CONSTITUCIONALISMO COOPERATIVO E DIREITOS SOCIAIS FUNDAMENTAIS: A AMPLIAÇÃO DOS NÍVEIS ESSENCIAIS NO MERCOSUL

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CONSTITUCIONALISMO COOPERATIVO E DIREITOS SOCIAIS FUNDAMENTAIS: A AMPLIAÇÃO DOS NÍVEIS ESSENCIAIS NO MERCOSUL Miguel Calmon Dantas1 1 O Constitucionalismo cooperativo: entre a globalização e o novo regionalismo. 1.1 Globalização. 1.2 Novo regionalismo: a integração pelos direitos humanos. 1.3 A expansão do constitucionalismo: rede de interconstitucionalidade e o constitucionalismo cooperativo. 2 Mercosul: para além da integração econômica. 2.1 Dimensão Econômica. 2.2 Dimensão Social: Questão Social Sul-Americana. 2.3 Integração social: em torno dos direitos sociais no Mercosul. 3 Integração social no Mercosul: direitos sociais e níveis essenciais de prestação. 3.1 Os direitos sociais no Mercosul como mecanismo de ampliação dos níveis essenciais de prestação. 3.2 Os Níveis Essenciais dos Direitos Sociais: Proibição de Retrocesso e Ampliação das Prestações. Conclusão. Referências. Resumo: O constitucionalismo contemporâneo encerra uma dimensão globalizada, pois os textos constitucionais têm dirigido a atuação dos Estados no âmbito internacional, dispondo sobre os processos de integração. Os efeitos deletérios de uma globalização econômica, fundada na liberalização do comércio em um livre jogo do mercado global seriam ainda mais prejudiciais para América Latina. Torna-se necessária a construção do Mercosul conforme os parâmetros de um novo regionalismo, comprometido com os direitos humanos. Firma-se uma rede cooperativa de interconstitucionalidade, em que se estabelece uma garantia multinível dos direitos fundamentais. A responsabilidade solidária dos Estados-parte com relação à dimensão social do Mercosul, como projeção das Constituições nacionais, impõe que se reconheça aos seus textos sobre direitos sociais a capacidade de assegurarem que os países do bloco garantam internamente um patamar mínimo e, além disso, que ampliem progressivamente o nível das prestações sociais, propiciando a desmercantilização das condições existenciais e firmando um direito ao máximo existencial, cujo conteúdo remete a uma adequada qualidade de vida. Palavras-chave: Constitucionalismo. Novo Mercosul. Direitos Humanos. Direitos Sociais.

1 O CONSTITUCIONALISMO

COOPERATIVO:

ENTRE

A

Regionalismo.

GLOBALIZAÇÃO

E

O

NOVO

REGIONALISMO

1

Doutorando e Mestre em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia. Professor Assistente de Ciência Política e de Direito Constitucional da Universidade Federal da Bahia. Professor de Direito Constitucional da Faculdade Baiana de Direito e de Direito Constitucional e Direito Econômico da Universidade Salvador. Procurador do Estado da Bahia e Advogado. 1

Constitucionalismo, globalização e regionalismo são os referenciais a nortear a reflexão desenvolvida em torno da relação entre o Mercosul e os direitos sociais. O constitucionalismo, firmando-se numa relação de cooperação entre os povos do Cone Sul fundado no compartilhamento de anseios, necessidades, histórias e vivências comuns, torna propício que as normas da integração conduzam à inserção dos direitos sociais no âmbito do projeto comunitário, dirigindo-se a uma atuação conjugada dos Estados na superação das desigualdades, da pobreza, da fome, do analfabetismo e de outras mazelas advindas do livre trânsito do poder econômico na economia de livre mercado. Esse seria um novo regionalismo, que aponta para uma globalização da responsabilidade pelos povos e pela efetividade dos direitos humanos. O contexto das relações contemporâneas entre os Estados e os mercados, nacionais e internacionais, e a função e a relevância dos direitos humanos, com os desafios e pressões que lhe são dirigidas, só podem ser bem compreendidas se houver a percepção de que há o entrechoque entre duas dimensões que delinearam o Século XX. Se representou a Era dos Extremos2 e, com o seu término, foi um século breve, nele vicejou como nunca o constitucionalismo e o reconhecimento dos direitos humanos, introduzindo a Era dos Direitos, na feliz expressão de Norberto Bobbio (1992, p. 49-65). O fim do breve século foi marcado pela queda do muro de Berlim e pelo desaparecimento da União Soviética, ocasionando o encerramento da Guerra Fria, que dividia o mundo em dois extremos, e a formação de uma nova ordem internacional, que modificou profundamente as relações entre os países e repercutiu no advento de um novo regionalismo. O novo regionalismo viu-se impulsionado e desafiado pelo movimento histórico irrefreável da globalização que, na sua dimensão exclusivamente econômica e comercial, revela a fragilidade dos Estados nacionais e da política, colocando em risco a dignidade, a liberdade e as condições existenciais da pessoa humana pelo livre movimento do poder econômico. Assim, acaba abrigando também a temática e o discurso dos direitos humanos no âmbito das relações econômicas e comerciais regionais e internacionais. O poder econômico que habita os livres mercados globalizados viaja com velocidade e volatilidade por um mundo fluído, ambíguo, ambivalente (BAUMAN, 2007), no

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Tal como compreendido e interpretado por Eric Hobsbawm (1995, p. 15-16) que identifica o início do Século XX com a Primeira Guerra Mundial e o seu final com o desaparecimento da União Soviética. Assim, haveria uma era da catástrofe, de 1914 até o pós-guerra, sucedida de uma era de ouro, com crescimento econômico forte e intensa transformação social, e, após, uma época de crise, imprecisão e incerteza, iniciada nos anos 70. 2

qual a política tem se tornado cada vez mais insignificante3, buscando e selecionando os fatores econômicos dos diferentes mercados nacionais que poderão compor a produção e comercialização de bens e serviços. Diante desse contexto complexo, vislumbra-se o descortinar de uma dimensão global do constitucionalismo, enquanto movimento político, social e jurídico, voltado à instituição de direitos fundamentais em proteção da pessoa humana. O constitucionalismo se globaliza diante da necessidade de responder aos riscos do abuso do poder econômico no ambiente de livre mercado internacional, que agrava a concentração de recursos em detrimento das comunidades dos países em desenvolvimento e dos que sequer alcançam esse status. Esse constitucionalismo finca-se nas constituições nacionais e, por elas, projeta-se numa rede mútua e recíproca que, interferindo e repercutindo na nova conformação dos blocos regionais, aproxima os povos em torno dos valores comuns representados pelos direitos humanos. Opera-se, assim, o entrelaçar de direitos fundamentais e direitos humanos que constitui e é constituído pela necessidade de cooperação dos Estados em favor do reconhecimento e da garantia efetiva dos direitos humanos, ao ponto se antever o desenho de um Estado Constitucional Cooperativo (HÄBERLE, 2007). O constitucionalismo que se globaliza é, então, cooperativo por resultar do compartilhamento solidário da compreensão dos direitos humanos e da necessidade de sua afirmação no âmbito do livre comércio mundial, potencializando os efeitos positivos da globalização dos mercados e das economias e tendendo a conter ou mitigar os seus efeitos negativos. Firmando as bases jurídicas para o novo regionalismo, visível e ativo na evolução institucional do Mercosul, o constitucionalismo cooperativo provoca a incorporação do discurso dos direitos humanos no âmbito das relações comerciais e econômicas desenhadas pelos blocos regionais, incorporando uma nota ética e humanística pela expressão moral que os direitos humanos possuem. Apenas a interação cooperativa dos Estados os habilitará a, concertados no Mercosul, resistir aos efeitos deletérios de uma globalização econômica que apenas tornaria ainda mais local a miséria. Como afirma Zygmunt Bauman (1999, p. 82), se “As riquezas são globais, a miséria é local”. O local é impotente para resistir à repartição da riqueza globalizada, dirigida pelo poder

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Na perspicaz expressão de Cornelius Castoriadis (2001, p. 15), destacando-se a sua percepção acercada despolitização e da desintegração dos dispositivos de controle, que denotam o desvanecimento da polis. 3

econômico das corporações transnacionais e mais favorável aos países desenvolvidos, também eles consorciados em blocos regionais de distintos matizes. Dentre as estratégias para conter os efeitos negativos, como o aprofundamento da exploração do trabalho pela sujeição ao livre jogo do mercado das condições existenciais, situase a necessidade de introduzir e reforçar os direitos sociais no âmbito do Mercosul, por ser constituído por países que se localizam desde as suas origens em posição periférica, alijados das benesses do desenvolvimento econômico. Nesse contexto, o presente estudo se destina à análise das disposições sobre direitos sociais no Mercosul como elementos que propiciem a ampliação dos níveis de prestações em interação com as constituições nacionais dos Estados-parte, o que só é possibilitado pelo reconhecimento da abertura e do diálogo mútuo entre tais constituições e os textos jurídicos do Mercosul, dando compostura a uma intersistematicidade jurídica multinível que é estruturada pelo constitucionalismo cooperativo. Para tanto, impõe-se adentrar na feição contemporânea da globalização, desnudando os riscos sociais e humanos de sua face econômica para o agravamento da questão social, mas revelando outras dimensões que podem resultar do regionalismo impulsionado pelos direitos humanos e, dentre eles, pelos direitos sociais, com a compostura do constitucionalismo cooperativo. A cooperação, constitucionalmente dirigida, de Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela é conditio sine qua non para que sobrevenha não apenas um mercado comum, mas uma comunidade no bloco regional que seja fundada na solidariedade e na qual seja possível a desmercantilização das condições existenciais com a contenção dos excessos do poder econômico globalizado.

