melhor, softcore. Eu não jogo que nem um louco, os resultados que acontecem mexem pouquíssimo no meu emocional, [...] mas ao mesmo tempo eu levo a sério. Estou sempre lá, faço o melhor que posso para meu personagem estar sempre no [nível] máximo. (Actæon)

O caso de Palatinus também é digno de nota. Duas amigas suas foram entrevistadas antes dele e separadamente atestaram que Palatinus era o jogador “mais hardcore” que conheciam em World of Warcraft. Quando perguntado como se classificava, entretanto, o próprio Palatinus se identificou como casual: Eu me classifico como casual. Hardcore tem muito de focar em um único personagem, tudo sempre nele, fazer raides até o final no nível mais difícil. Eu já não procuro mais esta dificuldade. Eu gosto de testar os personagens, explorar o jogo. [...] Hoje em dia eu chego do trabalho e fico no máximo umas quatro ou cinco horas jogando. Vou ficando lá de papo... (Palatinus)

A dificuldade de alguns jogadores em se identificar como hardcore parece estar relacionada com a falta de parâmetros para definir uma intensidade “normal” de envolvimento no jogo, o que leva a muitos considerarem hardcore sob uma ótica estritamente pessoal, do tipo “aqueles que jogam mais do que eu”. Outro fato que pode estar relacionado é o estigma social por vezes associado aos grandes aficionados por video games, atrelado aos estereótipos de obesidade, imaturidade e falta de vida social conforme já evidenciado em achados anteriores (BERGSTROM; FISHER; JENSON, 2011). Este seria o caso da Reverberação da Cultura (da categoria Meio Ambiente) interferindo no Contexto Situacional do jogador, ou

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como ele se coloca em jogo. Este estigma aparece de forma mais suavizada na fala de alguns entrevistados que se identificaram como casuais: Sou casual e me irrito muito com os hardcore. Eu não entendo. Na minha cabeça World of Warcraft é uma diversão. Gosto de poder fazer besteira e rir. Não é uma coisa pesada. Jogo para mim é diversão. Por que vou tornar o jogo um compromisso quando os compromissos estão aqui do lado de fora? (Thrasia)

A premissa dos jogadores casuais de que os hardcore não se divertem é questionável, contudo. Em primeiro lugar porque o alto investimento de um jogador hardcore em World of Warcraft pode ser precisamente um sinal de um engajamento que lhe é prazeroso, ainda que tome mais do seu tempo ou lhe exija mais dedicação. Em segundo lugar, porque mesmo jogadores assumidamente casuais por vezes manifestam extrema dedicação, ainda que em aspectos pontuais do jogo. Este é o caso de Bowmie, que relata precisar jogar em companhia do namorado devido à sua inexperiência em jogo e, não obstante, se dedicar intensamente a conquistar os vários animais de estimação disponíveis aos jogadores em World of Warcraft: Meu objetivo no jogo é ter o máximo de mascotes. Eu até fiz uma conquista, “abundância de mascotes”. O que me atrai no jogo são os pets e mascotes. Talvez por gostar muito de animais aqui fora, eu acabei levando isso para o jogo, a ponto de, quando eu descubro que alguma mascote não está mais disponível para conquistar, eu ficar triste de verdade. Eu fico arrasada e digo que eu não quero mais jogar... (Bowmie)

Uma característica associada aos jogadores hardcore é a preferência por PvP, jogar contra outros jogadores, seja em duelos, arenas, campos de batalha ou conflitos abertos pelo mundo. Mas nem sempre existe uma completa superposição e muitos jogadores hardcore não apreciam PvP, preferindo se devotar apenas aos raides. No entanto, entre os entrevistados, a maioria que se auto definia como hardcore também relatou preferir o combate PvP: Eu me considero hardcore. Quando alguém é atacado por outro jogador muito forte a maioria foge. Eu vou lá para lutar. Estou sempre ajudando no PvP ou nos raides. E eu vivo em guerras. Se de cinco em cinco minutos iniciar uma guerra eu entro nela. (Badshot)

Assim como existe uma preconcepção de muitos jogadores a respeito de mulheres não jogarem bem e, por extensão, não existirem jogadoras hardcore, também se acredita que elas não se interessam por PvP. Embora não se possa extrapolar estatísticas a partir das entrevistas realizadas, uma das jogadoras relatou sua preferência por PvP e a estranheza que causa em outros jogadores:

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Sou hardcore até por conta da minha especialização prévia em jogos de guerra. Gosto da competição. Isto me estimula muito. E prefiro jogar contra outros jogadores também por conta disso. Meu servidor é PvP e eu faço até griefing. Um amigo meu que dá palestras sobre video games sempre fala que os jogos escolhidos por mulheres tendem a ser de certo formato, mas diz que eu estou fora do padrão. É uma característica minha porque quando eu comecei a jogar trinta anos atrás não existia cooperação, apenas competição. (Executie)

Outra jogadora entrevistada conta que era hardcore, jogando pelo menos quatro horas todas as noites e chegou a figurar no ranking dos dez melhores jogadores do servidor. Ela também focava seus esforços no PvP: PvP é divertidíssimo. É chato quando você está fraco, mas quando você está no mesmo nível é ótimo. As outras garotas todas, a Thrasia e a Waerloga, jogavam no servidor PvE, mas sei que elas eram doutrinadas por um amigo delas pacifista. Ele também é meu amigo e tentou me convencer, mas eu sou bélica, eu não tenho medo. A graça do jogo é justamente a coisa bélica. (Merlina)

O jogador hardcore também está frequentemente associado com o theorycraft, prática de analisar matematicamente as Mecânicas de jogo (Sistemas do Dispositivo do MMORPG) a fim de ganhar uma melhor compreensão do seu funcionamento e melhorar suas chances de vitória. Embora muitos jogadores acreditem que tal preocupação com o funcionamento interno do jogo estraga a diversão, para os adeptos do theorycraft esta prática se torna um jogo sobre o jogo, ou metagame, tão instrumental que o objetivo se torna decompor World of Warcraft em seus algoritmos mais fundamentais. Por sua vez, os desenvolvedores mantêm estes algoritmos encobertos ao máximo e constantemente fazem novos ajustes a fim de evitar o abuso das regras pelos jogadores. René Glas (2010) vê no theorycraft tanto um jogo quanto uma negociação entre os jogadores hardcore e a Blizzard, uma vez que o mistério em torno dos sistemas de jogo mantêm o seu interesse em World of Warcraft. Havia a questão do theorycraft. Nossa preocupação era como diminuir o tempo para subir de nível. Esse aprimoramento do equipamento e das habilidades era importante. A gente acompanhava os fóruns e sites para aprender mais. A gente ficava estudando as árvores de habilidades. “Você tem que por seus pontos de habilidades aqui e ali...” e realmente fazia diferença. Para mim a maior diversão era quebrar o sistema. Acho que eu passava mais tempo lendo sobre os sistemas de World of Warcraft que jogando. (Dotctor)

A grande variação entre os sentidos do jogador hardcore, suas eventuais qualidades, limitações ou características tornam muito difícil usar este rótulo como descrição precisa de uma classe de jogadores. O game designer e pesquisador Chris Bateman (2007) propõe que se

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troque hardcore para game hobbyst (aqui usado no original em inglês), a pessoa que se interessa por video games como um passatempo em vez de mera diversão ou distração. Subjacente a esta ideia está a de game literacy, a familiaridade do indivíduo com as convenções, representações e linguagem dos video games e por extensão sua habilidade em apreender novos jogos com pouca ou nenhuma instrução (BATEMAN, 2007). Sob esta ótica, Game literacy estaria contida no Contexto Intertextual do jogador segundo o modelo ARM, enquanto que o interesse do jogador propriamente dito estaria relacionado com sua personalidade, no Contexto Existencial. Embora uma nova terminologia possa tornar mais clara a questão do engajamento dos jogadores, hardcore ainda é um termo muito forte para a maioria dos jogadores, razão porque é usado neste trabalho. A partir dos relatos, é possível enxergar como um termo surgido no contexto do jogo pode ter diversas conotações a partir da construção dos sentidos de cada jogador, influenciando formas de jogo, identidade e até de relacionamento com outros jogadores. Uma expressão encontrada frequentemente nas palavras de alguns entrevistados era “levar a sério” o jogo. Mas “levar a sério” toma diferentes aspectos, podendo envolver em graus distintos elementos dos diferentes Contextos do Jogador (a saber, Existencial, Intertextual e Situacional): alto compromisso com o jogo em termos de tempo, a grande habilidade do jogador e ainda sua visão do jogo como um espaço de competição, conquista e até reputação entre pares. Com base em tudo isto, talvez o termo hardcore possa ser mais útil entendido no nível micro, aplicado às áreas de interesse de cada jogador no mundo virtual. Assim, um jogador de World of Warcraft não seria classificado como hardcore ou casual, mas poderia se identificar como hardcore em termos de colecionar equipamentos, ou em termos de PvP, theorycraft ou ainda em conhecimento do lore de World of Warcraft. O termo hardcore se torna então proveitoso como uma referência do engajamento do jogador em determinada área ou atividade relacionada ao MMORPG. Os aspectos relacionados ao termo hardcore representam a abordagem do instrumental play, mencionada no capítulo 4. No lado do jogador se relacionam principalmente com o Contexto Situacional e Intertextual, sofrendo forte influência do Tecnológico, uma vez que um equipamento melhor favorece um melhor desempenho. O modo de participação mais proeminente é o de Reconfiguração, tocando principalmente nos Sistemas do MMORPG e em menor grau na Infraestrutura (jogadores hardcore tendem a participar mais ativamente dos fóruns, seja acompanhando as mudanças nas regras do jogo, seja pressionando por tais mudanças). Sua preocupação com eficiência, vitória e sua

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valorização da competência, experiência e habilidade não desmerecem o fato de ser uma abordagem legítima de se explorar World of Warcraft. Na verdade, é possível dizer que este aspecto é o mais relacionado ao jogo propriamente dito, embora tenha reflexos nos mais diversos formatos. É também uma forma de se obter reputação e respeito, demonstrar proeminência, conquistar sonhos e objetivos. Os fatores relacionados com o jogador hardcore são relevantes para aplicação de MMORPGs na Promoção da Saúde, uma vez que os jogadores mais dedicados são os que primeiro consumiriam o conteúdo de saúde e passariam a agir como mediadores deste conteúdo para os demais jogadores. Sua dedicação e competitividade oferecem parâmetros para se aferir se o MMORPG está desafiante demais ao jogador médio. Os hardcore tendem a ser os participantes mais vocais em fóruns de discussão sobre o jogo, muitas vezes manifestando opiniões bem fundamentadas. Um MMORPG para a Promoção da Saúde convocaria estes jogadores para agir como multiplicadores, colaboradores ou tutores dos jogadores menos experientes, criando laços sociais e expandindo a circulação de assuntos relacionados à saúde. 5.2.2.4 O Aspecto Social 5.2.2.4.1. Jogo em Grupo Entrelaçado com o próprio conceito do MMORPG está o jogo em grupo. Em World of Warcraft, há muito jogo cooperativo mesmo nos servidores PvP. Este é um elemento importante da experiência, sendo muitas vezes por meio desta atividade que um jogador amplia sua compreensão do mundo virtual ou adquire mais conhecimentos sobre os sistemas do jogo. Assim, não é incomum que vários entrevistados tenham mencionado com frequência suas experiências em grupo. Alguns condicionam sua diversão em jogo à presença de outros: Eu dependo do pessoal para jogar. Se fosse sozinho acho que não teria graça. Eu não jogo nem meia hora se estiver sozinho. Até porque a proposta do Wow não é jogar sozinho. Eu mudei de servidor para acompanhar meus amigos. (Ragebar)

Muitas vezes esta busca por companhia também tem a ver com a inexperiência do jogador diante de World of Warcraft: Meu namorado fica me guiando, porque eu fico perdida. Ele me ajuda e eu vou atrás para melhorar meu personagem. Eu jogo sempre com ele. Já tentei jogar sozinha e não gostei, porque meu nível no jogo está alto e as pessoas

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assumem que eu saiba jogar muito. Mas é porque eu sempre joguei com ele, que é uma bússola para mim. Eu me perco muito e as pessoas não têm paciência. (Bowmie)

Entretanto, a despeito da funcionalidade de jogo em grupo ter sido desenvolvida com o objetivo principal da sua aplicação para superar os desafios que o MMORPG apresenta, foi possível perceber que, para muitos entrevistados, atuar em grupo em World of Warcraft tem menos a ver com objetivos do jogo e se relaciona mais com a convivência no mundo virtual: O que me fazia ficar on-line era o aspecto social. Era eu poder, dentro da minha casa, ficar conversando com meus amigos, ter um hobby e passar o tempo. E enquanto estar jogando, estar falando de como foi o trabalho, como foi o estudo, como está a vida, como está a namorada. Era o que me fazia ficar on-line. Ficar com meus amigos como se estivéssemos em uma mesa de bar. (Alestrom)

Assim, é possível ver um fluxo entre Contexto Existencial e Situacional ligado por Interpretação e Reconfiguração a Multiplayer (categoria Sistemas do Dispositivo do MMORPG) que eventualmente atinge também População (Meio Ambiente). A partir das falas dos entrevistados, nota-se que formação de grupos em World of Warcraft segue pelo menos duas lógicas diferentes. Uma inicia dentro do mundo virtual, quando jogadores se encontram por razões pertinentes às mecânicas de jogo (busca de companhia, ajuda contra um inimigo mais poderoso, exploração de uma masmorra) ou ainda se organizam para uma missão que necessariamente deve ser feita em grupo, como um raide. Uma boa integração entre os membros deste grupo pode levar a novas reuniões no futuro, convites para integrar guildas e, eventualmente, à amizade entre os jogadores que, não raro, se estende para outros ambientes, tanto virtuais (redes sociais, mensagens, e-mails, fóruns, etc.) como físicos na forma de reuniões sociais: Fiz amizades, com certeza. Eu não conhecia pessoalmente os jogadores mais hardcore da minha guilda e passei a conhecer através de outros amigos meus. Aí você faz amizade e com o tempo já não é só o jogo que une vocês. (Ragebar)

Entretanto, entre os jogadores que foram entrevistados foi mais predominante uma segunda forma, na qual pessoas que se conhecem off-line previamente passam a jogar juntas. World of Warcraft, nesse caso, se torna também um espaço social para um grupo de amigos: Eu jogo em grupo. Jogar só é mais raro. É sempre o mesmo grupo, a gente tem um núcleo fixo. A gente combina, tem horário, tudo certinho. Temos alguns membros que não são do Rio, mas do grupo principal todo mundo se conhece pessoalmente. E já se conhecia antes de World of Warcraft. A gente tem momentos sociais também. A gente se encontra para tomar sair, tomar

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chope, a galera está sempre junta. Muitos eu conhecia de antes do jogo e alguns foram se agregando através do Wow. O que aconteceu foi um estreitamento de laços com algumas pessoas com quem eu joguei Wow. Interessante isso. (Grimsheeper)

Vários entrevistados contaram que não se comunicavam muito com outros jogadores que não fossem amigos ou conhecidos no mundo físico, salvo membros da sua guilda. Em alguns casos esta era uma postura consciente: Tem um grupo rotineiro que são estes amigos que jogam com mais frequência do que eu. Já temos canais para conversar. Aí chamo para uma missão que precisa de grupo para conquistar um pet ou vencer um inimigo. Geralmente é um grupo fixo. Se vier alguém de fora é um amigo de um amigo. Não tenho paciência para desconhecidos porque você pode pegar uma pessoa maravilhosa, o que é muito raro, ou você pode pegar um molequinho de quinze anos que não sabe jogar ou sabe jogar, mas fica se gabando. Eu gosto de interagir. Um MMO é para interagir com meus amigos. Até agora são todos amigos fora do jogo. E nós nos conhecemos antes do jogo por outros meios. Fico mais a vontade com pessoas conhecidas. (Thrasia)

A preocupação em selecionar membros do grupo para convívio tem tanto a ver com o comportamento de cada um quanto com sua competência em jogo. De modo geral, os entrevistados sentem que em grupos formados por desconhecidos existe muito menos coesão, o que faz com que estes membros abandonem o grupo frente ao primeiro insucesso. Isto obriga a buscar novos integrantes, atrasando o andamento do jogo: Falhar faz parte. E a falta de educação de certos jogadores incomoda muito. Mas o problema é que este pessoal desiste rápido. Um wipe83 e acabou. O grupo e tem que voltar para a cidade e ficar esperando mais meia hora para arrumar outra pessoa para o lugar. Eu não tenho paciência para isso. (Actæon)

Neste sentido, o aspecto de jogo (Sistemas do Dispositivo do MMORPG) acaba sofrendo uma interferência marcante do aspecto social (População da categoria de Meio Ambiente) em World of Warcraft, mudando a disposição do jogador em se relacionar com estranhos no jogo (Contexto Situacional e Existencial), isto é a “lente” dos Outros jogadores acaba bloqueando boa parte destas relações de Construção.

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Morte de todos os jogadores em um raide, obrigando o grupo a recomeçar toda a batalha do início.

