Crônicas do nosso tempo I - sobre as cabeças os helicópteros

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“O presente é tão grande, não nos afastemos...”. E nestes tempos bicudos, “considero”, com o poeta, “a enorme realidade”. Tão grande que dá até pra ver beleza. Nos detalhes. Bonito de se ver aquela companheirada toda ali na frente da alerj juntinha, alegre, se abraçando velhas amigas e velhos amigos. A moça bonita disse que aquilo „ta virando um social. É só lá que a gente encontra quem a gente não tinha como encontrar. Mais do que possível, o impossível fica feito. As falas, os gestos, os refrões. "O povo unido é povo forte..." Do carro de som do meu sindicato. As bandeiras dançavam na frente do carro de som.

Os fotógrafos agrupavam e reagrupavam. A exposição agrada. Perigosamente agradável no controle social. "...não teme a luta, não teme a morte!" Meus colegas seguram a enorme faixa vermelha contra mais uma do pacote de maldades: o fim dos direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras. Logo atrás, umas meninas muito alegres com as flâmulas do S E P E: eu nunca tinha visto tanta beleza em uma manifestação. Além das faixas, cartazes, bandeiras: as franjas, o desenho das letras, as cores, as formas. E o melhor, a legenda só fazia sentido se as moças ficassem sempre juntinhas. E esta foi a instrução, dentro do ônibus, ao perguntar se havia alguém ali pela primeira vez em uma manifestação. Fiquem sempre juntos. Não se afastem. Bela visão perpendicular para o alto da igreja da matriz, lá de onde a polícia, da outra vez, instalou os snipers.

Uma explosão. Morteiro?! Olhei pra trás. Era bomba! Atiravam pelas nossas costas. Atiravam em cima do carro do som. "Não acabou! Vai acabar..." Olhei pro companheiro e o rosto dele estava tenso. Calma! Fiquem juntos e não corram! A fumaça ficou espessa. O ar faltou. A colega molhou meu lenço com o leite de magnésia. Nossa cara ficou branca. O passo apressou. O choque nos empurrava. E mais bomba. E mais gás. Atrás, uma fumaça espessa. O primeiro contêiner. Daí por diante foi uma tentativa atrás da outra de reagrupar em meio às dissipações necessárias. Ainda no ônibus, a ordem de voltar juntos. Todos. O fogo é bonito. Quando criança, eu me encantava com as fogueiras. Menino, não brinca com fogo que mija na cama! Do alto, do céu escuro pela noite densa de chuva fina, helicópteros nos iluminavam com os holofotes. Controlando os agrupamentos. Voando baixo. A fumaça densa na noite densa nas explosões das bombas. Dos ônibus incendiados.

Ágil, com presteza mecânica e humana, o bombeiro se movimenta no esquicho das mangueiras que chiam na ardência do fogo. Mais explosões e o choque, de motocicleta, nos cercando.

Na garupa, o lançador de bombas. Um pelotão passou e um policial batia, insistentemente, no coldre, fazendo barulho. Não precisavam mais dos escudos?! O preto das fardas. O preto dos ninja. O preto dos bloc. O preto da noite. E da fumaça. O rapaz grande caiu. Despencou. Ao lado dele uma bomba explodiu bem na cara. Soro rápido lançado no rosto. Levanta e corre. Puxei minha colega pela mão e corremos. Pra voltar pelas costas e resistir. Lenços coloridos, botas de couro, bandanas, luvas, cachecóis. Um estilo?! Moda?! Táticas, estratégias, esperteza? A indústria cultural se apropriando na contracultura?! Pode ser... O futuro é tão incerto. Não nos afastemos. Vamos de mãos dadas.

Julio Roitberg, 29/04/2017

Publicado em http://profroit.blogspot.com.br/2017/04/cronicas-do-nosso-tempo-i-sobre-as.html

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