1.1 GLOBALIZAÇÃO A globalização sempre marcou o desenvolvimento da história humana, pois desde os grandes impérios da Antiguidade, passando pelas grandes navegações, pelas revoluções industriais, até culminar no estágio atual, esteve presente, por formas e meios diversos, a tendência do ser humano de se projetar por todo o globo, reduzindo distancias e tempos4. A

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Nesse sentido, René-Paul Desse e Hector Dupuy (2008, p. 16-17) identificam três etapas do processo de globalização. A primeira foi marcada pelas descobertas do Renascimento e pelo advento do mercantilismo; a segunda representou o desenvolvimento do comércio acelerado em razão das revoluções industriais, que permitiram a produção em massa; a terceira seria a etapa atual, surgida a partir dos anos 60 e caracterizada pela “[...] phase libérale, financière et dérégulée. Elle s’étend réelment à l’ensemble du globe”. 4

compreensão dessa dimensão da globalização revela que consiste num processo histórico, que se projetou sobre o conhecimento, sobre as artes e a cultura, sobre a economia através do comércio e dos mercados e, como não poderia deixar de ser, também sobre o constitucionalismo e os direitos humanos. Na sua multiplicidade de dimensões, enquanto processo histórico, as repercussões foram sentidas no âmbito da América Latina, geralmente ocupando uma posição de passividade ou periférica diante dos interesses das metrópoles, das grandes nações comerciais e, depois, das potências que repartiram o mundo durante a Guerra Fria. A dificuldade de exprimir o sentido e os fatores da globalização, como seus efeitos, positivos e negativos, é patente, de modo a Frank Garcia (2010, p. 56) reconhecer que possui vários sentidos; a despeito disso, a globalização, que pode englobar várias dimensões de globalizações menos abrangentes, representa o conjunto de fatores políticos, sociais, econômicos jurídicos e simbólicos que tornam cada vez menos importante as fronteiras nacionais. De certa forma, o movimento de globalização do capital já era antevisto com bastante acuidade por Marx e Engels (2008, p. 69-70) ao perceberem que havia a necessidade dos mercados se estenderem “[...] impele a burguesia para todo o globo terrestre”, conferindo caráter cosmopolita à produção e ao consumo. Desse modo, haveria uma necessidade de aproximação das distâncias que superasse o antigo isolamento local e nacional a fim de realizar um intercâmbio universal, numa interdependência das nações.5 Percebe-se que se situa no gene do capitalismo a expansão para além das fronteiras para que o comércio alcance mais e diversos mercados, interligados e interdependentes. O que caracteriza a globalização atual, diferentemente da delineada por Marx e Engels, é redução do espaço e do tempo pelo advento das tecnológicas de informação e transporte, ocasionando não apenas a expansão para além das fronteiras, mas sobre as fronteiras e apesar delas, diluindo-as e colocando o poder político dos Estados nacionais em sujeição ao poder econômico transnacional, que dirige o movimento dos mercados e o comércio internacional ao seu livre alvedrio. E a direção é sempre em favor da progressiva concentração da riqueza em favor do capital transnacional

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Assim, consideram que “Em lugar das velhas necessidades, satisfeitas pela produção nacional, surgem necessidades novas, que para serem satisfeitas exigem os produtos das terras e dos climas mais distantes. Em lugar da antiga autosuficiência e do antigo isolamento local e nacional, desenvolve-se em todas as direções um intercâmbio universal, uma universal interdependência das nações” (MARX, ENGELS, 2008. p. 70). 5

A globalização se caracteriza como um processo histórico que envolve a redução da relação espaço-tempo entre as pessoas e, consequentemente, também entre os fatores de produção, a produção e o consumo6. Como processo histórico, pode ter várias direções – e daí as várias globalizações referidas por Frank Garcia –, mas a que vem mais se aproveitando dessas inovações que reduzem tempo e distância é a econômica, não estando mais a produção e o consumo presos a determinadas fronteiras. O desenvolvimento das tecnologias de informação e dos meios de transporte, encurtando distâncias e tempo, foi importantíssimo para a expansão dos mercados, com o surgimento e a consolidação das empresas transnacionais e dos organismos financeiros internacionais, potencializando o intercâmbio mediante o comércio internacional. Dessa forma, dispondo os agentes econômicos transnacionais de capacidade técnica e econômica de mobilização e desmobilização dos fatores de produção, de produtos e serviços, e do trabalho, como também do consumo, tornou-se possível a decisão acerca de se desnacionalizarem, atuando por sobre os Estados e as fronteiras e propagando uma liberdade de circulação de capital, bens e serviços, e de trabalho. Seguindo a lógica da seletividade dos menores custos, muito própria à potencialização dos ganhos e dos lucros, procedem a uma avaliação de qual ou quais Estados lhe fornecem os benefícios mais atrativos e os gravames menos onerosos, selecionando a ordem jurídica a que irão parcialmente se submeter até quando seja economicamente vantajoso, podendo modificar os fatores de produção e se deslocar para outros países que superem as vantagens até então existentes, conferindo-lhes, verbi gratia, maiores benefícios fiscais. Em outros termos, os agentes econômicos transnacionais têm a aptidão para diluir a produção, selecionando a parcela do direito estatal que mais lhe aprouver e, mais ainda, barganhando vantagens com os Estados, que necessitam de capital e investimento para que possam promover emprego e o desenvolvimento econômico. Esse processo ocasiona uma ruptura das fronteiras estatais (BAUMAN, 2007, p. 12), podendo originar um comércio internacional que se desenvolva por mercados sem fronteiras (BAUMAN, 2007, p. 14), transmitindo uma sensação de que não há ninguém no controle, como se fora um processo indeterminado e indisciplinado, o que é típico do que Boaventura de Sousa Santos (2004, p. 104-105) qualifica como capitalismo desorganizado. 6

Como observa Hobsbawm (2007a, p. 26), no século XIX estar perto de um porto era estar perto do mundo, de modo que Hamburgo estava mais próximo à Bahia do que o interior da Pomerânia. O mundo da época era enorme, as distâncias gigantescas e, com o advento do racionalismo, passou-se, paradoxalmente, a planejar futuramente no presente. 6

Ao contrário do que parece, o controle não é percebido porque refoge das instâncias políticas, pertencendo ao livre jogo das forças do mercado que, em verdade, não são tão livres assim porque conduzidas pela mão bem visível do poder econômico transnacional em favor da maximização dos lucros. Assim, “Le capitalisme est, de nos jours, mieux organisé que jamais”. A globalização econômica, então, acaba por provocar um arranjo nas relações de poder internacionais e nacionais, acarretando uma “[...] redistribuição de privilégios e carências, de riqueza e pobreza, de recursos e impotência, de poder e ausência de poder, de liberdade e restrição” (BAUMAN, 1999, P. 77-78), promovendo a concentração de 22% da riqueza mundial para os países desenvolvidos, sem melhorar a vida de quem necessita. Diversamente, quem não tem capital, quem não detém poder econômico, fica alijado da redução de distância e tempo que caracteriza a globalização como processo histórico, pois os pobres e necessitados não conseguem se inserir nos mercados que têm uma maior capacidade de absorção do trabalho e nem naqueles nos quais poderiam ser satisfeitas as suas necessidades existenciais pela garantia de um nível mínimo de emancipação. Logo, o capital internacional nega a outros, às populações dos países pobres e em desenvolvimento, o que é exigido pelo capital, que é a liberdade de movimento, mantendo os locais pobres como locais (BAUMAN, 1999, p. 84). Em outros termos, a globalização econômica não propicia, por si só, a globalização da riqueza, nem a cooperação contra a pobreza e muito menos a globalização da responsabilidade diante da miséria, da fome, e da questão social em geral. Não obstante isso, não se limita a uma dimensão exclusivamente econômica, sendo um processo histórico irrefreável que se caracteriza não pela por uma direção específica, mas pelo substrato que promove as possíveis direções. A redução do espaço e do tempo permite uma maior interação e diálogo entre os povos e culturas, de modo que os acontecimentos e as vivências são trocados e sentidos intensamente e instantaneamente, podendo remover o sentido de distanciamento que causa insensibilidade quanto às mazelas sociais, notadamente daqueles que razoavelmente compartilham delas, como se dá com os países que compõem o Mercosul. Aberto cada um para o outro, tem-se a nutrição da tessitura social que respalda a construção de uma rede de proteção aos direitos humanos, conferindo base real, concreta e efetiva ao aludido constitucionalismo cooperativo. Como será adiante explicitado, o comércio, inclusive o internacional, se desenvolve num ambiente de livre mercado que é constituído e garantido pelo direito, juridicamente conformado, quer os mercados internos, quer os regionais, quer o internacional. Assim, há de 7

se reconhecer o possível movimento para outra globalização, de matiz social, fundada nos direitos humanos e, notadamente nos direitos sociais, seguindo a expansão universal do constitucionalismo que, entrelaçando os povos, consubstancia uma garantia cooperativa em função dos direitos. E se nesse processo de expansão do capital transnacional se insere a potencialização da formação e consolidação dos blocos regionais, como a União Europeia, o Nafta e o Mercosul, visando a um fortalecimento das relações comerciais entre países que tenham uma proximidade geográfica e uma conformação socioeconômica semelhante. Associam-se aos mercados nacionais e ao mercado internacional os mercados regionais, que visam a instituir zonas de livre comércio, seguida pela união aduaneira, por sua vez sucedida pelo mercado comum. Da mesma forma que a globalização não se reduz ao seu sentido econômico, os blocos regionais não podem ficar insensíveis às demandas emancipatórias dos nacionais da região, introduzindo por decorrência das ordens constitucionais nacionais a temática dos direitos humanos. Com isso tem-se um novo regionalismo, movido pelo entrelaçamento das ordens constitucionais nacionais, todas elas firmadas em derredor dos direitos humanos, enlaçando os Estados-parte por um vínculo solidário de cooperação. Logo, o processo de formação dos blocos regionais evidencia uma compreensão de que a única via para superar a incapacidade e a impotência política dos Estados7, notadamente dos países em desenvolvimento, como os que compõem o Mercosul, diante do livre movimento do capital transnacional através dos mercados, é o reforço mútuo, recíproco e cooperativo mediante a superação de uma feição exclusivamente econômica da integração. O novo regionalismo, então, trará consigo o discurso dos direitos para que seja possível tornar as relações comerciais internacionais socialmente justas8, assujeitando-as às conformações advindas da observância dos direitos humanos e, em especial, dos direitos sociais. Por essa via se poderá tentar implementar, progressivamente, o possível do projeto de desmercantilização das condições existenciais que nutre o fundamento do modelo mais avançado de Estado Social e que se projeta pelo constitucionalismo cooperativo para os vínculos regionais conformados pelos direitos sociais.

