Construção de ementas das decisões do Supremo Tribunal Federal - Elaboration of the syllabus from the Brazilian Supreme Court\'s decisions

June 1, 2017 | Autor: M. Jacob Lopes da... | Categoria: Courts, Judicial Reform
Share Embed


Descrição do Produto

São Paulo Law School of Fundação Getulio Vargas – FGV DIREITO SP Research Paper Series – Legal Studies Paper n. 125

Construção de ementas das decisões do Supremo Tribunal Federal Elaboration of the syllabus from the Brazilian Supreme Court’s decisions

Carolina Cutrupi Ferreira* Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) Natalia Langenegger † Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV DIREITO SP) Marina Jacob Lopes da Silva Santos‡ Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV DIREITO SP)

June 2015

This paper can be downloaded without charge from FGV DIREITO SP’s website: http://direitogv.fgv.br/publicacoes/working-papers and at the Social Science Research Network (SSRN) electronic library at: http://www.ssrn.com/link/Direito-GV-LEG.html. Please do not quote without author’s permission

*

Mestre em Direito pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, pesquisadora assistente no Núcleo e Direito e Democracia do Cebrap. E-mail: [email protected] † Mestre em Direito pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e pesquisadora do Núcleo de Justiça e Constituição na mesma instituição. E-mail: [email protected] ‡ Mestre em Direito pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas. E-mail: [email protected]

Electronic copy available at: http://ssrn.com/abstract=2623294

Resumo: O artigo apresenta algumas reflexões sobre a construção e uso de ementas jurisprudenciais do Supremo Tribunal Federal. O objetivo principal é compreender a quais elementos compõem a ementa e qual a relação entre a ementa e o conteúdo dos votos de cada ministro no julgamento. A partir de uma análise qualitativa de recursos extraordinários e da Ação Direta de Inconstitucionalidade 2591, que trata da possibilidade de aplicação do Código de Defesa do Consumidor às instituições bancárias, tecemos algumas considerações sobre a compatibilidade entre o processo deliberativo dos ministros retratado no acórdão e os elementos integrantes da ementa. Ao final constatou-se que, a despeito de a ementa ser um elemento obrigatório em acórdãos judiciais, não há regras que declarem sua finalidade ou estabeleçam diretrizes para sua elaboração. Nos acórdãos analisados, verificou-se que, de modo geral, a ementa reflete os argumentos do ministro relator, sendo ausentes ou escassos outros argumentos suscitados ao longo do processo deliberativo. Nesse sentido, a ementa pode ser considerada um reflexo do peculiar modelo deliberativo que vem sendo desenvolvido nos tribunais brasileiros em geral e, em particular, pelo Supremo Tribunal Federal. Palavras-chave: Supremo Tribunal Federal; acórdão; ementa jurisprudencial; recurso extraordinário. Abstract: The article raises some reflections on the elaboration and use of the syllabus from the Brazilian Supreme Court’s decisions. The main objective is to understand which are the elements that compose these syllabuses and what is the relation between the syllabus and the content of the vote rendered by each Minister in the trial. From a qualitative analysis of Extraordinary Appeals and of the Direct Unconstitutionality Action nº 2591, which deals with the applicability to banks of the Brazilian Consumer Protection Code, we weave some considerations about the compatibility of the deliberative process held by the ministers in the judgment and elements of that compose the syllabus. From this research, the authors found that, despite the syllabus being a compulsory element in Brazilian court judgments’, there are no rules that state their purpose or establish guidelines for their preparation. In the judgments analyzed, it was found that, in general, the menu reflects the arguments of the rapporteur, being other arguments raised during the deliberative process absent or scarce. In this sense, the syllabus can be considered a reflection of the peculiar deliberative model that has been developed in the Brazilian courts, in general and particularly by the Supreme Court Keywords: Brazilian Supreme Court; judgment; judicial decision’s syllabus; Extraordinary Appeals.

Electronic copy available at: http://ssrn.com/abstract=2623294

Sumário 1 Introdução _______________________________________________________________ 4 2 Aspectos normativos e jurisprudenciais sobre a elaboração de ementas jurisprudenciais ___________________________________________________________ 5 3 Os processos de construção da ementa pelo STF _________________________________ 7 3.1 Análise das ementas do STF ______________________________________________ 8 3.2 Aplicação do CDC às instituições bancárias ________________________________ 10 4 Relação entre ementa jurisprudencial e modelo deliberativo no STF _________________ 13 5 Considerações finais ______________________________________________________ 16 6 Referências bibliográficas __________________________________________________ 17