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5.2.2.4.2. Sozinhos Juntos Apesar de ser um jogo massivo, jogadores solitários em World of Warcraft não são incomuns e pesquisas mostram que nos níveis iniciais o jogador passa a maior parte do tempo sozinho. Muitas vezes isso se dá devido a limitações de tempo, hábitos de jogo ou temperamento: A parte que eu mais gosto no jogo é explorar os ambientes. O que eu acho engraçado no jogo é que eu me sinto um pouco solitária, porque eu não formei um grupo de amigos para jogar on-line. Então eu exploro os ambientes e viajo como um viajante solitário em um filme. Apesar de estar em um jogo massivo eu não jogo com as pessoas. Eu não conheço pessoalmente muitos jogadores e eu não criei um hábito de chamar outros para jogar. Acho que eu sou um pouco tímida para começar a conversa dentro do jogo... (Morea)

Muitas vezes isso é uma preferência pessoal e jogadores relatam que preferem jogar cercados por outras pessoas, sem, contudo, interagir com as mesmas, o que já foi apelidado de “sozinhos juntos” (DUCHENEAUT et al., 2006a). Outras vezes, jogar sozinho é uma opção apenas para determinados aspectos do jogo: Para subir de nível eu jogo sozinho. Eu prefiro fazer sozinho para não prender a outra pessoa a minha velocidade e vice-versa. Exploro o que tenho que explorar. Faço o que tiver que fazer no meu ritmo. (Palatinus)

Além das preferências e contingências dos jogadores, entretanto, é importante considerar que em World of Warcraft (diferentemente de outros MMORPGs) não apenas é perfeitamente possível alcançar o nível máximo sem nunca se associar a outro jogador, mas também há uma vantagem significativa em cumprir as missões individualmente, que proporcionam recompensas maiores, garantindo uma evolução mais rápida (DUCHENEAUT et al., 2006b). Neste caso é possível ver uma contradição entre diferentes elementos da categoria Sistemas de World of Warcraft: enquanto por um lado há toda uma gama de funcionalidades criada pelos game designers para facilitar o jogo em grupo (que inclusive é tido como um fator de permanência do jogador enquanto assinante do serviço), por outro lado as vantagens em se jogar sozinho acabam sendo mais atraentes. Este descompasso entre dois sistemas do jogo muitas vezes leva a uma experiência fragmentada, onde o jogador até gostaria de atuar em grupo, mas se sente premido a optar pelo caminho instrumentalmente mais vantajoso. Nestes casos, só quando o jogador atinge o nível máximo ele irá procurar se associar a outros jogadores ou a uma guilda, a fim de poder experimentar o conteúdo mais desafiante do jogo, inacessível ao jogador único:

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Para subir de nível eu prefiro jogar sozinho, que é mais eficiente. Quando você está no nível máximo, não tem mais o que jogar sozinho. Você tem que ter um grupo, tem que ter uma guilda, tem que ter um pessoal que já conheça você para fazer os raides, as arenas e campos de batalha. (Envenom)

Neste momento que o jogador passa a ter uma interação social muito mais intensa, devido aos complexos arranjos necessários para se organizar e vencer um raide, atividade que chega a durar até oito horas consecutivas (DUCHENEAUT et al., 2006b). Neste caso a mudança de foco do jogador no Dispositivo do MMORPG (de Jogador para Multiplayer da categoria Sistemas) leva-o a se relacionar também com a Comunidade (Meio Ambiente), o que por sua vez tende a ampliar sua dedicação ao jogo (Contexto Situacional). A interação social não necessariamente significa coleguismo ou amizade, entretanto. O pesquisador René Glas conta que é comum a formação de grupos ad hoc para vencer etapas específicas e como seus membros mantém uma relação estritamente utilitária durante a existência do grupo, o que ele denomina de “jogo individualizado em grupo” (GLAS, 2010). Este comportamento também foi relatado nas entrevistas: O grupo de raide ou a guilda são grupos sociais focados em um objetivo único. São interesses comuns. Matar o monstro, ganhar equipamento. Isso é muito comum no meio hardcore. O jogador casual interage menos. Ser hardcore exige maior convivência. Você tem que fazer uma certa política, conhecer certas pessoas, fazer as conexões certas para melhorar dentro da guilda. Como todo grupo social você tem que ter uma certa máscara e uma certa política. (Abominor)

5.2.2.4.3. Comunidade e Responsabilidade O fato de haver relações de interesse não desqualifica existência de comunidades em World of Warcraft. Os entrevistados relataram ter a maioria de suas experiências comunitárias no contexto de suas guildas, que parecem ser os grandes polos sociais no jogo. Assim, o indivíduo se relaciona com seus amigos mais próximos, que por sua vez se reúnem em um pequeno grupo com alguma frequência e por fim tendem a fazer parte de uma guilda. Apesar de a entrada na guilda ser feita com objetivos pertinentes ao jogo, não é incomum que logo as conversas entre os colegas extrapolem para assuntos mais pessoais: Eu era um dos vinte e cinco oficiais da guilda e a gente tinha que manter contato de algum modo com os membros da guilda. Então a gente trocava emails e acabei me correspondendo com muita gente. Era conversa sobre o jogo, mas também sobre outras informações. Não cheguei a ter amizade, pois era difícil para eu me comunicar em inglês, mas tinha uma conversa sobre outros assuntos além da guilda. Tinha uma conversa. Tinha um cara lá de quarenta e poucos anos, acho que era o mais velho da guilda, e ele estava

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tendo problemas com a esposa. Aí começamos a pesquisar na internet e dar dicas para ele apimentar o relacionamento. Era muito engraçado. Aconselhamos o cara a fazer exercícios para ele perder peso e melhorar sua vida sexual. No fim ele mandou um e-mail para gente agradecendo e dizendo que iria se casar no mês seguinte. (PlagueKnight)

Segundo os entrevistados, embora as relações entre as guildas ou entre o jogador e membros de outras guildas tendam a ser mais distantes, tal situação é um pouco diferente nos servidores não oficiais, ou piratas de World of Warcraft, onde vários dos entrevistados começaram a jogar. Neles, o número de jogadores tende a ser muito menor, o que por sua vez pode favorecer comunidades mais coesas. Um dos entrevistados alegou esta razão para migrar do jogo oficial da Blizzard para um servidor pirata. Aqui, por causa da influência da “lente” dos Outros jogadores, o Contexto Existencial do jogador, através de Reconfiguração e Construção, toca o Dispositivo do MMORPG nas categorias de População (Meio Ambiente), Relação com Usuários (Infraestrutura) e, em menor grau, Base Tecnológica (Infraestrutura), já que o jogador está se retirando dos servidores da Blizzard. Joguei primeiro no servidor oficial, agora jogo no privado. No oficial você até encontra muitos brasileiros, mas se você não está em uma guilda você não consegue ter uma união. Já no privado os brasileiros se unem de qualquer modo, porque é o resto do mundo versus a gente. Rola uma união, quando sabem que você é brasileiro já chamam para a guilda. Nos servidores piratas ainda tem muitos brasileiros, mesmo com a vinda do Wow para cá. (Badshot)

Não obstante, é possível que esta coesão maior se dê também como forma de proteção, pois em servidores piratas administrados por estrangeiros muitas vezes há forte preconceito contra brasileiros, que em muitos casos vira hostilidade: Na primeira guilda que entrei quase ninguém se conhecia. Ela começou por causa de um PvP que teve. Uns americanos começaram a matar todo mundo que era brasileiro e aí criamos a primeira guilda de brasileiros no servidor. Para a gente se defender. Porque antes estava todo mundo espalhado. Tinha brasileiros em guildas de americanos até sendo maltratados. Isso porque somos malvistos. Falam que o brasileiro é muito bagunceiro no servidor, faz muita presepada, então eles ficam com preconceito com a gente. (Badshot)

A má fama dos brasileiros, segundo outros entrevistados, é merecida, pois tendem a matar traiçoeiramente outros jogadores mais fracos, ser desrespeitosos e perturbar o fluxo do jogo com outros comportamentos reprováveis, comportamentos já noticiados anteriormente (ORRICO, 2013). Muitos entrevistados evitam ativamente os servidores com muitos brasileiros:

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Eu fui um pouco relutante a migrar para o servidor brasileiro. Por que eu acho o brasileiro idiota. Você faz uma pergunta a um americano ou canadense e ele explica, você faz para um brasileiro e ele diz “Sai daqui, seu noob!”84. Apesar disso a experiência até agora tem sido boa. (Skillstorm)

Com base nas entrevistas coletadas, percebe-se que a guilda é o principal espaço comunitário em World of Warcraft. Não foi possível identificar nas falas dos entrevistados sinais de instâncias de relacionamento que congregassem as guildas ou a superassem em amplitude. Embora eles tenham contado episódios onde formaram grupos temporários com desconhecidos para vencer algum desafio específico, a maior parte das relações entre os jogadores se dá a nível individual entre amigos off-line ou membros da guilda. Muitas vezes até mesmo a interação com a guilda é parcial, quando ele só conhece alguns membros mais chegados, ou estritamente funcional, uma vez que os sistemas de World of Warcraft premiam com pequenos bônus de experiência jogadores que estejam em guildas e guildas que tenham grande número de jogadores integrados. Eu entrei em uma guilda porque eu ganhava 10% a mais de pontos de experiência. E a guilda financiava a gente, dava dinheiro, etc. E também precisávamos da guilda para formar grupos de cinco ou dez jogadores para fazer as masmorras e raides. Porque havia alguns níveis em que a masmorras e raides eram as melhores opções para subir de nível. (Dotctor)

Dessa forma, os jogadores fazem uso da Comunicação entre Jogadores e dos Sistemas sociais da categoria Sistemas do Dispositivo do MMORPG, mas não chegam a formar uma Comunidade (Meio Ambiente) mais ampla. Apesar de muito se comentar sobre a comunidade de jogadores nos MMORPG nos fóruns de discussão, mídia promocional e trabalhos acadêmicos, é importante ter em mente que esta comunidade não é necessariamente um todo integrado, mas vários pequenos enclaves, representados pelas guildas, que mantêm relações mais superficiais entre si. Já a guilda, contudo, tende a ser uma presença constante na vida do jogador em World of Warcraft. Mesmo os jogadores que relataram não ter muito contato com sua guilda recorriam a ela quando precisavam de algum recurso como dinheiro ou equipamento, ou ainda quando precisavam de mais jogadores em seu grupo. Por sua vez, muitos jogadores acabam desenvolvendo senso de responsabilidade para com sua guilda, modificando seu comportamento em jogo, indo desde criar personagens com habilidades específicas de apoio

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Corruptela de newbie, designando os jogadores iniciantes. Apesar de ser um termo descritivo, com frequência é usado em tom pejorativo.

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exclusivamente para suprir lacunas nos raides organizados pela sua guilda até abrir mão de suas preferências em jogo a fim de apoiarem os colegas. Desta forma a categoria Comunidade (Meio Ambiente), por Interpretação causa mudanças no Contexto Situacional e Existencial do jogador, na medida em que ele respectivamente tende a reorientar seus objetivos e tempo de jogo e eventualmente conquista de amizades: Eu gosto de PvE. Nos últimos dois meses eu tenho feito PvP, mais pelo fato de a maioria das pessoas da guilda gostar de PvP. Aí todos faziam em grupos separados e nunca se juntavam. Eu geralmente fico meio agitado com isso, todos fazendo separado. Não podia todo mundo estar fazendo junto? Como eu já era um líder de grupo, sugeri formarmos um grupo de dez para poder brincar junto. O pessoal se surpreendeu: “Você, jogando PvP?” Falei: “Se é para poder todo mundo se divertir junto, vamos lá”. (Palatinus)

Este senso de responsabilidade para com o outro funciona como um ponto de apoio para muitos jogadores e pode ser uma das qualidades de atração que os MMORPGs exercem sobre seu público. O mundo pode ser virtual, mas o senso de dever é quase tangível. Mais de um entrevistado apontou o relacionamento com os amigos no jogo como a principal razão que o mantinha em World of Warcraft: É mais o aspecto social. Eu me preocupo em juntar o pessoal porque são pessoas que estão ali. Eu não me comprometo com o jogo. Eu me comprometo com as outras pessoas que estão lá e vão depender de mim. É tão social quanto ir a um bar com os amigos. (Palatinus)

O paralelo com eventos sociais no mundo físico também é recorrente nas falas, com frequentes comparações entre estar com os amigos no mundo virtual e estar com amigos em atividades no mundo físico. Este trânsito entre o físico e o virtual que já foi mencionado ao se falar de avatar e identidade ocorre também no contexto coletivo: Fechávamos uma lan house. Todo mundo saía de casa para lan house e ficávamos a madrugada toda jogando. Nos conhecemos primeiro no mundo virtual e quando fomos ver, morávamos todos perto um do outro. Então falamos: “Vamos jogar na lan house.” Todos conheciam o lugar. Aí o pessoal saía de casa a noite para jogar todo mundo junto. O pessoal preferia ficar interagindo, gritando uns com os outros no mesmo ambiente. (Badshot)

Este entrelaçamento entre o social e o jogo pode ter efeitos marcantes na vida do jogador, na medida em que relações desenvolvidas em jogo se ramificam para o mundo real e vice-versa. Merlina, uma jogadora experiente, veio de uma família muito pobre, mas conta que começou a jogar vídeo games e RPG com seus primos, de classe mais privilegiada. Acabou aprendendo inglês durante as sessões de jogo e graças ao RPG e aos vídeo games,

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passou a conviver com pessoas de classe social bem mais elevada, fazendo contatos no exterior e ampliando suas perspectivas de vida: Quando fiz amizade com estas pessoas, chegou um momento em que eles me adicionaram a outro mundo. Era um mundo onde se tinha contato com o exterior, acesso a jogos de computador, coisas que eu nunca teria acesso. Eu namorei um garoto que era filho de americanos, então eu jogava Ultima Online em um servidor internacional porque ele pagava a mensalidade para mim no cartão de crédito. Por isso eu não posso me chamar de pioneira, pessoas me levaram até este mundo. Então eu comecei a jogar com meus primos e fui expandindo meu círculo de amizades. E o RPG e os video games expandiram meu universo. Eu acabei me associando a pessoas cujos interesses e gostos eram próximos dos meus e estas pessoas me levaram a expandir meu universo. Isso foi muito importante para mim. (Merlina)

Por outro lado, existe um nível de comprometimento que pode ser excessivo. A mesma entrevistada conta que quando começou a jogar fazia raides todas as noites por pelo menos quatro horas. Chegou a passar 14 horas jogando sem perceber. Acabou tendo uma ascensão muito rápida na comunidade do jogo, chegando a estar entre os dez melhores jogadores do servidor. Tornou-se líder de uma guilda de 300 brasileiros e conhecia todos os integrantes desta guilda que moravam em São Paulo, saindo com o grupo rotineiramente. Em sua maioria são amigos e se falam até hoje. Contudo, após liderar a guilda por mais de um ano Merlina acabou ficando sobrecarregada com os afazeres e responsabilidades no jogo, até que não aguentou permanecer: Às vezes eu me sentia sufocada, porque naquele dia eu não queria jogar. Mas eu tinha que jogar, pois se não entrasse a raide não iria acontecer. Eu tinha que entrar e chamar todo mundo. E tinha que escolher todo mundo para suas posições. Era um trabalho. Virou trabalho. Até que um dia resolvi tirar férias de tudo isso. Vim passar um mês no Rio, onde acabei conhecendo meu marido e por fim me mudei para cá. (Merlina)

Assim, a partir das falas levantadas foi possível perceber que de modo geral os contatos entre jogadores em World of Warcraft começam de maneira acidental ou são transferidos a partir de conhecimentos prévios no mundo físico (Contexto Existencial). Uma vez que o jogador tem amigos e uma guilda no jogo, ele tende a centrar nela suas relações sociais, mesmo que estes não sejam seus únicos contatos. Poucos mencionaram mudanças de guilda, mesmo aqueles que disseram não ter muitas relações com os colegas de guilda. Embora não seja possível dizer que haja comunidades em jogo apenas por causa de grupos de amigos, este é um fator importante a ser levado em conta. As relações entre jogadores começam geralmente no campo social, mas elas refletem muito no aspecto do jogo, primariamente na experiência do conteúdo de grupo do jogo (masmorras e raides), mas até

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mesmo no jogo solitário, quando a presença da guilda, apesar de distante, ainda assim é um recurso à disposição para o jogador diante de algum desafio excepcional (Sistemas do Dispositivo do MMORPG). Foi visto que o elemento social parece ser um importante fator para manter o jogador envolvido com World of Warcraft, achado que se alinha com pesquisas realizadas sobre este MMORPG em outras culturas (NARDI; HARRIS, 2006; DEBEAUVAIS et al., 2011). Entretanto, tais grupos se formam primordialmente não para ser amigos, mas para realizar algum objetivo no jogo (Dispositivo e em menor grau Texto, significando respectivamente vencer batalhas e evoluir na narrativa do jogo). Mesmo as guildas mais casuais têm planos e atividades que ultrapassam o mero convívio social e membros que deixem de lado o aspecto do jogo eventualmente irão se distanciar dos colegas no contexto social também. Isto funciona de maneira similar ao mundo físico, onde grande parte dos relacionamentos de amizade surge em agrupamentos formados com algum outro objetivo, seja trabalho, escola, igrejas, clubes e outras atividades sociais. Assim como raramente se vê grupos de amigos que foram formados única e exclusivamente para serem amigos, em World of Warcraft as guildas, grupos e amizades se formam em meio aos objetivos, missões e tarefas cotidianas de jogo. Assim, as falas dos entrevistados reforçam três fatos sobre a experiência de jogo em World of Warcraft. O primeiro é que mesmo o jogo mais individual está sempre imerso em um ambiente social (a “lente” dos Outros jogadores). O segundo, World of Warcraft é um jogo e não se deve superestimá-lo como um espaço puramente social (ambas as categorias Meio Ambiente e Sistemas são importantes). O terceiro é que existe em World of Warcraft um aspecto significativo de Construção no âmbito social, conforme descrita no capítulo 3. Quanto ao modelo ARM, tais aspectos estão relacionados principalmente aos contextos Existencial e Situacional no lado do jogador. Os modos de participação mais proeminentes são o de Reconfiguração e principalmente o de Construção, operando sobre os Sistemas do Dispositivo do MMORPG, principalmente nas subcategorias Multiplayer e Mecânicas de Jogo. Este fluxo sofre forte influência do coletivo de jogadores, que ao final, são os grandes responsáveis pelo tecido social que forma um determinado MMORPG. As entrevistas coletadas mostram como em World of Warcraft muito dos sentidos construídos pelos jogadores derivam das experiências sociais. O aspecto social dos MMORPGs permite iniciativas de Promoção de Saúde que ponham em relevo a saúde em seu aspecto coletivo. Interagindo com outros jogadores através

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de competição, combate ou cooperação, o jogador teria a oportunidade de verificar em primeira mão que em uma sociedade todos têm um papel e uma influência. A responsabilidade para com o próximo, o companheirismo diante do perigo e da doença, a cooperação a fim de realizar mudanças e o debate público para definir estratégias são oportunidades potencialmente ricas para os jogadores aprenderem sobre cidadania e saúde coletiva. Neste aspecto, MMORPGs têm um potencial ímpar entre as mídias existentes, uma vez que congregam um grande número de jogadores no mesmo ambiente virtual e possuem muita flexibilidade para modelar diversas situações e cenários que desafiem e questionem os jogadores com relação à saúde individual e coletiva. 5.2.2.5 Construção em World of Warcraft Enquanto as culturas de fãs em torno de filmes ou seriados de televisão representam uma pequena percentagem da audiência que decidiu se envolver ativamente com a mídia a ponto de criar comunidades dedicadas às suas preferências, MMORPGs exigem que todo jogador esteja de alguma forma inserido em uma comunidade. Além disso, outros domínios de participação como a Reconfiguração e Construção se adicionam à Interpretação que é típica de mídias anteriores (conforme visto no capítulo 3). Neste sentido em relação aos MMORPGs: “Jogar não requer simplesmente participação, nós poderíamos defender que é participação.” (GLAS, 2010, p. 31, tradução nossa) 85. Ainda assim, embora toda atividade em um video game possa ser entendida como participação, conforme visto no capítulo 3, existem determinadas atividades que são mais eminentemente relacionadas com a cultura participatória, que foram analisadas nas entrevistas realizadas. 5.2.2.5.1. Add-ons: modificando Sistemas World of Warcraft é projetado para Interpretação e Reconfiguração principalmente, mas os game designers embutiram algumas funcionalidades para que a Construção também fosse possível. O jogo permite aos jogadores a criação de add-ons em linguagem Lua, que são um tipo mais limitado de mod. Embora mods que promovam alterações radicais no funcionamento de World of Warcraft não sejam possíveis, uma vez que o núcleo do jogo é

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Play does not simply require participation, we could argue that it is participation.