7 Bauman (2007, p. 8) registra que o espaço global é politicamente descontrolado, pois a política, entendida côo capacidade de direção e objetivo de uma ação, é incapaz de operar na dimensão planetária. 8 Ou seja, o comércio socialmente justo, que se desenvolve tendo em conta os direitos humanos e, dentre eles, os direitos sociais, com relação aos quais os países do Mercosul apresentam um déficit de efetividade que repercute na gravidade da questão social por eles enfrentada. Propondo um comércio justo pela incorporação dos direitos humanos, destacam-se Hernández-Truyol e Powell (2009). 8

1.2 NOVO REGIONALISMO: A INTEGRAÇÃO PELOS DIREITOS HUMANOS

O regionalismo, entendido como processo de formação de blocos regionais com intuitos originariamente comerciais e econômicos, visando à liberalização do comércio entre os Estados-parte, tem duas fases muito próprias e nítidas. A primeira etapa pode ser designada como relativa ao antigo regionalismo, enquanto a segunda constitui o novo regionalismo9. O regionalismo inicialmente surge com acordos comerciais para formação de blocos regionais em um ambiente dominado pela bipolarização das potências americana e soviética por todo o período da Guerra Fria. Os acordos regionais destinavam-se a assegurar a substituição de importações com o recurso a intensos níveis de protecionismo. A partir de 1980, opera-se uma modificação na conformação dos acordos comerciais institutivos dos blocos regionais, o que é potencializado com o término da Guerra Fria e a percepção da necessidade de liberalização do comércio pela abertura dos mercados internos, com retração do protecionismo. A América Latina adotou, em geral, a política de substituição de importações, traçando os seus países uma série de barreiras tarifárias e não tarifárias como forma de proteger e fomentar as respectivas indústrias. Esse novo regionalismo apresenta duas transformações fundamentais, segundo Schirm (2002, p. 2). A primeira se caracteriza por uma mudança na direção do processo de integração, que passa a se destinar à liberação dos mercados em estímulo à competição. O crescimento econômico só seria possível mediante uma desregulação do comércio, deixando ao mercado a alocação da produção e do capital. A segunda resulta do impulso que o regionalismo sofreu e que, segundo Schirm, deve-se às influências que a globalização dos mercados operou sobre a política e a economia nacionais. Daí que a formação a formação do novo regionalismo confere uma conformação distinta às relações econômicas no âmbito do mercado global, voltando-se prioritariamente à liberação do comércio mundial pela constituição dos novos blocos regionais. Identifica-se, então, o entrelaçamento de econômicas nacionais numa mesma região para uma integração dos mercados baseada numa cooperação econômica e comercial. A ideia central, especialmente relevante para os países pobres, de mercados frágeis e incipientes, e para os países em desenvolvimento, é a de que a liberação do comércio é fator imprescindível para o

9

Nesse sentido, Powell e Pérez (2010, p. 8-11). 9

desenvolvimento, propiciando o aumento do bem-estar (STIGLITZ; CHARLTON, 2007, 2425).10 Para tanto, ter-se-ia que reduzir a intervenção estatal ao ponto de deixar os mercados regionais e a sua interação com os mercados externos à própria sorte das forças e das regras do livre mercado. Além disso, seria a única possível resposta para que os Estados possam enfrentar os desafios da economia globalizada, que reduz substancialmente a capacidade de regulação estatal diante do capital transnacional, muito mais apto de interferir nos mercados nacionais. Assim, haveria uma redução ou eliminação das barreiras nacionais aumentando a mobilidade das quatro liberdades fundamentais para a liberação do comércio nos blocos regionais, que são as relativas à circulação de bens, serviços, capital e trabalho, tornando possível uma alocação mais eficiente dos recursos (SCHIRM, 2002). Nesse sentido, colocam-se as questões da relevância dos Estados e da margem política que detêm para conformação desse novo regionalismo, como a capacidade do livre comércio, por si, afastando a intervenção estatal e a sua regulação, ensejar desenvolvimento e maior bem-estar, distribuindo adequadamente a riqueza produzida e podendo, assim, resistir ao capital transnacional empresarial. Quanto ao primeiro problema, tem-se que, malgrado haja descrença na capacidade regulatória dos Estados e que tal descrença seja inversamente proporcional ao grau de desenvolvimento do mercado interno, como apontam Stiglitz e Carlton (2007, p. 37-40), os Estados continuam a ser um fator preponderante e o revigoramento de sua capacidade de conformação política do comércio regional e mundial deve ser destacada. Para os Estados em desenvolvimento e para os países pobres, as políticas comerciais e industriais têm que viabilizar não apenas a aptidão competitiva dos seus mercados, mas também evitar que “le bien-être des individus commence à dépendre entièrement du rapport à l’argent” (ESPING-ANDERSEN, 1999, p. 35), para que não se repita em âmbito global os efeitos já empiricamente comprovados pelo curso da história do liberalismo econômico. Nesse sentido, os mesmos efeitos advindos de uma globalização exclusivamente econômica e comercial se reproduziriam no âmbito dos blocos regionais e, mais ainda, na interação do Mercosul, por ser composto por economias em desenvolvimento, com o comércio e o mercado global. Não se pode, com a defesa de uma dimensão exclusivamente econômica e

10

Os autores sintetizam bem a idéia, exprimindo que, em regra, a liberação do comércio abre os mercados externos, expandido a demanda pela produção das empresas nacionais, disponibiliza maior variedade de insumos com preços mais baixos, reduzindo os custos, e intensifica a competição, inclusive internamente. 10

comercial para a globalização e para o novo regionalismo, admitir alongar até o infinito os sinais da miséria produzida pelo liberalismo à solta (MORIN; NAIR, 1997, p. 114). Com efeito, pode-se considerar como evidência empírica os acontecimentos que sucederam à crise econômica de 2008, que se projetou dos Estados Unidos para as demais economias desenvolvidas e em desenvolvimento. A resposta dada à crise exigiu uma atuação conformada dos Estados componentes da União Europeia e dos Estados Unidos, com auxílios financeiros significativos e de diversa ordem para resguardar e manter os principais mecanismos da economia globalizada, quais sejam, o acesso ao crédito, as instituições financeiras e grandes indústrias transnacionalizadas. O novo regionalismo não apenas se limita à integração econômica, ultrapassando as finalidades estritamente comerciais, pois equivaleria a deixar as decisões sobre alocações de recursos resultantes dessa nova riqueza mundial, como a intensidade do desenvolvimento e os níveis de bem-estar para o mercado. Introduz-se, então, a questão formulada, embora especificamente sobre os rumos da União Europeia, por Delmas-Marty (2007, p. 11) acerca de quem deve decidir: os políticos responsáveis e os juristas ou os dirigentes econômicos. Em outras palavras, a política reguladora e regulada ou o livre trânsito dos mercados regionais e desses com o mercado global. Ora, a démarchandisation (ESPING-ANDERSEN, 1999, p. 35) exige dos Estados que formam os blocos regionais uma atuação ativa na conformação dos seus mercados, como registra Edgar Morin (1997, p. 112-113) ao sustentar que o Estado-nação pode ser decisivo na reorientação da globalização de duas maneiras: a) ou pela formação de blocos regionais fundada numa macropolítica que possibilite a oposição aos fluxos econômicos mundiais – de difícil consecução – ou b) pela ruptura política de um Estado suficientemente forte para exigir dos demais estratégias de solidariedade obrigatória – que também não seria simples de realizar. Ademais, ao que se compreende das questões subjacentes à globalização e ao novo regionalismo, tem-se uma pressuposição equivocada de que o mercado seja uma instituição natural capaz de, eficientemente e sem qualquer interferência estatal, gerar riqueza e bem distribuída. Como observam Stiglitz e Charlton (2007, p. 38-41), não se pode admitir nem posturas extremadas de livre comércio e do seu oposto, de antiglobalização, pois as políticas públicas são imprescindíveis para correção das falhas dos mercados, mais sentidas tanto nas nações pobres como naquelas em desenvolvimento, mas que se mostraram nos países desenvolvidos, como comprova a aludida crise de 2008. 11

Em verdade, torna-se necessário descortinar a percepção de que o próprio mercado é uma instituição jurídica, criada e conformada pelo direito, como concebido por Natalino Irti (2003, p. 1), para quem o mercado é um locus artificialis e não naturalis, sendo constituído pelo direito de acordo com uma decisão política, decisão essa que é mutável em razão da própria historicidade, sucedendo-se distintos sistemas econômicos sem que se possa reputar ser algum deles o definitivo. No mesmo sentido, Peter Häberle (2004a, p. 102) sustenta que o mercado, por imperativo existente nos Estados constitucionais, é estruturado, funcionalizado e disciplinado normativamente, passando de um estado natural para um estado de cultura, defendendo a projeção de uma economia social de mercado (2004, p. 115-116). E no âmbito do direito conformador do mercado, tem-se que preponderam tanto as normas constitucionais que consagram direitos fundamentais, como os direitos humanos residentes nas normas internacionais. Com efeito, o comércio mundial afeta a distribuição da riqueza e se projeta para os Estados nacionais, cuja formação em blocos deve perpassar objetivos limitados de feição comercial e econômica, a fim de assegurar que o homem não se reja apenas pelas suas necessidades, mas que seja efetivamente livre. Daí ser patente a relação entre o comércio e os direitos humanos, principalmente os direitos sociais, como bem pontuam Powell e HernandézTruyol (2009, p. 61) ao considerarem que “In relation to trade, rights of all generations are relevant. Some rights might appear to have closer nexus to trade than others”, como o direito ao trabalho. Logo, o novo regionalismo deve embasar não apenas uma integração que almeje uma cooperação econômica para que o livre mercado viceje, exigindo-se uma cooperação que se volte para os direitos humanos, que os integre nos processos de integração regional, por força das

direções

constitucionalmente

impostas

e

que

compõem

uma

rede

de

interconstitucionalidade. Justamente por força da necessidade deste novo direcionamento, resultante das pressões advindas dos espaços político-constitucionalmente orientados e dos textos de direitos humanos, é que o novo regionalismo incorpora ou se influencia pelo discurso dos direitos humanos, como apontam Powell e Pérez (2010, p. 8-10). Surgido num ambiente multipolar com o término da Guerra Fria, o novo regionalismo possui um caráter multidimensional que não se limita a objetivos econômicos, mas também ambientais, políticos, sociais e democráticos, sendo um processo aberto de promoção do livre comércio que os preserve e promova, no que estão envolvidos atores não 12

governamentais, como a Organização Mundial do Comércio, a Organização das Nações Unidas, dentre outros. Por conseguinte, o novo regionalismo se caracteriza pela formação de blocos regionais em que se pretende fortalecer a atuação da política mediante o direito, conformando mercados livres e justos, socialmente ordenados, a fim de produzir uma riqueza que seja adequadamente

distribuída

com

base

numa

cooperação

pelos

direitos

humanos,

desmercantilizando as condições existenciais, tornando-se importante reinstituir os poderes dos Estados nacionais nesse contexto complexo em que os problemas locais são globais (SANTOS, 2002), associando as capacidades de regulação advindas das competências internacionais com as nacionais, resguardando-se uma margem nacional – e também regional – de apreciação para impedir que os Estados e os blocos regionais menos desenvolvidos fiquem desprotegidos e a sua população presa ao território fique sem emprego e sem recursos necessários à subsistência (DELMAS-MARTY, 2007, p. 33). Para tanto, o novo regionalismo, dirigindo-se também a uma integração pelos direitos humanos, reflete a dimensão normativa de uma cooperação decorrente do estágio atual do constitucionalismo. 1.3 A EXPANSÃO DO CONSTITUCIONALISMO: REDE DE INTERCONSTITUCIONALIDADE E O CONSTITUCIONALISMO COOPERATIVO Como bem salienta Karl Löewenstein (1965, p. 135-136), o terceiro e mais avançado estágio do constitucionalismo é o da universalidade da constituição escrita, considerando que “From de Europe the written constitution conquered the globe”, tornando-se “[...] the most common and universally aceepted phenomenon of the contemporary state organization”. Não obstante isso, de Löewenstein para a época contemporânea já se pode identificar outro estágio, por que passa o constitucionalismo. Além de se tornar universal, estendendo-se para todos os Estados, o constitucionalismo se internacionalizou com a internacionalização dos direitos humanos1112.