Electronic copy available at: http://ssrn.com/abstract=2623294

4

1 Introdução O presente artigo tem por objetivo compreender como as ementas jurisprudenciais são construídas e como elas compõem os acórdãos do Supremo Tribunal Federal (STF). Como se sabe, a ementa jurisprudencial, que fica localizada no início de um acórdão, indica o resultado da decisão colegiada e apresenta um resumo das questões e argumentos aduzidos no julgamento do qual resultou o acórdão1. Como primeiro elemento do acórdão, a ementa deve proporcionar ao leitor a antecipação da leitura do conteúdo principal da decisão. Além de informá-lo, entendemos que a ementa também atende a outros usos. Um deles é “filtrar” o conteúdo mais relevante do julgamento, o que tem impacto imediato no resultado de pesquisas de jurisprudência do site do STF e de outros tribunais2. A publicação de acórdãos por um tribunal consiste em uma forma de divulgação da imagem do seu trabalho, e a ementa é um importante fator na divulgação do que é decidido pela segunda instância. Dos milhares de julgamentos feitos em um tribunal, a maioria é conhecida apenas por meio das ementas. É justamente por isso que Aguiar Junior afirma que “[a] ligação do trabalho do tribunal com a sociedade se dá normal e preferentemente pelas ementas. A ementa pouco ilustrativa, obscura ou omissa prejudica a pesquisa e a divulgação do trabalho do tribunal” (AGUIAR JUNIOR, 2008). Outro uso recorrente da ementa é seu emprego como instrumento argumentativo para reforçar uma determinada posição jurisprudencial. Praticamente todas as petições, pareceres jurídicos, sentenças e votos contêm citações jurisprudenciais, em sua grande maioria em trechos de ementas, utilizadas como se fossem um resumo fiel do julgamento. Diante disso, e não excluídas outras funções porventura atribuídas às ementas judiciais, se faz necessário identificar como elas são elaboradas com vistas a identificar a existência ou não de compatibilidade entre seu conteúdo e os fins para os quais são empregadas. Em outras palavras, é importante identificar como são elaboradas porque, se as

1

Este artigo foi elaborado a partir da pesquisa “Fundamentação e previsibilidade no Supremo Tribunal Federal: um estudo empírico de Recursos Extraordinários”, conduzida no âmbito do Núcleo de Justiça e Constituição da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas – DIREITO GV. A pesquisa foi desenvolvida a partir do exame quantitativo e qualitativo de 53 recursos extraordinários decididos no Plenário do STF entre os dias 5 de setembro de 2007 e 1o de setembro de 2009, período correspondente ao último período em que a composição do STF manteve-se inalterada. A íntegra da pesquisa está disponível na obra O Supremo Tribunal Federal para além das ações diretas de inconstitucionalidade, organizado por Dimitri Dimoulis, Luciana Gross Cunha e Luciana de Oliveira Ramos. 2 No campo de pesquisa jurisprudencial desses sites existe o campo de pesquisa pela ementa, que considera o seu conteúdo para a seleção de decisões.

5

ementas judiciais não forem representativas do teor dos acórdãos ao quais se referem, será inadequada sua utilização como argumento de autoridade em petições e acórdãos ou como imagem do trabalho do tribunal. Ademais, embora os questionamentos apresentados no presente artigo sejam, em grande medida, aplicáveis às ementas de acórdãos de qualquer dos tribunais nacionais, foco será atribuído às ementas dos acórdãos do STF devido à centralidade desse tribunal no cenário judicial e político brasileiro. Além disso, conforme reiteradamente apontado pela doutrina especializada, as decisões proferidas por essa Corte são peculiares devido à recorrente inexistência de unidade nas razões de decidir apresentadas pelos ministros votantes, característica esta que torna ainda mais árdua a tarefa de redigir uma ementa jurisprudencial. Assim, o presente artigo está dividido em cinco seções, incluídas essas notas introdutórias e a conclusão. Na segunda seção serão apresentadas, de forma não exaustiva, normas e decisões judiciais que orientam a elaboração de ementas judiciais nos tribunais brasileiros. Em seguida, na terceira, será apresentada a forma como são elaboradas ementas judiciais no âmbito do STF, momento em que são analisadas algumas de suas decisões para identificar padrões de (in)compatibilidade entre o teor do julgado e o conteúdo da ementa. Finalmente, na quarta seção, o modus de construção de ementas judiciais do STF será confrontado com o modelo decisório que lhe é próprio.

2 Aspectos normativos e jurisprudenciais sobre a elaboração de ementas judiciais A Lei Complementar n. 95, de 1998 – que dispõe sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis –, determina, nos artigos 3o e seguintes, que uma lei deve ter três partes básicas: a preliminar, a normativa e a final. A parte preliminar compreende a epígrafe, a ementa, o preâmbulo, o enunciado e a indicação do âmbito de aplicação das disposições normativas. A parte normativa consiste no texto das normas de conteúdo substantivo relacionadas com a matéria regulada, e a parte final contém as disposições acerca das medidas necessárias à implementação das normas de conteúdo substantivo. O artigo 5o dispõe que a ementa será grafada por meio de caracteres que a realcem que e explicitem, de modo conciso e sob a forma de título, o objeto da lei. De acordo com a síntese do Manual de Redação da Presidência da República, “a ementa é a parte do ato que sintetiza o conteúdo da lei, a fim de permitir, de modo imediato, o conhecimento da matéria