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executado em servidores protegidos na Blizzard e não nos computadores dos jogadores, addons podem ser ferramentas bem versáteis para personalizar a experiência do jogo, normalmente envolvendo uma reorganização das informações apresentadas na interface com o jogador, o que pode ter efeitos relevantes para seu desempenho em jogo. Assim, existem add-ons para auxiliar os líderes de raides a organizar seus comandados, fazer anotações nos mapas dos tesouros encontrados, outros para simplificar ações repetitivas e outros ainda para ampliar os campos de descrição de personagem a fim de permitir que os jogadores façam uma caracterização de papéis (roleplay) mais profunda com seus personagens. Mesmo que add-ons não sejam tão comuns como outras formas de participação, dada sua exigência de conhecimentos específicos de programação, alguns entrevistados revelaram interesse na sua confecção, entendendo que adquirindo um conhecimento maior da linguagem dos add-ons, parte da Infraestrutura de World of Warcraft, podem aprimorar seu desempenho na categoria de Sistemas do jogo. Isto pode ser visto no caso previamente relatado de Healium que envolve os contextos Situacional e Tecnológico, afetando por Construção a categoria de Infraestrutura e Sistemas: O que estou tentando fazer agora são macros e add-ons, para facilitar a atividade. Às vezes eu entro em um grupo e eu sinto mais dificuldade porque os caras estão cheio de macetes e botõezinhos que fazem uns troços rápido que não vou conseguir fazer e me perco. (Healium)

5.2.2.5.2. Registros de viagem: screenshots, fanfic e machinima Uma prática comum entre os entrevistados é a captura de tela (screenshots) durante o jogo. Assim, jogadores capturam telas de momentos estranhos, engraçados, falhas do sistema, cenas inspiradoras (a vista do alto de uma montanha, uma cidade à luz da manhã e assim por diante) ou momentos comemorativos, como uma festa na cidade ou uma vitória sobre um inimigo poderoso ao fim de um raide, quando o grupo de jogadores posa para uma foto coletiva. Dessa forma, o screenshot em World of Warcraft tem muitas similaridades com a fotografia no mundo físico, cumprindo a função de registrar eventos significativos no nível individual (“fotos” de cenários), de jogador (as vitórias em jogo), social (festas, encontros e outros eventos) e até imagens que subvertem a imersão no MMORPG como a de falhas e outros eventos bizarros ou engraçados. Alguns entrevistados relataram práticas ainda mais refinadas, como Bowmie, que joga World of Warcraft em companhia do namorado, Skillstorm. Além de fazerem as missões típicas do jogo, eles muitas vezes passam tempo passeando juntos e tirando “fotos” do cenário. Participam assim de um processo de

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Construção usando a Representação visual (Texto do Dispositivo do MMORPG) e agregando mais itens à Produção dos Fãs (Meio Ambiente): A gente tem um álbum do Facebook com capturas de tela que acompanham a gente desde o nível dois. É como se fosse um álbum do casal. A gente acha um sofazinho ou um banquinho, senta junto e bate a foto. Existe um relacionamento ali e a foto é uma lembrança daquele momento. (Bowmie)

As iniciativas de criação também envolvem produção de ficção baseada no jogo (fanfic), gravação de vídeos e até machinimas. Alguns entrevistados escreveram a biografia de seus próprios personagens procurando lhes dar motivações e dramas existenciais, outros escrevem histórias sobre personagens marcantes do jogo (NPCs) ou ainda eventos vivenciados no jogo, como guerras de que participaram. A criação de cartuns, histórias em quadrinhos, ilustrações também é comum entre os entrevistados e vários deles relataram guardar capturas de tela do jogo para fazer montagens posteriores, criando piadas e paródias com imagens e vocabulário típicos de World of Warcraft, como Merlina, que participa ativamente dos fóruns e blogs contribuindo com desenhos, piadas, cartuns e por fim passou a criar “álbuns de família” dos seus personagens. Entrevistados também contaram como gravam vídeos com as batalhas mais emocionantes para compartilhar nos fóruns do jogo ou gravam cenas com potencial para virar machinimas de humor. Em nenhum dos casos relatados havia uma preocupação do entrevistado em obter algum ganho além da satisfação pessoal. Muitas vezes nem divulgavam ativamente suas produções, mostrando-as apenas para amigos. Um caso peculiar é o de Dotctor, que criou um jogo de tabuleiro sobre World of Warcraft: O que fiz sobre o World of Warcraft foi que eu prototipei um jogo, um dungeon crawling [tipo de jogo de tabuleiro], usando o sistema do Wow. Tentamos focar mais na customização do personagem em nosso protótipo. A gente fez um jogo a partir do jogo. Fizemos uma sessão para testar o jogo, mas o sistema de balanceamento era muito complexo e havia muita demanda por arte. A gente parou porque faltou balanceamento e o tempo começou a ficar curto para cuidar daquilo. Não fizemos para ganhar dinheiro, era uma coisa de fã. Tipo um fanfic só que em forma de jogo de tabuleiro. (Dotctor)

5.2.2.5.3. Tutoriais, guias, sites e fóruns A participação dos jogadores assume contornos mais estruturados na confecção de tutoriais em texto e vídeo que ensinam os novatos a jogar, guias detalhando profissões, classes, regiões ou raças e outros artigos detalhando aspectos de World of Warcraft. Nesse

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caso a Construção ocorre sobre elementos da categoria Sistemas, que vão impactar o contexto Intertextual dos jogadores que recorrerem a tais produções. Quanto aos fóruns, há uma significativa participação extrajogo, com pesquisas apontando que pelo menos 30% dos jogadores participa de fóruns de discussão sobre World of Warcraft, uma média muita alta comparada com as típicas taxas de participação em culturas de fãs (GLAS, 2010). Embora seja comum a participação em fóruns entre os entrevistados desta pesquisa, a maioria informou que não se manifesta, apenas busca informações sobre novidades no jogo ou esclarecimento de suas dúvidas. De modo geral tendem a se relacionar mais com sites. Palatinus, que administra um fórum sobre World of Warcraft, também escreve artigos para o WoWGirl, o maior site brasileiro autorizado sobre World of Warcraft. É um site primariamente voltado para o público feminino e por esta razão Palatinus prefere não assinar suas contribuições. Apesar disso, reconhece no site uma ampla via de comunicação com outros jogadores. Sua amiga Waerloga é colunista regular do site: Eu escrevo para o WoWGirl, o maior site de fãs autorizado pela Blizzard no Brasil. Então, tudo que é novidade da Blizzard vem para o WoWGirl primeiro. Eu não sou colunista fixa agora porque acabei de me mudar, mas depois eu vou voltar. O site é grande, feito por mulheres. A visão feminina. Tem homens que escrevem também, mas eles escrevem artigos, não escrevem colunas. Por exemplo, notícias, eles traduzem e são postadas. As garotas escrevem colunas. O site é muito legal. É a visão realmente feminina e mostra que garotas sabem jogar. Não é aquele negócio de ir brincar e não sabe o que está fazendo. Até porque uma das meninas que escrevem lá é muito boa mesmo. Ela faz tutoriais de jogo. Ela cria vídeos ensinando a jogar. Tem site, página no Facebook, participa de eventos... (Waerloga)

WoWGirl não é o único site brasileiro e a facilidade cada vez maior no acesso às ferramentas de publicação on-line favorece o aparecimento de outras iniciativas do gênero. Desta forma, é possível dizer que em torno de World of Warcraft surge um ecossistema de sites, fóruns, blogs e outras instâncias de comunicação. Estes espaços extrajogo estão representados na subcategoria Produção de fãs do Dispositivo do MMORPG, contribuindo em muito para congregar jogadores e ampliar a influência de World of Warcraft, mesmo quando o jogador está fora do mundo virtual. 5.2.2.5.4. Construção no âmbito social A Construção no âmbito social é uma característica marcante dos MMORPGs. Embora os Sistemas do MMORPG contenham funções para criação e gerenciamento de grupos e guildas tais funções são muito básicas e os jogadores constroem sobre elas diversos

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acréscimos (ainda que tais acréscimos ocorram na forma de práticas de jogo e não em alterações na programação). Os exemplos vão do mais simples momento de interpretação de um personagem para além das regras básicas até simulações complexas de eventos sociais, como festas e casamentos realizados em jogo. Entretanto, o nível de participação dos jogadores é variável e não necessariamente orientado socialmente, de modo que nem sempre esta Construção se faz de forma harmônica. Muitos jogadores desenvolvem comportamentos que violam a experiência de jogo conforme planejada pelos game designers, são considerados inaceitáveis por outros jogadores, ou ainda tornam a experiência dos outros mais difícil. Embora tais atos perturbadores da ordem tendam a ocorrer quando jogadores usam programas não autorizados para trapacear (Construção em Infraestrutura) ou exploram brechas nas regras (Construção em Sistemas), algumas abordagens inovadoras ocorrem em meio à Comunidade (Meio Ambiente), usando as funcionalidades básicas de Multiplayer (Sistemas): Estava tudo muito tranquilo, havia paz entre Horda e Aliança no nosso servidor. Decidimos criar um tumulto. Vinte e cinco de nós montaram uma guilda no lado inimigo, que era a Horda. Evoluímos para nos tornar uma guilda decente. Aí nos reunimos com outras três guildas poderosas e os convencemos que matando o rei de Ironforge [capital dos anões e uma das principais cidades da Aliança] iríamos conquistar um item muito poderoso. E era tudo mentira. A gente induziu uma guerra. Na época a gente conseguiu três invasões, duas em Stormwind [a principal capital da Aliança] e uma em Ironforge. Depois da invasão, desfizemos a guilda e excluímos os personagens. Ninguém entendeu nada, ficaram nos procurando e então decidiram retaliar, invadindo as cidades da Horda. Foi engraçado. A gente jogava só com Aliança, mas criamos personagens da Horda especificamente para iniciar este tumulto. Foi quase um ato de terrorismo. Depois a gente ficou com um pouco de peso na consciência, porque aí tudo ficou desordenado, os caras atacavam cidades pequenas, impedindo os personagens mais iniciantes de subir de nível. Por fim a gente se organizou e a guilda mais forte da Aliança fez uma reunião com a guilda mais forte da Horda e disseram: “Vamos acabar com esta guerra”. E fizeram um tratado de paz. Foi tudo muito político. (PlagueKnight)

Assim, os Sistemas que formam o MMORPG se tornam uma espécie de matéria prima ou suporte onde grupos de jogadores se organizam para criar inovações nos aspectos sociais do jogo. Isto não é uma ocorrência isolada, entretanto, uma vez que Huizinga já falava de como o jogo é socialmente acordado (1955). Embora as regras e mecânicas de jogo que formam os Sistemas de World of Warcraft sejam tecnologicamente codificadas, os jogadores preenchem as lacunas existentes, construindo sobre as regras seus próprios sistemas e conteúdos a fim de criar seus sentidos particulares para a experiência do jogo.

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Construção em World of Warcraft parece assumir diversas funções nos seus vários aspectos. Jogadores registram seu caminho pelo mundo virtual, narrando suas histórias e fotografando suas andanças. Criam muitas vezes elaborados diários contando suas aventuras por World of Warcraft, que por sua vez se refletem novamente sobre seu modo de jogar. Esta formalização de memórias, mesmo as fictícias, é um sinal da apreensão que fazem da experiência de jogo. Eles criam aquilo que sentem que falta no MMORPG e neste sentido auxiliam a manter a ilusão de um mundo dinâmico a ser experimentado coletivamente. Mesmo quando registram a falha e o engraçado (que quebra o clima épico do jogo), o que se percebe é uma familiaridade com o ambiente, como estar à vontade o suficiente para brincar com os elementos do jogo sem medo de quebrar o encantamento. É, talvez, uma forma de se divertir com um cotidiano que já não é tão estranho: As paródias, quadrinhos e piadas são bastante interessantes. É a mesma coisa que estes stand-up comedies hoje em dia. Neles o comediante tira sarro do cotidiano. Nestes blogs de piadas e cartuns é o cotidiano – entre aspas – da sua vida on-line. (Alestrom)

Mas a participação em World of Warcraft pode ser ainda mais implícita. Se de um lado há os jogadores que desenvolvem mods, organizam eventos de roleplaying, encontram brechas por onde subverter o jogo, criam sites e outras produções culturais, por outro, conforme dito, estar no MMORPG já é um tipo de participação. Isso se estende até a utilização de suas estatísticas de atividades no jogo, que em última instância, informam os desenvolvedores como aperfeiçoá-lo ou torná-lo mais lucrativo. Cada personagem é também cenário para os outros jogadores. Se uma personagem conversa com outros ela cria conteúdo por meio da interação social, mas se permanecer inerte e calada, ela ainda integra a multidão que circula pelo mundo virtual e dá vida à cidade. (GLAS, 2010). Comparando com um filme de cinema, em World of Warcraft quem opta por não pronunciar suas falas já não é um personagem principal, mas ainda assim mantém seu rosto no filme, como um extra. Um dos resultados de toda esta cultura participatória envolvendo World of Warcraft é a dissolução de fronteiras entre produtor e consumidor, com os jogadores assumindo características mencionadas por Jenkins: ativos, emancipados, criativos e orientados para a comunidade (JENKINS, 2008). Jogadores participativos criam conteúdo tanto dentro do jogo através de suas ações como fora dele, produzindo mídia a seu respeito e este material é valioso. As contribuições dos jogadores são chave para a amplitude do MMORPG e são reconhecidas pela própria Blizzard como parte fundamental da riqueza da experiência de jogo. Naturalmente, é importante relembrar que a empresa ainda detém controle total sobre World

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of Warcraft e não garante aos jogadores nenhum poder de decisão. Seu relacionamento com os jogadores até então oscila entre usufruir deste trabalho de co-criação realizado gratuitamente e integrá-los de uma forma mais colaborativa como participantes ativos no desenvolvimento do mundo virtual. Assim, esta participação ocorre primariamente em um ambiente proprietário desenvolvido por uma companhia cujo primeiro objetivo é aferir lucro (GLAS, 2010). A despeito disso, o aspecto participativo do jogo é real e se manifesta de variadas maneiras, por vezes sendo formalmente reconhecidas pela desenvolvedora do jogo: A criadora original do site WoWGirl foi contratada pela Blizzard. Ela foi embora do Brasil para trabalhar na Blizzard, no atendimento ao cliente. Lá ela faz a mesma coisa que fazia no WoWGirl, mas agora como contratada da Blizzard e por isso não pôde continuar com o site. Ela começou o site do próprio bolso, gastava uma nota por mês com ele. Aí o WoWGirl cresceu e foi reconhecido pela Blizzard como site autorizado do jogo. Primeiro ela foi homenageada com um personagem dentro de World of Warcraft. Depois ela foi convidada para ir e agora ela está lá. (Waerloga)

Estes atos participativos de Construção representam formas inovadoras de apreensão do mundo virtual e uma das maneiras pelas quais cada jogador constrói para si os sentidos no jogo. Mais do que isso, através destas atividades cada jogador desenvolve novos estilos de diversão, novas formas de interagir com o outro no mundo virtual, de aprimorar o ambiente e de se apropriar de uma pequena fração de World of Warcraft, passando a ser de fato um habitante local. É possível entendê-las como relações de Construção entre os diversos contextos do jogador (principalmente Existencial e Intertextual) e as categorias de Infraestrutura, Texto e Meio Ambiente do Dispositivo do MMORPG, sendo que a coletividade de jogadores que cerca tais relações é tanto participante como público para estas produções. A Construção é a forma mais criativa de participação e a que representa maior autonomia do jogador, que deixa o lugar de consumidor de uma mídia e participa como coprodutor. Mesmo que se leve em conta um cuidado com uma crença cega nos benefícios da cultura participatória, ainda assim este é um movimento de empoderamento do jogador que potencialmente se alinha com as propostas da Promoção da Saúde. Além disso, Construção tende a ser um movimento para fora, para contribuir algo com o grupo ou a sociedade, o que também se alinha com a Promoção da Saúde no contexto coletivo. Um hipotético MMORPG para promoção da saúde criaria diversas formas para o jogador participar por meio de Construção e compartilhar suas produções com a comunidade de jogadores. Permitir ampla contribuição dos jogadores criaria uma sociedade dinâmica e participante no mundo virtual e, à medida que os jogadores contribuíssem livremente com suas propostas e estratégias sobre