11

Sobre a internacionalização dos direitos humanos a análise de Gregorio Peces-Barba Martínez (1999, p. 173179). 12 As dimensões e perspectivas oriundas de uma interação entre o direito internacional e o constitucionalismo é ressaltado por Stephen Gardbaum (2009). 13

Essa expansão do constitucionalismo13 se potencializa ainda mais a partir do último quartel do século passado com um importante fator de impulsão, que foi a globalização. Aproximando a pluralidade das manifestações da existência humana ao reduzir a distância de tempo e espaço entre os povos, propiciou e propicia uma circulação de elementos de compreensão em torno da proteção dos direitos fundamentais, como aponta Quirino Camerlengo (2007, p. 12-14). Nesse passo, estaria se formando, segundo o autor, um modelo constitucional cosmopolítico a partir da identificação de traços essenciais e qualificativos do direito constitucional mediante uma análise histórica e comparativa. Esse processo serviria ao enfrentamento de vários problemas que se colocam ao constitucionalismo, como o distinto nível de proteção dos direitos fundamentais entre os países e a lacuna de determinados direitos ou de meios de proteção. Haveria um movimento global do constitucionalismo, como reforça Peter Häberle (2004b, p. 238) ao sustentar que o Estado Constitucional – resultado da evolução progressiva e contínua do constitucionalismo enquanto processo cultural e existencial – se desprende de qualquer perspectiva eurocêntrica e se torna uma obra comum resultante de várias épocas e locais, de modo que os países em desenvolvimento e os micro-Estados devem ser integrados a esse processo. O apuramento dessa expansão do constitucionalismo daria ensejo a um vínculo de cooperação entre os Estados Constitucionais componentes da ordem mundial, promovendo o surgimento do que o próprio Häberle (2007, p. 6) trata como Estado Constitucional Cooperativo, que é o “[...] Estado em que o poder público é juridicamente constituído e limitado através de princípios constitucionais materiais e formais: Direitos Fundamentais, Estado Social de Direito, Divisão de Poderes, independência dos Tribunais, – em que ele é controlado de forma pluralista e legitimado democraticamente.” Também Canotilho (2006, p. 289), ao referir-se à interconstitucionalidade, percebe um processo de construção de um constitucionalismo global, notadamente em torno dos direitos fundamentais, tomando-se como “[...] ponto de partida os direitos fundamentais e os direitos humanos que formariam uma constituição de direitos global com a consequente imposição de

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Nos estreitos lindes do presente estudo não há condições para perscrutar mais intensamente o sentido e a caracterização do constitucionalismo como movimento de fundamentação filosófica, de luta política, de consagração jurídica e de anseio social e nem de suas dimensões e variações, para o que se remete a estudo efetuado em outra oportunidade (CALMON DANTAS, 2009, p. 43-47). 14

deveres. Os direitos valeriam não apenas perante as instâncias políticas mas também perante centros de poder econômico”. Pode-se reconhecer, no estágio atual do constitucionalismo, um movimento de extensão dos valores e do modelo constitucional de contenção dos poderes e proteção à pessoa humana pelo reconhecimento de direitos fundamentais para além das fronteiras nacionais. O constitucionalismo se desprende também do referencial do Estado, embora continue se projeto para além das fronteiras em razão dos próprios Estados. A comunhão do movimento constitucional dos distintos Estados repercute nos direitos humanos, interagindo em novos âmbitos e espaços políticos e ocasionando a existência de múltiplos níveis de tutela. Coloca-se problema similar ao que já enfrentado quando do federalismo cooperativo14, quando do surgimento do Estado Social. O Estado oriundo do novo regionalismo, do regionalismo que integra e é influenciado pelos direitos humanos, é cooperativo porque as suas constituições incorporam objectifs de valeur constitutionnelle referentes à formação de blocos regionais, conferindo notas e objetivos que vão além da liberalização do mercado e da mobilidade das quatro liberdades, de capital, de bens, de produtos e de trabalho. Em outros termos, no âmbito da política externa, os Estados estão dirigidos pela prevalência dos direitos humanos, que conduz à cooperação a fim de resistir aos efeitos deletérios da globalização do livre capital, como ocorre com a Constituição brasileira de 1988, que prevê no art. 4°15 a prevalência dos direitos humanos e a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, refletindo-se no parágrafo único, que impõe a responsabilidade do Estado em constituir uma comunidade latino-americana de nações que promova uma integração econômica, política, social e cultural. Uma integração multidimensional que importa no reconhecimento de uma cooperação multinível, entre as instâncias nacionais (com a repartição entre os entes políticos nacionais) e regional e destas com os demais atores internacionais e blocos regionais, é que dá compostura ao constitucionalismo cooperativo. Em especial no caso do Mercosul, a integração visa a uma cooperação mediante uma rede de interconstitucionalidade que liga os objetivos comuns dos textos constitucionais nacionais, em torno dos direitos humanos e principalmente dos direitos sociais, a fim de associar

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Sobre o tema, importantes as considerações e atualizações de Sommermann (2003). Art. 4°. [...]. Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações. 15

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a liberação do comércio e as quatro liberdades à implementação da justiça social, otimizando o cumprimento das tarefas a cargo dos Estados nacionais. Haveria, pois, uma atuação concertada, associada ao esforço de redução e eliminação das barreiras tarifárias e não-tarifárias, com a promoção da união aduaneira e a transição para um mercado comum, que impusesse às políticas econômicas nacionais um esforço para levar a sério os direitos sociais, reforçando-os no âmbito do Mercosul. A primeira linha de defesa e implementação seriam os cinco Estados componentes do Mercosul (com repartição cooperativas internas entre os entes políticos respectivos), cujas políticas devem estar interligadas e associadas; a segunda linha, cabe ao Mercosul, ou seja, à atuação concertada e cooperativa dos países, reforçando-se e potencializando o nível de vida dos povos do bloco; a terceira linha, aos atores internacionais que compõem a ordem jurídica internacional tecida em derredor dos direitos humanos. Dessarte, é preciso dedicar-se à compreensão da interação do nível nacional e do nível regional pertinentes ao Mercosul como forma de reforço das ações estatais para garantir a ampliar os níveis essenciais de prestação dos direitos sociais, voltados à desmercantilização das condições existenciais e que, nessa condição, não podem ficar à mercê do jogo e do movimento do mercado livre, nem interno, nem regional. A muldimensionalidade do Mercosul advém, pois, de uma imposição dos textos constitucionais e internacionais que compõem uma rede de proteção aos direitos humanos, exigindo a introdução deles no âmbito das normas do Mercosul, resguardando-se tanto o Mercosul de atos de Estados-parte que os contrariem, como os Estados-parte de se sujeitarem práticas comerciais aceitas no âmbito do Mercosul, mas que se revelem com eles incompatíveis. Para tanto, impõe-se adentrar na compreensão do surgimento e da evolução do Mercosul, a fim de compreender a sua dimensão constitucional e o impacto dos direitos humanos, ainda em fase de desenvolvimento, mas que já encerra feições jurídicas relevantes.

2 MERCOSUL: PARA ALÉM DA INTEGRAÇÃO ECONÔMICA

Os anseios e desejos de formação de uma comunidade latino-americana integrando as várias nações e reforçando os vínculos de solidariedade remontam à própria formação geopolítica da região. Haveria, ao menos, duas aspirações situadas historicamente e que não lograram qualquer êxito. Simon Bolívar, após a independência, pretendia repetir a experiência norte-americana e constituir uma grande federação entre os países da América Latina (DESSE; DUPUY, 2008, p. 22-23). Já os Estados Unidos, no final do Século XIX, incentivava uma ação 16

cooperativa entre os Estados americanos, formando uma tendência de panamericanismo16, de que redundou a Organização dos Estados Americanos (RAMOS, 2008, p. 211). A despeito disso, vários conflitos e tensões eclodiram e habitaram a região, como a Guerra Cisplatina e a Guerra do Paraguai. No século XX essas tensões foram reduzidas em face dos problemas comuns compartilhados, como o agravamento da questão social e os constantes golpes de Estado que instituíam ditaduras. A partir de 1948, com a criação da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) houve a sustentação progressiva da necessidade de integração econômica dos países. O êxito progressivo da integração europeia mostrava ser possível tentar adotar um modelo similar. Daí se sucederam várias tentativas de institucionalizar a integração, todas importantes para que viessem a resultar no Mercosul. Em 1960 surge a Associação LatinoAmericana de Livre Comércio (ALALC) pelo Tratado de Montevidéu, que ficou muito distante de qualquer êxito. Em 1980 surge um novo tratado que institui a Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), com objetivos ambiciosos (RAMOS, 2008, p. 213-214), envolvendo a criação a longo prazo de um mercado comum latino-americano. De qualquer sorte, a ALADI propiciou a aproximação comercial entre Brasil e Argentina, originando uma série de acordos comerciais bilaterais. Em 26 de março de 1991, Brasil, Argentina Uruguai e Paraguai assinam o Tratado de Assunção para a Constituição do Mercado Comum do Sul, denominado Mercosul, com o objetivo de constituir um mercado comum entre os Estados-parte17 e propiciar as quatro liberdades, ou seja, a livre circulação de bens, serviço, trabalho e capital. O Tratado de Assunção instaurou a fase de transição, sucedida pela consolidação e pela instalação de uma união aduaneira através do Protocolo de Ouro Preto, firmado em 17 de dezembro de 1994, mantendo o objetivo do mercado comum e enfatizando a remoção dos obstáculos para formação da união aduaneira (RAMOS, 2008, p. 223). Assim, o Mercosul passou a ter a sua personalidade jurídica de Direito Internacional declarada, e uma existência independente dos Estados-parte que, associada com a união aduaneira, conferiram-lhe não apenas a capacidade de promover o mercado intrazona sem

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Desse e Dupuy (2008, p. 25) apontam que “Le projet de panaméricanisme présenté par les États-Unis, en revanche, signifie la création d’un système interaméricain, séparé de l’Europe, appuyé par la tenue d’un congrès panaméricain developpant la doctrine Monroe sous la devise de l’Amérique aux Américains.” 17 A integração econômica envolve vários processos, como a formação de zonas de livre comércio, de união aduaneira, de mercado comum e de união econômica e monetária (RAMOS, 2008, p. 16), com características próprias e apresentando uma linha evolutiva. 17

barreiras tarifárias e não-tarifárias, mas o incremento das relações comerciais com os outros países pela adoção de uma tarifa comum para bens e serviços oriundos de países extra-zona. Após uma época de incerteza e estagnação (RAMOS, 2008, p. 225), houve, a partir do ano 2000, o relançamento do Mercosul, com a retomada do projeto de integração e a sua adoção como um dos objetivos políticos prioritários para os seus países. Apesar de todas as dificuldades, a proximidade geográfica, a origem comum, o compartilhamento de necessidades e valores, a tradição jurídica semelhante, e o compromisso afirmado com a democracia e os direitos humanos propiciam o reforço dos vínculos firmados pelo Tratado de Assunção e pelo Protocolo de Ouro Preto. Estava viabilizada a integração econômica, desiderato central do Mercosul.