6

legislada” (BRASIL, 2002). Acerca da ementa jurisprudencial, o art. 563 do Código de Processo Civil (CPC) dispõe que “todo acórdão conterá ementa”. Embora o dispositivo seja imperativo da obrigatoriedade de ementa, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se debruçou sobre recursos questionando a inexistência de ementa ou mesmo a incompatibilidade entre ementa e acórdão. Apesar do art. 563, o STJ entende que a ausência de ementa não conduz à nulidade do acórdão 3, pois “a regra inserida no CPC tem como escopo aperfeiçoar as intimações, de modo a que as partes, no próprio momento em que a recebem, tenham conhecimento das razões que lastreiam o acórdão e de seu alcance” 4. Nesse sentido, o efeito da inexistência de ementa para o STJ seria a nulidade da intimação, caso haja prejuízo para as partes. Contudo, o mesmo Tribunal já se posicionou afirmando que, caso algum tribunal seja provocado, por meio de embargos de declaração, para complementar o acórdão na parte preliminar, tal órgão estará “obrigado a dotá-lo de ementa”5. Do mesmo modo, na ocorrência de incompatibilidade entre decisão e ementa, o STJ tem antigas decisões no sentido de que “entre a substância do decidido no acórdão e a ementa equivocada, à evidência que deve prevalecer aquela, até porque as ementas não integram as decisões colegiadas” 6. Ademais, o STJ também já decidiu que o conteúdo da ementa não está vinculado à observância de critérios legais, “cabendo ao relator, fazendo uso de sua sensibilidade, resumir aquilo que, no seu sentir, há de mais relevante no acórdão, condensando seu conteúdo” 7. Com efeito, em regra os regimentos internos dos tribunais atribuem ao relator a competência para a elaboração da ementa do acórdão. O Regimento Interno do STF, por exemplo, prevê que “a Secretaria das Sessões encaminhará os autos ao relator sorteado ou ao relator para o acórdão, para elaboração deste e da ementa, no prazo de dez dias” (art. 96, §4o). Outro exemplo é o Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que determina competir ao relator “lavrar o acórdão com a respectiva ementa” (art. 31, VI). A escassa bibliografia sobre as ementas judiciais estabelece alguns critérios formais para a construção de ementas, que devem ser “redigidas dentro das orientações da técnica

3

De todo modo, o STJ reconhece a relevância da ementa “enquanto indexador de uma das principais fontes do direito” (STJ, Terceira Turma, ED no Resp 1.009.591/RS, Relatora Min. Nancy Andrighi, j. 05/10/2010). Para o STJ, “o ideal fosse a instituição de critérios homogêneos para a elaboração das ementas, trata-se de tarefa extremamente difícil, dado o elevado grau de subjetivismo que envolve esse trabalho” (STJ, Terceira Turma, ED no Resp 1.009.591/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 05/10/2010). 4 STJ, Primeira Turma, Resp 87739/SP, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 05/09/1996. 5 STJ, Resp 272570/MG, Rel. Min. Ari Pargendler, DJU de 13.08.01. 6 STJ, Quarta Turma, AG 16329-o/CE, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo; STJ, Sexta Turma, ED no RMS 7527/RJ, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 09/06/1997. 7 STJ, Terceira Turma, ED no Resp 1.009.591/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 05/10/2010.

7

legislativa

e elaboradas com maior rigor formal, porque é a linguagem que realiza o

Direito” (CAMPESTRINI, 1994, p. 2). Em relação ao conteúdo, determinam que a ementa deve ser o resultado de um processo de análise com o objetivo de condensar um documento, tarefa na qual são selecionados os aspectos mais importantes, para além da transcrição de trecho de voto: Pergunte-se: (a) ao relatório (do acórdão ou do voto): (i) que situação ocorreu? (ii) que direito se discute?; (b) ao dispositivo: que se decidiu quanto à aplicabilidade do direito ao fato? (c) à fundamentação do voto: quais as razões para se adotar aquele determinado entendimento? (GUIMARÃES, 2004, p. 94)

Finalmente, o ministro do STJ Ruy Rosado de Aguiar Júnior, em palestra proferida no Tribunal Regional Federal da 4a Região, defendeu que a ementa deve expressar o entendimento majoritário do órgão julgador. Por esse motivo, segundo o referido autor, não seria possível aproveitar a ementa apresentada pelo relator se ele ficou vencido, situação na qual “a ementa deve ser extraída dos votos vencedores” (AGUIAR JUNIOR, 2008) 8. Uma vez realizado esse diagnóstico a respeito da inexistência de legislação e critérios claros para a elaboração de ementas judiciais que se aplique genericamente aos tribunais nacionais, optou-se por investigar se há no STF regras internas que determinem critérios mínimos para a elaboração de ementas.

3 Os processos de construção da ementa pelo STF Para melhor compreender como são redigidas as ementas dos acórdãos do STF, perguntou-se ao Tribunal “quais critérios são utilizados para a construção da ementa, se algum manual ou técnica é adotado ou se varia de ministro para ministro?”. A Secretaria Geral da Presidência do STF informou que “em atenção à sua mensagem, informamos que os critérios e a técnica são definidos pelos próprios ministros”9. A partir dessa resposta, realizamos uma pesquisa exploratória, com o objetivo de entender se há algum critério ou modelo intragabinete de elaboração de ementas das decisões do STF. Para tanto, entramos em contato por telefone e correio eletrônico com os chefes de gabinetes dos ministros à época da pesquisa. Foi possível constatar que, para parte dos 8

Com efeito, nesse raciocínio está justificada a prática adotada pela maioria dos tribunais nacionais, inclusive pelo STF, segundo a qual, quando o relator restar vencido no julgamento, novo relator é indicado para elaborar o acórdão e, por conseguinte, redigir a ementa. Essa regra aponta para tendência que será abordada mais adiante neste artigo de muitas vezes a ementa de acórdãos do STF ser redigida com base no voto do relator (ou do relator para acórdão) sem necessariamente refletir o voto dos demais ministros da corrente majoritária. 9 Conforme resposta registrada sob o protocolo n. 152816, de 5 de fevereiro de 2013.