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saúde para o MMORPG, haveria o duplo benefício de trazer tais ideias para o debate, incentivando estes jogadores a ser ainda mais atuantes em sociedade. 5.2.2.6 Para fora do jogo: os sentidos em World of Warcraft Nas entrevistas fica claro que World of Warcraft, devido à sua complexidade e tamanho, pode ter múltiplos sentidos e abrigar múltiplas formas de jogo. É possível perceber também as diferentes maneiras como a experiência dentro do jogo transborda para o mundo físico e vice-versa. A presença destas relações com o real em World of Warcraft sinaliza como e para que fins os jogadores usam o jogo, apontando para possibilidades do uso de MMORPGs como meio de Comunicação e Saúde. De um lado, World of Warcraft incorpora vários elementos da cultura, que vão desde os elementos de fantasia épica que inspiram o estilo básico do jogo, até referências à cultura pop, com trocadilhos e homenagens a celebridades. Assim, ao modelo básico de fantasia se acrescentam alienígenas, foguetes, elementos da ficção científica steampunk86, ninjas, zumbis e dinossauros. Festivais sazonais inspirados no mundo real também ocorrem em World of Warcraft como a “Festa do Véu de Inverno” (Natal), “O Amor Está No Ar” (dia dos namorados) e Noturnália (dia das bruxas) entre outros. O MMORPG procura atingir com estas Referências (Meio Ambiente) o Contexto Intertextual dos jogadores por Interpretação, criando mais laços e interesse: Eu sou fanática por livros e eu comecei a jogar Wow no dia em que eles começaram a me mostrar as referências literárias que apareciam nos nomes dos personagens. Tem um livro obscuro pra caramba chamado “O Noivo da Princesa” e tem um personagem lá dentro do Wow que tem um nome do livro, que é o nome do meu gato: Inigo Montoya. Para montar aquilo alguém lá na Blizzard tinha que ter conhecimento literário. A construção do jogo era mais que mero divertimento. E isso eu senti ao longo do jogo. Eu me divertia muito e ria sozinha com todas as citações do jogo. Foi essa coisa de achar um personagem chamado Inigo Montoya que me fez entrar no Wow. (Merlina)

Por outro lado, os jogadores criam produções que ultrapassam os limites e a população do jogo e acabam por atingir novos públicos. O grande número de jogadores em World of Warcraft o torna popular o suficiente para que surjam inúmeras referências ao jogo em

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Subgênero de ficção científica ambientada em passados alternativos, marcados por forte presença de tecnologia do vapor e estética industrial.

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seriados televisivos, clipes musicais e séries de quadrinhos (Reverberação). Esta relação de reciprocidade entre cultura e jogo é um fator de atração e familiaridade para muitos jogadores: Tem muita coisa da cultura. Trouxeram muitas referências de outros jogos para dentro do Wow. Agora, é uma cultura de pessoas com mais idade. O pessoal muito novo não vai entender muitas coisas que tem lá dentro. Com isso a gente acaba criando um laço. (Grimsheeper)

Não se limitando às reverberações na cultura, diversos entrevistados contaram como World of Warcraft repercutiu em suas vidas para além dos limites do jogo. O contato social nas mais variadas formas é um aspecto dominante. Muitos jogadores, ainda que encarem World of Warcraft como um vídeo game, entendem a experiência toda como necessariamente comunitária, seja nos grupos pequenos de amigos, nas respectivas guildas ou até mesmo como um programa entre namorados, que é o caso de Bowmie e Skillstorm. Para vários entrevistados, o contato iniciado no mundo virtual abriu novas amizades que já não se restringiam ao jogo: Fechávamos uma lan house. Todo mundo saía de casa para lan house e ficávamos a madrugada toda jogando. Nos conhecemos primeiro no mundo virtual, aí fomos ver que morávamos todos perto um do outro. Aí falamos: “Vamos jogar na lan house.” Todos conheciam o lugar. Aí o pessoal saía de casa a noite para jogar todo mundo junto. O pessoal preferia ficar interagindo, gritando uns com os outros no mesmo ambiente. [...] Agora a gente não conversa só sobre Wow, mas também sobre coisas pessoais. Virou amizade, literalmente. (Badshot) A gente sempre gostava [de World of Warcraft] porque a relação se estendia, saía do virtual e ia para o mundo real. Continuava porque a gente queria continuar trocando ideias. (Altair)

Para outros, World of Warcraft funciona também como fonte de inspiração, seja através dos conteúdos ficcionais que incorpora na categoria de Texto, seja pelo mero fato de prover um ambiente fantasioso que quebre o cotidiano do jogador: Há momentos em que eu não consigo mais produzir, intelectualmente falando. Então eu vou naquele ambiente de jogo e vou ter novas ideias. Ele estimula o meu lado criativo. (Executie) Eu sempre joguei RPG e eu era mestre. Quando eu comecei a jogar o World of Warcraft, isso me ajudou a entrar no jogo. Por outro lado o Wow me ajudou muito a formar ambientes [de jogo] mais complexos na minha cabeça para a narrativa do RPG. (PlagueKnight)

Similarmente a estes últimos, muitos jogadores jogam World of Warcraft como forma de escapar dos problemas do cotidiano, da “vida real”, e se divertir de forma mais

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inconsequente sozinho ou na companhia de amigos. O termo “brincar” aparece com frequência na fala destes jogadores, como no caso de Palatinus e principalmente Waerloga: Pra mim, é brincadeira total. Eu faço as quests que tenho que fazer. Eu faço os quests em grupo. Eu faço os raides. Mas tem horas que tiro simplesmente para andar pelo cenário, para brincar. [Para mim, Wow] é distração, é extravasar tensão, é tempo com os amigos. Porque mesmo que você não esteja jogando juntos, na maioria das vezes estamos conversando pelo chat ou pelo skype. Então você tinha aquele momento no seu dia mega estressado, você se juntava com seus amigos e era muita bagunça, muita brincadeira. [...] Eu adoro brincar com aquilo. É aquele negócio de esquecer, de fugir, de se desligar de todo o resto. Por isso gosto de jogar com todas as luzes apagadas também. (Waerloga)

Esta diversão mais descompromissada por sua vez assume variadas formas, incluindo atividades de Construção tanto no seu aspecto antissocial como o griefing, até no outro extremo, com o roleplaying, a interpretação de personagens em jogo. O caso de PlagueKnight ilustra bem esta variedade de abordagens: ele possuía dois personagens, um paladino do sexo masculino e uma druida. Enquanto com o primeiro ele assumia um comportamento hardcore, sendo inclusive adepto do griefing e participando ativamente dos combates PvE e PvP, com a segunda se dedicava ao roleplaying e ajudava outros jogadores: Eu de fato interpretava a minha personagem feminina. Enquanto com o paladino eu era mau, com ela eu era gentil com os outros. As pessoas até achavam que eram pessoas diferentes jogando. Eu dizia que quem jogava ela era minha irmã e o pessoal acreditava. Ela era mais branda, mãezona, dava ouro, itens para os outros. Alguns jogadores pediram: “Posso ser seu filho?” Teve três personagens que eu adotei. Eles eram iniciantes e jogavam muito mal, então eu dava itens a eles, os acompanhava nas missões, protegia... (PlagueKnight)

Entrelaçado com a diversão, entretanto, está também o caráter de jogo de World of Warcraft, onde questões de competência, vitória, estratégia e competição são de suma importância (Contextos Intertextual e Situacional). Por exemplo, muitos jogadores preferem abdicar da companhia e jogar sozinhos para desempenhar suas atividades livremente: Eu prefiro jogar solo, porque a gente leva mais a sério, sabe o que está fazendo. Quando você joga em equipe você nem sempre sabe o que seu parceiro vai fazer. É difícil planejar. Então eu preferia jogar solo, pois minha conexão não era muito rápida e não existiam muitos programas de comunicação por voz. (Altair)

Outros, como Envenom, encaram a competição no mundo virtual como uma forma de aprimoramento. Já Actaeon tem como único objetivo do jogo cumprir o circuito de raides com o grupo que lidera. Seu foco é em operar por Reconfiguração os Sistemas do MMORPG:

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Para mim o importante é aprimorar pré-requisitos para os raides. Não me importa colecionar equipamentos ou armaduras bacanas. E o especial do raide são as pessoas. É a articulação, é você juntar todo mundo. E na hora que está havendo a luta final com o chefe inimigo fica todo mundo em silêncio. Eu que sou o líder, então sou eu que coordeno, para lá, para cá... E a galera segue, sabe? Às vezes eles fazem antes de eu pedir. Eu acho isso muito legal. As estratégias a gente decide antes, mas os improvisos, as necessidades de relembrar são na hora... Eu falo o tempo todo. Até houve uma vez que o microfone deu defeito e mesmo assim eu falava sozinho, pois estava muito acostumado com aquilo. (Actaeon)

Assim, há uma miríade de usos e apropriações para a experiência de jogo em World of Warcraft. E eles não apenas variam de jogador para jogador, mas também se modificam ao longo da vida de uma mesma pessoa, influenciados por fatores como sua experiência de jogo, amadurecimento e mudanças em sua vida (o que representa mudanças nos contextos do jogador). Através do contato por Interpretação com o Dispositivo do MMORPG e influenciado pelos Outros Jogadores, os Contextos do jogador estão sempre suscetíveis a mudanças que em muitos casos refletirão em outras áreas da sua vida, inclusive de formas tangíveis no mundo físico. Conforme visto no capítulo 3, uma das características de um serious game é causar repercussões positivas no mundo real. A tendência dos MMORPGs de se ramificar no mundo real, principalmente na forma de relacionamentos de amizade, é uma característica valiosa para iniciativas de Promoção da Saúde. Um MMORPG com este fim poderia aproveitar este trânsito entre virtual e físico incentivando encontros entre jogadores, reuniões e palestras onde se discutissem tanto aspectos de jogo como assuntos relacionados à saúde. 5.2.2.7 Os jogadores falam sobre saúde Embora todos os aspectos analisados o sejam na perspectiva de uma análise dos MMORPGS como estratégia da Comunicação e Saúde, ainda resta a questão se é possível relacionar a saúde com MMORPGs, do ponto de vista temático. Aos entrevistados foram feitas duas perguntas específicas sobre saúde, cujas respostas se concentraram em três principais temas: 5.2.2.7.1. A “lógica do vício” A expressão “lógica do vício” foi usada por Actæon em sua resposta a uma hipotética ramificação do World of Warcraft para outros ambientes on-line como redes sociais:

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Começa a entrar na lógica de vício. A pessoa simplesmente não consegue se afastar daquilo. (Actæon)

Ele quis descrever com isso a intromissão do jogo em todos os aspectos da vida de uma pessoa. Mas este é um jogador que se considera hardcore, passando várias horas jogando em pelo menos três dias da semana e, além disso, efetua o gerenciamento e comunicação com os membros da sua guilda por meio de um grupo fechado no Facebook. Cabe então questionar o que é exatamente este vício em World of Warcraft. Onde estaria a linha limítrofe? Actæon não foi o único a usar a palavra vício. Vários jogadores se descreveram como “viciados” (em geral, usando o verbo no passado) e outros como “fanáticos”. Quando questionados em mais detalhes, davam como razão o número de horas despendidas no mundo virtual e a frequência de sessões. No início, quando a gente começa a viciar no jogo, quer jogar o dia todo. Atualmente eu estou meio ausente do World of Warcraft por causa dos trabalhos da faculdade. (Crash)

Em alguns casos os entrevistados relataram situações conflitantes entre os compromissos de jogo e as demais áreas da vida. Merlina, por exemplo, conta que o grupo de amigos com quem jogava RPGs e video games tinha uma vida social bem agitada. Era comum depois de uma sessão de jogo saírem para bares, restaurantes e clubes. Ela não se interessou a princípio por World of Warcraft, mas assim que o jogo foi lançado seus amigos deixaram de sair para jogar todas as noites. Ela culpou World of Warcraft pela aparente perda dos amigos: A gente saía três ou quatro vezes por semana depois da faculdade. Então saiu o Wow e eles pararam de sair. E passavam todas as noites jogando. Não podiam sair por causa do jogo e na sexta só podiam sair depois da raide. Eles me mostraram o jogo. Me sentaram no computador e me fizeram montar inúmeras classes e raças diferentes. Eu não gostei de nada porque estava com uma birra desgraçada do Wow. A gente não saía, não fazia mais nada da vida. Meus amigos passaram só a jogar Wow. Eu não joguei Wow durante uns dois anos. Eu tinha ódio do Wow, não podia ver World of Warcraft. Porque eu tinha que esperar a maldita raide acabar. E às vezes o pessoal todo morria e a raide começava de novo. E eu ficava lá assistindo eles fazerem a raide. Eu odiava o Wow. Odiava. (Merlina)

Eventualmente Merlina começou a jogar World of Warcraft. Dotctor seguiu um caminho inverso, entretanto. Seu caso é o mais emblemático do uso excessivo do jogo, uma vez que ele perdeu o nascimento do único filho por estar jogando World of Warcraft: A gente tinha acabado de fazer uma raide para subir de nível. Aí fui olhar o celular - porque você perde a noção do tempo – e ela estava em Angra. Então eu vi as quarenta ligações perdidas. Na hora eu sabia: “Meu filho nasceu!” Aí dá aquele baque bizarro. Pensei: “Tenho que refazer minha

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vida... Tenho que refazer e o Wow não vai fazer parte dela.” Desde que meu filho nasceu nunca mais joguei. Porque ele [World of Warcraft] é cancerígeno. Você tem sempre alguma coisa para fazer... É o hamster na rodinha... (Dotctor)

Na fala de Dotctor é ainda mais evidente a associação com a doença. Sua resposta ao problema, inclusive, foi uma abstinência total do que considerava um vício. É interessante levar em conta também que Dotctor é um entusiasta de jogos de tabuleiro e passa uma parte significativa do seu tempo livre jogando e organizando eventos para tais jogos. Não obstante, isto não é identificado por ele como um problema, muito menos como um vício. Talvez o fator imersivo de World of Warcraft e outros MMORPGs semelhantes seja tanto uma qualidade quanto um problema neste caso. Na medida em que o jogador entra no mundo virtual e se fascina com o que experimenta, tende a usar mais do seu tempo para explorá-lo e em alguns casos isso interfere em outros aspectos da sua vida. O termo “vício” ligado aos video games já vem desde a época do Atari, quando os pais não entendiam o encantamento que seus filhos viam no aparelho, mas em jogos como World of Warcraft este envolvimento no jogo é ainda mais profundo. Isso ocorre devido aos aprimoramentos em termos de Representação e Sistemas os quais enriquecem a experiência on-line, mas também se expande para fora do jogo através das ramificações em transmídia, em sites informativos sobre vídeo games e nas produções dos fãs (Produção dos Fãs e Reverberação em Meio Ambiente e Outros Produtos em Infraestrutura). No entanto, é importante considerar que embora haja considerável pesquisa sobre o uso compulsivo de vídeo games (game addiction), este tema ainda é espaço de muitas discussões sobre a validade da aplicação da sua comparação com o vício em substâncias químicas (OGGINS; SAMMIS, 2012). Tais controvérsias são intensificadas por relatos sensacionalistas de mídia, o que dificulta mais a discussão do assunto (WOOD, 2008). Parece razoável supor que o uso do termo “vício” pelos entrevistados derive deste senso comum, tanto que vários dos que se diziam “viciados” no passado comentaram que reduziram o tempo e envolvimento no jogo com aparente facilidade, por conta de trabalho, estudos e casamento. Palatinus entende o comportamento problemático em jogo como sinal de dificuldades pessoais em outras áreas da vida: Quando você joga isso por muito tempo você vê grupos de pessoas indo e voltando por vários motivos. Tem pessoas que se afastam do jogo por motivos saudáveis, por mudanças na rotina, como ser mãe ou casar. Outros levam o jogo muito a serio. Tendem a transferir uma certa frustração da vida pessoal para o jogo. Às vezes não têm um trabalho bom e levam os problemas para o jogo. Querem comandar as pessoas, tratando todo mundo

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como cachorro. Vira mais do que um jogo, tipo: “Você tem que honrar o nome da sua guilda”... Querem mandar, impõem regras. (Palatinus)

5.2.2.7.2. Video games e saúde Perguntados sobre o uso de vídeo games em Comunicação e Saúde, todos os entrevistados responderam que acreditavam que poderiam ser eficazes para este fim. No seu entender, jogos podem colocar seus jogadores em situações diferentes, fazendo com que experimentem outras histórias de vida, além de prover formas de relaxamento e socialização. Alguns sugeriram jogos onde o protagonista deveria identificar doenças ou lidar com epidemias, em um contexto similar aos dos seriados médicos na televisão. Outros sugeriram ambientações históricas como forma de ensinar ao jogador sobre saúde, como jogos ocorrendo durante a peste negra. Comum a estas ideias é a forte ênfase na história a fim de garantir a imersão do jogador no assunto, demonstrando que os entrevistados consideram a categoria Texto como definidora do caráter de um jogo. Vários entrevistados reforçaram que jogos para a saúde deveriam ser divertidos. Muitos confirmaram que há uma percepção generalizada de que jogos (tanto de tabuleiro quanto vídeo games) voltados para a saúde sejam maçantes: Acho engraçado que todo mundo fala: “Jogo educativo, aquela coisa chata...” Mas o jogo educativo não foi feito para ser uma coisa chata. Algumas vezes seus criadores querem colocar direto o foco em saúde já no início, ao invés de chegar devagar até o foco, deixando a pessoa conhecer o jogo primeiro. (Badshot)

Segundo alguns entrevistados os jogos para a saúde que experimentaram são muito menos jogos que livros-texto disfarçados. Grimsheeper sugere inclusive que se abandone o termo jogo educativo, já desgastado por produtos de qualidade inferior, realizados de forma não profissional, ainda que muitas vezes com boas intenções: É importante a gente fazer não jogos educativos e sim jogos que eduquem. Um jogo para a saúde não pode ter viés educacional, pois senão o jogador não vai jogar. A educação tem que estar muito implícita no jogo, porque o jogador quer viver uma experiência. Então, é preciso traduzir sua mensagem de forma que você eduque sem fazer um aspecto de escola dentro do jogo. Um jogo que queira educar da forma tradicional, a famosa cartilha em outro formato, não vinga. (Grimsheeper)

Na mesma linha de argumentação, Merlina aponta que um jogo sobre saúde precisa situar o conteúdo de dentro de um contexto, a fim de garantir solidez à experiência:

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Eu acho a ideia de um jogo para a saúde interessante, mas ele não pode ser só sobre isso, porque senão a pessoa não senta para jogar. Tem que ser divertido por si mesmo. Tem que estar inserido dentro de um contexto. Acho que o Facebook é um meio fantástico para atrair as pessoas para um jogo rápido. Um jogo que tivesse uma história por trás que seduzisse o jogador a retornar seria interessante. Infelizmente eu acho que a maioria das coisas voltadas para a saúde hoje é muito rasa. E se torna chato. É muito chato e o adolescente olha e diz: “Eu não quero participar disso, é muito chato”. Falta muito nessa parte que as pessoas se coloquem na posição de um adolescente.