2.1 DIMENSÃO ECONÔMICA

O novo regionalismo se exprime no Mercosul pela direção dada à dimensão econômica da integração no Tratado de Assunção, como se verifica logo no seu art. 1°, in verbis:

A livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países, através, entre outros, da eliminação dos direitos alfandegários, de restrições não tarifárias à circulação de mercadorias e de qualquer outra medida de efeito equivalente; O estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de uma política comercial comum em relação a terceiros Estados ou agrupamentos de Estados e a coordenação de posições me foros econômico-comerciais regionais e internacionais; A coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados Partes - de comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial e de capitais, de serviços, alfandegária, de transportes e comunicações e outras que se acordem -, a gim de assegurar condições adequadas de concorrência entre os Estados Partes; e O compromisso dos Estados Partes de harmonizar suas legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração.

Tem-se presente a adoção da livre circulação dos fatores de produção, de bens e de serviços, com a implementação da união aduaneira mediante a adoção de tarifa externa comum, além da necessidade de coordenação das políticas macroeconômicas relativas a comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial, de capitais, de serviços, alfandegária, de transporte e comunicações para viabilizar a concorrência, trazendo para os Estados a obrigação de alterar a legislação interna para fortalecer a integração. 18

Desse modo, ter-se-ia uma dimensão estritamente econômica na estruturação, na formação e nas direções delineadas para o Mercosul, não se identificando no Tratado de Assunção e no Protocolo de Outro Preto nenhuma preocupação social ou relativa a direitos humanos, como sustenta Giupponi (2006, p. 301-302), reforçado por Marcelo Neves (2010, p. 220) ao afirmar que “[...] o Mercosul permanece uma organização orientada quase exclusivamente pelas exigências econômicas, havendo referências apenas isoladas e praticamente irrelevantes aos problemas da justiça social e das desigualdades regionais” no Tratado de Assunção e no Protocolo de Ouro Preto. O relativo êxito econômico é bem registrado pelos dados relativos ao comércio intrazona e extrazona (DESSE; DEPUY, 2008, p. 99-107), com “[...] un commerce intra-zone spécifique et relativement indépendant de ses exportations vers le reste du monde. Les quatre pays ont fortement augmenté leurs échanges avec un nombre important de partenaires commerciaux”. Ressalte-se que, de qualquer sorte, não se pode deixar de reconhecer que a adoção de medidas relativas ao livre comércio entre os Estados-parte constitui um reforço a princípios democráticos ínsitos ao constitucionalismo, como também às liberdades fundamentais. Desse modo, já se antevê que, mesmo se limitado a sua dimensão econômica, o Mercosul portaria uma relação com os direitos humanos. A despeito disso, pode-se antever uma dimensão social já na origem do Mercosul, dimensão esta exigida tanto pela questão social, comum aos seus membros, como pelas Constituições nacionais, que encerram um caráter dirigente e programático na feição e na conformação da comunidade que se pretende instituir e que, como tal, não poderia ficar limitada a uma dimensão econômica e comercial.

2.2 DIMENSÃO SOCIAL: QUESTÃO SOCIAL SUL-AMERICANA

Embora o Mercosul não tenha, até o momento, nenhuma declaração de direitos com força obrigatória para os Estados-parte pela sua condição de suas normas de integração, não se pode considerar que os direitos humanos e, principalmente, a dimensão social, relacionada especificamente com os direitos sociais, não habitem desde a origem a sua conformação programática. Para tanto, torna-se imprescindível compreender que a questão social que caracteriza o capitalismo também se abateu sobre a América Latina, só que de forma muito mais tensa e grave, pois além de se situar no capitalismo periférico, havia os déficits políticos, 19

sociais e econômicos advindos do processo de colonização e de uma econômica preponderantemente agrícola. Seria, então, a questão social relativa ao subdesenvolvimento. A questão social não se limita a um conjunto de problemas sociais que são coetâneos e próprios de determinadas épocas. Em verdade, revela-se como uma decorrência estrutural do sistema econômico capitalista, fundando na economia de livre mercado, dirigida pelo poder econômico, governado pelo lucro e pela acumulação de capital. Trata-se de um problema relativo às próprias estruturas das relações sociais, derivadas da adoção do sistema econômico capitalista, e que apresenta novos contornos, mais intensos por força dos efeitos deletérios da globalização econômica, de matiz neoliberal. Jacques Commaille (1997, p. 13-14) observa que a questão social não qualifica simplesmente uma situação de grave pobreza em que se encontre expressiva parte da população; apresenta-se como uma forma de designação dos efeitos do funcionamento econômico específico sobre a maneira pela qual os indivíduos se encontram perturbados ou ameaçados quanto ao modo de inserção no trabalho e à capacidade de produzir e obter as condições materiais de que necessitam. Assim, “[...] elle désigne également les conséquences de l’ensemble d’un process où en n’offrant pas la possibilité du travail, ou en ne le proposant que dans des conditions d’extrême précarité”, não se relacionando apenas com as prestações materiais necessárias à vida, mas às condições de sua participação na vida social e política da sociedade. A questão social possui uma tripla conjunção de fatores, pois corresponde “[...] à l’existence de problèmes sociaux auxquels certaines populations sont de plus em plus exposées; elle designe également la menace d’une extension de ces problèmes sociaux à des populations plus large ; elle nomme la peur de ceux qui, nantis, craignent de voir leurs situations privilégiées remises en cause par une explosion sociale”. Essa questão social já tão ínsita ao capitalismo, intensamente vivenciada durante o liberalismo e contida com o constitucionalismo social, que trouxe consigo os direitos sociais, é profundamente marcante na América Latina, em que o Estado Social ainda não se instituiu, ganhando novos contornos diante de novas desigualdades e da nova conformação econômica que defende a liberalização dos mercados para o comércio global. Como já mencionado, correse o risco de globalizar a miséria, deixando-se presos aos locais os pobres, e de localizar a riqueza. Globaliza-se a insegurança social (CASTELS, 2005) e as novas desigualdades (FITOUSSI; ROSANVALLON, 1996). Dados registrados no Panorama Social da América Latina de 2009 (2010), desenvolvido pela CEPAL, indicam que 33% da população estavam em 2008 na linha da 20

pobreza, com 12,9% vivendo em condições de indigência. Há uma crença de que a desigualdade é um problema político, pelo favorecimento à concentração econômica. Foi possível constatar, ainda, que, apesar dos progressivos aumentos nos gastos relacionados às políticas sociais, a “[...] região arrecada pouco e gasta mal”, de modo que “o gasto social continua sendo insuficiente e não chega a ter o impacto necessário para melhorar o bem-estar e a equidade, particularmente nos países mais necessitados”. Desse modo, não poderia ser admitido que os Estados-parte do Mercosul reproduzissem entre si, criando um livre comércio regido apenas pelas forças do mercado, as condições propícias para o agravamento da questão social em razão da sujeição ao capital transnacional e às grandes corporações, rejeitando os anseios e o valor dos direitos humanos. Justamente para resguardar as condições da integração, pautada pelo novo regionalismo, que as Constituições delimitam a ação internacional dos Estados-parte, vinculando a objetivos e princípios relacionados com a promoção dos direitos humanos. É nesse contexto, de origem e consolidação do Mercosul, que se inicia a projeção dos efeitos das normas constitucionais dos quatro países, dirigindo o processo de integração e conformando o novo regionalismo aos direitos humanos, tecendo uma rede jurídica que confere a tessitura ao constitucionalismo cooperativo e que, por sua vez, compõem uma tutela multinível dos direitos humanos. Assim, a Constituição da Argentina disciplina detalhada o valor jurídico dos tratados, prevendo a possibilidade de integração tanto com outros Estados, como com os Estados latinos, com o art. 75 admitindo a incorporação de normas internacionais que respeitem os direitos humanos. A Constituição brasileira, como exposto, sustenta no art. 4°, parágrafo único, que a integração visa, também, à promoção de fins sociais, associando-os às diretivas de prevalência dos direitos humanos e cooperação entre os povos para o progresso da humanidade. O art. 145 da Constituição Paraguaia prevê que a integração a uma ordem jurídica supranacional deve garantir a vigência dos direitos humanos, paz, justiça e cooperação. Também o art. 6° da Constituição uruguaia estabelece a formação de uma integração social e econômica. Desse modo, a atuação dos Estados componentes do Mercosul no âmbito internacional e quanto à promoção do regionalismo não pode descurar do enfrentamento das questões relativas à exclusão social, que leva à marginalização, ao descenso sociocultural, à apatia política e a uma crise ética (MÜLLER, 2010, p. 114). O sentido de universalidade e indivisibilidade dos direitos humanos estaria comprometido (PIOVESAN, 2002, p. 64), pois os excluídos latino-americanos estariam localizados na miséria. 21

Ora, diante da dimensão normativo-programática das direções constitucionais voltadas para a atuação dos Estados na conformação do bloco regional, prevendo o resguardo e a promoção dos direitos humanos, com o desiderato de integração não apenas econômica, mas também social, não se pode admitir que a dimensão social estivesse ausente no início do Mercosul, da mesma forma que não poderia se eximir dos direitos humanos. Vislumbra-se, pois, que as imposições constitucionais diretivas da instituição do Mercosul produzem efeitos diretos na sua conformação, levando a que os direitos humanos sejam compreendidos na integração econômica, que passa a ter uma dimensão também social à vista da necessidade de reconhecer os direitos sociais. Marca-se uma cooperação, por força das Constituições nacionais, que se materializa no Mercosul e que fica expressa desde o Tratado de Assunção. Com efeito, essa dimensão social entremostra-se desde a sua origem, malgrado não se tenha expressado, ainda, pelo reconhecimento de direitos sociais em qualquer instrumento vinculante. A despeito disso, o Tratado de Assunção prevê que a integração visa ao desenvolvimento econômico, que seja sustentável, com justiça social. Consagra, também, a promoção do desenvolvimento científico e tecnológico, a modernização da economia, e a melhoria da qualidade de bens e serviços disponíveis, objetivando a melhoria da qualidade de vida. Com efeito, é cediço que desenvolvimento não se limita a crescimento econômico e nem pode ser aferido somente pelo Produto Interno Bruto (PIB). A melhoria das condições de vida exige alterações não apenas quantitativas, mas qualitativas no processo econômico, que estejam aptas a propiciar o livre desenvolvimento da personalidade pela garantia das condições materiais de existência que devem ser, no âmbito do possível, do real e do necessário18, superiores ao mínimo vital. A promoção da melhoria das condições de vida não pode ocorrer somente com a melhoria da qualidade dos bens e serviços, sendo imprescindível que tais bens e serviços sejam acessíveis a quem deles necessite, o que demanda envolver o mercado regional numa tessitura jurídica que conduza a uma repartição socialmente justa da riqueza social e possibilite a resistência devida ao livre trânsito do capital das corporações transnacionais.