8

gabinetes respondentes, o próprio ministro relator ou o ministro relator para o acórdão é responsável por elaborar as ementas ao revisar o acórdão para publicação. Em outros gabinetes a assessoria do ministro é responsável pela redação das ementas, que também desempenha a função no momento prévio à publicação do acórdão. Ressalte-se que todos os respondentes afirmaram não haver diretrizes sobre o conteúdo das ementas, sendo desconhecidas quaisquer regras formais ou informais a respeito de sua elaboração. Interessante notar que em um dos gabinetes mencionou-se que a elaboração das ementas é realizada segundo as normas do Manual de Redação da Presidência, muito embora não haja nenhum dispositivo específico sobre ementas jurisprudenciais. De modo geral pode-se dizer que inexiste qualquer procedimento interno ao STF para construção ou revisão conjunta das ementas pelos ministros, salvo na hipótese de recurso questionando explicitamente o conteúdo da ementa. É o caso dos embargos de declaração interpostos sob a alegação de contradição entre a ementa e o acórdão. 3.1 Análise das ementas do STF Para a análise das diferentes construções em que uma ementa pode se configurar nos acórdãos do STF, procedeu-se à análise de 53 recursos extraordinários além do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 2591 e respectivos embargos de declaração (aplicação do Código de Defesa do Consumidor às relações contratuais bancárias). Essa análise consistiu na comparação entre o conteúdo da ementa com o conteúdo dos votos de cada ministro participante do julgamento. Para tanto, recorremos ao exercício interpretativo de mapear as questões constitucionais enfrentadas e os argumentos apresentados em cada voto e comparálos com os elementos que integram a ementa10. Em alguns dos recursos extraordinários estudados observou-se que não havia coerência entre a ementa e o acórdão. Essas ocorrências evidenciam a questão de que a ementa é construída apenas pelo relator, sem considerar a discussão pelo plenário ao final do julgamento. Dois exemplos bastante interessantes da falta de compatibilidade entre a ementa e o acórdão são o RE 583.95511 e o RE 511.96112. 10

De acordo com Mendes (2010), o juiz, ao realizar o processo de subsunção do fato à norma, articula diversas espécies de razões. Cada uma dessas razões desempenha um determinado papel e possui certo grau de relevância no todo. As razões que são fundamentais para a decisão judicial podem ser denominadas ratio decidendi, ou seja, são os fundamentos definitivos para decidir. Esses fundamentos diferem daqueles secundários, que cumprem um papel marginal ao argumento geral, “coisas ditas ao propósito do caso concreto em si e que não lhe transcendem nem alcançam os casos futuros”. 11 STF, RE 583.955, Plenário, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 28.05.2009.

9

No RE 583.955 questiona-se a competência da justiça comum, e não da justiça trabalhista, para o processamento e julgamento da execução de débitos trabalhistas de empresas que estejam em recuperação judicial ou falência, assim como sobre a sucessão dos créditos. A ementa não corresponde ao objeto principal do julgamento – a legitimidade passiva de empresa sucessora em recuperação judicial em reclamações trabalhistas –, mas apenas sintetiza o voto do relator, fundamentado na manutenção dos dispositivos normativos sobre a competência do juízo falimentar para a execução de créditos trabalhistas. As questões constitucionais enfrentadas e os argumentos apresentados em cada um votos majoritários também não é idêntica. Enquanto o voto do relator enfatiza a previsão legal e a universalidade do juízo falimentar, outro ministro – que acompanhou o voto do relator – destaca a centralidade da legitimidade do polo passivo em reclamações trabalhistas. Esses elementos tampouco estão indicados na ementa. De modo semelhante, o RE 511.961 trata da não recepção pela Constituição Federal do art. 4o, inciso V, do Decreto-Lei n. 972/1969, que exige diploma de curso superior de jornalismo para o exercício da profissão. Da leitura do acórdão observa-se que o relator se propôs a responder uma série de questões para então se posicionar sobre a obrigatoriedade do diploma de jornalismo, além de traçar inúmeras conclusões e consequências sobre a sua decisão. Os demais ministros, por sua vez, apresentam em seus votos a posição apenas sobre uma das questões levantadas no recurso – a compatibilidade do decreto-lei com o texto constitucional – e também trouxeram ao debate novas questões constitucionais. Contudo, consta na ementa pontos que não foram consideradas por nenhum outro ministro além do relator, como a vedação à criação de conselhos profissionais, a violação da norma em face do Pacto de San José da Costa Rica e a noção de “reserva legal qualificada”. Assim, verifica-se que na ementa constam apenas questões levantadas pelo relator, sem considerar outros aspectos pontuados pelo voto vencido ou mesmo as considerações dos ministros da corrente vencedora. O conteúdo da ementa costuma seguir, portanto, as linhas argumentativas do voto do relator, não refletindo de maneira fiel o julgado, ou seja, a ementa não representa um resumo das questões e dos argumentos levantados por todos os ministros em seus votos. No mesmo sentido, não foram encontrados padrões de escrita nas ementas analisadas. Em alguns casos, a ementa apenas reflete a transcrição da parte dispositiva da sentença, informando unicamente a conclusão do acórdão, conforme se verifica na ementa transcrita a seguir:

12

STF, RE 511.961, Plenário, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 13.11.2009.

10

Citação por edital. Inventário. Art. 999, § 1o, do Código de Processo Civil. 1. A citação por edital prevista no art. 999, § 1° do Código de Processo Civil, não agride nenhum dispositivo da Constituição Federal. 2. Recurso extraordinário a que se nega provimento13.