Sobre o suporte, a maioria dos entrevistados não acredita que vídeo games seja ainda uma mídia tão inacessível à população em termos financeiros, devido ao barateamento dos equipamentos e conexões, assim como a popularização das lan houses , inclusive em regiões de baixa renda, conforme relatam Grimsheeper e Badshot. Isso não quer dizer que defendam que tudo deva ser exclusivamente virtual. Merlina conta que já pensou em criar um jogo de tabuleiro relacionado à saúde, uma vez que convive com meninas e adolescentes em quem percebe grande desconhecimento sobre questões relativas à sexualidade. Já Ragebar e Dotctor acreditam que se um jogo para a saúde assumisse a forma de um Jogo de Realidade Alternativa (ARG - Alternate Reality Game) ou jogo pervasivo (PCG - Pervasive Computational Games), envolvendo etapas no mundo real, seria ainda mais interessante, particularmente se exigisse muita movimentação e contato com outras pessoas87. Por fim, Altair acredita que um vídeo game para a saúde deva se aproveitar do instinto de competição do jogador para passar sua mensagem, mas ao mesmo tempo deve ser também uma ferramenta para obter informações dos jogadores, a fim de se saber mais como estes entendem as questões de saúde. 5.2.2.7.3. Doença e Incapacidade Embora existam doenças em World of Warcraft, o termo normalmente se refere a efeitos mágicos fantasiosos e não procuram fazer nenhuma aproximação com doenças existentes. Até mesmo a representação da “saúde” de um personagem toma a forma de uma barra horizontal numérica que decresce à medida que se sofre agressões em combates. Se esta barra chega a zero, o personagem morre, sendo transportado para o cemitério de onde deve retornar para seu corpo. Apesar da metáfora primária que o jogo apresenta para o bem estar físico, ainda assim os jogadores preocupam-se com a saúde de seus personagens, embora o

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Jogos pervasivos ampliam a experiência de jogo para ambientes físicos por meio de tecnologias móveis, criando espaços de jogo tanto físicos quanto virtuais. ARGs formam um subconjunto dos jogos pervasivos (MONTOLA, 2005; LEMOS, 2011).

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que lhes preocupa não seja tanto a morte (cujos efeitos em jogo são mínimos), mas a situação de incapacidade do seu personagem (perda de movimentos, de resistência física ou habilidades), quando suas atividades no mundo do jogo estão limitadas de alguma forma. Paradoxalmente, a representação de doença mais realista no jogo foi causada por uma falha no planejamento dos game designers, o evento Corrupted Blood, mencionado no capítulo 4. Mais tarde a Blizzard se inspirou neste evento para criar intencionalmente a Praga Zumbi, um evento envolvendo uma praga contagiosa que transformava os jogadores em mortos vivos, como parte da promoção de sua nova expansão Wrath of the Lich King. Um dos entrevistados, PlagueKnight, vivenciou de perto os dias da praga Corrupted Blood. Ele lembra que o primeiro sinal foi um aviso de um companheiro de guilda que mandou que se afastasse de Stormwind (a maior cidade da Aliança do jogo), mas não soube explicar qual era o problema. Decidiu averiguar e encontrou todos os NPCs da cidade mortos. Sem ter como saber que os NPCs haviam morrido da doença, concluiu que deveria ter sido um ataque surpresa da Horda. PlagueKnight então convocou o resto da guilda para a cidade e quando chegaram se dirigiram para a sala do trono. Novamente, encontraram todos mortos, sem nenhum sinal de inimigos: Nós pensamos: “Que invasão foi essa, que durou segundos?” De repente o rei ressuscitou88 e morreu logo depois. Pensei que talvez houvesse um ladino ali89. Começamos a tentar revelá-lo usando magia e nada. Logo outro NPC, o capitão da guarda do palácio, também ressuscitou e morreu logo depois. Vimos que havia algo muito errado e começamos a correr para sair do palácio. Aí ficamos esverdeados e começamos a perder pontos de vida. Usávamos magias para remover doenças e nada. Sobrevivemos curando uns aos outros, mas era temporário e continuávamos com a doença. Começamos a entrar em desespero. (PlagueKnight)

Eles enviaram uma notificação para a guilda para que fosse repassada a outras, dizendo que havia uma praga estranha em Stormwind. Na saída da cidade foram contatados por um GM90 de World of Warcraft. Ele explicou que havia um bug no jogo e aplicou um efeito benéfico sobre eles que regenerava suas vidas para compensar a doença nos personagens. Recomendou que não entrassem em contato com outros jogadores, a fim de não

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Em World of Warcraft os NPCs que porventura sejam mortos voltam à vida depois de alguns minutos, a fim de que o jogo continue funcionando. 89 Os ladinos (rogues), podem se manter invisíveis enquanto atacam um oponente. 90 GMs ou Game Masters são funcionários da Blizzard que supervisionam World of Warcraft. Eles têm personagens próprios e podem entrar em conversação com os jogadores a fim de auxiliá-los no caso de bugs ou puni-los, caso estejam abusando das regras do jogo. Para cumprir suas funções os GMs têm uma série de funcionalidades à disposição do seu personagem.

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espalhar a doença. Como o processo de morte e ressurreição havia funcionado parcialmente, o GM pediu à guilda que matassem os personagens infectados que encontrassem, a fim de que ele pudesse aplicar o mesmo efeito benéfico sobre eles quando ressuscitados: Foi uma epidemia geral, tipo a peste negra. E nós parecíamos os cavaleiros da morte, invadindo as cidades de nível mais baixo. A gente entrava, matava todo mundo e quando ressuscitavam o GM aplicava a tal cura. Ele estava dando uma vacina que não curava, mas pelo menos protegia um pouco. Muita gente nem se aproximava mais das cidades. Os caçadores tentavam matar a distância os doentes. As pessoas me pediam ajuda. Eu as levava para Stormwind, curando-as temporariamente pelo caminho e as matava no cemitério para voltarem e serem ajudadas pelo GM. (PlagueKnight)

Nos dias que se seguiram, a praga continuou se espalhando. Segundo PlagueKnight, o fato de tudo estar ocorrendo dentro de um jogo não minimizava seus efeitos para os jogadores: Muitos jogadores levavam para o lado pessoal. Eu ouvi muita gente reclamar que não estava conseguindo jogar, mas teve gente que ficava deprimida mesmo. Alguns até diziam que tinham chorado. Teve gente que parou de jogar e fechou a conta de WoW. Esta experiência foi traumatizante. Era desesperador você ver seu personagem morrendo devagar e você impotente... (PlagueKnight)

Ele conta que depois do ocorrido alguns colegas da guilda compararam o Corrupted Blood a um câncer. PlagueKnight sabia que o pai havia morrido de câncer, mas nunca havia pensado muito a respeito da doença. Depois da experiência com o Corrupted Blood, ele chegou à conclusão de que a praga do Corrupted Blood tinha semelhanças com o câncer, uma vez que era uma doença degenerativa, cujo tratamento também causava degeneração. Assim, de certa forma a experiência de jogo em um mundo virtual o levou a resgatar e entender melhor uma experiência pessoal e familiar relacionada à doença e morte. A história de PlagueKnight permite ver diversas maneiras como o jogador e o MMORPG interagem. Começa com uma Interpretação (equivocada) da Ambientação (Texto) por parte de PlagueKnight, que devido à sua experiência (Contexto Intertextual) imaginava um ataque em Stormwind. Quando suspeitaram de um ladino, tentaram solucionar o problema por meio de magias (Reconfiguração, Regras da categoria Sistemas). Ao verificarem que nada funcionava, desconfiaram de um bug (Interpretação, Servidores em Infraestrutura) e foram auxiliados por um GM (Relação com usuários em Infraestrutura), que pediu que matassem outros jogadores para tentar curá-los (Reconfiguração, Mecânicas de jogo em Sistemas). PlagueKnight conta que se sentiu como um cavaleiro da morte cumprindo a missão, o que pode ser visto como um fluxo do Contexto Intertextual relacionado a Sistemas e Texto do Dispositivo do MMORPG por meio de Construção. Por fim, a ligação entre Corrupted Blood,

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câncer e sua história familiar mostram um processo de Interpretação onde o que foi experimentado na Representação (Texto), Comunidade (Meio Ambiente) e Mecânicas de jogo (Sistemas) se torna parte de seu Contexto Existencial. Assim, mesmo um bug em um MMORPG de fantasia, sem maiores pretensões realistas, repercutiu de forma peculiar no jogador, ocasionando um momento de reflexão sobre questões ligadas à saúde, vida e morte, o que ilustra parte do potencial dos MMORPGs como meio de Comunicação e Saúde. Resumindo Nesse capítulo foi mostrada a análise das entrevistas, que teve valor metodológico, ao propiciar a aplicabilidade das categorias do modelo proposto, o Modelo de Análise Relacional de MMORPGs: Contextos e Dispositivo (ARM). Este modelo tem dois polos principais: os Contextos do Jogador, inspirado em elementos do modelo de Comunicação como Mercado Simbólico e o Dispositivo do MMORPG, inspirado no Gaming Dispositif, sendo que ambos os modelos foram apresentados no capítulo 5. Os modos de participação — Interpretação, Reconfiguração e Construção — fazem as conexões entre estes dois polos, sendo que estes fluxos ou rotas entre os polos são influenciados pelos Outros jogadores no MMORPG. Pretende-se que o modelo ARM seja aplicável a análises de vídeo games no campo da Comunicação e Saúde, mas flexível o suficiente para a utilização em pesquisas sobre MMORPGs de outros campos de conhecimento. A partir do exame das entrevistas por meio do modelo ARM, sete temas principais foram apresentados e discutidos. Eles são elementos relevantes para um uso de MMORPGs (ou jogos com características de MMORPG) na Comunicação e Saúde: a importância do aspecto sensorial que abre espaço para a entrada e aceitação do mundo virtual pelo jogador; o papel do avatar como instância de formação identitária do jogador dentro e fora do jogo; a lógica de progresso no mundo virtual através de conquistas e competência tanto individual como coletiva; os vínculos sociais que espelham de forma direta ou distorcida vínculos no mundo fora do jogo; a interferência no mundo virtual através da atividade criativa que se estende para novas formas de jogo e relacionamento; a alteração do chamado real pelo virtual quando o jogo invade o mundo e se percebe que tudo é real e, por fim, o tema da saúde que junto com o humano adentra os espaços de jogo e mundos virtuais e com ele retorna sob novas óticas e perspectivas. No próximo capítulo, será detalhado como tais temas respondem aos objetivos propostos para esta tese e como tais elementos podem ser trabalhados em uma aplicação de MMORPGs na Comunicação e Saúde.

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ENDGAME Paradoxalmente, nos MMORPGs a expressão endgame não significa que o jogo

acabou, mas que o jogador chegou ao nível máximo de progressão e entra em um novo formato de jogo. Diferente do tradicional game over, o jogo não acaba, mas alcança outros patamares, antes inacessíveis ao jogador. Neste mesmo sentido, as conclusões apresentadas aqui operam como respostas aos objetivos da pesquisa, mas espera-se que representem também novos pontos de partida para investigações posteriores. MMORPGs são ainda um fenômeno muito novo, particularmente no Brasil, e têm um enorme número de ramificações, grande parte delas inexploradas, sobretudo em suas interfaces com o campo da Saúde. SOBRE O MODELO ARM Até onde foi possível investigar, não existem modelos de análise para MMORPGs. O modelo ARM, proposto nesta tese, pretende suprir essa lacuna e orientar a análise de MMORPGs, atentando em suas relações com a saúde. É um modelo que procura levar em conta não apenas o jogo em si, mas os jogadores e o ambiente (cultural, social, midiático). Em outras palavras, os sujeitos e os contextos de circulação e apropriação dos jogos. Sendo estes sempre variáveis, não é possível nem desejável esgotar todas as possibilidades analíticas. A proposta é de uma estrutura modular que permita novos desenvolvimentos em áreas específicas. Conforme já foi mencionado, é possível refinar mais cada categoria, de acordo com os propósitos e foco de cada pesquisa. As perguntas norteadoras que acompanham o modelo também podem ser modificadas de modo a contemplar situações específicas. O propósito principal do modelo foi oferecer um conjunto de parâmetros para se investigar as diversas facetas dos MMORPGs, levando em conta alguns aspectos que são chave para a sua utilização na saúde. Certamente, futuros refinamentos e aprimoramentos do modelo ARM irão garantir melhor definição de categorias e permitir uma gama maior de aplicações. Segundo tudo o que foi dito sobre a importância da participação ativa da população nas políticas de Saúde e sobre os serious games como lugar de aquisição e/ou incremento de uma cultura participatória, é possível apontar que um dos objetivos de um MMORPG desenvolvido para a saúde seria integrar simbolicamente o Contexto Existencial do jogador, estimulando mudanças, questionamentos e novas compreensões que, por sua vez, repercutissem em seu Contexto Situacional, Intertextual e Tecnológico. Fala-se em estimular

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mudanças justamente porque não é intenção impingir conteúdos prescritivos ao jogador; antes, desenvolver seu senso crítico e ampliar seu repertório, de modo a aumentar suas possibilidades de participação ativa nos processos de saúde, tanto individuais quanto coletivos, como preconiza o ideário da Promoção da Saúde. Por sua vez, a participação do jogador no MMORPG, através da permanente reconfiguração e construção, torna-o um elo no processo de semiose que se instaura pelo jogo, atribuindo-lhe um papel de produtor ativo de sentidos. Traduzindo em um exemplo prático de um hipotético MMORPG para Promoção da Saúde, é possível imaginar um jogo no qual em um primeiro momento os jogadores se vissem às voltas com missões e tarefas relacionadas mais explicitamente à saúde como descobrir as causas de uma epidemia, identificar formas de tratamento, coletar ingredientes (fantasiosos ou não) para o tratamento e por fim cuidar dos doentes. Durante este processo, os jogadores teriam ampla oportunidade de se comunicar para decidir em conjunto (ou não) as melhores vias de ação e poderiam ser confrontados com questões mais controversas (como o tratamento compulsório dos doentes, por exemplo), a fim de que estes temas pudessem ser trazidos para o debate do grupo. Em um segundo estágio deste jogo, os jogadores teriam a oportunidade de estabelecer medidas para prevenção de futuros surtos epidêmicos, que poderiam ir da instituição de áreas de quarentena ao estabelecimento de “agentes de saúde” no jogo, capazes de monitorar a saúde da população. Estas tarefas poderiam ser encadeadas em uma progressão, de forma a chegar até mesmo à discussão e estruturação de políticas de saúde pelos jogadores e sua posterior implantação no mundo virtual do MMORPG. Os próprios jogadores poderiam ser estimulados a contribuir com estas políticas, criando processos de escolha dos agentes de saúde no mundo virtual e desenvolvendo material de comunicação para uso no jogo, posteriormente compartilhando-os em outros espaços e redes sociais. Estas medidas dos jogadores poderiam impactar de forma mais permanente o mundo do MMORPG e grupos de jogadores posteriores poderiam se deparar com cenários diferentes, que por sua vez trariam novos desafios. Desta forma, os jogadores seriam participantes de um jogo sobre saúde, apreendendo (Interpretação) os conceitos sobre o tema, ao mesmo tempo em que estariam intervindo no mundo produzindo seus próprios sentidos e compartilhando-os com outros (Construção). Esta é apenas uma das possibilidades do uso de MMORPGs para a Comunicação e Saúde.

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A utilização do modelo ARM para produção ou análise de um MMORPG para a Comunicação e Saúde envolveria sua aplicação como um mapa, apontando os pontos críticos na concepção do projeto que devem ser satisfatoriamente atendidos. Embora todas as categorias sejam relevantes, do ponto de vista do dispositivo é possível salientar como áreas vitais para atenção no projeto de um MMORPG para a Saúde: 

Texto – todas as categorias (Ambientação, Representação e Avatar) são muito importantes para que o jogador desenvolva um interesse inicial no MMORPG, embora Representação tenha um peso maior, pelo menos para uma aproximação inicial.