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Le pensee du possible é desenvolvido por Häberle (2004b, p. 48-54) e se destina a propiciar a compreensão da dimensão normativa da constituição no âmbito prática por um raciocínio orientado por uma tríade composta pelo real, pelo possível e pelo necessário. Assim, considera que “Parmi l’ensemble des possibilités, il faut choisir celles que favorisent la transformation de la réalité existante vers une realité meilleure et évitent les risques d’un retournement vers une réalité moins bonne. ” 22

Tem-se uma cooperação que, por imposição constitucional, estabelece-se em torno da justiça social e da melhoria das condições de vida, objetivos expressamente consagrados no Tratado de Assunção, permitindo constatar a dimensão social que habita o Mercosul desde a sua origem e, mais ainda, conducente à formação de uma economia social de mercado (HÄBERLE, 2004a, p. 115). Ressalte-se que a dimensão social pressupõe que os laços e o ligame social se estendam para além das fronteiras, assegurando um sentido de cooperação e responsabilidade solidária e compartilhada entre os povos dos Estados-parte próprio da construção de uma base comunitária, pois “La société ne peut rester indifférente au jeu fatal des phénomènes économiques”, como bem sustenta Leon de Bourgeois (1902, p. 32). Haveria, assim, a construção e o reforço de um novo sentido da soberania que, compartilhada pela adesão e conformação do regionalismo do Mercosul, volta-se ao reforço das instâncias políticas e de regulação, compondo uma soberania inclusiva (BECK, 1999, p. 232) e expandida19. Esse regionalismo, sustentado pela projeção das constituições para além das fronteiras, regulando a atuação dos Estados-membros na compostura do Mercosul, só pode objetivar a promoção de desenvolvimento com justiça social que melhore a qualidade de vida mediante o reconhecimento e a garantia dos direitos sociais, estabelecendo-se uma interação dos instrumentos regionais e nacionais que possibilite a ampliação dos níveis essenciais de prestação.

3 INTEGRAÇÃO

SOCIAL NO

MERCOSUL:

DIREITOS SOCIAIS E NÍVEIS ESSENCIAIS DE

PRESTAÇÃO

A integração promovida no Mercosul detém um caráter multidimensional20 e possibilita a constituição de um sentido social e político para a globalização, potencializando a capacidade de regulação dos Estados-parte que, isolados, estariam mais facilmente à

19 José Afonso da Silva (2002, p. 27) considera que se tem “[...] um exercício comum da soberania dos Estados componentes, um exercício comunitário da soberania. Na verdade, antes de redução de soberania, temos a expansão das soberanias particulares, tem-se, para cada um dos Estados-membros, uma soberania expandida”. 20 Como sustenta Giupponi (216, p. 303), sustentando que “[...] no se trata solo de un proceso de integración que aspira, en la actualidad, al logro de objetivos de carácter puramente económicos o comercialistas, sino que, por el contrario, ha incorporado en su quehacer, por ejemplo, tanto la dimensión política como algunos aspectos de contenido social.”

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submetidos ao poder econômico das grandes corporações transnacionais e das potências econômicas. O constitucionalismo cooperativo, que respalda e orienta a formação do Mercosul, firma-se em razão dos direitos humanos, que são sensíveis às liberdades de bens, serviços, trabalho e capital e para cuja proteção e promoção se impõe a sobredita dimensão social do mercado comum do Cone Sul. Com efeito, tanto a justiça social, como a qualidade de vida, além de não dependerem apenas do crescimento econômico, que não implica, por si só, a distribuição socialmente justa da riqueza, só podem ser promovidas pela garantia e efetividade dos direitos sociais. Ressalte-se, entretanto, que não se está emprestando aos direitos sociais maior valor ou importância que os demais direitos humanos, inclusive em razão da indivisibilidade que os caracteriza; entretanto, à vista do histórico déficit de efetividade de tais direitos, especialmente em países em desenvolvimento e em países pobres, depreende-se que os demais direitos dependem, para o seu livre, real e possível exercício, das condições materiais que sejam asseguradas mediante os direitos sociais. Como observam Fitoussi, Stiglitz e Sem (2009, p. 228-232), “Le concept de qualité de la vie est plus large que ceux de production économique ou de niveaue de vie. Il comprend toute une série de facteurs influant sur ce qui a de l’importance dans notre vie, sans se limiter à l’aspect purement matériel.” Nesse sentido, a qualidade de vida envolve condições subjetivas de bem-estar e condições objetivas de bem-estar, sendo essas últimas ligadas às capacidades do indivíduo de agir conforme sua livre escolha diante de possibilidades que sejam por ele descortinadas, e às alocações equitativas de recursos. A insegurança social compromete a qualidade de vida, como também a efetiva materialização dos riscos sociais como desemprego, pobreza, fome, miséria, exclusão, analfabetismo e desassistência aos necessitados, deixando os membros da coletividade em situação de plena sujeição às necessidades existenciais e, consequentemente, ao mercado. A superação dos problemas sociais que afligem a América Latina exige, para sua superação, a construção de uma rede de garantia, promoção e proteção da qualidade de vida, o que só pode se realizar através da justiça social e pressupõe o compromisso, no caso do Cone Sul, de que a integração dirigida pelo constitucionalismo cooperativo seja efetivada em torno dos direitos sociais. 24

3.1 OS DIREITOS SOCIAIS NO MERCOSUL COMO MECANISMO DE AMPLIAÇÃO DOS NÍVEIS ESSENCIAIS DE PRESTAÇÃO

Os direitos sociais passam a integrar os textos constitucionais a partir da Constituição francesa de 1848, exigindo uma distribuição mais equitativa das benesses e dos encargos sociais, além de consagrar o direito à educação e à assistência social, como aponta Danièle Lochak (2005, p. 39-40). Assim, há o momento em que “[...] l’on prend conscience de l’insuffisance de la conception libérale classique, attachée à la seule défense des libertés individuelles et des droits politiques, et de la nécessité de reconnaître les droits économiques et sociaux comme des droits de l’homme à parte entière.” O constitucionalismo social, entretanto, se manifesta no período entreguerras, com as Constituições mexicana de 1917 e alemã de 1919, vindo a se consolidar e se expandir no pós-guerra, compondo o substrato constitucional da instituição do Estado Democrático de Direito que, necessariamente, abriga em uma das suas dimensões o caráter de Estado Social. Apesar da previsão nos textos constitucionais ao lado das liberdades, como autênticos direitos fundamentais, os direitos sociais sofriam de uma crônica falta de efetividade, sendo considerados, como sintetizado por Aniza Morales (2009, p. 11), como direitos subordinados, secundários, indeterminados, sujeitando-se à implementação conforme a discricionariedade do legislador. Entendia-se que as liberdades, enquanto direitos negativos, eram passíveis de garantia judicial, ao contrário dos direitos sociais, que eram direitos positivos e, como tais, prestacionais. Em razão disso, estariam sujeitos não apenas à discrição do legislador, mas à limitada capacidade de financiamento do Estado, à vista dos limites do orçamento e das várias demandas que lhe são dirigidas. Essa distinção já há muito vem sendo rejeitada pela doutrina, como se verifica com Georges Burdeau (1948, p. 20) que percebe um processo de socialização da liberdade, transitando de um direito negativo para um direito que se torna exigente de uma ação do Estado, de uma intervenção que seja favorável aos vários grupos sociais, superando-se os limites da tutela do indivíduo enquanto ser abstrato. Haveria uma modificação da própria noção de direito individual, que “[...] n’est plus compris comme une garantie de l’individu contre l’Etat, mais comme un moyen devant lui permettre de collaborer au bien de la cité et d’en attendre, en contre-partie, des prestations positives.”

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A questão é reavivada quando Holmes e Sunstein (2000) sustentam que todos os direitos fundamentais têm dimensões positivas e que são, todos eles, embora em graus e intensidades distintas, direitos custosos21. Diante disso, constata-se que boa parte das críticas dirigidas aos direitos sociais e o problema do déficit de efetividade, mais notado nos países em desenvolvimento e nos pobres, resulta de uma compreensão equivocada, que faz preponderar aspectos financeiros impertinentes e mitos dogmáticos inconsistentes, a exigir o apuro de uma reflexão transdisciplinar e que integre a dimensão regional e internacional, a fim de reforçar as ações e políticas dos Estados nacionais. Até porque os direitos sociais lidam com a insegurança social, com miséria, com a pobreza, que se situam localmente em razão de forças econômicas globais que sujeitam ao mercado – mercantilizando – as condições existenciais. Daí a pertinente observação de Ferrajoli (2007, p. 68), para quem “[...] se è vero che i diritti fondamentali costano, è anche vero che costano assai più le loro violazioni e le loro inadimpienze. È questo um fatto di solito ignorato”, no que lhe assiste razão, pois a desassociação social, além de comprometer os vínculos de solidariedade, colocando sobre pressão a própria subsistência comunitária, acarreta custos de outra ordem para o Estado, muito mais graves. Percebe-se, então, que os direitos sociais são direitos fundamentais voltados à démarchandisation (ESPING-ANDERSEN, 1999, p. 35) das condições existenciais e à melhorias da qualidade de vida, viabilizando a justiça social e complementando as liberdades e reforçando-as (LOCHAK, 2005, p. 42). A indivisibilidade reconhecida entre os direitos humanos pelos textos normativos de direito internacional nada mais exprime do que a necessária complementariedade entre direitos sociais e liberdades, embora apresentem aquelas uma relação mais conflituosa com as liberdades econômicas e, no âmbito da economia globalizada, com a livre circulação de capital, de bens e de serviços. A integração regional não poderia, então, ser balizada apenas por finalidades meramente econômicas e comerciais, especialmente em se tratando de países em desenvolvimento, concluindo-se que o Mercosul abriga uma dimensão social fundadora de uma