Em outros acórdãos a ementa é exaustiva nas questões analisadas, tanto nos pontos abordados por todos os ministros como nos argumentos por eles utilizados. Além do dispositivo, também são trazidas as questões decididas e os argumentos que embasaram a decisão. Como exemplo, temos o RE 556.66414, no qual a ementa reflete as razões de decidir adotadas pelo relator e confirmadas pela maioria dos ministros, à exceção do ministro Cezar Peluso, que acompanhou o relator, mas com fundamentos distintos daqueles adotados pelo voto condutor. Outra situação é a ementa apenas trazer as conclusões da deliberação entre os ministros, mas não explicitar os argumentos que as embasam. Na ementa abaixo, nota-se a enumeração das questões discutidas, mas sem os fundamentos que justificam cada uma das conclusões. Apesar de a ementa citar tratado internacional em matéria de direitos humanos, ela não informa que este foi acolhido pelo ordenamento interno brasileiro após intensa divergência no julgamento. PRISÃO CIVIL. Depósito. Depositário infiel. Alienação fiduciária. Decretação de medida coercitiva. Inadmissibilidade absoluta. Insubsistência da previsão constitucional e das normas subalternas. Intepretação do artigo 5 o, inciso LXVII e parágrafos 1o, 2o e 3o, da CF, à luz do art. 7o, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto San José de Costa Rica). Recurso improvido. Julgamento conjunto do RE 349.703 e dos HCs 87.585 e 92.566. É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito. 15

3.2 Aplicação do CDC às instituições bancárias Neste tópico do artigo será relatado caso paradigmático em que a incompatibilidade entre o teor da ementa e o conteúdo decisório do acórdão deu causa à retomada, em sede de embargos declaratórios, do debate em torno do mérito da demanda. No final de 2001 a Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif) interpôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 2591 perante o STF para que fosse declarada inconstitucional expressão contida no parágrafo 2o do art. 3o, do Código de Defesa do

13

STF, RE 552.598-8, Plenário, Rel. Min. Menezes Direito, j. 21.11.2008. STF, RE 556.664, Plenário, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 14.11.2008. 15 STF, RE 466.343, Plenário, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 03.12.2008. 14

11

Consumidor (CDC), que inclui na relação de fornecedores para os fins desse Código as atividades de “natureza bancária, financeira, de crédito e securitária”. O julgamento da referida ADI se deu em 2002, momento em que se declarou a improcedência da ação, restando vencidos parcialmente os ministros Carlos Velloso e Nelson Jobim. Todavia, em outubro de 2006, a Procuradoria-Geral da República, o Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon) e o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) opuseram embargos de declaração à decisão da ação direta de inconstitucionalidade, alegando a existência de omissão e contradição no acórdão. De acordo com o relatório do julgamento dos embargos de declaração, haveria contradição entre a parte dispositiva da ementa e os votos componentes do acórdão. Segundo os embargantes, “embora a certidão de julgamento contenha as expressões ‘improcedência total do pedido’, a ementa ‘traz, em três parágrafos, menção expressa ao acatamento da tese de que o CDC deveria ser interpretado em conformidade com a Constituição’”. Ainda de acordo com os embargos, a limitação à aplicação do CDC à definição da taxa de juros resultaria em parcial procedência do pedido contido na ADI, o que aproximaria a ementa ao voto vencido do ministro Carlos Velloso. Nesse sentido, os votos majoritários, que decidiram pela improcedência total do pedido, não seriam compatíveis com a ementa, “visto que esta contém os vocábulos ‘em coerência com o texto da Constituição’”, o que implicaria em admitir a possibilidade de aplicação da técnica da interpretação conforme. No julgamento dos embargos declaratórios o ministro Eros Grau declarou que houve uma tentativa de esclarecer (em seu voto e na ementa do acórdão embargado) que as operações bancárias, financeiras e de crédito praticadas por instituições financeiras estariam contempladas entre as relações de consumo, excluído do âmbito de incidência qualquer controle sobre a abusividade das taxas de juros pactuadas àqueles que não são “consumidores”, como a pequena e a micro empresa, que tomam dinheiro para capital de giro em sua atuação empresarial. A reafirmação pelo ministro Eros Grau do conteúdo do seu voto quando do julgamento dos embargos reabriu a discussão sobre o mérito do julgamento da inconstitucionalidade em sede de embargos de declaração. Diante disso, o ministro Carlos Britto, que havia acompanhado os votos majoritários no julgamento da ADI, reconheceu a contradição existente entre a ementa e o decidido no acórdão, entendendo que as relações de consumo também envolvem a atividade de composição da taxa de juros. Nesse momento se reabriram os debates sobre o âmbito de aplicação do CDC, que resultaram na concordância pelo ministro Eros Grau em proceder aos