Sistemas – as categorias mais importantes são Jogador e Multiplayer, para que o jogador tenha ampla liberdade de interagir e se associar com outros e possa sentir seu aprimoramento no jogo, incluindo a interligação entre jogador e avatar. As Mecânicas de Jogo devem ter uma curva de complexidade em relação ao tempo bem suave, a fim de que o jogador não abandone o jogo por considerá-lo muito difícil.



Infraestrutura – Deve levar em conta que requerimentos tecnológicos e de conexão para um jogo destinado à população como um todo não podem ser muito sofisticados (Infraestrutura > Base Tecnológica > Requerimentos de Uso e Conexão) e que o jogo deve ser promovido, distribuído e funcionar em sinergia com outras iniciativas de Comunicação e Saúde (Infraestrutura > Aspectos de Mercado > Promoção, Distribuição e Outros Produtos).



Meio Ambiente – o jogo deve idealmente incluir elementos que estabeleçam referências culturais familiares a um grande número de pessoas (Meio Ambiente > Cultura > Referências) e deve fomentar ao máximo a formação de comunidades e a produção dos fãs ((Meio Ambiente > População > Comunidade e Produção dos Fãs).

De um modo geral, os video games com finalidades relacionadas à saúde são organizados em torno de um conteúdo pronto que deve ser objeto de apropriação pelo jogador. Entretanto, na perspectiva que estamos propondo, é indispensável a existência de sistemas envolvendo Reconfiguração, a fim de que o jogador se sinta no controle do jogo e tenha maior interesse no mesmo. É também necessária a inclusão de sistemas que facilitem processos de Construção no jogo como inclusão de conteúdo criado pelos jogadores no MMORPG, funcionalidades para compartilhamento de eventos, cenas, vídeos e textos do jogo

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na internet, oferta de kits e modelos prontos que facilitem a criação de sites de fãs, convite a jogadores que se destaquem para opinar em novas funcionalidades e assim por adiante. VOLTANDO ÀS QUESTÕES DE PESQUISA O modelo é o ponto central desta tese e resultou tanto da pesquisa teórica quanto da análise das entrevistas. A pesquisa teórica permitiu vincular o campo da Comunicação e Saúde ao campo emergente dos Game Studies, tecendo conexões entre conceitos, modelos e perspectivas. O conceito de participação e cultura participatória, de aplicação ainda recente nos video games e serious games, foi aproximado com as propostas de participação da população nas políticas de saúde, tema da Comunicação e Saúde. Assim, foi possível articular o papel dos serious games na Comunicação e Saúde como algo maior do que apenas uma nova roupagem tecnológica de antigas práticas de comunicação. As entrevistas, por sua vez, permitiram um olhar sobre as práticas dos jogadores em World of Warcraft e as maneiras que estes produzem sentidos a partir de suas experiências on-line. A análise das entrevistas pôs em relevo alguns temas centrais nestes processos: a imersão no mundo, propiciada pelos fatores sensoriais e estéticos, sistemas de regras e progressão; o elo entre avatar e jogador, em que estes últimos implicitamente assumem seus avatares como sua presença no mundo virtual; os diferentes papéis que o jogo assume na vida de cada um, criando a fronteira entre casual e hardcore; os aspectos sociais, que envolvem a criação de redes sociais dentro do mundo virtual, mas também estabelecem parâmetros para tais relações, muitas vezes fragmentando a base de jogadores em pequenos grupos; os processos de construção participatória, nos quais se complementa ou altera o jogo por meio de novas regras e sistemas, existindo nos MMORPGs principalmente como convenções e práticas sociais que ampliam os sentidos do jogo para seus jogadores; e os elos com o mundo físico, marcando uma bidirecionalidade entre o MMORPG e o resto da vida do jogador, cujo fluxo incessante borra as fronteiras entre os dois espaços. Assim, retomando a questão de pesquisa, “Qual o potencial dos MMORPGs para as políticas e práticas da Comunicação e Saúde no Brasil?”, é possível respondê-la a partir das respostas de quatro questões específicas constituintes: 

Quais são os fatores responsáveis pela atração, engajamento e participação dos jogadores nos MMORPGs?

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Quais são as mediações que ocorrem no jogo e quais suas repercussões fora do mundo do jogo?



Qual a relação entre MMORPG e cultura participatória?



Como estes aspectos podem ser aplicados à Comunicação e Saúde no Brasil?

Os fatores responsáveis pela atração, engajamento e participação dos jogadores nos MMORPGs são muitos e funcionam em diferentes esferas. A partir das entrevistas, entretanto, foi possível elencar os fatores que apareceram como mais importantes aos jogadores de World of Warcraft e que podem ser considerados como aplicáveis aos MMORPGs em geral. Mesmo considerando que os entrevistados podem não representar todas as possibilidades de contextos existenciais dos potenciais jogadores de um serious game em saúde, consideramos que eles permitem identificar as categorias mais relevantes a serem observadas. Os elementos da categoria Texto do modelo ARM são os que primariamente atraem a atenção do jogador. Os aspectos sensoriais, particularmente, são grandes responsáveis pelo interesse inicial do jogador em explorar o ambiente e os entrevistados frequentemente mencionavam um ou outro aspecto visual (cenário, vestimentas, iluminação, etc.) que havia lhes cativado de alguma forma. No caso de World of Warcraft, não apenas a concepção das imagens e da música é apreciada pelos jogadores, mas sua execução é de grande apuro técnico. Os aspectos visual e sonoro também são responsáveis por proporcionar a imersão ao jogador, dando-lhe a impressão de explorar um mundo novo. Por fim, a história do jogo contribui com a caracterização do mundo virtual. Em um segundo momento, o jogador sente-se envolvido pelo jogo devido aos elementos da categoria Sistemas do modelo ARM, na medida em que começa a entender melhor as regras e dominar as estratégias para obter vitórias e progredir no jogo. Vitórias, recompensas e progressão do personagem são fatores relevantes para permanência no jogo. Quando o mundo já foi todo explorado e o cenário já não surpreende tanto, são estes fatores mais ligados ao desafio, competição e jogo propriamente dito que retêm os jogadores nos MMORPGs. Geralmente é também neste segundo momento que o jogador começa a estruturar sua rede social no MMORPG. Procurar amigos e conhecidos on-line é a primeira ação de muitos dentro de um MMORPG e são comuns relatos de jogadores que deixam um MMORPG que ainda apreciam para poder acompanhar seus amigos que migraram para outro jogo. Alguns entrevistados enfatizaram também a responsabilidade que passam a sentir em

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relação aos companheiros de jogo, principalmente os colegas da guilda. Ressalte-se, entretanto, que, de modo geral, estes laços de amizade se formam em situações típicas de jogo e não apenas em conversação dentro do jogo. É cumprindo as missões e combatendo juntos que os jogadores acabam formando ou fortalecendo os laços de amizade e companheirismo. Os sistemas de jogo funcionam, portanto como elementos estruturantes em torno dos quais surgem as relações sociais. Outro conjunto de fatores diz respeito à experiência individual do jogador e sua expressão pessoal no MMORPG. O nível de poder do personagem, seu histórico, suas conquistas e reputação são elementos de posição social no jogo e sinal de suas realizações. Os itens conquistados, armas, armaduras e outros equipamentos, a personalização de vestimentas, conquista de animais de estimação, desenvolvimento de outros estilos de jogo e participação em guildas e raides são outros elementos que lhe dão um senso histórico e de identidade online, ancorando-o no mundo virtual. As mediações que ocorrem no jogo e suas repercussões fora do mundo do jogo são muito variadas. Nas entrevistas foi possível perceber as mediações que ocorrem em World of Warcraft, tanto as que se circunscrevem ao mundo virtual tanto as que extrapolam este limite e estabelecem relações com outros ambientes virtuais ou o mundo físico. Este transbordamento ocorre principalmente nas relações sociais, como amizades que se formam a partir do MMORPG e se estendem ao mundo físico, mas também em situações onde o Contexto Existencial do jogador é marcado por eventos do jogo, como o exemplo de PlagueKnight, associando a doença em World of Warcraft com o câncer que matou seu pai, ou o relato de entrevistados que se sentiam na obrigação de entrar no jogo devido à responsabilidade para com os colegas de guilda. As ordens de fatores de mediação tipificadas na matriz analítica do Modelo da Comunicação como Mercado Simbólico apareceram com frequência nas falas dos entrevistados e pode ser presumido que possam ser encontrados também em outros MMORPGs: as motivações e interesses nos planos dos jogadores ou objetivos coletivos das guildas; as relações entre amigos, conhecidos, grupos de jogadores ou guildas rivais, as competências que em MMORPGs estão ligadas ao nível de experiência do personagem e a habilidade do jogador, mas também à participação nos fóruns e sites relacionados ao jogo; as discursividades, presentes em vários elementos, por exemplos, na dicotomia assumida por alguns entrevistados entre casual e hardcore e nas paródias e piadas que circulam sobre o jogo; os dispositivos de comunicação, tanto dentro quanto fora do jogo como as mensagens

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escritas, o sistema de e-mail interno do MMORPG, as redes sociais, a comunicação por voz; e as Leis, Normas e Práticas Convencionadas, que podem ser exemplificadas tanto pelo termo legal de serviço da Blizzard que cada jogador aceita ao assinar o jogo, quanto às regras internas de cada guilda que os membros devem observar. Todos estes aspectos ilustram um trânsito constante e fluido entre mundo virtual e mundo real. Na matriz analítica dos fatores de mediação, estes promovem ou dificultam o trânsito entre o centro e a periferia discursivos. Aqui, podemos dizer que isso pode ser observado em várias situações, também promovendo o trânsito entre os mundos dentro e fora do jogo. A relação entre MMORPG e cultura participatória ficou evidentes nas entrevistas, mediante as quais foi possível confirmar que World of Warcraft (e MMORPGs em geral) são exemplos desta cultura. As experiências narradas pelos jogadores confirmam que os três domínios de participação – Interpretação, Reconfiguração e Construção – estão presentes em diversos aspectos da experiência de jogar um MMORPG. A Interpretação está presente na forma como o jogador constrói sentidos para o jogo, incluindo texto, imagens, sons, regras, sistemas e também as intervenções de outros jogadores. A Reconfiguração é uma característica essencial dos video games em geral e está presente tanto nas ações mais básicas do jogador – como caminhar pelo ambiente ou empunhar uma arma – quanto em encadeamentos mais elaborados como as complexas sequências de combates que os jogadores executam, necessários para vencer os raides. Se a Construção nos MMORPGs é limitada no seu aspecto tecnológico, no aspecto social ela existe em inúmeras formas como na interpretação de papéis pelos jogadores, celebração e casamentos e alianças entre grupos, festas e outras ocasiões sociais e na formação de comunidades descentralizadas e autoorganizadas dentro do jogo. Também existe uma gama de produções criativas elaboradas por jogadores tendo o MMORPG como tema, envolvendo sites, fóruns, grupos e comunidades em redes sociais, canais de vídeo, galerias de imagens, coleções de fanfic, quadrinhos, cartuns, machinima e muitos outros. Estas iniciativas de cultura participatória não são incomuns no mundo dos video games em geral, mas em MMORPGs elas são muito mais frequentes e alcançam um número maior de pessoas, devido à natureza multiplayer deste tipo de jogo. É possível dizer que todo um ecossistema cultural se desenvolve em torno de cada MMORPG, ampliando consideravelmente sua influência e efeitos na cultura, mesmo entre aqueles que não são jogadores. Desta forma, Interpretação, Reconfiguração e Construção conferem aos MMORPGs traços definidores que os classificam como uma forma de cultura participatória.

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Por fim, fica a questão de como estes aspectos podem ser aplicados à Comunicação e Saúde no Brasil e, logo de início, como seriam feitos tais jogos, quais instâncias, modos e atores atuariam em tais projetos. Dado os procedimentos mais lentos da administração pública, assim como a especificidade e diversidade de conhecimentos técnicos para elaboração de um projeto de um MMORPG, poder-se-ia pensar em alternativas para a intervenção direta do estado na criação destes mundos virtuais. No contexto das políticas públicas, uma possibilidade é que jogos para a saúde sejam realizados por meio de licitações e parcerias com publicadoras de video games ou ainda pequenos estúdios independentes, que atenderiam editais convocando para projetos de desenvolvimento tecnológico ou cultural por meio de jogos. Outra via, dado o interesse acadêmico que MMORPGs e video games em geral têm despertado no meio acadêmico, seria a construção de parcerias com instituições de pesquisa, a fim de fomentar o desenvolvimento de jogos para a saúde tanto como processo de intervenção quanto como campo de pesquisa. Em ambos os casos, o modelo ARM teria uma aplicação potencial relevante, uma vez que poderia ser utilizado no processo seletivo a fim de avaliar a viabilidade e adequação das propostas para a Promoção da Saúde. Quanto a formas e conteúdos, existem possibilidades tão variadas como são as mecânicas e cenários de MMORPGs, algumas das quais são apresentadas a seguir. Entretanto, deve ser ressaltado que um MMORPG para a saúde não é proposto como iniciativa isolada, mas deve ser sempre compreendido como parte integrante de um contexto maior de políticas públicas de saúde, cujos objetivos não sejam unicamente referentes à indução de comportamentos considerados “saudáveis”, mas abranjam o interesse em desenvolver e fortalecer a capacidade de participação dos cidadãos nas várias esferas de atuação em que seus interesses estejam em cena. Mais que isto, que incluam objetivos de que essa capacidade ampliada de participação permita a efetivação de um debate público sobre os temas da saúde. Assim, diferentemente de grande parte dos jogos para a saúde mencionados no decorrer desta pesquisa, a melhor abordagem para um MMORPG a ser utilizado como estratégia da Comunicação e Saúde no Brasil não seria se concentrar em condições específicas, como câncer, asma ou diabetes, mas buscar sua vinculação orgânica com princípios do SUS fortemente relacionados à comunicação, como a universalidade, a integralidade, a equidade e a participação. Em relação aos aspectos técnicos, um MMORPG para Comunicação e Saúde permitiria a distribuição de conteúdos de saúde em vários formatos, incluindo texto,

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infográficos, imagens, vídeo e animação. Este conteúdo do jogo seria individualizado, dando a cada jogador acesso a um subconjunto apropriado de todo o conteúdo, ao mesmo tempo interagindo com o seu conhecimento anterior. A distribuição on-line permitiria superar distâncias (uma consideração importante, dado o tamanho do território brasileiro) e possibilitar correções oportunas e atualizações do conteúdo do MMORPG. Mesmo com seus (ainda) altos custos iniciais de produção e distribuição, a sua manutenção provavelmente exigiria menores requisitos financeiros do que muitos dos meios usados hoje na maioria das iniciativas de Comunicação e Saúde no Brasil. O elo entre avatar e jogador pode aproveitar a forma como os jogadores procuram aprimorar seus personagens em termos de poder e habilidades, assim como sua constante vigilância para se proteger de inimigos ou ambientes perigosos, para desenvolver ou aprimorar sua percepção da importância do autocuidado, de forma que tais noções fossem úteis para além do contexto do jogo, provocando repercussões na vida física do jogador. Um MMORPG para a Saúde poderia substituir a ideia de nível de poder por uma equivalente no contexto da saúde (ou metaforizar a noção de poder) e as missões poderiam envolver conquistas que melhorassem o estado físico e mental, deixando o personagem mais apto a novos desafios. A tradicional barra que registra a “vitalidade” restante (health points ou health bar) de um personagem é uma convenção em MMORPGs que remete ao risco da perda de saúde, mas poderia ser modificada para representar componentes da visão ampliada de saúde, assumindo assim uma conotação mais positiva. Desta maneira, o jogo carregaria noções de autocuidado não apenas no seu Texto, mas nos próprios Sistemas de regras. Outra abordagem, inspirada na epidemia Corrupted Blood, colocaria os personagens dos jogadores em cenários de crise, como epidemias e desastres, de modo que o jogador tivesse que aprimorar seu sistema de cuidados e ao mesmo tempo tivesse oportunidade de prestar auxílio em diferentes formas a NPCs e a outros jogadores vulneráveis ou em sofrimento. As duas abordagens permitiriam que estratégias de saúde usadas dentro do jogo pelos jogadores pudessem transbordar para o mundo real como uma postura mais ativa na manutenção da sua própria saúde. No entanto, o cuidado de si e a responsabilidade individual por sua saúde é apenas uma das facetas que integram uma visão mais completa de saúde. Assim, de forma consoante com um dos critérios de avaliação da abordagem dos MMORPGs, o enredo e as situações apresentadas num jogo devem incluir contextos relacionados a uma visão ampliada do papel das instituições públicas no alcance de uma saúde integral.