21

No mesmo sentido é a doutrina de Danièle Lochak (2005, p. 41-42) ao sustentar que « [...] toute liberté contient em germe un droit-creance, dans la mesure où la proclamation de cette liberté implique l’obligation pour l’Etat de la garantir – y compris, le cas échéant, en fournissant les moyens materiels nécessaires pour qu’elle ne reste pas lettre morte. » Ressalta, também, a posição da Corte Europeia de Direitos Humanos que considera que as liberdades não exigem do Estado apenas uma simples obrigação de abstenção, mas lhe impõe obrigações positivas. 26

economia social de mercado direcionada à justiça social e à melhoria da qualidade de vida de argentinos, brasileiros, paraguaios, uruguaios e venezuelanos. Para tanto, deve-se reconhecer uma vinculação dos Estados-membros às disposições das suas Constituições acerca da prevalência dos direitos humanos e, naturalmente, dos direitos sociais na construção desse novo regionalismo, compelindo-os à construção cooperativa de mecanismos de regulação e de políticas que propiciem a ampliação progressiva dos níveis de implementação dos direitos sociais. É nesse contexto que se insere o caráter multinível da tutela dos direitos sociais no espaço político do Mercosul, havendo uma convergência das normas de Direito Internacional relativo aos direitos sociais, como o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, dos dispositivos vinculantes e até mesmo não vinculantes do Mercosul, e das Constituições nacionais. Há uma tessitura global, regional e local em favor da promoção da justiça social e qualidade de vida, para desmercantilizar as condições existenciais e reforçar as políticas públicas, que não podem ficar sujeitas ao livre jogo das corporações transnacionais e do poder econômico num ambiente de livre comércio22. A existência de múltiplos regramentos sob um mesmo espaço político remete à viabilidade do recurso aos níveis essenciais de prestação relativos aos direitos sociais, noção oriunda do art. 117, alínea ‘m’, da Constituição italiana23 e que vem sendo cada vez mais objeto de reflexão, conforme se depreende da doutrina em geral (CANOTILHO, 2010) e doutrina italiana em particular (GUIGLIA, 2007; TUBERTINI, 2008). Nesse sentido, e no âmbito regional, há a projeção de uma integração social que deve propiciar, pela associação das normas do Mercosul com as Constituições nacionais, o reforço e a ampliação dos níveis de prestação social relativa aos direitos sociais mediante a cooperação e a atuação compartilhada, que potencializa as medidas de realização dos direitos sociais. Posto isso, cabe analisar os documentos que delineiam a dimensão social do Mercosul, iniciando-se com as discussões e o projeto para uma Carta de Direitos Fundamentais,

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Destaque-se o relatório divulgado pelas Nações Unidas acerca dos objetivos do milênio aponta que a ajuda oferecida aos bancos pelos Estados em um ano supera o auxílio financeiro conferido aos países pobres em meio século (BBCBRASIL, 2009). O relatório conclui que o principal problema não é de falta de recursos, mas falta de vontade política, o que se aplica integralmente ao Brasil. 23 La potestà legislativa è esercitata dallo Stato [70 e segg.] e dalle Regioni nel rispetto della Costituzione, nonché dei vincoli derivanti dall’ordinamento comunitario e dagli obblighi internazionali. Lo Stato ha legislazione esclusiva nelle seguenti materie: [...]. m) determinazione dei livelli essenziali delle prestazioni concernenti i diritti civili e sociali che devono essere garantiti su tutto il territorio nazionale;

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seguindo-se o Acordo relativo à Seguridade Social, a Declaração Sócio-laboral, a Carta de Buenos Aires sobre Compromisso Social e a Declaração Presidencial dos Direitos Fundamentais dos Consumidores. Antes mesmo da consolidação do Mercosul destaca-se, em 1992, a tentativa do desenvolvimento do projeto do que seria a Carta de Direitos Fundamentais do Mercosul no Encontro Presidencial de Las Leñas, tendo por inspiração as convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT). As discussões se estabeleceram, a partir de então, acerca do conteúdo, alcance e natureza desse texto e se deveria conter direitos econômicos e sociais. Em 1994 foi apresentado pelo Conselho de Coordenação Social o projeto formulado pela Coordenação das Centrais Sindicais do Cone Sul, originária, portanto, dos trabalhadores, com forte conteúdo protetivo às relações laborais. Em razão disso, encontrou forte resistência dos setores empresariais e governamentais (GIUPPONI, 2006, p. 323), não sendo adotada. De qualquer sorte, supriria uma lacuna existente até a atualidade pela inexistente de um único texto, de caráter sistemático, respeitante aos direitos fundamentais e, dentre eles, dos direitos sociais. O projeto explicitava a dimensão social do processo de integração, conducente a uma comunidade jurídica, política, humana, laboral, social e cultural, fundada na solidariedade e na cooperação regional. Dentre o preponderante conteúdo social da Carta merece referência a previsão do direito ao trabalho, obrigando-se os Estados a adotarem políticas que promovam o pleno emprego, além da liberdade de trabalho e de circulação do trabalhador, da proteção ao trabalho, da igualdade de gênero, de direitos à estabilidade e promoção no emprego, como também os direitos a dignas condições de trabalho, ao repouso remunerado, e à justa remuneração. Ultrapassando o âmbito das relações laborais, havia a previsão do direito à alimentação saudável, do direito à educação, do direito à saúde física e mental, de direitos culturais. A consagração do direito à vida referia-se à plena satisfação das necessidades humanas básicas, havendo, ainda, a tutela de grupos vulneráveis, como crianças, idosos e deficientes. Instituindo uma união aduaneira a partir de 1994, com o Protocolo de Ouro Preto, a temática relativa aos direitos sociais passa a ganhar cada vez mais importância pela necessidade de estabelecer medidas e disposições mais concretas do que os objetivos de justiça social e de melhoria da qualidade de vida, constantes do Tratado de Assunção. Em 1997, acolhendo proposta do Subgrupo 10, relativo a Relações de Trabalho, Emprego e Seguridade Social, foi celebrado o Acordo Multilateral de Seguridade Social do Mercado Comum do Sul. 28

O Acordo estabelece que os direitos relativos à seguridade social serão concedidos na forma das legislações nacionais no que respeita às contribuições pecuniárias e de saúde, observadas as condições nele prescritas. Destacam-se o art. 6°, relativo às prestações de saúde, que prevê o atendimento de qualquer trabalhador e de seus familiares em outro Estado, sujeitando-se apenas à autorização da instituição gestora da saúde no país de origem e que arcará com os respectivos custos, o art. 7°, concernente à possibilidade de compartilhamento da totalização de período de contribuição. Outrossim, o art. 11 determina a adoção de mecanismos de transferências de fundos entre os Estados para o pagamento dos benefícios devidos ao trabalhador e familiares que residam em outro país do Mercosul, enquanto o art. 12 proíbe que haja redução, suspensão ou extinção dos benefícios apenas pelo fato da residência outro Estado-membro. Mais ampla e significativa do que o aludido Acordo foi a Declaração Sócio-laboral do Mercosul, aprovada em 1998, que em seu preâmbulo reafirma os objetivos de justiça social e promoção da melhoria da qualidade de vida constantes do Tratado de Assunção, partindo do compromisso de realização e concretização dos tratados e convenções internacionais sobre direitos sociais já ratificadas pelos Estados-membros, como as principais convenções da OIT, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e a Convenção Americana de Direitos Humanos sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, dentre outros. Reconhece, ainda no preâmbulo, que a avaliação da globalização econômica deve assegurar o progresso econômico com bem-estar social e que a integração deve ultrapassar o mero âmbito comercial e econômico, inserindo a temática social e visando ao estabelecimento de um standard mínimo de direitos dos trabalhadores no Mercosul. Diante disso, enuncia, principalmente, direitos sociais referidos aos trabalhadores, mas estende-se sobre a educação e saúde. Dentre os direitos cabe salientar a não discriminação por quaisquer fatores tidos impertinentes ou suspeitos, inclusive nacionalidade, e a promoção da igualdade mediante ações efetivas a que se incumbem os Estados-membros pertinentes à educação, formação e acesso a bens e serviços coletivos e a iguais oportunidades, rechaçando distinções entre trabalhadores migrantes e fronteiriços, reconhecendo a livre circulação. A eliminação do trabalho forçado é detalhadamente disciplinada, estabelecendo a vedação de várias formas de sua ocorrência, da mesma forma que se dá com o trabalho infantil. Há, ainda, o reconhecimento dos direitos coletivos do trabalhador e a previsão do pleno emprego pela ampliação dos mercados internos e regionais, com o objetivo de elevar o nível de vida e corrigir os desequilíbrios sociais. Complementam a Declaração os direitos relativos à 29

proteção dos desempregados, formação profissional, saúde e segurança no trabalho e seguridade social. Com relação a todos os direitos consagrados consta a obrigação dos Estadosmembros de adaptarem as legislações internas e de promoverem os direitos mediante ações e políticas públicas, prevendo um mecanismo de avaliação e seguimento de caráter nãosancionador, o que é reforçado pelo art. 25, que veda a aplicação da Declaração a questões comerciais, econômicas e financeiras. Assim, a despeito das obrigações previstas e do rol dos direitos sociais, a Declaração tem, em si mesma, caráter apenas recomendatório (GIUPPONI, 2006, p. 353), sem caráter vinculante (CRUZ, 2006, p. 84-85) e sem poder ser invocada a inobservância de quaisquer regras como forma de restrição à livre circulação de bens e serviços e de capital. Evita-se, por essa via, que a invocação do respeito aos direitos sociais seja desvirtuada para fins de aplicação como barreira não-tarifária, representando um dumping social ou uma cláusula social para fins comerciais. A pertinência ou não do caráter não-sancionatório e não vinculante da Declaração será abordada adiante, antecipando-se que não se afigura possível, por força da constitucionalização das relações regionais pelos textos nacionais, reputar-se que as obrigações assumidas sejam somente recomendações. Em 2000 é adotada a Carta de Buenos Aires sobre Compromisso Social, também destituída de caráter vinculante, mas que traduz significativas aspirações típicas dos povos dos Estados-membros e que reflete a gravidade da questão social suportada. Há a reafirmação da interação e da vinculação entre desenvolvimento econômico – que deve ser justo e equilibrado – pela interação regional e a promoção da justiça e equidade social. O crescimento econômico é tido como necessário, mas não suficiente para melhoria da qualidade de vida, erradicação da pobreza e a eliminação da discriminação e da exclusão social. O destaque dado à melhoria da qualidade de vida apenas vem a reforçar a possibilidade de que as disposições do Mercosul e das constituições nacionais consubstanciem um sistema de garantias para os direitos sociais que permita a ampliação dos seus níveis essenciais de prestação, seguindo a direção cooperativa determinada pelos textos constitucionais, fundando uma solidariedade em torno dos problemas sociais relativos à alimentação, saúde, emprego, moradia e educação. Finalmente, ainda em 2000, é aprovada a Declaração Presidencial de Direitos Fundamentais do Consumidor, que evita a aplicação dos direitos nela previstos como barreiras 30