12

esclarecimentos necessários para corrigir a contradição existente na ementa original e o plenário passou a deliberar sobre a sua retificação. Se, por um lado, os ministros Carlos Britto e Celso de Mello defendiam que o CDC poderia dispor acerca das relações oriundas da fixação da taxa de juros, por outro, o ministro Eros Grau sustentou que se tratava de um aspecto da política macroeconômica, não sendo possível dispor em lei ordinária. Esse foi o entendimento majoritário no julgamento da ADI e o principal item questionado nos embargos de declaração – que o afastamento do CDC quanto aos juros poderia ser deduzido do julgamento. Atento aos desdobramentos dos debates, o ministro Sepúlveda Pertence identificou que a divergência estaria no que se entendia por obter dicta do julgamento e, por consequência, deveria constar na ementa e que, se o Tribunal estivesse de acordo, “a solução seria, realmente reduzir a ementa àquilo em que estamos todos de acordo”. Segundo o ministro Pertence, haveria unanimidade no plenário apenas em relação à parte da ementa até a declaração expletiva de que o preceito veiculado no art. 3 o, §2o do CDC deve ser interpretado em coerência com a Constituição. E por esse motivo afirmou que “[a] partir daí, realmente, vejo que há uma dispersão de fundamentos entre os votos proferidos. É claro que isso, em ementa, de regra, não teria sentido. Mas, num caso como este, a ementa será mais citada que o acórdão e os votos que o compuseram”. Ao final os ministros concordaram que os embargos de declaração deveriam ser recebidos apenas para reduzir a ementa ao objeto do consenso do plenário. Contudo, lembra o ministro Pertence que “o resto estará no voto do ministro Eros Grau” 16. Portanto, verifica-se que no caso ora descrito a incompatibilidade entre a ementa e os votos dos ministros que compuseram a corrente majoritária deu origem ao oferecimento de embargos declaratórios, nos quais houve reabertura do debate do mérito da causa. Mais ainda, a reabertura do debate se deu também pela já conhecida inexistência de uma decisão única, composta por votos que dialoguem entre si, que evidentemente cria dificuldades na elaboração da ementa jurisprudencial. Após esse diagnóstico sobre como são elaboradas as ementas judiciais no âmbito do STF e sobre a (in)compatibilidade entre a ementa e o conteúdo da decisão, na próxima seção deste

16

Durante os debates para retificação, o ministro Eros Grau manifestou-se no sentido de que a edição da ementa iria além do que foi questionado pelos embargos de declaração, ao que o ministro Pertence responde: “vejo que realmente fica difícil, sem rejulgar a causa, estabelecer outra maioria quanto ao que não é necessário”, e o ministro Grau conclui: “peço para evitar novos embargos de declaração que, então, aponte exatamente em que termos nós estamos reapreciando a matéria para que não haja, depois, problema com novos embargos”.

13

artigo será observado como o perfil decisório do STF reflete na dificuldade e na complexidade em elaborar ementa que verdadeiramente reflita todas as vozes constantes do acórdão.

4 Relação entre ementa jurisprudencial e modelo deliberativo no STF Se hoje as lides processuais giram em torno da jurisprudência, Campestrini nos lembra de que “copia-se muito e reflete-se pouco e, ao tempo em que se tenta, com a informática, acelerar os trabalhos, não se constata, salvo esparsas exceções, qualquer avanço no aperfeiçoamento das ementas” (CAMPESTRINI, 1994, p. 2). Nesse sentido Barbosa Moreira já alertava que o perigo na ementa redigida com má técnica é o de criar um falso precedente. A ementa mal elaborada poderá servir de indicação para casos futuros, e desqualifica o trabalho de quem fez a ementa, o trabalho do tribunal e a peça de quem citou essa ementa sem confirmar o conteúdo do acórdão (AGUIAR JUNIOR, 2008). Essa constatação se agrava diante das características do processo decisório do STF, que se caracteriza mais como uma somatória de decisões e menos como um órgão colegiado. Cada um dos onze ministros formula seu voto individualmente e o apresenta oralmente ao plenário (MENDES, 2010). Não há mecanismos institucionais destinados a estimular os membros do STF a se reunirem para formular uma decisão cujo resultado e a sua ratio decidendi sejam facilmente identificáveis. Em síntese, são escassas as decisões em que os argumentos de apenas um voto possam ser compreendidos como os argumentos centrais para a decisão final. Ao se considerar que o modelo deliberativo brasileiro é carente de decisões claras, objetivas e que vinculem a opinião do tribunal, as decisões são publicadas como uma soma, uma “colagem” de decisões individuais; “muitas vezes é extremamente difícil, a partir dessa colagem, desvendar qual foi a real razão de decidir do tribunal em determinados casos, já que, mesmo os ministros que votaram em um mesmo sentido podem tê-lo feito por razões distintas” (SILVA, 2009, p. 217). Um exemplo desse problema é apresentado por Vojvodic, Machado e Cardoso (2009) ao analisar o julgamento de ação de inconstitucionalidade sobre a vedação ao uso de carros de som na Praça dos Três Poderes. Embora os ministros tenham identificado o mesmo problema a ser decidido – a possibilidade de limitar o direito de reunião – foram diversas as linhas de raciocínio e fundamentação das decisões individuais. Para as autoras, mesmo que o voto do relator seja um guia para a tomada de decisão dos demais ministros, constituindo um peso

14

maior na fundamentação do caso, é necessário considerar que a existência de argumentos conflitantes com o voto condutor poderia relativizar a adequação deste voto ao que foi efetivamente decidido pelo Tribunal (2009, p. 29). Diante dessa característica, nos parece que a atribuição de construir uma ementa de acórdão do Supremo Tribunal Federal é um desafio em si. Se entre a corrente vencedora nos julgamentos da Corte por vezes o único elemento em comum é o dispositivo da decisão (procedente, improcedente ou procedente em parte), quais questões constitucionais e argumentos devem constar da ementa? Aqui a questão que se coloca vai além da dúvida quanto à necessidade de se inserir na ementa elementos dos votos vencidos; está em saber se ela deve refletir o voto de todos os ministros da corrente vencedora ou apenas o voto do relator. Se considerada a última hipótese levantada, o que constitui a praxe no STF, a ementa poderá refletir apenas um décimo do conteúdo decisório. Mais adiante, artigo denominado “Supremo Relator: Processo decisório e mudanças na composição do STF nos governos FHC e Lula” constata que o voto do relator é uma variável de suma importância para a compreensão do resultado de decisões proferidas pelo STF17. Conforme argumenta, o resultado das decisões colegiadas proferidas em ADI quase sempre corresponde ao resultado atribuído ao julgamento pelo relator, e isso pode ser decorrente de uma deliberação empreendida pelos ministros nos bastidores do STF antes da inclusão dos casos na pauta de julgamento ou de uma carga excessiva de trabalho dos ministros, que faz com que eles simplesmente adiram à decisão do relator18. Independentemente dos motivos, a pesquisa demonstra que o ministro relator geralmente determina o resultado do julgamento. Se considerarmos, como ficou demonstrado pelo presente artigo, que a ementa geralmente reproduz a argumentação do ministro relator, é possível concluir que 17