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Em MMORPGs, o vasto território permite liberdade ao jogador para explorar e construir seu caminho de diversas maneiras. Cada personagem é individualizado pelas ações do jogador. Os game designers, por sua vez, podem bloquear ou disponibilizar conteúdos e locais em função das características específicas de um personagem ou jogador. Desta forma, o conteúdo de saúde de um MMORPG pode ser adaptado a características individuais e limitações, permitindo aos jogadores absorvê-lo em seu próprio ritmo. Um MMORPG para saúde que proporcionasse um alto grau de imersão no mundo teria seus conteúdos mais presentes na mente dos jogadores, ampliando seu interesse. A imersão estimularia o jogador a dar mais atenção ao jogo, participando de forma mais consciente nas atividades e reforçando os conteúdos do MMORPG em sua memória, mesmo quando ele não estivesse jogando. Um MMORPG para a Saúde teria bem detalhados os sistemas de jogo para efeitos físicos de ferimentos, disseminação de doenças, agravos temporários e permanentes e até para efeitos psicológicos sobre os personagens. Entretanto, este conteúdo detalhado sobre saúde não poderia ser o único tipo de conteúdo. Um fator que dá aos jogadores de MMORPGs a necessária imersão no mundo é a multiplicidade de assuntos correndo em paralelo. Ainda que a maioria esmagadora dos MMORPGs tenha como atividades principais aquelas relacionadas ao combate, sempre há alguma outra atividade acessória. Assim, idealmente, um MMORPG para a saúde traria sistemas sociais para interação dos jogadores entre si e com os NPCs, atividades profissionais (como construir itens, cozinhar etc.), atividades de lazer (pescar, caçar, etc.) e outras mais que, junto com os temas de saúde, confeririam ao mundo virtual um caráter mais coeso e imersivo. Desta forma, poderia ser evitado um aspecto sempre criticado nas atuais estratégias e materiais, que é destacar a saúde do resto da vida dos indivíduos e grupos, além de fragmentá-la em problemas de saúde. Além disso, parte significativa da atração dos jogadores pelos MMORPGs se deve às diversas maneiras pelas quais o jogador recebe recompensas por participar de atividades no jogo. Em um MMORPG para a Saúde, tais recompensas ampliariam o interesse do jogador no jogo e seriam também uma forma do mesmo avaliar seu desempenho através de pontos obtidos e conquistas (achievements), proporcionando uma sensação de melhoria contínua e desenvolvimento. Ao contrário da vida real, onde muitas vezes as consequências de um comportamento de risco só se tornam aparentes como problemas de saúde bem mais tarde, um MMORPG pode mostrar claramente relações de causa e efeito entre as ações dos personagens e as mudanças em sua saúde. Desta forma, dentro de um MMORPG ligações entre os eventos que seriam muito sutis para chamar a atenção no mundo físico podem ser enfatizadas para

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aumentar a compreensão de toda a dinâmica de eventos que influenciam a saúde. Aqui também é necessário relembrar o ideário da Promoção da Saúde, que considera que uma pluralidade de fatores está envolvida no conceito de saúde, como moradia, emprego e renda, transporte, violência, toda sorte de discriminação, acesso à educação, justiça social de um modo geral e mesmo os contextos internacionais que permanentemente ameaçam a paz no mundo e em cada parte do mundo. Os mecanismos do jogo poderiam ressaltar esta interrelação de fatores para os jogadores, expondo-os desta forma a uma nova compreensão da saúde coletiva. O forte componente social dos MMORPGs cria uma complexa rede de comunicação entre os jogadores e o jogo. Em um MMORPG para a Saúde, o conteúdo não seguiria uma rota linear de cima para baixo apenas, mas os game designers poderiam usar diversos métodos para entrar em contato com os jogadores e monitorar a sua participação no jogo e sua apreensão das informações de saúde. Com diversas formas de contato e comunicação entre os jogadores, estes receberiam o conteúdo de saúde, mas continuamente o questionariam, contextualizariam, transformariam e redistribuiriam. Este processo não ocorreria apenas dentro do mundo virtual, mas se estenderia para outros ambientes on-line e no mundo real. Este aspecto comunitário teria um valor inestimável para ensinar a importância das ações coletivas em prol de uma causa maior. Cooperando para alcançar um objetivo no jogo, os jogadores poderiam ver por si mesmos os benefícios da colaboração técnica para vencer os obstáculos e batalhas, a necessidade de interação social para resolver disputas e desacordos e a importância da ação política para lutar por seus interesses entre si ou mesmo fazendo demandas aos game designers. Ainda sobre cooperação, os jogadores hardcore, com sua rápida apreensão das regras e energia para vencer os desafios do jogo, poderiam atuar como mentores de jogadores mais inexperientes, potencializando assim a circulação de informações sobre saúde. Outra opção seria conceder recompensas no jogo para atividades coletivas que não envolvessem combate, como missões diplomáticas ou mesmo atividades filantrópicas. Este tipo de atividade conjunta, particularmente sendo complexa o suficiente para exigir comunicação constante, contribuiria para formar laços mais estáveis entre os integrantes de grupos. Opções mais desafiantes poderiam envolver os personagens em epidemias e surtos onde perceberiam que a saúde não é apenas individual, mas as escolhas erradas de um podem influir negativamente na saúde dos outros. Nesta mesma linha, outra opção seria fazer jogadores se unirem para ajudar um jogador doente/incapacitado, permitindo-lhes entender melhor tanto a experiência de adoecimento quanto a de cuidado.

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Proporcionar vias para a Construção seria um dos principais ganhos de um MMORPG para a Saúde. Jogadores poderiam dispor de maneiras específicas para compartilhar suas experiências em jogo, narrando, por exemplo, o que teriam entendido das informações sobre saúde propostas no MMORPG. Seria possível criar sistemas para que os próprios jogadores contribuíssem com conteúdo sobre saúde, na forma de quebra-cabeças e missões no jogo. Idealmente, um MMORPG ofereceria diversas formas de compartilhamento, tanto dentro do jogo (como um “quadro de avisos” virtual) quanto exportando imagens e vídeos para websites, fóruns e redes sociais. Assim, ao invés de tentar centralizar as informações, o jogo facilitaria a sua disseminação ao máximo. As criações dos jogadores tanto dentro quanto fora do jogo seriam uma maneira de manter o conteúdo de saúde em circulação e também representariam um material de pesquisa valioso tanto para estudiosos de Comunicação e Saúde quanto para os responsáveis pelas políticas de comunicação nas instituições de saúde, os quais teriam mais parâmetros de análise para suas avaliações. A Construção no sentido de coletividade seria outro aspecto a ser enfatizado em um MMORPG para a Saúde. Através de missões em grupo, tarefas e objetivos complexos designados para toda a comunidade de jogadores e uma ampla gama de funções para formação e interação em grupos, o jogo poderia fomentar diferentes maneiras de participação dos jogadores. Assim, além das guerras, conflitos e negociações entre guildas (como os relatados por Badshot e PlagueKnight) que já ocorrem em World of Warcraft por iniciativas dos jogadores, um MMORPG para a saúde poderia abraçar e fomentar estes procedimentos através da criação de regras e funcionalidades apropriadas, ampliando o leque de ações comunitárias disponíveis aos jogadores. Indo além, seria possível fazer um paralelo sóciopolítico dos confrontos armados de World of Warcraft e se criar sistemas de regras para participação política dentro do jogo, envolvendo disputa, conflito e recompensas, onde “conselhos de saúde” virtuais permitissem aos jogadores sugerir, debater, votar, consolidar e implantar políticas públicas de saúde no mundo virtual. A participação em um ambiente deste tipo seria muito valiosa para que jogadores e até gestores e profissionais de saúde experimentassem aspectos de participação social e política sob novas perspectivas. Em um MMORPG para a Saúde, as relações entre o mundo virtual do jogo e a vida real dos jogadores seria um aspecto fundamental, uma vez que um dos objetivos de tal jogo seria ocasionar mudanças positivas na vida do jogador. Em face disto, um MMORPG, além das funcionalidades já descritas para compartilhamento externo, poderia incentivar a formação de comunidades de jogadores geograficamente organizadas com encontros

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periódicos no mundo físico. Sessões de jogo em conjunto também poderiam ocorrer ocasionalmente em lan houses como forma de estreitar os laços entre os jogadores. Encontros em espaços físicos, eventos de demonstração e experimentação do jogo em escolas e universidades seriam parte desta estratégia e contribuiriam para dar visibilidade ao jogo e, tão importante quanto, dar visibilidade ao jogador para os outros jogadores. Assim, quanto ao potencial dos MMORPGs para as políticas e práticas da Comunicação e Saúde no Brasil, é possível consolidar suas aplicações atendendo a três níveis principais: Individual, Social e Técnico-Político. No nível Individual, o jogador receberia informações sobre saúde de uma maneira mais marcante que através de outras mídias como texto, televisão, rádio e sites. A natureza dinâmica do jogo estimularia sua atenção e sua responsividade o tornaria ativo no processo de apropriação de conteúdo. Os agravos à saúde no jogo seriam mais detalhados, envolvendo acidentes, violência, doenças e condições crônicas, cada qual com diferentes consequências e modos de enfrentamento. O avatar contribuiria para fortalecimento do elo com o jogo e seria um foco da atenção e cuidado do jogador, apontando medidas de autocuidado que poderiam ser replicadas no mundo real. A posição do personagem como protagonista em uma história, fazendo seu próprio caminho no mundo virtual seria um estímulo em termos de autoestima. O caminho percorrido seria particular de cada indivíduo, no qual o conteúdo de saúde seria oferecido de acordo com o progresso e capacidade de apreensão de cada um. O MMORPG poderia oferecer conteúdo adicional ou esclarecimentos específicos ao jogador de acordo com a necessidade. Avaliando o coletivo de jogadores e seu nível de apropriação do conteúdo de saúde, game designers e gestores de saúde poderiam fazer constantes reajustes para suprir deficiências, corrigir equívocos ou ampliar o escopo das informações. No nível social, o MMORPG seria um espaço rico para a participação. A constante interação entre jogadores manteria sempre em circulação conteúdos de saúde. Os eventos do jogo poderiam gerar pontos de partida para discussões a respeito de saúde e o compartilhamento de conteúdos do jogo em outros ambientes virtuais como blogs, fóruns e redes sociais seria uma maneira de estender tal discussão para além dos limites do mundo virtual. Dar liberdade aos jogadores para exercer livremente sua criatividade dentro do jogo (através de personalização dos avatares e criação de espaços próprios) e em outros ambientes on-line (fóruns, sites, redes sociais, galerias de imagens e vídeos, etc.) seria um meio de fomentar o interesse no jogo e em seus conteúdos e também de multiplicar o alcance e divulgação do mesmo. Em um MMORPG para a Saúde, toda funcionalidade de comunicação

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seria pensada de modo a favorecer ao máximo o desenvolvimento de vínculos sociais que tanto seriam mediadores da saúde como mediados pela saúde. O jogador poderia atuar em diferentes grupos e guildas e assumir diferentes características de acordo com seu lugar de interlocução. Jogadores mais experientes poderiam atuar como mentores dos novatos, instruindo-os sobre o jogo e eventualmente tornando-se responsáveis pela “saúde” de seus avatares. No nível técnico-político, a participação dos gestores de saúde nestes ambientes também seria crucial para criar uma interlocução produtiva com os jogadores. No MMORPG poderia haver menções específicas a outras iniciativas de saúde em curso e desta maneira demonstrar aos jogadores conexões entre temas de saúde pontuais e políticas de saúde mais amplas. No sentido inverso, estratégias de saúde circulando em outras mídias poderiam remeter ao MMORPG ou a áreas específicas dentro mesmo para mais informações e desta forma compensar a unidirecionalidade das mídias mais tradicionais, complementando-os com conteúdos específicos dentro do jogo. Poderia haver missões sazonais dentro do MMORPG relacionadas com campanhas rotineiramente realizadas, como, por exemplo, a campanha contra a Aids veiculada antes de cada carnaval. Estas ligações entre diversas mídias e constante repercussão entre eventos no mundo virtual e mundo real seriam uma forma de potencializar a compreensão da população a respeito da amplitude das práticas de saúde, caracterizando de maneira mais clara o campo da Comunicação e Saúde. Da mesma maneira que em World of Warcraft há um sistema detalhado para representar os combates individuais e grandes batalhas, um MMORPG para a Saúde poderia contar com um sistema igualmente detalhado no contexto sócio-político, com regras para debates, plebiscitos e eleições entre os jogadores. Os conselhos de saúde do SUS poderiam ser replicados no MMORPG e os desenvolvedores poderiam testar novos arranjos e formatos para eles. Seria possível criar instâncias onde os próprios jogadores desenvolvessem, em parceria com gestores de saúde, políticas de saúde para o mundo virtual, as quais pudessem ser implantadas pelos game designers e cujas consequências pudessem ser vistas a curto prazo no desenrolar da história do MMORPG. À semelhança do que já ocorre em alguns jogos comerciais previamente citados, jogadores poderiam contribuir com conteúdos para inclusão no MMORPG, assim como votar em representantes que debatessem com os game designers as melhores mudanças na estrutura do MMORPG. Um jogo com estas características seria um espaço para discussão política e aprendizado de participação social.

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DESAFIOS Não se propõe aqui o uso de MMORPGs para a Promoção da Saúde como uma solução salvadora para os dilemas da Comunicação e Saúde. Muito menos se entende o uso desta mídia dos video games como uma iniciativa autossuficiente. Antes, a proposta é o seu uso de forma integrada às iniciativas de Comunicação e Saúde precedentes, complementando seu alcance e suprindo alternativas para suas limitações. Assim, o uso de video games na saúde, em que pese seu potencial de inovação, teria um caráter incremental e conjugado ao restante da Comunicação e Saúde, de forma a potencializar seus efeitos. Mesmo tendo em mente estas ressalvas, é necessário ressaltar que uma proposta de utilização de MMORPGs para a Comunicação e Saúde no Brasil se defronta com vários desafios, que podem ser agrupados em três pontos principais. O primeiro seria o acesso ao jogo pela população. Dado que um MMORPG ocorre na Internet, a disponibilidade de conexão, a qual não é uma garantia universal, é crucial para seu funcionamento. De igual forma, o equipamento adequado implicaria a necessidade de cada jogador possuir não apenas um computador pessoal, mas um com potência suficiente para executar adequadamente o jogo, uma vez que jogos tridimensionais como os MMORPGs tipicamente requerem computadores com capacidades gráficas mais sofisticadas. Para além do equipamento, é necessário apontar que os jogadores precisariam ter um conhecimento básico da operação de computadores, um mínimo de “literacia digital”, a fim de poder se aproximar da mídia. O segundo ponto seria a alta complexidade e custos de tais projetos. MMORPGs estão no topo da escala em termos de complexidade de desenvolvimento de video games e este fato já levou ao fracasso várias iniciativas comerciais ambiciosas. Quanto mais amplo o mundo virtual e mais variadas as opções para os jogadores, tanto maior a dificuldade de desenvolvimento e os custos que nele incidem. Além disso, ao contrário da maioria dos video games, que não exigem grandes investimentos uma vez lançados, MMORPGs permanecem em constante desenvolvimento e por isso requerem uma equipe que os supervisione e garante seu contínuo funcionamento. São iniciativas permanentes, portanto. O terceiro ponto seria a impossibilidade de garantir a forma de utilização da mídia. Embora não seja possível falar de qualidades nocivas inerentes aos video games, como todo processo de utilização de mídia, seu uso pode acentuar problemas com personalidades já patológicas. Um problema similar seria a apropriação do jogo pelos jogadores a ponto de,

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intencionalmente ou não, fragmentar ou desestruturar o conteúdo de saúde, conforme discutido no capítulo 3 (item 3.1.5.5.2), com consequências imprevisíveis. Por fim, existe a possibilidade dos próprios gestores de saúde focarem no uso do jogo apenas como meio de disseminação de informações sobre saúde, esquecendo-se de seu potencial participativo, repetindo estratégias prescritivas, normativas e unidirecionais. Embora estes fatores devam ser considerados com atenção, existem circunstâncias atenuantes que podem mitigar seu impacto em relação aos três pontos levantados. Quanto ao primeiro ponto, o acesso às TICs tem se ampliado consideravelmente no Brasil, mesmo entre os grupos de menor poder aquisitivo. A queda no preço dos computadores, o aumento do crédito para adquiri-los, projetos para inclusão digital e popularização do acesso à banda larga, contribuem para ampliar o acesso universal. Além disso, as lan houses podem ter um papel importante na disseminação de um MMORPG na Saúde, na medida em que estão presentes mesmo nas regiões mais carentes e oferecem acesso à internet de baixo custo. Assim, embora ainda haja muito por fazer em relação ao acesso amplo da população às TICs, já se justificam iniciativas que se aproveitem de seu potencial. Além disso, primeiras experiências com MMORPGs poderiam ocorrer em ambientes controlados, como escolas públicas, onde o MMORPG seria oferecido como uma atividade complementar às aulas. O feedback provido pelos primeiros jogadores ajudaria a aprimorar o jogo, acrescentando novas funcionalidades e ampliando seu público, até que, eventualmente estivesse disponível para toda a população. Em resposta ao segundo ponto, apesar de a complexidade e os custos de se construir e manter um MMORPG serem fatores complicadores no seu uso, conforme previamente mencionado, o emprego cuidadoso de game engines já estabelecidos tornaria a produção de um jogo destes ao mesmo tempo mais fácil e mais barata. Estas plataformas cuidam dos aspectos tecnológicos mais complexos na criação de um MMORPG e ao mesmo tempo diminuem consideravelmente seus custos. A crescente quantidade de cursos de game design, estúdios de games e desenvolvedores independentes facilitaria a criação de equipes dedicadas à construção e manutenção do MMORPG que, em conjunto com profissionais e gestores de saúde, continuamente adicionariam mais conteúdo ao jogo. Outra estratégia seria começar criando não um MMORPG, mas um serious game menos ambicioso com algumas das características de MMORPG detalhadas no capítulo 3: persistência, fisicalidade, jogo mediado por avatar, jogo vertical, interação social e perenidade. Existem hoje diversos video games que usam uma ou mais destas características com sucesso, sem necessariamente serem