não-tarifárias, prevendo a adoção de um patamar mínimo de direitos, não excludente de outros, inclusive previstos pelas legislações nacionais. A análise dos dispositivos relativos aos documentos regionais mencionados induziria, a priori, a uma frustração atinente à capacidade do Mercosul impulsionar não apenas uma união aduaneira destinada a um mercado comum, mas de reativação da capacidade regulatória e de direção da economia nacional e regional em favor da proteção e concretização dos direitos sociais. Ora, prever direitos sem caráter obrigatório e sem mecanismos de sanção conferelhes apenas um conteúdo moral e simbólico que já portam. A ausência de atendimento pelos Estados-membros das obrigações legislativas de adaptação do direito interno não repercutiria no âmbito das relações comerciais e econômicas do Mercosul, deixando-se as condições de desmercantilização sujeitas à vontade política. Com efeito, Powell e Hernández-Truyol (2009, p. 66-68) abordam a questão relativa à relação entre direitos humanos e as normas comerciais internacionais. Admitindo que, intuitivamente, o valor moral dos direitos levaria a sua prevalência, reconhecem que não é fácil a solução, naturalmente em razão da natureza das normas de direito internacional – e também de integração regional – que resultam de laços de coordenação e não de subordinação. Não se há de discordar de tal conclusão, mas uma vez posta a vontade dos Estados-membros, tanto pelas suas Constituições, como pelos documentos normativos do Mercosul, deve-se reconhecer a vinculação ao modelo de cooperação firmado. De qualquer sorte, admitem a prevalência das normas cogentes de direitos humanos, como as que vedam a escravidão, o genocídio, a tortura e a sistemática discriminação racial. Quanto à utilização dos direitos sociais como barreiras não-tarifárias, Powell e Pérez (2010, p. 39-42) abordam os argumentos favoráveis e desfavoráveis à sua inclusão nos acordos comerciais regionais. De qualquer sorte, é indubitável que “[...] whether or not future RTAs include human rights provisions, it is evident that the trade agreement will undoubtedly affect human rights in that member country”. A questão resume-se, então, a permitir que o próprio comércio, num ambiente de livre mercado globalizado e de poder econômico dos grupos e corporações transnacionais, afete positiva ou negativamente os direitos sociais, afastando-se das direções constitucionais relativas à desmercantilização das condições existenciais e das disposições do Mercosul atinentes à melhoria da qualidade e dos níveis de vida. Com efeito, a mencionada expansão do constitucionalismo do âmbito nacional para o regional pode ensejar o reconhecimento da vinculação interna das disposições do Mercosul 31

atinentes a direitos sociais, mesmo as não sejam originariamente vinculantes. Ter-se-ia, por via reflexa, um fenômeno similar ao que descreve Anne Peters (2006) ao considerar que, embora se não se tenha uma constituição formal além das fronteiras, no âmbito do direito internacional, vários textos de direito internacional operam funções constitucionais. Desse modo, os documentos regionais referidos devem ser levados a sério pelos Estados-membros, pois apenas realizam previsões constitucionais relativas à integração social, prevendo tanto padrões mínimos de direitos, como diretrizes para a ampliação dos níveis de efetivação.

3.2 OS NÍVEIS ESSENCIAIS DOS DIREITOS SOCIAIS: PROIBIÇÃO DE RETROCESSO E AMPLIAÇÃO DAS PRESTAÇÕES

Nesse sentido, afigura-se que as disposições do Mercosul resultantes do Acordo de Seguridade Social, da Declaração Sócio-laboral, do Compromisso Social e dos Direitos Fundamentais do Consumidor, no que respeita à dimensão social da integração, devem ser inseridas no âmbito dos Estados nacionais a fim de assegurar um patamar mínimo, mas ampliativo de direitos sociais, como exigido pelos objectifs de valeur constitutionnelle. Haveria um nível mínimo essencial de prestação relativo a um determinado direito social que deveria ser, cooperativamente, alcançado em todos os países do Mercosul. Uma vez alcançado, a intersecção normativa da rede constituída pelas normas do Mercosul com as constitucionais promoveria iria impor que se ultrapassasse aquele patamar mínimo, voltandose à efetivação da melhoria da qualidade de vida. Com efeito, tanto a Declaração Sócio-laboral como a Declaração Presidencial sobre Direitos do Consumidor preveem um patamar mínimo desses direitos. Os Estados-parte que ainda não o alcançaram estariam compelidos a fazê-lo, enquanto aqueles que já tivessem um patamar superior não poderiam retroceder o nível de implementação nacional. Desse modo, verifica-se que há uma relação de complementariedade e expansão relativa aos níveis essenciais de prestação dos direitos sociais previstos nas constituições e legislação interna e no Mercosul. Uma vez alcançados ou atendidos determinados níveis de prestação além do patamar mínimo, concernente ao mínimo vital, não caberia qualquer retrocesso na proteção social, aplicando-se o l’effet cliquet característico dos direitos fundamentais.

32

As disposições do Mercosul e das Constituições nacionais não se limitam a exigir que os Estados-parte promovam a realização apenas do mínimo vital, insuficiente para atendimento da noção relativa à melhoria da qualidade de vida. Assim, mesmo havendo previsões das disposições do Mercosul analisadas como não vinculantes e sem que seja possível a sua invocação no âmbito das relações comerciais, afigura-se possível que o Poder Judiciário dos países, por força das imposições constitucionais que impõem seja levada a sério a dimensão social da integração, aplique diretamente os níveis de prestação inferidos a partir das disposições do Mercosul. Poderia, então, aplicar as normas internas promotoras de níveis de prestação superiores àqueles previstos no Mercosul, ou suscitar a incidência das disposições do Mercosul que possibilitem ultrapassar o estágio atual de implementação existente. Ter-se-ia destacado não apenas o effet cliquet, mas o effet d’elargissement dos níveis de prestação voltando-se para a promoção da melhoria do nível e da qualidade de vida através da justiça social. Numa dimensão prospectiva, afigura-se relevante o desenvolvimento de instituições outras no Mercosul, como um banco de fomento e um juízo de solução controvérsias atinentes a direitos humanos havidos no âmbito das relações comerciais, a fim de que as próprias instituições do bloco possam atuar em favor da garantia da efetividade da justiça social e da expansão dos direitos sociais no sentido de superar os problemas sociais, sem depender das instituições nacionais para tanto. Por conseguinte, a interação do Mercosul com as constituições nacionais, que projetam a sua eficácia para exigir a afirmação de uma cooperação em torno dos direitos humanos, compõe os fundamentos de um novo regionalismo. Dessarte, promove, tanto internamente como regionalmente, a necessidade dos Estados-parte atingirem um nível mínimo de prestações sociais – sobre as quais se aplica o effet cliquet –, como de ampliarem, cooperativamente, esse mínimo nível – o effet d’elargissement –, conferindo a base jurídica, inclusive, ao reconhecimento de um direito fundamental ao máximo existencial, consubstanciando na desmercantilização das condições existenciais e na capacidade para o livre desenvolvimento da personalidade.

4 CONCLUSÃO

O constitucionalismo em tempos de globalização abriga comporta uma dimensão também global, expandindo-se para além das fronteiras nacionais no que respeita às imposições 33

relativas à prevalência dos direitos humanos, alcançando diretamente a conformação política do Mercosul, enquanto bloco regional, conferindo-lhe uma dimensão social que se agrega à formação de uma união aduaneira e ao direcionamento para a instituição de um mercado comum. Em se tratando dos países do Cone Sul, que sofrem os agravos sociais decorrentes da sua própria história, os efeitos deletérios da globalização econômica sobre o trabalho, sobre a capacidade política de direção da atividade econômica e a sujeição ao capital transnacional e às grandes corporações acabam por restabelecer a sujeição das condições existências à distribuição da riqueza feita pelo mercado através do livre comércio. Surgido inicialmente com a intenção de propiciar o desenvolvimento das economias nacionais da região e servir de contraponto e de resistência aos demais blocos regionais e à globalização econômica, o Mercosul desde a sua origem, reconhecendo o impacto das relações comerciais sobre os direitos humanos e em especial sobre os direitos sociais, possui uma dimensão social desde o Tratado de Assunção, destinando-se à promoção da melhoria do nível e da qualidade de vida mediante a justiça social. Institui-se,

então,

um

constitucionalismo

cooperativo

que

propicia

a

responsabilidade dos Estados em constituir um mercado comum que, ultrapassando a união aduaneira, seja também social e não apenas comercial e econômico, indo além das liberdades de circulação de capital, de bens e serviços e de trabalho. O projeto da Carta de Direitos Fundamentais do Mercosul, o Acordo Multilaterial sobre Seguridade Social, a Declaração Sócio-laboral, a Carta de Buenos Aires de Compromisso Social e a Declaração Presidencial de Direitos Fundamentais do Consumidor apenas exprimem o reflexo no âmbito do bloco das imposições das Constituições nacionais, dando compostura a um novo regionalismo, ainda que destituídas sejam de força vinculante pelas próprias disposições do Mercosul e não possam ser invocadas no âmbito das relações comerciais. A despeito disso, deve-se considerar possível que o Poder Judiciário dos Estadosparte possa reconhecer as disposições do Mercosul que ultrapassem o patamar de efetivação dos direitos sociais pela legislação nacional, como também para impedir a sua aplicação quando importem em retrocesso social. Haveria uma interação cooperativa, solidária e multinível das normas regionais e nacionais a fim de não apenas garantir um patamar mínimo, mas de assegurar a ampliação dos níveis de prestações sociais, exigida pela referência à melhoria da qualidade de vida e pela justiça social, conducentes se viabilizar a desmercantilização das condições existenciais. 34

Desse modo, embora o Mercosul ainda esteja distante de um desenvolvimento institucional pelo qual esteja ele próprio habilitado a buscar a efetividade dos direitos sociais, não se pode deixar de reconhecer que as Constituições nacionais projetam-se sobre o regionalismo e, fundando o entrelaçamento cooperativo entre os direitos fundamentais previstos pelas legislações internas e aqueles previstos nas disposições do bloco, enseja o reconhecimento do dever dos Estados-parte de desenvolverem progressivamente – através de uma legislação de reforço aos direitos sociais – políticas públicas que garantam os direitos sociais, ampliando progressivamente os respectivos níveis de prestações sociais.

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