No artigo “Supremo Relator: Processo decisório e mudanças na composição do STF nos governos FHC e Lula” a autora descreve os resultados de pesquisa que desenvolveu sobre o processo decisório no STF. Na ocasião, para descrever sua amostra de pesquisa a autora relata que “do total de ADIns distribuídas até 2009, 66% tiveram a decisão final proferida, 10% tiveram decisão liminar (e estão ainda aguardando julgamento final) e 24% aguardavam, sem nenhum tipo de decisão. Das ações com decisão final julgada (2.853), 64% não foram conhecidas, 6% foram declaradas improcedentes e 30% procedentes na totalidade ou em parte. Ou seja, foram 866 decisões finais deferidas total ou parcialmente”. OLIVEIRA, Fabiana Luci de. Supremo Relator: Processo decisório e mudanças na composição do STF nos governos FHC e Lula. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 27, n. 80, 2012. p. 93. 18 Nas palavras da autora: “Eliminando as ADINs com decisão monocrática (585 ações) e inserindo o voto do relator como uma das variáveis preditivas, temos que sozinho o voto do relator dá conta de explicar a quase totalidade da variação no resultado da decisão. O voto do relator varia quase perfeitamente com a variável alvo – o coeficiente de correlação entre voto do relator e resultado final do mérito é de 0,987. Em apenas 6 das 692 ações julgadas no período considerado, o voto do relator foi diferente do resultado final da decisão, ou seja, em 99% dos casos o voto do relator é igual à decisão final da corte. E como o relator é o primeiro a votar, isso implica em que conhecer a direção desse voto é saber o resultado final em 99% das vezes”. OLIVEIRA, op. cit., p. 109-110.

15

independentemente de haver unanimidade ou uniformidade na fundamentação dos votos dos ministros, geralmente o resultado da ação representará a vontade do relator. Isso porque, embora os ministros possam divergir entre si quanto ao teor da razão de decidir, eles tendem a seguir a decisão final do relator, que muitas vezes elaborará ementa considerando sua própria fundamentação e omitindo a divergência entre as razões de decidir. A principal consequência é que, em diferentes situações, a ementa pode ser apropriada como argumento ou resumo de uma decisão que não corresponde à deliberação sobre o caso em questão, ou se apresenta de uma forma muito mais simplificada que aquela debatida durante o julgamento. Nesse sentido, a ementa pode ser considerada um reflexo do peculiar modelo deliberativo que vem sendo desenvolvido nos tribunais brasileiros em geral e, em particular, no STF19. Outra característica do processo decisório do STF, mas que também se aplica a outros tribunais brasileiros, é que nem sempre o ministro sorteado na distribuição para ser relator o será até o final do processo. Isso porque há a previsão de substituição das funções de relator quando este for vencido no julgamento, conforme disposto no art. 38, II do Regimento Interno do STF. Importa questionar essa própria previsão de mudar a relatoria – e a redação da ementa – para outro ministro cujo voto tivesse sido vencedor. Não poderia o relator original narrar que sua posição foi considerada minoritária bem como apresentar os demais argumentos? Isso demonstra que, para o sistema atual, um representante dos votos vencedores seria mais qualificado para descrever o ocorrido no processo que um membro da minoria. Aqui não se questiona a existência de “votos condutores”, mas a razão de que os responsáveis por essa argumentação também direcionem o resumo da decisão. Tal procedimento acaba por forçar que tanto o relatório quanto a ementa sejam produtos da opinião da maioria (ou somente do relator) e não um produto da coletividade ou até mesmo um extrato fiel do debate ocorrido.

19

Em entrevista ao blog Os Constitucionalistas, o ministro Luís Roberto Barroso menciona que uma de suas mudanças propostas ao Tribunal refere-se à possibilidade de, “ao final dos julgamentos, proclamar a tese jurídica que foi aprovada pela maioria”. O ministro compartilha o diagnóstico apresentado neste texto, segundo o qual “um dos problemas nos acórdãos do Supremo é que eles são feitos por um método agregativo que facilita a vida de todo mundo. Dos advogados e dos juízes, que têm de segui-los: cada um apresenta o seu voto e a ementa geralmente é feita pelo relator, com base no voto originário. Por isso, em muitos casos a ementa não expressava a posição da maioria. Às vezes não se sabia o que o Supremo tinha decidido”. Disponível em: . Acesso em: 12 jun. 2015.