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MMORPGs. Assim, jogos relativamente simples usando mecânicas típicas de MMORPGs poderiam ser criados e testados com o público e as melhores soluções originariam video games cada vez mais complexos até chegar a um MMORPG completo. Em relação ao terceiro ponto, a intervenção na mensagem de saúde e seus possíveis efeitos foi tratada no capítulo 3 (item 3.1.5.5.2). Discutir em detalhes o uso patológico ou obsessivo da mídia foge ao escopo desta tese, mas, conforme previamente mencionado, não existe base ainda para se declarar a existência de um “vício” em video games e qualquer mídia pode sofrer este tipo de apropriação exagerada e problemática. Medidas para reduzir este risco podem ser tomadas tanto na Infraestrutura técnica do Dispositivo do MMORPG (por exemplo, desativando a conta do jogador após um determinado número de horas jogando) quanto (no caso de menores) instruindo professores, pais ou responsáveis para uma supervisão criteriosa da apreensão do jogo pelos jogadores. Entretanto, talvez o problema mais presente neste contexto consistiria no uso limitado (e limitante) da mídia, com gestores de saúde usando um MMORPG para a Comunicação e Saúde apenas nos seus aspectos de transmissão de conteúdos, limitando a participação dos jogadores ao domínio da Interpretação, restringindo a Reconfiguração e mesmo abolindo a Construção. Deste modo, o MMORPG seria encarado como uma “pílula virtual”, igualado a uma medicação que deve ser simplesmente engolida pelo paciente. Isto seria uma limitação da mídia e reproduziria os mesmos equívocos de visões superadas da Comunicação e Saúde que ainda hoje ocorrem mesmo nas novas mídias. Outro ponto que pode representar uma limitação é os gestores responsáveis por um MMORPG para a Comunicação e Saúde se esquecerem (ou desconhecerem) que a Promoção da Saúde baseia-se em um conceito específico de saúde, carregado com sentidos próprios os quais precisam sempre estar em questionamento. De forma semelhante, aceitar a participação acriticamente como um fim em si mesmo pode levar à crença que a mera atividade dos jogadores em um MMORPG para a saúde automaticamente implicaria em mudança de comportamento. Estes efeitos dos modelos hegemônicos são poderosos e certamente riscos existem em larga medida. MMORPGs podem ser espaços para que os jogadores questionem até mesmo estas perspectivas, ação que outras mídias não permitem com a mesma flexibilidade, mas sem dúvida também podem ser utilizados no sentido inverso. Isto representaria uma grande perda, pois a justificativa para o uso de MMORPGs para a Comunicação e Saúde tem como eixo central justamente as diversas formas de participação, que, a despeito de serem menos

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previsíveis que um medicamento, pode ter efeitos muito mais intensos e duradouros nos contextos dos jogadores. Conforme comentado no capítulo 2 (item 2.1.5.2) em relação ao conceito de Promoção da Saúde, um possível caminho para atacar estes problemas seria encarar o uso de video games na saúde de forma política, disputando espaço continuamente com os modelos hegemônicos, em busca de assegurar uma comunicação mais justa. Assim, não se defende aqui a ideia de participação como uma solução universal — a tradicional “bala mágica” — capaz de dar conta dos muitos desafios da Comunicação e Saúde, assim como não se propõe os video games como a única ou a perfeita via de participação, mesmo porque participação esvaziada de um sentido político torna-se mera palavra de ordem ou um chamariz enganador. É necessário que ela seja revestida de um propósito de transformação na forma de redução de desigualdades e busca de maior justiça social. Politizar é a chave. Neste sentido, participação não é proposta como um fim em si mesmo, mas como uma via de ampliação do protagonismo da população em busca de melhorias em sua saúde e sua cidadania. O que apresenta neste trabalho são as qualidades potenciais dos video games para auxiliar na realização do ideal de participação proposto pelo SUS, mas a concretização deste potencial em ação prática e mudança na sociedade vai derivar de fatores que transcendem o meio tecnológico e se articulam com as demais mídias usadas na C&S, com os interesses do estado e dos gestores em saúde, com a capacidade de ação dos atores sociais que buscam melhorias na saúde e em última instância com toda a sociedade na luta por uma Brasil melhor. Desta forma, seja na visão da Promoção da Saúde, uso de video games, ou mesmo qualquer outro artefato conceitual ou tecnológico que se empregue em favor da Comunicação e Saúde, é essencial que se mantenha em vista o aspecto político envolvido nestes movimentos, compreendendo que sua finalidade principal é a superação das iniquidades na saúde, a capacitação de cidadãos autônomos e socialmente responsáveis, orientada por princípios de igualdade e justiça social. FINALIZANDO No decorrer destes quatro anos de doutorado, o mundo dos video games se expandiu e disseminou de forma inédita até então. Os MMORPGs sofreram mais mudanças ainda, tornando difícil fazer previsões para o futuro que tenham alguma precisão. Quando iniciei minha pesquisa, ainda mais jogador do que pesquisador, eu tinha apenas uma vaga intuição de que video games poderiam ser mais do que divertimento inconsequente. Eu sabia que

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poderiam ser um meio mais interessante para fazer circular de forma mais efetiva informações sobre saúde, mas não imaginava outras razões que pudessem conferir legitimidade a esta mídia tão nova. Conforme a pesquisa prosseguia, foi estimulante (e um pouco assustador) perceber a complexidade que se escondia atrás da frase: “Isso é só um jogo“, e atrás da denominação “Comunicação e Saúde”. Neste sentido, foi um aprendizado valioso aprender como esta mídia pode ser utilizada para contribuir no enfrentamento de desafios tão antigos como promover a saúde das populações. Faz-se assim um caminho do mais intangível e virtual ao mais intrinsecamente físico e orgânico. Nunca é “só” um jogo, assim como aquilo que é virtual não é menos real que o físico. Por outro lado, pude aprender a complexidade do campo da Comunicação e Saúde, que não diz respeito apenas à circulação de informações, mas a relações de poder e à própria possibilidade de implantação do SUS. Assim, termino esta tese com a convicção de que MMORPGs podem contribuir de forma única para promover novas formas de ação coletiva e participação social e política, constituindo um meio inovador para a Comunicação e Saúde fortalecer sua presença no espaço público da Saúde, particularmente na Saúde Coletiva, na construção de uma sociedade mais saudável e justa.

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GLOSSÁRIO Achievements – Ver Conquistas. Add-on – Em World of Warcraft denomina um pequeno programa funcionando em conjunto com o MMORPG, capaz de limitadas alterações na interface ou comportamentos do jogo, personalizando e aprimorando a seu funcionamento. Normalmente só afeta o jogador que o está executando. Boss – Inimigo muito mais poderoso que o normal, frequentemente demarcando um desafio especial ou o clímax de uma fase do jogo. Em World of Warcraft, cada raide tem pelo menos um boss. Burning Crusade – Primeira expansão de World of Warcraft, introduzindo novas raças, reinos, missões e inimigos. Cataclysm – Terceira expansão de World of Warcraft, introduzindo novas raças, missões, inimigos e remodelando o mundo original do jogo. Ciberpsicologia – Aplicação de novas tecnologias como auxílio no tratamento psicológico. Cloth – Em World of Warcraft, os trajes feitos de tecido, de reduzido valor de proteção. Conquistas – Títulos concedidos a jogadores pela realização de meta-objetivos (fora do escopo fictício do jogo), como matar 1000 inimigos, aprender a cozinhar ou conquistar 10000 mil moedas de ouro. Crowdfunding – Esforço coletivo de indivíduos que doam recursos para apoiar iniciativas de outras pessoas ou instituições, geralmente através da internet. Drone de vigilância – Veículo aéreo não tripulado controlado remotamente. Edutainment – Entretenimento projetado para também ser educacional. Exergame – Video game que envolve atividade física por parte do jogador. Expansão (expansion set) - Complemento ao MMORPG, comprado separadamente, normalmente introduzindo novas áreas de jogo, novos equipamentos e habilidades e em geral elevando o nível máximo potencial para os personagens. F2P – Free to Play. MMORPG gratuito. Fanfic – História escrita por um fã de uma obra particular (livro, filme, seriado, video game, etc.) envolvendo personagens, ambientes ou temas daquela obra, geralmente sem permissão do autor original. Game designer – Responsável pela concepção e projeto do conteúdo e regras de um jogo ou video game. Também pode designar genericamente qualquer um envolvido na criação e manutenção de um video game. Game developer – Programador de computadores especializado na programação de video games. Game engine – Programa de computador usado para desenvolvimento de video games. Game studies – Campo interdisciplinar que estuda os jogos, incluindo video games, focando em game design, jogadores e o papel dos jogos e video games na cultura e sociedade.

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Gamepad – Controle de video game usado com as duas mãos e operado com os dedos, incluindo os polegares. Ganking – Supostamente proveniente de gang + killing. Significa atacar outros em situação de clara inferioridade, seja executando um ataque com um grupo numericamente muito superior, seja atacando um oponente de nível baixo com um personagem de nível bem mais alto. GM ou Game Master – GMs ou Game Masters são funcionários da Blizzard que supervisionam World of Warcraft. Eles têm personagens próprios e podem entrar em conversação com os jogadores a fim de auxiliá-los no caso de bugs ou puni-los, caso estejam abusando das regras do jogo. Para cumprir suas funções os GMs têm uma série de funcionalidades à disposição do seu personagem. Griefing – Qualquer comportamento em um MMORPG que prejudique de alguma forma a diversão de outros jogadores, podendo envolver ataque direto, roubo de itens e propriedades ou mesmo impedir o acesso de jogadores a determinadas áreas. Griefing também é usado para descrever repetidos atos de ganking sobre um mesmo jogador ou grupo. Em alguns casos pode levar o jogador a abandonar o MMORPG. Guilda – Em World of Warcraft, guildas designam uma associação de personagens de jogadores e são formadas para facilitar o jogo em grupo e os raides, assim como prover ambiente social. Healer – Em World of Warcraft, o personagem responsável por curar e reviver magicamente os companheiros durante os combates em grupo ou raides. Health – Hit Points, Health Points, Health ou pontos de vida. Valor numérico ou na forma de uma barra colorida que em RPGs e MMORPGs mede o quanto de vitalidade o personagem tem. Quanto o valor chega a zero (ou a barra se esvazia) o personagem morre. Herborismo – Profissão em World of Warcraft envolvendo a coleta de ervas para serem usadas em poções, elixires e tinturas. Imersão – A sensação de se estar “dentro” do mundo virtual. Lag – Em jogos on-line, se refere ao atraso entre a ação de um jogador e a reação do jogo. Conexões lentas geram muito lag, dificultando o jogo. Lan houses – Estabelecimento semelhante a um cyber café, onde pessoas pagam por tempo de acesso a computadores conectados à internet onde podem navegar, ler e-mails ou jogar em rede. Level design – Criação dos ambientes, fases ou mapas que constituem as áreas de um video game. Lore – A combinação dos aspectos geográficos, históricos e da narrativa atual em um MMORPG, criado para dar contexto às ações dos jogadores no mundo virtual. Com frequência se estende para fora dos limites do MMORPG através de obras em outros formatos como romances, filmes, animações ou mesmo outros video games. Machinima – De machine + animation. Uso das capacidades gráficas de video games para criar produções de vídeo. Mascote – Animais de estimação em World of Warcraft Missão – Sequência de tarefas passadas ao jogador por um NPC, normalmente envolvendo um ou mais combates, cuja realização garante recompensas ao jogador.

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Mists of Pandaria – Quarta expansão de World of Warcraft, introduzindo novas raças, reinos, missões e inimigos. MMORPGs – Jogos conectados à internet, para participação de um grande número de jogadores nos quais cada jogador controla um avatar e através dele explora um mundo fictício virtual, onde interage com outros jogadores e personagens controlados pelo sistema de jogo. Mob – De mobile. Nos MMORPGs designa qualquer criatura (animal, monstro, pessoa, etc.) controlada pelo sistema do jogo através de sistemas de inteligência artificial e não por jogadores. Similar a NPC. Mod – Modificação em um video game criada por fãs ou empresas não relacionadas com os criadores originais. Modding é o ato de se criar ou aplicar mods. Multiplayer – Video game no qual dois ou mais jogadores podem estar presentes no mesmo ambiente de jogo. Noob – Corruptela de newbie, designando os jogadores iniciantes. Apesar de ser um termo descritivo, com frequência é usado em tom pejorativo. NPC – Non-player-character. Qualquer personagem que não é controlado por jogadores. Similar a Mob. Off-line – Estritamente significa desligado ou desconectado da internet, mas pode ser entendido também como ocorrendo no mundo físico em contraposição aos ambientes on-line. On-line – Conectado à internet. Por extensão aquilo que ocorre no ambiente on-line. Pet – Ver Mascote Plate – Em World of Warcraft, armadura rígida de metal, que provê maior proteção contra inimigos. Play-by-e-mail – Jogo realizado em turnos. Na sua vez, cada jogador descreve seus movimentos em um e-mail enviado aos administradores do jogo, que executam os movimentos e anunciam os resultados. Puzzle – um problema, enigma ou quebra-cabeças que testa a engenhosidade do jogador. A expressão em português mais próxima, quebra-cabeças, se refere primordialmente a puzzles de encaixe de peças bidimensionais e não descreve satisfatoriamente os diversos tipos de desafios presentes em video games, razão pela qual se optou pelo uso da palavra em inglês. PvE – Player versus Environment. Estilo de jogo onde jogadores combatem monstros ou NPCs. PvP – Player versus Player. Estilo de jogo onde jogadores combatem um ao outro. Quest – Ver Missão Raides – Em World of Warcraft, são missões onde um grande número de jogadores (de 10 a 25 jogadores) combinam força para vencer um inimigo poderoso em um ambiente hostil. Roleplay – Estilo de jogo (tanto em RPGs quanto MMORPGs) onde o jogador não apenas controla um personagem determinando suas ações, mas faz uma caracterização ao modo teatral, mudando a forma de falar, usando maneirismos e criando uma história fictícia para aquele personagem.

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RPG – Role-playing game ou jogo de interpretação de papéis. Jogo de mesa onde os jogadores assumem papéis de personagens em uma ambientação fictícia, normalmente fantasiosa. Screenshot – Captura da tela de um computador, registrando o que estiver visível no monitor naquele instante. Serious games – Video games desenvolvidos com algum outro fim além de proporcionar diversão ao jogador, tipicamente usado para fins de comunicação, instrução, conscientização e treinamento. Smartphone – Telefone celular com maior capacidade computacional e de conexão que um celular regular, tipicamente permitindo acesso a diversos serviços conectados à internet. SMS – Abreviatura de Short Message Service, mensagens curtas enviadas por celular. Steampunk – Subgênero de ficção científica ambientada em passados alternativos, marcados por forte presença de tecnologia do vapor e estética industrial. Tablet – Computador portátil operado primariamente por meio de toque na tela. Tanker – Em World of Warcraft, o personagem responsável por atrair a atenção dos inimigos e suportar os seus golpes nos combates em grupo ou raides, protegendo assim os companheiros mais vulneráveis. Geralmente usam diversas formas de proteção, além de armaduras mais resistentes. TICs – Tecnologias de Informação e Comunicação, envolvendo, entre outras coisas, computadores conectados à internet. Transmídia – Técnica de apresentar uma história através de múltiplas plataformas e formatos. Tutorial – Em MMORPGs se refere a guias passo a passo em formato de livro eletrônico, site, ou vídeo, ensinando aos jogadores diversas atividades e facetas do jogo. Existem tutoriais criados e vendidos por empresas e outros criados por jogadores experientes, distribuídos gratuitamente. Video games – Video game é um jogo cuja execução das regras, a manutenção e a atualização do estado do jogo se dão através de processamento digital e os seus resultados são apresentados em vídeo ao(s) jogador(es). Wiki – Aplicativo da web que permite aos usuários adicionar, alterar e remover conteúdo de páginas web colaborativamente. WoW – Sigla de World of Warcraft Wrath of the Lich King – Segunda expansão de World of Warcraft, introduzindo uma nova classe de herói (o Death Knight), novos reinos, missões e inimigos.

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APÊNDICE A – MODELO DE ANÁLISE RELACIONAL DE MMORPGS COMPLETO

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APÊNDICE B - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE) (De acordo com as normas da Resolução nº196, do Conselho Nacional de Saúde de 10/10/96) Você está sendo convidado para participar da pesquisa com o seguinte título: “O Potencial dos Video Games na Comunicação em Saúde”. Sua participação é voluntária. A qualquer momento você pode desistir de participar e retirar seu consentimento, sendo que sua recusa não trará nenhum prejuízo em sua relação com o pesquisador. O objetivo desta pesquisa é compreender se a mídia dos video games online pode ser aplicada no campo da Comunicação e Saúde Coletiva e como seria esta aplicação, identificando suas vantagens, limitações, aquilo que atrai os jogadores nestes video games e seus modos de participação nesta atividade. Sua participação nesta pesquisa consistirá em responder perguntas a serem realizadas sob a forma de questionário e gravadas em formato digital. Estas gravações serão armazenadas por cinco anos e apagadas ao final deste prazo. Não existe potencial significativo de risco ético relacionado à sua participação nesta pesquisa. Os benefícios relacionados com a sua participação são: aumentar o conhecimento científico da área de Comunicação e Saúde e fornecer informações que facilitem uma possível utilização de video games como forma de comunicação em saúde. Assumimos o compromisso de manter seu anonimato e a confidencialidade dos dados da pesquisa. Os dados serão apresentados de forma a impossibilitar sua identificação. Você receberá uma cópia deste termo onde consta o telefone e o endereço do pesquisador principal, podendo tirar suas dúvidas sobre o projeto e sua participação, agora ou a qualquer momento. __________________, _______ de _______________ de _________

_________________________________________________________________________ Assinatura do voluntário

___________________________________________________________________________ Pesquisador responsável: Marcelo Simão de Vasconcellos Tel.: (+55 21) 2598-4532 | (+55 21) 8773-2301 | [email protected]

Programa de Pós-Graduação em Informação e

Comitê de Ética em Pesquisa da EPSJV/Fiocruz

Comunicação em Saúde (PPGICS)

Av. Brasil, 4365 – Manguinhos

Instituto de Comunicação e Informação Científica e

EPSJV, sala 316

Tecnológica em Saúde (Icict) | Fundação Oswaldo Cruz

Tel.: (21) 3865-9710

Av. Brasil, 4365 - Pavilhão Haity Moussatché -

Email: [email protected]

Manguinhos, Rio de Janeiro - CEP: 21045-360

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ANEXO – APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

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