16

5 Considerações finais Neste artigo se constatou que, a despeito de ser obrigação legal a existência de ementa em acórdãos judiciais, não há regras que declarem sua finalidade ou estabeleçam diretrizes para sua elaboração. No STF a formulação de ementas recai sobre o relator do julgamento, que pode desenvolver a estrutura e o conteúdo segundo suas preferências pessoais. Embora na maior parte dos casos estudados aqui as ementas fossem coerentes com as discussões constantes dos acórdãos, verificou-se que elas geralmente refletem a argumentação do ministro relator. Constatou-se também que na hipótese de o relator restar vencido no julgamento, novo relator é indicado para redigir o relatório e a ementa do acórdão. Essa regra apenas contribui para a tendência existente de os ministros votantes seguirem o voto do ministro relator ou, na existência de divergência entre os votantes, a ementa refletir apenas a decisão da corrente majoritária ou do relator do caso. De todo modo, resta a reflexão acerca dos motivos pelos quais é necessária a indicação de um representante da maioria para redigir o relatório e a ementa da decisão. Seria esse representante da maioria mais qualificado do que um ministro com voto minoritário para condensar o resultado de julgamento produto de deliberação colegiada? Parece-nos que essa escolha normativa induz à elaboração de ementas que sejam antes um produto da opinião da maioria (ou somente do relator) do que um resumo fiel do debate ocorrido. Um possível empecilho para que a ementa se consolide como resumo do acórdão é a dificuldade de serem encontrados em certos casos os “argumentos do Tribunal”. Essa dificuldade, ligada ao modelo institucional adotado pelo STF, reflete na impossibilidade de que a ementa apresente uma linha argumentativa única. Ora, se não há linhas argumentativas comuns aos ministros, à ementa apenas caberia ser um compêndio de onze votos distintos ou se prestar a ser um resumo apenas do voto daquele que a escreveu – o que comprovamos ser a maioria dos casos. Cabe ressaltar ainda que o baixo número de votos disponíveis em acórdãos de recursos extraordinários colabora para que haja maior coerência entre conteúdo decisório e ementa. Não é difícil concluir que, por um lado, quanto menor o número de votos disponíveis, mais provável será a reunião dos argumentos principais. Por outro, quanto maior o número de votos disponíveis, menores serão as chances de se extrair uma razão de decidir única do acórdão, prevalecendo, assim, as razões apresentadas no voto do relator.

17

De todo o exposto, surgem questões ainda sem resposta definitiva. Se a ementa deve recuperar a informação constante do acórdão e possuir como teor um resumo fiel do acórdão, a quem deveria competir sua redação? Conforme se demonstrou, o ministro relator geralmente resume seus próprios argumentos para formular a ementa e acaba, por vezes, elaborando excerto que não reproduz fielmente o diálogo empreendido entre os ministros. Do mesmo modo, deveria haver critérios mínimos ou padronização para a formulação de ementas? Nesse caso, deve haver a escolha entre elaborar ementas sucintas, mas que não apresentam as questões debatidas e os argumentos levantados pelos ministros? Ou são desejáveis ementas mais extensas que apresentem com maiores detalhes o resultado e as razões de decidir? Em vez de respostas, diante desse cenário, este artigo objetivou levantar algumas reflexões acerca da incompatibilidade da forma como as ementas judiciais são elaboradas com as funções que lhes são atribuídas.

6 Referências bibliográficas

AGUIAR JÚNIOR, R. R. de. Ementas e sua técnica. Revista de Doutrina da 4a Região, Porto Alegre, n. 27, dez. 2008. Disponível em: . BRASIL. Presidência da República. Manual de Redação da Presidência da República. 2. ed. Brasília: Departamento de Imprensa Nacional, 2002. BARROS, M. A. L. L.; LANGENEGGER, N. Crítica à estrutura do Supremo Tribunal Federal por meio da agência: repensando a racionalidade da corte. XXI Congresso Nacional de Pesquisa e Pós Graduação em Direito, 2012, Niterói. CAMPESTRINI, H. Como redigir ementas. São Paulo: Saraiva, 1994. GUIMARÃES, J. A. C. Elaboração de Ementas Jurisprudenciais: elementos teóricosmetodológicos. In: Série Monografias do Centro de Estudos Judiciários, v. 9. Brasília: Conselho de Justiça Federal, 2004. Disponível em: . Acesso em: 14 fev. 2012. HAIDAR, R.; NONATO, I. Luís Roberto Barroso: Não tenho nenhum orgulho do volume de processos que o Supremo julga. Disponível em: . Acesso em: 12 jun. 2015. KLAFKE, G. F. Vícios no processo decisório do Supremo Tribunal Federal. Monografia de conclusão de curso de extensão universitária “Escola de formação”, Sociedade Brasileira de Direito Público (SBDP), 2010.

18

MENDES, C. H. Onze ilhas. Tendências e Debates, Folha de S.Paulo, 1/2/2010. Disponível em: . MOREIRA, J. C. B. Comentários ao código de processo civil (arts. 476 a 565). 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 84. OLIVEIRA, F. L. de. Supremo Relator: Processo decisório e mudanças na composição do STF nos governos FHC e Lula. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 27, n. 80, 2012. RAMOS, L. de O.; DIMOULIS, D.; CUNHA, L. G. (Orgs.). O Supremo Tribunal Federal para além das ações diretas de inconstitucionalidade. São Paulo: Direito GV, 2014. VIEIRA, O. V. Supremocracia. Revista Direito GV, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 441-64, jul.-dez, 2008. VOJVODIC, A. de M.; MACHADO, A. M. F.; CARDOSO, E. L. C. Escrevendo um romance: Primeiro Capítulo: Precedentes e Processo Decisório no STF. Revista de Direito GV, v. 9.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.